da responsabilidade civil - humanitas … bem como sua constitucionalização, trabalhando também...

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DA RESPONSABILIDADE CIVIL Conceito, Constitucionalização, Princípios, Espécies,

Funções, Pressupostos e do Abuso de Direito

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Imagem da capa: https://pixabay.com/pt/direito-justi%C3%A7a-tribunal-de-

justi%C3%A7a-1063249/

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Carlos Alexandre Moraes Lilian Rosana dos Santos Moraes

DA RESPONSABILIDADE CIVIL Conceito, constitucionalização, princípios, espécies,

funções, pressupostos e do abuso de direito

Primeira Edição E-book

Toledo - PR 2017

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Copyright 2017 by Autores

EDITORA: Daniela Valentini

CONSELHO EDITORIAL: Dr. Celso Hiroshi Iocohama - UNIPAR

Dr. José Aparecido Pereira - PUCPR Dr. José Beluci Caporalini – UEM

Dr. Lorivaldo do Nascimento - UNIOESTE Dr.ª Lorella Congiunti – PUU-Roma

REVISÃO FINAL: Prof. Rogério Dimas Grejanim

CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Editora Vivens Ltda.

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados aos Autores.

Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

Rua Pedro Lodi, nº 566 – Jardim Coopagro Toledo – PR – CEP: 85903-510; Fone: (45) 3056-5596

http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

Moraes, Carlos Alexandre.

M827r Da responsabilidade civil: conceitos,

constitucionalização, princípios, espécies,

funções,

pressupostos e do abuso de direito. / Carlos

Alexandre Moraes, Lilian Rosana dos Santos

Moraes. - 1. ed. ebook - Toledo,PR. : Vivens,

2017.

128 p.

Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.vivens.com.br>

ISBN 978-85-92670-48-1

1. Direito civil. 2.Responsabilidade civil. I.

Título.

CDD 22.ed.346.031

7 SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................... 11 1 O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL ................................... 19 2 DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ..... 27 3 DOS PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................................ 31

3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana e a responsabilidade civil ..................................................... 31 3.2 Princípio da solidariedade e a responsabilidade civil ..................................................... 32 3.3 Princípio da prevenção e a responsabilidade civil ..................................................... 33 3.4 Princípio da reparação integral e a responsabilidade civil ..................................................... 35

4 DAS ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE ......... 39

4.1 Responsabilidade contratual e extracontratual........ 39 4.2 Responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva ........................................................................ 41 4.3 Responsabilidade civil e a teoria do risco ................ 45 4.4 Responsabilidade civil e penal ................................... 48

5 DAS FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................................... 51

5.1 A função reparatória ou compensatória da vítima ................................................... 53 5.2 A função punitiva ao causador do dano .................. 57

8

5.3 A função pedagógica .................................................. 61 6 DO CONCEITO DE ATO ILÍCITO ........................ 63

7 DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................................... 69

7.1 Conduta humana (ação e omissão) ........................... 69 7.2 A culpa em sentido amplo ......................................... 70 7.3 O nexo de causalidade ................................................ 73 7.4 Dos danos .................................................................... 78 7.5 Da classificação dos danos ........................................ 81 7.5.1 Dano patrimonial, dano emergente e lucro cessante .................................................................. 82 7.5.2 Dano moral ............................................................... 85 7.5.2.1 Dano estético ......................................................... 92 7.5.2.2 Dano existencial .................................................... 96 7.5.3 Dano pela perda de uma chance .......................... 100

8 DO ABUSO DE DIREITO ..................................... 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................... 109

REFERÊNCIAS ........................................................... 111

9 APRESENTAÇÃO

Com alegre satisfação acolhi o convite dos Professores Carlos Alexandre Moraes e Lilian Rosana dos Santos Moraes para apresentar ao grande público, mais uma de suas obras Da responsabilidade civil: conceito, constitucionalização, princípios, espécies, funções, pressupostos e do abuso de direito.

Trata-se de obra de grande valor jurídico e científico, que pretende introduzir os leitores ao intrincado problema da Responsabilidade Civil, elucidando de modo profundo e claro os problemas concernentes ao conceito de Responsabilidade Civil, bem como sua constitucionalização, trabalhando também os princípios, espécies, funções e pressupostos da Responsabilidade Civil; não deixando de considerar o problema do abuso de direito.

No primeiro capítulo, os autores trabalham o conceito de responsabilidade civil; no segundo capítulo, trabalham a constitucionalização do instituto da Responsabilidade Civil.

No terceiro capítulo, os autores trabalham os princípios da Responsabilidade Civil, onde abordam o princípio da dignidade da pessoa humana e a responsabilidade civil, o princípio da solidariedade e a responsabilidade civil, o princípio da prevenção e a responsabilidade civil, o princípio da reparação integral e a responsabilidade civil.

No quarto capítulo, os autores trabalham as espécies de responsabilidade, onde abordam a responsabilidade contratual e extracontratual, a responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva, a responsabilidade civil e a teoria do risco, a responsabilidade civil e penal.

No quinto capítulo, os autores trabalham as funções da responsabilidade civil, onde abordam a função reparatória ou compensatória da vítima, a função punitiva ao causador do dano, a função pedagógica.

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No sexto capítulo, os autores trabalham o conceito de ato ilícito; e no sétimo capítulo, trabalham os pressupostos da responsabilidade civil, onde abordam a conduta humana (ação e omissão), a culpa em sentido amplo, o nexo de causalidade, os danos, a classificação dos danos.

No oitavo capítulo, os autores trabalham, o abuso de direito.

Boa leitura a todos!

Prof. Dr. José Francisco de Assis Dias Universidade Estadual do Oeste do Paraná Centro Universitário Cesumar de Maringá

CONSIDERAÇÕES INICIAIS História mostra que toda agressão contra uma pessoa

sempre foi desaprovada pela sociedade, inclusive as punições para quem violasse as normas de convivências incluíam até a morte.

As sociedades não civilizadas conviveram primeiro com a vingança coletiva, em época caracterizada pela ação do grupo em desfavor daquele que causou dano a alguém pertencente àquela tribo, em que a força era sinônimo de justiça, “normas de conduta” estabelecidas por algumas sociedades primitivas. Mais adiante, o revide deixou de ser uma função do grupo e passou a ser do indivíduo/ofendido, época em que vigorou a vingança privada1 e nada acrescentou à sociedade, pois se continuava a aplicar o mal pelo mal. O espírito de “justiça” naquele momento da História da humanidade continha reparação de danos conhecida como “olho por olho, dente por dente” e “quem com ferro fere com ferro será ferido”. Apenas com a evolução é que a sociedade compreendeu que a melhor opção é a reparação do dano, e que esta não pode vir em forma de vingança2.

Pode-se afirmar que esse período de “olho por olho, dente por dente” e “quem com ferro fere com ferro será ferido” deve ficar marcado pelo nascimento da responsabilidade civil objetiva, pois faz referência a não se discutir a culpa do agressor.

1 “[...] Desse modo, em certas tribos australianas, quando um homem fere outro, a este é facultado pela opinião pública, muitas vezes expressamente revelada pelos anciões, feri-lo com seu boomerang; após tal satisfação, não mais se lhe permite guardar rancor”. (RODRIGUES, Silvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 3-4). 2 MORAES, Carlos Alexandre. Responsabilidade civil das empresas tabagistas. Curitiba: Juruá, 2009. p. 35.

Considerações iniciais 12

Sobre as legislações primitivas3, Caio Mário da Silva

Pereira faz menção ao Código de Hamurabi, ao Código de Manu e ao antigo direito Hebreu, e ensina que:

[...] nos mais antigos monumentos legislativos, que antecederam por centenas de anos a civilização mediterrânea, vestígios há de que o tema fora objeto de cogitações. Vem do ordenamento mesopotâmio, como do Código de Hamurabi, a ideia de punir o dano, instituindo contra o causador um sofrimento igual; não destoa o Código de Manu, nem difere essencialmente o antigo direito Hebreu (Leonardo A. Colombo, Culpa Aquiliana, n. 26 e segs.). Mais avançada, a civilização helênica legou o conceito de reparação do dano causado, com sentido puramente objetivo, e independentemente da afronta a uma norma predeterminada (Ludovic Beauchet, Histoire Du Droit Prive de La Republique Athénienne, IV, p. 387)4.

Exposto no Museu do Louvre na capital francesa

encontra-se o Código de Hamurabi, talvez a primeira “legislação” escrita a abordar a possibilidade de punir o dano. Hamurabi (1792-1750 ou 1730-1685 a.C.) foi o maior rei da Mesopotâmia antiga, destaque na história do mundo, criou o império babilônico e legislou sobre a responsabilidade civil.

No que diz respeito à administração da justiça, Hamurabi elaborou um “Código” para a vida em sociedade do seu povo, em que não havia distinção para as diferentes classes sociais e a lei é para todos que estão sob a “jurisdição”

3 É possível encontrar traços da responsabilidade civil no Código de Ur-Nammu (“16. Se um homem furar o olho de outro homem deverá pagar meia mina de prata. 17. Se um homem amputar o pé de outro homem deverá pagar 10 shekels de prata”). Disponível em: <http://docslide.com.br/documents/codigo-ur-nammu.html>. Acesso em: 27 nov. 2016. 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil de acordo com a Constituição de 1988. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 5-6.

Considerações iniciais 13

do rei. Algumas penas tinham como punição a morte, com o objetivo de implantar a justiça5. No tocante à responsabilidade civil, o rei Hamurabi previa a dos profissionais liberais da época.

Pode-se então constatar que a responsabilidade civil existe desde os primórdios, com o Código de Hammurabi sendo o gênesis da reparação do dano (do surgimento da indenização). Entretanto, nesse período, muitas das vezes a indenização não era apenas pecuniária, podendo o causador do dano pagar com a própria vida.

No tocante à responsabilidade civil, o Código de Manu (que, acredita-se, foi editado entre os anos de 1300 e 800 a.C.6) alertava no sentido de que: “Art. 265º Um Brâmane será sujeito à multa de cinquenta panas, por ter ultrajado um homem da classe militar; de vinte e cinco, por um homem de classe comercial; de doze, por um Sudra”7. O Código não prevê violência física como forma de cumprimento de pena, mas estabelece um pagamento, talvez relacionado à indenização pelo dano moral e/ou estético.

No Direito Romano8 destaca-se a Lei das XII Tábuas, elaborada por volta dos anos de 451 e 450 a.C., cuja aplicação

5 MORAES, Carlos Alexandre. Responsabilidade civil das empresas tabagistas, cit., p. 28. 6 CARLETTI, Amilcare. Brocardos jurídicos. São Paulo: Universitária do Direito, 1986. v. III, p. 240. 7 CARLETTI, Amilcare. Brocardos jurídicos, cit., 1986, p. 299. 8 “Traçada em síntese é esta, pois, a evolução da responsabilidade civil no direito romano: da vingança privada ao princípio de que a ninguém é lícito fazer justiça pelas próprias mãos, à medida que se afirma autoridade do estado; da primitiva assimilação da pena com a reparação, para a distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal, por insinuação do elemento subjetivo da culpa, quando se entremostra o princípio nulla poena sine lege. Sem dúvida, fora dos casos expressos, subsistia na indenização o caráter de pena. Mas os textos autorizadores das ações de responsabilidade se multiplicaram, a tal ponto que, no último estádio do direito romano, contemplavam, não só os danos materiais, mas também os próprios danos

Considerações iniciais 14

era exclusiva para os cidadãos romanos. Ela foi considerada a fonte de todo o Direito (fons ominis publici privatique juris)9.

A Lei das XII Tábuas inovou no campo da reparação do dano, pois estabeleceu a fase da composição. A indenização era realizada por meio de pagamento em dinheiro ou da entrega de um bem. Para os danos causados aos bens, entretanto, continua o direito à retaliação – “quem com ferro fere com ferro será ferido”.

Oscar Ivan Prux destaca que se efetivou a composição por meio da poena10, em que o ofendido recebia um valor pelos danos sofridos e cabia ao “Estado” decidir o valor a ser arbitrado11. E, por fim, com a Lex Aquilia de damno, firmou-se a ideia de reparação pecuniária12, tanto que José de Aguiar Dias revela: “É na lei Aquília que se esboça, afinal, um princípio geral regulador da reparação de dano”13. A Lex Aquilia é a maior revolução em relação à responsabilidade civil, e se atribui a ela o surgimento da culpa e da separação entre a responsabilidade extracontratual (agora aquiliana) e a contratual14.

Conforme apontado por Luiz Cláudio Silva, “(...) hoje o direito moderno sustenta a responsabilidade aquiliana ou

morais” (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. I, p. 27). 9 MORAES, Carlos Alexandre. Responsabilidade civil das empresas tabagistas, cit., p. 31. 10 O pagamento de uma quantia em dinheiro ao lesado, a lei de talião não previa a reparação dos danos causados. 11 PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade civil do profissional liberal no Código de Defesa do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 66. 12 PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade civil do profissional liberal no Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 66. 13 DIAS, José de Aguiar. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: forense, 1979. v. 1, p. 25. 14 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 22. ed. atual. Por Maria Celina Bodin de Moraes, v. II, p. 3.

Considerações iniciais 15

extracontratual, inspirada na Lex Aquilia, que data de 250 a.C., e a responsabilidade civil contratual, aquela imposta pela lei, e esta última decorrente dos pactos contratuais”15. Por fim, os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves:

O direito francês, aperfeiçoando pouco a pouco as ideias românticas, estabeleceu nitidamente um princípio geral da responsabilidade civil, abandonando o critério de enumerar os casos de composição obrigatória. Aos poucos, foram sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos outros povos; direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou imprudência. Era a generalização do princípio aquiliano: In lege Aquilia et levíssima culpa venit, ou seja, o de que a culpa, ainda que levíssima, obriga a indenizar16.

Pelo exposto, não é difícil concluir que a

responsabilidade civil acompanha a evolução da sociedade desde o seu início, sendo possível encontrar normas que proclamam que aquele que causar dano deve indenizá-lo.

A entrada em vigência do Code Civil Français, datado de 21/03/1804, estabeleceu um divisor de águas quanto à responsabilidade civil fundada na culpa17. O art. 1.382

15 SILVA, Luiz Cláudio. Responsabilidade civil. Teoria e prática das ações. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 3. 16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 5. 17 “No Código Civil francês, tem a legislação moderna o seu modelo de inspiração. Antes, porém, que surgisse esse monumento jurídico, o direito francês já exercia sensível influência nos outros povos. De interesse geral, portanto, recordar que, aperfeiçoando, a pouco e pouco, as ideias românticas, ele estabeleceu nitidamente um princípio geral da

Considerações iniciais 16

estabelecia que: “tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autrui um dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer”, servindo de modelo18 para outros países, inclusive o Brasil.

A responsabilidade civil no Brasil antes da codificação pode ser dividida em três fases: nas Ordenações do Reino, quando o Direito Romano era aplicado subsidiariamente às leis no país; no Código Criminal (1830) nasceu uma noção de ressarcimento; e na Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas, que defendia que a responsabilidade civil estivesse atrelada à responsabilidade penal19.

O art. 159 do Código Civil brasileiro de 1916 foi inspirado no Código de Napoleão. A legislação mencionada por meio daquele artigo adotou a responsabilidade civil subjetiva e, nos arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553, estavam previstas as formas de verificação da conduta e da quantificação dos danos produzidos.

responsabilidade civil, abandonando o critério de enumerar os casos de composição obrigatória. Os Mazeaud, ressaltando a conquista francesa, fazem o confronto: a lei Aquília nunca pode abranger senão o prejuízo visível, material, causado a objetos exteriores, ao passo que daí em diante se protege a vítima também contra os danos que, sem acarretar depreciação material, dão lugar a perdas, por impedirem ganho legítimo. A actio doli exigia a culpa caracterizada. No direito francês evoluído, a reparação independe da gravidade da culpa do responsável. Domat, referido pelos mesmos tratadistas, precisa seu pensamento ao estabelecer a categoria da culpa de que pode provir o dano: a que acarreta, a um tempo, a responsabilidade penal do agente, perante ao estado, e a responsabilidade civil, perante a vítima; a das pessoas que descumprem as obrigações, culpa contratual; e a que não se liga, nem a crime, nem a delito, mas se origina da negligência ou imprudência. Era a generalização do princípio aquiliano: In lege Aquilia et levíssima culpa venit”. (DIAS, José de Aguiar. Responsabilidade civil, cit., 1979, v. 1, p. 27). 18 Art. 1.382 do Código Civil francês de 1804: “Todo ato, qualquer que seja, de homem que causar a outrem um dano, obriga aquele por culpa do qual ele ocorreu, a repará-lo”. Tradução livre. 19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 11.

Considerações iniciais 17

No ano de 2002, foi publicado o atual Código Civil

brasileiro, em que o legislador dedica um título específico para a temática. A legislação, seguindo o mesmo caminho do Código de Defesa do Consumidor, adota tanto a responsabilidade civil subjetiva quanto a responsabilidade civil objetiva genérica, com base na teoria do risco, contrariando a legislação civil revogada, que tratava apenas da responsabilidade aquiliana. A Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, adotou tanto a responsabilidade civil subjetiva, expressa no art. 186, quanto a responsabilidade civil objetiva, prescrita no parágrafo único do art. 927 da lei civil.

O instituto da responsabilidade civil caminha para um reconhecimento como direito fundamental da pessoa, em que as vítimas devem ser reparadas integralmente pelos danos sofridos, independentemente de terem sido desejados ou não pelo causador do dano20. Dentro de pouco tempo, o elemento culpa deve desaparecer dos elementos da responsabilidade civil, pois sua finalidade é quando for possível a restauração do status quo ante, sendo a única forma de se fazer a tão esperada justiça para os casos em que o direito alheio é violado e gera danos injustos a outrem.

20 DELGADO, Mário Luiz. A responsabilidade civil da mãe gestante por danos ao nascituro. In: MADALENO, Rolf; BARBOSA, Eduardo (Coord.). Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 291.

Considerações iniciais 18

1

O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil é um dos assuntos mais

apaixonantes do direito civil, uma vez que, desde o surgimento da própria humanidade, podem-se verificar fatos correlacionados ao tema, isso porque se alista com inúmeras ações humanas21, o que legitima o pensamento de José de Aguiar Dias: “Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema de responsabilidade”22 e, até mesmo por isso, acaba por gerar uma variedade de conceitos. Antônio Chaves lembra que nas atividades e nos contratos existe um germe da responsabilidade civil23.

É bem provável que nenhum outro tema do direito levante tantas controvérsias. No entender de Álvaro Villaça Azevedo “a responsabilidade nada mais é do que o dever de indenizar o dano que surge sempre quando alguém deixa de cumprir um preceito estabelecido num contrato ou quando deixa de observar o sistema normativo que rege a vida do cidadão”24. Judith Martins-Costa destaca que tratar da responsabilidade civil “significa ingressar num vasto e fascinante universo (...) no qual se emaranham aspectos do mais profundo significado ético atinente à própria condição

21 Essa abrangência de possibilidades Savatier chamou de hipertrofia da responsabilidade civil. SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile em droit français. Paris: [s.c.p.], 1939. t. 1, p. 1. 22 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, cit., 9. ed., v. I, p. 1. 23 CHAVES, Antônio. Responsabilidade civil. São Paulo: Edusp, 1972. p. 17. 24 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil – Teoria geral

das obrigações. 7. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 353.

O conceito de responsabilidade civil 20

humana”25. Savatier defende que a responsabilidade civil é algo jurídico, uma vez que a classifica como a “obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”26. Por outro lado, para José de Aguiar Dias, a “responsabilidade não é fenômeno exclusivo da vida pública, antes se liga a todos os domínios da vida social”27. É possível, então, afirmar que a responsabilidade civil está mais próxima da vida social do que do próprio mundo jurídico.

A temática é muito abrangente, pois trata de um conteúdo multidisciplinar que perpassa por quase todos os ramos do Direito – do direito do consumidor ao direito do trabalho, do direito tributário ao direito desportivo –, e inclusive é muito ampla nas relações familiares, objeto deste estudo. Condutas lesivas podem ser encontradas em inúmeros ramos do Direito, e até mesmo o avanço tecnológico foi capaz de criar mais um campo de aplicação do instituto da responsabilidade civil.

