maranhÃo, fabiano. o corpo negro na construção da identidade negra

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  • 2013, dos autores

    Superviso Douglas Henrique Perez Pino

    Equip~ de Reviso Lingustica Clarissa Galvo Bengtson Daniel William Ferreira de Camargo Daniela Silva Guanais Costa Gabriela Aniceto Letcia Moreira Clares Paula Sayuri Yanagiwara Sara Naime Vidal Vital Equipe de Editorao Eletrnica lzis Cavalcanti Equipe de Ilustrao Maria Julia Barbieri Mantoanelli Capa e Projeto Grfico lzis Cavalcanti

    O objetivo desta obra o de servir como apoio didtico aos cursos ofereci-dos pela UFSCar. Seu contedo est reproduzido conforme solicitado pelo(s) autor(es), sem nenhuma interferncia do Conselho Editorial da EdUFSCar.

    Ficha catalogrfica elaborada pelo De PT d

  • O corpo na construo da identidade negra Fab iano Maranho Luiz Gonalves Junior

    Primeiras palavras

    O presente captulo desenvolve-se no sentido de apoiar pr-ticas antirracistas1 que auxiliem o trabalho de educadores e edu-cadoras no seu dia a dia escolar. Salientamos que, desde 2003,

    st includa, no currculo oficial da rede de ensino, a obrigatorie-dade da temtica "Histria e Cultura Africana e Afro-Brasileira", conforme a Lei n2 10.639, de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 2004), posteriormente complementada pela Lei n2 11.465, de 10 de maro de 2008 (BRASIL, 2008), a qual tambm inclui o ensino da "H istria e Cultura Indgenas", conforme segue:

    Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino mdio, pblicos e privados, torna-se obrigatrio o estudo da histria e cultura afro-brasileira e indgena.

    12 O contedo programtico a que se refere este arti-go incluir diversos aspectos da histria e da cultura que caracterizam a formao da populao brasileira, a partir desses dois grupos tnicos, tais como o estudo da histria

  • da frica e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indgenas no Brasil, a cultura negra e indgena brasileira e o negro e o ndio na formao da sociedade nacional, res-gatando as suas contribuies nas reas social, econmica e poltica, pertinentes histria do Brasil.

    2Q Os contedos referentes histria e cultura afro-brasi-leira e dos povos indgenas brasileiros sero ministrados no mbito de todo o currculo escolar, em especial nas reas de educao artstica e de literatura e histria brasileiras (BRASIL, 2008).

    Enquanto educadores e educadoras atentos educao das relaes tnico-raciais, entendemos que a histria e cultura afro--brasileiras e dos povos indgenas brasileiros devem, efetivamen-, te, se fazer presentes em todos os componentes curriculares, visando a contribuir para o conhecimento e o reconhecimento das culturas j citadas, o que colabora para uma educao antirracista.

    Nesse sentido, nossos objetivos versam possibilitar reflexes sobre corpos culturais negros omitidos dos bancos escolares e da sociedade e compreender que o corpo e seus atributos cons-tituem suporte e sede material no processo de construo das identidades.

    1. Relaes tnico-raciais na escola

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    Na maioria das escolas em que a questo racial temati-zada, ela no aparece como prioritria. Mesmo naquelas que concentram uma quantidade significativa de alunos negros, ou que apresentam um amplo repertrio de pre-conceito e discriminao racial em relao aos alunos negros, a questo racial no tratada em projetos peda-ggicos especficos (ABRAMOVAY & CASTRO, 2006).

    Segundo Abramovay & Castro (2006), comum um tratamen-to dado questo racial nas escolas que indique despreparo do corpo docente e da prpria instituio para abordar o assunto. Ainda existe uma naturalizao dos atributos socioculturais, como a percepo de que os negros teriam uma predisposio natural para os esportes, para a dana, para os trabalhos braais, ou at mesmo a negao da desigualdade racial, pautando-se somente pelo quesito classe social.

    De acordo com Rosemberg (1998), para desmistificar tais dizeres, em uma pesquisa realizada no Estado de So Paulo so-bre o pensamento que atribui toda desigualdade tnico-racial s diferenas socioeconmicas, obteve-se a seguinte concluso: a proporo de atraso escolar entre alunos brancos menor se comparados entre alunos negros, mesmo quando so compara-dos entre si escolares provenientes de famlias com igual nvel de renda familiar e com igual ndice de participao no mercado de trabalho.

    Desse modo, podemos entender que o "fracasso" escolar no inerente simplesmente condio econmica dos alunos e das alunas; que o pertencimento tnico-racial torna-se agra-vante nesse tratamento desigual.

    A preocupao educacional apontada anteriormente pelas autoras reflete a educao trabalhada nos bancos escolares, na rede de ensino, na sociedade brasileira. Elas ainda sinalizam que o problema fundamental que, numa sociedade com desigual-dades, logicamente, os pontos de partida so muito diversos; da proporcionar o mesmo a todos na escolaridade obrigatria no significa promover equidade, pois

    o currculo comum no pode nos fazer esquecer que no existem alunos mdios abstratos, para os quais se possa selecionar e planejar uma cultura especialmente acondicio-nada [ ... ]. No existe nenhum currculo neutro, como tem demonstrado muito bem a desigual diviso em grupos sociais do fracasso escolar (G 1MENO SACRISTN & PREZ GMEZ, 2000, p. 191).

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  • Assim, as desigualdades no derivam apenas das diferenas observveis no ponto de partida de populaes brancas e ne-gras, mas tambm, principalmente, das oportunidades desiguais de ascenso dos negros aps a abolio.

    Desse modo, podemos dizer que o preconceito e a discri-minao, ainda que de forma escamoteada, esto presentes no seio escolar. Muitas vezes, essas instituies, apesar de utilizar o discurso da igualdade, no respeitam as diferenas e, diante disso, as crianas negras, para obter sucesso na escola (e fora dela), precisam "branquear-se" (CAVALLEIRO, 2000).

