da práxis semiótica

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  • 7/31/2019 Da prxis semitica

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    Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXVIII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Uerj 5 a 9 de setembro de 2005

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    Da prxis semitica 1

    Eliana Pibernat Antonini FAMECOS PUC-RS2 Resumo

    O artigo Da prxis semitica revela uma obsesso, qual seja, a de pensar o realpapel dos estudos semiticos associados prtica dos estudos comunicacionais. Recupera,criticamente, o jogo interpretativo e a busca pela compreenso do sentido do texto,inserindo tais discusses num patamar deveras peculiar, onde as reflexes se ampliam parainstncias hermenuticas mais complexas. Centra-se nos processos de abduo,reconhecendo neles a possibilidade de integrao dos estudos do sujeito emprico e daprpria natureza, a partir de um olhar aguado, que explora teorizaes de autores comoUmberto Eco, Paolo Fabbri, Iuri Lotman, Paul Ricouer, num vis metodolgico-crtico talqual uma faca s lmina.

    Palavras-chave: comunicao; sentido; interpretao; abduo; cultura.

    1 Trabalho apresentado ao NP 01 Teorias da Comunicao, do V Encontro dos Ncleos de Pesquisa da Intercom. 2 Prof. Dra. de Teoria Literria USP. Pesquisadora Cnpq de processos de produo de sentido ecomunicao. Professora Programa Ps Graduao FAMECOS PUCRS

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    Le language ne se refuse quune chose, cest faire aussi

    peu de bruit que le silence. (Francis Ponge, 1948)

    Quando aquele que os sofretrabalha com palavras,so teis o relgio,a bala e, mais, a faca.(...) e somente essa facae o exemplo de seu dentelhe ensinar a obterde um material doenteo que em todas as facas a melhor qualidade:a agudeza feroz,certa eletricidade,mais a violncia limpa

    que elas tm, to exatas,o gosto do deserto,

    o estilo das facas.(Joo Cabral de Melo Neto, 1955)

    Joo Cabral, cuja agudeza e limpidez potica so geradoras de um sentido mltiplo e

    transgressor tal qual o da faca s lmina, neste poema dedicado a Vincius de Moraes,coloca uma epgrafe, um Ou... Serventia das Idias Fixas. Parto, neste artigo, de umaidia fixa: qual seja o lugar da Semitica nos estudos do agora, no hoje to individual, topassageiro e qual sua contribuio, reveladora de sua importncia intrnseca, aos estudos deComunicao.

    Pesquisadora que sou, h longos anos, dos processos analticos que do conta dosentido que os textos entendidos, aqui, como categorias epistmicas e culturais projetam

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    nos campos miditicos e por eles so projetados na sociedade, questiono o empregoabusivo, irregular, at pedante e, na sua maior parte, confuso da teoria semitica e de sua

    prtica para dar conta de tais representaes e de peculiares construes de imaginrio.Penso, a priori, num processo de esvaziamento que se verificou aps os idos dos

    sessenta e setenta do sculo XX, onde a Semitica francesa, especialmente saussureana,teve sua grande asceno. Penso na releitura dos manuscritos de C.S. Peirce e na atualidadeque seus estudos lgicos e suas prticas interpretativas adquiriram. Penso, portanto, nas

    duas grandes linhas mestras da Semitica contempornea e de seus seguidores, como A.Julien Greimas e Umberto Eco, este ltimo do qual tenho sido leitora insistente, teimosa, de

    toda a sua obra, hoje bastante conhecida entre ns. Nesta linha, valho-me da interessanteproposta de Paolo Fabri, quando entende a investigao semitica como sendo a reflexosensata sobre toda e qualquer produo de sentido. E, quando aponta para a singularidadeque esta lacuna nos estudos semiticos parece apresentar, a partir de trs grandes instncias.A primeira, de uma orientao epistemolgica equivocada, ou seja, a Semitica, ao