O assunto é tão amplo, que dificilmente encontra-se entendimento unânime, seja na doutrina, seja na jurisprudência, no que se refere ao tema “responsabilidade civil”. Inclusive é alta a incidência do trabalho do Poder Judiciário a esse respeito, porque toda atividade humana28

25 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 92. 26 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 4, p. 6. 27 DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 2. 28 “[...] os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são

O conceito de responsabilidade civil 21

pode gerar danos e, consequentemente, pedidos de indenizações. Nesse primeiro momento, buscar-se-á apresentar alguns conceitos para a responsabilidade civil.

Expressão que liga uma pessoa a um fato danoso, o termo responsabilidade civil traz a ideia de restauração, tem origem no latim respondere, que deriva de responsável, e significa aquele que responde pelos próprios atos ou pelos de outrem29. No “Moderno Dicionário da Língua Portuguesa”, o tema refere-se também à qualidade de responsável ou de reparar os danos causados a terceiros30.

Por seu turno, Pedro Nunes lembra que responsabilidade civil é um “dever jurídico, imposto a cada um, de responder por ação ou omissão imputável, que importem na lesão do direito de outrem, protegido pela lei (...)”31. Esse conceito comunga com a noção de proteger a pessoa que respeita o direito alheio e de condenar aquele que infringe o princípio multissecular do neminem laedere (que ninguém deve lesar outrem), ensinado por Ulpiano32.

René Savatier conceituou a responsabilidade civil afirmando que: “La responsabilité civile est l’obligation qui peut incomber à une personne de réparer le dommage causé à autrui par so fait, ou par le fait des personnes ou des choses dépendant d’elle”33. De Plácido e Silva diz a esse respeito que:

providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor.” BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 6. 29 BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. 5. ed. São Paulo: Lisa, 1991. p. 587. 30 MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998. p. 1.829. 31 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica, cit., p. 750. 32 Os outros dois princípios fundamentais do Direito criados por Ulpiano: honeste vivere (viver honestamente) e suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu). 33 Tradução livre: A responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa de reparar o dano causado a outrem por um ato seu, ou por

O conceito de responsabilidade civil 22

Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção34.

Sérgio Cavalieri Filho vai além, quanto ao conceito de

responsabilidade civil, e propaga que: Entende-se, assim, por dever jurídico a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social. Não se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas de uma ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações35.

Colaborando, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo

Pamplona Filho afirmam que “(...) deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior da coisa”36.

Para Silvio Rodrigues, o conceito de responsabilidade civil é “a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de

um fato de terceiro ou de uma coisa dependentes dela. Traité de la responsabilité civile. 12. ed. Paris: Librairie Generale de Droit et de Jurisprudence, 1951. t. I, p. 1. 34 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico conciso. Rio de Janeiro. Forense, 2008. p. 642. 35 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 1-2. 36 GANGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v. III: Responsabilidade civil, p. 9.

O conceito de responsabilidade civil 23

pessoas ou coisas que dela dependam”37. Da mesma forma, Adauto de Almeida Tomaszewski destaca que “imputar a responsabilidade a alguém, é considerar-lhe responsável por alguma coisa, fazendo-o responder pelas consequências de uma conduta contrária ao dever, sendo responsável aquele indivíduo que podia e devia ter agido de outro modo”38.

Os fatos danosos são gerados pela conduta de uma pessoa devem ser indenizados, e as pessoas que têm seus direitos violados da mesma forma merecem proteção. A responsabilidade civil está vinculada à ação que causa dano e, por isso, tem como consequência a indenização39. Por seu turno, Maria Helena Diniz afirma que:

a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal40.

Para Caio Mário da Silva Pereira, a responsabilidade

civil diz respeito a uma relação jurídica que se inicia em razão do surgimento de um dano e que deve ser indenizado41. Na fina percepção de Irineu Antonio Pedrotti, a responsabilidade civil obedece ao dever que quem causa dano a outrem tem de

37 RODRIGUES, Silvio. Direito civil – Responsabilidade civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 6. 38 TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. Separação, violência e danos morais: a tutela da personalidade dos filhos. São Paulo: Paulistana Jur, 2004. p. 245. 39 SANTOS, Romualdo Baptista dos. Teoria geral da responsabilidade civil. In: ARAÚJO, Vaneska Donato de (Coord.) Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: RT, 2008. p. 27. 40 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 7: Responsabilidade civil, p. 34. 41 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, cit., 22. ed., v. II, 2009, p. 11.

O conceito de responsabilidade civil 24

reparar. Os danos podem ser causados pela própria pessoa ou por terceiros e coisas que estão sob sua responsabilidade42.

O doutrinador argentino Jorge Mosset Iturraspe ensina que “a responsabilidade importa um dever que, como resposta adequada, suporta aquele que causou um dano, prejuízo ou detrimento”43. De forma clara e precisa, Antonio Lindbergh C. Montenegro conceitua a responsabilidade civil como a imposição legal que o causador de um dano tem de responder por aquele44, indenizando o lesado. Sobre o dever de indenizar, Renan Miguel Saad lembra que:

o dever jurídico não cumprido pode consistir em um dar, fazer ou não fazer. Já o dever jurídico de reparar o dano só tem um conteúdo, que é o dever de indenizar, ou seja, pagar o quantum apurado pelo dano sofrido. O primeiro denomina-se dever jurídico primário, e o segundo dever jurídico secundário. No comum dos casos, o dever jurídico decorrente da perpetração de um ilícito ou violação para e simples da norma e que substitui o dever jurídico primário não cumprido chama-se de responsabilidade45.

A responsabilidade civil nada mais é do que o dever

legal que alguém tem de indenizar os danos que porventura tenha causado a outrem indevidamente, “(...) face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a

42 PEDROTTI, Irineu Antônio. Responsabilidade civil. São Paulo: LEUD, 1990. v. 1, p. 9. 43 ITURRASPE, Jorge Mosset (Dir.). Responsabilidade civil. Buenos Aires: Hammurabi, 1993, p. 21. 44 MONTENEGRO, Antônio Lindbergh C. Responsabilidade civil. São Paulo: LEUD, 1990. v. I. p. 16. 45 SAAD, Renan Miguel. Responsabilidade civil do Estado. Doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1994. p. 34.

O conceito de responsabilidade civil 25

vida”46. Conclui-se dessa forma que o objetivo é procurar restabelecer a situação ao status quo ante, como se nenhum prejuízo tivesse sido gerado. A pessoa que vive em sociedade deve proceder de forma cautelosa, para que, ao praticar atos da vida civil, não venha causar danos a outrem, caso contrário, regra geral, será compelida a indenizar os supostos prejuízos causados.

A responsabilidade civil é um instituto jurídico que a sociedade possui para recompor o equilíbrio quebrado pelo dano que a vítima sofreu. Não é mais visto como um instrumento de vingança, mas sim da busca do restabelecimento do equilíbrio social e um motivo da satisfação da sociedade que tem a garantia de que todas as vezes que um dano for causado a um membro da coletividade, existe a previsão da reparação daquele prejuízo.

46 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. v. 2, p. 309.

O conceito de responsabilidade civil 26

2 DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO INSTITUTO

DA RESPONSABILIDADE CIVIL A constitucionalização do Direito Civil ocorreu

através de um processo histórico que começou com a codificação civil, com o grande marco do Código Civil de Napoleão, que serviu de parâmetro para as demais codificações ocidentais e afastava o Estado das relações entre os particulares.

A necessidade da elaboração de um Código Civil brasileiro foi previsto pela primeira vez na Constituição Imperial do Estado de 25 de março de182447. Seguindo a previsão da Constituição Imperial, em 15 de fevereiro de 1855, Augusto Teixeira de Freitas firmou contrato com o Governo Imperial para elaborar a Consolidação das Leis Civis. Estava previsto no contrato que fosse codificada toda legislação brasileira, inclusive a anterior à Independência, e mantivesse as divisões do Direito Público e Privado e suas subdivisões, de acordo com a ordem cronológica por assunto, entre outras exigências. O prazo estabelecido foi de cinco anos, e Teixeira de Freitas entregou em de três e não contou com a ajuda ou auxílio de ninguém48. Zeno Veloso resume muito bem quem era Augusto Teixeira de Freitas:

47 BRASIL. Constituição Imperial do Estado. “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. (...) XVIII. Organizar-se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade.” 48 VELOSO, Zeno. Teixeira de Freitas e Pontes de Miranda. Belém: Unama, 2010. p. 16.

Da constitucionalização 28

(...) tivesse nascido na França, na Itália ou na Alemanha, e, no seu tempo, em qualquer um daqueles países, tivesse produzido o que produziu, escrito o que escreveu e criado o que criou, seria consagrado e apontado como um dos maiores e mais fecundos juristas, como um autêntico patrimônio cultural de qualquer uma dessas nações, famoso, respeitado, conhecido, difundido e repetido, com um Pothier, um Giorgi, um Savigny49.

Conforme o Decreto n. 2.318, de 22 de dezembro de

1858, a Consolidação das Leis Civis foi aprovada pelo Imperador. A Consolidação Teixeira de Freitas era dividida em Parte Geral (“Das Pessoas e das Coisas”) e Parte Especial (“Dos Direitos Pessoais e dos Direitos Reais”)50 e esteve em vigência até 1º de janeiro de 1917, quando passou a valer o Código Civil brasileiro, que atualmente encontra-se revogado.

Parece que não satisfeito com o trabalho de Teixeira de Freitas, o Estado brasileiro contratou José Thomaz Nabuco de Araújo Filho para elaborar um Código Civil. Foi estabelecido o mesmo prazo de cinco anos, contudo, em razão do falecimento do contratado, a obra não foi concluída51.

Por fim, em 1899 foi contratado Clóvis Beviláqua para preparar o Código Civil brasileiro, que só foi promulgado em 1º de janeiro de 1916, seguindo a mesma ideologia do Código Civil francês, ou seja, preocupando-se com o indivíduo e com o seu patrimônio, afastando o Estado da relação entre os particulares. A esse respeito escreveu com precisão Gustavo Tepedino:

49 VELOSO, Zeno. Teixeira de Freitas e Pontes de Miranda, cit., p. 9. 50 VELOSO, Zeno. Teixeira de Freitas e Pontes de Miranda, cit., p. 16. 51 DELGADO, Mário Luiz. Codificação, descodificação e recodificação do direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 21.

Da constitucionalização 29

O Código Civil de 1916, bem se sabe, é fruto da doutrina individualista e voluntarista que, consagrada pelo Código de Napoleão e incorporada pelas codificações posteriores, inspiraram o legislador brasileiro, quando, na virada do século, redigiu o nosso primeiro Código Civil52.

A Constituição Federal promulgada em 5 de outubro

de 1988 é a nona em vigência no país e, diferentemente das Constituições anteriores, que abordavam apenas assuntos relacionados ao direito público, aquela entrou na seara do direito privado, e em especial nos temas “família” e “responsabilidade civil”, que historicamente eram exclusivos da legislação civil. Sobre o que se pode chamar de constitucionalização do Direito Civil, leciona Eugênio Facchini Neto:

Da constitucionalização do direito civil decorre a migração, para o âmbito privado, de valores constitucionais, dentre os quais, como verdadeiro primus inter paris, o princípio da dignidade da pessoa humana. Disso deriva, necessariamente, a chamada repersonalização do direito civil, ou visto de outro modo, a despatrimoniação do direito civil. Ou seja, recoloca-se no centro do direito civil o ser humano e suas emoções53.

Nesse sentido Pietro Perlingieri explica que o Código

Civil perde aquele papel unificador do sistema para o texto Constitucional54 e o individualismo e a proteção do

52 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 2. 53 FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 53. 54 PERLIGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Tradução de Maria Cristina Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 6.

Da constitucionalização 30

patrimônio dão lugar ao ser humano, não em razão dos bens que possui, mas única e exclusivamente pela sua condição de pessoa. A dignidade da pessoa humana passa a ser tratada como valor supremo pelo constituinte.

O Código Civil de 2002 sofreu grande influência da Constituição Federal de 1988, tanto que prescreve sobre os direitos da personalidade55, uma legislação que se preocupava com as questões patrimoniais, e que passa a proteger os direitos inerentes da pessoa (sua dignidade, suas emoções, sua personalidade e seu desenvolvimento) como forma de garantir a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, acabando por modificar a estrutura do Direito Civil. Torna-se evidente a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, fruto da constitucionalização do Direito Civil.

Por isso, a partir da publicização do direito privado, todas as normas e cláusulas contratuais devem estar em consonância com a Constituição Federal e privilegiar sempre a igualdade, a liberdade e a dignidade como forma de cumprir o princípio da dignidade da pessoa humana.

55 Adriano de Cupis explica que a terminologia direitos da personalidade “[...] é reservada àqueles direitos subjetivos cuja função, relativamente à personalidade, é especial, constituindo o ‘minimum’ necessário e imprescindível ao seu conteúdo”. DE CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade, cit., p. 17.

3

DOS PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL São pelo menos quatro os princípios identificados no

campo da responsabilidade civil: princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da solidariedade, princípio da prevenção e princípio da reparação integral. Será realizada a seguir uma breve abordagem sobre cada um desses princípios.

3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana e a responsabilidade civil

O princípio da dignidade humana é o principal

princípio consagrado pela Constituição Federal brasileira, e a lei infraconstitucional, fazendo uma homenagem ao princípio, garante inclusive a impenhorabilidade do bem de família.

Ingo Wolfgang Sarlet faz uma relação entre a dignidade da pessoa humana e a responsabilidade civil: para ele, cada pessoa é merecedora de respeito e consideração por parte de todos, inclusive o Estado e a sociedade, sendo assegurados direitos e deveres e que a pessoa possa se defender contra qualquer ato que possa colocá-la em situação desumana ou degradante.56 Fica evidente a questão protetiva da dignidade humana, sendo a pessoa blindada como um todo (física, psíquica e moralmente).

Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto mencionam algumas situações da

56 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, cit., 4. ed., 2006, p. 60.

Dos princípios 32

responsabilidade civil que perpassam da dignidade humana57, como o caso da responsabilidade civil do médico versus a liberdade religiosa (testemunha de Jeová), a liberdade de consciência (eutanásia passiva ou ortotanásia), a liberdade sexual (transexual) e a autonomia existencial (transformações corporais).

O campo da responsabilidade civil e o princípio da dignidade da pessoa humana (inclui-se o desrespeito aos direitos da personalidade) são muito férteis. Conforme exemplifica Anderson Schreiber, alguns casos famosos que feriram o princípio da dignidade da pessoa humana são: lancer de nain (lançamento de anão), caso do vendedor que não atingiu as metas e do advogado homossexual.

3.2 Princípio da solidariedade e a responsabilidade civil

O princípio da solidariedade encontra asilo no art. 3º,

inciso I, da Constituição Federal. A melhor interpretação para o termo “solidariedade” é a de concordar com a causa do outro. No mesmo sentido, bem esclarece Maria Celina Bodin de Moraes que a solidariedade caracteriza a pessoa humana e cabe a todos ajudar a construir uma sociedade melhor58, a sociedade que cada um quer para si e para os seus.

Para entender-se a relação entre o princípio da solidariedade e a responsabilidade civil, basta recordar o que Alvino Lima pontificou:

57 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. v. 3, p. 15. 58 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabela Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Coord.). Os princípios da constituição de 1988. p. 178.

Dos princípios 33

se materializou a noção da responsabilidade, no sentido de não procurar o elemento moral subjetivo, a imputabilidade moral, que filosoficamente é o pedestal da teoria subjetiva, não desprezou, entretanto, os princípios de uma elevada moral, dentro de um sistema solidarista, que não enxerga indivíduos justapostos e isolados, mas um organismo de humanidade no qual todos os membros são solidários59.

Dessa forma, o que se evidencia na solidariedade é

tentar restabelecer o status quo ante, de forma que a preocupação não deve estar em encontrar culpados, mas sim em realizar a reparação do dano e, de preferência, de forma fraterna. 3.3 Princípio da prevenção e a responsabilidade civil

O termo prevenção significa não deixar que aconteça,

o que, segundo Antônio Soares Amora, constitui “impedir que se execute”60. Aplicando na responsabilidade civil, significa impedir que o dano seja produzido. O ditado popular “é melhor prevenir do que remediar” não poderia ser mais bem aplicado no Direito do que neste momento, tanto que Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto dão destaque no sentido de que “a prevenção é o cerne da responsabilidade civil”61. E complementam os autores:

[...] Evitar e mitigar um dano se converte em questão central e maior desafio para a responsabilidade civil do século XXI. A prevenção como antonomásia da

59 LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2. ed. São Paulo: RT, 1988. p. 329. 60 AMORA, Antônio Soares. Minidicionário Soares Amora da língua portuguesa, cit., p. 695. 61 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de direito civil: responsabilidade civil, cit., 2. ed., 2015, v. 3, p. 19.

Dos princípios 34

responsabilidade civil contemporânea. Ao invés de agir reativamente ao dano consumado (direito remediador) – pela via da indenização ou da compensação -, devemos conservar e proteger bens existenciais e patrimoniais (direito proativo). Toda pessoa ostenta um dever ex ante de evitar causar um dano injusto, agindo conforme a boa-fé e adotando comportamentos prudentes para impedir que o dano se produza a sua magnitude. Ademais, caso o dano já se tenha produzido, que se evite o seu agravamento (duty to mitigate the own loss)62.

A prevenção nada mais é do que respeitar o milenar

princípio neminem laedere. Para que isso ocorra, as pessoas devem respeitar as regras e agir com prudência e todos devem se comportar de maneira que não venham causar danos a terceiros. Todavia, quando as mencionadas normas são violadas, aplica-se a responsabilidade civil para que o dano seja indenizado ou reparado, dependendo do bem lesado.

Sobre a responsabilidade civil e a prevenção, Anderson Schreiber cita como bons exemplos as agências reguladoras dos serviços públicos, e informa que “a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) têm imposto significativas medidas destinadas a evitar a produção de danos aos consumidores de modo geral (...)”63, ações que, além de evitar o dano à coletividade, impedem uma enxurrada de ações de indenização ao Poder Judiciário.

62 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de direito civil: responsabilidade civil, cit., 2. ed., 2015, v. 3, p. 19. 63 SCHEREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 229.

Dos princípios 35

3.4 Princípio da reparação integral e a responsabilidade civil

O princípio da reparação integral – seu fundamento

está na ciência da justiça corretiva de Aristóteles64 – sustenta que o ofendido deve ter o dano sofrido reparado em sua totalidade, ou seja, que a vítima deve retornar à situação status ad quo, nem que para isso seja expropriado o patrimônio do causador do dano, mas sem se esquecer do que orienta a doutrina francesa: “todos os danos, mas nada que a lesão” (tout le dommage, mais rien que le dommage).

Por isso, é certo o que Hans Albrecht Fischer ensina, ao estipular que o “escopo ideal de toda a reparação de danos é conseguir que o lesado não fique nem mais pobre nem mais rico do que estaria se o fato danoso não se houvesse produzido”65.

O princípio da restitutio in integrum já era aplicado pelos romanos: uma vez que os danos também deveriam ser reparados em sua totalidade, o dano não reparado pode gerar uma insegurança na sociedade, produzindo sentimento de injustiça. Para Flávio Tartuce o princípio da reparação integral dos danos é amparado no “(...) art. 5º, particularmente no inciso V – que assegura o direito à indenização por dano material, moral e à imagem –, e também no inciso X – que tutela o direito à reparação integral por violação do direito à intimidade, vida privada, honra e imagem”66.

A aplicação do mencionado princípio só ocorrerá plenamente quando a indenização for equivalente ao prejuízo

64 SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Princípio da reparação integral: indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva. p. 56-57. 65 FISCHER, Hans Albrecht. A reparação dos danos no direito civil. São Paulo: Saraiva, 1938. p. 192. 66 TARTUCE, Flávio. Responsabilidade civil objetiva e risco – a teoria do risco concorrente. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. p. 94.

Dos princípios 36

sofrido. Tratando-se de bem material, não há tanta dificuldade em se mensurar o prejuízo, todavia, no caso de o ofendido sofrer dano moral, o problema está em quantificar a lesão, e muitas das vezes o princípio da reparação integral acaba sendo violado, pois, por mais que ocorra condenação pecuniária, o valor atribuído não é suficiente para que ocorra a reparação integral do sofrimento.

O princípio da reparação integral está explícito no art. 944 do Código Civil, o qual prescreve que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Dessa forma, a indenização está relacionada ao prejuízo causado, e ressarcir mais do que a lesão gera enriquecimento ilícito. Agostinho Alvim inclusive chega a mencionar ser injustos casos de culpa leve e valores vultosos de indenização67.

