dificuldades de aprendizagem

110
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Autora: Gisele Brandelero Camargo Pires Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS

Upload: others

Post on 03-Apr-2022

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Autora: Gisele Brandelero Camargo Pires

Programa de Pós-Graduação EADUNIASSELVI-PÓS

Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Profa. Luciana Monteiro do Nascimento

Revisão Gramatical: Profa. Marcilda Regina da Cunha Rosa Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci

153.15P667d Pires, Gisele Brandelero Camargo. Dificuldades de Aprendizagem/ Gisele Brandelero Camargo Pires. Centro Universitário Leonardo da Vinci. – Indaial : Grupo UNIASSELVI, 2009.x ; 110 p.: il.

Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-214-6

1. Psicologia da Apredizagem 2. Aprendizagem - Dificuldades I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título

Reimpressão: Setembro, 2013.

CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCIRodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito

Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SCFone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Copyright © UNIASSELVI 2009

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial.

Reimpressão: Setembro, 2013.

Gisele Brandelero Camargo Pires

Possui graduação em Pedagogia, pela Universidade Estadual do Centro Oeste (2003); especialização em Psicopedagogia, pela Universidade do Vale do Ivaí (2004); e Mestrado em Educação, pela Universidade do Vale do Itajaí (2007). Atualmente, é professora do Centro Universitário Leonardo da Vinci e do Instituto Catarinense de Pós-Graduação (ICPG). Tem experiência em educação, pesquisa e formação docente, atuando com os temas: introdução à Psicopedagogia; história da educação; e métodos

e técnicas da pesquisa educacional. Na EAD, publicou: Lúdico e Musicalização na Educação

Infantil e Fundamentos da Psicopedagogia.

Sumário

APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7

CAPÍTULO 1A AprendizAgem: BuScAndo um conceito ...................................... 9

CAPÍTULO 2dificuldAdeS de AprendizAgem:SignificAdo, HiStórico e conceito AtuAl ................................... 31

CAPÍTULO 3oS profiSSionAiS dA educAção

e AS dificuldAdeS de AprendizAgem: diAgnóStico ........................ 53

CAPÍTULO 4intervenção e prevenção dAS dificuldAdeSde AprendizAgem no AmBiente eScolAr ...................................... 85

7

APRESENTAÇÃO

Caro(a) pós-graduando(a):

Nesta disciplina você irá refletir sobre a aprendizagem escolar, suas questões implícitas, bem como as dificuldades de aprendizagem que, muitas vezes, assolam o aluno, deixando-o à margem do processo de aquisição de conhecimento e do sucesso escolar. Dessa forma, esta disciplina está organizada em quatro capítulos.

No capítulo 1, você conhecerá as três diferentes perspectivas que explicam o termo aprender e analisará algumas das teorias que explicam a aprendizagem enquanto processo natural do ser humano.

No capítulo 2, você conhecerá a historicidade e o conceito atual do termo Dificuldades de aprendizagem e refletirá sobre as necessidades educacionais, no contexto escolar, dos alunos com dificuldades de aprendizagem.

No capítulo 3, você identificará os profissionais especializados para diagnosticar as dificuldades de aprendizagem no contexto escolar e analisará os comportamentos típicos de pessoas que tem de Dificuldades de Aprendizagem.

No último capítulo, você conhecerá algumas estratégias de observação e prevenção das dificuldades de aprendizagem que podem ser desenvolvidas na escola analisando os efeitos da intervenção psicopedagógica junto à escola e família do aluno com dificuldades de aprendizagem.

E, então, preparado(a)?

Tenha um excelente estudo!

CAPÍTULO 1

A AprendizAgem: BuScAndo um conceito

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

3 Analisar as teorias que explicam a aprendizagem enquanto processo natural do ser humano, classificando os fatores que a geram ou a dificultam.

3 Conhecer duas diferentes perspectivas que explicam o termo aprender.

11

A AprendizAgem: BuscAndo um conceito Capítulo 1

contextuAlizAção

Certamente, em algum momento de sua vida, você já discursou ou ouviu falar sobre a aprendizagem. Este tema é amplo e muito discutido nos âmbito familiar, social, educacional, entre outros. Você já deve ter ouvido afirmações como “Minha filha aprendeu a andar aos nove meses de vida!”; “João aprendeu a tocar violão sozinho!” e “Mellina foi muito precoce no aprendizado da leitura e escrita!” Você pode ter ouvido, também, negativas do ato de aprender, como, por exemplo, “Maria nunca aprendeu a cozinhar!” e “Joaquim não aprendeu a se comportar na Igreja!” Nestes exemplos e em tantos outros, podemos constatar que cada um de nós tem uma definição para o ato de aprender e percebe a importância desse ato para a própria evolução.

Nos discursos sobre a aprendizagem que ouvimos ou que fazemos, estão implícitas algumas explicações, convencionadas pela sociedade ao longo do tempo, para o ato de aprender. Uns dizem que a aprendizagem depende da uma boa genética; outros, que a qualidade dos estímulos oferecidos ao indivíduo é o que determina a aprendizagem; e outros, ainda, que o indivíduo só aprende à medida que interage com outros indivíduos da mesma espécie.

Você já parou para pensar como acontece a aprendizagem? Você consegue explicar como aprendeu todas as coisas que sabe hoje?

É sobre a aprendizagem, enquanto processo normal ou patológico, e tudo o que ela envolve que trataremos neste caderno.

Especialmente neste primeiro capítulo, você estudará algumas perspectivas do aprender, buscando aprimorar o conceito para aprendizagem e não-aprendizagem.

E, então, preparado(a)?

Desejo que você tenha um excelente estudo!

o Ato de Aprender

Aprender é uma habilidade de todo ser vivo! Veja: os cachorros, os gatos, os papagaios, entre outros bichos, são capazes de aprender coisas. Até as plantas aprendem! Já o ser humano evolui progressivamente de geração em

Dificuldades de Aprendizagem

12

geração, elaborando esquemas para interagir no mundo, afetando e sendo afetado pelo macrossistema das relações que o cerca, ou seja, o ser humano aprende! Diante disso, podemos dizer que o ato de aprender perpassa a existência de todas as espécies de seres vivos. Talvez seja por isso que os seres humanos, como seres racionais que são, estudam e discutem tanto o ato de aprender. E isso não acontece só na modernidade! O ato de aprender é investigado e discutido pelos filósofos e seus discípulos desde os primórdios dos tempos.

Platão, por exemplo, nascido em Atenas (427-347 a.C.), discípulo de Sócrates, afirmava, na teoria da Reminiscência, que aprender é recordar. Dizia que o ser humano deve ser entendido como corpo (ou coisa) e alma (ideias). Na alma, o ser humano pode “contemplar a solução verdadeira, a qual ele já possuía antes mesmo de nascer, e que, agora, através do método maiêutico, passa então a se recordar” (ARAÚJO; FILHO, 2004, p. 354).

De acordo com Weiszflog (2008), reminiscência significa (1) a capacidade de reter (coisas) na memória; (2) lembrança quase apagada; vaga recordação; (3) impressão que fica de uma coisa que se leu; (4) aquilo que fica de memória.

Maiêutica (palavra derivada do grego. Maieutikos vem de maieuesthai e significa “agir como parteira”) ou método maiêutico é uma contribuição do filósofo Sócrates para a educação. O método maiêutico consistia em provocar o interlocutor por meio do diálogo alimentado por várias perguntas até o interlocutor descobrir seus próprios conhecimentos e verdades.

Outro filósofo que refletiu sobre a aprendizagem como processo imbricado na transformação do homem foi Aristóteles (384-322 a.C.). Esse filósofo afirmava que todo conhecimento tem início nos sentidos, rejeitando a teoria da reminiscência de Platão e lançando bases para o ensino intuitivo.

Ao longo dos séculos, muitos outros estudiosos, educadores, filósofos, psicólogos etc., buscaram elaborar (ou complementar) uma teoria sobre o aprender.

13

A AprendizAgem: BuscAndo um conceito Capítulo 1

Atividade de Estudos:

1) Você conhece alguma dessas teorias sobre o aprender? Descreva, no espaço que segue, como essa teoria que você conhece compreende a aprendizagem.

______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

Agora que você já descreveu o que sabe acerca de uma das teorias de aprendizagem, estudaremos o ato de aprender sob duas perspectivas contemporâneas e muito eficientes para ampliar nossa reflexão sobre este tema: a perspectiva neurológica e a psicológica.

A perSpectivA neurológicA A neurociência estuda a realização fisiológica do processo de recebimento

e troca de informação no sistema nervoso do ser humano e de outros animais. Isto significa que a neurociência interpreta a evolução do ser humano como uma resposta física do organismo que é regido pelo cérebro, ou seja, ao receber os devidos estímulos, o cérebro realiza ações físicas que geram substâncias elétricas e químicas para transformar o ser humano, tornando-o diferente de como era. A neurociência estuda essa relação entre o cérebro e as transformações do ser humano.

Sendo assim, recorreremos à neurociência para enterder como o cérebro aprende.

Sugiro a seguinte leitura: ROCHA, Armando Freitas da. O cérebro: um breve relato de sua função. Jundiaí, SP: EINA, 1999.

Dificuldades de Aprendizagem

14

Antes de prosseguirmos, vale lembrar que a neurociência considera que o ser humano já nasce com algumas habilidades, ou seja, o cérebro não é uma “tábua rasa” ao nascer. Rocha (1999, p. 18) nos explica:

o filhote do ser humano nasce com um sistema sensorial já preparado para garantir sua sobrevivência como um mamífero, que tem que procurar e sugar um seio. A própria posição fetal no útero favorece esta preparação. Mão e boca podem se tocar, dedo pode ser sugado. É natural, portanto, que a criança nasça com a tendência de levar tudo à boca, para explorar o mundo.

A partir dessa primeira habilidade, o cérebro realiza conexões entre um neurônio e outro (sinapses), transformando e repassando as sensações adquiridas.

A Neurofisiologia aborda essa questão com bastante propriedade. Por ora, estudaremos suscintamente a relação de algumas funções do cérebro que estão relacionadas com o ato de aprender.

Você sabe como um neurônio é composto? Sabe o que é uma sinapse?

Segundo Rocha (1999, p. 29 e 30 ) o neurônio é uma célula composta de:

a) corpo celular, que contém núcleo da célula. No núcleo, estão os cromossomas. Os cromossomas contém os genes que, por sua vez, controlam o funcionamento da célula;b) árvore dendrítica, composta por inúmeras ramificações celulares chamadas de dendritos, ec) de um axônio, que é a prolongação celular, cujo comprimento pode variar de alguns centímetros até metros. O axônio ramifica-se em suas extremidades para fazer contato com outros dendritos de outros neurônios.

A figura a seguir, ilustra o neurônio descrito por Rocha (1999). Veja:

Figura 1 – Design básico do neurônio

Fonte: Disponível em: <http://www.passeiweb.com>. Acesso em: 16 abr. 2009.

15

A AprendizAgem: BuscAndo um conceito Capítulo 1

Quando um neurônio se relaciona com o outro, através das conexões sinápticas, os neurotransmissores acumulados nas vesículas do axônio de um neurônio são transmitidos para os dendritos receptores do outro neurônio. Veja as figuras que seguem.

Figura 2 – Exemplo de conexão sináptica

Fonte: Disponível em: <http://www.passeiweb.com>. Acesso em: 16 abr. 2009.

Figura 3 – Exemplo de conexão sináptica

Fonte: Disponível em: <http://www.passeiweb.com>. Acesso em: 16 abr. 2009.

A sinapse, como você pode observar nas figuras 2 e 3, consiste na relação (no contato) entre os neurônios. Nas sinapses, são transmitidos impulsos elétricos e químicos numa velocidade de, aproximadamente, 120m/s. Essa transferência de impulsos elétricos e químicos entre os neurônios (de um axônio de um neurônio para o dendrito de outro) pode ser chamada de neurotransmissão. Vale lembrar que a neurotransmissão só ocorre quando há conexão sináptica entre os neurônios.

A Neurofisiologia explica que existem

vários tipos de neurotransmissores. Neste caderno, você

estudará alguns deles para que seja possível relacioná-

los com o ato de aprender.

Dificuldades de Aprendizagem

16

A Neurofisiologia explica que existem vários tipos de neurotransmissores. Neste caderno, você estudará alguns deles para que seja possível relacioná-los com o ato de aprender.

Leia o texto a seguir a fim de relembrar (ou conhecer) alguns neurotransmissores químicos.

NEUROTRANSMISSORES: MENSAGEIROS DO CÉREBRO

Quimicamente, os neurotransmissores são moléculas relativamente pequenas e simples. Diferentes tipos de células secretam diferentes neurotransmisores. Cada substância química cerebral funciona em áreas bastante espalhadas, mas muito específicas do cérebro, e podem ter efeitos diferentes dependendo do local de ativação. Cerca de 60 neurotransmissores foram identificados e podem ser classificados, em geral, em uma das quatro categorias.

1) colinas: das quais a acetilcolina é a mais importante;

2) aminas biogênicas: a serotonina, a histamina e as catecolaminas - a dopamina e a norepinefrina;

3) aminoácidos: o glutamato e o aspartato são transmissores excitatórios bem conhecidos, enquanto que o ácido gama-aminobutírico (GABA), a glicina e a taurine são neurotransmissores inibidores;

4) neuropeptídeos: são formados por cadeias mais longas de aminoácidos (como uma pequena molécula de proteína). Sabe-se que mais de 50 deles ocorrem no cérebro e muitos deles têm sido implicados na modulação ou na transmissão de informação neural.

Neurotransmissores importantes e suas funções

Dopamina

Controla níveis de estimulação e controle motor em muitas partes do cérebro. Quando os níveis estão extremamente baixos na doença de Parkinson, os pacientes são incapazes de se mover voluntariamente. Presume-se que o LSD e outras drogas alucinógenas ajam no sistema da dopamina.

17

A AprendizAgem: BuscAndo um conceito Capítulo 1

Serotonina

É um neurotransmissor incrementado por muitos antidepressivos, tais com o Prozac, e assim tornou-se conhecido como o ‘neurotransmissor do bem-estar’. Tem um profundo efeito no humor, na ansiedade e na agressão.

Acetilcolina (ACh)

A acetilcolina controla a atividade de áreas cerebrais relacionadas à atenção, aprendizagem e memória. Pessoas que sofrem da doença de Alzheimer apresentam tipicamente baixos níveis de ACTH no córtex cerebral, e as drogas que aumentam sua ação podem melhorar a memória em tais pacientes.

Noradrenalina

Principalmente uma substância química que induz à excitação física e mental e bom humor. A produção é centrada na área do cérebro chamada de locus coreuleus, que é um dos muitos candidatos ao chamado centro de ‘prazer’ do cérebro. A medicina comprovou que a norepinefrina é uma mediadora dos batimentos cardíacos, da pressão sanguínea, da taxa de conversão de glicogênio (glucose) para energia, entre outros benefícios físicos.

Glutamato

O principal neurotransmissor excitante do cérebro, vital para estabelecer os vínculos entre os neurônios que são a base da aprendizagem e da memória a longo prazo.

Encefalinas e Endorfinas

Essas substâncias são opiáceos que, como as drogas heroína e morfina, modulam a dor, reduzem o estresse, etc. Elas podem estar envolvidas nos mecanismos de dependência física.

Fonte: CARDOSO, Silvia Helena. Comunicação entre as células nervosas. Revista Cérebro e Mente. Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/n12/

fundamentos/neurotransmissores>. Acesso em: 10 abr. 2009.

Dificuldades de Aprendizagem

18

As substâncias químicas mencionadas (neurotransmissores), transmitidas pelas conexões sinápticas, geram associações que levam o indivíduo a alterações físicas, cognitivas, comportamentais etc.

Cabe dizer que, quando recebemos um estímulo externo, nossos neurônios realizam sinapses e, com elas, sofremos alterações no estado físico, emocional, cognitivo etc., seja na aprendizagem, seja na estrutura física do organismo ou na forma de nos relacionarmos com o mundo que nos cerca.

Partindo desse princípio, podemos afirmar, basicamente, que aprender, na perspectiva neurológica, significa reorganizar as conexões neurais, estimulando a produção dos neurotransmissores e das sinapses para criar associações eficazes, desconectando as ligações celulares que se organizam para sugerir uma alteração indesejada.

Com base no texto complementar apresentado anteriormente – Neurotransmissores: Mensageiros do Cérebro –, responda:

1) A baixa produção de noradrenalina no organismo de uma criança compromete seu aprendizado na escola? Justifique sua resposta.

______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

2) Pesquise em sites como podemos estimular a produção de noradrenalina em nosso organismo.

______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

A neurologia apresenta uma vasta explicação para o ato de aprender. Aqui foi apresentada uma breve explicação, visto que este tema é tratado amplamente na disciplina Neurofisiologia.

A seguir, apresentaremos a outra perspectiva para o ato de aprender: a perspectiva Psicológica.

19

A AprendizAgem: BuscAndo um conceito Capítulo 1

A perSpectivA pSicológicA Nesta perspectiva, recordaremos/estudaremos a epistemologia genética de

Piaget e a teoria sociocultural de Vygotsky.

Atividade de Estudos:

1) Para iniciarmos este estudo, responda à pergunta que segue: Uma criança de três anos, com desenvolvimento físico, cognitivo,

emocional e social normal, conseguirá aprender conteúdos avançados da física nuclear?Justifique sua resposta.

______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

É verdade que uma criança de três anos, com níveis normais de desenvolvimento, não conseguirá aprender os conteúdos avançados da física nuclear. A explicação para isto varia de acordo com o entendimento sobre o desenvolvimento e aprendizagem. Piaget (1982) nos diz que os estágios do desenvolvimento favorecem ou dificultam a aprendizagem e vice-versa. Vygotsky (1989) afirma que a progressividade do desenvolvimento, intimamente ligada à aprendizagem, ocorre através das Zonas de Desenvolvimento (Proximal, Potencial e Real). Estes dois teóricos, tão estudados pelos(as) professores(as), oferecem alguns argumentos que explicam o fato de uma criança de três anos não aprender conteúdos avançados da física nuclear. A seguir, veja quais os argumentos de cada um desses teóricos.

a) Piaget

Jean Piaget, psicólogo suiço (1896 – 1980), dedicou sua vida ao estudo da Epistemologia Genética.

Epistemologia Genética significa o estudo da gênese do conhecimento humano. A teoria da Epistemologia Genética foi

Dificuldades de Aprendizagem

20

desenvolvida por Jean Piaget que tinha interesse em estudar a gênese das estruturas cognitivas.

Bee (1996, p. 33) explica que Piaget não considera que o ambiente molda a criança; ”Ao invés disso, a criança (como o adulto) busca ativamente compreender seu ambiente. Nesse processo, ela explora, manipula e examina os objetos e pessoas do seu mundo.”

Piaget (1982) nos diz que a inteligência é uma estrutura biológica que tem a função de adaptação do organismo ao meio. Com essa estrutura biológica, o indivíduo será capaz de aprender progressivamente diversos conteúdos à medida que amadurece, ou seja, à medida que se expande, biologicamente falando. Esse amadurecimento depende do crescimento biológico e da exploração do meio em que o indivíduo vive.

Neste sentido, Bee (1996, p.33) afirma:

A exploração que a criança faz do seu ambiente conduz, com o passar do tempo, a uma série de ‘entendimentos’ ou ‘teorias’ bastante distintas sobre como o mundo funciona, e cada uma delas compreende um estágio específico. Uma vez que Piaget pensava que virtualmente todos os bebês começam com as mesmas habilidades e estratégias inatas e uma vez que os ambientes que as crianças encontram são altamente semelhantes em vários aspectos, os estágios através dos quais seu pensamento se move também são semelhantes.

Assim, uma criança de três anos não consegue aprender conteúdos da física

nuclear, porque a estrutura biológica (inteligência) não está madura o suficiente para esse aprendizado.

A aprendizagem, sob a ótica piagetiana, é constituída de vários subprocessos importantes. Tais subprocessos levam a criança a se adaptar ao mundo em que vive. Bee (1996, p. 195-196) esclarece que, para se adaptar ao mundo, a criança precisa passar (no sentido ativo da palavra) progressivamente pelos seguintes subprocessos:

Esquemas – um esquema não é uma categoria, mas a ação de categorizar de alguma maneira específica. [...] Se você apanhar uma bola e olhar para ela, está usando seu ‘esquema de olhar’, seu ‘esquema de apanhar’ e seu ‘esquema de segurar’.

Assimilação – processo de absorver algum evento ou experiência em algum esquema. Quando um bebê olha para um móbile acima de seu berço e depois estende a mão para ele, Piaget diria que o bebê assimilou o móbile nos equemas de olhar e alcançar; [...] a assimilação é um

Piaget (1982) nos diz que a

inteligência é uma estrutura biológica que tem a função de adaptação do

organismo ao meio.

21

A AprendizAgem: BuscAndo um conceito Capítulo 1

processo ativo. Primeiro existe seletividade na informação que assimilamos. [...] Além disso, o próprio fato de assimilar modifica a informação que é assimilada, porque cada evento ou experiência assimilada assume algumas características do esquema no qual foi assimilada.

