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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

1

AS PRÁTICAS TRADICIONAIS RELIGIOSAS DA COMUNIDADE QUILOMBOLA

INVERNADA PAIOL DE TELHA FUNDÃO: ESTUDO DE CASO SOBRE A

PRÁTICA DA RECOMENDA DAS ALMAS.

ALMEIDA, Valderez Pontarolo.

Orientadora: Profª. Ms. Cerize Nascimento Gomes

RESUMO: Neste trabalho prima-se pela abordagem de uma temática regional, com o propósito de conhecer, divulgar e preservar as práticas tradicionais religiosas da Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão, especialmente a prática conhecida como Recomenda das Almas. Ao aproximar a comunidade escolar da comunidade quilombola e de suas manifestações religiosas e culturais, pretende-se fazer com que os alunos vivenciem tais práticas, interajam e participem com maior interesse do processo de ensino-aprendizagem da disciplina de história. Além da pesquisa sobre a prática da Recomenda das Almas, procura-se discorrer também sobre a história da Comunidade Quilombola Paiol de Telha Fundão, reconhecendo-a como mais uma das comunidades quilombolas do Estado do Paraná.

PALAVRAS-CHAVE: Comunidade Quilombola, Recomenda das Almas, Práticas Religiosas, Tradição e Cultura.

ABSTRACT:

In this work by the press of a regional thematic approach, with the purpose of learning, disseminate and preserve the traditional religious practices of the Community Quilombola Wintering Barn Tile Fundão, especially the recommended practice known as Almas. By bringing the school community maroon community and its religious and cultural manifestations, it is intended to make students to experience these practices, interact and participate with great interest the process of teaching and learning the discipline of history. In addition to research on the recommended practice of the Souls, the aim is also talk about the history of Quilombo Community Barn Tile Fundão, recognizing it as more a maroon communities in the state of Parana.

KEYWORDS: black community, Advised of Souls, Religious Practices, Tradition e Culture.

2

1 INTRODUÇÃO

A apresentação de um projeto de pesquisa sobre a prática da Recomenda

das Almas, fundamenta-se na necessidade de desenvolver estudos sobre temas

relacionados aos usos e costumes das comunidades afro-brasileiras, mais

especificamente no que diz respeito à história regional vivida pela Comunidade

Quilombola Paiol de Telha Fundão, na região de Guarapuava, que tem um dos

casos mais dramáticos de luta pela posse da terra já verificados no Paraná e no

Brasil. Tal comunidade preserva crenças religiosas bastante sincréticas, que unem

práticas de cultos africanos aos ritos cristãos, e procura preservar suas tradições em

meio ao enfrentamento das condições adversas que permeiam sua trajetória de

resistência cultural e de luta política e social pela posse da terra.

Tais estudos encontram embasamento no artigo 26 da lei nº 9.394 de 10 de

dezembro de 2008, e na lei 10.239 de 9 de janeiro de 2003. Conforme tais

documentos torna-se obrigatório no Ensino Fundamental e Médio, das redes pública

e particular de ensino, o estudo de história e cultura afro-brasileira. Diz a Lei:

Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1

o O conteúdo programático a que se refere o caput deste

artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e políticas pertinentes à História do Brasil. § 2

o Os

conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira. (LEI, 10.239 de 09/01/2003)

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), conforme

alterações propostas pela publicação da Lei 10.639/2003, os professores vem sendo

estimulados a trabalhar a História e Cultura Afro-Brasileira em todos os currículos

escolares, da rede pública e particular de ensino, em áreas específicas, entre elas, a

de história.

Portanto, em consonância com o que está legalmente disposto, no sentido

de elaborar pesquisas que forneçam subsídios para a elaboração de uma história

regional, pretende-se analisar a história de vida da Comunidade Quilombola Paiol de

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Telha Fundão juntamente com a prática da Recomenda das Almas, destacando-se a

importante participação da cultura afro-brasileira no contexto paranaense. Acredita-

se que um trabalho desta natureza pode contribuir para a valorização das etnias que

contribuíram para formação sócio-cultural do povo brasileiro.

Argumenta-se também, que o presente trabalho tem como finalidade básica

a conclusão da experiência de estudos e de intervenção pedagógica relativa ao

Programa PDE, que tem como tarefa conclusiva a elaboração de um artigo científico

sobre as atividades didáticas e de pesquisa realizadas durante a trajetória percorrida

pelos docentes. Nesse sentido, o trabalho fundamenta-se teoricamente em

documentos próprios como a LDB e as leis que legislam sobre a história e cultura

afro-brasileiras, e em autores como

A intervenção pedagógica foi realizada no Colégio Estadual Padre Chagas,

de Guarapuava, com a turma de 6ª série do Ensino Fundamental, do período da

tarde, tendo como parte das estratégias de ação, atividades aplicadas que serão

apresentadas no decorrer deste artigo.

Ao primar pela abordagem uma temática regional, elaborou-se inicialmente

o projeto com o propósito de conhecer, divulgar e preservar as práticas tradicionais

religiosas da Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão,

especificamente a prática conhecida como Recomenda das Almas.

Acredita-se que a proximidade com a comunidade quilombola e suas

manifestações religiosas e culturais, poderão fazer com que os alunos vivenciem tais

práticas, interajam e participem com maior interesse do processo de ensino-

aprendizagem da disciplina de história, em especial dos conteúdos de história da

África e dos povos africanos.

A problemática em questão diz respeito à história dos costumes e das

práticas religiosas e trata sobre as maneiras de conhecer, divulgar e preservar as

práticas tradicionais religiosas da Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha

Fundão, especialmente a prática conhecida como Recomenda das Almas. Ao

mesmo tempo abre oportunidade ao debate sobre a legitimidade da luta da

comunidade do Fundão sobre a posse da terra.

Desse modo, pretende-se contribuir para a produção de estudos sobre a

cultura afro-brasileira, um desafio que alguns autores e pesquisadores vêm tentando

enfrentar com a elaboração de livros e artigos com temáticas diversificadas.

Entendendo-se que um dos ofícios do historiador é estabelecer conexões entre os

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processos sociais e a história, é relevante considerar as mudanças promovidas

pelos afro-descendentes na estrutura social, cultural, política e econômica do Brasil.

Para contemplar as concepções desta pesquisa, inicialmente descrevem-se

os aspectos sobre a formação da localidade Paiol de Telhas Fundão, para depois

promover o estudo sobre as práticas tradicionais religiosas da comunidade em

questão e, finalmente, avaliar a metodologia desenvolvida com os alunos de 6ª Série

do Colégio Estadual Padre Chagas durante a aplicação das atividades previstas na

ocasião da implementação do projeto de intervenção pedagógica.

2. ASPECTOS HISTÓRICOS DA FORMAÇÃO DA ANTIGA LOCALIDADE

FUNDÃO – MUNICÍPIO DE PINHÃO – PR., ATUAL COMUNIDADE

INVERNADA PAIOL DE TELHAS - FUNDÃO

Para se entender a questão dos negros, em relação às terras da Fazenda

Paiol de Telhas, é importante fazer um breve resumo histórico da ocupação, pelo

branco, da referida área, quando foi distribuída pelo sistema de sesmarias.