O parágrafo único do art. 944 do Código Civil aponta que, “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”. Dessa forma, entende-se que a mencionada redução que o artigo prevê só será permitida nas situações que dizem respeito à responsabilidade civil subjetiva, em que se

67 ALVIM, Agostinho. Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, n. 24, p. 101-102. “Não parece justo que, no caso de culpa leve, e dano vultuoso, a responsabilidade recaia inteira sobre o causador do dano. Um homem que economizou a vida toda para garantir a velhice pode, por uma leve distração, uma ponta de cigarro atirada ao acaso, vir a perder tudo o que tem, se tiver dado origem a um incêndio. E não só ele perde, mas toda a família. Notam os autores que acontecimentos trazem em si uma dose de fatalidade. E a fatalidade está em que distração é uma lei inexorável, à qual nunca ninguém se furtou. É justamente por reconhecer isso que o legislador manda indenizar no caso de acidente do trabalho, embora ele ocorra, quase sempre, por motivo de descuido, negligencia, imprudência, enfim culpa do empregado. Por estas razões é que o anteprojeto faculta ao juiz, sem impor, que reduza a indenização.”

Dos princípios 37

discute o grau de culpa do agente68, não sendo aplicada para as hipóteses de responsabilidade civil objetiva.

A concessão ao julgador de reduzir a indenização, quando existir desproporção entre a culpa e o prejuízo, todavia, é uma exceção ao aludido princípio. O prejuízo a que se refere o art. 944 do Código Civil diz respeito a todo tipo de dano (individual, material, imaterial, social, difuso, coletivo e individual homogêneo), logo, é o que ensina o Enunciado n. 456 do Conselho de Justiça Federal69.

O art. 945 da Lei Civil em relação ao valor da indenização adverte que, se o ofendido colaborou sem intenção para a produção do dano, o valor da indenização será proporcional à sua participação no prejuízo gerado.

Um problema enfrentado quanto à participação da vítima no fato danoso ocorre quando não é possível auferir com qual proporção o ofendido contribuiu, deixando um

68 No mesmo sentido o Código Federal Suíço das Obrigações, que considera a gravidade da culpa no momento da fixação da indenização: “Art. 43. (III. Fixação do Dano) (1) O modo e a extensão da indenização pelo dano causado, estabelece o juiz que, no caso, tem de considerar não só as circunstâncias como a gravidade da culpa. (...) Art. 44. (IV. Motivos de redução) (1) Se o lesado concordou com o ato danoso, ou se circunstâncias, pelas quais deve ele responder, atuaram para criar ou aumentar o dano ou agravaram, de outro modo, a situação do obrigado à indenização, poderá o juiz minorar a obrigação de indenização ou, inteiramente, não a reconhecer. (2) Se o obrigado à indenização que não causou o dano nem intencionalmente nem por negligência grave, ficar, pela prestação da indenização, reduzido a estado de necessidade, poderá o juiz, também por esse motivo, minorar a obrigação de indenizar.” SOUZA DINIZ. Código Civil suíço e Código Federal suíço das obrigações. Rio de Janeiro: Record, 1961. p. 164-165. 69 V Jornada de Direito Civil – Enunciado n. 456 – “A expressão ‘dano’ no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas”. Disponível em: <http://www.cjf.jus. br/enunciados/enunciado/403>. Acesso em: 4 maio 2016.

Dos princípios 38

enigma ao julgador. O sujeito passivo da conduta danosa, todavia, não pode ser prejudicado mais uma vez.

Existem situações em que o autor do dano não conseguirá restaurar o prejuízo causado, dessa forma, não resta alternativa a não ser substituir o objeto por seu valor de mercado, conforme o dispositivo do art. 947 do Código Civil, não perdendo de foco da reparação integral do dano.

A Constituição Federal de 1988 muito colaborou com o princípio da indenização integral, uma vez que no art. 5º, inciso V, determinou que “(...) é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo (...)”. Assim, todo dano deve ser indenizado integralmente, de acordo com a sua extensão, nem a mais nem a menos do que o dano sofrido.

No Brasil o princípio da reparação integral, regra geral, não é aplicado, pois as condenações referentes à indenização provenientes de dano moral são irrisórias e, com isso, não cumpre nenhuma de suas funções, porque não pune o agressor e muito menos compensa o ofendido, colaborando para que as pessoas não ajam com o devido cuidado. Essa conduta do judiciário acabou por banalizar a indenização por dano moral, a ponto de alegar a existência de uma “indústria do dano moral”, contudo, não se pode esquecer de que não existe indústria sem matéria-prima.

4

DAS ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE Não existe uma unanimidade na doutrina quanto às

modalidades de responsabilidade civil. Geralmente, os autores citam: a) contratual (descumprimento de dever contratual); b) extracontratual (ou aquiliana – descumprimento de dever legal); c) subjetiva (é preciso demonstrar o elemento culpa na ação que causou o dano); d) objetiva (o elemento culpa é desprezado); e) civil (infringe normas de direito privado); f) penal (infringe normas de direito público). Para Maria Helena Diniz, a responsabilidade civil deve ser analisada em razão do fato gerador70, do seu fundamento71 e em relação ao agente72. 4.1 Responsabilidade contratual e extracontratual

Sabe-se que a responsabilidade pode surgir de um

contrato, caso a que se dá o nome de responsabilidade civil contratual. Sua base legal está fincada entre os arts. 389 e 400

70 “1) Quanto ao seu fato gerador, hipótese em que terá: a) responsabilidade contratual, (...) b) responsabilidade extracontratual” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 7: Responsabilidade civil, p. 145-146). 71 “2) Em relação ao seu fundamento: caso em que se apresentará como: a) responsabilidade subjetiva, (...) b) responsabilidade objetiva” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, cit., v. 7: Responsabilidade civil, p. 146). 72 “3) Relativamente ao agente, isto é, à pessoa que pratica a ação. Assim a responsabilidade será: a) direta, se proveniente da própria pessoa imputada – o agente responderá, então por ato próprio; b) indireta ou complexa se promana de ato de terceiro (...), com o qual o agente tem vínculo legal de responsabilidade, de fato de animal (...) e de coisas inanimadas sob sua guarda” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, cit., v. 7: Responsabilidade civil, p. 145-146).

Das espécies 40

da Lei Civil, ou a responsabilidade pode nascer quando alguém descumpre um dever legal, que ninguém deve causar dano a outrem. Dessa forma, gera-se uma responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, que tem fundamento legal nos arts. 927 a 954 do Código Civil.

Pablo Stolze Gangliano e Rodolfo Pamplona Filho fazem menção a três elementos que diferenciam essas duas formas de responsabilidade: “(...) a necessária preexistência de uma relação jurídica entre lesionado e lesionante; o ônus da prova quanto à culpa; e a diferença quanto à capacidade”73.

Dessa forma, na responsabilidade contratual já existe uma relação entre as partes, proveniente de um contrato previamente firmado, o que não acontece na responsabilidade extracontratual, pois ela nasce do descumprimento do dever de que ninguém deve lesar outrem.

Enquanto na responsabilidade contratual ocorre a inversão do ônus da prova, para a vítima basta demonstrar o inadimplemento da outra parte (caso o inadimplemento não tenha sido gerado, em razão de algumas das excludentes), uma vez que, regra geral, ela é presumida; na responsabilidade extracontratual, a vítima deve provar a culpa do causador do dano.

Na responsabilidade contratual exige-se capacidade civil para a realização do ato. No caso de incapaz, este depende de representante legal, seja assistido ou representado. Por seu turno, na responsabilidade extracontratual o dano pode ser causado por qualquer pessoa, independentemente de capacidade civil.

73 GANGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, 5. ed., cit., v. III: Responsabilidade civil, p. 18.

Das espécies 41

4.2 Responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva

Há também a responsabilidade civil subjetiva e a

responsabilidade civil objetiva. Na primeira, discute-se o elemento culpa; na segunda, o mencionado elemento é desprezado, sendo considerado o risco da atividade no caso de um fato danoso gerar o dever de indenização74.

Inspirado no Código Civil francês (art. 1.382: “todo e qualquer ato do homem que causa um dano a outros obriga aquele que o ocasionou a repará-lo”), o Código Civil de 2002 instituiu o sistema dualista adotando as duas espécies: a) subjetiva: prevista nos arts. 186, 187 e 951 (respectivamente, arts. 159 e. 951 do Código Civil revogado) com a culpa como fundamento da responsabilidade civil; e b) objetiva: conforme o parágrafo único do art. 927, fundamentada na teoria do risco.

A teoria subjetiva está fundada na teoria da culpa (lato sensu), ou seja, para que exista o dever de indenizar o dano, é necessária a prova de uma conduta dolosa ou ao menos que a ação tenha sido realizada de forma negligente ou imprudente. Sobre a culpa, René Savatier alertava que: “La faute est l’ínexécution d’um devoir que l’agent pouvait connaître et observer”75.

74 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. n. 169, p. 243. “(...) A classificação mais simples é esta: a responsabilidade civil funda-se na culpa quando esta lhe é elemento indispensável; e prescinde dela quando se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. A primeira hipótese consubstancia a teoria da culpa ou subjetiva. A segunda entende-se com a teoria dita objetiva ou do risco, e dentro de seus postulados se diz que todo dano e indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa.” 75 Tradução livre: “A culpa é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar”. (Traité de la responsabilité civile. 12. ed. Paris: Librairie Generale de Droit et de Jurisprudence, 1951. t. I, p. 5).

Das espécies 42

Para o autor mencionado, a ideia de culpa estava umbilicalmente conectada à obrigação76.

A responsabilidade civil fundamentada na culpa é a regra geral e, neste sentido, apesar do sistema dualista instituído pelo atual Código Civil, Rui Stoco defende que responsabilidade civil está fincada na culpa77, e seus elementos são:

a) a ação, que pode ser positiva ou negativa, ou seja, praticar uma conduta ou deixar de praticar uma conduta que tinha o dever legal de agir e não o fez. A legislação prevê ainda casos em que a ação pode ser de terceiros ou de coisas sob sua responsabilidade; b) o dano, que é o prejuízo causado a outrem que pode atingir os bens, a expectativa de ganho, de integridade física, moral e psíquica, a perda de uma oportunidade, saúde entre outros, entretanto, não qualquer dano78; c) o nexo de causalidade ou nexo causal79, sendo o elo de ligação entre a ação e o dano produzido; e, por último, d) a culpa (culpa e dolo)80.

76 “Impossibilité de definir la faute sans partir de la notioin de la devoir.” Tradução livre: “Impossibilidade de definir a culpa sem partir da noção de dever.” Traité de la responsabilité civile,. cit., p. 7. 77 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 1999. p. 79. 78 “O âmago da responsabilidade está na pessoa do agente, e seu comportamento contrário a direito. A norma legal alude ao dano causado, mas não é um dano qualquer, porém aquele que se liga à conduta do ofensor” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 32). 79 Gisela Sampaio da Cruz lembra que na responsabilidade civil o nexo causal possui dupla função: a primeira em atribuir a alguém a conduta danosa e a segunda verificar da extensão do dano. (CRUZ, Gisela Sampaio. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 22). 80 SANTOS, Romualdo Baptista dos. Teoria geral da responsabilidade civil. In: ARAÚJO, Vaneska Donato de (Coord.) Direito civil: responsabilidade civil, cit., p. 38. “A culpa em sentido amplo se subdivide em dolo e culpa em

Das espécies 43

A responsabilidade civil subjetiva não foi capaz de dar

uma resposta para todas as situações existentes relacionadas aos pedidos de indenizações, pois o dever de provar a culpa do causador do dano acaba por deixar muitos lesados sem indenização, até mesmo em razão de uma desigualdade financeira que pudesse existir81.

Do lado oposto da responsabilidade civil subjetiva encontra-se a responsabilidade civil sem culpa. Também conhecida como responsabilidade objetiva, ocorre quando a legislação não exige a prova da culpa, que se torna de menor relevância.

Na responsabilidade civil objetiva busca-se apenas um nexo de causalidade entre o dano e o fato, não se discute o

sentido estrito. Quando a conduta é qualificada pela intenção de lesionar, há dolo, quando a conduta e destituída dessa intenção, há culpa em sentido estrito. Em suma, o dolo se caracteriza pela vontade dirigida à produção de um resultado ilícito, ao passo que a culpa tem por característica o descumprimento de um dever de cuidado. A distinção entre dolo e culpa em sentido estrito tem grande importância para o Direito Penal, que pune de maneira diversas cada uma dessas espécies de conduta. Na vigência do Código Civil de 1916, considerava-se irrelevante essa distinção para fins de responsabilidade civil, dado que o agente respondia igualmente pela conduta, desde que fosse culposa em sentido amplo. Mas o Código atual restabeleceu a importância do debatem, ao estabelecer que o juiz poderá reduzir equitativamente o valor da indenização tendo em vista o grau de culpa do agente” (CC, art. 944, parágrafo único). 81 No mesmo sentido, Maria Celina Bodin de Moraes explica que “a evolução econômica e social tornara claro que a tradicional responsabilidade subjetiva era insuficiente, qualitativa e quantitativamente, para tutelar diversas espécies de relações jurídicas próprias da sociedade industrializada. Na nova realidade social, a reparação da vítima não poderia depender da prova impossível que identificasse quem, de fato, agiu de forma negligente para estabelecer a reparação de danos injustamente sofridos. (MORAES, Maria Celina Bodin de. Risco, solidariedade e responsabilidade objetiva. Na medida da pessoa humana: estudos de direito-civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 391).

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elemento culpa. É uma resposta para aqueles casos que ficaram sem reparação, pois muitas vezes o critério culpa impedia a indenização. Roberto Senise Lisboa trabalha de igual forma, uma vez que ensina que a responsabilidade civil objetiva “é aquela que é apurada independentemente de culpa do agente causador do dano (...)”82.

Como na teoria do risco, ou seja, pelo fato de agir a pessoa que cria riscos para a outrem, se os danos se concretizarem, deve ser responsabilizada pelos danos causados, independentemente de negligência, imprudência ou dolo. Carlos Roberto Gonçalves alerta que, “nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida por lei. Em outros, é de todo prescindível”83.

No Brasil, um dos primeiros a defender a responsabilidade civil independente de culpa foi Alvino Lima, com sua tese “Da Culpa ao Risco” (1938), que mais tarde foi publicada pela Editora Revista dos Tribunais.

Importante destacar que essa modalidade de responsabilidade civil não é algo novo, uma vez que, conforme já exposto, as primeiras “legislações” (Direito Hebreu, Código de Hamurabi, Código de Manu e Direito Romano) já faziam uso dela. No Código Civil, o respaldo da responsabilidade civil objetiva encontra guarida no parágrafo único do art. 927, que determina:

Art. 927. (...). Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando atividade normalmente desenvolvida pelo

82 LIBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2: Direito das obrigações e responsabilidade civil, p. 275. 83 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, cit., 6. ed., 1995, p. 18.

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autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem84.

Serão apuradas também desprezando o elemento

culpa as situações previstas nos arts. 929, 930 e 936 a 938 do Código Civil. Essa teoria se preocupa em primeiro lugar com a indenização da vítima e depois com a conduta do agente, e a culpa se torna presumida.

4.3 Responsabilidade civil e a teoria do risco

A terminologia risco está relacionada ao perigo, à

existência de uma probabilidade de dano. Dessa forma, a teoria do risco ensina que aquele que exerce uma atividade perigosa deve assumir os riscos e reparar os danos que porventura aquela atividade causar. Dessa forma, essa teoria dispensa o elemento culpa na responsabilidade civil. Flávio Tartuce enumera as principais modalidades da teoria do risco existentes no país:

– Teoria do risco administrativo: adotada nos casos de responsabilidade objetiva do Estado (...). – Teoria do risco criado: presente nos casos em que o agente cria o risco, decorrente de outra pessoa ou de uma coisa. (...). – Teoria do risco atividade (ou risco profissional): quando a atividade desempenhada cria riscos a terceiros, aos direitos de outrem (...). – Teoria do risco-proveito: adotada nas situações em que o risco decorre de uma atividade lucrativa, ou seja, o agente retira um proveito do risco criado (...).

84 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 6 maio 2016.

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– Teoria do risco integral: nessa hipótese não há excludente de nexo de causalidade ou responsabilidade civil a ser alegada (...)85. Sobre a temática, José Cretella Júnior escreve que: a culpa é vinculada ao homem, o risco é ligado ao serviço, à empresa, à coisa, ao aparelhamento. A culpa é pessoal, subjetiva; pressupõe o complexo de operações do espírito humano, de ações e reações, de iniciativas e inibições, de providências e inércias. O risco ultrapassa o círculo das possibilidades humanas para filiar-se ao engenho, à máquina, à coisa, pelo caráter impessoal e o objetivo que o caracteriza86.

A responsabilidade civil sem culpa foi introduzida no direito brasileiro por meio de legislações especiais, como com o Decreto n. 2.681/2012 (Lei de Estradas de Ferro87). O Código Civil de 1916 inclusive já previa de forma tímida a responsabilidade civil objetiva88, mas foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que a teoria do risco se consagrou em território brasileiro, no sentido de não deixar que os danos produzidos deixem de ser indenizados, pela

85 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. v. 2. p. 487. 86 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 2, p. 1019. 87 BRASIL. Decreto n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912. Lei de Estrada de Ferros. Disponível em: <http:// www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1910-1919/decreto-2681-7-dezembro-1912-578354-publicacaooriginal-101207-pl.html>. Acesso em: 1º dez. 2016. 88 BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil brasileiro. “Art. 1.529. Aquele que habitar uma casa, ou parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas que dela caírem ou forem lançadas em lugar indevido.” Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1910-1919/lei-3071-1-janeiro-1916-397989-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 1º dez. 2016.

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impossibilidade de se provar a conduta negligente ou imprudente do causador do dano, até mesmo influenciada pelos princípios da solidariedade social e da justiça distributiva, previstos nos incisos I e III do art. 3º da Constituição89.

Esse novo posicionamento da Constituição Federal de 1988 acabou por gerar frutos no Código de Defesa do Consumidor, que adotou a teoria da responsabilidade civil objetiva do fornecedor de produtos ou serviços, como no Código Civil de 2002, que prevê no parágrafo único do art. 927 a responsabilidade civil objetiva para os casos previstos expressamente em lei como para aqueles que desenvolvem atividades de riscos90.

89 Nesse sentido, Gustavo Tepedino proclama que “Com efeito, os princípios da solidariedade social e da justiça distributiva, capitulados no art. 3º, incisos I e III, da Constituição, segundo os quais se constituem em objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, não podem deixar de moldar os novos contornos da responsabilidade civil. Do ponto de vista legislativo e interpretativo, retiram da esfera meramente individual e subjetiva o dever de repartição dos riscos da atividade econômica e da autonomia privada, cada vez mais exacerbados na era da tecnologia. Impõem, como linha de tendência, o caminho da intensificação dos critérios objetivos de reparação (...)”. TEPEDINO, Gustavo. A evolução da responsabilidade civil no direito brasileiro e suas consequências na atividade estatal. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 191-216. 90 Regina Beatriz Tavares da Silva entende que “a teoria que melhor explica a responsabilidade objetiva é a teoria do risco criado, adotada pelo novo Código Civil, pela qual o dever de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente, que cria risco a direitos ou interesses alheios. Nesta teoria, não se cogita de proveito ou vantagem para aquele que exerce a atividade, mas da atividade em si mesma que é potencialmente geradora de risco a terceiros”. SILVA, Regina Beatriz Tavares. Comentário ao art. 927. In: FIUZA, Ricardo (Coord.). Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 820.

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4.4 Responsabilidade civil e penal

Enquanto ato ilícito, não existe diferença entre o

ilícito civil e o penal, pois ambos estão infringindo a lei. Sobre o ilícito civil e o ilícito penal, Bentham, com sensibilidade aguçada, expõe que (...) poderiam ser colocadas sobre um mesmo plano, sobre um só mapa-múndi, pelo que não há falar-se em diferença ontológica entre ilícito civil e penal (...)”91, contudo, existem algumas distinções entre elas, sendo a principal com relação ao bem tutelado e à intensidade da sanção.

No campo da responsabilidade civil há uma preocupação com a ordem social da mesma forma que ocorre no palco da responsabilidade penal, todavia, na primeira essa ansiedade é um pouco menor, apesar de existir violação ao direito de um cidadão, talvez em razão do interesse tutelado, já que no ilícito penal trata-se do interesse público. Por sua vez no ilícito civil o direito lesado é o privado, caso em que aquele que sofreu o dano poderá ou não pleitear indenização.