Acomodação – o processo de acomodação é a chave para a mudança desenvolvimental. Através da acomodação nós reorganizamos nossas idéias, melhoramos nossas habilidades, mudamos nossas estratégias. [...] à medida que eu assimilava novas palavras e gramática alemã, eu gradualmente modificava (acomodava) meus conceitos e categorias...

Equilibração – o terceiro aspecto da adaptação é a equilibração. Piaget supunha que, no processo de adaptação, a criança está sempre lutando por coerência, para ficar em equilíbrio, para chegar a um entendimento do mundo que faça sentido total.

Com base na explicação dada por Bee (1996), entendemos que a assimilação

se refere à absorção do novo conhecimento pelo indivíduo. É quando o indivíduo tem o primeiro contato ou conhece algo novo. A acomodação se realiza quando esse novo conhecimento assimilado desestrutura e reorganiza nossos esquemas mentais já formulados ou cria novos esquemas. A equilibração, termo utilizado por Piaget, refere-se ao processo de acomodar os novos conhecimentos aos antigos ou formular novos esquemas mentais. Podemos observar um exemplo simples desse processo quando olhamos uma criança conhecendo os animais. Uma criança pequena vê um gato (animal de estimação da família), percebe que o animal tem quatro patas, anda de quatro, tem pelos, bigodes e rabo. Ela brinca com o gato, toca nele, sente seus pelos e unhas. Cria um esquema para esse conhecimento – esquema “gato”. Mas, um dia, essa criança é levada ao zoológico e vê um cavalo. Ora, o cavalo tem quatro patas, anda de quatro, tem pelos, rabo etc. Mas o cavalo não é um gato. Esse novo conhecimento exige que a criança assimile a informação que nem todo animal de quatro patas é gato. A acomodação dessa informação ao esquema “gato” pode levar algum tempo, mas ela logo aceitará que cavalo tem algumas semelhanças com o gato, mas apresenta, também, diferenças.

Para Piaget e Inhelder (1982), a criança se iguala a um cientista quando este desenvolve uma teoria. Isto porque, quando um cientista está desenvolvendo um estudo, culminando numa teoria, se esforça para que a teoria tenha coerência interna. Quando surge um novo elemento no estudo do cientista, este o assimila aos elementos da teoria, até que os elementos todos estejam ajustados. Agora, se surgir um elemento contestador, talvez o cientista precise descartar toda a teoria antiga e recomeçar ou mudar algumas suposições teóricas. Segundo Bee (1996), ambas as formas de resolver o problema do cientista seriam formas de equilibração.

Piaget e Inhelder (1982) afirmam que a criança busca a equilibração por meio dos subprocessos explicados anteriormente. Quando atinge o nível de

Dificuldades de Aprendizagem

22

equilibração em um determinado aspecto, passa para outro nível (ou estágio) e assim sucessivamente. Piaget denominou os níveis de desenvolvimento e estabeleceu três pontos significativos de equilibração para iniciar um novo nível (ou estágio). Veja como Bee (1996, p. 196) expõe esses pontos:

O primeiro ocorre aproximadamente aos 18 meses, quando a criança passa da dominância dos esquemas sensórios e motores para o uso dos primeiro símbolos. O segundo ocorre entre os 5 e 7 anos, quando a criança acrescenta uma série toda nova de poderosos esquemas que Piaget chama de operações. Estas são ações mentais muito mais abstratas e gerais, como a adição e subtração mental. A terceira maior equilibração entende como ‘operar’ idéias, assim como eventos ou objetos.

A partir desses três aspectos de equilibração, Piaget (apud BEE, 1996)

estabeleceu quatro estágios de desenvolvimento. Para que você estude com objetividade, os quatro estágios do desenvolvimento piagetiano, estes se encontram dispostos no quadro a seguir.

Quadro 1 – Os quatro estágios do desenvolvimento piagetiano

Sensório-motor Do nascimento até os 24 meses de vida.

A partir dos esquemas inatos de preender e sugar, a criança busca adquirir controle motor e aprender sobre os objetos físicos que a ro-deiam. Esse estágio tem esse nome porque é a fase em que o bebê passa a conhecer o mundo que a cerca por meio de suas próprias ações que são controladas por informações sensoriais imediatas. De acordo com Bee (1996, p. 196), nesse estágio, a criança “funciona no presente imediato, respondendo aos estímulos presentes, não pla-neja nem intenciona, e não tem nenhuma representação interna de objetos.” Piaget diz que, por volta dos dois anos, a criança já é capaz de formar e manipular imagens mentais e utilizar símbolos.

Pré-operatório Do 24º. mês de vida a seis anos de vida.

As crianças com essa idade começam a brincar de faz-de-conta, ou seja, a criança é capaz de modificar mentalmente os objetos que a rodeiam. Por exemplo: um cabo de vassoura pode se tornar um cavalo. Piaget afirma que uma criança pré-operacional enxerga a vida somente a partir de sua própria estrutura de referência, ou seja, é egocêntrica. Para Pia-get, egocentrismo é diferente de egoísmo. O egocentrismo faz com que a criança pense que todos enxergam o mundo da sua maneira. Nesse estágio, a criança busca adquirir a habilidade verbal. Ela pode até nomear objetos, classificar e raciocinar figurativamente, mas ainda não consegue coordenar operações fundamentais.

23

A AprendizAgem: BuscAndo um conceito Capítulo 1

Operatório concreto Entre os seis e doze anos de vida.

É nesse estágio que a criança descobre uma série de regras e estra-tégias que ela passa a utilizar para examinar e interagir com o mundo. É nesse estágio, segundo Bee (1996), que a criança consegue manter esquemas eficazes como o da reversibilidade e ordenação serial. Essa criança é capaz de utilizar a lógica indutiva (ou seja, consegue ir de sua própria experiência para um princípio geral), mas não consegue ir de um princípio geral para predizer um resultado específico (lógica dedutiva). A criança, nesse estágio, consegue lidar com coisas que experimentou, que conhece ou que pode ver e mexer, mas ainda não consegue manipular idéias abstratas ou possibilidades.

Operatório formal Dos doze aos dezesseis anos.

Nesse estágio, a criança tem capacidade de utilizar o raciocínio abstra-to e sistemático. As deduções lógicas podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos o que significa dizer que o pensamento dedutivo é muito presente na vida da criança nessa fase.

Fonte: Extraído e adaptado de Bee (1996).

Para Piaget e Inhelder (1982), cada estágio do desenvolvimento tem características bem distintas, mas que se complementam ao longo do processo de desenvolvimento. Piaget relaciona os estágios de desenvolvimento cognitivo com a faixa etária do indivíduo. Todavia, quando pensamos na teoria desenvolvida por Piaget, devemos considerar que a idade do indivíduo pode sofrer uma variação nesse processo. Assim, é correto dizer que um adolescente de, aproximadamente, 14 anos só terá alcançado as características do estágio operatório-formal se tiver experimentado todas as sensações sensório-motoras, vivenciado seu egocentrismo, o pensamento indutivo etc., ou seja, para se chegar a um estágio de desenvolvimento, é necessário passar pelo seu antecessor. Isso nos permite dizer que o desenvolvimento humano, para Piaget, é como um espiral (figura 4), estabelecendo uma interdependência entre os níveis de desenvolvimento e aprendizagem.

Figura 4 – Espiral

Fonte: Autora.

Sugerimos a leitura de: PULASKI, Mary Ann Spencer. Compreendendo Piaget: uma introdução ao desenvolvimento cognitivo da criança. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1986.

Vale dizer, ainda, que a aprendizagem gera desenvolvimento e que o desenvolvimento facilita e estimula a aprendizagem.

Em cada um dos estágios do desenvolvimeto estabelecidos por Piaget, o indivíduo é, ao mesmo tempo, capaz de realizar algo e necessita aprender coisas novas para passar para o outro estágio.

Para Piaget (1982), aprender significa assimilar e acomodar conceitos novos equilibrando esses conceitos aos esquemas internos já existentes ou criando novos esquemas. Só assim o indivíduo pode passar de um estágio para o outro, desenvolvendo sua maneira de estar no mundo!

A seguir, verificaremos como Vygotsky considera o processo de aprender.

b) Vygotsky

Lev Semenovitch Vygotsky (1896 – 1934) nasceu em uma pequena cidade da Rússia, formou-se em direito e em literatura, na Universidade de Moscou, e realizou inúmeros estudos sobre o desenvolvimento e a aprendizagem do ser humano.

Por considerar que as diferenças históricas e culturais influenciam o modo das pessoas agirem, interpretarem e representarem o mundo, fundou a escola soviética de psicologia histórico-cultural. Segundo a perspectiva histórico-cultural, a vivência em sociedade é essencial para a transformação do homem biológico em ser humano. Em outras palavras, para Vygotsky (1989), o ser humano só adquire as características humanas quando convive em sociedade.

Na teoria formulada por Vygotsky (1989), temos que considerar as análises filogenética, ontogenética e sociogenética, pois apontam características que influenciam o desenvolvimento do indivíduo.

Você sabe o que significam esses três termos? Veja a definição deles de acordo com Vygotsky (1989).

Para Piaget (1982), aprender

significa assimilar e acomodar conceitos novos equilibrando

esses conceitos aos esquemas internos

já existentes ou criando novos esquemas. Só

assim o indivíduo pode passar

de um estágio para o outro,

desenvolvendo sua maneira de estar

no mundo!

25

A AprendizAgem: BuscAndo um conceito Capítulo 1

A Filogenética considera relações de ancestralidade comum dos grupos, ou seja, a filogênese humana respeita a história da sua espécie.

A Ontogenética refere-se ao desenvolvimento do indivíduo desde a fecundação até a sua maturidade. Assim, a ontogênese considera a história, o ritmo de desenvolvimento biológico de um indivíduo que pertence a uma espécie.

A Sociogenética considera que a história cultural do ambiente onde o indivíduo está inserido influencia seu desenvolvimento psíquico.

Vygotsky (1989) acreditava que, por meio das análises filogenética, ontogenética e sociogenética seria possível compreender o desenvolvimento do ser humano. Então, a partir dessas análises, nos estudos e observações que desenvolveu em seus trinta e oito anos de vida, concluiu, pela teoria sociocultural, que o ser humano nasce com certas habilidades, denominadas por ele como Funções Psicológicas Elementares. Com as relações sociais que mantém, essas habilidade inatas são transformadas em Funções Psicológicas Superiores, tidas como exclusivas do ser humano.

Podemos entender por funções psicológicas elementares os reflexos, a atenção involuntária e as associações simples. As funções psicológicas superiores referem-se a mecanismos sofisticados e intencionais de ação, como, por exemplo, a capacidade de planejamento, a criatividade, a memória voluntária, a imaginação e a deliberação sobre si e sobre os outros.

Segundo Oliveira (1997), um indivíduo só adquire as funções psicológicas

superiores quando interage socialmente no meio onde vive. Em outras palavras, as habilidades de um indivíduo só evoluem à medida que ocorre uma relação social mediada pelos instrumentos e signos. Instrumentos são resultados da ação dos homens sobre o mundo. Exemplo disso são os computadores que são máquinas que facilitam a comunicação e a pesquisa ou os automóveis que possibilitam a locomoção. Signos são construídos culturalmente por meio das línguas e das regras compartilhadas socialmente, como, por exemplo, a representação numérica (moeda local), a representação gráfica (placas de trânsito), as diferentes línguas etc.

Oliveira (1997, p. 57) nos explica que aprendizagem, para Vygotsky,

É o processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores, etc., a partir de seu contato com

Dificuldades de Aprendizagem

26

a realidade, com o meio ambiente, com outras pessoas. É um processo de que se diferencia dos fatores inatos e dos processo de maturação do organismo, independentes da informação do ambiente. Em Vygotsky, justamente por sua ênfase nos processos sócio-históricos, a idéia de aprendizado inclui a interdependência dos indivíduos envolvidos no processo.

Assista o filme: NASCIDO EM BORDÉIS. Direção: Zana Briski e Ross Kauffman. EUA/Índia: Fócus Filmes, 2004.

Vygotsky (1989) explica que, para o indivíduo aprender algo novo, há que ser considerado o que esse indivíduo é capaz de fazer sozinho, sem ajuda de outras pessoas ou de mais habilidades e conhecimentos. Esse nível de conhecimento em que se encontra o indivíduo, Vygotsky chamou de Nível de Desenvolvimento Real. Em seguida, é necessário considerar o que o indivíduo ainda não domina, não conhece desse novo aprendizado, mas que pode realizar com a ajuda de outras pessoas ou conhecimentos. Esse nível foi denominado de Nível de Desenvolvimento Potencial. Entre esses níveis de desenvolvimento (real e potencial) está a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). A ZDP permite identificar a distância entre o Nível de Desenvolvimento Potencial e o Nível de Desenvolvimento Real do indivíduo.

A figura a seguir ilustra esses termos.

Figura 5 – O menino e o pião

Fonte: Autora.

Na figura 5, o primeiro menino demonstra conhecer o pião, pois pensa nele. Mas sozinho, não consegue manipulá-lo. Assim, esta primeira figura revela o Nível de Desenvolvimento Real do menino. Com os estímulos recebidos na ZDP, o menino poderá ser capaz de manipular o pião. Dessa forma, ser capaz

27

A AprendizAgem: BuscAndo um conceito Capítulo 1

de manipular o pião, sem ajuda de outras pessoas mais experientes, caracteriza o Nível de Desenvolvimento Potencial que o menino quer atingir.

A partir da figura 5, podemos constatar que é na ZDP que os estímulos oferecidos pelos pais, professores e psicopedagogos podem gerar a aprendizagem.

Isto nos possibilita afirmar que aprender, na ótica vygotskyana, significa estabelecer relações sociais mediadas pelos instrumentos e signos, estimulando a Zona de Desenvolvimento Proximal para que o Nível de Desenvolvimento Potencial se torne Real.

Atividade de Estudos:

Agora que você estudou a perspectiva psicológica do aprender, complete o quadro que segue apontando as diferenças entre Piaget e Vygotsky acerca da explicação de como o ser humano aprende.

Piaget Vygotsky

Aprender, na ótica vygotskyana,

significa estabelecer relações sociais mediadas pelos instrumentos e

signos, estimulando a Zona de

Desenvolvimento Proximal para que o Nível de

Desenvolvimento Potencial se torne Real.

Dificuldades de Aprendizagem

28

AlgumAS conSiderAçõeS

Neste primeiro capítulo, você foi capaz de conhecer/reconhecer diferentes perspectivas que explicam o termo aprender e analisar as teorias que explicam a aprendizagem enquanto processo natural do ser humano, classificando os fatores que geram ou dificultam a aprendizagem.

Ao longo do capítulo, você pôde constatar que aprender é uma ação vital para o ser humano e que sem a aprendizagem não é possível falar em desenvolvimento ou evolução. As perspectivas estudadas explicam que aprender:

• significa reorganizar as conexões neurais, estimulando a produção dos neurotransmissores e das sinapses para criar associações eficazes (pela perspectiva neurológica);

• significa assimilar e acomodar conceitos novos equilibrando esses conceitos aos esquemas internos já existentes ou criando novos esquemas. Só assim o indivíduo pode passar de um estágio para o outro, desenvolvendo sua maneira de estar no mundo (pela perspectiva psicológica piagetiana);

• significa estabelecer relações sociais mediadas pelos instrumentos e signos, estimulando a Zona de Desenvolvimento Proximal para que o Nível de Desenvolvimento Potencial se torne Real (pela perspectiva psicológica vygotskyana).

Ressaltamos, ainda, que a aprendizagem, sendo um processo necessário ao desenvolvimento e evolução humana, não ocorre em um único espaço e tempo, como na escola, por exemplo. Isto significa que, apesar de ser priorizado o aprendizado no espaço escolar, a aprendizagem pode ocorrer em diversos espaços e, sobretudo, quando sentimos necessidade de aprender algo novo.

No próximo capítulo, você conhecerá a historicidade e o conceito atual do termo dificuldades de aprendizagem e analisará as necessidades educacionais dos alunos com dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar.

Então, até lá!

29

A AprendizAgem: BuscAndo um conceito Capítulo 1

referênciAS

DORARAÚJO FILHO, Targino. Gestão da Extensão: meios para interação universidade-sociedade. In: 5º Fórum de extensão universitária da acafe, Blumenau. Anais. Blumenau: EDIFURB, 2004.

BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. 7. ed. Porto Alegre: Artemed, 1996.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997.

PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel. A psicologia da criança. São Paulo : DIFEL, 1982.

ROCHA, Armando Freitas da. O cérebro: um breve relato de sua função. Jundiaí, SP: EINA, 1999.

VYGOTSKY, Lev Semenovitch. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

WEISZFLOG, Walter. Michaelis: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2008.

CAPÍTULO 2

dificuldAdeS de AprendizAgem: SignificAdo HiStórico e conceito AtuAl

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

3 Conhecer a historicidade e o conceito atual do termo dificuldades de aprendizagem.

3 Analisar as necessidades educacionais, no contexto escolar, dos alunos com dificuldade de aprendizagem.

33

DificulDaDes De aprenDizagem:significaDo Histórico e conceito atual

Capítulo 2

contextuAlizAção

No capítulo anterior, você estudou duas perspectivas do ato de aprender. Pressupondo que você refletiu sobre o ato de aprender do ser humano, à luz das duas perspectivas apresentadas, é chegada a hora de formular o seu conceito de aprendizagem.

Atividade de Estudos:

1) Aproveite o espaço a seguir para organizar um conceito de aprendizagem, com base em suas próprias experiências e no que você estudou.

______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

Partimos da delimitação de um conceito para aprendizagem para compreender a não-aprendizagem, pois, como o próprio termo sugere, a não-aprendizagem é oposta à aprendizagem.

Você percebe o que a não-aprendizagem é capaz de gerar na vida de um ser humano?

Visto que a aprendizagem gera desenvolvimento e evolução individual e social, a não-aprendizagem os impossibilita. Impedir a evolução individual é condenar a própria espécie à estagnação sociocultural e gerar novas situações de não-aprendizagem. É como um círculo vicioso.

Vamos constatar em um exemplo prático, remetendo nosso pensamento à escola: uma criança recém-alfabetizada não consegue aprender (equilibrar os novos conceitos aos esquemas antigos ou fazer conexões sinápticas eficazes ou, ainda, relacionar o novo conceito real ao conteúdo potencial) as regras gramaticais para construção de um texto. Discretamente, sua não-aprendizagem passa despercebida ao professor que a promove para a série ou o nível seguinte. Já no nível seguinte, a criança, que ainda não aprendeu as regras gramaticais, não consegue se expressar pela escrita e passa a se sentir mal diante de seus colegas. Consequentemente, a criança não ordena seu aprendizado em outras

Dificuldades de Aprendizagem

34

disciplinas, o que a deixa à margem do aprendizado escolar para aquele nível. Além disso, a criança se exclui do grupo, porque se sente diferente dos que aprendem. Suas atitudes no ambiente escolar passam a ser agressivas, repulsivas, negando suas habilidades e sua capacidade de aprender. Desse momento em diante, as dificuldades de aprendizagem só aumentam interferindo no desenvolvimento pessoal dessa criança. Pronto! A não-aprendizagem de um único conteúdo (nesse caso, regras gramaticais) gera uma série de comportamentos que dificultam a aprendizagem em todas as outras áreas. O círculo vicioso das dificuldades de aprendizagem está ativo na vida dessa criança. O fracasso escolar é praticamente certo!

Mas, afinal, o que são dificuldades de aprendizagem? Como podemos evitá-las no contexto escolar? Como devemos proceder no trabalho educativo com crianças com dificuldades de aprendizagem?

Neste capítulo, trataremos das questões do não-aprendizado e da evolução do conceito de dificuldades de aprendizagem ao longo da história da educação, bem como analisaremos as necessidades educacionais, no contexto escolar, dos alunos com dificuldades de aprendizagem.

Você está pronto(a)?

dificuldAdeS de AprendizAgem

Muitos são os autores que, hoje, abordam a temática dificuldades de aprendizagem na escola. Isto porque é comum, em nossas escolas, existirem crianças com “nós” na aprendizagem.

Algumas vezes, esses “nós” na aprendizagem são causados pelo método de ensino ou pela didática do professor. Quando são detectados e diagnosticados como tais, podem ser desmanchados pelo próprio professor, que modifica sua estratégia de ensino. Todavia, nem sempre a causa do não-aprendizado de um aluno está relacionada ao método de ensino ou à estrutura da escola. Neste caso, é imprescindível que os profissionais que atuam na escola compreendam o significado de dificuldades de aprendizagem.

Vale dizer que, hoje, esse termo tem um significado específico e multifacetado, sendo, por vezes, confundido com outros termos, tais como problemas, distúrbios e/ou transtornos de aprendizagem. Sendo assim, convido você a um passeio pelo significado do termo dificuldades de aprendizagem nas décadas passadas e ao entendimento dos termos que, no contexto atual, derivaram dele.

35

DificulDaDes De aprenDizagem:significaDo Histórico e conceito atual

Capítulo 2

conceito HiStórico

Na década de 1970, foi amplamente difundida, no Brasil, a ideia das dificuldades de aprendizagem como uma Disfunção Cerebral Mínima (DCM).