Guarapuava recebeu, a partir do séc. XVIII muitas famílias oriundas da província de

São Paulo. Segundo a historiadora, Alcioly Therezinha Gruber de Abreu, Manoel

Ferreira, colonizador brasileiro, tomou posse de uma Sesmaria, que havia recebido

do governo brasileiro, no séc. XIX. Era uma sesmaria de 4.500 alqueires paulista se

fosse mata e 4.050 alqueires se fosse campo, não era raro uma pessoa ser dona de

mais de uma sesmaria. (ABREU, 1986, p. 43)

Segundo o relato da autora, Manoel Ferreira, era casado com Dona Balbina

Francisca Siqueira. Desse casamento não tiveram filhos. Além de possuírem, na

fazenda Capão Grande vários escravos, criaram também uma índia, que os

escravos trouxeram da mata quando ainda era criança. “Os cachorros latiram e

assustaram os índios que correram deixando a menina. Levaram-na para a casa e

colocaram o nome de Ana de Farias, que mais tarde casou com o enteado do casal

Pedro Lustosa de Siqueira”. (ABREU, 1986, p. 45)

D. Balbina, em 1.866, ficou viúva e resolveu elaborar em vida um testamento

de seu patrimônio, como a mesma não sabia ler ou escrever, pediu ao padre Antonio

Braga de Araújo para transcrever o texto. O testamento de D. Balbina diz o seguinte:

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Declaro que os escravos que meu finado marido deixou como libertos com a

condição somente de me servirem durante a minha existência, são os

seguintes: Heleodoro e sua mulher Feliciana, Manoel José Velho, José dos

Santos, Izidoro, Eduardo, Dinna, Joaquim, Libania e Rita, os quais todos

tendo-me prestado bons serviços ficaram por isso gozando de liberdade.

Declaro que depois do falecimento de meu esposo, possuí mais dois

escravos, sendo estes: José Marcos, mu afilhado e Generosa, os quais

ficam libertos sem mais condição alguma, o dito José Marcos, fica também

libertos a mesma Generosa; com condição, porém de me servir por espaço

de quinze anos, dois órfãos que estou criando, de nomes Maria Antonia dos

Santos e Porfíria Pedra, das quais se alguma casar ficará ela servindo a

que ficar solteira, e dela não poderá retirar-se sem completar os quinze

anos, contados do meu falecimento. Declaro, que a invernada denominada

Paiol de Telha, que possuo na Fazenda do Capão Grande, e que principia

desde o Pontão até o Rio da Reserva, com as terras de cultura nela

existente, ficam pertencendo por meu falecimento a todos os escravos

acima mencionados, e às suas famílias, para nela morarem, sem nunca

poderem dispor, disto, como fica como patrimônio dos mesmos... Depois de

feitas todas as disposições, o que sobraram de meus bens, ficará tudo

pertencente ao meu afilhado e sobrinho Pedro Lustosa de Siqueira, e sua

mulher Dona Ana Joaquina de Faria. (ANEXO 1)

Este é o trecho do testamento que faz com que a comunidade quilombola

lute desde que o testamento foi feito até os dias atuais pela posse da terra, que é

considerada um direito adquirido pelos descendentes dos escravos. O restante do

documento está em Anexo I para que o leitor o analise. Porém, a última vontade de

Dona Balbina foi transgredida antes mesmo de sua morte. Isso é o que afirmou

Domingos Gonçalves Guimarães, neto dos escravos descendentes, que em

entrevista relatou que o enteado de D. Balbina, Pedro Lustosa, tendo recebido uma

parte da área, mudou o marco da divisa da sua terra com a dos negros, diminuindo

assim a área que pertencia a eles. Ou seja, os negros já foram prejudicados e

esbulhados, mesmo quando sua tutora ainda estava viva e já havia destinado, via

testamento, grande parte das suas terras a eles. Disse o entrevistado:

Ele teve a capacidade de pagar os 3.00 alqueires que havia sido

doados aos negros escravos. Também havia um mapa em forma de

um triângulo, que demarcava os limites da área, o mapa foi destruído

por Pedro Lustosa que o queimou. Ao mudar as novas demarcações

fazia-se uma cerimônia, matava um negro e o enterrava junto para

que cuidasse da nova divisa. Perguntava-se se o negro cuidava do

marco, ao passo que ia respondendo que sim, por várias vezes,

quando o tom de voz ficava bem alto, lhes davam um tiro na nuca e

os enterravam junto com o novo marco. (GUIMARÃES, 2010,

entrevista)

6

Dona Balbina, já estava em idade bem avançada quando isso ocorreu,

então, ela ficou muito decepcionada e sentiu-se traída pelo enteado. Segundo

relatos dos próprios negros, ela fez uma trança de fios que desfiava dos sacos que

trazia os mantimentos da época, fazia as “broás”, “enrolou os fios e se enforcou na

perna do “catre”.

O fato de D. Balbina ter deixado as terras para os negros, é narrada pelos

descendentes numa história pitoresca. Segundo eles, havia várias panelas com

moedas de ouro dentro, enterrados pelos padres Jesuítas espanhóis nessa região.

Era uma maneira de guardar as riquezas, já que não havia bancos. Pois bem, os

padres Jesuítas espanhóis foram expulsos da região, nas brigas entre Espanha e

Portugal, pelo direito destas terras. É importante lembrar que Guarapuava e região,

pertenciam à Espanha pelo tratado de Tordesilhas, em 1492. Foram expulsos e não

levaram as tais panelas. Alguns negros, de D. Balbina, encontraram uma dessas

panelas e a entregaram a proprietária, já que estava localizado em suas terras,

segundo os herdeiros vieram comitivas de especialistas de São Paulo, para analisar

o tesouro.

Dona Balbina queria retribuir a lealdade dos negros e foi aconselhado pelo

padre Cônego Braga a ceder um pedaço de terra a eles, pelos “bens que lhes havia

feito em vida”. E foi exatamente o que ela fez. Ainda no contexto da área em estudo,

em 1992, Maria Luiza Abibe, Presidente então em Guarapuava, filha de escravos,

declarou em cartório que seu falecido pai, escravo da fazenda das Torres, não

pertencia à herança da Invernada Paiol de Telha, que era de seus bisavós, estando

prestes a morrer ele contou que “a mando do Coronel Pedro Lustosa”, tinha tirado os

marcos que faziam divisa da Fazenda de Torres com a invernada Paiol de Telhas,

que era a antiga fazenda Capão Grande, pois ali onde o “Coronel” entregou não era

o portão, era invernada de pau a pique, que os marcos que foram tirados um deles

era no Capão do Pereira e outra era na Cachoeira onde está denominado a antiga

fazenda das Torres, após a mangueira de Pedra e o outro fica situado na reserva

Monjolo Velho, da reserva de cima. Ela também pediu a sua filha Maria Luiza, para

que chamasse Joaquim Lustosa Dangui, representante da família Lustosa, para

entregar a terra dos “morenos”. (ANEXO II)

As famílias dos negros ficaram morando no local até que, em 1965,

apareceu em cena, o Sr. João Trinco Ribeiro, dizendo que iria ajudar a dividir as

terras entre as famílias, pois moravam coletivamente. Segundo os negros, “queriam

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ter o documento das terras e então acreditaram nele que, ao contrário do que disse,

fez tudo diferente”. Com o nome de cada um deles, conseguidos em um dos

cartórios da comarca de Guarapuava, Estado do Paraná, arranjou uma escritura de

cessão de direitos hereditários, alegando ter autorização e assinatura dos negros. É

importante destacar que nenhum negro sabia ler ou escrever na época. Como

poderiam ter assinado algum documento?

Todavia, os negros continuaram a viver na Região, e em 1966, “Dr.

Pacheco”, assim como era chamado pelos negros, Oscar Pacheco dos Santos, foi

designado delegado da comarca de Guarapuava. O delegado apareceu na área, a

pedido do então Juiz, José Amoriti Trinco Ribeiro, filho de João Trinco Ribeiro, para

que comprasse 400 alqueires que pertencia ao Juiz. Os negros passaram a receber

ameaças e até agressões (espancamentos), para que deixassem as terras.

(depoimento dos herdeiros).

Em 1972, Pacheco, alegando ter comprado a área, iniciou uma série de

ações cujo objetivo era expulsar as famílias da terra. Foi queimado uma máquina

colhedeira, um trator Massery Ferguson - 85, 7.000 latas de Torflan (insumo

agrícola) e 18 tambores de óleo diesel (depoimento dos herdeiros). Grande parte

deste capital era de arrendatários da área, um era co-herdeiro e outro era um tal

Pedro “Coxo”. Ambos permaneceram no local até 1977.