A responsabilidade civil busca a reparação dos danos e restabelecer o patrimônio da vítima, nem que para isso seja expropriado os bens do causador do prejuízo. Quando isso ocorre, é possível muitas das vezes identificar duas das funções da indenização: a primeira compensatória, na qual o ofendido é reparado e/ou compensado pelo dano sofrido; e a segunda punitiva, em que o agente que causou o prejuízo é punido em repará-lo. Com isso, não apenas o causador do dano, mas também a sociedade é alertada no sentido de que todo dano causado deve ser ressarcido, o que seria a terceira função da responsabilidade civil.

Por seu turno, a responsabilidade penal não se importa com o ressarcimento do dano, mas sim com a paz

91 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 25.

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social, imputando pena ao causador do ilícito. No ilícito penal, não existe a possibilidade do retorno ao status quo ante; por outro lado, no ilícito civil busca-se em primeiro lugar restabelecer a situação como se encontrava antes do dano sofrido. Para Sérgio Cavalieri Filho não foram encontradas diferenças substancias entre essas modalidades de responsabilidade92, e no entender de José de Aguiar Dias apenas as condições em que elas surgem são diferentes, uma vez que as normas de direito penal são mais rígidas93. Ao fazer a distinção entre as responsabilidades civil e penal, ainda José de Aguiar Dias lembra que:

para efeito de punição ou da reparação, isto é, para aplicar uma ou outra forma de restauração da ordem social é que se distingue: a sociedade toma à sua conta aquilo que a atinge diretamente, deixando ao particular a ação para restabelecer-se, à custa do ofensor, no statu quo anterior à ofensa. Deixa, não porque se não impressiona com ele, mas porque o Estado ainda mantém um regime político que explica a sua não intervenção. Restabelecida a vítima na situação anterior, está desfeito o desequilíbrio experimentado94.

92 “Por mais que buscassem, os autores não encontraram uma diferença substancial entre o ilícito civil e o penal. Ambos, como ficou dito, importam violação de um dever jurídico, infração da lei. Beling já acentuava que a única diferença entre a ilicitude penal e a civil é somente de quantidade ou de grau; está na maior ou menor gravidade ou imoralidade de uma em cotejo com outra. O ilícito civil é um minus ou residum em relação ao ilícito penal. Em outras palavras, aquelas condutas humanas mais graves, que atingem bens sociais de maior relevância, são sancionadas pela lei penal, ficando para a lei civil a repressão das condutas menos graves” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 14). 93 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense. 10. ed. 1997, p. 8. 94 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, cit., 4. ed., p. 8.

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Enquanto na responsabilidade civil qualquer ação

(positiva ou negativa) pode gerar o dever de indenizar, desde que previstos os elementos, conforme determina o art. 186 do Código Civil95, na responsabilidade penal a conduta ilícita tem que estar tipificada expressamente no Código Penal.

Importante lembrar também que existe independência entre a responsabilidade civil e a penal, tanto que o art. 925 do Código Civil faz justamente essa ressalva.

Quanto à imputabilidade também há diferença: enquanto a legislação civil prevê casos em que o menor de 18 anos responde com seu patrimônio pelos danos causados a outrem, na seara penal, o menor não responde criminalmente e está sujeito apenas às medidas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por fim, no campo civil se o causador da lesão não indenizar o dano causado, terá seu patrimônio confiscado para arcar com os prejuízos gerados; por outro lado, por não pagar a indenização que porventura seja condenado; por outro lado, no ilícito penal o indivíduo poderá ter sua liberdade restringida. Dessa forma, o ilícito penal é considerado pela sociedade de maior gravidade em relação ao ilícito civil.

95 “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 maio 2016.

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DAS FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL Podem-se resumir as funções da responsabilidade civil

naquela de restituir in natura o bem ofendido, ou seja, ser gerada uma situação como se a ação danosa não tivesse ocorrido, retornando ao status quo ante, ocorrendo uma reparação integral do dano, evitando inclusive que o causador dano pague por um valor superior ao dano produzido e que do mesmo modo o fato danoso gere enriquecimento ilícito. O que lesado e sociedade esperam é que o causador do dano pague por ele96.

André Tunc destaca que o instituto da responsabilidade civil trata “do instrumento que garante a manutenção de um equilíbrio entre a liberdade do homem e seus poderes e deveres sociais”97. Trata-se de uma sociedade de iguais, pessoas com igualdade de liberdade, igualdade de direitos e igualdade de deveres. Assim sendo, todos devem respeitar ao menos a liberdade e os direitos dos outros, evitando, com isso, causar prejuízo injustamente ao seu semelhante, pois estar-se-á diante de uma sociedade igualitária.

Com o fundamento de que todos são iguais perante a lei, toda vez que um indivíduo sofre dano em seu patrimônio, este

96 Nesse sentido, José de Aguiar Dias lembra que “É uma forma de restabelecer esse equilíbrio em cuja conservação se interessa essencialmente uma civilização avançada que receia a decadência. É também o modo de satisfazer, para cada membro da sociedade, sua aspiração de segurança comprometida e ameaçada pela vida moderna” (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 16). 97 TUNC, André. La responsabilité civile. 2. ed. Paris: Economica, 1989. p. 23, n. 22: “l’instrument qui permet de maintenir um equilibre entre la liberte de l’homme et ses pouvoirs et devoirs sociaux”.

Das funções da responsabilidade civil 52

deve ser restabelecido ao status quo ante, evidenciada, com isso, a função tríplice da responsabilidade civil: reparatória ou compensatória para o lesado, a punitiva para o causador do dano e a pedagógica para a sociedade. Clayton Reis afirma que:

o ofensor receberá a sanção correspondente consistente na repreensão social, tantas vezes quantas forem suas ações ilícitas, até conscientizar-se da obrigação em respeitar os direitos das pessoas. Os espíritos responsáveis possuem uma absoluta consciência do dever social, posto que, somente fazem aos outros o que querem que seja feito a eles próprios. Estas pessoas possuem exata noção de dever social, consistente em uma conduta emoldurada na ética e no respeito aos direitos alheios. Por seu turno, a repreensão contida na norma legal tem como pressuposto conduzir as pessoas a uma compreensão dos fundamentos que regem o equilíbrio social. Por isso, a lei possui um sentido tríplice: reparar, punir e educar98.

Sobre as funções da responsabilidade civil,

historicamente já se viu a punição do culpado, inclusive com pena de morte, como em alguns casos previstos no Código de Hamurabi. Da vingança da vítima realizada pelos membros do grupo e mais tarde pela própria vítima, quando fosse possível, aquela foi a época marcada pelo “olho por olho e dente por dente”99. Outras funções são a reparatória ou compensatória da vítima, para que, mediante pagamento, ela não arque com os prejuízos sofridos, e a função preventiva, no sentido de

98 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 78-79. 99 ALSINA, Jorge Bustamante. Teoria general de la responsabilidade civil. 9. ed. Buenos Aires/Argentina: Editora La Ley, 1999. p. 27. “Nas sociedades primitivas todo dano causado às pessoas ou bens de outros despertavam na vítima o instinto de vingança. O homem respondia a um instinto natural de devolver o mal pelo mal que havia sofrido. Era uma reação absolutamente espontânea”.

Das funções da responsabilidade civil 53

constranger as pessoas a terem comportamento perigoso que possa gerar danos a terceiros. Já a função pedagógica tem por finalidade ensinar à sociedade que quem causar dano injusto a outrem será compelido a indenizar, servindo de exemplo para que ninguém aja dessa forma.

No entender do doutrinador italiano Pier Giuseppe Monateri o instituto jurídico “responsabilidade civil” possui várias funções, e, nenhuma delas pode explicar sozinha o caminhar da jurisprudência italiana no que diz respeito ao ilícito civil, destacando que as três principais funções como sendo a compensatória, a sancionatória e a preventiva100.

5.1 A função reparatória ou compensatória da vítima

Para Antônio Soares Amora, reparação significa “1.

Ato ou efeito de reparar; conserto, restauração, reforma. 2. Indenização; 3. Satisfação que se dá a alguém, por ofensas ou injúrias”101. No entender de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o termo reparação está relacionado a uma “satisfação dada à pessoa ofendida ou injuriada”102. Reparação, na acepção jurídica da palavra,

exprime o ressarcimento, a indenização ou a retribuição pecuniária devida pelo dano que se tenha causado a alguém. A reparação, nesse aspecto, não se furta ao sentido de restabelecimento ao estado anterior ou recomposição da coisa para que fique como era anteriormente – traz a

100 MONATERI, Pier Giuseppe. Natureza e finalidades da

responsabilidade civil. Tradução de Flávio Tartuce e Giuliana Giannessi. Revista de Direito Civil do IBDCIVIL (prelo). 101 AMORA, Antônio Soares. Minidicionário Soares Amora da língua portuguesa, cit., p. 759. 102 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio – o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1.743.

Das funções da responsabilidade civil 54

função de restabelecer uma situação, que se modificado, em virtude do prejuízo ou do dano causado103.

Pier Giuseppe Monateri ensina que “naturalmente, a

primeira função das regras de responsabilidade civil é sempre a de determinar quando uma compensação é reputada necessária”104.

A reparação é necessária nos casos de danos materiais, pois muitas vezes é possível a restauração do objeto ou a substituição daquele por outro. Não sendo possível, em nenhuma das situações o bem lesado será substituído pelo seu valor correspondente, conforme dispõe o art. 947 do Código Civil, sendo aquela a forma ideal, pois restabelece a situação anterior ao fato danoso. Trata-se da restituição in integro ou recomposição natural. Essa é a principal função da responsabilidade civil, ou seja, a vítima deve ser reparada pelo causador do dano.

Cabe ao Estado garantir que a pessoa lesada em razão de um ato ilícito seja protegida e tenha condições de ser reparada pelos danos sofridos. Mencionada reparação ocorre para que não surja desarmonia social105 e, no mesmo sentido, Pontes de Miranda defendia que o dano causado a um homem não atinge apenas o lesado, mas também a ordem social106, e fere toda a sociedade.

O mínimo que a sociedade e a vítima podem esperar após o fato danoso é a indenização integral. Da mesma forma, João Casillo destaca que:

103 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. v. III, p. 97. 104 MONATERI, Pier Giuseppe. Natureza e finalidades da responsabilidade civil. Tradução de Flávio Tartuce e Giuliana Giannessi. Revista de Direito Civil do IBDCIVIL (prelo). 105 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral, cit., p. 60. 106 PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito civil privado: parte especial. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958. v. 15, t. XXII, p. 42.

Das funções da responsabilidade civil 55

o que se busca, após a ocorrência do dano, é a restitutio in integrum, que os romanos já conheciam proclamando: restitutio in integrum in genere sic solt definiri: Ut sit pristini status amisi recuperatio – a integral restituição assim pode ser definida: que seja a recuperação do estado primitivo perdido107.

Por sua vez, a compensação ocorre quando o

patrimônio lesado forem os bens morais108, pois nesses casos é impossível o remendo ou a reforma, e o valor a ser recebido servirá apenas, quando muito, para amenizar a aflição, a dor e a angústia, na tentativa de gerar um sentimento de contentamento na vítima, de que o agressor não ficou impune. Para Maria Belén Sáinz-Cantero Caparrós, “(...) a indenização do dano moral tem como única função a compensatória”109. O direito violado acaba sendo suprido pelo valor pecuniário.

Clóvis Beviláqua fazia duras críticas a essa substituição do direito pelo dinheiro: “é por uma necessidade dos nossos

107 CASILLO, João. Dano à pessoa e a sua indenização. 2. ed. São Paulo: RT, 1994. p. 84. 108 “Si atribuimos a la palabra ‘indemnización’ una acepción puramente económica, entendiendo por ella la función equivalencial o de medida de valor del dinero, la misma no es utilizable cuando se trata de reparación de los daños morales. Pero esta acepción no es la propia de nuestro idioma, en cual aquella es sinónima de la ‘resarcimiento’, y ambas a su vez equivalentes a las de ‘reparar’ o ‘compensar’ un daño, agravio o perjuicio. Por tanto, no es acertada la opinión de ROCES cuando quiere identificar indemnización con ‘tasación en dinero de daños exclusivamente patrimoniales’, y reduce injustificadamente a este campo la función ‘equivalencial’ de la indemnización. En definitiva, este concepto puede ser utilizado dándole el mismo sentido que corrientemente se atribuye al de ‘satisfacción’ del ofendido como preferentemente aplicable a la reparación de los daños Morales, y creemos no tienen razón de ser los escrúpulos doctrinales para aplicar aquella palabra a estos daños.” BRIZ, Jaime Santos. La responsabilidade civil. 7. ed. Madrid/Espanha: Editorial Montecorvo, 1993. p. 178. 109 CAPARRÓS, Maria Belén Sáinz-Cantero. La reparación del daño ex delicto. Granada/España. Editorial Comares, 1997. p. 113.

Das funções da responsabilidade civil 56

meios humanos, sempre insuficientes e, não raro, grosseiros, que o direito se vê forçado a aceitar que se computem em dinheiro o interesse da afeição e os outros interesses morais”110. Por outro lado, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto ensinam que “(...) quanto ao ressarcimento, este assume a finalidade de neutralizar as consequências do ilícito”111.

A neutralização das consequências do ilícito pode ocorrer quando o prejuízo alcança o patrimônio material da vítima. No caso do patrimônio moral, isso é raro de se efetivar, por exemplo: o sofrimento pela morte de um filho por erro médico dificilmente cessará em razão de indenização pecuniária, ou seja, quando a violação é referente ao patrimônio moral do ofendido, não existe a possibilidade de repor o status quo ante, e qualquer que seja a indenização jamais vai haver uma reparação completa.

Não existe unanimidade nem na doutrina nem na jurisprudência pátria sobre a função da indenização por danos morais. A espanhola Maria Belén Sáinz-Cantero Caparrós112 defende que a indenização por dano moral só tem uma função, a de compensar o dano, contudo, esse não é o posicionamento das cortes brasileiras, para as quais compensar o dano moral é uma das funções desse tipo de ação.

110 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados dos Estados Unidos do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1921. v. 1, p. 309. 111 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de direito civil: responsabilidade civil, cit., 2. ed., 2015, v. 3, p. 39. 112 CAPARRÓS, Maria Belén Sáinz-Cantero. La reparación del daño ex delicto. Granada: Editorial Comares, 1997. p. 113.

Das funções da responsabilidade civil 57

5.2 A função punitiva ao causador do dano

Em todo momento da História a sociedade utilizou-

se de meios (penas) para punir113, começando nas sociedades primitivas114, passando pela Idade Média e chegando aos dias atuais, desde os países mais democráticos de direito, com grande liberdade, aos que são regidos por leis religiosas severas115. Nesse mesmo sentido, o italiano Mauro Peirone destaca que:

os danos punitivos não são uma novidade dos países da Commom Law, mas estão entre as regras mais antigas da História do Direito: encontram-se de fato os traços já no

113 Escreveu com precisão Yvonne Lambert-Faivre que “a necessidade de vingança, primitiva e instintiva, representa para o coração do homem um a integridade corporal a toda hora, que representa um dano supremo cuja punição tem que se correspondente à perturbação social e ao prejuízo individual causado. A lei de Talião ‘olho por olho, dente por dente’ demonstra um símbolo arcaico de equilíbrio místico e quase-religioso entre a vítima e o responsável”. LAMBERT-FAIVRE, Yvonne. Droit du dommage corporel. 3. ed. Paris: Dalloz, 1996. p. 20. 114 Código de Hamurabi. “Art. 1º Se alguém acusa um outro, lhe imputa um sortilégio, mas não pode dar a prova disso, aquele que acusou, deverá ser morto”. Disponível em: <http://dhnet.org.br/direitos/anthist/hamurabi. htm>. Acesso em: 12 maio 2016. 115 De acordo com as lições de Soares Martinez, “a vingança privada é também comum no direito germânico, com sequelas por toda a Idade Média, e par além dela, assim como no direito muçulmano. Segundo o Corão, quando um homem é morto injustamente, o seu próximo tem o poder de vinga-lo (Surata XVII), maneira usada, para vingar a morte e a desonra de parentes, tendo-a proibido, pelos malefícios que daí advinham. Mas tal usança foi difícil de remover, posto que repetidamente se legislou, no mesmo sentido, sobre a matéria. A vingança privada pressupõe uma ofensa directa também privada. Por isso, tratando-se de delitos de traição, de apostasia, de heresia e outros, pelos quais todos seriam ofendidos, mas ninguém particularmente, em especial, a punição cabia à comunidade”. MARTINEZ, Soares. Filosofia do direito. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1995. p. 570.

Das funções da responsabilidade civil 58

Código de Hamurabi de 2000 a.C. Outros exemplos são encontrados durante o império babilônio, nos anos 2800 a 1000 a.C., assim como nas leis Hititas, em 1400 a.C., no Código de Manu concebido pelos Hindus nos anos 200 a.C. Mesmo nas culturas egípcias e gregas existiam casos de danos punitivos, assim como no Antigo Testamento, referentes a contornos da lei mosaica. Chega-se, assim, ao Direito Romano, pai da tradição jurídica da Europa Continental e dos países da Civil Law. O exemplo ilustre nessa cultura se refere ao delito de furto, punido com um a condenação no valor de quatro vezes o do objeto furtado. É interessante notar, antes de tudo, que o ressarcimento deveria ser in natura, depois, em um segundo momento, a pena passou a ser pecuniária. Por outro lado, ainda que o ressarcimento fosse concedido por inteiro ao prejudicado, as ações vinham definidas por Justiniano como mistas porque para o simples as ações eram civis e para o triplo eram penais116.

Com a punição busca-se castigar o ofensor para que

não volte a cometer o ato danoso117. Clayton Reis afirma que “o sentido punitivo objetiva, dessa forma, refrear os impulsos

116 PEIRONE, Mauro. I danni punitivi, apud VAZ, Caroline. Funções da responsabilidade civil: da reparação à punição e dissuasão: os punitive damages no direito comparado e brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 41-42. 117 “A satisfação oferecida à ira, ou à caridade, dos ofendidos, em conformidade com a sua psicologia, com a sua personalidade, aparece como correspondente ainda a um critério de justiça. Assim, será, por exemplo, quando o Código Visigótico determina que os adúlteros sejam entregues aos ofendidos, para que façam deles o que quiserem (Livro III, Título IV). As diversas leis visigóticas, no Código projectadas, punindo os delitos sexuais, e, especialmente, o adultério, com dureza extrema, como as outras leis da Antiguidade, da Idade Média, e posteriormente, terão querido, ao mesmo tempo, pôr à prova os próprios ofendidos, conferindo-lhes poderes de julgadores e de carrascos, mas impondo-lhes a responsabilidade da punição.” MARTINEZ, Soares. Filosofia do direito, cit., p. 662.

Das funções da responsabilidade civil 59

antissociais do ofensor, bem como produzir medida exemplar no meio social”118.

No mesmo sentido, Pier Giuseppe Monateri destaca que “a escolha, por alocar o custo subsequente a um certo acidente sobre um sujeito diferente daquele que o sofreu, impõe sobre ele um gravame que pode ser visto como uma sanção do seu comportamento”119. O doutrinador italiano faz um alerta, sobre essa função punitiva:

É claro, todavia, como a concessão sancionatória da responsabilidade civil perde parte do seu fundamento tradicional quando sai do âmbito da responsabilidade por culpa ou dolo. Muitos autores têm, por isso, advertido sobre um enfraquecimento de tal função, a respeito do aumento das hipóteses de responsabilidade objetiva. Também, nesse caso, seja como for, podemos pensar em sistemas mais eficientes de responsabilidade civil, onde sancionar determinados comportamentos. A decisão sobre a alocação do dano tem, na realidade, um evidente aspecto preventivo. Aliás, as regras da responsabilidade civil foram vistas como instrumentos de prevenção geral dos acidentes que tendem a manter um nível otimizado de investimentos em segurança120.

Oscar Ivan Prux afirma que: “um estudo

consciencioso demonstra que a grande maioria dos cidadãos comuns tem hoje acesso a mais bens materiais e serviços que

118 REIS, Clayton. Os novos rumos da indenização do dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 199. 119 MONATERI, Pier Giuseppe. Natureza e finalidades da responsabilidade civil. Tradução de Flávio Tartuce e Giuliana Giannessi. Revista de Direito Civil do IBDCIVIL (prelo). 120 MONATERI, Pier Giuseppe. Natureza e finalidades da responsabilidade civil. Tradução de Flávio Tartuce e Giuliana Giannessi. Revista de Direito Civil do IBDCIVIL (prelo).