A DCM era empregada para designar problemas sociopedagógicos, como dislexia, disritmia e tantas outras “dis” que conhecemos hoje e que são, em grande parte, geradoras dos problemas de aprendizagem e do fracasso escolar.

Imagine você que toda criança em processo de escolarização que não aprendia determinado conteúdo recebia o rótulo de portadora de DCM.

Essa concepção das dificuldades de aprendizagem, enquanto DCM, surgiu na França, no final do século XIX e foi classificada pelos historiadores da área como Organicista, pois levantava hipóteses sobre doenças neurológicas e orgânicas dos alunos que não aprendiam. Sendo assim, os médicos se ocuparam em interpretar as dificuldades de aprendizagem que ocorriam na escola. Em pouco tempo, a DCM tornou-se tão comum que os profissionais da saúde temiam uma banalização da área, pois,

Em curto espaço de tempo e com relativa facilidade, pais e professores também já adotaram o rótulo de DCM e, antes de qualquer referência, este diagnóstico surgia como queixa na consulta médica: ‘– Doutor, meu filho tem DCM.’ A impressão que se tinha era de que convivíamos com uma população de anormais, pois esta cifra atingia até 40% dos escolares (CYPEL apud BOSSA, 2007, p. 51).

Com essa abordagem intitulada Organicista (problemas de diversas ordens com causas orgânicas), as dificuldades de aprendizagem e, por consequência, o fracasso escolar, foram tratados com medicamentos utilizados pela Psiquiatria e pela Neurologia. Isto significa que o aluno que não aprendia era diagnosticado como possuidor de uma falha orgânica, como um déficit neurológico e, por isso, recebia tratamento medicamentoso.

Cypel (1993) explica que o diagnóstico utilizado nas escolas e os encaminhamentos para o tratamento medicamentoso produziram um estigma para as dificuldades de aprendizagem na esfera escolar, pois passaram a ser conhecidas como “geração comital ou gardenal”.

Em um segundo momento da história da educação brasileira, na década de 1980, as dificuldades de aprendizagem foram o foco de estudo da Psicologia Cognitiva. Segundo Sena (1999), supunha-se que as causas das dificuldades de aprendizagem estavam relacionadas a disfunções psicológicas, envolvendo

DCM, surgiu na França, no final do século XIX e foi classificada

pelos historiadores da área como

Organicista, pois levantava hipóteses

sobre doenças neurológicas e orgânicas dos

alunos que não aprendiam.

Dificuldades de Aprendizagem

36

um ou os quatro processos psicológicos fundamentais, que são a percepção, a memória, a linguagem e o pensamento. Assim, a investigação das causas para as dificuldades de aprendizagem se pautava no método comparativo, ou seja, os psicólogos comparavam um grupo de crianças que aprendia normalmente a um grupo de crianças que apresentava algum tipo de atraso no processo de aprendizagem. Sena (1999, p. 75) nos diz que os sintomas esperados na investigação eram “a desorganização espaço-temporal, os transtornos perceptivos visuais e auditivos, os transtornos de lateralidade, déficits na linguagem e atenção seletiva e os problemas de memória.”

Com o enfoque da Psicologia, outras explicações foram surgindo para as dificuldades de aprendizagem. Entre elas, a perspectiva Afetiva explicava o fracasso escolar como consequência de algum conflito emocional (consciente ou não) de origem familiar. Logo, a responsabilidade pelas dificuldades de aprendizagem da criança centrava-se nela mesma e em sua família.

De acordo com Castanheira e Santiago (2008), as dificuldades de aprendizagem foram investigadas por mais duas abordagens, além das já descritas. As autoras citam a abordagem Questionamento da Escola que priorizava investigações de fatores escolares como geradores das dificuldades de aprendizagem. Entre esses fatores, se encontram “a inadequação dos métodos pedagógicos, as dificuldades na relação professor-aluno, a precária formação do professor, a falta de infra-estrutura das escolas da rede pública de ensino” (CASTANHEIRA; SANTIAGO, 2008, p. 5).

Na abordagem Questionamento da Escola, a crença era que a causa da não-aprendizagem (ou dificuldades de aprendizagem) era exclusivamente da escola que não ensina.

Outra abordagem citada por Castanheira e Santiago (2008) é a Desvantagem Sociocultural. Nessa abordagem, as dificuldades de aprendizagem e o fracasso escolar são gerados pelo meio sociofamiliar. Segundo Castanheira e Santiago (2008, p. 6), “um argumento central na articulação dessa abordagem é que as crianças das camadas populares, cuja distribuição de riqueza, numa sociedade capitalista, é desigual, apresentam uma linguagem deficitária, o que, em consequência, implicaria déficit cognitivo”.

Assim, a abordagem Desvantagem Sociocultural explica que os fatores que geram dificuldades de aprendizagem na escola são sociofamiliares, isentando assim a escola e a criança, em sua estrutura psicológica e neurológica.

As abordagens aqui apresentadas se revelaram ideologias dominantes nos momentos em que existiram. Entretanto, não podemos descartar a hipótese de coexistiram nas academias que se ocupavam com a discussão sobre as

37

DificulDaDes De aprenDizagem:significaDo Histórico e conceito atual

Capítulo 2

dificuldades de aprendizagem. Algumas delas ainda estão presentes nos argumentos que visam explicar as dificuldades de aprendizagem na escola. Você já ouviu alguns desses argumentos? Nós comumente ouvimos algumas explicações para as dificuldades de aprendizagem. Dentre elas, podemos citar afirmações como: “Essa criança não aprende, porque seus pais são analfabetos!” ou “Essa criança não aprende, porque tem sérios problemas emocionais dentro de casa!” ou, ainda, “Essa criança não aprende, porque tem problemas mentais!”.

Diante das afirmações apresentadas, por vezes equivocadas, nos perguntamos: Quais dessas afirmações são verdadeiras? Como devemos analisar as dificuldades de aprendizagem hoje?

Talvez você se pergunte a mesma coisa. Por isso, vamos à próxima seção na qual trataremos de esclarecer como as dificuldades de aprendizagem são analisadas na atualidade.

Atividade de Estudos:

1) Antes de partirmos para a próxima seção, preencha o quadro a seguir com base nas informações anteriores.

ABORDAGEM CARACTERÍSTICAS RESUMIDAS __________________________________________ __________________________________________Organicista __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________Psicologia ___________________________________________Cognitiva __________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________Afetiva ___________________________________________ ___________________________________________

Dificuldades de Aprendizagem

38

conceito AtuAl Assim como nas décadas anteriores, as dificuldades de aprendizagem

permeiam o ambiente escolar, assombrando o desenvolvimento de alguns alunos. Da mesma forma, as dificuldades de aprendizagem têm sido, ainda hoje, tema de investigação de diversos profissionais preocupados com o ato de aprender. Assim, psicólogos, psicopedagogos, pedagogos, neurologistas, neuropediatras, entre outros profissionais, buscam desvelar as causas das dificuldades de aprendizagem escolar. Apesar disso, Fonseca (1995, p. 72) afirma que “não se conseguiu, ainda, na arena do sistema de ensino, um consenso na definição das Dificuldades de Aprendizagem, porque elas têm emergido mais de pressões e de necessidades sociais e políticas do que de pressupostos empíricos e científicos”.

Diante da realidade escolar, podemos notar a aplicação de vários termos indicadores para as dificuldades de aprendizagem, tais como problemas, distúrbios e/ou transtornos de aprendizagem. Considerando esses diversos termos e abordagens explicativas para designar dificuldades de aprendizagem, podemos nos perguntar: Qual a diferença entre dificuldades, problemas, distúrbios e transtornos de aprendizagem? Ou melhor: Há diferença entre esses termos?

Vejamos cada um deles separadamente.

a) Dificuldades e problemas de aprendizagem

Garcia Sánchez (2004) afirma que o termo dificuldades ou problemas de aprendizagem (DA) tem cinco princípios específicos:

1. As DAs são heterogêneas, inter e intra-individualmente;

2. As DAs pressupõem dificuldades significativas na aquisição e no

____________________________________________Questionamento ____________________________________________da Escola ____________________________________________ _____________________________________________ _____________________________________________ _____________________________________________Desvantagem _____________________________________________Sociocultural _____________________________________________

39

DificulDaDes De aprenDizagem:significaDo Histórico e conceito atual

Capítulo 2

uso da compreensão, da fala, da leitura, da escrita, do raciocínio e/ou habilidades matemáticas;

3. As DAs são instrínsecas ao indivíduo;

4. As DAs podem ocorrer de forma concomitante com outros problemas que constituem por si mesmos uma DA;

5. As DAs não se originam por influências extrínsecas. (GARCIA SÁNCHEZ, 2004, p. 22).

De acordo com Garcia Sánchez (2004), as DAs afetam significativamente as habilidades escolares e não devem ser relacionadas com aspectos situacionais e/ou ambientais.

No mesmo sentido, a Associação Brasileira de Psicocopedagogia (ABPp, 2009), instituição nacional que orienta e representa a prática psicopedagógica brasileira, explica que só podemos falar em Dificuldades de Aprendizagem quando fazemos referência a alunos que:

- têm intelectualidade normal ou muito próxima da normalidade ou, ainda, superior;

- não apresentam deficiências neurológicas ou sensoriais;

- vivem num ambiente sociofamiliar normal;

- têm rendimento escolar manifesto e reiteradamente insatisfatório.

Podemos dizer, então, de acordo com a ABPp, que as dificuldades de aprendizagem (DAs) têm origem cognitiva, ou seja, não são causadas por pobreza ambiental, atraso mental ou transtornos emocionais.

Correia (2004, p. 373) revela que, atualmente, há seis categorias de DAs, que são:

1- Auditivo-lingüística. Prende-se a um problema de percepção que, freqüentemente, leva o aluno a ter dificuldade na execução ou compreensão das instruções que lhe são dadas. Não é, portanto, um problema de acuidade auditiva (o aluno consegue ouvir bem), mas sim de compreensão/ percepção daquilo que é ouvido.

2- Visuo-espacial. Envolve características tão diversas, como uma inabilidade para compreender a cor, para diferenciar estímulos essenciais de secundários (problemas de figura-fundo) e para visualizar orientações no espaço. Assim, aqueles alunos que apresentam problemas nas relações espaciais e direccionais

De acordo com a ABPp, que as dificuldades de aprendizagem

(DAs) têm origem cognitiva, ou seja, não são causadas por

pobreza ambiental, atraso mental ou transtornos emocionais.

Dificuldades de Aprendizagem

40

têm, freqüentemente, dificuldades na leitura, começando, por exemplo, por ter problemas na leitura das letras ‘b’ e ‘d’ e ‘p’ e ‘q’ (reversões).

3- Motora. Aqui o aluno que apresenta DA ligada à área motora tem problemas de coordenação global ou fina ou, mesmo, de ambas, visíveis quer em casa quer na escola, criando, tantas vezes, problemas na escrita e no uso do teclado e do rato de um computador.

4- Organizacional. Este problema leva o aluno a experimentar dificuldades quanto à localização do princípio, meio e fim de uma tarefa. O aluno tem ainda dificuldade em resumir e organizar informação, o que o impede, com freqüência, de fazer os trabalhos de casa, apresentações orais e outras tarefas escolares afins.

5- Acadêmica. Esta categoria é uma das mais comuns no seio das DAs. Os alunos tanto podem apresentar problemas na área da matemática, como serem dotados nesta mesma área e terem problemas severos na área da leitura ou da escrita, ou em ambas.

6- Socioemocional. O aluno com problemas nesta área tem dificuldade em cumprir regras sociais (esperar pela sua vez) e em interpretar expressões faciais, o que faz com que ele seja, muitas vezes, incapaz de desempenhar tarefas consentâneas com a sua idade cronológica e mental.

Outra autora que busca explicação para as dificuldades de aprendizagem é Baltazar (2001) que as classifica em primárias e secundárias, sendo que as primárias são aquelas cuja origem não é psico-neurológica. Exemplos de dificuldades de aprendizagem primárias são: os transtornos de leitura e escrita (dislexia, disortografia), da matemática (discalculia, acalculia), bem como os transtornos da linguagem falada (dislalia). As dificuldades de aprendizagem consideradas secundárias por Baltazar (2001) são aquelas consequentes de alterações biológicas específicas, como, por exemplo, das alterações neurológicas, das lesões ou paralisias cerebrais, da epilepsia e da deficiência mental, além das consequentes de alterações sensoriais, como a deficiência auditiva, a visual e a ambliopia.

Ambliopia: olho vago ou olho preguiçoso. É uma disfunção oftálmica caracterizada pela redução ou perda da visão num dos olhos.

41

DificulDaDes De aprenDizagem:significaDo Histórico e conceito atual

Capítulo 2

Vale ressaltar que essa teoria não é compatível com a teoria da Defectologia, de Vygotsky, que determina deficiência em primária e secundária.

Nutti (2002) iguala os termos dificuldades e problemas. A autora explica que as dificuldades ou problemas de aprendizagem podem ter uma das seguintes causas:

1. Causas externas à estrutura familiar e individual: originariam o problema de aprendizagem reativo, o qual afeta o aprender, mas não aprisiona a inteligência e, geralmente, surge do confronto entre o aluno e a instituição;

2. Causas internas à estrutura familiar e individual: originariam o problema considerado como sintoma e inibição, afetando a dinâmica de articulações necessárias entre organismo, corpo, inteligência e desejo, causando o desejo inconsciente de não conhecer e, portanto, de não aprender;

3. Modalidades de pensamento derivadas de uma estrutura psicótica, as quais ocorrem em menor número de casos;

4. Fatores de deficiência orgânica: em casos mais raros. (NUTTI, 2002, p. 4)

Considerando as definições para dificuldades de aprendizagem, vejamos, agora, no que este termo difere do termo distúrbios de aprendizagem.

b) Distúrbios de aprendizagem

De acordo com Nutti (2002, p. 2) o termo distúrbios

compõe-se do radical turbare e do prefixo dis. O radical turbare significa ‘alteração violenta na ordem natural’ e pode ser identificado também nas palavras turvo, turbilhão, perturbar e conturbar. O prefixo dis tem como significado ‘alteração com sentido anormal, patológico’ e possui valor negativo. O prefixo dis é muito utilizado na terminologia médica (por exemplo: distensão, distrofia). Em síntese, do ponto do vista etimológico, a palavra distúrbio pode ser traduzida como ‘anormalidade patológica por alteração violenta na ordem natural’.

Nutti (2002, p. 3), ao afirmar que a expressão distúrbios de aprendizagem significa “anormalidade patológica por alteração violenta na ordem natural da aprendizagem” nos remete a “um problema ou a uma doença que acomete o aluno em nível individual e orgânico”.

Na mesma direção, Capellini (2004) explica que os distúrbios de aprendizagem são gerados por fatores genéticos, neurológicos e ambientais,

Dificuldades de Aprendizagem

42

combinados ou não. De acordo com esta autora, os fatores pedagógicos e psicopedagógicos podem apenas agravar os distúrbios, mas não causá-los.

Ciasca (2003) também afirma que os distúrbios se referem a transtornos heterogêneos, intrínsecos ao aparato orgânico do sujeito, ou seja, é uma disfunção no sistema nervoso que afeta a aquisição e o uso da escrita, da fala, da leitura, do raciocínio e da habilidade matemática.

Para saber mais sobre distúrbios de aprendizagem, acesse: http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/disturbios.html.

A partir dos autores citados a respeito de distúrbios de aprendizagem, podemos entender que as causas desses distúrbios, diferentemente do que ocorre com as dificuldades de aprendizagem, são orgânicas, biológicas e neurológicas.

Veja, a seguir, a definição do termo transtornos de aprendizagem.

c) Transtorno de aprendizagem

De acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – 10ª. Revisão (CID-10), o termo transtorno é utilizado para designar “a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais.” (CID-10, 1993, p. 5).

A CID-10 enquadra as questões referentes à aprendizagem na categoria Transtornos do Desenvolvimento Psicológico, como Transtornos de Desenvolvimento das Habilidades Escolares (TEDHE). Os TEDHE não são consequência de outros transtornos, como problemas neurológicos, físicos etc., mas podem ocorrer associados a problemas como estes. Dessa forma, os TEDHE compreendem “grupos de transtornos manifestados por comprometimentos específicos e significativos no aprendizado de habilidades escolares.” (CID-10, 1993, p. 237).

De acordo com Nutti (2002, p. 4), os TEDHE possuem as seguintes características em comum:

As causas desses distúrbios, diferentemente do

que ocorre com as dificuldades

de aprendizagem, são orgânicas,

biológicas e neurológicas.

TEDHE compreendem

“grupos de transtornos

manifestados por comprometimentos

específicos e significativos

no aprendizado de habilidades

escolares.

43

DificulDaDes De aprenDizagem:significaDo Histórico e conceito atual

Capítulo 2

um início que ocorre invariavelmente no decorrer da infância;

um comprometimento ou atraso no desenvolvimento de funções que são fortemente relacionadas à maturação biológica do sistema nervoso central;

um curso estável que não envolve remissões (desaparecimentos) e recaídas que tendem a ser características de muitos transtornos mentais.

Nutti (2002, p. 6) alerta, ainda, que os TEDHE são divididos em subcategorias que são:

• Transtorno específico da leitura.• • Transtorno específico do soletrar.• • Transtorno específico de habilidades aritméticas.• • Transtorno misto das habilidades escolares.• • Outros transtornos do desenvolvimento das habilidades

escolares.• • Transtornos do desenvolvimento das habilidades

escolares, não especificado.

Apesar dessa explicação explícita no CID-10, as causas dos transtornos de aprendizagem não são previamente definidas. Porém, podemos estabelecer uma relação de causa e efeito aos fatores biológicos associados aos não-biológicos.

Atividade de Estudos:

Com base na explicação anterior, leia os relatos de casos que seguem e, depois, responda ao que pedimos.

Caso 1

Pedro* é um aluno com 8 anos e está na 3ª série, tem funcionamento mental dentro de sua faixa etária, ou seja, para construir conceitos precisa fazer o uso de material concreto, pois a criança, nessa faixa etária, ‘opera’ melhor vendo e vivendo o conhecimento. Vamos imaginar uma aula de frações, em que a professora ensina dando uma aula expositiva. Pedro faz tentativas de entendimento, porém não consegue perceber que ¼ é menor

Dificuldades de Aprendizagem

44

que ½, pois precisa viver este conhecimento operando com materiais que podem provar essa idéia concretamente. Nesse caso, Pedro baseia-se, ainda, no pensamento figurativo. A criança vê assim: o número 4 é maior que o número 2, não percebendo a relação com o traço de fração a divisão de um inteiro em partes. Nesse caso, podemos ter o início de um ‘nó’ na aprendizagem, pois os conteúdos são articulados uns com os outros, cabendo a nós educadores buscar várias maneiras de explicação com a ajuda da criança, pois ela nos dirá em que nível de entendimento está.

* Por questões éticas, o nome do paciente foi trocado por “Pedro”.

Dulce Consuelo R. Soares – psicopedagoga clínica/institucional, pedagoga/professora de Arte e Educação da Unesa no Rio de Janeiro, professora de Filosofia da Esil Sociedade Educacional e autora do livro infantil A caixinha de insetos de Pedro: uma leitura psicopedagógica da escola do aluno e do professor.

Fonte: SOARES, Dulce Consuelo R. Psicopedagogia e sua importância no processo educacional. Disponível em: <http://hpp.ajato.com.br/

dconsuelo/Psicopedagogia.html>. Acesso em: 20 abr. 2009.

Caso 2

A professora estava angustiada, pois Aldo* não queria fazer as atividades, além de não dominar a leitura e a escrita. Não apresentava necessidades especiais, mas muita dificuldade em aprender, devido, segundo relato, à sua vida sociocultural e econômica. A professora informou que a coordenadora da Educação Especial ficou de contatar com a assistente social do Posto de Saúde para verificar a situação familiar, visto que ele não convivia com a mãe nem com o pai, embora solicitasse muito esse convívio.

O aluno agredia e provocava os colegas, até mesmo as professoras. Só das aulas de Educação Física ele participava com entusiasmo. Um aspecto positivo salientado pela estagiária da turma diz respeito ao ambiente de inclusão que havia entre ele e os colegas. Mesmo se comportando agressivamente, Aldo não ficava isolado, mesmo porque seus amigos não eram de fazer intrigas, pois estavam sempre ocupados com atividades.

*Aldo – nome fictício.

Fonte: MONTICELLI, Fernanda et all. Conselho de classe do bloco: de quando ficamos atentos ao sujeito que escreve e não à escrita de um sujeito...

Disponível em: <http://www.centrorefeducacional.com.br/escrsujeito.htm>. Acesso em: 20 abr. 2009.

45

DificulDaDes De aprenDizagem:significaDo Histórico e conceito atual

Capítulo 2

1) Aponte uma possível classificação (dificuldades, problemas, transtorno ou distúrbios de aprendizagem) para os casos apresentados anteriormente. Justifique sua classificação.

______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

2) Em sua opinião, qual dos termos (dificuldades, problemas, transtornos e distúrbios) tem maior impacto no processo de aprendizagem escolar? Justifique sua resposta.