    pretender-se como cincia e como reflexo filosfica e puramente hermenutica, deixou delado o que Paul Ricouer mais lhe reconhecia como produtivo, seu modo de explicar maispara entender melhor. A segunda, quando os estudos semiticos passam a ser merosmodelos conceptuais capazes de projetar e engendrar anlises mltiplas e muitas delasvazias de produtos culturais dspares, que vo desde o texto mais erudito at o comercial deTV, desde o filme de Pasolini, a moda de Chanel, o teatro de Brecht, at as fotos de guerrana leitura de Susan Sontag. Particularmente, tenho tentado adaptar o modelo de leitura de

    Eco, suas categorias, suas vrias instncias e desdobramentos, para poder aplic-lo a taisprodutos, resguardando sempre a peculiaridade do objeto e permitindo que ele, o objeto,seja o desencadeador da metodologia a ser usada. Verifica-se, assim, a importncia do

    trabalho semitico sobre estas metforas interdefinidas que so os modelos (2000, 14) etrabalha-se com uma noo bastante cara a Latour que Eco desenvolve pouco, a de co-texto3.

    3 A noo de co-texto, explicitada por Eco em Lector in fabula uma categoria textual, enquanto contexto ecircunstncia pertencem a uma teoria dos cdigos, da qual tambm so categorias, que, em forma deenciclopdia, leva em conta as possveis condies de uso de dado signo em dado texto. Uma seleocontextual registra os casos em que dado termo ocorre concomitantemente com outros termos pertencentes aomesmo sistema semitico; quando isto se efetiva, se atualiza, temos uma co-ocorrncia deste dado termo e,

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    Numa terceira instncia, vale redescobrir as interseces que a Semitica nos propiciafazer entre a histria, a filosofia e a antropologia, que vo desde um jogo comparativo entre

    a teorizao e a prxis, entre a descrio da realidade e sua construo imaginria at umalgica experimental que faculte uma pesquisa de cunho emprico, documental, onde as maisdiversas amostragens culturais possam ser apreendidas. Digo isto porque percebo (efundamento minhas idias no prprio Fabbri) que atualmente h uma necessidadepreemente de se pensar a interseco, os no limites, o imbricamento, o contnuo avanodas margens entre os estudos da cultura e os estudos da significao.

    Relembro, pois, as manifestaes de 1968, reiterpretadas hoje; os anos 70 com seu

    estruturalismo marcante; a gerao de mentores filosficos do porte de Lvi-Strauss,Michel Foucault, Roland Barthes, Jacques Lacan, A. J. Greimas, J. Derrida, J. Deleuze, F.Guatarri e tantos outros com suas teorias modernas sobre a linguagem, que encontramcaminhos mais densos em anlises de prticas significantes como o mito, as relaes deparentesco, a loucura, o cinema,... anlises estas que passam a ser respeitadas e reveladas a

    partir de uma lgica da simbolicidade, como o diria uma semioticista participante destemesmo grupo, Julia Kristeva.

    De outro ngulo, os estudos da corrente sovitica que, advinda do estruturalismotcheco, do Crculo Lingstico de Praga, do formalismo russo, que desgua nascontribuies dialgicas de Jakobson e Bakhtin merecem, a meu ver, um aprimoramentoterico que volte s marcas fundadoras, conhecidas realmente por muito poucospesquisadores e de l, ento, projetem-se em desdobramentos analticos e, posteriormente,crticos.

    Digo isto porque surpreende-me, cada vez mais, as misturas tericas e metodolgicaspelas quais a prtica semitica passa no Brasil acadmico. Encontro-me frente a umasemitica meramente de superfcie, mesclada uma pretensa anlise de discurso, anlisede contedo feita la Bardin e, mais srio ainda, a uma pretensa (des) construo filosficaderridariana. Destarte, entendendo a Semitica como a entendo, como uma longa einquietante histria do signo, da significao, e da produo de sentido, parece-me difcil

    logo, um co-texto. As selees contextuais prevem possveis contextos: quando estes se realizam, realizam-se num co-texto. (1983, p.18-19)

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    enquadr-la num papel to pouco relevante quanto a de mero e pouco eficaz instrumentopara recortes prprios do senso comum.