Pacheco transferiu o direito à posse à Cooperativa Agrária Mista de Entre

Rios, justificando ter efetuado a compra da propriedade, mas segundo os negros: “A

Cooperativa percebeu a confusão que envolvia a negociação e não efetivou o

pagamento requerendo aí o usucapião, em 1981. Em 1975, o último morador negro

que resistiu a expulsão permaneceu no local, trata-se de Domingos Guimarães, que

sofreu um atentado, segundo ele, por parte dos jagunços da Cooperativa, mas

sobreviveu e foi obrigado a sair da área para não morrer.

Os descendentes procuraram então ajuda via justiça, mas foi em vão.

Contrataram o advogado Jacinto Simões para defendê-los, mas, este abandonou a

ação diante de pressões e de ameaças que estava recebendo. Os negros

procuraram a delegacia, mas segundo eles também “era à toa, pois o delegado

estava envolvido bem como o juiz, então eles ficaram sem saber o que fazer”.

Em 1981, a Cooperativa entrou na 1a vara civil de Guarapuava com uma

ação de usucapião que foi contestada pela procuradoria estadual e governo do

Estado, sob a alegação de que terras devolutas não poderiam ser usucapiadas. Tais

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terras têm registro do Instituto de Terras e Cartografia (ITC) em nome de Eugênio

Soares Guimarães sob a inscrição No 2748181-6 que vinha pagando os impostos

como dono da propriedade. (ANEXO III).

Com a emancipação política do Pinhão, o Dr. Amoriti Trinco Ribeiro foi

denominado juiz da comarca e concedeu, em 1989, a posse definitiva das terras

para a Cooperativa Agrária. Em 1995, a Procuradoria Geral da República arquivou

uma representação de dois bisnetos dos herdeiros, que pedia a reintegração de

posse. (ANEXO IV)

Hoje, parte da Terra está em poder da Cooperativa, outra parte está com os

bisnetos de Pedro Lustosa, que são João Ranhoff, Claro Yung, Pedro Wolff,

Francisco Furter e outra parte, ainda, está com a Fiat Lux.

Os descendentes inconformados foram pedir ajuda à Comissão Pastoral da

Terra (CPT) de Guarapuava, sendo então organizado um encontro dos

descendentes com entidades e pessoas afins. A primeira reunião aconteceu no dia

24 de novembro de 1995, aonde depois de esclarecido as pessoas sobre o assunto,

nasceu à idéia de formar uma associação com o objetivo de organizar legalmente

ações para reaver a terra.

Darci Frigo, advogado de Curitiba, conhecedor das questões agrárias,

deixou claro no seu parecer que não seria fácil, pois todos os documentos que

ultrapassam vinte anos são prescritos pelo tempo e perdem a validade. Nasceu

então a Associação Quilombola Pró-Reintegração da Invernada Paiol de Telha –

Associação Eleodoro, comunidade para descendente de escravos, definida como -

Associação Civil sem fins lucrativos sob a inscrição 01.194.255/001-03, com

endereço à Rua XV de Novembro, No 3466, 4o andar, sala 404, Guarapuava-Paraná.

O objetivo da Associação é organizar e congregar as pessoas que estão

envolvidas neste movimento, buscando assim organizar ações avançando na

solução do problema, bem como conseguir apoio de outros segmentos da

sociedade. A associação encaminhou ao Presidente da República um relatório

histórico da situação da terra, e um pedido que seja tomada “as providências

necessárias para garantir o retorno à terra que lhes é de direito e justiça dos

descendentes de ex-escravos, bem como pelo reconhecimento do Paiol de Telha

como patrimônio cultural brasileiro”. Este documento foi enviado no dia sete de

março de mil novecentos e noventa e sete, assinados também pelos advogados do

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movimento. Uma cópia também foi enviada ao Presidente da Fundação Cultura

Palmares. Além disso, foram realizados atos públicos e debates sobre a questão.

Desde 1998, cerca de cinqüenta famílias estão acampadas a cinqüenta

quilômetros de Guarapuava, em frente à Fazenda Fundão, no Município de Pinhão.

Também o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) está

fazendo um levantamento para localizar uma área de 850 hectares na região de

Guarapuava para assentar as famílias. Este foi o acordo da última audiência com as

lideranças do movimento, no final de março de 1998.

2.1 ADESÃO AO MOVIMENTO QUILOMBOLA

Após a criação da Associação Pró-Integração Invernada Paiol de Telha,

buscou-se a adesão de entidades e pessoas que demonstrassem apoio ao

movimento dos Negros, principalmente ao Centro de Direitos Humanos (CDH) de

Guarapuava, pois esta situação envolve questões de injustiça social passando pela

visão de cidadania que devemos ter ao buscar igualdade e dignidade para todos.

Causou impacto às lideranças sindicais, principalmente da Associação de

Professores do Paraná (APP – Sindicato), o fato que estas pessoas tenham sido

abandonadas à sorte pelo motivo de serem pobres e negras. Participam do grupo de

adesão, outras entidades: Sindicato dos Bancários de Curitiba; ACNAP (Associação

Cultural Negritude e Ação Popular); Comissão Pastoral da Terra, SISMMUC

(Sindicato dos Servidores Municipais de Curitiba), Instituto Afro-brasileiro, setorial de

negros e negras do PT, Coletivo de Mulheres Negras.

Em Guarapuava, a Pastoral da Terra, da Criança, Operária, do Menor,

Paróquia do Pinhão, Diretório Municipal do PT, Associação de Famílias de

Trabalhadores Rurais de Pinhão- AFATRUP, Sindicato dos Empregados em

Empresas de Serviços Contábeis, Assessoramento, Perícia, Informações, Pesquisa

e Prestadoras de Serviço do Estado do Paraná - Delegacia Regional, Sindicato dos

Servidores Públicos e Professores Municipais de Guarapuava e Núcleo Sindical da

APP - Sindicatos. Estas entidades também fizeram uma campanha de arrecadação

de roupas e alimentos para as famílias acampadas.

Essa participação vem somando forças na luta destas pessoas, que buscam

o direito que lhes foi negado, através da denúncia em jornais de categoria e boletins

10

informativos. Também foi realizado um filme com depoimentos dos descendentes

dos escravos, possibilitando assim a divulgação nacional de uma história que tem

contribuindo muito para que as pessoas conheçam a outra versão dos fatos sobre a

posse da terra na região de Guarapuava.

Pessoalmente, acredita-se que é preciso por meio do trabalhado dos

professores de história, de sociologia, de economia, de direito, das áreas de

Ciências Sociais, expor o lado oculto da história, a versão negada pelos registros

oficiais, o lado misterioso que os documentos e a grande mídia procuram silenciar.

Mesmo sabedores que não é nada fácil defender os pobres e os negros, e muito

mais os negros pobres, insiste-se em acreditar que, graças ao trabalho sério, de

cientistas sociais, historiadores e juristas um dia a comunidade do Fundão poderá

celebrar a posse da terra que reivindicam.

Depois de diversas reuniões, mobilizações, passeatas e assembléias

realizadas para tentar sensibilizar a comunidade na busca de reconquistar o território

de origem RTDI – Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território

Quilombola encontra-se em processo final em Brasília, ou seja, em última instância.

Para a orientadora desta pesquisa, a professora Cerize Gomes, mestre em

História na área de Movimentos Sociais pela Universidade Estadual Paulista,

UNESP de Assis, a comunidade Quilombola do Fundão é protagonista de uma

história muito diferente daquela que passou para os livros da História de

Guarapuava, e se não fosse a resistência dos descendentes dos escravos e o seu

empenho, sua história também estaria “prescrita pelo tempo”, como suas terras

foram definidas pela justiça.