______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

Na sequência deste capítulo, refletiremos sobre as necessidades educacionais especiais dos alunos com dificuldades de aprendizagem no contexto escolar.

umA educAção diferenciAdA pArA AlunoS com dificuldAdeS de AprendizAgem no contexto eScolAr

Você estudou, na seção anterior, que as DAs estão diretamente relacionadas à incapacidade de aprender, por um ou por vários motivos. Isso nos faz pensar que as DAs podem ser detectadas em crianças com desenvolvimento geral normal. Nesse sentido, Correia (2004) nos explica que o termo dificuldades de aprendizagem visa explicar o fracasso escolar desses alunos considerados normais.

Mas o que é ser normal?

Dificuldades de Aprendizagem

46

De acordo com o dicionário Weiszflog (2008), a palavra “Normal” refere-se a quem vive de acordo com a norma, com a regra. Em outras palavras, normalidade é um modo de estar em um padrão, correto e justo sob algum ponto de vista. A normalidade é estabelecida pela maioria em comum, de forma que aquele que se opuser à maioria é visto como anormal.

No ambiente escolar, ser normal é se encaixar nos padrões de aprendizagem e de comportamento. Assim, um aluno com deficiência ou uma criança com dificuldades de aprendizagem não são normais.

Você deve ter estudado na disciplina Educação Especial e Inclusão Escolar que, hoje, na escola, a concepção sobre ter uma deficiência mudou. Segundo Coll, Palácios e Marchesi (1995), as indicações para os alunos com deficiências perpassam atitudes que visam à inclusão desses alunos. Neste sentido, de acordo com esses autores, o trabalho educacional com o aluno que não se encaixa no padrão de normalidade, seja um aluno com deficiência ou com DAs, deve iniciar nas seguintes ações:

• Compartilhamento – envolve cooperação nos níveis cognitivo e afetivo;

• Individualização – considera o ser como único no processo de aprendizagem;

• Automodificação – acredita na capacidade de realização do que é proposto;

• Significado – envolve respeito ao valor, aos objetivos;

• Competência – relacionado à autoestima e autoconfiança;

• Reciprocidade – implica em troca, cooperação e envolvimento;

• Planejamento – traçar metas educacionais e analisar os meios de alcançá-las.

O aluno que tem DAs não pode ser visto na escola como um aluno com deficiência, pois suas necessidades tocam questões puramente educacionais. Marchesi e Martins (1995, p. 11) explicam que o aluno que “apresenta algum problema de aprendizagem ao longo de sua escolarização exige uma atenção mais específica e maiores recursos educacionais do que os necessários para os colegas de sua idade”. A partir desses autores, podemos dizer que quem tem DAs precisa de uma educação diferenciada.

O aluno que “apresenta algum

problema de aprendizagem

ao longo de sua escolarização

exige uma atenção mais específica e maiores recursos educacionais do

que os necessários para os colegas de

sua idade”.

47

DificulDaDes De aprenDizagem:significaDo Histórico e conceito atual

Capítulo 2

Atividade de Estudos:

1) Dentre as características apresentadas anteriormente, eleja três que você considera imprescindíveis para o trabalho com aluno com DAs e justifique sua escolha.

_____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________

Na Declaração de Salamanca (um dos mais importantes documentos sobre a inclusão do aluno com deficiência), é reforçada a ideia de individualidade com qualidade na educação de indivíduos com deficiência.

Veja as orientações apresentadas nesse documento, a partir do fragmento a seguir.

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA

Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais

[...]

2. Acreditamos e Proclamamos que:

• toda criança tem direito fundamental à educação e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem,

• toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas,

• sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades,

Dificuldades de Aprendizagem

48

• aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades,

• escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional.

3. Nós congregamos todos os governos e demandamos que eles:

• atribuam a mais alta prioridade política e financeira ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais.

• adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fortes razões para agir de outra forma.

• desenvolvam projetos de demonstração e encorajem intercâmbios em países que possuam experiências de escolarização inclusiva.

• estabeleçam mecanismos participatórios e descentralizados para planejamento, revisão e avaliação de provisão educacional para crianças e adultos com necessidades educacionais especiais.

• encorajem e facilitem a participação de pais, comunidades e organizações de pessoas portadoras de deficiências nos processos de planejamento e tomada de decisão concernentes à provisão de serviços para necessidades educacionais especiais.

• invistam maiores esforços em estratégias de identificação e intervenção precoces, bem como nos aspectos vocacionais da educação inclusiva.

• garantam que, no contexto de uma mudança sistêmica, programas de treinamento de professores, tanto em serviço como durante a formação, incluam a provisão de educação especial dentro das escolas inclusivas.

4. Nós também congregamos a comunidade internacional; em particular, nós congregamos: - governos com programas de cooperação internacional, agências financiadoras internacionais, especialmente as responsáveis pela Conferência Mundial em Educação para Todos, UNESCO, UNICEF, UNDP e o Banco Mundial:

49

DificulDaDes De aprenDizagem:significaDo Histórico e conceito atual

Capítulo 2

• a endossar a perspectiva de escolarização inclusiva e apoiar o desenvolvimento da educação especial como parte integrante de todos os programas educacionais;

• As Nações Unidas e suas agências especializadas, em particular a ILO, WHO, UNESCO e UNICEF:

• a reforçar seus estímulos de cooperação técnica, bem como reforçar suas cooperações e redes de trabalho para um apoio mais eficaz à já expandida e integrada provisão em educação especial;

• organizações não-governamentais envolvidas na programação e entrega de serviço nos países;

• a reforçar sua colaboração com as entidades oficiais nacionais e intensificar o envolvimento crescente delas no planejamento, implementação e avaliação de provisão em educação especial que seja inclusiva;

• UNESCO, enquanto a agência educacional das Nações Unidas, • a assegurar que educação especial faça parte de toda discussão

que lide com educação para todos em vários foros;• a mobilizar o apoio de organizações dos profissionais de ensino

em questões relativas ao aprimoramento do treinamento de professores no que diz respeito a necessidades educacionais especiais.

• a estimular a comunidade acadêmica no sentido de fortalecer pesquisa, redes de trabalho e o estabelecimento de centros regionais de informação e documentação e, da mesma forma, a servir de exemplo em tais atividades e na disseminação dos resultados específicos e dos progressos alcançados em cada país no sentido de realizar o que almeja a presente Declaração.

• a mobilizar FUNDOS através da criação (dentro de seu próximo Planejamento a Médio Prazo. 1996-2000) de um programa extensivo de escolas inclusivas e programas de apoio comunitário, que permitiriam o lançamento de projetos-piloto que demonstrassem novas formas de disseminação e o desenvolvimento de indicadores de necessidade e de provisão de educação especial.

5. Por último, expressamos nosso caloroso reconhecimento ao governo da Espanha e à UNESCO pela organização da Conferência e demandamo-lhes realizarem todos os esforços no sentido de trazer esta Declaração e sua relativa Estrutura de Ação da comunidade mundial, especialmente em eventos importantes tais como o Tratado Mundial de Desenvolvimento Social (em Kopenhagen, em 1995) e a Conferência Mundial sobre a Mulher (em Beijing, em 1995). Adotada por aclamação na cidade de Salamanca, Espanha, neste décimo dia de junho de 1994.

Dificuldades de Aprendizagem

50

Fonte: Declaração de Salamanca (1994). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2009.

Tratar a criança a partir dos princípios trazidos pela Declaração de Salamanca é um dever da escola, do estado e das comunidades locais. Significa preocupar-se, de fato, com o desenvolvimento das crianças e jovens em idade escolar. Significa respeitar os limites e as habilidades individuais do educandos. Significa comprometimento com o futuro desses educandos.

Resumidamente, podemos dizer que toda criança merece uma

educação individualizada e eficaz. Toda criança merece uma educação diferenciada, que satisfaça suas reais necessidades. Referimo-nos, sobretudo, às crianças que não conseguem aprender em condições padronizadas e que, por isso, sofrem com seus fracassos na escola.

AlgumAS conSiderAçõeS

Toda criança é capaz de aprender! Toda criança gosta de aprender! O que ocorre, por vezes, é um desencantamento da criança pelo processo de aprendizagem gerado por algum entrave no meio do caminho. Esses entraves, ou “nós”, podem ser sanados com uma educação diferenciada no ambiente escolar, pois é este espaço que tem por princípio a escolarização oficial das crianças e dos jovens. Neste sentido, a escola deve oferecer estrutura, materiais e métodos adequados, acompanhamento profissional e educação de qualidade a todos os alunos, sem distinção.

Os objetivos deste capítulo foram: conhecer a historicidade e o conceito atual do termo dificuldades de aprendizagem e analisar as necessidades educacionais, no contexto escolar, dos alunos com dificuldades de aprendizagem. Nele, você estudou que:

• O termo dificuldades de aprendizagem surgiu na França, no final do século XIX, e foi classificada pelos historiadores da área como Disfunção Cerebral Mínima (DCM) e como Organicista, pois levantava hipóteses sobre doenças neurológicas e orgânicas dos alunos que não aprendiam.

• Na década de 1980, as dificuldades de aprendizagem foram o foco de estudo da Psicologia Cognitiva, período em que a suposição era que as causas das dificuldades de aprendizagem fossem disfunções psicológicas, envolvendo um ou os quatro processos psicológicos fundamentais, que são: a percepção, a memória, a linguagem e o pensamento.

• Com o enfoque psicológico, a perspectiva Afetiva explicava o fracasso escolar como consequência de algum conflito emocional.

Toda criançamerece uma

educação individualizada

e eficaz.

51

DificulDaDes De aprenDizagem:significaDo Histórico e conceito atual

Capítulo 2

• A abordagem Questionamento da Escola explicava que os fatores escolares são os geradores das dificuldades de aprendizagem.

• A abordagem Desvantagem Sociocultural afirmava que as dificuldades de aprendizagem e o fracasso escolar são gerados pelo meio sociofamiliar.

• Atualmente, podemos notar a utilização de vários termos indicadores para as Dificuldades de Aprendizagem (DAs), tais como problemas, distúrbios e/ou transtornos de aprendizagem. Cada um desses termos tem uma definição própria.

• Quem tem DAs tem necessidades educacionais especiais e, por isso, exige uma atenção mais específica e maiores recursos educacionais do que os necessários para os colegas de sua idade.

• Na Declaração de Salamanca, foi reforçada a ideia de respeito à individualidade do aluno na coletividade do processo de aprendizagem de alunos com deficiência. A partir dessa declaração, podemos perceber que, não somente os alunos com deficiências precisam de uma educação diferenciada, mas todos os alunos que não se encaixam no padrão de normalidade esperado para sua faixa etária.

No próximo capítulo, a partir de exemplos e relatos de casos, você conhecerá algumas estratégias de intervenção e prevenção das dificuldades de aprendizagem que podem ser desenvolvidas na escola e analisará os efeitos da intervenção psicopedagógica na escola e na família do aluno com dificuldades de aprendizagem.

Tome fôlego e vamos em frente!

referênciAS

ABPP. Associação Brasileira de Psicocopedagogia. Disponível em: <http://www.abpp.com.br>. Acesso em: 12 jul. 2009.

BALTAZAR, Marcia Correa. O tratamento das dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita à luz da psicopedagogia construtivista. Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, nº 1, p. 47-55, jan./jun. 2001.

BOSSA, Nádia. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.

CAPELLINI, Simone Aparecida. Problemas de aprendizagem relacionados às alterações da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004.

Dificuldades de Aprendizagem

52

CASTANHEIRA, Maria Lucia; SANTIAGO, Ana Lydia. Oralidade e escrita: dificuldades de ensino-aprendizagem na alfabetização. Salto para o Futuro, TV Escola, 2008. Disponível em: <www.tvebrasil.com.br/salto>. Acesso em: 12 abr. 2009.

CIASCA, Silvia. Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

CID-10. Classificação dos transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

COLL, César; PALÁCIOS, Jesus; MARCHESI, Álvaro (Orgs.) Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

CORREIA, Luís de Miranda. Problematização das dificuldades de aprendizagem nas necessidades educativas especiais. Análise Psicológica, nº 2, p. 369-376, 2004. Disponível em: <http://jpn.icicom.up.pt/documentos/pdf/problematizacao_criancas_nee_mcorreia.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2009.

CYPEL, Saul. O aprendizado escolar: reflexões sobre alguns aspectos neurológicos. Revista FDE, São Paulo, nº 19, 1993. Disponível em: <http://www.morente.filos.ucm.es/publicaciones/iberpsicologia/lisboa> .Acesso em: 15 abr. 2009.

FONSECA, Vitor da. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.GARCIA SÁNCHEZ, Jesus Nicasio. Dificuldades de aprendizagem e intervenção psicopedagógica. Porto Alegre: Artemed, 2004.

MARCHESI, Álvaro; MARTIN, Elena. Da terminologia do distúrbio às necessidades educacionais especiais. In: COLL, César; PALÁCIOS, Jesus; MARCHESI, Álvaro (Orgs.) Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. v. 3, p. 7-23.

NUTTI, Juliana Zantut. Distúrbios, transtornos, dificuldades e problemas de aprendizagem: algumas definições e teorias explicativas. Psicopedagogia On-Line, 2002. Disponível em: <http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=339>. Acesso em: 15 abr. 2009.

SENA, Maria das Graças de Castro. Dispositivo, 1. Belo Horizonte: Clínica d’Iss, 1999.

WEISZFLOG, Walter. Michaelis: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2008.

CAPÍTULO 3

oS profiSSionAiS dA educAção e AS dificuldAdeS de AprendizAgem: diAgnóStico

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

3 Analisar os problemas que geram dificuldades de aprendizagem e são gerados por elas.

3 Identificar os profissionais especializados para diagnosticar as dificuldades de aprendizagem no contexto escolar.

55

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

contextuAlizAção

No capítulo anterior, você verificou as diferentes terminologias utilizadas na escola para indicar as dificuldades de aprendizagem.

Você reparou que, independente da terminologia utilizada, no espaço escolar, as dificuldades de aprendizagem nos remetem a alunos “heterogêneos que apresentam desordens específicas, manifestadas por dificuldades na aquisição utilização e compreensão do sistema auditivo, da fala, da leitura, da escrita e do raciocínio matemático”? (FONSECA, 1995, p. 71).

Essas desordens na aprendizagem que atrapalham o desenvolvimento

de crianças e de jovens em processo de aquisição de conhecimento podem nos levar a pensar em uma educação especializada com condições próprias para suas necessidades. Assim, pesquisadores como Fonseca (1995), Ballone (2003), Smith e Stick (2001) defendem a idéia de educação diferenciada para aprendizagem significativa. Sob este ponto de vista, você observará, nas próximas páginas, exemplos de comportamentos típicos dos portadores de dificuldades de aprendizagem, com o intuito de refletir sobre os possíveis diagnósticos que podem ser traçados no contexto escolar e relacioná-los com a ação docente e a de outros profissionais envolvidos com a educação.

dificuldAdeS de AprendizAgem nA eScolA

Vale ressaltar, nesta seção, que uma criança com dificuldades de aprendizagem (DA) não é uma criança com deficiência. Fonseca (1995, p. 92) elucida que as crianças com DA são normais em alguns aspectos, “mas desviantes e atípicas em outros que, por si só, exigem processos de aprendizagem que não se encontram disponíveis, por agora, no envolvimento da ‘classe’ regular, dita normal.”

Você conhece alguma criança assim? Que características cognitivas e de comportamento essa criança apresenta? Fonseca (1995) nos dá dicas a esse respeito:

As suas principais características compreendem uma dificuldade de aprendizagem nos processos simbólicos: fala, leitura, escrita, aritmética, etc., independentemente de lhe terem sido proporcionadas condições adequadas de desenvolvimento (saúde, envolvimento familiar estável, oportunidades sócio-culturais e educacionais, etc.). A criança com DA manifesta uma discrepância no seu potencial de aprendizagem e exibe uma diversidade de comportamentos

Dificuldades de Aprendizagem

56

que podem ou não ser provocados por disfunção neurológica. Manifesta freqüentemente dificuldades no processo de informação quer ao nível receptivo, quer ainda no nível integrativo e expressivo. Usualmente revela-se como uma criança inteligente. Inverte letras: ‘d’ por ‘b’ ou ‘u’ por ‘n’; números: ‘6’ por ‘9’ ou lê ‘bar’ por ‘dar’, ou ‘96’ por ‘69’, etc. Esquece-se com freqüência. Não aprende seqüência dos dias da semana, dos meses ou das estações do ano. Fala em histórias fabulosas, mas não consegue saber quanto é 2+2. Por vezes é tagarela, não pára de falar. Está em permanente atividade, não se concentra, é muito distraída e teimosa. (FONSECA, 1995, p. 252).

As características mencionadas por Fonseca (1995) podem gerar ou ser geradas pelas dificuldades de aprendizagem. Além dessas características gerais dos indivíduos com DA, existem outras que estudaremos na sequência desta seção. São elas: problemas de atenção, problemas perceptivos, problemas emocionais, problemas linguísticos e problemas motores.

O termo “problemas” utilizado nesta seção é sugerido pelo autor Fonseca (1995) e deve ser entendido como uma característica que pode ser encontrada nas pessoas que têm DA. Dessa forma, o termo “problemas” não significa uma “coisa ruim”, mas uma característica do indivíduo que tem dificuldades de aprendizagem.

Atividade de Estudos:

Antes de verificarmos os problemas dos indivíduos com DA, leia o relato de caso que segue e, depois, responda o que pedimos.

Relato de caso

Tenho uma criança de 8 anos e 7 meses que recentemente me tem apresentado algumas alterações na escrita e na leitura. Note que ela está conosco desde janeiro e, nessa altura, não apresentava estas dificuldades. É uma criança que chegou a nós com uma linguagem e vocabulário muito pobre, linguagem frequentemente à bebê... Tem evoluído muito desde janeiro, mas nos últimos 15 dias apresenta estas alterações que lhe vou falar. Na escrita, a partir do ditado, escreve: viva (original é VIVE); lustar (original é ILUSTRA); a (original é AL); Vide (original é VIDA); ixa (original é PEIXE); Do

57

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

(original é DA). Quando realiza cópia da lousa, escreve: do (original é DA); dios (original é DIAS); Rodos (original é RODAS); no (original é NA); batatas (original é BATATES); Xilofona (original é XILOFONE).

Fonte: MARTINS, Vicente. Dislexia: relatos de casos. Disponível em: <http://inforum.insite.com.br/840/3395723.html>. Acesso em: 20 abr. 2009.

1) Em sua opinião, quais são as características da criança que aparece no relato de Martins (2009)?

______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

a) Problemas de atenção

De acordo com Fonseca (1995, p. 253), os problemas de atenção consistem na dificuldade que a criança tem em “fixar a atenção, não selecionando os estímulos relevantes dos irrelevantes”. Esta dificuldade interfere na percepção e, consequentemente na aprendizagem, pois, como sabemos, a atenção compreende uma organização interna e externa de estímulos que recebe e integra as mensagens sensoriais.

É comum, na escola, denominarmos crianças desatentas como crianças com Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH). Você sabe o que é o TDAH?

Assista ao vídeo explicativo sobre TDAH. Disponível em: <http://www.tdah.org.br/videos/videos02.php?id=1>.

Este vídeo trata do TDAH e sua importância. Foi produzido pela Janssen-Cilag com conteúdo exclusivamente fornecido pela Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA).

Segundo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção, TDAH é

um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que

Problemas de atenção consistem na dificuldade que a criança tem em

“fixar a atenção, não selecionando os

estímulos relevantes dos irrelevantes”.

Dificuldades de Aprendizagem

58

aparece na infância e freqüentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade, sendo chamado, às vezes, de DDA (Distúrbio do Déficit de Atenção). Em inglês, também é chamado de ADD, ADHD ou de AD/HD. (ABDA, 2009).

De acordo com os especialistas que se organizam na ABDA (2009), o TDAH se caracteriza por dois tipos de sintomas que são: 1) desatenção; 2) hiperatividade-impulsividade.

Nem toda criança que se apresenta desatenta possui TDAH. Muitas vezes, a criança apenas precisa de estímulos adequados às suas habilidades. Para diagnosticar o TDAH, foi elaborado um questionário, intitulado SNAP-V. Esse questionário fornece indícios para diagnosticar o TDAH, mas o diagnóstico final deve ser dado por uma equipe de especialistas.

Veja a seguir, o SNAP-V.

Para cada item, escolha a coluna que melhor descreve o (a) aluno (a) (MARQUE UM X):

Nem Só um um Bastante Demais pouco pouco

1. Não consegue prestar muita atenção a detalhes ou comete erros por descuido nos trabalhos da es-cola ou tarefas.

2. Tem dificuldade de manter a atenção em ta-refas ou atividades de lazer. 3. Parece não estar ouvindo quando se fala direta-mente com ele.

4. Não segue instruções até o fim e não ter-mina deveres de escola, tarefas ou obrigações. 5. Tem dificuldade para organizar tarefas e atividades.

6. Evita, não gosta ou se envolve contra a vontade em tarefas que exigem esforço mental prolongado. 7. Perde coisas necessárias para atividades (p. ex.:brinquedos, deveres da escola, lápis ou livros).