    O branqueamento na escola acaba se fazendo existir pela falta de tempo/espao dado criana negra para suas mani-festaes culturais, nas atitudes dos professores, na falta de representatividade de professores(as) negros(as), nos cartazes e nos materiais didticos. E, para se opor a isso, as famlias negras necessitam de uma formao cultural que estimule a criana em casa; o que ocorre, frequentemente, no entanto, os pais passa-rem a maior parte do tempo procurando melhorar a autoestima da criana do que ensinar ou reforar os contedos escolares. J nas famlias brancas, h a necessidade de um pensamento "de-mocrtico", para que discusses sobre o tema sejam abordadas no seio familiar (ibid.).

    Alm da invisibilidade dos negros em materiais didticos, cartazes, existem prticas/atitudes que demonstram a aceitao ou rejeio, podendo ser observadas atravs do contato fsico criana-criana e criana-professor(a), com abrao, beijo, carinho ou olhar, e tentativas de aproximao e afastamento entre as pessoas (ibid .).

    Cavalleiro (2000), observando o trmino de um dia de aula, contabilizou um nmero trs vezes maior de crianas brancas sen-do beijadas pelas professoras em comparao s crianas negras: dez crianas brancas para trs negras. Sendo assim, negros(as) vivendo em espaos que lhes proporcionam, sistematicamente, a interiorizao negativa de seu pertencimento racial acabam "introjetando" e reproduzindo iguais valores e/ou evadindo-se

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    dos espaos em que no sejam contemplados (que no retratem sua cultura e modo de ser como forma de resistncia).

    um equvoco a afirmao de que os negros se discriminam entre si e que so racistas tambm. Essa constatao tem de ser analisada no quadro da ideologia do branqueamento, que divulga a ideia e o sentimento de que as pessoas bran-cas seriam mais humanas, teriam inteligncia superior e, por isso, teriam direito de comandar e de dizer o que bom para todos. Cabe lembrar que, na ps-abolio, foram formuladas polticas que visavam ao branqueamento da populao pela eliminao simblica e material da presena dos negros. Nesse sentido, possvel que pessoas negras sejam influen-ciadas pela ideologia do branqueamento e, assim, tendam a reproduzir o preconceito do qual so vtimas. O racismo imprime marcas negativas na subjetividade dos negros e tambm na dos que os discriminam (BRASIL, 2004, p. 14).

    . Esse tipo de comportamento retrata, de certa maneira, que 0 s1.stema educacional brasileiro uma mera reproduo do que, historicamente, vem sendo vivenciado na sociedade brasileira .

    Contudo, um acordo firmado na Ili Conferncia Mundial con-tra o Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e outras Formas de Intolerncia, realizada em Durban, frica do Sul,

    ( 122) Insta os Estados a assegurarem igual acesso edu-cao para todos, na lei e na prtica, e a absterem-se de qualquer medida legal ou outras que levem segregao racial imposta, sob qualquer forma, no acesso educao;( 202) em estreita cooperao com a UNESCO, a promoverem a implementao do Programa de Ao sobre Cultura da Paz [ ... ]2 (BRASI L, 2012, p. 72, 97).

    Assim sendo, conforme Brasil (2004),

    sistemas de ensino e estabelecimentos de diferentes nveis convertero as demandas dos afro-brasileiros em polticas

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  • pblicas de Estado ou institucionais, ao tomarem decises e iniciativas com vistas reparao, ao reconhecimento e valorizao da histria e cultura dos afro-brasi leiros, constituio de programas de aes afirmativas, medidas estas coerentes com um projeto de escola, de educao, de formao de cidados que explicitamente se esbo-cem nas re laes pedaggicas cotidianas. Medidas que, convm, sejam compartilhadas pelos sistemas de ensino, estabelecimentos, processos de formao de professores, comunidade, professores, alunos e pais (BRASIL, 2004, p. 13).

    No que diz respeito ao estudo das relaes tnico-raciais .em mbito legal, a educao brasileira obteve grande impulso quan-to va lorizao da histria e cultura da frica e dos africanos, dada com a luta do Movimento Negro, perpassando a Confe-rncia de Durban (frica do Sul), que culminou na Lei 10.639/03, responsvel por alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB). Essa deciso resgata, historicamente, a contribui-o dos negros na construo e formao da sociedade brasilei-ra (BRASIL, 2004). Possibilita, assim, uma valorizao e resgate da corporeidade negra.

    Compreendendo a corporeidade negra De acordo com Sodr (1997), na mitologia nag, o corpo hu-

    mano tem origem na lama, material do qual surgem todos os rios, mares e oceanos. O corpo est integrado ao sagrado, pois e le - o corpo -faz parte da natureza. O corpo , ento, espao e tempo, a corporeidade da existncia, do trabalho, do jogo, da dana, do lazer e do prazer. Ainda para esse autor, "o corpo integra-se ao simbolismo coletivo na forma de gestos, posturas, d irees do olhar, mas tambm de signos e inflexes microcorporais, que apontam para outras formas perceptivas" (SoDR, 1997, p . 31).

    Leia a letra a seguir e reflita sobre o que a msica de Chico C-sar sinaliza e a relao entre cabelo e construo da identidade.

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    Respeitem meus cabelos, brancos

    Chico Csar Composio: Chico Csar

    Respeitem meus cabelos, brancos Chegou a hora de fa lar Vamos ser francos Pois quando um preto fala O branco cala ou deixa a sa la Com ve ludo nos t amancos

    Cabelo veio da frica Junto com meus santos.

    Benguelas, zulus, gges Reboios, bundas, bantos Batuques, toques, mandingas Danas, tranas, cantos Respeitem meus cabelos, brancos

    Se eu quero pixa im, deixa Se eu quero enrolar, deixa Se eu q uero colorir, deixa Se eu quero assanhar, deixa Deixa, deixa a madeixa balanar.

    Cabelo veio da frica Junto com meus santos.

    Benguelas, zulus, gges Reboios, bundas, bantos Batuques, toques, mandingas Danas, tranas, cantos Respeitem meus cabe los, brancos

    De acordo com Senghor (apud LINTO, 2012), para o negro africano, o jogar, o danar, o sentir, o pensar etc. do-se dialetica-mente. Tal compreenso nos ensina a respeitar nossa t otalidade humana, que deve estar presente em cada ao e dilogo com outros seres humanos no contexto mundial.