3. CULTURA E LEGITIMIDADE: A PRÁTICA DA RECOMENDA DAS ALMAS

Com relação à Comunidade Quilombola da Invernada Paiol de Telha Fundão

observa-se que há uma preocupação dos descendentes em recuperar seu

verdadeiro território para que possam garantir a reprodução das suas práticas

culturais e religiosas. Sobre isso, o decreto presidencial número 6040 de 7/02/2007,

em seu artigo terceiro, considera que os povos e comunidades tradicionais: grupos

culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas

próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais

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como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e

econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos

pela tradição. (DECRETO PRESIDENCIAL nº 6.040, art.3º)

São nesses grupos que estão incluídos os quilombolas, entre eles a

comunidade Invernada Paiol de Telha Fundão, no município de Guarapuava, que

conseguiram certidão de auto-reconhecimento, concedida pela Fundação Cultural

Palmares que comprova que os negros do Fundão são descendentes de escravos e

reconhece-os como mais uma comunidade quilombola no contexto paranaense.

A resistência em torno da questão agrária diz respeito à manutenção do

território para desenvolver sua cultura e realizar suas práticas religiosas de rezas e

festas, o que significa espaço para assegurar a identidade das futuras gerações.

Nesse sentido, com o objetivo de evidenciar seus costumes e suas crenças

nosso estudo de caso sobre a Recomenda das Almas, constituí-se sobre uma

prática religiosa tradicional, transmitida de geração para geração, ainda em

evidência na Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão, no Núcleo

do Assentamento da Colônia Socorro, distrito de Entre Rios mo Município de

Guarapuava, onde residem atualmente aproximadamente 20 famílias, sendo que no

início do assentamento tinha 64 famílias, das quais muitas saíram por motivos da

saúde, trabalho, dentre outros, vindo morar nos bairros de Guarapuava.

Esse recorte historiográfico sobre a temática das práticas religiosas

relacionadas a Recomenda das Almas permitiu identificar e localizar as 36

comunidades quilombolas no Paraná, que já foram reconhecidas pela Fundação

Cultural Palmares. Referenciando-as, com destaque para a Invernada Paiol de Telha

Fundão. Também Investigaram-se os aspectos da religiosidade dos quilombolas do

Fundão, evidenciando rezas e festas tradicionais da comunidade.

Estudos sobre as comunidades negras tradicionais do Paraná possibilitam o

desenvolvimento de uma proposta metodológica de partir das histórias locais que

possam contribuir decisivamente para a amostragem da importância do legado

cultural dos povos afro-brasileiros para a construção da identidade e da própria

história do Brasil. Essa forma de pesquisa viabiliza novas abordagens da história

regional, com recortes sobre elementos singulares que ao serem transformados em

objetos de análise possam evidenciar e destacar a abrangência histórica das

comunidades negras, em conformidade com os pressupostos da Lei nº. 13.381/ 01,

12

que torna obrigatória, no Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública e Estadual,

o trabalho com os conteúdos de História do Paraná.

A partir dessa Lei outras foram sendo conquistadas com através da Luta dos

movimentos negros que culminaram na publicação da Lei 10639/2003, assinada

pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de autoria da deputada Esther Grossi

estabeleceram a obrigatoriedade do ensino da temática história e cultura

afrobrasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio das redes

públicas e particular do País. Através do parecer CNE/CP 003/2004, das Diretrizes

Curriculares, está incluso no currículo escolar a Educação das Relações

Étnicorraciais para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Recentemente as lideranças do movimento negro paranaense, fizeram

aprovar a Lei PL/ N°235/09 que determina feriado Estadual da Consciência Negra no

dia 20 de novembro, em homenagem ao aniversário de Zumbi dos Palmares.

Entendemos que todas essas conquistas fortalecem o Estatuto da Igualdade

Racial no Estado do Paraná, que define:

Os princípios e estabelece as diretrizes para a elaboração e a execução das

políticas públicas para o combate à discriminação de origem racial e para a

superação das desigualdades sócio-econômicas que atingem a população negra,

comunidades indígenas, povos tradicionais e outros segmentos étnicos

historicamente discriminados social, política e economicamente. (Estatuto da

Igualdade Racial – PR).

A Secretaria do Estado de Educação (SEED) institucionalizou o Fórum

Permanente de Educação e Diversidade Étnicorraciais do Paraná (FPEDER- PR) o

qual institui as Diretrizes Curriculares para a educação das relações étnicorraciais e

para o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em consonância com

determinações do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Todas essas políticas

reconhecidas e assinada pela Secretária de Estado de Educação estimulam os

educadores na elaboração de propostas que coloquem em prática essa temática.

Nesse sentido, o presente artigo volta-se para as práticas tradicionais,

culturais e religiosas da Comunidade Invernada Paiol de Telha Fundão, tendo como

recorte um estudo sobre a prática da Recomenda das almas, um antigo rito que

continua sendo praticado e por meio do qual, os mais velhos, garantem a

permanência das suas tradições, a manutenção das suas raízes culturais e da sua

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identidade enquanto grupo social. Esse enfoque privilegia novas correntes

historiográficas, conforme incentivam as DCEs:

- Ao optar pelas contribuições das correntes da Nova História, Nova História

Cultural e Nova Esquerda Inglesa como referenciais teóricos destas Diretrizes

Curriculares, objetiva-se propiciar aos alunos a formação da consciência histórica.

Para que esse objetivo seja alcançado, recomenda-se que o professor faça uma

abordagem dos conteúdos sob a exploração de novos métodos de produção do

conhecimento histórico e inclua em sua metodologia de trabalho: vários recortes

temporais; diferentes conceitos de documento; sujeitos e suas experiências, numa

perspectiva de diversidade; formas de problematização em relação ao passado;

condições de elaborar conceitos que permitam pensar historicamente; superação da

idéia de História como verdade absoluta. (DCEs, PR, 2006)

Sobre tal comunidade, é necessário destacar que a mesma se tornou

conhecida em todo o Brasil por sua luta sobre o direito de posse de uma área de

terras, recebida por meio de herança em 1960, onde seus antepassados residiram

comunitariamente e da qual teriam sido expropriados por lideranças políticas e

empresarias da região de Guarapuava. O processo sobre o caso Paiol da Telha

mereceu destaque em pesquisas acadêmicas, matérias jornalísticas e documentário

exibido na TV Cultura, em rede nacional, tornando o embate jurídico conhecido

pelos estudiosos dos movimentos quilombolas.

Confiantes que um dia retornarão ao território tradicionalmente ocupado, os

moradores tornaram-se um exemplo de luta e receberam apoio de entidades

diversas, bem como organismos públicos, organizações não governamentais

sindicatos e movimentos sociais. Atualmente a comunidade se encontra dispersa em

quatro núcleos: Guarapuava, Pinhão, Reserva do Iguaçu e Assentamento Colônia

Socorro - Entre Rios. Sua luta está respaldada pela Constituição Brasileira, que em

seu artigo 16 sugere que sempre que for possível esses povos deverão ter o direito

de voltar às suas terras tradicionais, assim que deixarem de existir as causas que

motivaram seu translado e reassentamento.

A importância de pesquisas sobre o assunto é reforçada por Mirian Furtado

Hartung, que ao escrever sobre o assunto no livro O sangue e o espírito dos

antepassados: escravidão, herança e expropriação no grupo negro Invernada Paiol

de Telha-Pr, entende que “a invisibilidade tornou-se um dos aspectos mais

relevantes da identidade social dos afrodescendentes no sul do Brasil” (p.9., 200

14

Ela assim define nosso local de estudo:

A Invernada Paiol de Telha, também conhecida como Fundão, cuja área totalizada aproximadamente 8.712 há, integrava a Fazenda Capão Grande, localizada no Distrito de Pedro Lustosa, município da Reserva do Iguaçu, Comarca de Pinhão. Esta faz parte da região dos Campos de Guarapuava. (HARTUNG, p.17, 2004.

15

MAPA – Núcleos da Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão

Fonte: Laboratório de Cartografia do Sul do Brasil.