59

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

Como avaliar:

1) se existem pelo menos 6 itens marcados como “BASTANTE” ou “DEMAIS” de 1 a 9 = existem mais sintomas de desatenção que o esperado numa criança ou adolescente.

2) se existem pelo menos 6 itens marcados como “BASTANTE” ou “DEMAIS” de 10 a 18 = existem mais sintomas de hiperatividade e impulsividade que o esperado numa criança ou adolescente.

O questionário SNAP-V é útil para avaliar apenas o primeiro dos critérios

8. Distrai-se com estímulos externos. 9. É esquecido em atividades do dia-a-dia. 10. Mexe com as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira.

11. Sai do lugar na sala de aula ou em outras situa-ções em que se espera que fique sentado. 12. Corre de um lado para outro ou sobe demais nas coisas em situações em que isto é inapropriado.

13. Tem dificuldade em brincar ou envolver-se em atividades de lazer de forma calma. 14. Não pára ou freqüentemente está a “mil por hora”. 15. Fala em excesso. 16. Responde as perguntas de forma precipitada antes de elas terem sido terminadas. 17. Tem dificuldade de esperar sua vez. 18. Interrompe os outros ou se intromete (p.ex., mete-se nas conversas / jogos).

Dificuldades de Aprendizagem

60

(critério A) para se fazer o diagnóstico. Existem outros critérios que também são necessários.

IMPORTANTE: Não se pode fazer o diagnóstico de TDAH apenas com o critério A! Veja abaixo os demais critérios.

CRITÉRIO A: Sintomas (vistos anteriormente).

CRITÉRIO B: Alguns desses sintomas devem estar presentes antes dos 7 anos de idade.

CRITÉRIO C: Existem problemas causados pelos sintomas acima em pelo menos 2 contextos diferentes (por ex., na escola, no trabalho, na vida social e em casa).

CRITÉRIO D: Há problemas evidentes na vida escolar, social ou familiar por conta dos sintomas.

CRITÉRIO E: Se existe um outro problema (tal como depressão, deficiência mental, psicose, etc.), os sintomas não podem ser atribuídos exclusivamente a ele.

Fonte: ABDA. SNAP-V. Versão em português validada por Mattos P. et al. 2005. Disponível em: <http://www.tdah.org.br/diag01.php>. Acesso em: 21 abr. 2009.

Verifique que, para um indivíduo ser considerado suspeito de portador de TDAH, é preciso que seis itens do questionário SNAP – V sejam marcados como bastante ou demais. Isto nos leva a crer que nem todas as crianças por nós denominadas como desatentas são portadoras de TDAH e que nem todos os portadores de TDAH possuem exatamente os mesmo sintomas. Veja o caso de Beto, no relato que segue.

Relato de CasoMinha Vida

Ele era uma criança levada, que não parava no lugar e não se concentrava em nada. Diziam que ele era hiperativo, mas pera aí? Como podia ser hiperativo uma criança que ao jogar videogame ou assistir a um jogo do Flamengo na televisão ficava horas e horas parada sem ao menos piscar os olhos?

‘Mal-educado!!!!’ ‘Sem limites!!!!’ ‘Capeta!!!!’ ‘Disperso!!!!’ ‘Louco!!!’ eram frases que ele comumente ouvia.

61

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

Ele sofria com isso, porém sempre se considerou como os outros, pois tinha uma vida parecida com a dos seus amigos, mesmos hábitos, costumes, cultura, mas sempre fazendo as coisas muitas vezes sem pensar. Mesmo assim, ele não era somente defeitos; assim como perdia amigos facilmente, os recuperava com seu carisma e sua inteligência.

Inteligência que incomodava a muitos, pois não o viam estudar muito, se empenhar e mesmo assim colher como frutos, bons resultados... ‘Mas pera aí, ele nunca pode ser um bom aluno!’ ‘Ele só pode estar colando’.

Eis então que ele cresceu, a criança hiperativa mal-educada virou um jovem. Ele, agora mais velho, continuava tendo muitos amigos, saía, se divertia e jogava muito bem futebol, algo em que definitivamente se concentrava e parecia até uma pessoa ‘normal’; ele era o capitão de seu time da escola, exercia toda sua liderança em quadra e se orgulhava muito disso.

Na sala de aula, parecia que sua liderança se tornava algo negativo, o fazia não ter forças para estudar, para prestar atenção, atrapalhava a turma, desconcentrava os professores e criava muitas inimizades. Inimizades essas que não acreditavam como ele podia obter bons resultados. E as vítimas de sua tenebrosa atitude sem limites? Ele não pode corresponder às expectativas.

Ele era o capitão do time, ele era querido...

Ele era um menino-problema; em sala de aula, ele era odiado.

Como sua vida não era feita só de futebol, ele foi campeão no campo, e foi derrotado fora dele; foi perseguido como um bandido sem direito a legítima defesa; afinal foi pego várias vezes em flagrante, com sua maligna hiperatividade e sua temível impulsividade.

Orgulhosamente, foi lhe dado o veredicto final, como um juiz que dá uma sentença a um réu; sua reprovação em matemática foi ovacionada pelos guardiões da boa conduta e da paz escolar, e sua conseqüente saída da escola como um início de um novo ciclo de alegria, sem ele, aquele menino, que jogava bem futebol, mas somente isso.

Ele chorou, perdeu seus amigos, sua escola, mas mais do que tudo isso, perdeu sua auto-confiança.

Dificuldades de Aprendizagem

62

Ele já estava se tornando um adulto e, por meios do destino, sua mãe conheceu um médico que tratava de um tal ‘déficit de atenção’. Seria tão somente o 445º tipo de tratamento para curar aquele garoto-problema, algo que até o mesmo já estava praticamente convencido que era.

Mandaram-no tomar Ritalina, um remédio ruim, que tira fome, e que lhe daria mais atenção e blá blá blá !!! Algo que ele já estava cansado de ouvir. Ele tomou a medicação sem crença nenhuma naquilo.

E o tempo foi passando, ele vivendo sua vida, em uma nova escola, procurando seu lugar no time de futebol do colégio...

Em 4 anos, ele se tornou capitão do time. E mais: foi campeão vencendo a sua ex-escola; se formou como um dos melhores alunos da turma, passou para a faculdade que queria, tirando nota 10 na prova de matemática, a matéria que o fez passar um dos seus piores momentos ao ser reprovado.

Hoje ele está na faculdade. Ele ainda tem muito o que viver, com seu jeito hiperativo, desatento, mas agora controlado, sem deixar de ser ele mesmo. Ele vai vivendo, com o intuito de um dia poder mostrar que não era um bandido, um mal-educado nem um “sem limites”; era apenas uma pessoa diferente e, como todas outras pessoas diferentes, pode e deu certo na vida.

Hoje ele é feliz, tem uma namorada, estuda o que gosta, tem muitos amigos, sua família se orgulha dele e, acima de tudo, ele próprio sabe o que tem e vive feliz com a sua realidade.

Ele deseja que o que ele sofreu, outras pessoas não sofram um dia.

Ele?

Sou eu...

Beto (Contato através de [email protected])

Fonte: ABDA. Disponível em: <http://www.tdah.org.br/reportagem01.php?tipo=T>. Acesso em: 21 abr. 2009.

63

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

Para saber mais sobre TDAH leia: PAUL; George J. Du; STONER, Gary. TDAH nas escolas: orientações práticas e essenciais para professores, educadores e profissionais envolvidos com as necessidades de alunos com TDAH. São Paulo: M.B do Brasil LTDA, 2002.

Agora que você já estudou alguns dos problemas de atenção, vamos verificar os problemas perceptivos mais investigados pelos teóricos que tratam das dificuldades de aprendizagem.

b) Problemas perceptivos

O sistema perceptivo faz parte do sistema nervoso central, ou seja, é o cérebro quem recebe os estímulos (por meio dos órgãos do sentido: visão, audição, tato, olfato e paladar) e, em seguida, processa as informações sensoriais.

Desenvolver o sistema perceptivo subentende a capacidade de extrair significação do envolvimento, ou seja, internalizar os resultados da experiência e da prática.

Fonseca (1995) nos explica que a percepção humana só ocorre quando a estimulação sensorial recebida pelo indivíduo está próxima do nível sensorial já existente, intrínseco, nesse mesmo indivíduo. Além disso, o desenvolvimento perceptivo compreende uma hierarquia no desenvolvimento motor, pois

a capacidade perceptiva de discriminar, analisar, sintetizar, reconhecer e armazenar estímulos e suas relações está indissociavelmente ligada à manipulação de objetos e à elaboração, que por sua vez produz estimulação em feedback, posteriormente ligada ao cérebro. (FONSECA, 1995, p. 255).

Os estímulos visuais e auditivos, ainda que não sejam os únicos estímulos possíveis de imprimir funções no sistema perceptivo, são imprescindíveis para o seu desenvolvimento. Nesta seção, estudaremos apenas os sistemas perceptivo, visual e auditivo, por serem, segundo Fonseca (1995), os sistemas mais estudados. Sendo assim, veja, a seguir, quais as implicações do sistema perceptivo visual e auditivo separadamente.

Fonseca (1995, p. 255) afirma que o desenvolvimento perceptivo-visual emerge da integração dos seguintes processos sensório-motores:

Dificuldades de Aprendizagem

64

• Processo antigravítico: Engloba as aquisições motoras básicas (reptação, quadrupedia, controle postural, locomoção bípede, etc.) decorrentes essencialmente de leis de maturação biológica – lei cefalocaudal e lei próximo-distal.

• Processo de interiorização corporal e espacial: Resulta da construção da imagem do corpo e subsequente da lateralização e da direcionalidade que, por implicação, vão estar na base das funções de orientação e exploração (‘radar do Eu’).

• Processo de identificação e manipulação: decorre do contato com o real e com os objetos. A ação sobre os outros e com os outros mediatizada com os objetos, verdadeiros representantes dos outros e dos seus afetos, proporciona a descoberta dos mesmos. Descoberta essa, realizada pela preensão fina, dado que os objetos passam a ser reconhecidos nos seus atributos, propriedades e características. A visão, coordenando com a exploração da mão, vai integrando seus feedbacks tatilquinestésicos, criando imagens que vão diferenciando e consolidando, permitindo, por consequência, a reexperimentação visuoperceptiva dos aspectos motores.

Veja o significado de algumas palavras utilizadas por Fonseca (1995), na citação anterior, de acordo com o Weiszflog (2008):

Reptação: andar de rastos; rastejar.Quadrupedia: andar com quatro pés. Engatinhar.Lei cefalocaudal: o desenvolvimento começa na cabeça e

progride para as outras partes do corpo.Lei próximo-distal: o desenvolvimento físico do tronco para os

membros.Tatilquinestésico: Estímulos responsáveis pela monitorização

dos movimentos, auxiliando-nos a andar, correr e realizar outras atividades cinéticas, segura e coordenadamente.

Quando o indivíduo possui disfunção em um dos processos mencionados, o sistema perceptivo não se desenvolverá plenamente. Na prática, isto significa dizer que o indivíduo terá dificuldades em “reproduzir formas geométricas, em distinguir figura-fundo, em detectar inversões e rotações de figuras, em transferir relações espaciais, em identificar letras em palavras, etc.” (FONSECA, 1995, p. 257). Veja os exemplos que seguem.

65

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

Figura 6 – Reprodução de formas geométricas e de grafismos de uma criança

Fonte: FONSECA, Vitor da. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2. ed. Porto Alegre: Artemed, 1995. p. 257.

Figura 7 – Exemplo de dificuldade em discriminar posições no espaço

Fonte: FONSECA, Vitor da. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2. ed. Porto Alegre: Artemed, 1995. p. 258.

Figura 8 – Exemplo de dificuldades em distinguir figura-fundo

Fonte: FONSECA, Vitor da. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2. ed. Porto Alegre: Artemed, 1995. p. 258.

Dificuldades de Aprendizagem

66

O desenvolvimento perceptivo-auditivo, ao contrário do visual, é ininterrupto e primitivo. Além disso, é capaz de captar todas as informações sonoras que permeiam os meios. Não é novidade dizer que a audição é essencial para a comunicação interpessoal e para a aquisição da linguagem. Devido a essa relevância, o sistema perceptivo-auditivo “é um sistema de alerta e de atenção pluridimensional, pois capta informações de todos os lados.” (FONSECA, 1995, p. 263).

Assim como no sistema perceptivo-visual, o auditivo apresenta funções de tratamento de informação, como a função de recepção, associação e expressão.

Fonseca (1995, p. 263) nos explica que:

Nas funções receptivas, podemos destacar a discriminação auditiva, a identificação fonética e a síntese auditiva, seguir direções, etc. Nas funções associativas, podemos diferenciar o complemento de palavras e frases, a memória de curto e médio termo, a associação auditiva ou audiovisual, etc. nas funções expressivas, podemos equacionar: articulação, vocabulário, narração de histórias por imagens, etc.

Quando o indivíduo possui problemas no sistema perceptivo-auditivo, terá grande dificuldade em discriminar pares de palavras e classificar frases absurdas, como, por exemplo: Os pássaros dão frutos? (neste caso, pássaros deveriam ser árvores). Os indivíduos com DA no sistema perceptivo-auditivo podem compreender uma palavra, mas não as outras da frase, deixando de compreender seu sentido.

Outros problemas, como identificação fonética e síntese auditiva, podem ser revelados no indivíduo com problemas no sistema perceptivo-auditivo. Isto nos indica que indivíduos com tal problema têm dificuldade em:

• Identificar o primeiro som das palavras que ouve, como, por exemplo: na palavra “casa” não identifica a letra “C”.• Completar palavras, como, por exemplo: “moran____”, para morango.• Completar frases simples, como, por exemplo: “O gato subiu no muro e __________”• Responder frase-estímulo, como, por exemplo: “O alface maduro é verde, o tomate maduro é___________ “• Participar de provas de vocabulários e narração de histórias.

Os problemas perceptivos mais investigados pelos estudiosos da temática são os visuais e os auditivos. Com isso, vale lembrar que não são os únicos que compõem o sistema perceptivo, existindo os sistemas motor, psicomotor e tátil.

67

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________

___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________

Para saber mais sobre os outros sistemas que compõem o sistema perceptivo, leia: FONSECA, Vitor da. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2. ed. Porto Alegre: Artemed, 1995.

Agora que você já conhece duas dificuldades específicas (de atenção e perceptiva) que os indivíduos com DA podem apresentar, vamos compreender como os problemas emocionais podem inferir no cotidiano dos portadores de DA.

Atividade de Estudos:

1) Faça uma pausa em seus estudos para organizar seu conhecimento. Preencha o quadro a seguir com o que pedimos.

Principais características

Problemas de atenção Problemas perceptivos

Dificuldades de Aprendizagem

68

c) Problemas emocionais

Quando falamos em desenvolvimento emocional, estamos nos referindo aos sentimentos que nos constituem enquanto seres humanos. Sendo assim, é fácil deduzir que todos os seres humanos são constituídos por sentimentos. Assim, quando acontece algum problema com o sistema emocional, o desenvolvimento do ser humano é afetado.

Atividade de Estudos:

1) Você consegue listar algumas situações que podem gerar problemas emocionais em um indivíduo? Use o espaço a seguir para listar algumas dessas situações.

______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

Certamente, as situações descritas por você e tantas outras podem influenciar a vida de um indivíduo sob todos os aspectos, inclusive a aprendizagem. Isto porque as emoções têm uma relação íntima com a aprendizagem, assim como os problemas emocionais têm relação com as dificuldades de aprendizagem.

Mas o que são emoções? Segundo Ballone (2003, p. 32), emoções são “complexos psicofisiológicos que se caracterizam por súbitas rupturas no equilíbrio afetivo de curta duração, com repercussões consecutivas sobre a integridade da consciência e sobre a atividade funcional de vários órgãos”. De acordo com Ballone (2003), as emoções podem influenciar de tal maneira o organismo de um indivíduo que suas consequências podem ser vistas fisicamente.

69

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

As emoções interferem radicalmente no processo de aprendizagem. Smith e Stick (2001) evidenciam essa interferência, apresentando alguns problemas emocionais.

• Raiva ou hostilidade excessivas: essas emoções podem ser expressas verbalmente (sarcasmo, palavrões) ou fisicamente (destruição de propriedades, provocações, lutas físicas, ataques de raiva e fúria).

• Ansiedade excessiva: os temores podem não parecer estar conectados com a escola - a criança pode desenvolver ansiedade excessiva em relação aos estranhos ou à separação dos pais, por exemplo.

• Depressão: os sintomas podem incluir isolamento, sentimentos de tristeza ou pessimismo sobre o futuro, perda de interesse por atividade que anteriormente oferecia prazer, mudanças no apetite e no peso, mudanças nos padrões do sono, sentimento de culpa ou indignidade, fadiga ou perda de energia, inquietação ou irritabilidade e incapacidade para concentrar-se ou tomar decisões. A Nacional Mental Health Association recomenda a busca de auxílio profissional, se cinco ou mais desses sintomas persistirem por mais de duas semanas.

• Comportamento escapista: este pode incluir fantasias excessivas e devaneios ou envolvimento obsessivo com televisão, vídeo e jogos de aventura; posteriormente, pode incluir abuso de drogas ou álcool e atividade sexual promíscua.

• Comportamento de busca de emoções: essas crianças gostam de estar em perigo e ‘viver nos limites’. Elas podem ser atraídas por alturas, velocidade, violência e atividade ilegais.

• Comportamento anti-social/de oposição: esta é uma recusa voluntária para obedecer às regras ou obedecer às figuras de autoridade (o que não deve ser confundido com incapacidade para entender o que a autoridade deseja ou obedecer). Esse tipo de comportamento envolve conflitos repetidos com adultos e faltas voluntárias às aulas; também pode incluir abuso de substâncias e atividades criminais, como ateamento de fogos, roubo e vandalismo.

Fonte: SMITH, Corine; STRICK, Lisa. Dificuldades de aprendizagem de A a Z: um guia completo para pais e educadores. Porto Alegre: Artemed, 2001. p. 75.

“As crianças emocional e socialmente

desajustadas tendem a obter

fracos resultados escolares, na

medida em que os problemas emocionais

desintegram o comportamento e,

consequentemente, o potencial de

aprendizagem”. (FONSECA 1955,

p. 265)

Dificuldades de Aprendizagem

70

Os comportamentos apresentados por Smith e Stick (2001) podem gerar ou agravar o processo de aprendizagem do indivíduo. Neste sentido, Fonseca (1995, p. 265) afirma que “as crianças emocional e socialmente desajustadas tendem a obter fracos resultados escolares, na medida em que os problemas emocionais desintegram o comportamento e, consequentemente, o potencial de aprendizagem”. Desta forma, os problemas emocionais agravam as dificuldades de aprendizagem levando ao fracasso escolar.

O desenvolvimento da linguagem é também um fator que interfere no processo de aprendizagem. Vamos estudá-lo?

d) Problemas linguísticos

Quando refletimos sobre o desenvolvimento linguístico, podemos nos questionar: No que consiste a linguagem? A linguagem é ensinada à criança de maneira sistemática? Muitos linguistas buscam explicar essas questões. Bee (1996) nos indica vários linguistas e suas explicações. Assim, observe o que alguns linguistas afirmam sobre o que é e a função da linguagem no desenvolvimento humano.

1. A linguagem é um sistema arbitrário de símbolos. As palavras (ou gestos) representam coisas. Mas a combinação particular dos sons (ou gestos) que representa algum objeto, evento ou relacionamento varia de uma linguagem para outra, de modo que os símbolos são arbitrários.

2. A linguagem é governada por regras. Cada linguagem tem certas regras para reunir símbolos separados, ou criar novas palavras, tais como as regras para criar superlativos ou para o passado verbal, ou para a ordem das palavras nas frases.

3. Dentro dessas regras, a linguagem é criativa. As pessoas que falam uma língua combinam símbolos de novas maneiras para criar novos significados. Quando falamos, não estamos restritos a um repertório de frases que ouvimos e que aprendemos; Criamos frases de acordo com a necessidade do momento.

Com a explicação de Bee (1996), compreendemos que a linguagem não é apenas uma coleção de sons; ao contrário, é um sistema complexo de comunicação que exerce uma função primordial no desenvolvimento humano. Assim, disfunções na linguagem prejudicam a aprendizagem e agravam o desenvolvimento do indivíduo.

Comumente encontramos, na escola, crianças com problemas de linguagem, pois, segundo Smith e Strick (2001), os problemas de linguagem são os mais comuns relacionados aos problemas de aprendizagem. Alguns dos problemas linguísticos que podem afetar a aprendizagem são:

71

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

• Atraso de linguagem – significa o aparecimento tardio ou não aparecimento da linguagem.

• Disfonia – é evidenciada quando a emissão da voz é afetada. Pode ser causada por alguma alteração nos órgãos da fonação.

• Dislalia – evidenciada pela substituição de um fonema por outro ou pela omissão de letras; por exemplo: “fala” por “vala” e “peto” por “preto”.

• Disartria – ocorre quando há dificuldades no movimento dos órgãos bucais, o que causa uma fala incompreensível.

• Afasia – consiste na incapacidade da linguagem falada e escrita. Normalmente, esse problema é causado por lesão no sistema nervoso central.