Das funções da responsabilidade civil 60

qualquer rei da antiguidade”121. Geralmente as pessoas sonham com isso e buscam a todo custo o acesso ao conforto que o dinheiro pode pagar; alguns sonham com automóveis, motocicletas, imóveis, viagens etc., outros levam uma vida toda para alcançar seus objetivos, todavia, em razão de uma ação de reparação de danos, aquilo que levou anos para conquistar deixa de existir, em razão do pagamento de uma indenização.

A diminuição ou perda do patrimônio pode significar para muitos um castigo, um sofrimento que atinge a alma, uma punição. É provável, que, por isso o legislador tenha entendido que o pagamento pecuniário seria a melhor forma de punir aquele que desobedece às normas e causa danos a terceiros, além de servir de desestímulo para novas ações lesivas.

Em sentido contrário, no que diz respeito à função punitiva da responsabilidade civil, Maria Celina Bodin Moraes apregoa a tempo que:

nosso sistema não deve adotá-lo, entre outras razões, para evitar a chamada loteria forense; impedir ou diminuir a insegurança e imprevisibilidade das decisões judiciais; inibir a tendência hoje alastradiça da mercantilização das relações existenciais122.

No mesmo sentido, Anderson Schreiber123 defende

que a função punitiva na reparação de danos é inadequada.

121 PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do consumidor, cit., p. 28. 122 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 328. 123 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 217.

Das funções da responsabilidade civil 61

A jurisprudência das ações de indenização parece

caminhar no sentido de que a vítima deve ser compensada pelos danos sofridos e, assim sendo, deve-se aplicar um caráter punitivo na condenação como forma de represália ao causador do dano, e a doutrina deve caminhar na mesma direção.

5.3 A função pedagógica

Para Clayton Reis, a condenação exerce sobre o

ofensor um papel de inibidor para novas condutas de atos ilícitos124. E, complementando, o autor afirma que: “a verba satisfativa exerce importante poder de persuasão e educação no espírito do lesionador, de maneira a propiciar a criação de um ambiente de atendimento à regra do preceito romano do neminem laedere”125.

É preciso que a sociedade seja desmotivada a agir de forma negligente, imprudente e até mesmo dolosa, sendo informada de que os fatos danosos serão sempre “reparados” e que ela mesma como um todo acaba perdendo, quando um de seus membros é lesado126.

Por fim, buscam-se novamente os ensinamentos de Clayton Reis, que sentencia que “(...) é inegável que a verba

124 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral, cit., p. 88. 125 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral, cit., p. 89. 126 “A responsabilidade coletiva é um elemento característico da ordem jurídica primitiva e está em estreita conexão com o pensar e o sentir identificadores dos primitivos. A falta de uma consciência do eu suficientemente acusada, o primitivo sente-se de tal modo uno com os membros do seu grupo que interpreta todo o feito por qualquer forma notável, de um membro do grupo como feito do grupo – como algo que nós fizemos; e, por isso, assim como reclama a recompensa para o grupo, assim aceita, de igual modo, a pena como algo que impende sobre todo o grupo.” KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Brasília: Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Martins Fontes, 1990. p. 180.

Das funções da responsabilidade civil 62

indenizatória representa um processo de inibição ao comportamento antissocial do lesionador”127.

Dessa forma, pode-se afirmar que o instituto da responsabilidade civil é capaz de ensinar as pessoas a viver em harmonia na busca de um ideal, ou seja, que todos se respeitem e que não lesem direitos alheios, bastando para isso seguir as regras estabelecidas por Ulpiano: suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu), honeste vivere (viver honestamente) e neminem laedere (não causar dano a ninguém). Por último, não se pode esquecer da cláusula quia peccatum est et ut ne peccetur – puno porque pecou e para que não peques mais.

Para Pier Giuseppe Monateri o ressarcimento na responsabilidade civil trata-se de uma função de desincentivo, e não uma punição para o autor do dano, o doutrinador italiano acredita na existência da função compensatória, descrê na função preventiva128.

127 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral, cit., p. 90. 128 MONATERI, Pier Giuseppe. Natureza e finalidades da responsabilidade civil. Tradução de Flávio Tartuce e Giuliana Giannessi. Revista de Direito Civil do IBDCIVIL (prelo).

6

DO CONCEITO DE ATO ILÍCITO Para uma melhor compreensão do âmbito jurídico, é

indispensável conhecer os conceitos basilares do Direito Privado, que dizem respeito aos conceitos de fato, ato e negócio jurídico129.

De forma sintética, fato é todo acontecimento que acontece no mundo, traga ele ou não consequência jurídica. Ato jurídico (sentido amplo) é todo acontecimento capaz de produzir, modificar ou extinguir direitos, que pode acontecer com ou sem a vontade humana. Por sua vez, negócio jurídico é o fato jurídico que acontece conforme a pretensão da pessoa. O ato jurídico em sentido amplo se subdivide em: a) fatos naturais (ordinários e extraordinários)130; e b) fatos humanos (lícitos e ilícitos)131.

129 TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral, cit., 12. ed., v. 1, p. 333. 130 “Os fatos naturais, também denominados fatos jurídicos em sentido estrito, por sua vez, dividem-se em: a.1) ordinários, como o nascimento e a morte, que constituem respectivamente o termo inicial e final da personalidade, bem como a maioridade, o decurso do tempo, todos de grande importância, e outros; a.2) extraordinários, que se enquadram, em geral, na categoria do fortuito e da força maior: terremoto, raio, tempestade etc.” GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 273. 131 “Lícitos, são os atos humanos a que a lei defere os efeitos jurídicos almejados pelo agente. Praticados em conformidade como ordenamento jurídico, produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos pelo agente. Os ilícitos, por serem praticados em desacordo com o prescrito no ordenamento jurídico, embora repercutam na esfera do direito, produzem efeitos jurídicos involuntários, mas impostos por esse ordenamento (...)”. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral, cit., v. 1, 2003. p. 274.

Do conceito de ato ilícito 64

Considerando que o estudo versa sobre a

responsabilidade civil, neste momento será analisado apenas o ato ilícito. Para isso, apresentar-se-ão alguns conceitos sobre o termo ilícito; na sequência, sua aplicação na jurisprudência; e, finalizando, a temática com os pressupostos do dever de indenizar.

O termo ilícito significa “1. Não lícito; 2. Ilegítimo; 3. Contrário à lei ou à moral”132. Pode-se afirmar que é aquele ato condenado pela sociedade e, uma vez que não é lícito, ocorre à margem da lei. Para Pedro Nunes, ilícito é “Tudo quanto a lei não permite que se faça, ou é praticado contra o direito, a justiça, os bons costumes, a moral social ou a ordem pública, e suscetível de sanção; pacto [...]”133. Complementa o autor que, por sua vez, o ato ilícito “É todo ato voluntário omissivo ou comissivo, de que resulta lesão ao direito de outrem. O mesmo que ato antijurídico. [...]”134.

Tratando-se de ato antijurídico, o ato ilícito não pode ser considerado fato jurídico (ato jurídico em sentindo amplo), uma vez que ato jurídico é aquele praticado de acordo com as formalidades legais e “deve ser necessariamente lícito”135. Lembram Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que a pessoa pode agir contrariamente ao direito e causar prejuízo a outrem, de forma que surge uma categoria própria, denominada ato ilícito.136 Para não deixar dúvidas quanto ao assunto, buscam-se os ensinamentos de Zeno Veloso:

132 AMORA, Antônio Soares. Minidicionário Soares Amora da língua portuguesa, cit., p. 436. 133 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica, cit., p. 478. 134 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica, cit., p. 106. 135 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 11. ed., v. 2, p. 336. 136 GANGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 441.

Do conceito de ato ilícito 65

A nosso ver, embora gerando efeitos jurídicos, o ato ilícito não deve ser chamado de ato jurídico, que, por definição, é lícito. Porém, pelos efeitos jurídicos que enseja, o ato ilícito, sem dúvida, é um fato jurídico (em sentido lato). O ato ilícito, ou contrário ao direito, é jurídico, à medida que provoca um efeito jurídico, fazendo nascer uma responsabilidade civil, base de uma obrigação de ressarcir, de indenizar, a cargo do autor, e de um crédito atribuído à vítima, ao lesado, podendo também dele resultar outra espécie de responsabilidade, a criminal. Mas gera confusão chamar o ato ilícito ‘ato jurídico’, só por causa dos efeitos jurídicos que proporciona. Virtude e crime têm efeitos jurídicos e nem por isto recebem a mesma denominação. E, se nos permitem o exemplo, não se pode, só porque ambas têm asas, e voam, chamar pelo mesmo nome a borboleta e a andorinha137.

Ao conceituar o ato ilícito, Flávio Tartuce esclarece

que

[...] o ato ilícito é o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica violando direitos e causando prejuízos a outrem. Diante de sua ocorrência a norma jurídica cria o dever de reparar o dano, o que justifica o fato de ser o ato ilícito fonte do direito obrigacional.138

Do conceito apresentado, podem-se extrair quatro

elementos do ato ilícito: a) ação, b) culpa, c) nexo causal, d) dano. Esses pressupostos serão abordados no tópico seguinte. Para Carlos Roberto Gonçalves, para quem o “ato ilícito é, portanto, fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. É praticado com infração a um dever de

137 VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 15. 138 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 11. ed., v. 2, p. 324-325.

Do conceito de ato ilícito 66

conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem”139.

Dessa forma, “[...] ato ilícito é ato voluntário e consciente do ser humano que transgrida um dever jurídico. Ato praticado sem consciência do que se está fazendo não pode constituir ato ilícito”, conforme explica Sérgio Cavalieri Filho140.

Aliás, invoca-se a lição, sempre oportuna, de Caio Mário da Silva Pereira, de que no ato ilícito o “indivíduo, na sua conduta antissocial, pode agir intencionalmente ou não; pode proceder por comissão ou por omissão; pode ser apenas descuidado ou imprudente. Não importa. A iliceidade de conduta está no procedimento contrário a um dever preexistente”141.

Percebe-se que Antônio Soares Amora, Pedro Nunes, Sérgio Cavalieri Filho, Caio Mário da Silva Pereira e Rui Stoco142 não mencionam a produção de dano como elemento caracterizador do ato ilícito, posicionamento diferente de Flávio Tartuce, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona

139 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral, cit., 2003. v. 1, p. 445. 140 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, cit., 2. ed., p. 23. 141 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 23. ed. de acordo com o Código Civil de 2002, rev. e atual., por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. I: Introdução ao direito civil: teoria geral do direito civil, p. 560. 142 Para o autor, o legislador cometeu um erro grave, ao estabelecer a produção de um dano para a configuração do ato ilícito, entende que “[...] que a só violação do direito já caracteriza o ato ilícito, independentemente de ter ocorrido dano. Ou seja, o ato ilícito é aquele praticado com infração de um dever legal ou contratual. Violar direito é cometer ato ilícito. A ilicitude está na transgressão da norma”. (STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 9. ed. rev. atual. e reformada com Comentários ao Código Civil. São Paulo: RT, 2013. t. I, p. 166).

Do conceito de ato ilícito 67

Filho e Zeno Veloso, para os quais o dano é um dos elementos do ato ilícito.

Assim sendo, ato ilícito é aquele contrário à norma e pode ser cometido com culpa ou dolo, por comissão ou omissão de uma conduta, que resulta em dano para a vítima, a qual por sua vez deve ser indenizada ou compensada pelo causador daquele. Pode ser originado tanto do descumprimento de uma norma contratual ou da lei e, respectivamente, resulta em um ato ilícito contratual ou extracontratual.

Em outro caso, em que o agente viola um dever preexistente e causa dano a terceiro, segue entendimento de Maria Helena Diniz: “O ato ilícito (CC, art. 186) é praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causa dano a outrem, criando o dever de reparar tal prejuízo (CC, arts. 927 e 944) seja ele moral ou patrimonial (Súmula 37 do STJ)”143. Tal entendimento está em acordo com o art. 186 do Código Civil, uma vez que, para configurar o ato ilícito, é necessária a ocorrência de quatro elementos: ação, nexo causal, culpa e dano.

143 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, cit., 24. ed., v. 1: Teoria geral do direito civil, p. 546.

Do conceito de ato ilícito 68

7

DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Os pressupostos da responsabilidade civil podem ser

identificados no art. 186 do Código Civil: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”144. Do mencionado artigo são retirados os pressupostos da responsabilidade civil: a) ação, b) culpa, c) nexo de causalidade e d) dano. Assim, podendo-se identificar esses quatro elementos em determinado caso, é possível falar-se de indenização.

7.1 Conduta humana (ação e omissão)

O primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil

é a ação. Trata-se da conduta humana, “elemento essencial para a caracterização da responsabilidade civil”145. No mesmo sentido, “o elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária no mundo exterior”146. Conduta, conforme explica Sérgio Cavalieri Filho, trata do “comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências

144 BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 13 maio 2016. 145 MORAES, Carlos Alexandre. Responsabilidade civil das empresas tabagistas, cit., p. 37. 146 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, cit., p. 64.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 70

jurídicas”147. Não é possível tratar de responsabilidade civil sem abordar a conduta humana.

7.2 A culpa em sentido amplo

A culpa em sentido amplo diz respeito à culpa estrita

e ao dolo, sendo que este último “(...) constitui uma violação intencional do dever jurídico com o objetivo de prejudicar outrem”148. Agir com dolo é atuar com o intuito de lesar o patrimônio de outra pessoa, é predisposição a prejudicar, é agir conscientemente na busca do evento danoso.

Alguns legisladores brasileiros, diferentemente dos franceses, que discutiram sobre a definição da culpa em razão do termo faute que dava margem a duas interpretações (falta ou erro), consideravam apenas o aspecto subjetivo149; outros, o aspecto objetivo150. Os primeiros adotaram a noção do ato ilícito, através do art. 186 do Código Civil, estabelecendo que a culpa está ligada a uma ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência151. Pelo mencionado artigo, não há que se falar em indenização, se não for possível identificar o elemento culpa no fato danoso.

Dessa forma, além da ação ou omissão voluntária, a culpa também é um dos elementos da responsabilidade civil, proveniente de conduta negligente ou imprudente, lembrando

147 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, cit., 9. ed., p. 24. 148 TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2013. v. 2, p. 347. 149 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, cit., 13. ed., p. 41. “[...] se o agente podia prever e evitar o dano, se quisesse, agindo livremente”. 150 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, cit., 13. ed., p. 41. “[...] comparando o comportamento do agente a um tipo abstrato. [...]”. 151 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 2011, p. 41-42.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 71

que o conceito de culpa abrange tanto a culpa propriamente dita quanto o dolo. Colabora nesse sentido o conceito de Pedro Nunes, uma vez que para o autor a culpa é a “(...) omissão da diligência necessária de alguém, ou falta de cumprimento do dever jurídico, sem o ânimo de lesar, de que resulta violação do direito de outrem, quando os efeitos da sua inação podiam ser calculados e previstos152. “A culpa se diferencia do dolo, por não revelar a intenção de prejudicar, que caracteriza este (...)”153.

A doutrina menciona várias espécies de culpa, sendo que Luiz Cláudio Silva destaca algumas: a) culpa in custodiendo – ocorre quando alguém fica responsável pela guarda de algum bem, o qual se danifica ou se perde; b) culpa in eligendo – nasce da escolha equivocada de um preposto, em que os danos causados a terceiros por aquele são de responsabilidade de quem escolheu; c) culpa in vigilando – sucede do dever de cuidar e responder pelos danos que aqueles que estão sob sua guarda ou responsabilidade causem a outrem154. Em relação às culpas in vigilando e in eligendo, não há que se falar em culpa, pois se encontram previstas no Código Civil atual nos arts. 932 e 933, uma vez que foi adotada a teoria do risco155.

Continua o mencionado autor: “d) culpa contratual – advém do descumprimento das cláusulas estabelecidas em um contrato, que porventura tenha se obrigado; e) culpa extracontratual – incide do descumprimento de uma norma jurídica; f) culpa presumida – provando o nexo de causalidade entre a ação e o dano, o agente causador do prejuízo é considerado culpado; g) culpa exclusiva – decorre da conduta exclusiva da vítima para a ocorrência do dano; h) culpa

152 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica, cit., p. 281. 153 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica, cit., p. 281. 154 SILVA, Luiz Cláudio. Responsabilidade civil: teoria e prática das ações. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 11-12. 155 TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 8. ed., v. 2, p. 351-352.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 72

concorrente – quando o lesado colabora para o evento danoso156.

Sobre a culpa presumida, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka afirma que, de acordo com o Código Civil atual, essa classificação está desatualizada, pois se encontra respaldo na teoria do risco157.

Por seu turno, Flávio Tartuce faz menção ainda a: a) culpa in comittendo – alistada à imprudência; b) culpa in omittendo – relacionada à negligência; c) culpa in concreto – é analisada de acordo com cada situação; d) culpa in abstrato – considera-se a pessoa comum158.

E, por último, a culpa quanto ao grau: a) grave – pode-se dizer que é a culpa que “não deixa margem para defesa” e é tão grave que a conduta se assemelha ao dolo; b) leve – é a “situação em que a conduta se desenvolve sem a atenção normalmente devida”159 e c) levíssima – “é a falta só evitável

156 SILVA, Luiz Cláudio. Responsabilidade civil: teoria e prática das ações, cit., p. 11-16. 157 “Contudo, o que mais se destaca, talvez, como novidade a ser considerada é a revolução provocada pela nova Lei em matéria de responsabilidade por fato de outrem, pela adoção da teoria do risco-proveito e pelo consequente abandono, enfim, do frágil estragema da inversão do ônus da prova. E assim, o colossal art. 933 do novo Código, em caráter coadjuvante, determina que as pessoas indicadas no artigo antecedente (os pais, o tutor, o curador, o empregador) responderão pelos atos daqueles indicados e a eles relacionados (os filhos menores, os pupilos, os curatelados e os empregados), ainda que não haja culpa de sua parte. Trata-se da tão ansiada transição da culpa presumida e do ônus probatório invertido para uma objetivação efetiva dessa responsabilidade in casu” (destaques do autor) (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta, cit., p. 142). 158 TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 8. ed., v. 2, p. 351. 159 TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 8. ed., v. 2, p. 354.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 73

com atenção extraordinária, com especial habilidade ou conhecimento singular”160.

Apoiada no país por doutrinadores como Orozimbo Nonato, Alvino Lima, Wilson de Melo da Silva e José de Aguiar Dias, entre outros, nasce no Brasil a teoria do risco, fundada na responsabilidade civil sem a necessidade de apurar-se a culpa. Para essa teoria, existindo uma ligação entre a ação (positiva ou negativa) e o dano, não há necessidade de verificar-se a culpa, devendo o causador do evento danoso indenizar a vítima161.

7.3 O nexo de causalidade

O nexo de causalidade “é o liame que une a conduta

do agente ao dano”162. Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto conceituam o nexo causal como a “ligação jurídica realizada entre a conduta ou atividade antecedente e o dano, para fins de imputação da obrigação ressarcitória”163.

O nexo de causalidade ou nexo causal é também um pressuposto da responsabilidade civil, elemento que fica entre a conduta e o dano e serve para fazer a conexão entre a ação e o prejuízo gerado. Trata-se da conexão entre a causa e o efeito, segundo a qual o surgimento do dano está condicionado a uma conduta. É elemento indispensável para a caracterização da responsabilidade civil, que dispensa a

160 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, cit., 13. ed., p. 572. 161 MORAES, Carlos Alexandre. Responsabilidade civil das empresas tabagistas, cit., p. XX. 162 VENOSA, Silvio de Salvo. Responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 56. 163 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de direito civil: responsabilidade civil, cit., 2. ed., 2015, v. 3, p. 367.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 74

culpa, mas não o nexo causal164. Aparentemente simples, mas Miguel Maria de Serpa Lopes alerta quanto à complexidade do assunto:

Uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera aparência, porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um aspecto profundamente filosófico, além das dificuldades de ordem prática, quando os elementos causais, os fatores de produção de um prejuízo, se multiplicam no tempo e no espaço165.