16

Ao explorar a religiosidade e cultura do grupo de afro-descendentes,

temática da nossa pesquisa, a autora avalia as festas de santos, as rezas

tradicionais, as solenidades, bem como a importância e a diversidade de suas

crenças:

Era através das festas de santos domésticos, quando as unidades familiares partilhavam rezas e alimentos, que as relações entre eles se fortaleciam, pois estavam ligados no mundo dos homens e também o estavam em outra esfera, aquela onde localizam Deus, os santos, as almas, os espíritos. (HARTUNG, p.41, 2004)

A Recomenda das Almas ao ser inserida como objeto de estudo, recorte

temático e fonte de pesquisa se inserem nesse contexto de ligação do grupo no

mundo dos homens e no mundo espiritual, possibilitando o relato de uma prática

religiosa comunal que se apresenta como uma das mais antigas tradições dos

moradores do Fundão. Essa prática poderá se perder sem deixar registros, caso não

exista interesse dos estudiosos em registrar os passos desse procedimento, com

relato dos instrumentos utilizados, a letra das orações e dos cantos e as crenças que

envolvem a reza que recomenda as almas dos mortos.

Laudo antropológico realizado por professores da Universidade Federal de

Santa Catarina, na Invernada Paiol de Telha, no item relacionado à religiosidade e

vida social aborda o sincretismo religioso da comunidade que conta com cerimônias

religiosas africanas juntamente com práticas católicas ou evangélicas. Sobre a

recuperação da memória o laudo aborda a Recomenda das Almas como “uma

procissão realizada durante a semana santa em honra à alma dos mortos, e que se

serve de um instrumento, a matraca, para avisar a chegada da procissão na casa a

ser visitada” (UFSC, Laudo Antropológico, p.212). Sobre sua importância histórica

observações feitas durante o encontro dos anciãos no Fundão, os pesquisadores

observaram que:

Os anciãos, estes que parecem reportar e guardar a memória das orações praticadas quando ainda moravam no Fundão, fizeram uma performance da Recomenda, e assim procedendo, tiraram lágrimas da platéia, inclusive de Domingos, que, entre sua passada catolicidade cristã e sua presente evangelicidade, parece ter sido tocado por uma profunda sensação de pertencer a algo que, embora os ditames do destino e as incongruências da conjuntura o tenha distanciado, orienta e define um modo próprio de pertencer ao mundo, de dar a ele luz, graça e sentido. (LAUDO ANTROPOLOGICO, UFSC, p.213)

17

Depoimentos colhidos com os mais velhos moradores do Fundão asseguram

que o ofício da Recomenda das Almas era organizado por pequenos grupos,

chamados de ternos, que passavam de casa em casa, durante toda a noite, pela

madrugada adentro, até o amanhecer, com cânticos e rezas para as almas dos

mortos de cada família. Os ternos eram formados por 10, 15 ou 20 pessoas as quais

realizavam os sete passos em sete casas e um dos passos deveria ser na cruz ou

na igreja. Em todas as casas era feito o ritual de rezar cantando as orações como o

Deus te salve, o Entremos, Entremos, e a oração da semana Santa, essas orações

eram cantadas antes de entrar na casa onde o grupo chamado terno permanecia no

sereno até o dono abrir a porta. Ao entrar na casa a luz era apagada e recebiam o

terno com uma vela acesa para continuar as cantorias que iniciaram lá fora, rezando

em torno de um altar com santos, que foi preparado pela família da casa onde

poderia ser em cima da mesa ou até do fogão.

Ao trabalhar essa prática afro-brasileira em sala de aula, pensou-se

inicialmente, em atender alguns preceitos que vem sendo estabelecidos para mudar

o cotidiano a sala de aula e fazer com que o aluno se descobrisse como investigador

e produtor do conhecimento. Sobre isso, Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene

Cainelli, em Ensinar História, destacam que:

Assim, a aula de história é o espaço em que um embate é travado diante do próprio saber: de um lado, a necessidade de o professor ser o produtor do saber, de ser partícipe da produção do conhecimento histórico, de contribuir, pessoalmente para isso; de outro, a opção de se tornar tão somente o eco do que já foi dito por outros. A sala de aula não é apenas o espaço onde se transmitem informações, mas o espaço onde se estabelece uma relação em que interlocutores constroem significações e sentidos. (SCHMIDT, p.31, 2004)

Porém, além de permissão para a investigação científica e a descoberta de

sujeitos históricos alternativos, a presente pesquisa permitiu em nível pessoal o

amadurecimento político e social, que tem o poder de transformar o docente em

professor pesquisador. Sente-se que o contato com uma história tão plena de

resistências e lutas, que a vivência com sujeitos históricos silenciados e oprimidos, é

capaz de promover a transformação dos pesquisadores.

Como escreveu o historiador Jim Sharpe, no artigo A história vista de baixo,

publicado na obra A escrita da História, organizada por Peter Burke, da Escola

Inglesa, ao defender a importância da história feita pelas massas excluídas:

18

Certamente existirão historiadores, tanto acadêmicos quanto populares, que planejarão escrever livros que implícita ou explicitamente neguem a possibilidade de uma recriação histórica significativa das vidas das massas, mas, seus motivos para agir assim serão cada vez mais duvidosos. A história vista de baixo ajuda a convencer aqueles de nós nascidos sem colheres de prata em nossas bocas, de que temos um passado, de que viemos de algum lugar. (SHARPE, p.62, 1992)

É esse sentimento de pertença a um lugar histórico e cultural, esse

sentimento de participação na construção da identidade da região e da nação, por

meio de práticas e ofícios populares, que apreendemos e ensinamos durante o

desenvolvimento de pesquisa junto a comunidade de Invernada Paiol de Telha –

Fundão.

Outro aspecto a salientar é de que se trabalha história mundial e nacional,

porém pouco, ou melhor, quase nada é desenvolvido em cima da história local, de

nosso Estado ou município.

Estudar sobre a vida do negro do Brasil é de fato um grande desafio que

muitos autores têm buscado explicitar. O fato importante do ofício do historiador é

fazer conexões sobre a vinda do negro no Brasil e a estrutura social que se monta

sobre esses novos habitantes, que quase sempre envolve processos de

transferências culturais.

A figura do negro desenvolveu um papel unificador no cenário mundial, que

pode ser encontrado no livro de Luiz Felipe Alencastro, (ALENCASTRO, Luiz Felipe

de. O tratado dos Viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul) que destrói o mito

de uma relação estreita e exclusiva entre metrópole e colônia e confere ao país uma

dimensão internacional antes mesmo da sua formal assunção ao status de Estado

independente no século XIX.

Com relação à comunidade Quilombola de Paiol de Telha Fundão, observa-

se que não está muita clara a questão da terra nesta localidade, por parte da

população da região. No entanto, sabe-se que os mesmos foram reconhecidos

como descendentes de ex-escravos, os quais foram reconhecidos como herdeiros

de Dona Balbina Francisca de Siqueira, a qual deixou uma área de terra na

localidade denominada de Fundão, no Município de Pinhão-Pr., aos seus 11

escravos Área esta que desde 1974 encontra-se em propriedade da Cooperativa

Agrária Mista.

19

Conforme informações dadas pelos líderes do Movimento Paiol de Telha, os

descendentes dos ex-escravos, ou seja, os legítimos donos têm lutado para retomar

o território tradicionalmente ocupado.

Acredita-se então que é importante que conheçam a história para tomar

partido pela causa, deixando de emitirem opiniões errôneas.

O referido projeto destacado em uma unidade didática trabalhou com a

cultura Afro brasileira e Africana, partindo da história de uma comunidade local para

conhecer as praticas tradicionais religiosas da Comunidade Quilombola Invernada

Paiol de Telha Fundão fundamentado com um estudo de caso: a recomenda das

almas.

A reza religiosa a recomenda das almas é praticada atualmente por um

grupo de pessoas afrodescendentes da comunidade que realizam esse ato religioso

durante a quaresma.

No período do mês de abril a julho de 2010. A professora Valderez realizou

uma pesquisa de campo, em um dos núcleos da comunidade que fica no

assentamento quilombola da Invernada Paiol de telha em Entre rios – Colônia

Socorro- Pr.