Tendo em vista que os problemas mencionados são comumente encontrados em crianças na idade escolar, é imprescindível que possamos identificá-los para que as providências sejam tomadas no sentido de solucionar o problema ou amenizá-lo.

Assim, recorremos a Smith e Strick (2001) que apresentam os sintomas relacionados a problemas da linguagem, possíveis de serem identificados na escola.

Veja a seguir.

Sintomas para deficiência de processamento da linguagem

Compreensão da fala e da linguagem:

• Atraso para aprender a falar;

• Não modula o tom de voz apropriadamente; fala em um tom monótono ou muito alto;

• Tem problemas para citar nomes de objetos ou de pessoas;

• Utiliza uma linguagem vaga e imprecisa; possui vocabulário pequeno;

• A fala é lenta ou sofre interrupções; usa mecanismos de adiantamento verbal (“ah”, “hmm”, “você sabe”, “né”);

• Usa uma gramática pobre;

• Pronuncia mal as palavras;

Dificuldades de Aprendizagem

72

• Confunde palavras com sons similares (como “frustar” e “flutuar”, pode produzir sons híbridos, como “flustar”);

• Com freqüência, usa gestos com as mãos ou a linguagem corporal para ajudar a transmitir a mensagem;

• Evita falar (especialmente, na frente de estranhos, figuras representativas de autoridades ou grupos);

• É insensível a rimas;

• Demonstra pouco interesse por livros ou histórias;

• Não responde apropriadamente questões (responde “segunda-feira” quando lhe perguntam “onde você estudou?”);

• Com frequência, não compreende ou não recorda instruções.

Fonte: SMITH, Corine; STRICK, Lisa. Dificuldades de aprendizagem de A a Z: um guia completo para pais e educadores. Porto Alegre: Artemed, 2001. p. 49.

Os sintomas referidos por Smith e Strick (2001) podem aparecer de vez em quando na criança e nem por isso se constituirá em um problema de linguagem. Todavia, se a criança apresentar um padrão persistente de muitos desses sintomas, isso pode evidenciar problemas linguísticos. Quando tais problemas são detectados na escola, a criança deve ser encaminhada aos profissionais da linguagem, como os fonoaudiólogos, por exemplo. Esses profissionais avaliarão as crianças para comprovar as suspeitas levantadas na escola.

Para saber mais sobre a influência dos problemas de linguagem no processo de aprendizagem, leia:

CAPELLINI, Simone Aparecida; OLIVEIRA, Karina Tamarozzi. Problemas de aprendizagem relacionados a problemas de linguagem. IN: CIASCA, Silvia Maria (org.). Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

Vejamos, a seguir, como o processo de aprendizagem é afetado pelos problemas motores.

73

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

e) Problemas motores

O desenvolvimento motor descreve a capacidade do ser humano de movimentar-se e usar o corpo de maneira hábil. Esse desenvolvimento inicia no nascimento e inclui várias habilidades adquiridas ao longo da vida, como, por exemplo: engatinhar, andar, correr, agarrar e atirar objetos. Segundo Bee (1996, p. 121),

quase todas as habilidades básicas estão completas por volta dos 6 ou 7 anos de idade. Depois disso, a mudança é principalmente a melhora de desempenho, conforme a criança refina as habilidades básicas e as integra em seqüências de movimento cada vez mais complexas.

Não é novidade afirmar que o desenvolvimento das habilidades motoras tem um forte impacto sobre a aprendizagem e, consequentemente, no desenvolvimento. Sendo assim, vamos observar a tabela de desenvolvimento e das habilidades motoras elaborada por Bee (1996, p.123).

Tabela 1 – Sequência de desenvolvimento de várias habilidades motoras

Idade Habilidades de Movimento e Manipulação

1 mês Ergue a cabeça. Segura objetos se colocados em sua mão.

4-6 meses Senta com apoio. Mantém a cabeça ereta numa posição sentada. Estende o braço para pegar objetos e os agarra.

7-9 meses Senta sem apoio. Rola sobre si mesmo. Fica em pé usando os móveis. Transfere objetos de uma mão para a outra.

10-12 meses Engatinha. Caminha usando os móveis. Caminha sem ajuda (12-13 meses).

13-18 meses Caminha para trás e para os lados. Empilha dois blocos. Coloca objetos em pequenos recipientes e os esvazia.

3-4 anos Sobe escadas colocando um pé em cada degrau. Pedala e dirige um triciclo. Agarra bolas grandes. Corta papel com tesoura. Segura o lápis entre o polegar e os primeiros dois dedos.

7-8 anos Pula livremente. Anda em bicicletas de duas rodas. Joga jogos de bola com certa habilidade. Escreve letras separadas.

Fontes: Connolly e Dalgleish, 1989; Capute e colaboradores, 1984; Fagard & Jacquet, 1989; Mathew; Cook, 1990; Thomas, 1990. IN: BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. 7. ed. Porto Alegre: Artemed, 1996.

Dificuldades de Aprendizagem

74

Antes de prosseguirmos, vale dizer que a tabela apresentada nos sugere uma média de idade para o desenvolvimento motor. Dessa forma, é necessário considerarmos os estímulos externos e a maturação biológica do indivíduo para determinar, exatamente, seu nível de desenvolvimento motor.

Considerando as habilidades motoras descritas na tabela anterior, podemos perceber que o desenvolvimento motor é fundamental para a aprendizagem e para a evolução. Quando falamos em problemas motores, estamos nos referindo aos atrasos ou ausências das habilidades motoras que geram dificuldades no processo de aprendizagem e no desenvolvimento geral.

De acordo com o CID-10 (1993, p. 245), problema no desenvolvimento motor é um

sério comprometimento no desenvolvimento da coordenação motora, que não é explicável unicamente em termos de retardo intelectual ou qualquer transtorno neurológico congênito ou adquirido específico. É usual que a inabilidade motora esteja associada a algum grau de desempenho comprometido em tarefas cognitivas visuoespaciais.

Neste sentido, Fonseca (1995) nos explica que os problemas motores não atingem diretamente a capacidade intelectual, mas interferem no desempenho escolar, pela dificuldade em escrever, em pintar, em manusear objetos e em participar das atividades próprias da escola.

Para Smith e Strick (2001), a coordenação motora fina é imprescindível para a escrita e para a letra legível. Isto porque os movimentos motores finos referem-se “à ligação entre as funções musculares, neurológicas e do esqueleto que, juntas, são utilizadas para produzir movimentos pequenos, precisos e coordenados (como o ato de apontar para um pequeno objeto)” (CIASCA, 2004, p. 94).

Com base nos autores citados, podemos afirmar que o bom desenvolvimento motor implica diretamente no sucesso escolar e que, por isso, disfunções como estas (no desenvolvimento motor) devem ser diagnosticadas e tratadas isoladamente, e não subestimadas como meros problemas passageiros.

Sendo assim, podemos nos perguntar: Quem são os responsáveis pelo

75

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

diagnóstico e tratamento dos problemas que geram as dificuldades de aprendizagem? Os professores dão conta disso na escola? Na próxima seção, trataremos dessa questão. Mas, antes de continuarmos os estudos, veja o que o Leo tem para você.

Atividade de Estudos:

Agora que você conhece as características que podem estar presentes nos indivíduos que têm DA, analise o caso que segue e indique, nas linhas, o que você faria se tivesse um aluno com essas características.

Relato de Caso

Há mais precisamente dois anos, em minha prática pedagógica como supervisora no Ensino Fundamental, detectei no meio escolar, três casos de alunos com ‘problemas de aprendizagem’ ou ‘não-aprendizagem’. As características são comuns aos três: Estes alunos possuem padrões de desenvolvimento aquém do esperado, um ritmo diferenciado dos demais existentes na sua turma, possuem um raciocínio lógico matemático lento, dificuldade na leitura e escrita, pouco entrosamento com os colegas, demonstrando às vezes comportamentos agressivos, falta de interesse e de concentração nas atividades propostas pelo docente, dificuldade em aceitar regras, limites e em memorizar seqüências e fatos.

______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

Fonte: SILVA, Vanessa Ferreira. Problema de aprendizagem: possíveis intervenções psicopedagógicas. Disponível em < http://www.profala.com/arteducesp108.htm> Acesso em: 23 abr. 2009.

Dificuldades de Aprendizagem

76

oS eSpeciAliStAS no trAtAmento dAS dificuldAdeS de AprendizAgem

O processo de aprendizagem no seu estado normal ou anormal é tratado oficialmente no ambiente escolar pelos professores. Isso nos leva a depositar, nesse ambiente e nesses profissionais, a solução para as dificuldades de aprendizagem. Todavia, como vimos na seção anterior, muitas são as características que um indivíduo com DA pode apresentar e, por isso, a ação dos professores pode ser dificultada, exigindo, dessa forma, a ação de profissionais especializados.

Atividade de Estudos:

1) Para ilustrar a importância dos profissionais especializados no diagnóstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem, leia o caso que segue e responda ao que é pedido.

Relato de caso

Tenho notado que meu filho de 9 anos, atualmente cursando a 3ª série, apresenta dificuldade de leitura e tende a trocar letras como ‘b e d’ e se confunde com o som de sílabas como ‘se e es’, o que, segundo seu artigo, enquadra-se em um caso de dislexia pedagógica. O processo de alfabetização do Leonardo foi deficiente, pois ele não chegou a cursar o pré-primário, passou do 2º período pré-escolar diretamente para a 1ª série do Ensino Fundamental. Embora ele não tenha dificuldade de compreensão e entendimento, apresenta uma leitura difícil e lenta, muitas vezes se perde durante a leitura de uma frase, como se apresentasse uma distração na hora de ler. Gostaria de uma orientação de como minha família deve proceder para examiná-lo. A quem devo recorrer?

Fonte: MARTINS, Vicente. Dislexia: relato de casos. Disponível em: <http://inforum.insite.com.br/840/3395723.html>. Acesso em: 20 abr. 2009.

Que orientação você daria para a mãe de Leonardo? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

77

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

Pelas observações feitas na seção anterior, na qual tratamos dos problemas que caracterizam as dificuldades de aprendizagem, você até poderia indicar uma resposta. Todavia, sabemos que as dificuldades de aprendizagem podem ser causadas por um ou mais problemas associados, o que dificultaria nossa resposta. É com essa incerteza que, também, os professores ou coordenadores pedagógicos se posicionam frente às dificuldades de aprendizagem de seus alunos. Isto não significa que os professores e coordenadores sejam incapazes de diagnosticar e tratar as dificuldades de aprendizagem. Ao contrário, são muito capazes de desempenhar diversas tarefas relacionadas ao ensino, mas não receberam formação suficiente para lidar com problemas de ordem emocional, por exemplo.

Da mesma forma que aprender significa mudar o próprio comportamento, pela atitude favorecida com o contato e experiências com situações desafiantes, constituídas por fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais (SCOZ, 1992), lidar com as dificuldades de aprendizagem requer profissionais especializados, aptos para o trato com cada um dos problemas que geram dificuldades de aprendizagem e são gerados por elas. Assim, vamos ver as características de alguns profissionais que são especializados para lidar com as dificuldades de aprendizagem.

a) O psicopedagogo Pela definição, o psicopedagogo é um profissional cujo objeto de estudo e

trabalho é a aprendizagem em seu estado normal e patológico.

No rol de serviços especializados, disponíveis para a escola, a psicopedagogia representa um dos serviços mais importantes. O psicopedagogo, na instituição, pode desempenhar várias funções. Segundo a Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), esse profissional deve atuar sempre no campo clínico-preventivo, interferindo em todos os aspectos do processo de ensino-aprendizagem, se necessário. Assim, ele pode intervir na formação continuada e orientação de professores, nos grupos de reflexão sobre a organização escolar, na orientação das famílias e comunidades e diretamente com alunos com dificuldades de aprendizagem.

A função do trabalho psicopedagógico, de acordo com a ABPp, é possibilitar ao aluno a recuperação da capacidade de aprender. Para isso, é importante que o psicopedagogo domine as técnicas, próprias da área, para diagnosticar e tratar, individualmente ou em pequenos grupos, o problema.

O psicopedagogo, no contexto escolar, lida todo o tempo com um cenário complexo de ensino e aprendizagem. Cabe a esse profissional criar oportunidades

Dificuldades de Aprendizagem

78

com a finalidade de evitar os problemas de aprendizagem. Sendo assim, sua intervenção acontecerá, de forma preventiva, em todos os segmentos da escola, perpassando todos os sujeitos envolvidos no processo de formação escolar. Neste sentido, Bossa (2007, p. 89) nos dá a seguinte explicação:

Os profissionais engajados no campo da Psicopedagogia têm atentado para a necessidade do trabalho a ser realizado na instituição escolar. Pensar a escola, à luz da Psicopedagogia, significa analisar um processo que inclui questões metodológicas, relacionais e socioculturais, englobando o ponto de vista de quem ensina e de quem aprende, abrangendo a participação da família e sociedade.

O psicopedagogo atua de forma diferenciada dos orientadores educacionais ou coordenadores pedagógicos, visto que possuem um olhar clínico da aprendizagem. Veja como Bossa (2007, p. 84) elucida essa afirmação:

Uma aluna me perguntou:– Também podemos dizer que, quando o coordenador pedagógico estuda a questão dos métodos a serem utilizados para a aprendizagem de um determinado conteúdo programático, está fazendo um trabalho clínico?

Minha resposta foi:– Não creio. Penso que ele estaria fazendo um trabalho cuja configuração seria clínica se, além de considerar o conteúdo programático a ser aprendido e os métodos a serem utilizados, esse coordenador pedagógico levasse em conta especialmente os sujeitos dessa aprendizagem, não um grupo qualquer de sujeitos, e sim um grupo de sujeitos real e concreto: alunos que compõem uma determinada classe, ou seja, um grupo formado por aqueles alunos e professor. Ao elaborar métodos de ensino com base no que se espera de um grupo de crianças, por conta da faixa etária ou da série escolar em que se encontram, não estou realizando um trabalho cuja configuração seja clínica.

O psicopedagogo tem sua ação profissional legitimada pela sociedade pela inegável contribuição social e científica na realidade socioeducacional brasileira. Certamente, você estudará, detalhadamente, as características da psicopedagogia na disciplina Teoria e Prática da Psicopedagogia. Aqui, cabe subsidiar a relevância desse profissional como apoio especializado para o diagnóstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem.

Em suma, ao psicopedagogo pode-se atribuir, no âmbito escolar, o papel de articulador no processo de ensino-aprendizagem. Com uma postura investigativa, a intervenção do psicopedagogo deve visar à prevenção dos problemas de aprendizagem e à ampliação das possibilidades de sucesso no

Com uma postura investigativa, a intervenção do psicopedagogo

deve visar à prevenção dos problemas de

aprendizagem e à ampliação das possibilidades de sucesso no processo de

escolarização.

79

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

processo de escolarização.

Para aprofundar seus conhecimentos acerca da ação psicopedagógica na escola, leia o artigo de:

FAGALI, Eloísa Quadros. Por que e como psicopedagogia institucional? Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia, nº 46, p. 37-41, 1998.

b) O psicólogo escolar

O psicólogo, no espaço escolar, preocupa-se em descobrir as potencialidades da criança, estabelecendo o foco da ação educadora. O cerne do trabalho do psicólogo escolar consiste em observar as interações que a criança estabelece, na sua modalidade de aprender, adquirida no contexto familiar, na sua história de vida, enfim, procurando desenvolver estratégias para minimizar as dificuldades comportamentais e cognitivas da criança. (ANDRADA, 2003).

De acordo com Teixeira (2003, p. 3), o papel do psicólogo escolar se resume em:

Observações dos alunos em diferentes momentos a fim de obter dados sobre o desenvolvimento de cada criança durante o bimestre; supervisões quinzenais com professores para discutir aspectos específicos de determinados alunos (comportamento e falta de limites, sobretudo); reuniões com pais (anamnese de alunos novos, reuniões convocadas pela escola ou pelos próprios pais). Tratando-se de um enfoque preventivo, os pais são chamados, com freqüência, para um retorno sobre o desenvolvimento do filho ou sempre que se notam alterações de conduta; reuniões bimestrais e reuniões com equipe (com realização de dinâmicas de grupo, trabalho com textos e explanações com caráter informativo e formativo).

Com isso, podemos dizer que o psicólogo, no ambiente escolar, tem uma função ampla e complexa, direcionada aos aspectos emocionais da aprendizagem.

c) O pedagogo

O pedagogo é o profissional que proporciona o acesso à cultura escolarizada,

Dificuldades de Aprendizagem

80

organizando o processo de formação cultural. Segundo Saviani (2000, p. 21),

O pedagogo deve dominar as formas, os procedimentos, os métodos através dos quais se chega ao domínio do patrimônio cultural acumulado pela humanidade. Eis como a formação cultural vem a coincidir com a formação humana, convertendo-se o pedagogo, por sua vez, em formador de homens.

Podemos entender, então, que o pedagogo é fundamental no ambiente escolar, pois, por meio de seu trabalho, promove a normatização do processo de ensino-aprendizagem.

Em suma, podemos dizer que:

A Psicopedagogia lida com o ato de aprender enquanto processo que tem um início (estímulo), meio (métodos) e fim (objetivos). Nesse sentido, a Psicopedagogia difere da Psicologia Escolar, que, em consonância com a Psicologia Geral, visa compreender as dimensões subjetivas, comportamentais do ser humano na escola (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional). Já a Pedagogia tem a finalidade de normatizar o conjunto de saberes que precisamos adquirir e manter se quisermos desenvolver uma boa educação. (GHIRALDELLI JR., 2008).

Além desses profissionais especializados, que estão diretamente ligados ao

trato com a aprendizagem e suas dificuldades, os profissionais da educação podem contar, também, com a ajuda de assistentes sociais, fisioterapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, neuropediatras, nutricionistas, psiquiatras, entre outros. Cada qual pode oferecer suporte especializado para o diagnóstico e tratamento dos problemas que geram e são geradores de dificuldades de aprendizagem.

AlgumAS conSiderAçõeS Você já parou para pensar que, quando uma criança não aprende bem um

conteúdo, todo seu processo de aprendizagem será comprometido no futuro? Pense na aprendizagem da tabuada, por exemplo. Quando a criança não aprende o que é, qual sua função e como colocá-la em prática, todos os conteúdos futuros do currículo da matemática poderão não ser aprendidos, o que pode gerar vários problemas, como as dificuldades de aprendizagem. Refletindo sobre este aspecto da importância do aprender, este capítulo foi escrito com o objetivo de analisar alguns comportamentos típicos de quem tem dificuldades de aprendizagem e identificar os profissionais especializados para diagnosticar as dificuldades de aprendizagem no contexto escolar.

81

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

Aqui, você estudou:

• As crianças que têm DA exigem métodos de aprendizagem diferenciados.

• Os indivíduos com DA podem apresentar características, como, por exemplo: problemas de atenção, problemas perceptivos, problemas emocionais, problemas linguísticos e problemas motores.

• Os problemas de atenção consistem na dificuldade que a criança tem em “fixar a atenção, não selecionando os estímulos relevantes dos irrelevantes” (FONSECA, 1995, p. 253), interferindo na percepção e na aprendizagem.

• Um indivíduo com problemas perceptivos terá dificuldades em reproduzir formas geométricas, em distinguir figura-fundo, em detectar inversões e rotações de figuras, em transferir relações espaciais, em identificar letras em palavras, etc.

• Indivíduos com disfunções no sistema emocional tendem a obter fracos resultados escolares, à medida que os problemas emocionais desintegram o comportamento e, consequentemente, o potencial de aprendizagem.

• As disfunções no sistema linguístico são os mais comuns relacionados aos problemas de aprendizagem. Entre eles estão: a disfonia, a afasia, a disartria, a dislalia e o atraso da linguagem.

• Quando falamos em problemas motores, estamos nos referindo aos atrasos ou ausências das habilidades motoras que geram dificuldades no processo de aprendizagem e no desenvolvimento geral.

• O processo de aprendizagem, no seu estado normal ou anormal, é tratado oficialmente no ambiente escolar pelos profissionais da educação.

• No rol de serviços especializados, disponíveis para a escola, a psicopedagogia representa um dos serviços mais importantes.

• A função do trabalho psicopedagógico, de acordo com a ABPp, é possibilitar ao aluno a recuperação da capacidade de aprender. Para isso, é importante que o psicopedagogo domine as técnicas, próprias da área, para diagnosticar e tratar, individualmente ou em pequenos grupos, o problema.

• O cerne do trabalho do psicólogo escolar consiste em observar as interações que a criança estabelece, na sua modalidade de aprender, adquirida no contexto familiar, na sua história de vida, enfim, procurando

Dificuldades de Aprendizagem

82

desenvolver estratégias para minimizar as dificuldades comportamentais e cognitivas da criança.

• O pedagogo deve dominar as formas, os procedimentos, os métodos por meio dos quais chegamos ao domínio do patrimônio cultural acumulado pela humanidade. Eis como a formação cultural coincide com a formação humana, convertendo-se o pedagogo, por sua vez, em formador de homens.