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  • Na perspectiva de apresentar referncias do legado africano, o corpo um smbolo de distino. Milhares de corpos negros foram arrancados fora do continente africano e levados, como escravos, para vrios pases da Amrica, dentre esses, o Brasil.

    Junto com esses milhares de corpos, tambm vieram sabedo-ria, conhecimentos, culturas, valores. Assim, concordamos com Brito (1996): corpo histria e memria, portanto corporeidade uma forma de estar no mundo sensvel e inteligentemente, que estrutura o individual e o coletivo.

    Em outras palavras, a corporeidade est profundamente re-lacionada com as identidades que construmos na sociedade em que vivemos. Ela est associada com os papis do masculino e feminino, com as hierarquias de poder, com a diversidade tnico--racial, com a sexualidade, enfim, com nossa vivncia de mundo. Assim, a corporeidade negra pode nos ajudar a compreender o corpo negro, por intermdio do jogo, na construo da identidade.

    Para tanto, explicitamos compreender o jogo na perspectiva africana de ser, ou seja, em um universo no dicotomizado entre corpo e mente, sujeito e objeto, pessoa e mundo. Nosso enten-dimento de jogo incorpora, tambm, as brincadeiras, as danas, os brinquedos, os cantos e os contos africanos e afro-brasileiros.

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    De acordo com Senghor3 (apud MANCE, 2012),

    a razo negra se distingue da razo branca, porque ela percor-re as artrias do vivido para se alojar no corao vivo do real: a razo europeia analtica por utilizao, a razo negra, intui-tiva por participao (MENDA & Kosso apud MANCE, 2012, p. 15).

    Ainda segundo Senghor (apud LINTO, 2012),

    para o negro-africano - um 'puro campo de sensaes'-, o 'objeto' no se desgarra de quem o conhece. O sujeito toca o objeto, apalpa-o, sente-o, simpatiza com ele, conhece-o, ele. Acrescenta Senghor que o negro-africano no usaria o 'logo' da filosofia europeia (penso, logo existo), mas, homem

    de sensaes (de toques, danas, cantos), poderia dizer: 'Eu sinto, eu dano o outro; eu sou' (SENGHOR apud LINTO, 2012).

    Tal maneira de existir ilustra, em certa medida, a relao dos africanos e seus descendentes com o mundo, a r~ l ao entre o eu e o outro fora dos parmetros da racion alidade cartes iana. No entanto, questes valorativas apoiadas em campos sensoria is nem sempre foram bem-vistas no campo acadmico. Por isso, procuramos apresentar referncias que anunciem diferentes mo-dos de ser, ver e viver o mundo.

    Os caminhos para a equidade,4 para o pluralismo centram--se nas lutas pelo reconhecimento da diferena e pelo direito diferena dos povos negros, indgenas, dos movimentos femi-nistas, dos movimentos da diversidade sexual, dos movimentos dos direitos humanos. Reconhecimento, que se refere a conhecer novamente, valorizar.

    Quando nos referimos a reconhecimento da cultura e do povo negro, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais pa ra a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004), tal ex-p resso implica justia e iguais direitos sociais, civis, culturais e econmicos, bem como a valorizao da diversidade daquilo que d istingue os negros dos outros grupos da sociedade brasileira.

    Reconhecer exige a valorizao e respeito s pessoas negras, a sua descendncia africana, sua cultura e hist-ria. Significa buscar compreender seus va lores e lutas, ser sensvel ao sofrimento causado por tantas formas de desqualificao: apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto sugerindo incapacidade, ridiculari-zando seus traos fsicos, a textura de seu cabelo, fazendo pouco caso das religies de raiz africana (BRASIL, 2004, p. 11).

    Sendo assim, fazem-se necessrias pedagogias de combate ao racismo e discriminao, elaboradas com o objetivo de edu-cao das relaes tnico-raciais positivas.

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  • Reconhecimento diferente de tolerncia, tendo sido de-finida por Ferreira (1986) como o ato de "levar com pacincia, suportar com indulgncia; condescender com; dissimular certas coisas, sem, no entanto, as consentir expressamente, suportar". diferente, tambm, de respeitar, que implica testemunhar respei-to a, ter considerao, acatar, tratar segundo os precei!os da mo-ral ou da urbanidade, cumprir, observar, seguir (FERREIRA, 2009). Reconhecer transcende a lgica legal do politicamente correto.

    De acordo com Brasil (2004),

    reconhecimento implica justia e iguais direitos sociais, civis, culturais e econmicos, bem como a valorizao da diversidade daquilo que disting ue os negros dos outros grupos que compem a populao b rasilei ra. E isso re-quer mudana nos discursos, raciocnios, lgicas, gestos, posturas, tratamento dispensado s pessoas negras. Requer, tambm, que se conheam sua histria e cultura apresentadas, explicadas, buscando-se, especificamente, desconstruir o mito da democracia racial na sociedade bra-sileira; mito que difunde a crena em que, se os negros no atingem os mesmos patamares q ue os no neg ros, por falta de competncia ou de interesse, desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierrquica cria com prejuzos para os negros (BRASIL, 2004, p. 6-7).

    Reconhecer requer a adoo de polticas educacionais e de estratgias pedaggicas de valorizao da diversidade que pos-sa auxiliar na construo das identidades.

    11. O corpo na construo da identidade

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    Conforme nos contou minha sobrinha, para hostiliz-la, o menino usa expresses 'cabelo de bombril', 'nega maluca', 'nega da macumba'. [ ... ] simbolicamente passa a seguinte

    mensagem: [ ... ] voc e ngraada, feia, feiticeira e, ainda por cima, maluca (OLIVEIRA, 2005).

    No tocante corporeidade na construo da identidade, o corpo humano deve ser compreendido em sua totalidade, em sua presentidade, no podendo, como tal, ser compreendido como estando estritamente relacionado ao campo fsico. Para alm do fsico, o campo simblico, construto social, orienta e, muitas vezes, determina as representaes nos diferentes espa-os sociais.

    De acordo com Gomes (2006),

    no corpo que se do as sensaes, as presses, os julga-mentos. Esses no acontecem de forma independente, mas esto intimamente entrelaados, constituindo uma estru-tura, uma unidade que tem uma ordem - a sua forma de corpo. essa forma que garante o modo de ser no mundo e torna possvel a compreenso de como as relaes so construdas com o mundo e no mundo (GOMES, 2006, p. 261).