Durante as visitas que lá fiz entrevistei senhoras recomendadeiras que

participam da recomenda.

NO encerramento da implementação do projeto PDE. Sobre as praticas

tradicionais religiosas da Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão

fundamentado com estudo de caso: a recomenda das almas foi realizado no dia

18/11/2010, onde a professora Valderez Pontarolo Almeida propiciou um encontro

entre alguns afrodescendentes da comunidade e os alunos da 6º série.

No período da tarde, os alunos aprenderam sobre a pratica religiosa a

recomenda das almas, que foi contada pela quilombola dona Clarinha que é uma

das recomendadeiras dessa reza

Nessa tarde os, os alunos assistiram também um vídeo sobre uma

apresentação da reza da recomenda onde o grupo da comunidade apresentou na

câmara municipal de nossa cidade no dia do lançamento da sua cartografia. Além da

reza da recomenda das almas a integrante da Comunidade contou aos alunos sobre

a reza de São Gonçalo, que era praticada por eles antigamente e trouxe para

20

mostrar um purungo, onde contou que na época que moravam no fundão usavam

para colocar água e permanecia fresca.

.

3.1. REPRODUÇÃO DE ENTREVISTA FEITA COM A SENHORA

IZABEL DA CRUZ SANTOS, DE 68 ANOS, MORADORA DO

NÚCLEO DO ASSENTAMENTO QUILOMBOLA INVERNADA

PAIOL DE TELHA FUNDÃO NA COLÔNIA SOCORRO – ENTRE

RIOS - PR E PRATICANTE DA REZA DA RECOMENDA DAS

ALMAS

Quando é feita a reza da recomenda das almas? Essa reza pertence a

qual religião?

- É feita todos os anos no período da quaresma a partir da quarta-feira de

cinzas até sexta-feira maior. O mais forte da recomenda é realizada na semana

santa.

Por que é feita a reza? E aonde?

- É feita em homenagem as almas dos purgatórios para recomendar as

almas. É feita na casa das famílias que tem cruz, na porta das casas, ou na arvore e

as que não têm, faz a cruz na hora, no chão com o pé. Um dos passos é na igreja

católica.

Como é feita as orações da recomenda nas casas?

Ao entrar na casa reza-se três pai nossos

Um para a dona da casa, um para as almas, um para a santa cruz. Após os

três pais nossos, reza-se uma oração que é cantada.

Ai a dona abre a casa com a luz apagada e a vela acessa. O grupo da uma

pausa na oração de fora e começa a oração cantada, que é assim: Entremos,

entremos, por estas portas adentro, vamos ver a Deus menino, com seu santo

nascimento, bem podia Deus nascer em colchão de ouro para dar exemplo a mundo

foi nascer tão pobrezinho, no presépio de Belém.

As orações são cantadas como:

Deus te salve casa santa, Deus te salve sua morada. Acordai o irmão das

almas, acordai se estiver dormindo para rezar um padre nosso... Ave Maria...

Rezamos outro padre nosso, Ave Maria, em louvor das almas da nossa obrigação.

21

Rezamos outro padre nosso, Ave Maria em louvor a Santa cruz. São várias

orações,em todas as casas reza-se o Deus te Salve e o Entremos... Entremos,

Na semana santa é cantada a oração:

Segunda feira Santa, o dia que a senhora estava com seu filinho no ventre.

Bendita sejais, Bendita sejais... Nossa Senhora das dores rodeada dos anjos,

coroada de flor.

Terça feira santa, o dia que nossa Senhora da Dores estava com seu filinho

nos braços. Bendita sejais... Nossa Senhora...

Quarta feira Santa o dia que a senhora estará com seu filinho doente.

Bendita sejais... Ben.. Nossa Senhora...

Quinta feira Santa o dia que a senhora estará com seu filinho morto. Bendita

sejais...

Sexta feira da paixão o dia que a senhora estará com seu filinho que foi

sepultado. Bendita sejais...

Sábado de Aleluia o dia que a senhora estará com seu filinho que

ressuscitou. Bendita sejais...

Domingo da Ressurreição dia que a senhora estará com seu filinho que

subiu ao céu. Bendita sejais... Bendita sejais, Nossa Senhora das dores rodeada

dos anjos coroada de flor.

Quem coordena a reza? Como são chamados?

A capeloa que puxa e coordena a reza. Quando é homem é capelão. Aqui

no assentamento a dona Izabel é a capeloa.

Os jovens e as crianças participam? Gostam de rezar?

- Sim. Participam, agora que aprenderam “gostam”, tem crianças que já

aprenderam as orações. A Mariana de 10 anos já acompanha a reza divinamente.

Tem outras rezas da comunidade?

- Sim, além da a recomenda tem a dança de São Gonçalo. A erguida do

mastro. Aqui por enquanto só é feita a reza da recomenda. Os que os antepassados

faziam: a erguida do mastro faziam todo o mês sobre o santo que era devoto.

Existem outras igrejas? Quais?

- Existem outras igrejas e rezas aqui no núcleo do assentamento. Existem

igrejas evangélicas e uma igreja católica e o centro kundun-balê que acredita em

22

deuses africanos, do Candomblé realizado no terreiro. Existe uma grande divisão,

estão divididos.

Existe critica em relação à reza da recomenda?

Por alguns moradores da comunidade. Criticas por que não sabem, não

conhecem. Já fomos chamados de bandos de loucos. Tem pessoas que dizem lá

em casa não vá me acordar.

Frases que contaram no dia da entrevista:

O falecido compadre Teles Gonçalves rezava chorando, por lembrar, dos

seus entes queridos, como seu pai e sua mãe já falecidos.

Quando cantava na casa, representava que não éramos mais nós, tinha um

acompanhamento, de Deus.

Não pode cantar as orações de dia só a noite. Rezamos para as almas que

são boas. É toda tradição da quaresma o mais forte da recomenda é na semana

santa. Antes de entrar na casa a capeloa bate a matraca para avisar que o grupo

está chegando. Quando moravam no Fundão, às vezes saíam às oito horas da noite

e amanheciam.

Ao terminar tomavam Quentão de pinga com casca de laranja.

4. INTERVENÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

As atividades propostas por meio do Projeto de Intervenção Pedagógica

levaram em consideração a política do Programa PDE para o ensino de historia, o

qual se depara com um novo desafio, a implementação de estudos sobre a história e

a cultura afro-brasileira nos currículos escolares com a finalidade de ampliar o

espaço social e cultural dos povos africanos e sua contribuição para a história do

Brasil.

Nesse sentido, pensou-se em uma pesquisa para estimular os alunos e fazer

com que estes percebessem que as matérias inclusas nos livros didáticos podem

ser vivenciadas com maior intensidade por meio da aproximação com a comunidade

quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão. Essa intervenção pedagógica resultou

no registro da memória cultural dessa comunidade, por meio de entrevistas,

depoimentos e imagens do ritual conhecido como Recomenda das Almas.

23

Através das atividades promovemos encontro entre os alunos e alguns

remanescentes quilombolas praticantes desse ritual, realizamos entrevistas e

coletamos imagens que podem servir como documentário da manifestação cultural

da Recomenda das Almas para uso didático em sala de aula. Esse conjunto de

estratégias e atividades permitiu a elaboração do artigo final do nosso projeto de

pesquisa.

Apresentar para os alunos da 6ª Série do Ensino Fundamental, do Colégio

Estadual Padre Chagas, uma síntese das atividades do plano de intervenção

pedagógica com vistas à apreensão de conteúdos sobre a cultura e a religiosidade

afro-brasileiras, com pesquisa sobre a Comunidade Quilombola Invernada Paiol de

Telha, com estudo de caso sobre a prática conhecida como Recomenda das Almas,

seguiu-se um cronograma pré-estabelecido.