• No próximo capítulo, você estudará algumas estratégias de intervenção para prevenir as DAs no contexto escolar, analisando os efeitos da intervenção psicopedagógica na escola e na família do aluno com dificuldades de aprendizagem.

referênciAS

ABDA - Associação Brasileira de Déficit de Atenção. Disponível em: <http://www.tdah.org.br/reportagem01.php?tipo=T>. Acesso em: 21 abr. 2009.

ABPP. Associação Brasileira de Psicocopedagogia. Disponível em: <http://www.abpp.com.br>. Acesso em: 12 jul. 2009.

ANDRADA, Edla Grisard Caldeira. Família, escola e as dificuldades de aprendizagem: intervindo sistemicamente. Psicologia Escolar e Educacional, Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, nº 2, p. 171-178, 2003. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/pee/v7n2/n2a07.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2009.

BALLONE. G. J. Representação da realidade. 2003. Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/cursos/repres.html>. Acesso em: 22 abr. 2009.

BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. 7. ed. Porto Alegre: Artemed, 1996.

BOSSA, Nádia A. A psicopedagogia no Brasil: Contribuições a partir da prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.

CIASCA, Sylvia Maria (org.). Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2004.

CID-10. Classificação dos transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

83

Os PrOfissiOnais da EducaçãO E as dificuldadEs dE aPrEndizagEm: diagnósticO

Capítulo 3

FONSECA, Vitor da. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2. ed. Porto Alegre: Artemed, 1995.GHIRALDELLI JR., Paulo. Psicopedagogia. Disponível em: <www.centrorefeducacional.com.br>. Acesso em: 01 abr. 2009.

SAVIANI, Dermeval. A supervisão educacional em perspectiva histórica: da função à profissão pela mediação da idéia. In: FERREIRA, N. S. C. (org.). Supervisão educacional: para uma escola de qualidade. São Paulo: Cortez, 2000.

SCOZ, Beatriz Judith Lima et al. Psicopedagogia: contextualização, formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artmed, 1992.

SMITH, Corine; STRICK, Lisa. Dificuldades de aprendizagem de A a Z: um guia completo para pais e educadores. Porto Alegre: Artemed, 2001.

TEIXEIRA, Patrícia P. Psicólogo escolar: esse desconhecido. PSICO UTP On-Line, nº 2, Curitiba, julho, 2003. Disponível em: <www.utp.br/psico.utp.online>. Acesso em: 25 abr. 2009.

WEISZFLOG, Walter. Michaelis: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2008.

CAPÍTULO 4

intervenção e prevenção dAS dificuldAdeS de AprendizAgem no AmBiente eScolAr

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

3 Conhecer algumas estratégias de intervenção e prevenção das dificuldades de aprendizagem que podem ser desenvolvidas na escola.

3 Analisar os efeitos da intervenção psicopedagógica na escola e na família do aluno com dificuldades de aprendizagem.

87

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

contextuAlizAção Você tem estudado, ao longo deste caderno, que as dificuldades de

aprendizagem (DAs) permeiam o ambiente escolar, gerando problemas de diversas ordens e culminando no fracasso escolar de muitas crianças e jovens. Você também verificou, no capítulo anterior, que os professores e coordenadores escolares podem identificar algumas dessas dificuldades de aprendizagem, a fim de que o aluno receba o tratamento adequado para superá-las. Além disso, você percebeu que existem diversos profissionais que podem contribuir, como serviço especializado na escola, para o diagnóstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem.

Atividade de Estudos:

1) Você sabe dizer quais profissionais são indicados para trabalhar com as dificuldades de aprendizagem na escola? Cite um desses profissionais e apresente um resumo de suas funções, frente às DAs.

______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________

Neste capítulo, você conhecerá algumas estratégias de intervenção e prevenção das dificuldades de aprendizagem. Algumas dessas estratégias podem ser desenvolvidas pelos próprios professores no ambiente escolar; outras, no entanto, devem ser desenvolvidas pelo psicopedagogo, profissional encarregado de lidar com as dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar.

Antes de continuar seus estudos, reflita por um instante: Por que o psicopedagogo é o profissional mais indicado para lidar com as dificuldades de aprendizagem na escola?

De acordo com Neves (apud BOSSA, 2007, p. 19),

a psicopedagogia estuda o ato de aprender e ensinar, levando sempre em conta as realidades interna e externa da aprendizagem, tomadas em conjunto. E, mais, procurando colocar em pé de igualdade os aspectos cognitivos, afetivos e sociais que lhe estão implícitos.

Dificuldades de Aprendizagem

88

Em outras palavras, a psicopedagogia é uma área do conhecimento que lida exclusivamente com o ato de aprender e tudo o que está implícito nesse ato. Isto significa dizer que a preocupação profissional do psicopedagogo não está focada no comportamento do aluno ou nos métodos de ensino. A atuação do psicopedagogo abrange esses aspectos, mas não somente eles. Assim, a psicopedagogia considera todos os aspectos da aprendizagem.

Para Weiss (apud BOSSA, 2007, p. 20), a psicopedagogia “busca a melhoria das relações com a aprendizagem, assim como a melhor qualidade na construção da própria aprendizagem de alunos e educadores”.

Na sequência deste capítulo, você poderá analisar os efeitos da intervenção psicopedagógica na escola e na família do aluno com dificuldades de aprendizagem.

Preparado(a)?

intervenção pSicopedAgógicA

O psicopedagogo, no contexto escolar é, acima de tudo, o de investigador das questões que levam ao aprendizado e ao não-aprendizado. Com o olhar investigativo aliado aos conhecimentos inerentes à psicopedagogia, o psicopedagogo terá condições de intervir de forma preventiva, ou seja, intervir com a finalidade de evitar que os problemas de aprendizagem aconteçam.

Bossa (2000) nos faz pensar sobre a importância da presença do psicopedagogo na escola, apresentando algumas situações que comumente ocorrem nesse espaço. Veja as situações indicadas por Bossa (2000):

Uma criança pode ter dificuldades de aprendizagem para manter seu pensamento concentrado, não prestando atenção no que a professora está falando [...]

Pode ainda ter dificuldades em fazer sua mão obedecer na hora de escrever, demorando um tempão para fazer a lição e mesmo assim a letra fica feia [...]

Às vezes, para entender a matéria, a criança precisa aprender coisas que ainda não lhe ensinaram, e que só depois de aprender essas coisas é que consegue entender o que a professora diz [...]

Uma criança pode não aprender porque não sabe lidar com as leis e regras da vida [...]Uma criança pode ter problema de saúde que atrapalha sua aprendizagem escolar [...]

89

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

Uma criança pode ir mal na escola por ser muito desorganizada [...] (BOSSA, 2000, p. 50-59).

A partir das situações apresentadas por Bossa (2002), percebemos que a presença do psicopedagogo na escola se justifica pelo olhar especializado sobre o processo aprendizagem, pelo entendimento que esse profissional possui sobre os aspectos que promovem ou dificultam a aprendizagem humana. Neste sentido, vale lembrar que o insucesso (ou fracasso) escolar é gerado, segundo Patto (apud BOSSA, 2002), por um conjunto de situações, como métodos de ensino inadequados, dificuldades de aprendizagem, desmotivação no processo de ensino-aprendizagem, trabalho infantil, ausência de acompanhamento especializado e ausência de estratégias educacionais específicas, entre outras.

Um estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) apontou que o fracasso escolar gera consequências sociais lastimáveis, como despreparo profissional, desemprego, marginalidade e violência, entre outras. Para saber mais, acesse: http://libdigi.unicamp.br/document.

O psicopedagogo pode e deve intervir nas causas do fracasso escolar, seja nas dificuldades de aprendizagem, nos problemas decorrentes delas, na reflexão acerca dos métodos do professor ou na relação professor-aluno. Bossa (2002) explica que o papel do psicopedagogo no ambiente escolar é caracterizado por:

• proporcionar a reflexão na escola, para que os valores e crenças em relação à aprendizagem sejam repensados; para auxiliar nas estratégias metodológicas e na observação avaliativa do aluno;

• orientar os pais para pensarem sobre as dificuldades de seus filhos;

• compreender o potencial e as necessidades da criança, em suas diferentes faixas etárias;

• incentivar propostas de trabalho em equipes e o ensino pela pesquisa;

• orientar a adaptação de linguagens e materiais, quando for necessário.

Psicopedagogo na escola se

justifica pelo olhar especializado

sobre o processo aprendizagem, pelo entendimento que esse profissional

possui sobre os aspectos

que promovem ou dificultam a aprendizagem

humana.

Dificuldades de Aprendizagem

90

Vale dizer, ainda, que a ação do psicopedagogo na escola deve ter, primeiramente, um caráter preventivo. Veja o que Bossa (2007) nos diz a esse respeito:

A psicopedagogia, no âmbito de sua atuação preventiva, preocupa-se essencialmente com a escola. Dedicando-se a áreas relacionadas com o planejamento educacional e assessoramento pedagógico, colabora com os planos educacionais e sanitários no âmbito das organizações, atuando em uma modalidade cujo caráter é clínico, ou seja, realizando diagnóstico institucional e propostas operacionais pertinentes (BOSSA, 2007, p. 88).

Com base em Bossa (2007), podemos afirmar que o trabalho do psicopedagogo perpassa o espaço e a atuação dos profissionais da escola e vai além dela, chegando à família da criança em processo de aprendizagem formal (ou escolar). Nas subseções seguintes, você refletirá sobre a atuação desse profissional na relação com os professores e com a família do aluno.

a) Atuação do psicopedagogo com os professores

O psicopedagogo não deve assumir a função do professor ao intervir no processo de ensino-aprendizagem, mas deve orientar e conduzir a reflexões e vivências que aprimorem essa relação afetiva dele com os alunos. Sabemos que a afetividade não altera diretamente a estrutura no funcionamento da inteligência, mas pode fazer avançar ou atrasar o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos. A respeito disto, Abreu e Masetto (1990, p. 115) afirmam que “é o modo de agir do professor em sala de aula, mais do que suas características de personalidade, que colabora para uma adequada aprendizagem dos alunos”. Por isso, o professor deve estabelecer relações afetivas com seus alunos. Que atitudes implicam nessa relação afetiva do professor e aluno?

Um professor disposto a estabelecer uma relação afetiva com seu aluno:

• elogia, estimula, encoraja a ação ou o comportamento do aluno; alivia a tensão em aula;

• favorece o aumento da autoestima do aluno, com expressões como “muito bem” ou “vá em frente”;

• ouve e considera as ideias dos alunos;

• observa a necessidade de cada um de seus alunos;

• permite que os alunos se expressem, criticando, sugerindo atividades para as aulas;

91

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

• conhece e respeita a história de vida do aluno, sua condição sociocultural;

• estabelece uma relação de confiança e respeito mútuo.

Em alguns casos, o professor não consegue estabelecer essa relação de afetividade com seus alunos. Muitas vezes, está tão envolvido com seus afazeres profissionais, como o cumprimento do conteúdo, os prazos estabelecidos pela escola, as avaliações e a organização dos materiais didáticos, que deixa de lado a vivência de situações que poderiam criar ou reforçar a relação empática com seus alunos ou, o que é pior, acaba não percebendo o distanciamento em relação a alguns alunos, dificultando, com isso, o processo de aprendizagem desses alunos.

É nesse momento que o psicopedagogo pode interferir. O psicopedagogo, com o olhar de quem está do lado de fora dessa relação (entre o professor e o aluno), vê diversas possibilidades de interação, fornece subsídio para os casos específicos, sensibiliza ambas as partes, mostra os limites dessa relação e contribui para que os vínculos construídos entre eles sejam de confiança e respeito, favorecendo sempre a autonomia e a empatia.

A ação psicopedagógica é, nesse contexto, minuciosa e requer ética e profissionalismo do psicopedagogo. É uma intervenção que deve perpassar o ponto de vista do aluno (com suas dificuldades, necessidades e também potencialidades) e do professor (com seus métodos, suas experiências, seu orgulho e sua formação), sem perder o cerne de seu trabalho, que é a aprendizagem, a qual, nesse caso, depende da relação afetiva entre as partes.

De acordo com Bossa (2002), o psicopedagogo deve agir como assessor ou membro da equipe pedagógica da escola, ouvindo e discutindo os assuntos pertinentes à aprendizagem dos alunos, elaborando propostas educativas, propondo mudanças, fazendo mediação entre os diferentes grupos envolvidos na relação ensino-aprendizagem (alunos, professores, famílias e funcionários), aprimorando metodologias e estratégias que garantam melhor aprendizagem, colaborando na formação dos professores e possibilitando a ampliação de seus conhecimentos sobre o aluno.

Para aprofundar sua reflexão sobre a importância da relação afetiva entre professor e aluno, leia:

RIBEIRO, Marinalva Lopes; JUTRAS, France. Representações sociais de professores sobre afetividade. Estudos de Psicologia, Campinas, nº 1, março 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0103-166X2006000100005&lng=pt&nrm=iso>.

Dificuldades de Aprendizagem

92

Em suma, podemos afirmar que a intervenção psicopedagógica, na relação professor-aluno é, acima de tudo, uma ação ética e profissional que utiliza recursos próprios da psicopedagogia para contribuir com o bom andamento do processo de ensino-aprendizagem no ambiente escolar.

Veja na subseção que segue como o psicopedagogo pode intervir com a família do aluno no processo de aprendizagem.

b) Atuação do psicopedagogo com a família

Para iniciarmos nossa reflexão sobre a importância da família no processo de aquisição e internalização de conhecimento e seu papel fundamental no combate às dificuldades de aprendizagem, leia o relato de caso que segue e, APÓS, responda ao que pedimos.

Relato de CasoHistória de Mauro

A família de Mauro (10 anos) buscou ajuda em função de suas dificuldades na escola. Ele mostrava-se inseguro e lento na realização das tarefas, não conseguindo assumir sozinho as tarefas de casa, lendo e escrevendo com dificuldade.

A seguir estão destacados alguns aspectos importantes da história de Mauro colhidos na entrevista com seus pais.

‘Achei muito bem feito para o pai que nasceu um menino. Eu disse que ele seria a pulga na sua camisola” (fala da mãe referindo-se ao nascimento de Mauro). Mauro sempre foi mais lento, demorou para falar e andar. Dormiu na cama dos pais até os 2 anos de idade’.

As hipóteses trazidas pelos pais quanto às causas dos problemas de Mauro na escola são diferentes. O pai pensa que a mãe atua como uma ‘bengala’ para o filho na hora das tarefas. Isto torna Mauro dependente e, por isso, depois, não consegue fazer as tarefas sozinho em aula. A mãe diz que o pai é muito ausente, não olha suas tarefas. Mauro fica muito triste com isso e, então, vai mal na escola. O pai acusa a mãe de ser muito próxima de Mauro e ela, por sua vez, o culpa por sua ausência.

A intervenção psicopedagógica,

na relação professor-aluno

é, acima de tudo, uma ação ética e profissional que utiliza recursos

próprios da psicopedagogia

para contribuir com o bom andamento

do processo de ensino-

aprendizagem no ambiente escolar.

93

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

Nos relatos da mãe, percebe-se o quanto Mauro comporta-se como seu porta-voz e fica clara a aliança estabelecida com o filho.

A disputa de poder entre o casal aparece frequentemente. Ambos se mantêm rígidos em suas posições de responsabilizar o outro pelo fracasso do filho. Não conseguem estabelecer trocas e pensar numa forma comum de ação com o filho.

Um desautoriza o outro constantemente: se a mãe telefona para cobrar que Mauro faça as tarefas, por exemplo, o pai atende o telefonema em casa. Comunica ao filho o pedido da mãe, mas o autoriza a não realizar a tarefa naquele momento. Ao referir-se às intermináveis brigas com o marido, Vera (a mãe) diz que separação é para gente corajosa e este não é seu caso.

Parece que Mauro oferece o seu sintoma para proteger o casamento dos pais que, enquanto olham para as dificuldades do filho, deixam de resolver a sua relação conflituosa. A dificuldade de aprendizagem de Mauro talvez seja um dos poucos fatos em torno do qual o casal se ‘reúne’, mesmo que seja para brigar.

Fonte: ZORTÉIA, Ana Maira. Família: lugar onde se aprende a aprender? Pensando Famílias, nº 1, p.17-30, ago. 1999.

Disponível em: <http://www.domusterapia.com.br/pdf/PF1Zort%C3%A9a.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2009.

Atividade de Estudos:

1) Em sua opinião, por que Mauro não tem muito sucesso na escola? ____________________________________________________

____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________

2) Como os pais de Mauro poderiam ajudá-lo no processo de aprendizagem?

____________________________________________________ ____________________________________________________

Dificuldades de Aprendizagem

94

____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________

Segundo o relato de caso, podemos perceber que o problema de Mauro é muito útil ao casal, pois ele se tornou a única possibilidade de diálogo entre eles. A partir dessa relação, essa família condenou Mauro a ter dificuldades de aprendizagem na escola. Neste sentido, Fernández (apud ZORTÉIA, 1999, p. 23) afirma que

uma criança aprende a caminhar, não porque tem pernas, e sim porque seus pais desejam que ela caminhe e a consideram capaz de caminhar, apesar de saberem que quando uma criança caminha sozinha, poderá ‘escapar’ e ir até aonde eles não poderão controlá-Ia.

Isto nos revela que a família se constitui em nós, a base de nosso desenvolvimento, ou, como afirma Zortéia (1999), é na família que temos nossa primeira (e primordial) aula.

Nesta ‘aula familiar’ [...] onde os pais são os mestres e os irmãos os companheiros de classe: os estilos de comunicação parental seriam os métodos de ensino; a estrutura e hierarquia familiar seriam as técnicas de ensino; as atividades e os temas das conversas familiares seriam o currículo; as atribuições positivas seriam os fatores de motivação para as crianças aprenderem e os objetos enriquecedores que fazem parte da casa seriam os materiais educativos. (ZORTÉIA, 1999, p. 22).

É no ambiente familiar que ensaiamos nossas ações para a vida social e escolar. Assim, precisamos encontrar no espaço familiar um ambiente seguro, onde possamos expressar o que pensamos e sentimos, de respeito e amor, para que aprendamos a confiar em nós mesmos e nos outros. De acordo com Andrada (2007, p. 36)

A família é a matriz da identidade, sendo que a experiência de identidade nos traz um sentido de pertencer e outro de ser separado. O primeiro sentimento emerge de dentro da família, com as interações que ali ocorrem e que permitem a adaptação da criança aos padrões de interações da família. O segundo sentido ocorre com a participação da criança em interações em diferentes contextos familiares e diferentes sub-sistemas dentro da família (o sub-sistema fraterno, os primos, etc.), assim como em contextos fora da família.

95

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

Desse modo, a maneira como nos relacionamos com o mundo que nos cerca faz parte da gama de experiências que vivenciamos no seio familiar. A aprendizagem é decorrente e dependente dessas experiências familiares. Por exemplo, uma família que considera a aprendizagem escolar (ter bom desempenho na escola, passar de ano, etc.) um valor primordial, terá um(a) filho(a) que valorizará igualmente a aprendizagem.

Por esse motivo, a primeira suspeita do psicopedagogo ao examinar, na escola, uma criança com dificuldades de aprendizagem, é a relação parental. Para ilustrar a importância dessa relação, leia o relato de caso que segue.

Relato de CasoO Caso de Laura

Laura (8 anos) tem como principal queixa, da escola e de seus pais, sua falta de atenção e compreensão das tarefas que lhe são atribuídas e uma alta atividade motora. Ao conversarmos com os pais de Laura, entre outros aspectos, é fácil perceber que a mãe ao dar instruções à sua filha não consegue tratar de um tema de cada vez. Ela descreve mais ou menos assim os pedidos feitos à Laura na hora da saída de casa para a escola: ‘Peço que Laura acabe logo seu almoço, tenho que lembrá-Ia para pegar a roupa do balé e a merenda e escovar os dentes... Às vezes pergunto e descubro nesta hora que ela não concluiu seus temas!’

Parece que nesta família a regra é: a mãe fala e os outros escutam. Torna-se, assim, impossível para Laura organizar-se frente a tantas demandas de uma só vez. É provável que ela nunca tenha tido em casa o espaço e o tempo para perguntar-se internamente o que gostaria ou deveria fazer primeiro dentre tantas ordens.

Da mesma forma que Laura não é ouvida em seu grupo familiar, não pode estar atenta e ouvir na sala de aula. Não é capaz de selecionar entre tantos estímulos externos qual é o mais relevante, para que possa centrar sua atenção em um problema de cada vez e resolvê-Io com competência.

Laura apresenta prejuízos em sua autonomia moral e intelectual. Parece não saber ao certo quem é. Em um de nossos encontros, brincamos de repórter e ela precisava responder, entre outras coisas, com quem gostaria de se parecer. Laura respondeu: ‘Eu queria ser parecida comigo mesma’.

Dificuldades de Aprendizagem

96

Fonte: ZORTÉIA, Ana Maira. Família: lugar onde se aprende a aprender? Pensando Famílias, nº 1, p.17-30, ago. 1999.

Disponível em: <http://www.domusterapia.com.br/pdf/PF1Zort%C3%A9a.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2009.