    Ouanto valorizao da identidade, analisaremos alguns con-textos nos quais a identidade ou as identidades aparecem, pois, segundo Munanga (2002, p. 13), "podemos ser atravessados por vrias identidades; uma mesma pessoa, um mesmo indivduo tm a possibilidade de viver vrias identidades num mesmo momento". Um grupo ou pessoa podem viver vrias identidades ao mesmo tempo - uma identidade individual, familiar, coletiva, com recorte tnico, religioso, de gnero, regional, nacional, entre outras.

    Compreendemos identidade cultural negra como identifi-cao do ser dentro de um determinado grupo ou sociedade, identificao que ultrapassa as caractersticas f sicas, como tipo de cabelo, cor de pele, traos fenotpicos. A ident idade abran-ge um conjunto de valores e crenas capazes de dar sentido de pertena a tal contexto. J a identidade negra faz parte de um processo construdo historicamente em uma sociedade forjada, no mito da democracia racial.

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  • A noo de identidade abordada por diversas reas do conhecimento. Portanto, podemos tratar de vrios tipos de identidade. No tocante identidade racial ou tnica, o importante perceber o seu processo de construo, que pode ser lento ou rpido e tende a ser duradouro. necessrio estar atento aos elementos negativos, como os esteretipos e as situaes de discriminao. Alm disso, preciso ater-se vontade de reconhecimento das iden-tidades tnicas, raciais e de gnero dos indivduos e dos grupos. Tambm necessrio compreender que, no mundo contemporneo, os indivduos constroem e portam vrias identidades (sociais, tnicas, raciais, de faixa etria, gnero e orientao sexual e outras) (BRASIL, 2006, p. 219).

    E, quando nos referimos identidade cultur2I, esse conceito se amplia, pois traz consigo a manifestao e o reconhecimento de que as diferenas existem e dem3rcam espaos a partir do jogo entre o eu e o outro. na relao com o outro que as iden-tidades so formadas.

    Novelas, propagandas comerciais, flderes promocionais; revistas e outros meios de comunicao reforam esteretipos, dificultando a ressignificao ou o resgate ae uma identidade negra positiva, pois a formao da identidade ou do eu corpreo passa pela subjetividade do olhar do outro, que me reconhece ou rne nega . Representaes negativas, que no permitem uma valorizao do negro, esto presentes, tambm, em alguns jo-gos, brincadeiras, brinquedos e cantigas constitutivos do cenrio popular.

    Alguns exemplos so o jogo de polcia e ladro, em que, na maioria das vezes, o ladro tem a representao do negro; canti-gas como "dana, neguinha/no sei dan/pega no chicote, que ela dana j", "nega do cabelo duro, que no gosta de pentear [ ... ]"; homem do saco; boi da cara preta; ou quando h empate entre dois participantes em um jogo e eles pedem para disputar a nega. Essas so apenas algumas representaes simblicas negativas s quais as pessoas negras esto sujeitas.

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    Nosso corpo a porta de entrada do conhecimento, mas a produo de conhecimentos, pela ao de um corpo, precisa ser conquistada para continuar produzindo conhecimentos. No h tempo nem lugar para aprender, cada um aprende como pode.

    Ili. Eu jogo, eu brinco, eu dano, eu sinto o outro, ento eu sou

    Figura 1 Ginga histrica.

    O ser humano aprende jogando, aprende brincando, apren-de danando, aprende sentindo o outro. Essa compreenso apresentada por Senghor (apud MANCE, 2012) e ilustra, em cer-ta medida, a relao dos africanos e seus descendentes com o mundo, a relao entre o eu e o outro fora dos parmetros da racionalidade europeia.

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  • Eis, pois, o negro-africano, o qual simpatiza e se identifica, o qual morre para si a fim de renascer no outro. Ele no assimila, ele se assimila. Ele vive com o outro em simbiose, ele conhece o outro. Sujeito e objeto so, aqui, dialeti-camente confrontados no ato mesmo do conhecimento, que ato do amor. 'Eu penso, ento eu existo', escrevia Descartes. A observao j foi feita, pensa-se sempre em algo. O negro-africano poderia dizer: 'Eu sinto o Outro, eu dano o Outro, ento eu sou.' Ora, danar criar, sobre-tudo quando a dana a dana do amor. esse, em todo o caso, o melhor modo de conhecimento (SENGHOR apud MANCE, 2012, p. 4-5).

    Segundo Menda & Kosso (apud MANCE, 2012),

    a razo negra se distingue da razo branca, porque ela per-corre as artrias do vivido para se alojar no corao vivo do real: a razo europeia analtica por utilizao, a razo negra, intuitiva por participao (MENDA & Kosso apud MANCE, 2012, p. 15).

    Vale ressaltar que, para os africanos, os jogos, danas, brinca-deiras, contos, cantos e a vida do-se dialeticamente. No entanto, faremos uma diviso meramente didtica para explicitar dana e jogo.

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    [ ... ] a senhora sempre conta histrias, fala sobre sonhos .. . - disse Aisha.

    A vov deu uma risada gostosa e falou:

    - Isso mesmo, espertinha. a riqueza da oralidade na tra-dio africana. Ns procuramos dar sentido mais profundo nas coisas que nos envolvem.

    Yatund perguntou av:

    - Onde vamos achar todas essas informaes? Nos livros?

    - Infelizmente, muita coisa no est escrita. Por isso, dizem que o africano no construiu nada. Mas mentira - advertiu

    Nan. A humanidade surgiu na frica e os africanos tinh am um conhecimento antigo em diversas cincias - a av co-mentou[ ... ] (FONSECA, 2009, p. 18).

    Dana

    Para todos os povos de todos os tempos, danar expressar, atravs do corpo e de seus movimentos significativos, as experin-cias vitais que ultrapassam os limites da palavra.

    Ouando danamos, podemos expressar possibilidades e intencionalidades. Na dana, as representaes so criadas no corpo pela interconexo da objetividade e da subjetividade do danarino, uma vez que os sentidos de dana e movimento so inseparveis.