Em razão desse aspecto filosófico, o nexo de

causalidade torna-se um dos elementos mais difíceis de serem apontados na responsabilidade civil. O nexo causal é o artefato que une de forma coesa o dano ao ato ilícito e, por isso, gera prejuízo à vítima166. Dessa forma, é o elemento que possibilita a indenização, pois existe a relação entre a conduta e o dano. Discorrendo sobre o tema, Maria Helena Diniz é precisa na medida em que pontifica:

o vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será

164 VENOSA, Silvio. Direito civil. Responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. IV, p. 39. 165 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: fontes acontratuais das obrigações e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. v. V, p. 218. 166 ASSIS NETO, S. J. Dano moral e aspectos jurídicos. Doutrina, legislação, jurisprudência e prática. São Paulo: Bestbook, 1998. p. 98.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 75

necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência167.

Dos conceitos apresentados, fica evidenciada a

necessidade de se provar o nexo causal, caso contrário, não há que se falar em indenização. Apesar da conduta e da produção de um dano, o lesado fica sem ser reparado ou indenizado.

São três as teorias explicativas do nexo de causalidade ou nexo causal: a) teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non)168; b) teoria da causalidade adequada169; e c) teoria da causalidade direta ou imediata170. Na primeira teoria, a

167 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, cit., v. 7: Responsabilidade civil, p. 96. 168 TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre a cláusula penal compensatória. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. t. II, p. 67. “(...) considera-se, assim, que o dano não teria ocorrido se não fosse à presença de cada uma das condições que, na hipótese concreta, foram identificadas precedentemente ao resultado danoso.” 169 TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 8. ed., v. 2, p. 360. “[...] teoria desenvolvida por Von Kries, pela qual se deve identificar, na presença de uma possível causa, aquela que, de forma potencial, gerou o evento danoso. Na interpretação deste autor, por esta teoria, somente o fato relevante ou causa necessária para o evento danoso gera a responsabilidade civil, devendo a indenização ser adequada aos fatos que a envolvem”. 170 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências, cit., p. 356. “A Escola que melhor explica a teoria do dano direto e imediato é a que se reporta à necessariedade da causa. Efetivamente, é ela que está mais de acordo com as fontes históricas da teoria do dano, como se verá. (...) Suposto certo dano, considera-se causa dele a que lhe é próxima ou remota, mas com relação a esta última, é mister que ela se ligue ao dano, diretamente. Assim, é indenizável todo dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa

Dos pressupostos da responsabilidade civil 76

causa do evento danoso é resultado de todas as causas necessárias e, na falta de uma daquelas, o episódio não existiria; assim sendo, todas as condições são equivalentes. Para a segunda teoria, as causas não são análogas e sempre vai existir uma causa principal para o evento danoso. Por último, a teoria defende que é a causa mais remota que deve determinar o fato danoso e não há mais próxima. Não existe unanimidade nem na doutrina nem na jurisprudência quanto à teoria adotada pelo Código Civil brasileiro.

Parte da doutrina entende que foi adotada a teoria do dano direto e imediato, defendida entre outros por Gustavo Tepedino e Gisela Sampaio da Cruz. Sustentado com fundamento no art. 403 do CC171, é também posicionamento de Carlos Roberto Gonçalves172, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho173.

Por outro lado, Flávio Tartuce174 e Sérgio Cavalieri Filho175 entendem que a Lei Civil abraçou a teoria da causalidade adequada, “eis que a indenização deve ser adequada aos fatos que a cercam”176, com base nos arts. 944 e 945 do Código Civil177.

necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da execução.” 171 TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 8. ed., v. 2, p. 360. 172 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, cit., 13. ed., p. 623. 173 GANGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, cit., 5. ed., v. III, p. 93. 174 TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 8. ed., v. 2, p. 360 175 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, 2. ed., p. 51-53. 176 TARTUCE, Flávio. Direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 8. ed., v. 2, p. 360 177 Enunciado n. 47 da I Jornada de Direito Civil – “Art. 945: o art. 945 do Código Civil, que não encontra correspondente no Código Civil de 1916, não exclui a aplicação da teoria da causalidade adequada”.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 77

Conforme já afirmado, os tribunais pátrios não são

unânimes quanto à teoria adotada pelo Código Civil atual. Uns afirmam que foi adotada a teoria da causalidade adequada178 e outros, a teoria da causalidade direta ou imediata179, para justificar o nexo de causalidade nas ações que versam sobre a responsabilidade civil.

Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2016. 178 “APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO. ALERGIA. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. (...) 6. O Código Civil adotou a teoria da causalidade adequada para estabelecer a responsabilidade civil do agente, aferida mediante um juízo de probabilidade, a fim de estabelecer se esta era adequada para produzir, por si só, o dano. (...)” (TJRS; AC 0447974-36.2015.8.21.7000; Porto Alegre; Quinta Câmara Cível; Rel. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto; julgamento em 27/04/2016; DJeRS 02/05/2016). Disponível em: <http://www.magisteronline.com.br /mgstrnet/lpext.dll?f=templates&fn=main-hit-j.htm&2.0>. Acesso em: 17 maio 2016. 179 “APELAÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NÃO CONFIGURAÇÃO. (...). A teoria adotada pela maior parte da doutrina e jurisprudência quanto ao nexo causal é a teoria da causalidade direta e imediata. Essa teoria afirma que existe nexo de causalidade apenas quando o dano é efeito necessário de uma causa, quando decorre direta e imediatamente da ação ou omissão do agente. (...)” (TJDF; APL 2014.07.1.034198-4; Ac. 931926; Sexta Turma Cível; Rel. Des. Hector Valverde Santana; DJDFTE 11/04/2016; p. 260). Disponível em: <http://www.magisteronline.com.br/mgstrnet/ lpext.dll?f= templates&fn=main-hit-j.htm&2.0>. Acesso em: 17 maio 2016.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 78

7.4 Dos danos 7.4.1 Considerações iniciais

O Código de Hamurabi (1792-1750 a.C.) é a primeira

codificação de que se tem notícia que aborda o dano e sua reparação de forma expressa. Sua regra geral é que “o forte não prejudicará o fraco”. O Código de Ur-Nammu é a mais antiga legislação que atualmente se tem notícia, todavia, segundo os escritos incompletos que foram encontrados, não era favorável a imposição de multa pecuniária.

No Código de Hamurabi, a reparação do dano estava prevista de forma explícita180 (“Art. 209. Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto”), inclusive através de um valor pecuniário, conforme acontece nos dias atuais181. Da mesma forma, o Código de Manu e o Código de Ur-Nammu previam uma forma de reparação pelos danos causados182.

A legislação atual não faz distinção de se o dano é de grande ou pequena proporção. O Direito se preocupa com qualquer prejuízo causado no patrimônio da vítima, podendo ser de natureza material, moral ou outra qualquer, o importante é que o dano injustamente provocado seja reparado.

180 Sobre o Código de Hamurabi, Wilson Melo da Silva lembra que: “Não obstante, já encontramos, nesse mesmo Código, certos preceitos que, estabelecendo uma exceção ao direito de vindita, ordenava, em favor da vítima, o pagamento de uma indenização, o que denuncia um começo da ideia de que resultou modernamente a chamada teoria da compensação econômica, satisfatória dos danos extrapatrimoniais”. SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 15. 181 REIS, Clayton. Dano moral. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 9-10. 182 REIS, Clayton. Dano moral, cit., 4. ed., p. 13.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 79

7.4.2 O conceito do termo dano

A palavra dano – independentemente de significado

jurídico, de estar atrelada à responsabilidade civil, da discussão de quem causou, se a vítima colaborou ou não para a sua produção – está embutida em um sentido de algo deteriorado, estragado de prejuízo.

Na forma gramatical, Francisco da Silveira Bueno conceitua o dano como o “(...) mal que se faz a alguém; prejuízo ou deterioração de coisa alheia; perda”183. Em sua obra “Dicionário Jurídico”, Pedro Nunes conceitua o termo dano como “(...) Toda ofensa ou diminuição do patrimônio moral ou material de alguém, resultante de delito extracontratual ou aquiliano, ou produzido pela natureza”184. E, completa “Qualquer prejuízo causado, intencionalmente, a determinada pessoa, com a violação do seu direito patrimonial, em consequência de destruição, inutilização ou deterioração da coisa que lhe serve de objeto, ou de lesão física (...)”185.

José de Aguiar Dias, para uma fácil compreensão, simplificou o conceito de dano: para ele, trata-se de uma lesão ao direito.186 Da mesma forma, para Antônio Chaves, trata-se de uma diminuição ou destruição do patrimônio de outrem, “é o mal que se fez a alguém. Prejuízo, deterioração de coisa alheia. Perda”187. Para Clayton Reis, “a noção de dano envolve

183 BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da Língua Portuguêsa, cit., p. 189. 184 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica, cit., p. 288-289. 185 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica, cit., p. 288-289. 186 DIAS, Jose de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 737. 187 CHAVES, Antônio. Tratado de direito civil. São Paulo: RT, 1985. v. III, p. 573.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 80

a ideia de prejuízo, depreciação, deterioração, perda de alguma coisa no sentindo etimológico”188.

Percebe-se que a palavra dano está intimamente ligada à produção de um prejuízo aos bens de terceiro, vítima de um evento danoso189. No entender de Karl Larenz, o dano é uma perda que a vítima não deseja e que atinge o patrimônio, a saúde, a atividade profissional, as expectativas de ganhos e os direitos da personalidade190.

Na falta do dano não há que se falar em responsabilidade civil, a ponto de se afirmar que a doutrina é quase unânime nesse sentido. Entretanto, a título de informação, levanta-se posicionamento divergente: Teresa Ancona Lopez de Magalhães defende a possibilidade da existência da responsabilidade civil sem a produção de dano, quando tratar-se de ameaça ou risco de danos graves e irreversíveis191.

188 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral, cit., p. 3. 189 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, cit., v. 7: Responsabilidade civil, p. 55. “O patrimônio é uma universidade jurídica constituída pelo conjunto de bens de uma pessoa, sendo, portanto, um dos atributos da personalidade e como tal, inatingível, ou melhor, como pondera Fischer, patrimônio é a totalidade dos bens economicamente úteis que se encontram dentro do poder de disposição de uma pessoa”. 190 LARENZ, Karl. Lehrbuch des schuldrechts. 12. ed. Müchen: Bechen, 1979. p. 353, 27, II. 191 “Por tudo que expusemos, concluímos que é perfeitamente possível a responsabilidade civil sem dano (apenas sua ameaça).” MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopes. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 139.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 81

7.5 Da classificação dos danos

Não desconsiderando o posicionamento de Teresa

Ancona Lopes de Magalhães192, o elemento dano, todavia, trata de um dos elementos da responsabilidade civil. Dessa forma, impossível abordar o tema e não tratar do dano e suas espécies, uma vez que, regra geral, produzido o dano, nasce a obrigação de indenizar.

Num passado não muito distante, a indenização aos danos se limitava àqueles considerados materiais, não se apreciando a possibilidade de indenizar nem mesmo o dano moral193, com alegações, entre outras, de que seria impossível mensurar a dor. Essa etapa já foi superada com o advento da Constituição Federal de 1988, todavia, outras espécies de danos foram reconhecidas pelos tribunais pátrios.

São várias as espécies de danos passíveis de indenização: patrimonial (dano emergente e lucro cessante), moral, estético, pela perda de uma chance, entre outros. Para uma melhor compreensão, apresentar-se-ão conceitos e considerações sobre as espécies de danos e algumas decisões relacionadas ao tema, quando possível.

192 MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopes. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil, cit., p. 139. 193 “Quando ainda não se admitia o ressarcimento do dano moral, conceituava-se o dano como sendo a efetiva diminuição do patrimônio da vítima. Hoje, todavia, esse conceito tornou-se insuficiente face do novo posicionamento da doutrina e da jurisprudência em relação ao dano moral e, ainda, em razão de sua natureza não-patrimonial. Conceitua-se, então o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer e trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.” CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, cit., 2. ed., p. 71.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 82

7.5.1 Dano patrimonial, dano emergente e lucro cessante

A doutrina utiliza o termo “dano patrimonial” como

unívoca de “dano material”, todavia, entende-se que a última nomenclatura é a mais apropriada, considerando que patrimônio significa os bens pertencentes a uma pessoa194. Sendo assim, aquele (patrimônio) é constituído de bens materiais e imateriais, uma vez que a vida é o maior patrimônio que uma pessoa possui; dessa forma, seria conveniente aqueles termos (dano patrimonial e dano material) não serem abordados como sinônimos. Entretanto, em razão de a doutrina nacional utilizar-se do termo dano patrimonial, assim será abordado neste trabalho.

No entender de Flávio Tartuce, “os danos patrimoniais ou materiais constituem prejuízos, perdas que atingem o patrimônio corpóreo de uma pessoa natural, pessoa jurídica ou ente despersonalizado”195. O autor destaca ainda que “(...) não cabe reparação de dano hipotético ou eventual, necessitando tais danos de prova efetiva (...)”196.

No mesmo sentido, Sérgio Cavalieri Filho menciona que o dano patrimonial, também chamado de dano material, atinge os bens possíveis de avaliação econômica197.

No caso da lesão a um bem material, não se pode esquecer do que já alertou Clóvis do Couto e Silva, de que a reparação não serve para que o lesado seja agraciado com benefícios e sua condição financeira não pode ser nem menos

194 “[...] 3. Bens materiais ou morais pertencentes a um indivíduo, a uma instituição, a um povo”. (AMORA, Antônio Soares. Minidicionário Soares Amora da língua portuguesa, cit., p. 635). 195 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 11. ed., v. 2, p. 395. 196 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 11. ed., v. 2, p. 395. 197 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, cit., 9. ed., p. 73.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 83

e nem mais do que era antes do fato danoso198, pois, se isso ocorrer, produzir-se-á um desequilíbrio econômico ou um enriquecimento ilícito para com a vítima.

Danos patrimoniais são aqueles que atingem o patrimônio199 material da vítima, por isso, é dano de fácil reparação, uma vez que, não sendo possível voltar ao status quo ante ou a substituição do bem, é facilmente mensurado e consequentemente indenizado em dinheiro, porque possuem valor econômico estabelecido.

No mesmo sentido, Maria Helena Diniz conceitua o dano patrimonial como lesão ao patrimônio de alguém, podendo ser apenas uma deterioração ou até mesmo a perda sua, sendo possível sua avaliação e indenização.200

Superada a fase terminológica, o dano patrimonial pode ser classificado em duas espécies: dano emergente (damnum emergens) e lucro cessante (lucrum cessans), constantes no art. 402 do Código Civil. O dano emergente, conforme expressa o artigo citado, é o que efetivamente a pessoa perdeu, também chamado de danos emergentes ou danos positivos, uma vez que é possível mensurar rapidamente aquela diminuição no patrimônio, podendo ser rápida a recomposição dos prejuízos sofridos201. Trata-se do

198 SILVA, Clóvis do Couto e. O conceito de dano no direito brasileiro e comparado. São Paulo: RT, 1991. n. 1.4, p. 11. 199 Com o mesmo raciocínio, o autor português Antunes Varela estabelece que “O dano patrimonial é susceptível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado, senão diretamente – mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão – pelo menos indiretamente – por meio de equivalente ou indenização pecuniária.” VARELA, Antunes. Das obrigações em geral. 8. ed. Coimbra: Almedina, p. 611. 200 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil..., cit., p. 108. 201 Nesse mesmo sentido, Sérgio Cavalieri Filho destaca que “A mensuração do dano emergente, (...) não enseja maiores dificuldades. Via de regra, importará no desfalque sofrido pelo patrimônio da vítima; será a diferença do valor do bem jurídico entre aquele que ele tinha antes e depois

Dos pressupostos da responsabilidade civil 84

empobrecimento causado na vítima, proveniente da ação danosa.

A segunda espécie trata do lucro cessante. De forma simplificada, é aquilo que a vítima deixou de ganhar em razão do evento danoso. Para Flávio Tartuce, lucros cessantes são os “(...) valores que o prejudicado deixa de receber, de auferir, ou seja, uma frustração de lucro – o que razoavelmente se deixou de lucrar. (...)”202.

Diferente da primeira espécie, em que o dano é algo real e de constatação instantânea, nesta última, não é algo tão simples. Conforme explicam Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto, mensurá-los “(...) é algo mais complexo do que o cálculo dos danos emergentes, pois a sua contabilidade demandará um juízo de razoabilidade no tocante à probabilidade – e não a mera possibilidade – de que o proveito econômico ocorreria se o dano injusto não eclodisse”203.

Daí pode-se concluir que não há critérios preestabelecidos para que os lucros cessantes sejam apurados. O legislador estabeleceu que, ao atribuir o lucro cessante, este deve ser algo possível e não uma presunção de ganho, intepretação que pode ser feita da parte final do art. 402 do Código Civil: “(...) o que razoavelmente deixou de lucrar”. Assim sendo, o lucro cessante diverso do dano emergente que atinge o que pertence à vítima, aquele está porvir, um “evento futuro certo” não se concretizou em razão da conduta injusta,

do ato ilícito. (...)”. CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil. 2. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 72. 202 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 11. ed., v. 2, p. 396. 203 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. v. 3, p. 226.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 85

não trata de mera possibilidade, mas de uma possibilidade de ganho possível de ser quantificado.

O lucro cessante não se confunde com a perda de uma chance – por isso, o tema será abordado em tópico específico –, posicionamento contrário ao de Maria Helena Diniz, que entende que o lucro cessante engloba também a perda de uma chance204; para Sérgio Cavalieri Filho, existe certa relação entre eles205.

7.5.2 Dano moral

Em um primeiro momento, a reparação do dano

moral não era reconhecida pela doutrina206 nem pela jurisprudência207 brasileira, período da negação ao dano moral208, em que a argumentação era que não se repara a dor. Todavia, desde meados dos anos de 1920, vozes se levantaram

204 “Trata-se não só de um eventual benefício perdido, como também da perda de uma chance, de uma oportunidade ou de uma expectativa (frustração de uma oportunidade em que seria obtido, como diz Jeová Santos, um benefício, caso não houvesse o corte abrupto em decorrência de um ato ilícito), (...)” DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, cit., v. 7: Responsabilidade civil, p. 86. 205 “A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) guarda certa relação com o lucro cessante uma vez que a doutrina francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado, dela se utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor. [...]” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, cit., 9. ed., p. 77). A esse respeito, escreveu José de Aguiar Dias que “quando Paoli define o dano, cede à concepção de dano ressarcível, uma vez que considera dano o prejuízo real, ao passo que nega esse significado meramente espiritual.” DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, cit., 10. ed., p. 714. 207 “Não é possível que os sofrimentos morais deem lugar à reparação pecuniária, se deles não decorre nenhum dano material.” Acórdão do STF de setembro de 1965, RTJ, 35/545. 208 “É inadmissível o dano moral por morte do chefe da família em decorrência de lesão física”. Ementa de Acórdão do 2º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: RF, 302/129.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 86

dentro do Supremo Tribunal Federal defendendo a possibilidade de reparação do dano moral, como Pedro Lessa209, e mais tarde Orozimbo Nonato210. Pelo menos desde o ano de 1944 a doutrina também vem colaborando na defesa da indenização dos danos morais211.

Com o passar dos anos, e mesmo antes da Constituição Federal de 1988, a temática já era defendida212

209 RF, 37/201. 210 RF, 127/77 e 138/136. 211 “[...] acreditamos, assim, que, no dia em que se normatizarem, também, os planos do ressarcimento dos danos morais, aplicando, às várias hipóteses, fórmulas especiais determinadas por circunstâncias também especiais, atingiremos um ideal jurídico há muito almejado, derribandas que ficam as teorias presumistas dos que, como Gabba, acharam impossível descobrir um processo de medir o grau da sensação sofrida. Deste modo, chegaremos a acreditar, igualmente, que tal aplicação, como ordem jurídica, ou seja pelo avanço que rompe conceitos, ou seja pelos rumos novos e definitivos, do Direito, nesse sentido chegamos a acreditar que isso marcará, então, feito semelhante aos dos grandes instantes sociais” (BRASIL, Ávio. O dano moral no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Jacinto Editora, 1944. p. 27). 212 “Apesar das impugnações, a tese da reparabilidade do dano moral vem ganhando terreno, dia a dia, na doutrina, na jurisprudência e na legislação de todos os países” (MONTENEGRO, Antônio Lindbergh C. Do ressarcimento de danos pessoais e materiais. Rio de Janeiro: Editora Didática e Científica, 1981. p. 135).

Dos pressupostos da responsabilidade civil 87

pela doutrina213, reconhecida em decisões judiciais214 e prevista, excepcionalmente, em legislação especial215.