    Surpreende-me tambm o reducionismo que feito idia que Umberto Ecodesenvolve quando associa comunicao e cultura, ou melhor, quando assegura que todarelao de sentido revela, em seu processo gerador, uma dada conveno cultural que seencontra expressa, mesmo que interdita, nos ritos comunicativos. A separao apontada porW. Nth (1996) entre cultura e semitica, natureza e no-semitica no se sustenta quando

    compartilhamos da opinio de Edmund Leach ou quando expandimos a viso de culturapara a noo de semiosfera de Iuri Lotman.

    W. Nth, respeitado semioticista, que tem um dom to especial de ser, sobretudo,didtico, enfatiza que a rea principal dos estudos semiticos de Umberto Eco restringe-se prtica literria, que desenvolve em Lector in fabula , The role of the reader , Os limites dainterpretao, Interpretao e superinterpretao e, onde apresenta suas famosasestratgias de leitura, hoje, conhecidas como o tradicional modelo aplicvel de leitor. Para ocrtico Nth, o leitor ideal nem um leitor perfeito nem um leitor aberto pluralidade deleituras possveis (e admissveis, diria eu), justificveis pela prpria estrutura textual (1996,

    p.190). Ao definir a Semitica como um programa de pesquisa que estudaria os processosculturais como processos comunicacionais sob uma perspectiva semitica, o crtico v, emEco, uma total rejeio ao realismo ontolgico. Entro, nesta minha reflexo, nesta discussoporque entendo que, pela tica da Semitica contempornea, pensar o real como estando dolado de fora do processo de significao totalmente incoerente! Quando caem asbarreiras entre imaginrio, cultural, representado, natural; quando um hiper real tecnolgiconos aguarda, ali, na dobra da prxima esquina terica, vejo que Eco no limitou, noestreitou o patamar semitico aos meros critrios do comunicativo, do cultural e domentiroso. Ao afirmar que a semitica a teoria da mentira, uma vez, que tudo aquilo quesignifica, pode tanto ser verdade quanto pode tambm ser usado para mentir, porqueassegura incontestemente a dicotomia verdade/mentira (onde digo no conheo, pressupe-se que sei que conheo alguma coisa; no gostei, gosto de alguma outra coisa, etc, etc.) oautor abriu um imenso leque de possibilidades interpretativas de abranger o universo, omundo como diz, como um grande texto, onde se podem ler todas e quaisquer nuances dacultura. Neste mundo se incluem, desde a biosfera, passando pelo corpo como mdia

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    primria no vis de Bistryna, at um outro corpo ciberntico j totalmente dominado pelatecnologia. Na introduo ao seu Limites da interpretao , Umberto Eco declara

    enfaticamente que, a partir de um debate com imunologistas, estudiosos de processos deinterao em nvel celular, existem fenmenos de interpretao tambm naquilo que eu noTratado, chamava de limiar inferior da Semitica. (...) No excluo que exista semiose, e,portanto, interpretao nos processos perceptivos. Neste sentido, a interpretao fundadana conjectura e na abduo o mecanismo semitico que explica no apenas nossarelao com mensagens elaboradas intencionalmente por outros seres humanos, mas todaforma de interao do homem (e qui dos animais) com o mundo circunstante. atravsde processos de interpretao que, cognitivamente, construmos mundos, atuais epossveis. (1995, p18.).