    Esses sentidos se relacionam num outro espao discursivo de movimento, em que a dana uma linguagem que apresenta um espao discursivo, fluido e de memria que relaciona o mundo real, o simblico e o potico.

    As danas africanas foram trazidas para o Brasil colonial pe-los povos de lngua bantu e ioruba, vindos, principalmente, do Congo, Angola, Nigria e Benin, e ganharam todas o mesmo nome: batuque - sendo, posteriormente, recriadas e diversificadas pelos negros escravizados.

    A dana o retrato dinmico da histria humana, est ligada ao trabalho, festa, religio.

    As danas regionais de matriz africana emergem da sabedo-ria do povo, elas so o instrumento de luta, resistncia e traduo artstica.

    Como exemplo, temos o congado, tambm chamado de conga ou congada. uma manifestao cultural e religiosa de in-fluncia africana, celebrada em algumas regies do Brasil. Trata, basicamente, de trs temas em seu enredo: a vida de So Bene-dito, Nossa Senhora do Rosrio e Santa Efignia.

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  • No Brasil, o congado celebrado em v rias localidades, como Gois (Catalo); Minas Gerais (Machado, So Joo Dei -Rei, Uber-lndia, So Sebastio do Paraso, So Gonalo do Sapuca e Pedro Leopoldino); Par (Camet); Santa Catarina (Armao de ltapo-coroy); So Paulo (Atibaia e Mogi das Cruzes); tambm na Bahia; Esprito Santo; Rio Grande do Sul, dentre outras.

    Vapor da Paraba

    Quando eu ent ro no jongo e comeo a cantar/logo da minha vozinha comeo a lembrar/toca minha gente esse jongo que eu quero escutar/nesse balano gostoso eu vou me acabar (JONGO DA SERRI NHA).

    Temos, tambm, o jongo ou caxambu, patrimnio cultural do pas, presente na regio sudeste. uma forma de ex-presso que integra percusso de tambores, palmas, canto responsorial, dana coletiva em roda com solo de pares ao meio dando umbigadas, e elementos mgico-poticos com enigmas a serem desvendados. O jongo uma dana profa~a, mas atitudes religiosas permeiam a festa. Tal manifestaao est inserida no interior dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e So Paulo.

    Para saber mais

    Site Jongo da Serrinha. Disponvel em: . Acesso em: 20 jun. 2012. Dossi Jongo no Sudeste. Disponvel em: . Acesso em: 20 jun. 2012.

    Jogos africanos e afro-brasileiros Os jogos, na cultura africana nativa como tambm em outras

    culturas, possuem algumas particularidades em relao a gne-ro, idade e nmero de participantes. Aqui, alguns jogos foram

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    ligeiramente adaptados para o nosso contexto socia l, cultural e educacional, visando, por exemplo, participao de todos(as).

    De acordo com Maranho (2009),

    os jogos, para os africanos, sempre estiveram ligados vida social, da mesma forma que a relig io, as artes e outras manifestaes cu ltura is da humanidade, o indivduo vive dentro de comunidades onde ensina/aprende dentro de uma unicidade (MARANHO, 2009, p. 48).

    Segundo Civita (1978),

    entre suas vrias funes sociais, os jogos sempre foram instrumentos de ensino e aprendizado e t ambm uma for-ma de linguagem usada para a transmisso das conquistas da sociedade em vrios campos do conhecimento. Ao ensinarem um jogo, os membros mais velhos de um grupo transmitiam - e ainda transmitem - aos jovens e s crianas uma srie de conhecimentos que fazem parte do patrim-nio cu ltural do grupo, ou seja, ao ensinarem urr: jogo, esto ensinando a prpria vida (C1v1TA, 1978, p. 120)

    De acordo com Moreira et ai. (2006),

    o conceito de corpore idade requer considerao edu-cao como uma experi ncia profundamente humana, a aprendizagem da cultura. O corpo do ser humano no um simples corpo, mas um corpo humano, o qual s pode ser compreendido a pa rt ir da sua integrao estrutura global (MOREIRA et ai., 2006, p. 140)

    Alguns exemplos de jogos africanos e afro-brasile iros:

    Negao de imposto - Moambique

    Contexto: no perodo colonia l, momento em que Portugal explorava Moambique, alguns adultos deste pas fugiam para o exterior em decorrncia do momento poltico vivido. Naquele

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  • contexto, havia cobradores de impostos, denominados sipaios. Os sipaios chamavam os moambicanos para regressar ao pas,

    . desenvolvendo, inclusive, estratgias de convencimento para isso, porm os que estavam a seu lado se recusavam e encontra-vam formas de resistncia e luta.

    Objetivo: proporcionar aprendizado de jogo de cultura afri-cana praticado em Niassa, cidade localizada em Moambique, fazendo crtica s relaes que se estabeleceram pela obriga-toriedade do pagamento de impostos, determinada pela nao invasora. Tambm possibilita reflexo de estratgias para a resis-tncia e luta de um povo oprimido.

    Descrio: em uma rea livre, desenham-se dois grandes crculos no cho a uma distncia de, aproximadamente, dez metros um do outro. Um participante se dispe em um dos cr-culos e os demais participantes, no outro crculo. O jogador que se encontra sozinho simboliza o sipaio (cobrador de imposto), os demais jogadores representam a populao (conforme ilustra a Figura 2) e estabelece-se o seguinte dilogo:

    Si paio -

    Populao -

    Si paio -

    Populao -

    Si paio -

    Meus amigos, venham aqui!

    Temos medo.

    Medo de qu?

    Do imposto.

    Podem vir, no h problema.

    Zona de apreenso

    ou fuga

    Figura 2 Esquema do jogo denominado negao de imposto.

    68

    Aps essa ltima frase, a populao deve sair do crculo, e o si paio deve prender os jogadores que representam a populao, enquanto esta tem como desafio escapar. Os jogadores que no forem tocados podero refug iar-se no crculo em que estava o sipaio at ento e este, por sua vez, dever conduzir os jogado-res pegas ao crculo contrrio. Os participantes q ue forem pegas passam, tambm, a ser cobradores ou si paios, ajudando a captu-rar aqueles que esto livres. Assim, o nmero de perseguidores vai aumentado, ao mesmo tempo que vai diminuindo o nmero de perseguidos. O jogo terminar quando todos os jogadores tiverem sido pegas.

    l

    Figura 3 Jogo negao de imposto.