No Supremo Tribunal Federal, o leading case que reconheceu a reparação por dano moral aconteceu em uma ação proposta por pais que perderam dois filhos em acidente por culpa de uma empresa de ônibus, registrada em um acórdão de 1966216. Mencionado julgamento deu origem à Súmula 491 do STF: “É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”. Aprovada em Sessão Plenária de 03/12/1969, apesar da Súmula, as decisões nos anos de 1970217 e 1980218 não reconheceram as indenizações por danos morais, com

213 GUSMÃO JR., A. Cardoso. A indenização nos acidentes pessoais. Estudo teórico e prático da indenização e a sua liquidação conforme o critério jurisprudencial, com todos os cálculos e tabelas de mortalidade aplicadas no fôro. Legislação, jurisprudência e laudos. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958. 214 “Responsabilidade civil – Indenização – Lucros cessantes – Deformidade. a) Correspondendo a indenização a uma verdadeira restitutio in integrum, nela se incluem, sempre, os lucros cessantes, correspondentes à redução da capacidade laborativa, constatada pelo exame pericial. b) A verba correspondente à deformidade que a vítima apresenta, não pode deixar de ser computada na indenização, para que esta seja a maior completa possível. Relator: Desembargados Martinho Garcez Neto. Apelante: Hermínio Tavares Russo – Justiça Gratuita. Apelada: Cia. Cantareira e Viação Fluminense. Acórdão da 6ª Câmara. Diário da Justiça, de 13 de junho de 1957 – apensado ao n. 134” (GUSMÃO JR., A. Cardoso. A indenização nos acidentes pessoais, cit., p. 230-232). 215 Lei de Direito Autoral (Lei n. 5.899/1973), Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117/1962), Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/1967) e Lei dos Transportes Ferroviários (Decreto n. 1.681/1912). 216 Publicada na RTJ, v. 39, p. 38-44. 217 “Responsabilidade civil. Falha na vigilância hospitalar. Dano moral. Não é ressarcível, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. [...]”. RTJ n. 92/764, no Rec. Ext. n. 86.548, Rel. Min. Leitão de Abreu, em 29/05/1979. 218 RTJ 120/1339, 121/282, 124/299 e 125/1313.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 88

fundamento nas próprias decisões do Supremo Tribunal Federal.

A possibilidade da reparação do dano moral no Brasil foi positivada com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma lesão aos direitos da personalidade, que por suas próprias razões não podem ser mensurados financeiramente, muito menos ser reparados. O intuito, contudo, é compensar os danos causados pela violação do princípio da dignidade humana ou dos direitos da personalidade, que foram agredidos pela conduta de outra pessoa.

No mesmo sentido, para Maria Helena Diniz o dano moral “(...) vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo”219. Participa do mesmo juízo Wilson Melo da Silva, para quem os danos morais são “(...) lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico”220. Por seu turno, Orlando Soares conceitua o dano moral como o prejuízo que fere os bens ligados à liberdade, à honra, à boa fama, entre outros, sendo todos de ordem não patrimonial221.

Eduardo A. Zannoni definiu dano moral “(...) el agravio moral – el menoscabo o lesión a intereses no patrimoniales provocados por el evento dañoso, es decir, por el hecho o acto antijurídico”222. São

219 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, cit., v. 7: Responsabilidade civil, p. 106. 220 SILVA, Wilson Mello da. O dano moral e sua reparação. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1969. p. 13. 221 SOARES, Orlando. Responsabilidade civil no direito brasileiro. Teoria, prática forense e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 74. 222 ZANNONI, Eduardo A. El daño en la responsabilidad civil. Buenos Aires: Astrea, 1993. p. 287. Texto traduzido: “o agravo moral – o

Dos pressupostos da responsabilidade civil 89

lesões que atingem a personalidade, que rebatem os bens materiais223. Os danos morais se apresentam também na angústia, gerada por todo tipo de ofensa que os pais podem causar aos filhos e vice-versa224.

Por isso, pode-se afirmar que o dano moral é aquele que viola os direitos da personalidade da vítima e, não existindo a possibilidade de ser restaurado, impossível retornar ao status quo ante, não são suscetíveis de valor econômico e, assim sendo, contrapõem o que a doutrina chama de dano patrimonial ou material.

Conforme já se destacou, durante muito tempo vigorou a tese de que o dano moral não era passível de reparação – era a corrente negativista225, para a qual a dor, o

menoscabo ou lesão a interesses não patrimoniais provocados pelo evento danoso, é dizer, pelo fato ou ato antijurídico”. 223 BITTAR, Carlos Alberto. Danos morais: critérios e sua fixação. Repertório IOB, n. 15, ago. 1993. p. 293. 224 GABBA, C. F. Risarcivilità dei danni morali. In: GABBA, C. F. Questioni di diritto civile. Torino: Fratelli Rocca, 1898. p. 226 apud CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 58. Texto original: “I – offese al corpo, le quali a) soltanto fisico dolore producono, e malattia, più o meno lunga, oppure b) oltre al fisico dolore, e alla malattia, cagionando mutilazioni, deformazioni, guasto irreparabile dell’organismo e della salute fisica; II – offese del decoro fisico-morale di una persona, como per es., uno schiaffo, una manomissione di donna altrui, che ne offenda più o meno gravemente la pudicizia, una violazione e diminuizione dell’altrui libertá personale, senza offensa del corpo, nè al decoro; III – tolti o scemati vantaggi, che una persona aveva diritto di aspettarsi da n’altra, in vertù di una offensa corpòrea, o anche di un danno patrimoniale recato a quest’ultima, como per es., l’uccione, o la distrutta salute, o il rovinato patrimonio dei genitori; IV – affizioni morali o patemi d’animo, cagionati per ogni guisa di offense o alla diretta vittima di queste, o ad altre persone attinenti ad essa, come per es., il patemi d’animo di chi temette per molto tempo di non potere più ricuperare la salute, o quello di un figlio, di un padre, di una madre, per il male fato ai genitori od ai figli”. 225 Tereza Ancona Lopez Magalhães apresentou os fundamentos alegados que defendiam uma irreparabilidade do dano moral: “1. falta de efeito

Dos pressupostos da responsabilidade civil 90

sofrimento e a angústia não podiam ser mensurados226. Sérgio Cavalieri Filho colabora no sentido de afirmar que “numa primeira fase negava-se ressarcibilidade ao dano moral, sob fundamento de ser ele inestimável”227. E continua afirmando que “uma das objeções que se fazia à reparabilidade do dano moral era a dificuldade para se apurar o valor desse dano, ou seja, para qualifica-lo”228. Por outro lado, havia a corrente positivista, que acabou por prevalecer e que contrapunha aqueles argumentos229 da corrente negativista.

penoso durável. 2. a incerteza, nesta espécie de danos, de um verdadeiro direito violado; 3. a dificuldade de descobrir a existência do dano; 4. a indeterminação do número de pessoas lesadas; 5. a impossibilidade de uma rigorosa avaliação em dinheiro; 6. a imoralidade de compensar uma dor com dinheiro; 7. o ilimitado poder que se é obrigado a conferir ao juiz.” MAGALHÃES, Tereza Ancona Lopes de. O dano estético: responsabilidade civil. São Paulo: RT, 1980. p. 9. 226 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, cit., 10. ed., p. 751. “Em nosso direito, a reparação do dano moral continua a representar ponto de atrito entre as opiniões opostas. Pontes de Miranda empenha no debate sua profunda autoridade, estranhando, igualmente, que ainda se sustente a absoluta irreparabilidade do dano moral: ‘que mal entendida justiça essa, que dá valor ao dano imaterial ligado ao material e não ao dano imaterial sozinho’.” 227 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, cit., 9. ed., p. 84. 228 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 77. 229 Tereza Ancona Lopez de Magalhães apresentou os argumentos da corrente positivista que confrontavam os argumentos da outra corrente, item por item: “1. Minozzi refuta a primeira objeção dizendo que a sensação dolorosa só pode ter influência na avaliação e nunca no reconhecimento da existência do dano. 2. (...), o conceito de dano é único e corresponde a uma lesão de direito. (...); 3. (...) afirma-se que o dano moral, é consequência irrecusável do fato danoso. Este se prova ‘per se’. Ninguém pode contestar que a morte de um filho não é causa de amargura para o pai. 4. (...). É claro que não se pode estabelecer critério rígido. O mais prudente é deixar a solução a critério do juiz. (...). 5. (...), afirma Aguiar Dias que equivalência em matéria de reparação de dano não significa perfeita igualdade entre indenização e prejuízo. O jurista já se dá por satisfeito, mesmo em relação ao dano patrimonial, em conseguir uma

Dos pressupostos da responsabilidade civil 91

Conforme exposto, a Constituição Federal de 1988

acabou com qualquer dúvida que ainda pudesse existir sobre a possibilidade de reparação do dano moral230. No mesmo sentido, o Código de Defesa do Consumidor também prescreve a possibilidade da reparação desses danos nas relações de consumo, inclusive como um dos direitos básicos do consumidor. Por fim, o Código Civil atual, de igual forma, prevê a possibilidade da reparação daquela espécie de dano. Nesse momento, oportuna a colocação de Daniel Ramon Pizarro quanto à reparação do dano moral, para quem “a realidade, geralmente mais sábia que os homens do direito, superou polêmicas estéreis, impondo com amplitude o princípio da reparação plena do dano moral injustamente sofrido”231.

Depois da fase de aceitação da reparação do dano moral, as discussões passaram para a possibilidade de

aproximação do estado ideal. Tal argumento não é razão suficiente para não se indenizar e assim beneficiar-se o responsável com o fato de não ser possível estabelecer-se um equivalente exato. O fenômeno, aliás, é idêntico em relação ao dano patrimonial. (...). 6. Quanto à alegada imoralidade de se compensar uma dor com dinheiro dizem os que defendem a reparação do dano moral que para os que têm sentimento de justiça esta reparação é necessária, fazendo com que se transija com a formula de reparação pecuniária, ao menos, até que se estabeleça processo mais idôneo para reparar o dano moral, que lhe assegure equivalente adequado. 7. Finalmente, a objeção fundada no fato de se conceder demasiado arbítrio ao juiz, peca pela base, pois esta faculdade é concedida ao juiz em muitos casos e até naqueles de danos patrimoniais” (MAGALHÃES, Tereza Ancona Lopes de. O dano estético: responsabilidade civil, cit., p. 10-11). 230 Caio Mario da Silva Pereira se manifestou no sentido de que foi “[...] pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em nosso direito, obrigatório para o legislador e para o juiz” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 58). 231 PIZARRO, Daniel Ramon. Daño moral: prevención, repareción, punición. Buenos Aires: Editorial Hammurabi S. R. I., 1996. p. 94.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 92

cumulação de pedidos entre o dano patrimonial e o dano moral. Foram também superadas pela Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, de 17/03/1992, que possibilita a cumulação de indenizações das duas espécies quando oriundos do mesmo fato232. Por fim, pode-se afirmar que a condenação para a compensação do dano moral tem três finalidades: amenizar o sofrimento do lesado, punir o causador do dano para que não volte a cometer o mesmo ilícito e que sirva de exemplo para toda a sociedade, para que seus membros não venham a repetir233. 7.5.2.1 Dano estético

A palavra “estética” tem origem no grego aisthesis, que

significa sensação. A doutrina apresenta vários conceitos para o dano estético. Existem aqueles que defendem que o dano estético é apenas uma extensão234 ou uma especialidade do dano moral235.

A reparação por dano estético não é algo novo na legislação brasileira, uma vez que o Código Civil de 1916 já abordava o assunto, conforme o art. 1.538, § 2º. Percebe-se que não consta o termo “dano estético” que, todavia, é abordado na forma de lesão corporal, implícito no texto.

A lesão corporal tem o mesmo significado de dano estético, que para Pedro Nunes “(...) é toda ofensa à integridade física, mental ou fisiológica de alguém, de que lhe

232 Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”. 233 SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade médica civil, criminal e ética. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 46. 234 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 320. 235 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Atualidades sobre a indenização por dano moral decorrente do acidente de trabalho. Revista TST, Brasília, v. 73, n. 2, p. 121-157, abr./jun. 2007, p. 135.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 93

resulta a morte ou alteração ostensiva, temporária ou permanente, de um órgão ou de suas funções”236.

O dano estético “é todo aquele de que resulta deformidade física notável e permanente da vítima”237. Dessa forma, tanto no conceito de lesão corporal quanto no de dano estético é comum aos dois a lesão que cause “deformidade”. Maria Helena Diniz nesse sentido destaca que o dano estético “é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeamento da vítima”238. Mário Pogliani, por sua vez, pondera que o dano estético “ogni modificazione peggiorativa di natura morbosa del complesso estetico individuale, da non intendersi limitata al volto, bensi estesa ache ad altri organi e funzioni”239.

Ao menos em dois artigos do Código Civil atual a reparação do dano estético foi abordada, como no art. 949 sobre a questão da “lesão ou a ofensa à saúde”, e no art. 950, “no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento (...)”. São inúmeras as formas de danos estéticos que as pessoas podem sofrer, por exemplo: a) cicatrizes por todas as partes do corpo; b) deformação de órgão; c) perda dos cabelos, das sobrancelhas, dos cílios, dos dentes ou de um órgão qualquer; d) extração das cordas vocais; e) perda dos movimentos das mãos, das pernas, ou ainda, a pessoa pode ficar paraplégica ou tetraplégica. No entendimento de Giselda Maria Fernandes

236 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica, cit., p. 553. 237 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica, cit., p. 289. 238 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil, v. 7: Responsabilidade civil, 21. ed., 2007, p. 80. 239 POGLIANI, Mário. Responsabilità e risarcimento da illecito civile. Milano: Giuffrè, 1969. p. 421.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 94

Novaes Hironaka, a perícia médica identifica facilmente se houve ou não o dano240.

No começo da década de 1980, Tereza Ancona Lopez de Magalhães já destacava as diversas situações que podiam dar origem ao dano estético, entre elas: “(...) cometidos por médicos; (...) dentistas, cabelereiros, (...) esteticistas, entre outros”241.

Em sua obra “Dano estético e sua Reparação”, Jean Carrard alinha considerações indispensáveis que, pela sua objetividade e clareza, merecem ser reproduzidas por inteiro:

Não é possível enumerar todos os atentados que podem ser feitos à estética dos homens e das mulheres. Seria preciso, para isto, escrever um dos capítulos da miséria humana; cicatrizes de todas as naturezas e de todas as origens do rosto, ou em outras partes do corpo, deformação de um órgão (por exemplo do nariz, da boca, da orelha, da arcada superciliar); aparição de tumores, de crostas, de colorações, etc., na superfície da pele; perda dos cabelos, das sobrancelhas, dos cílios, dos dentes ou de um órgão qualquer. Estas ofensas serão tanto mais graves quando feitas a uma parte do corpo que fica normalmente desnuda. Mas será precisa encarar cada caso particular; o caso da dançarina profissional que dança quase nua, o caso da mulher mundana que usa roupas decotadas, o caso da jovem que frequenta as praias elegantes, o caso do manequim que apresenta as últimas novidades (...) O atentado à estética será tanto mais grave quanto mais bela for a vítima. O dano estético pode também resultar de um atentado à voz ou à faculdade de se mover: a vítima, que possuía uma voz quente e sedutora, não tem mais, em

240 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Cirurgia plástica e responsabilidade civil do médico: para uma análise jurídica da culpa do cirurgião plástico. Revista Jurídica da UniFil, ano I, n. 1, p. 15-24, 2002. p. 22. 241 MAGALHÃES, Tereza Ancona Lopes de. O dano estético: responsabilidade civil, cit., p. 29-60.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 95

consequência das lesões, do que uma voz estridente; a vítima que se movia com graça, não pode mais fazer senão movimentos irregulares e sacudidos242.

Não importando o local do corpo, o dano estético

deve ser reparado, sendo que a jurisprudência entende ser possível a cumulação da reparação do dano estético com o dano moral, sendo esse inclusive o entendimento do STJ, compartilhado há tempo por Flávio Tartuce243, Yussef Said Cahali244, Maria Helena Diniz245, e inclusive já sumulado no Superior Tribunal de Justiça246. Entretanto, como afirmado anteriormente, há doutrinadores que são convictos de que o dano estético é modalidade do dano moral, sendo aqui representados por Sérgio Cavalieri Filho247.

Importante destacar que, no dano estético, por mais desenvolvida que esteja a medicina e todos os tratamentos disponíveis à sociedade, na maioria das vezes é impossível restabelecer todos os danos por meio de uma cirurgia reparadora; daí, além de arcar com as despesas dos possíveis tratamentos à vítima, o autor do dano deverá também compensar o prejuízo causado, caso o ofendido busque o Poder Judiciário. Lembrando que a vítima não pode ser

242 CARRARO, Jean apud SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação, cit., p. 300-301. 243 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil, cit., p. 435. 244 CAHALI, Yussef Said. Dano moral, cit., p. 249. 245 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil, v. 7: Responsabilidade civil, cit., 25. ed., p. 98. 246 Súmula 387 do STJ – “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2013_35_capSumula387.pdf>. Acesso em: 21 maio 2016. 247 “Embora tenha acolhido esse entendimento como julgador para evitar desnecessários recursos especiais, em sede doutrinária continuo convicto de que o dano estético é modalidade do dano moral e que tudo se resume a uma questão de arbitramento. (...)” CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, cit., 9. ed., p. 106.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 96

obrigada a realizar qualquer procedimento cirúrgico e que até mesmo as anestesias normalmente colocam em risco os pacientes, principalmente se a cirurgia tem entre os objetivos amenizar a situação do agressor, quando da compensação da lesão causada.

Para Maria Helena Diniz, a mais simples lesão, inclusive aquelas cicatrizes que podem ser acobertadas pela barba ou por maquiagem, não perdem a característica de dano estético, e destacou que o art. 1.538, §§ 1º e 2º, do Código Civil de 1916 acabou dilatando o conceito do dano estético ao utilizar os termos “aleijão e deformidade”248. Em sentido oposto, Yussef Said Cahali defende que uma simples lesão que não altera a forma física da pessoa não pode caracterizar dano estético249. Entende-se mais corretos os ensinamentos da primeira autora. 7.5.2.2 Dano existencial

O dano existencial é mais uma espécie de dano moral.

Flaviana Rampazzo Soares conceitua o dano existencial como: “(...) a lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social”250. De forma complementar, a autora explica que se trata de uma:

afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária, seja a uma atividade, seja a um conjunto de atividades que a vítima do dano, normalmente, tinha como incorporado ao seu cotidiano e que, em razão do efeito

248 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil, v. 7: Responsabilidade civil, cit., 25. ed., p. 98. 249 CAHALI, Yussef Said. Dano moral, cit., p. 206. 250 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 44.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 97

lesivo, precisou modificar em sua forma de realização, ou mesmo suprimir de sua rotina251.

No direito italiano, encontram-se os melhores

exemplos de danos existenciais252, inclusive fornece a melhor noção para a temática, conforme trecho da Decisão n. 6.572, proferida em 24 de março de 2006, da Corte de Cassação:

[...] por dano existencial entende-se qualquer prejuízo que o ilícito (...) provoca sobre atividades não econômicas do sujeito, alterando seus hábitos de vida e sua maneira de viver socialmente, perturbando seriamente sua rotina diária e privando-o da possibilidade de exprimir e realizar sua personalidade no mundo externo. Por outro lado, o dano existencial funda-se sobre a natureza não meramente emotiva e interiorizada (própria do dano moral), mas objetivamente constatável do dano, através da prova de escolhas de vida diversas daquelas que seriam feitas, caso não tivesse ocorrido o evento danoso253.

Dessa forma, o dano existencial ocorre quando o

ofendido passa a se comportar de outra forma, em razão de

251 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial, cit., p. 44. 252 Flaviana Rampazzo Soares trabalha alguns casos da justiça italiana. Responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho com lesão à saúde da vítima. Danos corporais decorrentes de erro médico. Ruídos e direitos de vizinhança. Dever dos pais de sustentar os filhos. Responsabilidade de médico em ecografia fetal por erro de avaliação. Responsabilidade em razão das condições desumanas de habitação de trabalhador. Responsabilidade do Estado por prisão de inocente. Responsabilidade decorrente de acidente de trânsito. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 77-85. 253 FACCHINI NETO, Eugenio; WESENDONCK, Tula. Danos existenciais: “precificando” lágrimas. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, cit., p. 240.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 98

seu cotidiano ter sido alterado, pela ação ilícita do agressor, atingindo inclusive o desenvolvimento pessoal da vítima.