    Ainda, emKant e o ornitorrinco , quando trabalha com a reao e o possvel tipo decomportamento que temos diante de um fenmeno desconhecido, buscando um recorte decontedo j presente em nossa enciclopdia, nosso arquivo mental de conhecimentos e

    memrias, que nos auxilie a des/reconstru-lo como sentido, quando se dedica questo daverdade (mentira, portanto) e crtica ao conhecimento como espelho da natureza, naassero pragmaticista de Richard Rorty, ou, quando discute a explicao como algointuitivamente conceitual, retomando os pseudoconceitos como pertencentes ao mundo dadesordem, onde nossas percepes so formadas, e, cujo territrio realmente habitamos,aquele em que procedemos por amostras, provas, erros e conjecturas, o autor Eco estentendendo o patamar do natural j como um primeiro patamar semitico.

    Mais uma vez, nos interessa o que nosso autor reitera: se estamos no plano dasconjeturas e, logo, no das abdues, se estamos trabalhando para alm daquela soleirasemitica inicial, se j inclumos o sujeito emprico ( para uma discusso mais apurada vermeu artigo A la recherche du sujet perdu na Internet), avanamos para um novoentendimento do prprio paradigma semitico j to debatido at agora.

    Merece, a meu ver, bastante ateno, a herana deixada por Lotman, muito poucorevisada, ou melhor dizendo, vejo pouca seriedade quando se trata de usar conceituaes edesdobramentos crticos peculiares obra exemplar construda por este autor. Para Lotman,alm da funo de comunicar, os textos produzidos pelos sujeitos de uma dada e especfica

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    cultura, cumprem a funo formadora de sentido, intervindo na qualidade de um sentidoprdado, dogmtico, sendo geradores de sentido em si e por si mesmos. A isto esto ligados

    os feitos reais, bem conhecidos pelos historiadores da cultura, onde a linguagem nopreceder o texto, mas ao contrrio, o texto preceder a linguagem. Estamos na esfera dofragmento em contraponto ao giro, ao genrico que Fabbri recupera em Nietzsche4, tpicodo contemporneo, onde pela mnima parte chegamos ou pretendemos chegar ao todo. Semnos opormos totalmente a tal prtica, afirmamos que s precisamos ter, alm de um cuidadoobsessivo, um senso crtico aguado para no perdermos a compreenso do fenmenosemitico na sua totalidade. A prpria esttica do fragmento implica, se penso emCalabrese e Derrida, numa herana. Ora, toda herana traz consigo um passado irrecusvele sua recuperao revela uma escolha, uma estratgia bem revisada de leitura e leitores, deherdeiros que sero continuadores e portadores, transmissores deste sentido das origens,

    detentores que so de uma memria de culturas.

    Apropriando-me ainda do pensamento de Fabbri e entendendo agora a Semitica

    como uma indagao, com vocao cientfica, dos sistemas e dos processos de significao;usando a categoria aristotlica do conhecvel, ligo a prtica do entendimento do sentidocom uma das instncias do conhecimento que estaria espera de sua articulaosignificativa. Lo conocible es el conjunto de los saberes compartidos por uma comunidado por partes de uma comunidad, y que de alguna manera estn a la espera de organizacinexpresiva y uma forma de organizacin de los contenidos. Em otras palavras, lo conocible,para llegar a ser sensato, necessita unos modelos. (1999, p.56).

    Ou seja, entender a Semitica como paradigma do processo de conhecimentosignifica, neste vis, dissecar os diferenciados envolvimentos que a produo de sentidoestabelece com a produo dos saberes. A linguagem, seguramente, carrega consigo no so produto de uma revelao quando estabelece relaes efetivas e/ou abstratas entre o nomee a coisa, como tambm recria, de modo original, o problema da significao. Gerarsentidos no deixa de ser, em ltima instncia, gerar conhecimento. Melhor dito: o sentido em si e por si puro conhecer. Tal processo cognitivo situar-se-ia numa das trs grandes

    4 No Mtodo 6: tca, cuja traduo de Juremir Machado da Silva j est no prelo, Edgar Morin explicita anoo de genrico: termo de Marx. O homem genrico definido como tal pela aptido para gerar eregenerar as qualidades propriamente humanas.