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  • Labirinto - Moambique

    Contexto: um jogo comumente praticado por meninos e meninas.

    Objetivo: proporcionar aprendizado de estratgias e formas de ludibriar 0 outro jogador. Temos tambm como objetivo conhecer e vivenciar um jogo da cultura africana praticado em Niassa, cidade localizada em Moambique.

    Descrio: inicialmente, desenha-se um labirinto no cho (ou em uma folha de papel, como se fosse um tabuleiro). Depois, os jogadores se colocam de frente um para o outro, tendo um de.le.s uma pedra nas mos, sem que o outro saiba em qual. Na aresta ini-cial do labirinto (correspondente aos cantos do labirinto ilustrados com um X), so postas duas pedras diferentes, cada qual com um jogador. O jogador que tem a pedra estende as mos ao colega, tendo este que adivinhar em qual das mos est. Se conseguir, a sua pea ser deslocada para uma aresta do labirinto. Se no adivinhar, a pea daquele que estendeu as mos que ser mo-vimentada. Esse procedimento repete-se at que a pedra de um dos jogadores chegue ltima aresta. O jogo terminar quando a pedra de um dos jogadores chegar ltima aresta.

    Ponto de partida Figura 4 Descrio do jogo da conta.

    70

    Figura 5 Jogo labirinto.

    Guerreiro Shaka Zulu - Afro-brasileiro

    Contexto: Shaka Zulu foi um chefe tribal da etnia zulu, reco-nhecido pela sua habilidade no desenvolvimento de estratgias militares, o que transformou os zulus em temida nao guerreira por sua grande resistncia invaso imperialista britnica e ho-landesa do sculo XIX. Os zulus so um povo do sul do continen-te africano, vivendo em territrio correspondente frica do Sul, a Lesoto, Suazilndia, ao Zimbbue e a Moambique. Esse jogo trata, ludicamente, da disputa entre duas equipes (dois grupos tnicos) para a deciso do sucessor do chefe tribal. A pessoa que coordenar o jogo ser o lder tribal, uma pessoa que possui fora, domnio e poder. A escolha desse jogo se deu pela neces-sidade de conhecimento e reconhecimento dos diferentes gru-pos tnicos que compem o mosaico em territrio africano. De acordo com Brasil (2004, p. 6), " reconhecimento. implica justia e iguais direitos sociais, civis, culturais e econmicos, bem como a valorizao da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compem a populao brasileira", oriundos de diferentes etnias do continente africano.

    71

  • Objetivo: conhecer e valorizar a pluralidade do patrimnio sociocultural brasileiro, assim como aspectos socioculturais de povos africanos. um jogo que possibilita desenvolver trabalho e identificao de grupo, raciocnio lgico-matemtico e estrat-gias de ataque e defesa.

    Descrio: um jogo de equipe que requer um mnimo de cinco participantes. Uma pessoa coordena o jogo, e as demais se dividem, igualmente, em duas equipes. O jogo se desenvolve, em uma rea retangular, desenhando-se um crculo no centro e vrios crculos (de acordo com o nmero de participantes) en-fileirados equidistantes em lados opostos. A disposio inicial se constitui de dois grupos que se pem frente a frente, a uma distncia aproximada de dez metros um grupo do outro. Cada participante, em seu grupo, ter um crculo com um nmero, e os mesmos nmeros devero existir na outra equipe. O lder tribal, localizado no centro, prximo ao crculo central, dir um nmero (guerreiro nmero trs), e os participantes que estiverem ocu-pando a posio nmero trs vo para o embate, sendo tal em-bate representado pela disputa do poder, simbolizado por um artefato. Os nmeros chamados pelo lder tribal devero correr at o crculo central (local em que se encontrar o poder - arte-fato); juntos, tero o objetivo de pegar o poder e passar a linha de seu grupo sem que sejam tocados. Caso isso acontea, ponto para a outra equipe. Caso eles consigam passar sem serem toca-dos, ponto para sua equipe. O lder tribal anotar os pontos das equipes. A que, primeiramente, completar dez pontos (nmero sugerido) eleger, dentro do grupo, o prximo lder tribal, reini-ciando a brincadeira.

    Mbube, Mbube (ou "o leo e o impala'') -frica do Sul Contexto: Mbube um dos termos do povo zulu para desig-

    nar o leo, um dos predadores do impala. Objetivo: comumente praticado na frica do Sul, propiciar,

    conhecer e vivenciar um jogo que possibilita desenvolver agilida-de e trabalho em grupo.

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    Descrio: todos os participantes formam um crculo. Dois do incio brincadeira, um representando o leo e outro o impala. O leo deve caar o impala em um m inuto, zigue~ zagueando entre os demais participantes, que esto gritando: "Mbube! Mbube!". Se o predador no conseguir pegar sua presa no tempo determinado, vai compor o crculo com os demais com-panheiros, e o grupo eleger um novo leo. Por outro lado, caso o leo pegue o impala, ele - o leo - poder escolher um outro colega para ser o fugitivo.

    Consideraes

    A corporeidade exige uma aprend izagem significativa da cu ltura, pois educar-se aprender a fazer histria fazendo cultura (MOREIRA et ai., 2006).

    Consideramos que a corporeidade negra, em uma pers-pectiva de educao das re laes tnico-raciais, exija uma educao que realce a afirmao de que o ser humano aprende com o corpo-prprio na relao com o outro e com os espaos, dialeticamente.

    Entendemos, para tal, como imprescindvel a necessidade de busca por conhecimento da histria da corporeidade de afro--brasileiros e suas origens, com sensibilidade para suas lutas, resistncias e formas de viver a vida, dentre elas: pela liberda-de, pela defesa de direitos, pela resistncia folc lorizao e/ou branqueamento de sua cultura, pela recomposio de sua huma-nidade e identidade diante das discriminaes e preconceitos que visam a lev-los, bem como levar a ns, ao esquecimento de nossas razes multiculturais. .. . Nesse sentido, procuramos lanar bases para um dilogo in1c1al, propiciando caminho para trabalho na rea de educao. Esperamos poder contribuir para o fortalecimento das identidades de grupos/culturas/etnias socialmente marginalizados, sobretudo

    73

  • apoiando professores/as de diferentes reas e disciplinas (educa-o infantil, ensino fundamental e mdio; disciplinas de histria, educao fsica, geografia, matemtica, entre outras) na formao de escolares, na perspectiva de promover o respeito, a valoriza-o, o conhecimento e o reconhecimento quanto corporeidade negra, de forma a favorecer a educao das relaes tnico-raciais.