Primeiramente fez–se a Formação de Grupos de Trabalho e de Estudos

entre quatro e seis alunos para o desenvolvimento de atividades de leitura e

produção de textos, análise de vídeos, documentários e que foram utilizados nas

estratégias de ação, com a finalidade de ampliar o conhecimento dos alunos sobre a

história das comunidades afro-brasileiras. Depois disso, promoveu-se a exibição do

documentário sobre o histórico das comunidades quilombolas no Paraná,

localizando-as, e fazendo uma análise de suas principais características sócio-

culturais. Em seguida, elaborou-se uma ficha de leitura sobre a Comunidade

quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão, explanando sua história de vida.

Essas três primeiras atividades resultaram na compreensão sobre o

desconhecimento da sociedade quanto às comunidades quilombolas. Permitiram o

interesse sobre o cotidiano dessas pessoas e o reconhecimento da diversidade das

práticas culturais e religiosas dessas comunidades. Os alunos fizeram

questionamentos sobre assuntos algumas questões pontuais: Como e porque os

povos africanos vieram para o Brasil? Como vieram para o Paraná? Como vieram

para Guarapuava? Por que permaneceram vivendo em condições tão diferentes da

sua terra, a África? Essa foi a oportunidade para debates e formação de opinião

sobre a realidade das comunidades quilombolas do Paraná.

As atividades que deram continuidade ao projeto de intervenção contaram

com A Internet como fonte de pesquisa, que fez com que os estudantes

procurassem na web o significado das seguintes legislações: Lei Nº 13.381/01 - Lei

Nº 10.639/03 - Lei PL/ Nº 235/09. E também das palavras: quilombo ou quilombolas,

24

descendentes, afro-brasileiros, sincretismo, identidade cultural, herança,

remanescentes, recomenda, cultura material, cultura imaterial. O estudo dessas leis

e dos conceitos dessas palavras fez com que a turma fosse lentamente

compreendendo questões relacionadas às relações e políticas culturais

estabelecidas no Brasil.

Depois disso, seguiu-se uma Pesquisa Didática e de Campo, utilizando-se

o Livro Didático do Projeto Araribá, adotado pelo Colégio Padre Chagas,

especificamente o capítulo 6, da pagina 232 até a página 239, que contém

abordagem histórica dos quilombos e da escravidão no Brasil, com textos do

historiador Gilberto Freyre, da obra Casa Grande e Senzala e análise de quadro de

Jean-Baptiste Debret, constantes do livro didático para analisar de que forma são

abordados os conteúdos sobre História da África e dos africanos. Depois disso

realizaram entrevista com seus familiares ou vizinhos para identificar a crenças

religiosas e o conhecimento sobre a prática da Recomenda das Almas. Tal atividade

permitiu que os alunos identificassem a religião predominante da sua família e do

seu bairro, as rezas e festas religiosas realizadas pelas igrejas no entorno do

Colégio. A pesquisa indicou que poucas pessoas e apenas as de idade mais

avançada conheciam ou tinham ouvido falar na Recomenda das Almas. O trabalho

dos GTEs permitiu a realização de um debate sobre diversidade cultural e

intolerância religiosa.

A última série de atividades contou com Filmagem sobre a Prática da

Recomenda das Almas, feita especialmente para este projeto do Programa PDE,

durante a Semana Santa de 2010, no núcleo do assentamento da Comunidade Paiol

de Telha Fundão, cujo vídeo foi exibido para a Turma. Nessa ocasião eles

receberam uma matéria jornalística de autoria de Cristina Esteche, do site da Rede

Sul de Notícias, para leitura e produção de texto. (ANEXO)

A penúltima atividade didática foi de Leitura e interpretação de Imagem

Fotográfica. Reunidos em seus grupos responderam as questões que foram

elaboradas para permitir a análise e a interpretação de elementos contidos na cena

e que são representativos da prática da Recomenda das Almas.

25

Fotografia utilizada: A capelã Dona Izabel, em sua casa, coordenando a reza da Recomenda das Almas, batendo a matraca, acompanhada de outras pessoas que acompanham e ajudam nas orações. (Crédito: Valderez Pontarolo)

LEITURA DE IMAGEM

1. Descreva o local e as pessoas da imagem.

2. O que essas pessoas estão rezando?

3. O grupo acha que a prática do rito religioso da Recomenda das Almas

está de acordo com as crenças da cultura afro-brasileira. Por quê?

Para concluir, realizou-se uma palestra com dois moradores do núcleo

Guarapuava da Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão, que

participam da prática da Recomenda das Almas que falaram sobre a importância da

manutenção dessa tradição, bateram a matraca e fizeram alguns trechos do ritual

que impressionou os estudantes. Eles responderam perguntas e curiosidades dos

alunos sobre o assunto, e foi um momento bastante propício para que a comunidade

escolar convivesse com tais sujeitos históricos.

Essas atividades ajudaram os GTEs a compreender a época e a hora em

que é praticado esse ritual, quais as orações são rezadas nesse dia, como é

chamada a pessoa que coordena essa reza, qual instrumento é utilizado na reza e

qual o objetivo da prática da Recomenda das Almas. A partir disso os estudantes

entenderam porque os mais velhos dizem que os jovens devem preservar essa

prática religiosa.

26

5 CONCLUSÃO

Historicamente, a Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão

é conhecida no Paraná e no Brasil, por sua luta de mais de 30 anos em defesa do

direito de constarem como legítimos herdeiros de Dona Balbina Francisca Siqueira,

proprietária de uma área de terra de mais de três mil alqueires, na localidade

denominada de Fundão, no município de Pinhão, que teria sido doada em 1.860 aos

seus escravos por meio de testamento pessoal. (ANEXO 1)

A área que os descendentes dos escravos reivindicam teria sido, pouco mais

tarde, ocupada e escriturada em nome de outras pessoas ou instituições. A

resistência em torno dessa questão agrária é mantida geração após geração, porque

as lideranças do movimento e os moradores da comunidade reconhecem que é

preciso recuperar seu verdadeiro território para manter sua cultura e realizar suas

práticas religiosas de rezas e festas, bem como para assegurar a identidade das

futuras gerações.

Nesse sentido, com o objetivo de evidenciar seus costumes e suas crenças,

realizou-se o estudo de caso sobre a prática da Recomenda das Almas, que

constituí-se em rito religioso tradicional, transmitido de forma oral de geração para

geração, ainda em evidência em Invernada Paiol de Telha Fundão, no núcleo

quilombola do Assentamento Colônia Socorro em Entre Rios- Pr.

Esse recorte historiográfico sobre a temática das práticas religiosas vividas

pela comunidade afro-brasileira da região de Guarapuava, com o desenvolvimento

de estudos específicos sobre a resistência na luta pela posse da terra e a prática da

Recomenda das Almas permitiu aos estudantes identificar e localizar as 36

comunidades quilombolas no Paraná, com destaque para a Invernada Paiol de

Telha Fundão; investigar aspectos da religiosidade dos quilombolas, bem como

pontuar e reconhecer as rezas tradicionais e as festas religiosas existentes na sua

comunidade.

A intervenção didático-pedagógica permitiu estudos sobre a Lei Federal nº

10639/2003 que introduziu o ensino afro-brasileiro no currículo escolar, a filmagem

da prática da Recomenda das Almas com realização de vídeo-documentário, a

produção de fotografias e de textos, evidenciando-se a elaboração de um farto

material alternativo sobre a prática da Recomenda das Almas.

27

A experiência de aplicabilidade da pesquisa feita no Colégio Estadual Padre

Chagas, com a Turma da 6ª Série do Ensino Fundamental do ano de 2010, está

inclusa no portfólio entregue ao programa PDE na conclusão deste trabalho. A

expectativa, em relação à continuidade da pesquisa é que existam oportunidades de

apresentação, publicação e divulgação do resultado obtido com os estudos junto à

Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha – Fundão.

Espera-se que, com a realização desta pesquisa e a implementação do

projeto pedagógico, tenha-se contribuído para a construção de novos modelos de

compreensão histórica, pois como afirma Peter Burke, um dos maiores estudiosos

da história cultural da escola inglesa, “a história do passado se mantém viva nos

processos culturais e na memória e práticas dos mais diversos povos” (BURKE,

1992, p. 16).