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    classes propostas por Muniz Sodr em sua Antropolgica do espelho , como umconstructum hipertextual a partir de posies interpretativas (...) um campo de relaes

    hipertextuais ou de interfaces entre os seres do esprito -as entidades virtualizadas do biosmiditico e os variados recortes do mundo real histrico. (2002, p.239). Ou seja, pensar aSemitica, igualmente como um processo de traduo, de espelhamento, ser refletir narelao direta que me parece ocorrer, hoje, entre a chamada crise da representao e aintroduo de um imaginrio que no se reporta quele aristotlico, que fixa a imaginaoentre a sensao e a inteleco, nem quele de Kant, o imaginrio transcendental, muitomenos, Lacan. Penso num imaginrio que d conta de um sentido, que seja em si mesmouma amostragem cultural e que esteja estratificado nos produtos miditicos. Questiono-mecomo procederia a Semitica para desvendar o sentido peculiar a tal imaginrio. Qual seriasua faca s lmina, uma vez que "o sentido a cabea de Medusa com quem se encontram

    todos aqueles que tm algum interesse no s pela linguagem, mas tambm pelo todo, porqualquer procedimento de significao", no dizer famoso de Emile Benveniste.

    Mas, voltemos ao velho e bom mestre Paul Ricouer, desde onde a Semitica pode serpensada como uma dialtica entre a compreenso e a explicao e, onde o texto, materialprecioso nossa anlise, visto como plurivocidade, polissmico ao nvel das palavras;imagens, sons... ambguo junto s frases; arranjos, telas... complexo, ecltico, hermtico noseu jogo interpretativo de tecituras, que encerram, em si mesmos, papis to distintos comoos do autor, o da prpria obra, o do leitor. V-se, aqui, o problema da combinao dosdiferentes elementos geradores do sentido que j aparece em Plato, noTeeteto e O Sofista

    e tambm em Aristteles, no clebre Da interpretao , apontando para o logos e,conseqentemente, para a lgica discursiva. Buscar o sentido do texto implica no s eminteragir com sistemas finitos/ infinitos de signos, sistemas imanentes como o previa

    Saussure, mas integr-los a sistemas outros, circunstanciais, contextuais, co-textuais. Meusemioticista preferido, Umberto Eco, quando cria seu conceito de enciclopdia emcontraponto ao de dicionrio, deixa claro que esta, a enciclopdia ( hoje totalmente virtual) um postulado semitico que registra o conjunto de todas as interpretaes j dadas,passadas, futuras, presentes e possveis. Ou seja, o sentido, escapa como areia deampulheta, e resvala por todos os nichos onde pode se readaptar, se reajustar; onde se recriae se renova, se desconstri.

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    Igualmente, no s se trata de interpretar o sentido na cadeia ininterrupta da semiose,onde um signo gera outroad infinitum como o previu Peirce. O prprio Peirce j afirmava

    que a lgica do conhecimento em geral e a lgica da investigao em particular acabam porestabelecer vnculos profundos que desencadeiam uma busca pelo sentido. sabido quePeirce desenvolve no processo cognitivo um tipo de argumento para alm da induo e dadeduo, h a abduo. O sujeito observa, registra e confronta dados empricos, ou seja,pratica a induo. De uma hiptese, de uma generalizao, de uma regra geral, deduz umasituao. Mas, acima de tudo, pratica o silogismo, onde todo o raciocnio, onde toda equalquer concluso a respeito do sentido de tal texto apenas provvel, verossmil, todasignificao pode se concretizar ou no com o desenvolvimento das estratgias de leituraque aplicamos pouco a pouco para desbravarmos o tecido virgem do enunciado grado pelaenunciao. Estes trs tipos de argumentos j se encontram noOrganon de Aristteles,

    ainda que de forma velada, mas desde Galileu h, creio, um certo acordo de que o mtododa cincia ser hipottico-dedutivo-experimental. Ressalta-se, aqui, pois, que a induo e adeduo so amplamente aceitas e divulgadas, enquanto a abduo pouco sistematizada.A abduo a metfora do sentido, o passo a passo do corte da faca s lmina que vaiabrindo devagar e sempre, desvendando, rasgando as amarras do tecido textual,

    desmembrando para reconstruir sem ter destrudo, refazer sem ter desfeito; aprimorando,acalentando criativamente as nuances isotpicas que se geram no percurso enunciativo.