    Vivenciar, experienciar a cultura negra para negros e no ne-gros uma forma de desalienao ou de, pelo menos, compreen-der o mundo como mltiplo e diverso; abarcar um modo de vida singular, transcendente; fazer a viagem de volta s origens, ao bero da humanidade, e se fortalecer.

    Para saber mais

    Textos A1s, B. A ovelha negra. So Paulo: Mercuryo, 2003. BARBOSA, R. A. Contos Africanos para crianas brasileiras. So Paulo: Paulinas, 2004. FONSECA, D. J. Vov Nan vai escola. So Paulo: FTD, 2009. (Coleo Me frica). LUCINDA, E. Ashell, Ashell pra todo mundo, Ashell. Disponvel em: < http://p alavras-devidro.blogspot.com/2009/04/ashel 1ashe11-pra-todo-m u ndo-ashel 1-ela. htm 1 >. Acesso em: 25 mar. 2011.

    Bruna e a galinha-d'Angola Bruna era uma menina que se sentia muito sozinha. Sua av

    veio da frica e sempre lhe contava histrias. Uma de que ela gostava muito era a do pan da ga linha que sua av trouxera da frica. Conta a lenda de uma aldeia africana que sn era uma menina que se sentia s e, para lhe fazer companhia, resolveu criar o que ela chamava de "o seu povo". Foi assim que surg iu Conqum, a galinha-d'Angola. Bruna, ento, pediu a seu tio, um bom oleiro, que lhe ensinasse a trabalhar com barro. Bruna mo-delou, na argi la, a galinha-d'Angola e passou a brincar com ela. No dia de seu aniversrio, sua av lhe deu uma galinha-d'Angola de verdade, que andava e gritava: Conqum! Conqum!

    ALMEIDA, G. Bruna e a galinha-d'Angola. Rio de Janeiro: Didtica e Cientfica; Palias, 2000.

    74

    Tramas da cor: enfrentando o p reconceito no dia a dia escolar Com sensibi lidade e singeleza, a autora util iza um relato fic-

    cional dos p roblemas enfrentados por uma menina negra em sua escola, para abordar as questes bsicas do racismo por parte de crianas e adu ltos emnossos estabelecimentos de ensino. Su-gere posturas saudveis para enfrentar os problemas, mediante o incremento da autoestima e o conhecimento de f iguras ilustres da histria negra.

    OuvEIRA, R. Tramas da cor: enfrentando o preconceito no d ia a d ia escolar. So Paulo: Selo Negro, 2005.

    Chuva de manga O Chade um pas que fica l longe, no centro do cont inente

    africano. Seu povo vive uma real idade diferente e, ao mesmo tem-po, prxima do nosso corao b rasileiro. H terras secas e alguns momentos de ferti lidade do solo rido - uma bno da gua que cai do cu. A leitura aproxima os povos. Por meio do dia a dia do menino Toms, os leitores podero imaginar o que seja esperar pela chuva, fazer um carrinho de lata e apreciar os frutos da terra generosa, que nos oferece a alegria de saborear e chei-rar uma manga dourada. A felicidade de um povo que tem to pouco e valoriza tudo uma lio de vida para todos. Agradvel e potico, Chuva de manga , sobretudo, original.

    RuMFORD, J. Chuva de manga. So Paulo: Brinque-Book, 2005.

    O ba das histrias: um conto africano Um conto africano recontado e ilustrado por Gail E. Haley. O

    ba das histrias mostra como importante recuperar a mem-ria de um povo, de uma nao, como parte do acervo cultura l. Vencedor do prmio The Caldecott Meda/, explicita como ho-mens e animais, pequenos e frgeis, podem superar e vencer grandes dificuldades. Tudo isso com o colorido e as tradies do mundo africano.

    HALEY, G. E. O ba das histrias: um conto africano. 3. ed. So Paulo: G lobal, 2004.

    75

  • A semente que veio da frica , o livro de literatura infantil A semente que veio da Africa part:

    de uma ideia muito original. Ele rene trs lendas sobre o baoba, advindas da Costa do Marfim, de Moambique e da Frana.

    o baob uma rvore que pode viver at seis mil anos. Alm da longa vida, essa rvore caracteriza-se pela abund~ci~ e pela generosidade. Suas sementes so castanhas comest1ve1s, ta~bm usadas para fazer um tipo de bebida semelhante ao cafe. Com 0 leo da castanha, faz-se sabo. A polpa de suas frutas tem vitamina C. LIMA, H. P. A semente que veio da frica. 2. ed. So Paulo: Salamandra, 2005.

    O menino Nito Nito abria um berreiro por tudo e ningum aguentava mais

    tanta choradeira. Num dia, seu pai o chamou num canto e veio com aquele discurso: "Voc um rapazinho, j es,t na hora ~e parar de chorar toa . E tem mais: homem que ~ homem nao chora". Essas palavras martelaram na cabea de N1to de tal ma-neira que 0 menino resolveu parar de chorar, definitivamente. Engoliu todas as lgrimas e contabilizou: tantos choros quando cortou 0 p, mais tantos choros quando levou aquela enorme injeo e assim por diante. No entanto, como ningu~ de ferro, caiu doente na cama. E s um mdico, o Dr. Aymore, resolveu o seu problema: 0 menino tinha que desa chorar todas as lgri~as reprimidas, uma a uma. Os pais de Nito trouxeram duas ba~1as enormes e, alm do menino, todos, naquela casa, choraram JUn-tos, de emoo, de alegria e muito alvio.

    RosA, S. O menino Nito. Rio de Janeiro: Palias, 2002.