O psicopedagogo, no ambiente familiar, deve incentivar a aprendizagem, orientando pais e filhos a agirem de maneira favorável, proporcionando reflexões acerca dos aspectos de sua relação familiar. Neste sentido, Zortéia (1999, p. 29) nos diz que,

No trabalho com estas famílias, precisamos buscar a relação entre o modo como vivem os momentos de mudança (nascimentos, mortes, crises...) e o modo de operar do sujeito que não pode aprender. Diante de um problema, a família vai utilizar aqueles esquemas de ação que conhece na tentativa de solucioná-Io. Precisamos avaliar se existe flexibilidade, espaço para ser criativo nestes momentos ou se a solução de problemas implica sempre na repetição de padrões previamente estabelecidos.

Visto que a ação psicopedagógica é importante no ambiente escolar, na orientação dos professores, no cuidado das relações entre aluno e professor e nas relações parentais, em função do processo de aprendizagem, vejamos a seguir alguns exemplos de estratégias para prevenção das dificuldades de aprendizagem na escola.

Para aprofundar sua reflexão acerca do papel da família e do psicopedagogo no processo de aprendizagem, leia:

ROCHA, Liseti Maria Sitja. A desorganização familiar, os comprometimentos emocionais e as dificuldades de aprendizagem. Revista Monographia, Porto Alegre, nº 3, 2006. Disponível em: <http://www.fapa.com.br/monographia>. Acesso em: 10 de junho 2009.

Atividade de Estudos:

1) Complete o quadro a seguir com a síntese das ideias trabalhadas nesta seção.

97

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________

___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________ ___________________

Ação psicopedagógica na escola Ação psicopedagógica na família

dificuldAdeS de AprendizAgem nA eScolA: AlgumAS eStrAtégiAS

Ao longo deste caderno, você estudou as dificuldades de aprendizagem

sob diversos enfoques. Viu também, que essas dificuldades geram muitos prejuízos ao desenvolvimento de uma criança ou jovem, o que nos impulsiona a somar esforços, com profissionais especializados, a fim de impedir que as DAs se instalem no processo de aprendizagem dos alunos. Muitas vezes, uma boa estratégia de ação, pode prevenir que as DAs gerem problemas mais sérios ao desenvolvimento do aluno.

Neste sentido, toda estratégia de prevenção das DAs começa por uma

postura investigativa sobre o processo de aprendizagem do aluno. Essa ação investigativa pode ser traduzida como uma observação do desempenho do aluno na sua capacidade de aprender, sob todos os aspectos que podem gerar aprendizagem.

Assim, a observação dos aspectos motores, perceptivos, emocionais, linguísticos e de atenção deve ser capaz de evidenciar a existência ou não das DAs, para, depois disso, serem feitos os encaminhamentos necessários aos profissionais especializados.

As estratégias de ação que nos permitem observar, criticamente na escola, o

Dificuldades de Aprendizagem

98

desenvolvimento perceptivo, motor, linguístico, emocional e de atenção do aluno, podem evitar que as DAs prejudiquem a sua vida escolar e social.

Considerando que essa investigação (que visa observar o desempenho do aluno na escola) pode ser desenvolvida no ambiente escolar pelos próprios professores, retomaremos a análise sobre os problemas que geram ou são gerados pelas dificuldades de aprendizagem, visando apresentar algumas estratégias de ação que têm a finalidade de investigar (observar) e prevenir as DAs.

a) Estratégias para problemas de atenção

No capítulo três, você estudou que os problemas de atenção consistem na incapacidade de “fixar a atenção, não selecionando os estímulos relevantes dos irrelevantes” (FONSECA, 1995, p. 253). Além disso, você estudou que a desatenção e a impulsividade podem ser evidência de um problema neurológico conhecido como TDAH e que deve ser tratado por uma equipe de profissionais especializados.

Considerando esse problema, veja a seguir algumas estratégias que têm o objetivo de investigar se os alunos possuem problemas de atenção e/ou impulsividade.

Brincadeira – Coelho sai da toca

Objetivo: Verificar o nível de atenção da criança e sua resposta aos comandos da brincadeira.

Material: Nenhum.

Técnica: A turma deve estar dividida em trios. Cada trio será dividido em toca e coelho. A toca será feita por duas das crianças do trio, com as mãos dadas e erguidas, figurando o telhado de uma casa. O coelho (o outro aluno do trio) deverá ficar dentro da toca (no meio das duas crianças, que estão com as mãos erguidas em formato de telhado de casa). Um aluno, ou o próprio professor, fará o papel do coelho sem toca e ficará andando entre as tocas, a fim de tomar o lugar de um dos coelhos. Ao comando desse aluno ou professor, todos os coelhos deverão sair de suas tocas e se dirigirem para outra. O coelho que estava sem toca, tomará a toca de alguém. Sempre sobrará um coelho sem toca, como na figura que segue.

As estratégias de ação que nos

permitem observar, criticamente na escola, o

desenvolvimento perceptivo,

motor, linguístico, emocional e de

atenção do aluno, podem evitar que

as DAs prejudiquem a sua vida escolar

e social..

99

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

Figura 9 – Coelho sai da toca

Fonte: Disponível em: <http://www.medio.com.br/index.php>.Acesso em: 26 abr. 2009.

Brincadeira – Fui Viajar

Objetivo: Despertar a concentração; verificar a capacidade da memória.

Material: Uma bola pequena de borracha.

Técnica: A turma deverá estar disposta em círculo. O professor iniciará, com a bola de borracha nas mãos, dizendo a seguinte frase: Fui viajar e levei__________ (acrescenta um substantivo à frase, por exemplo: uma caneca). Ao dizer isso, deverá jogar a bola, aleatoriamente, para um componente do grupo que deverá repetir o que o professor disse e acrescentar mais um substantivo na sua bagagem (por exemplo: Fui Viajar e levei uma caneca - nesse caso, a fala do professor – e um relógio de pulso). Esse jogador deverá jogar a bola para um terceiro aluno que repetirá a frase com os dois substantivos ditos anteriormente e acrescentará mais um (por exemplo: Fui viajar e levei uma caneca, um relógio de pulso – nesse caso, as falas dos jogadores anteriores – e um óculo de sol). A brincadeira deve continuar até que todos tenham participado.

Atividades lúdicas, como as mencionadas podem estimular uma série de ações no indivíduo, como, por exemplo, a linguagem, o aspecto físico, as relações

Dificuldades de Aprendizagem

100

sociais, etc., mas, sobretudo, contribuem para a observação investigativa do professor em relação aos seus alunos. Neste caso, o professor precisa compreender que a criança desatenta e/ou impulsiva terá dificuldade de realizar atividades como essas. A partir dessa investigação, o professor pode ter apenas um indício de que o problema de desatenção ou TDAH existe. Sendo assim, poderá fazer os encaminhamentos aos profissionais especializados, para que estes realizem um diagnóstico preciso.

b) Estratégias para problemas perceptivos

Você estudou, no capítulo três, que a percepção humana só ocorre quando a estimulação sensorial recebida pelo indivíduo está próxima do nível sensorial já existente intrínseco nesse mesmo indivíduo. Assim, o desenvolvimento perceptivo compreende uma hierarquia no desenvolvimento motor, pois

a capacidade perceptiva de discriminar, analisar, sintetizar, reconhecer e armazenar estímulos e suas relações está indissociavelmente ligada à manipulação de objetos e à elaboração que, por sua vez, produz estimulação em feedback, posteriormente ligada ao cérebro. (FONSECA, 1995, p. 255).

Com base nessa explicação, veja algumas estratégias que, segundo Ferreira (2001), podem observar e avaliar o desenvolvimento perceptivo dos alunos no ambiente escolar.

Atividade: Quebra-cabeça

Objetivo: Possibilitar a identificação das possibilidades da cada espaço. Desenvolver a sensibilidade de limites. Desenvolver a coordenação visual-motora. Trabalhar a coordenação motora fina. Aumentar a capacidade de concentração.

Material: Fotos ou desenhos cortados em quatro ou cinco partes, depois em oito, em dez. Paisagens cortadas em vinte, trinta, cinquenta partes (quebra-cabeças maiores).

Técnica: solicitar que a criança monte o quebra-cabeça, colocando cada parte em seu lugar, até compor, a imagem correta.

Atividade: Associação de silhuetas à palavra escrita

Objetivo: Associar a palavra falada à estrutura visual da palavra escrita. Desenvolver a velocidade perceptiva de um texto escrito. Trabalhar a zona proximal de leitura silábica.

101

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

Material: Fichas com palavras e fichas com silhuetas de palavras para combinar.

Técnica: Combinar fichas soltas de tamanho grande, em grupos ou com a classe toda. Combinar as fichas pequenas individualmente ou em duplas. Ligar a palavra à silhueta.

Exemplo:

.

Atividade: Escrita nas costas

Objetivo: Verificar a percepção tátil. Possibilitar a experiência corporal com as letras. Promover contato físico entre as crianças.

Material: Nenhum.

Técnica: Dispor as crianças em fila, escrever uma letra com o dedo nas costas da última criança da fila. Esta deverá falar que letra foi escrita. Se acertar, escreverá uma letra nas costas da criança que está na sua frente.

Atividades como as apresentadas nos permitem avaliar a capacidade perceptiva das crianças. Vale lembrar que não conseguir obter êxito na realização da atividade em uma ou outra ocasião é aceitável. Os indícios de problemas de percepção devem ser considerados como tal quando a criança apresenta dificuldades na realização de mais de uma atividade e em mais de uma situação, ou seja, quando a criança nunca obtém êxito em atividades como as apresentadas.

c) Estratégias para problemas emocionais

Como você estudou no terceiro capítulo, o desenvolvimento emocional pode interferir muito no processo de aprendizagem. Sentimentos, como raiva, ansiedade e depressão, comportamentos escapistas, de busca por emoções

Dificuldades de Aprendizagem

102

e antissocial podem, segundo Fonseca (1995), tornar as crianças emocional e socialmente desajustadas, gerando resultados escolares abaixo do esperado, comprometendo o potencial de aprendizagem.

Geralmente, é fácil identificar (ainda que superficialmente) os problemas emocionais das crianças durante as aulas. Basta conhecê-las e observá-las. Obviamente, o comportamento e as emoções constituem o foco do trabalho dos psicólogos e psicanalistas, que são preparados para avaliar e tratar esse aspecto do ser humano. Sendo assim, os professores podem, pelo senso comum, indicar os aspectos emocionais que prejudicam a aprendizagem de seus alunos.

Para isso, seguem algumas estratégias que, segundo Ferreira (2001), são úteis para a avaliação do comportamento emocional na escola.

Atividade: Bingo da identidade familiar

Objetivo: Verificar quais as relações do grupo familiar do aluno. Valorizar a diversidade de culturas do grupo familiar. Estimular o aumento da auto-estima.

Material: cartela de bingos com enunciados; fichas com os mesmos enunciados.

Técnica: Com as carteiras em círculo, distribuir as cartelas com os enunciados. Cada participante vai falar a partir da cartela. O professor fará as interferências necessárias, ajudando, sorteando uma ficha de cada vez. Os que têm a ficha sorteada em sua cartela, falam sobre a frase que a ficha contém e marcam um ponto em sua cartela. Quem preencher a cartela primeiro ganha um brinde.

Veja o exemplo de fichas e cartelas a seguir (FERREIRA, 2001, p. 117-121).

103

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

d) Educação dos sentimentos

Este momento é reservado para falar sobre acontecimentos, comportamentos e sentimentos. Baseado no livro Conversando com meus Botões, de Clara Feldman, citada por Ferreira (2001, p. 56), veja os possíveis tópicos que nortearão este momento:

Passos para educação de sentimentos

Você é uma grande pessoa.

Tem o direito de sentir qualquer coisa. Os sentimentos não são bons ou ruins. Fazem parte da pessoa humana.

Não tem o direito de fazer o que lhe der na cabeça.

Precisa aprender a aceitar todos os seus sentimentos, para poder ficar de bem com você mesmo.

Precisa aprender a falar dos seus sentimentos com as outras pessoas.

Dificuldades de Aprendizagem

104

Você pode e deve chorar sempre que tiver vontade.

Não vai sentir para sempre o que está sentindo agora.

Você precisa aprender a não culpar os outros pelo que está sentindo.

Como a criança procura resolver seus problemas?

Toda avaliação é feita por meio da observação contínua, porque uma atividade poderia ser muito nova para algumas crianças, o que geraria uma reação, e não muito nova para outras, o que geraria outro tipo de reação. Desta forma, a cada atividade realizada, o professor poderá registrar numa planilha como cada criança resolve cada situação, conforme exemplo a seguir (FERREIRA, 2001, p. 109).

Veja, a seguir, algumas estratégias para observar o desenvolvimento linguístico das crianças em idade escolar.

e) Estratégias para problemas linguísticos

Como você já sabe, a linguagem não é apenas uma coleção de sons. Ao contrário, é um sistema complexo de comunicação que exerce uma função primordial no desenvolvimento humano. Assim, problemas com a linguagem prejudicam a aprendizagem e agravam o desenvolvimento do indivíduo.

105

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

Poder identificar um problema de linguagem antes que ele gere muitos problemas no processo de aprendizagem do aluno é uma necessidade no contexto escolar. Quando isso ocorre, a criança ganha uma chance de ser tratada por um especialista e garante um processo de aprendizagem sem dificuldades. Por isso, é importante que o professor esteja atento ao desenvolvimento linguístico de seus alunos.

As estratégias apresentadas a seguir, podem proporcionar a avaliação do desenvolvimento linguístico de crianças em idade escolar.

Atividade: Jogo do mesmo

Objetivo: Desenvolver o vocabulário. Estimular a criança a classificar as informações. Estimular o desenvolvimento linguístico.

Material: Nenhum

Técnica: Um participante pensa uma categoria, por exemplo: coisas afiadas. Então diz o nome de um objeto que pertence a essa categoria. Os participantes tentam adivinhar a que categoria pertence à palavra. O que acertar a categoria, reinicia o jogo.

Atividade: É tempo de rima

Objetivo: Enriquecer o vocabulário. Praticar sons finais. Saber rimar. Assimilar palavras novas.

Material: Nenhum.

Técnica: Os participantes devem apresentar palavras que rimem com a palavra-chave escolhida pelo professor. O jogador que falar a última rima escolhe a próxima palavra-chave. Para que o jogo tenha um estímulo maior, podem ser marcados os pontos para cada rima correta.

Atividade: Inícios

Objetivo: ampliar o vocabulário. Pronunciar bem as palavras. Classificar e organizar as informações.

Material: Nenhum.

Técnica: Os participantes devem encontrar palavras que comecem com o

Dificuldades de Aprendizagem

106

mesmo som. Cada rodada não deve durar mais que quinze minutos. Escrever no quadro os inícios que serão jogados. Quem falar palavras com o último início ganha o jogo. Por exemplo: pa, pr, pl ou pr, cr, tr.

f) Estratégias para problemas motores

Como você estudou no terceiro capítulo, o desenvolvimento motor descreve a capacidade do ser humano em movimentar-se e usar o corpo de maneira hábil. Esse desenvolvimento inicia no nascimento e inclui várias habilidades adquiridas ao longo da vida, como, por exemplo: engatinhar, andar, correr, agarrar e atirar objetos. Neste sentido, Fonseca (1995) nos explica que os problemas motores não atingem diretamente a capacidade intelectual, mas interferem no desempenho escolar, pela dificuldade em escrever, em pintar, em manusear objetos e em participar das atividades próprias da escola.

Estimular e avaliar o desenvolvimento motor dos alunos é fundamental para promover um processo de aprendizagem bem-sucedido. As estratégias que seguem possibilitam a estimulação e a observação do desenvolvimento motor.

Atividade: Atenção, concentração

Objetivos: Trabalhar o conhecimento do próprio corpo. Promover a concentração. Provocar o conhecimento e aceitação intragrupal.

Material: Espelho.

Técnica: Dispor as crianças em círculo. Exigir ritmo e velocidade ao cantar as ordens. Apresentar o espelho quando a criança não souber falar. Cantar a ordem: cor do cabelo, cor dos olhos, número dos pés, peso, tamanho, o que mais gosta, o que não gosta, dando três pulos, respirando fundo, etc. Promover a aceitação da diferença.

Atividade: Relaxamento

Objetivos: Trabalhar cada parte do próprio corpo, identificando-a pelo nome. Sentir cada parte do corpo.

Material: Música para relaxamento.

Técnica: Deitar as crianças no chão ou na carteira. Ir nomeando cada parte do corpo, pedindo para que elas relaxem as partes do corpo faladas pelo professor.

107

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

Obviamente, estas atividades são apenas exemplos de como podemos estimular e avaliar os diversos aspectos do desenvolvimento humano. Há uma infinidade de atividades estratégicas que podem ser desenvolvidas nas escolas. Aqui você pode conferir estratégias lúdicas.

As estratégias lúdicas tem três funções, de acordo com Ferreira (2001, p. 22):

• socializadora (por meio do jogo, a criança desenvolve hábito de convivência);

• psicológica (pelo jogo, a criança aprende a controlar seus impulsos);

• pedagógica (o jogo trabalha a interdisciplinaridade, a heterogeneidade, o erro de forma positiva, tornando a criança agente ativo no seu processo de desenvolvimento).

ALVAREZ, Maria Esmeralda Ballestero. Exercitando as inteligências múltiplas: dinâmicas. São Paulo: Papirus, 2003.

Esse livro oferece vários exercícios curtos, rápidos, fáceis, dinâmicos e flexíveis para que os professores possam estimular e avaliar o processo de aprendizagem de seus alunos.

Atividade de Estudos:

1) Agora chegou a sua vez de organizar uma estratégia que estimule ou avalie algum aspecto do desenvolvimento humano. Utilize o espaço que segue para apresentar sua estratégia (lúdica ou não).

Estratégia de aprendizagem

Nome da atividade: _____________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________

Objetivos: ____________________________________________________

Dificuldades de Aprendizagem

108

____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________

Material: ______________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________

Técnica: _____________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________

AlgumAS conSiderAçõeS

Com as sugestões de estratégias, chegamos ao final deste capítulo e encerramos, também, esta disciplina. Esperamos que você tenha aproveitado todos os temas desenvolvidos aqui e possa refletir, a cada nova situação, sobre a aprendizagem e suas patologias.

Neste capítulo, você estudou que:

• A psicopedagogia estuda o ato de aprender e ensinar, levando sempre em conta as realidades interna e externa da aprendizagem, tomadas em conjunto.

109

Intervenção e Prevenção das dIfIculdades de aPrendIzagem no ambIente escolar

Capítulo 4

• O psicopedagogo no contexto escolar é, acima de tudo, o de investigador das questões que levam ao aprendizado e ao não-aprendizado.

• A presença do psicopedagogo na escola se justifica pelo olhar clínico sobre o processo aprendizagem, pelo entendimento que esse profissional possui sobre os aspectos que promovem ou dificultam a aprendizagem humana.

• O psicopedagogo pode e deve intervir nas causas do fracasso escolar, seja nas dificuldades de aprendizagem, nos problemas decorrentes delas, na reflexão acerca dos métodos do professor ou na relação professor-aluno.

• Na relação professor-aluno, a ação psicopedagógica é, acima de tudo, ética e profissional, e utiliza recursos próprios da psicopedagogia para contribuir com o bom andamento do processo de ensino-aprendizagem no ambiente escolar.

• O psicopedagogo, no ambiente familiar, deve incentivar a aprendizagem, orientando pais e filhos a agir de maneira favorável, proporcionando reflexões acerca dos aspectos de sua relação familiar.

• A observação dos aspectos motor, perceptivo, emocional, linguístico e de atenção deve ser capaz de evidenciar a existência ou não das DAs, para, depois disso, serem feitos os encaminhamentos necessários aos profissionais especializados.

Desejo que você continue tendo sucesso em seu processo de aprendizagem, mas que, acima de tudo, seja feliz. Porque é assim: aprender é a atividade que o cérebro sabe fazer melhor, é também uma condição de sobrevivência na vida do ser humano, mas, sobretudo, é uma atividade que nos realiza e faz feliz!

referênciAS

ABREU, Maria C.; MASETTO, Marcos T. O professor universitário em aula. São Paulo: MG Editores Associados, 1990.

ANDRADA, Edla Grisard Caldeira de. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Programa de Pós-Graduação em Psicologia. O Treinamento de Suporte Parental (TSP) como fator de promoção do suporte parental e do desempenho escolar de crianças na primeira série. Florianópolis, 2007. 155 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Psicologia.

BOSSA, Nádia A. A psicopedagogia no Brasil: Contribuições a partir da prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.

Dificuldades de Aprendizagem

110

_____. Dificuldades de aprendizagem: O que são? Como tratá-las? Porto Alegre: Artmed, 2000.

_____. Fracasso escolar: um olhar psicopedagógico. Porto Alegre: Artmed, 2002.

FERREIRA, Márcia. Ação Psicopedagógica na sala de aula: uma questão de inclusão. São Paulo: Paulus, 2001.

FONSECA, Vitor da. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2. ed. Porto Alegre: Artemed, 1995.

ZORTÉIA, Ana Maira. Família: lugar onde se aprende a aprender? Pensando Famílias, nº 1, p.17-30, ago. 1999. Disponível em: <http://www.domusterapia.com.br/pdf/PF1Zort%C3%A9a.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2009.