    Confirma-se, assim, o que P. Ricouer, em suaTeoria da interpretao (1987), quandoaborda o problema das atitudes do leitor confrontado com um dado texto, promove como

    dialtica da explicao e da compreenso, elementos intrnsecos ao processo interpretativo.Tal dialtica altamente mediada e complexa e pode remontar s fases iniciais docomportamento interpretativo que surgem at na conversao. A interpretao passa a ser

    um processo altamente dinmico, onde explicao e compreenso so suas duas faces,movimentos de vai e vem, de vem e vai, da compreenso para a explicao e da explicaopara a compreenso. "Da primeira vez, a compreenso seruma captao ingnua dosentido do texto enquanto todo . (grifo meu) Da segunda, ser um modo sofisticado decompreenso apoiado em procedimentos explicativos. No princpio, a compreenso umaconjectura. No fim, satisfaz o conceito de apropriao" (1987, p.86) que leva plenaobjetivao, plena sistematizao do significado do texto. Ricouer, ao dar primazia

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    conjectura, tambm se apropria da hiptese e, consequentemente, do procedimentoabdutivo. A abduo, assim entendida, uma lgica da descoberta, da busca inconstante e,

    ao mesmo tempo, ferrenha, pela lgica isotpica do texto. Para Eco, a abduo intervmquando quero interpretar figuras, imagens, rituais, arqutipos..., e quando tenho queinterpretar vestgios, sintomas, indcios... e preciso saber do valor ou da veracidade de certoenunciado, em contraponto com todo o processo de enunciao em que se insere, isto , umsigno em especial, visto como um dado acontecimento, que assume o papel de texto. Aabduo passa, assim, a ser o desenho, a tentativa, em si mesma ousada, damontagem/remontagem de um cdigo extratextual, num novo sistema de significao luzdo qual os signos encadeados na sinfonia textual engendram sentido. H, portanto, comobem nos diz o autor, necessidade de advinhar o sentido de um texto: "O texto mudo."Quem fala por ele o seu leitor; quem o executa como a uma partitura o seu receptor.

    Devemos conjeturar o sentido do texto porque a inteno do autor e a do prprio texto sersempre inferida criativamente por seu leitor. Construir o sentido de um texto construir osentido de um mundo e de sua cultura. O texto enquanto todo e enquanto totalidadesingular pode comparar-se a um objeto que possvel ver a partir de vrios lados, masnunca de todos os lados ao mesmo tempo. Por conseguinte, a reconstruo do todo tem um

    aspecto perspectivstico semelhante ao de um objeto percebido. .

    Reatualizar o estudo da Semitica, entend-la no seu verdadeiro papel de reveladorado sentido das origens, desafiador, mltiplo, facetado, catico, derradeiro (se que estesentido existe), dar-lhe seu real estatuto, o de faca s lmina. E nessa ausncia to

    vida, como diria o poeta, que esse pesquisador carrega, e se faca a metfora do queleva no msculo, facas dentro de um homem do-lhe mais impulso que ela, a ausncialouvada por M.Foucault somada obsesso pela busca sensata do sentido do Ser e dos

    mundos, possa reabrir o espao da discusso profcua sobre o fazer interpretativo, sobre aatuao dos estudiosos da rea e, sem sombra de dvida, sobre as contribuies da prxissemitica prxis comunicativa.

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