Para concluir, reconhece-se nesta abordagem o atendimento aos aspectos

da Lei Federal nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003, que introduziu o ensino afro-

brasileiro no currículo escolar, no momento em que se evidencia a prática da

Recomenda das Almas, realizada por alguns dos mais antigos descendentes da

Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão, como uma das

importantes tradições cristã de origem portuguesa, a qual foi adaptada pelos

quilombolas na região de Guarapuava.

Percebe-se que a comunidade estudada não é unida, pois muitas das

famílias não aceitaram esta terra, vindo a debater com as demais, pois a luta é para

tentar obter as terras do Fundão, doadas em testamento por Dona Balbina. Muitas

ainda aguardam negociação do INCRA, outras ainda saíram vindo tentar a vida de

outra maneira, pois não conseguiram sobreviver da agricultura.

O atual assentamento Paiol de Telha foi implantado em 1998 com a

extensão de 1.100 he., cujos lotes foram divididos de acordo com os critérios do

INCRA.

REFERÊNCIAS

ABREU, Alcioly Therezinha Gruber de. A Posse e o Uso da Terra: Modernização

Agropecuária de Guarapuava. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura e do

Esporte, 1986.

28

_____. e MARCONDES, Gracita Gruber. Escravidão e Trabalho. Fundação

Universidade Estadual do Centro Oeste-UNICENTRO. Guarapuava: 1991.

BASSO, Itacy Salgado. As Concepções de História como Mediadoras da Prática Pedagógica do Professor de História. Didática, São Paulo, 1989.

BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2005.

BURKE, Peter. (org.) A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.

FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação: A história dos dominados em todo o mundo. São Paulo: Ibrasa, 2005.

FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1988.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

HARTUNG, Mirian Furtado. O sangue e o espírito dos antepassados: escravidão, herança e expropriação do grupo negro Invernada Paiol de Telha. Florianópolis: NUER/UFSC, 2004.

GOMES, Jackson Jr. e outros (org.). Paraná Negro: fotografia e pesquisa histórica. Curitiba: UFPR, 2008.

SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. (org.) A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.

SCHLEUMER, Fabiana de e OLIVEIRA, Oséias de. (org.) Estudos étnico-raciais. São Paulo: Canal 6 Editora, 2009.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora e CAINELLI, Marlene. Ensinar história. São Paulo: Scipione, 2005.

DOCUMENTOS CONSULTADOS

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: apresentação dos temas transversais. Ética/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO – LDB- Lei 10.639/2003 e 11.645/2008; sobre as mudanças em relação aos estudos afro-brasileiros. NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO BRASIL. Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão. ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL NO ESTADO DO PARANÁ CERTIDÃO DE AUTO-RECONHECIMENTO DA COMUNIDADE QUILOMBOLA INVERNADA PAIOL DE TELHA FUNDÃO, concedida pela Fundação Cultural

29

Palmares que comprova que os negros do Fundão são descendentes de escravos e reconhece-os como mais uma comunidade quilombola no contexto paranaense.

RELATÓRIO ANTROPOLÓGICO DA COMUNIDADE QUILOMBOLA INVERNADA PAIOL DE TELHA FUNDÃO expedido por equipe da UFSC.

SITOGRAFIA

MORAN, José Manuel. O vídeo na sala de aula. Disponível em HTTP://www.eca.usp.br/prof/moran/tec.htm. Acesso em 12/05/2009.

Portal Educacional Dia-a-dia Educação. TV Pendrive. Disponível em http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/ acessado em 19/10/2009.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes curriculares de História para a educação básica. Curitiba, 2006. http://www2.uel.br/cch/his/arqdoc/DiretrizesCurriculares-EdBasicaPRHISPDE.pdf. Consultado em 05 /06/2009.

WWW.ytube. Intolerância Religiosa. Acesso em 13.07.2010

30

ANEXOS

MATÉRIA JORNALÍSTICA

PAIOL DE TELHA: RECOMENDA DAS ALMAS É RITO NA SEXTA-

FEIRA SANTA

A tradição da recomenda das Almas, ritual religioso celebrado a partir das

23horas da sexta feira da paixão e que se estende até as primeiras horas da manhã

do sábado de aleluia, está sendo preservada na comunidade quilombola Paiol de

Telha, na colônia socorro em Entre Rios. O ritual começa numa casa das casas

escolhidas pelos rezadores.

As pessoas cantam na porta, do lado de fora da casa, e batem três vezes a

matraca (instrumento feito de madeira). Após a cantoria que encomenda as almas

dos antepassados daquela família, a porta é aberta pelo dono da casa e a procissão

entra. Um altar com imagens de santos está pronto na sala. Depois da reza. A

anfitriã oferece pipoca, paçoca de amendoim, bolo de fubá, arroz doce, café, pão

caseiro, são alguns quitutes típicos que foram preparados durante o dia. O ritual

segue de casa em casa até de madrugada. Os cantos têm tom de lamento que

chora a morte de cristo e recomenda as almas. “São cantados três Pai-Nosso “Um

para a santa cruz, outro para as almas e o último para o dono da casa. As orações

são oferecidas as almas. Os ensinamentos são repassados pela capela que

coordena as orações. Para não deixar a tradição dos seus antepassados perecerem

com o tempo o incentivo à preservação parte dos mais jovens, que se interessam,

em aprender e a participar e alguns querem se tornar guardiões dessa tradição

ancestral.

Fonte: Rede Sul de Notícias. Disponível em: WWW.redesultenoticias.com.br. Autoria: Jornalista: Cristina Esteche. Acessado em 10 de outubro de 2010.

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS COM OS ALUNOS

a) Como é chamado esse ritual?

b) Em que época e em que hora é praticado esse ritual?

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c) Que orações são rezadas nesse dia?

d) Como é chamada a pessoa que coordena essa reza?

e) Que instrumento é utilizado na reza? Por quê?

f) Na opinião do grupo, como os mais jovens devem preservar essa pratica

religiosa?

g) Qual é o objetivo da pratica da Recomenda das almas?

1. Qual a religião predominante em sua família? E qual sua igreja?

2. Quais as rezas e festas que são realizadas durante o ano em sua igreja?

3. Em sua casa costumam realizar praticas religiosas como orações, cantos,

meditações, etc. Quais?

4. Vocês conhecem ou já viram falar da pratica religiosa Recomenda das almas?

5. Em sua comunidade já participaram ou participam de alguma reza ou festa

religiosa?

6. O que os avós ou parentes mais velhos podem nos contar sobre praticas da

Semana Santa do seu tempo de criança?

1. O que mais chamou sua atenção nos estudos realizados?

2. Como foi a colaboração dos alunos do seu grupo de trabalho e de estudo?

3. As atividades estimularam a participação e o debate entre a turma?

4. Como foram feitas as pesquisas de campo?

5. O que vocês aprenderam sobre a cultura afro-brasileira a partir da pratica da

Recomenda das almas?

FICHA DE LEITURA SOBRE AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO PARANÁ.

a) O que o grupo entende por comunidade quilombola?

b) Cite quantas e quais são as comunidades quilombolas que o grupo conheceu a

partir da exibição do vídeo.

c) Como vivem as pessoas nessa comunidade?

d) Quase as praticas culturais e religiosas dessas comunidades?

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e) O que o grupo conhece sobre a história dos povos quilombolas? Como elas

vieram para o Brasil? Como vieram para o Paraná? Como vieram para Guarapuava?

f) Expressem a opinião do grupo sobre as comunidades quilombolas?

LEITURA DE IMAGEM

1. Descreva o local e as pessoas da imagem.

2. O que estas pessoas estão rezando?

3. O grupo acha que a pratica do rito religioso da Recomenda das Almas está de

acordo com as crenças da cultura afro-brasileira. Por quê?