É possível identificar na jurisprudência brasileira situações que caracterizam o dano existencial, inclusive no direito de família, com dois casos em especial que ficaram

Dos pressupostos da responsabilidade civil 99

conhecidos no Brasil: o “Caso Iruan”254 e o “Caso Pedrinho”255.

254 “Como está Iruam, o menino pivô de uma crise entre Brasil e Taiwan. Aos 18 anos, garoto vive na casa da diretora da sua antiga pré-escola, em Canoas. Há uma década, o menino gaúcho Iruan Ergui Wu virou notícia internacional ao ser disputado pelos dois ramos de sua família, separados pelo idioma, pela cultura e por uma distância de 19 mil quilômetros. Depois de pressões diplomáticas, batalhas judiciais e mobilizações populares, foi arrancado da casa dos parentes do pai, em Taiwan, para viver com os parentes da mãe, no Rio Grande do Sul. No final, não ficou nem com uns, nem com outros. Aos 18 anos, Iruan vive com uma terceira família. A que ele próprio escolheu. Em duas tardes da semana passada, o jovem recebeu Zero Hora no sobrado onde mora com o pai, a mãe e quatro dos oito irmãos adotivos, em Canoas, e ofereceu um relato inédito de sua acidentada trajetória – um percurso repleto de situações dolorosas, como a perda precoce dos pais biológicos, as trocas de família, os laços rompidos e um mergulho pré-adolescente no álcool e nas drogas. Pela primeira vez, uma história que mobilizou dois países e gerou infindáveis manchetes, no começo da década passada, é contada pelo ponto de vista da pessoa mais importante, o seu protagonista. O próprio Iruan. Trata-se de um relato espantoso. Iruan perdeu a mãe, a gaúcha Marisa Ergui Tavares, quando tinha três anos de idade, em 1998. Foi viver com a avó, Rosa Leocádia, em Canoas. Quando o menino estava com cinco anos, seu pai, o marinheiro chinês Teng-Shu Wu, levou-o a Taiwan para conhecer parentes. Morreu na mesma semana. Iruan passou a morar com um irmão de seu pai. Começou ali a batalha entre os Wu e Rosa Leocádia pela custódia do menino. Iruan revela que não tinha uma noção clara do que se passava. Ele viveu no Oriente dos cinco aos oito anos e via os tios e primos taiwaneses como a sua verdadeira família. Mal lembrava da avó brasileira e não entendia por que queriam tirá-lo de casa para viver.” Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/no ticias/noticia/2013/11/como-esta-iruan-o-menino-pivo-de-uma-crise-entre-brasil-e-taiwan-4342322.html#>. Acesso em: 23 maio 2016. 255 “A história de Pedrinho, sequestrado ainda recém-nascido em janeiro de 1986, foi acompanhada pelas duas edições do DFTV. Na época, a equipe do DFTV entrevistou Maria Auxiliadora, a mãe que teve o filho arrancado de seus braços na maternidade por uma mulher que se fingiu de enfermeira. O telejornal acompanhou as investigações até o processo ser arquivado pela Justiça, em 1997. Em 2002, uma denúncia anônima trouxe à polícia informações sobre um garoto que morava com a mãe adotiva em

Dos pressupostos da responsabilidade civil 100

7.5.3 Dano pela perda de uma chance

A teoria da perda de uma chance tem sua origem no

século XIX em uma decisão da Corte de Cassação Francesa, datada de 17 de julho de 1889, em que concordou em indenizar o prejuízo que um demandante que sofreu em razão do mau procedimento de um auxiliar de justiça, em ação que tirou do demandante a chance de uma decisão favorável256.

No entender de Flávio Tartuce, a perda de uma chance “está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma oportunidade futura, que dentro da lógica do razoável, ocorreria se as coisas seguissem o seu curso normal”257. O mencionado autor destaca ainda que “essa chance deve ser séria e real”258. No magistério de Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto, a perda de uma chance “(...) consiste em uma oportunidade dissipada de obter futura vantagem ou de evitar um prejuízo em razão da prática de um dano injusto”259.

No Brasil o caso mais comentado sobre o dano pela perda de uma chance foi o do programa de televisão “Show do Milhão”, apresentado por Silvio Santos, no canal de

Goiânia. As investigações provaram que ele era Pedrinho. Os pais verdadeiros o reencontraram 16 anos depois do sequestro. O DFTV – 2ª Edição deu a notícia em primeira mão, em novembro daquele ano, com reportagem de Fabiana Santos. A mãe adotiva de Pedrinho, Vilma Martins Costa, foi presa pelo crime e condenada a mais de 15 anos de reclusão pelo sequestro do menino.” Disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/ programas/jornalismo/telejornais/dftv/o-caso-pedrinho.htm>. Acesso em: 23 maio 2016. 256 VINEY, Genenviève; JOURDAIN, Patrice. Traité de droit civil: les conditions de la responsabilité. 3. ed. Paris: LGDJ, 2006. p. 91. 257 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil, cit., p. 439. 258 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil, cit., p. 439. 259 FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de direito civil: responsabilidade civil. v. 3. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 230.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 101

televisão Sistema Brasileiro de Televisão, onde uma participante deixou de concorrer ao prêmio de um milhão de reais, uma vez que não respondeu à última pergunta que valeria o prêmio em dinheiro, pois entendia que a pergunta formulada estava errada. Assim sendo, bateu às portas do Poder Judiciário requerendo os outros quinhentos mil reais, sob alegação de que a pergunta apresentada estava errada e, por isso, havia deixado de respondê-la. O STJ reconheceu em parte o pedido da autora, todavia, condenou aquele programa de televisão a indenizá-la em cento e vinte e cinco mil reais, sendo que, mesmo que a pergunta estivesse certa, a demandante teria 25% de chance de acerto260. Pode-se concluir que foi tirado da candidata não o prêmio de um milhão de reais, mas a oportunidade de concorrer àquele galardão, por isso, convém lembrar o que afirma Robert Mallet: “o que mais desespera não é o impossível, mas o possível não alcançado”261.

A indenização por dano sofrido em razão da perda de uma chance é nova no direito brasileiro, todavia, há julgados

260 “RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido” (REsp 788.459/BA, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 08/11/2005, DJ 13/03/2006, p. 334). Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=show+ do+milh%E3o&b= ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=1>. Acesso em: 23 maio 2016. 261 Disponível em: <http://kdfrases.com/frase/150263>. Acesso em: 23 maio 2016.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 102

datados do século passado no direito estrangeiro, como na França262 e na Inglaterra263.

No Brasil, como já afirmado, porque a aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance é nova, as condenações começaram na década de 1990, sendo um dos primeiros julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, sobre a prestação de serviço de um advogado264.

Não está prevista de forma expressa a previsão legal da responsabilidade civil pela perda de uma chance, todavia, implicitamente é possível entender que o inciso V do art. 5º da Constituição Federal e os arts. 186 e 927 do Código Civil são bases legais para a propositura da ação competente. Quanto ao calor da reparação, Raimundo Simão de Melo explica que:

262 VINEY, Genenviève; JOURDAIN, Patrice. Traité de droit civil: les conditions de la responsabilité, cit., p. 91. Corte de Cassação francesa (17/07/1889) condena a indenização de uma pessoa que, em razão do mau procedimento de um auxiliar de justiça, teve extintas as suas chances de obter êxito em uma ação proposta. 263 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 11. Uma candidata de um concurso de beleza foi impedida de participar da etapa final pelo organizador do concurso, e um dos juízes entendeu que ela teria 25% de chances de ganhar um dos prêmios, uma vez que teriam 50 candidatas e 12 prêmios a serem distribuídos. 264 “RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. AGE COM NEGLIGÊNCIA O MANDATÁRIO QUE SABE DO EXTRAVIO DOS AUTOS DO PROCESSO JUDICIAL E NÃO COMUNICA O FATO Á SUA CLIENTE NEM TRATA DE RESTAURÁ-LOS, DEVENDO INDENIZAR Á MANDANTE PELA PERDA DA CHANCE. (Apelação Cível n. 591.064.837, Quinta Câmara Cível, TJRS, Rel. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 29/08/1991). Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/ jurisprudencia/5434026/apelacao-civel-ac-591064837-rs-tjrs>. Acesso em: 23 maio 2016.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 103

Assim, o que se indeniza não é o valor patrimonial total da chance por si só considerada, como equivocadamente se tem visto na maioria dos pedidos. O que se indeniza é a possibilidade de obtenção do resultado esperado; o valor da indenização deve ser fixado tomando-se como parâmetro o valor total do resultado esperado e sobre este incidindo um coeficiente de redução proporcional às probabilidades de obtenção do resultado final esperado. Assim como não se pode exigir a prova cabal e inequívoca do dano, mas apenas a demonstração provável da sua ocorrência, a indenização, coerentemente, deve ser proporcional à possibilidade maior ou menor de obtenção do resultado almejado265.

Dessa forma, pode-se afirmar que, para a apuração do

valor da reparação pela perda de uma chance, deve ser considerado o valor do benefício perdido, se a chance era realmente possível e qual era a probabilidade de aquele primeiro ser alcançado. Na responsabilidade civil pela perda de uma chance há duas certezas em relação a um benefício: a existência de uma probabilidade real266 de obter algo vantajoso e a impossibilidade da oportunidade de ganho.

265 MELO, Raimundo Simão de. Indenização pela perda de uma chance. Caderno de Doutrina e Jurisprudência da Ematra, XV, v. 3, n. 2, p. 35-40, 2007, p. 36. 266 Nesse sentido Carlos Nelson Konder e Thamis Dalsenter: “Se a teoria [da perda de uma chance] tem aplicação quando não é possível provar cabalmente o nexo causal entre a ação ou omissão e o resultado danoso e, além disso, se a sua fundamentação teórica relaciona-se com uma apreciação em abstrato, baseada na probabilidade, é necessário, para se assegurar um patamar mínimo e inafastável de segurança jurídica, que tal probabilidade seja real, ou seja, que se possa verificar que a chance perdida tenha representatividade.” KONDER, Carlos Nelson. DALSENTER, Thamis. Questões atuais da responsabilidade civil médica e hospitalar. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. DADALTO, Luciana. Dos hospitais aos tribunais. Belo Horizonte: Del Rey, 2013. p. 488.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 104

8

DO ABUSO DE DIREITO Parece contraditório e antagônico falar-se em abuso

de direito, pois se trata de direito, é algo lícito, e não ilícito, pois, se assim fosse, não poderia existir o direito no abuso de direito. Entretanto, o art. 187 do Código Civil determina que o “abuso de direito” também configura ato ilícito: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”267.

Toda faculdade de direito exige responsabilidade e que seu uso seja exercido dentro dos limites estabelecidos pela finalidade social da própria lei. Ao ultrapassar esses limites, estar-se-á diante do abuso de direito, configurando-se uso anormal. No entender de Carlos Roberto Gonçalves, considera-se abuso de direito:

[...] o ato que constitui o exercício egoístico, anormal do direito, sem motivos legítimos, com excessos intencionais ou involuntários, dolosos ou culposos, nocivos a outrem, contrários ao destino econômico e social do direito em geral, e, por isso, reprovado pela consciência pública268.

O abuso de direito nasce de um ato lícito, do exercício

de um direito reconhecido no ordenamento jurídico, todavia, em razão do desvio de sua finalidade, acaba lesando os

267 BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 13 maio 2016. 268 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. atual. e ampl., de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 58.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 106

interesses de terceiros, como se o direito subjetivo fosse uma prerrogativa sem limites. Tanto que Orlando Gomes, ao abordar o tema, afirma que a função do abuso de direito “é aliviar os choques frequentes entre a lei e a realidade”269.

Não há de se discutir o elemento culpa na configuração do abuso de direito, mas o que deve ser verificado é se o agente extrapolou os limites estabelecidos no art. 187 do Código Civil. Percebe-se, então, que se trata de uma responsabilidade objetiva270.

Esse instituto pode ser encontrado em todos os ramos do direito, como em Direito Contratual, Direito das Coisas, Direito de Família, Direito do Trabalho, no Direito Processual do Trabalho, Direito Tributário, Direito do Consumidor, uma vez que consta no art. 187 do Código Civil que “(...) comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites (...)”. No abuso de direito não existe a necessidade de o agente causador do dano ter agido com culpa ou dolo, bastando que o prejuízo tenha sido causado pela transgressão dos limites estabelecidos.

A consequência é a mesma de quem comete um ato ilícito, ou seja, indenizar os prejuízos causados, conforme dispõe o art. 927 do Código Civil, que proclama “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”271.

269 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 132. 270 Nesse sentido o Enunciado n. 37 da I Jornada de Direito Civil/Conselho da Justiça Federal. “37 – Art. 187: a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 1º dez. 2016. 271 BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 13 maio 2016.

Dos pressupostos da responsabilidade civil 107

O instituto do abuso de direito também se aplica às

técnicas de reprodução humana assistida. Por mais que a Constituição Federal garanta o direito ao livre planejamento familiar, sua utilização deve estar limitada à proteção dos direitos da personalidade e aos interesses do ser humano que será gerado, situações como a do famigerado caso do casal de lésbicas surdas que queriam gerar uma filha com a mesma deficiência (e conseguiram) é flagrante exemplo do abuso de direito272 nas relações familiares.

272 “Lésbicas surdas decidem ter filho surdo nos EUA. Um casal de lésbicas gerou polêmica nos Estados Unidos ao decidir ter um bebê surdo. Sandra Duchesneau e Candy McCullough são surdas de nascimento. Elas abordaram diversos bancos de sêmen pedindo que a fertilização de uma delas fosse feita com material doado por um homem que sofre do mesmo problema. Depois que o pedido foi rejeitado por todos os estabelecimentos que procuraram, elas acabaram usando o sêmen de um amigo que é totalmente surdo e em cuja família a deficiência se manifesta já há cinco gerações. O sêmen foi usado para fertilizar Sharon, que deu à luz um bebê, Gauvin McCullough, que agora tem quatro meses de idade e muita pouca audição em apenas um ouvido. As duas disseram que o bebê vai poder escolher, quando for mais velho, se quer ou não usar um aparelho auditivo. Bênção ‘Um bebê que tem a audição perfeita seria uma bênção’, disse Sharon antes do nascimento de Gauvin. ‘Um bebê surdo seria uma bênção especial.’ Sharon e Candy já têm uma filha, Jennifer, 5, gerada com o sêmen do mesmo doador e que só consegue se comunicar por meio de linguagem de sinais. As duas fazem parte de um grupo em expansão nos Estados Unidos que identifica a surdês não como uma deficiência, mas como uma identidade cultural. Muitos desses militantes se opõem à realização de cirurgias para que as pessoas surdas passem a ouvir. Sharon e Candy trabalham como terapeutas na cidade de Bethesda, em Maryland, atendendo pessoas que sofrem de surdez e de problemas psíquicos. Críticas Mas a decisão do casal atraiu pesadas críticas nos Estados Unidos. ‘Privar o bebê de uma faculdade natural é um comportamento antiético’, afirma Peter Garrett, diretor da ONG LIFE. ‘Quando você pensa que já ouviu de tudo, vem uma história que vai além das fronteiras do imaginável’, disse Peter Sprigg, do Conselho de Pesquisas da Família dos Estados Unidos. Mas o porta-voz da Associação Britânica da Surdez, Stephen Rooney, disse que o verdadeiro tema em questão não é se as pessoas estão tentando criar bebês surdos. ‘O verdadeiro tema é como a sociedade hoje nega às crianças surdas os mesmos direitos, responsabilidades,

Dos pressupostos da responsabilidade civil 108

Parece que o serviço, chamado Beautiful Baby (Bebê

Bonito), disponibilizado nos Estados Unidos da América do Norte, trata da prática do abuso de direito aplicada a uma das técnicas da reprodução humana assistida, uma vez que, segundo o que é divulgado, o banco de esperma é formado de material genético doado por pessoas consideradas atraentes, e é possível inclusive escolher as características da futura prole por meio de um catálogo de doadores273. Tudo indica tratar-se de prática para criar um ser humano superior274, algo não diferente do que Hitler tentou fazer, com a raça ariana275.

oportunidades e qualidade de vida das outras pessoas’, disse Rooney.” Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/ciencia/020408_surdaro. shtml>. Acesso em: 21 jun. 2016. 273 BeautifulPeople.com lança banco de esperma virtual. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/prnewswire/2010/06/21/beautifulpeoplecom-lanca-banco-de-esperma-virtual.jhtm>. Acesso em: 7 jan. 2017. 274 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil, cit., 11. ed., v. 2, p. 419. 275 Nesse sentido, alerta Maria Helena Diniz que “Esse fato revela a intenção de inseminar mulheres com caracteres proeminentes, supondo que se logrará o nascimento de crianças dotadas de capacidades físicas intelectuais superiores ao normal, indicando a volta das experiências eugênicas e racistas, com o escopo de ‘melhorar ’ os padrões da espécie humana, apresentando-se, como diz Roberto Pereira Lira, como uma prática revivida do nacional-socialismo de Hitler, inspirado na teoria de Gobineau, propugnando a pureza da raça ariana” (DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 499).

CONSIDERAÇÕES FINAIS No que se refere à responsabilidade civil, é possível

afirmar que tenha sido gerada com a sociedade, pois a história comprova que toda agressão contra um semelhante é rechaçada pela humanidade.

A responsabilidade civil é o dever que a pessoa tem de indenizar os danos causados a outrem. O Código Civil de 2002 prevê tanto a responsabilidade subjetiva como a responsabilidade objetiva, que despreza o elemento culpa na apuração do dever de indenizar, seguindo um caminho que já havia sido trilhado pelo Código de Defesa do Consumidor, buscando que as vítimas de danos sejam reparadas integralmente em seus prejuízos, independentemente da culpa dos causadores.

A Constituição Federal de 1988 passou a limitar aplicação do direito privado, que deve estar em consonância com as normas constitucionais. Percebe-se que o que já foi chamado de “Constituição do Direito Privado (Código Civil)” deixa de ser a principal fonte do direito civil, pois este deve ser estudado a partir da Constituição Federal e esta estabelece como um dos valores – e o principal deles – a dignidade da pessoa humana, de forma que a pessoa passa a ser o centro das atenções no direito civil.

Para que cumpra com a finalidade de que o lesado seja restituído pelos danos sofridos, a responsabilidade civil sugere três funções: a reparatória ou compensatória da vítima, para que esta não arque com o prejuízo do qual foi vítima; a função punitiva, em que o causador do dano é compelido a pagar pela lesão causada, mesmo que para isso ocorra diminuição em seu patrimônio, como forma de castigá-lo e, com isso, não volte a causar estrago a outrem; e, por fim, a função pedagógica, para que a punição ao causador do dano sirva de exemplo

Dos pressupostos da responsabilidade civil 110

inibidor para toda a sociedade e que esta se sinta desmotivada a agir de forma que possa prejudicar seu semelhante.

O dever de indenizar danos produzidos não se origina apenas dos atos ilícitos; aquele pode decorrer tanto do abuso de direito como de atos lícitos.

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OS AUTORES:

Carlos Alexandre Moraes

Avaliador dos Cursos de Direito do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (MEC). Doutor em Função Social do Direito (FADISP). Doutor em Ciências da Educação (UPAP). Mestre em Ciências Jurídicas (UniCesumar). Especialista em Direito Agro-financeiro (CESUMAR). Especialista em Docência no Ensino Superior (UniCesumar). Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil (INBRAPE/OAB). Bacharel em Direito (UniCesumar). Advogado (OAB/PR). Professor de Direito Civil do UniCesumar. Autor de livros. Professor em cursos de pós-graduação. Palestrante. Pesquisador. Autor de diversos artigos jurídicos.

Lilian Rosana dos Santos Moraes

Coordenadora do Curso Superior de Tecnologia em Estética e Cosmética do UniCesumar – Centro Universitário Cesumar. Doutora em Ciências da Educação (UPAP). Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento (MACKENZIE). Especialista em Docência no Ensino Superior (CESUMAR). Especialista em Morfofisiologia Aplicada à Educação e Reabilitação (UEM). Aperfeiçoamento em RPG (CESUMAR). Bacharel Fisioterapia (SALESIANA). Tecnóloga em Estética e imagem Pessoal (UNOPAR). Fisioterapeuta (CREFITO-8). Professora das disciplinas de Ciências Morfológicas e Projeto Integrador. Professora em cursos de pós-graduação. Palestrante. Autora de diversos artigos. Pesquisadora. Autora do livro: Responsabilidade Civil dos Profissionais de Estética e Cosmética.

Referências 128