    Msicas

    Trilha - do grupo musical A Barca . A Barca um grupo paulista que trabalha com a pesquisa : a

    movimentao da cultura popular brasileira. Partindo da reflex~o sobre 0 fazer artstico e suas responsabilidades estticas e soc1a1s,

    76

    realiza um amplo trabalho de criao de espetculos, documen-tao, arte-educao e produo cultural. [ ... ]a caixa Trilha, Toada e Trup (2006) - trs CDs e um documentrio - resultado de uma grande viagem, de dez mil quilmetros, realizada entre 2004 e 2005 pelo Brasil.

    Fonte: Disponvel em: . Acesso em: 18 jun. 2012.

    Memrias sonoras da noite - de Salloma Salomo Salloma Salomo, msico e historiador, busca as matrizes da

    msica contempornea, pesquisando musicalidades africanas por meio de gravuras, textos de viajantes e arquivos sonoros e de museus no Brasil, frica e Europa. [ ... ] o disco e espetculo anterior, Memrias Sonoras da Noite, foi elaborado com instru-mentos convencionais e rplicas de instrumentos africanos de percusso[ ... ] outros de corda[ ... ] e outros criados especialmente para esse fim .

    Fonte: Disponvel em: . Acesso em: 18 jun. 2012.

    Quando Dorme Alcntara - de Tio Carvalho Nascido em Curupau, no Maranho, [ ... ] comeou a se inte-

    ressar pela cultura popular ainda criana, influenciado pelo pai, Feliciano Pepe, e pelas manifestaes populares maranhenses a que assistia. Em 2002, lanou seu primeiro CD, intitulado Quando Dorme Alcntara, com treze faixas, entre as quais "Povo do Ja-po", "Princesa do Morro" e~ samba "Pantanal", de sua autoria. A faixa "Quando Dorme Alcntara" contou com a participao especial de Nan Vasconcelos, Marcelo Mitshu, Dcio Marques, Jordano Mochel, grupo A Quatro Vozes, Zez Reis e Graa Reis, da Casa Fanti-Ashanti. O disco foi lanado durante o 1 Festival Internacional de Msica, ocorrido na cidade de So Lus .

    Fonte: Disponvel em: . Acesso em: 18 jun. 2012.

    Cacuri P no Terreiro - de Henrique Menezes Nascido na capital maranhense, Henrique Menezes per-

    tence a uma importante famlia de artistas populares da Casa

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  • Fanti-Ashanti, centro religioso que referncia da cultura do Estado. diretor-geral do grupo P no Terreiro, que lanou re-centemente seu primeiro CD, Cacuri.

    O Cacuri um folguedo maranhense que une msica, dan.a, versos e representao teatral em uma alegre brincadeira de roda. Os versos cantados fazem aluso natureza, s atividades dirias e aos fatos ocorridos durante a Festa do Divino Esprito Santo.

    A proposta do grupo, ao escolher So Paulo como palco para o desenvolvimento de suas atividades, tem como principais objetivos: a) a pesquisa acerca do Cacuri, a fim de promover a divulga-

    o e o resgate dessa manifestao to carente de registro; b) a apresentao do espetculo como ao de entretenimen-

    to e de educao atravs da msica e da dana, permitindo momentos de interao com o pblico.

    Fontes: Disponvel em: ; . Acesso em: 18 jun. 2012.

    Filmes Feiticeiros da palavra - O Jongo do Tamandar (56 min)

    Direo: Rubens Xavier, 2001.

    O Jongo na Serrinha: um tributo a Mestre Darcy (35 min) Direo: Beatriz Paiva, 2005.

    No repique do Tambu: o batuque de Umbigada Paulista (55 min) Direo: Rubens Xavier e Paulo Dias, 2003.

    Vista minha pele (50 min) Produo: Centro de Estudos das Relaes de Trabalho e

    Desigualdades (CEERT), 2003. Bal de p no cho, a dana afro de Mercedes Baptista (52 min)

    Direo: Marianna F. M. Monteiro e Lilian Sol Sant iago, 2005.

    78

    Kiriku e a feiticeira (71 min) Direo: Michel Ocelot, 1998.

    Sites

    Geleds - Instituto da Mulher Negra "[ .. . ] organizao poltica de mulheres negras que tem p or m is-

    so institucional o combate ao racismo, ao sexismo e a valorizao e p romoo das mulheres negras em particular e da com unida-de em geral." Divulga programas, notcias, artigos e textos. Fonte: Disponvel em: . Acesso e m: 06 dez. 2012.

    Centro de Estudos das Relaes de Trabalho e Desigualdades (CEERT) Organizao no governamental que real iza importantes es-

    tudos e pesquisas sobre re laes raciais no Brasil.

    Fonte: Disponvel em: . Acesso em: 06 dez. 2012.

    Cent ro Brasileiro de Informao e Document ao do Artist a Negro (CIDAN) Informaes em portugus, ingls e francs; breve b iografia de

    diversos artistas brasileiros; banco de dados de art istas brasileiros. Disponve l em: . Acesso em: 06 dez. 2012.

    Referncias ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G. (O rgs.). Relaes raciais na escola: reproduzindo desigualdades em nome da igualdade. Braslia: UNESCO, INEP, Observatrio d e Violncias nas Escolas, 2006. BRASIL. Declarao e Programa d e Ao: Ili Co nferncia Mundial contra o Racis-mo, Discriminao Racial, Xenofobia e outras Formas de Intolerncia. Brasl ia: Ministrio da Cultura, 2001 . Disponvel em: . Acesso e m: 07 ago. 2012. _ _ . Ministrio da Educao. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das Re faes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura A fro-Brasile ira. Braslia: MEC, 2004.

    _ _ . Orientaes e aes para a e ducao das relaes tnico-raciais. Braslia: SECAD, 2006.

    79

  • ___ . Ministrio da Educao. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino de Histria e Cultura Afro-Brasileira. , Braslia: MEC, 2007. ___ . Ministrio da Educao. Lei n2 11.645, de 10 de maro de 2008. Altera a Lei n2 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n2 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educao nacional, para incluir no currculo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temt ica "His-tria e Cultura Afro-Brasileira e Indgena". Dirio Oficial da Repblica Federativa, Poder Legislativo, Braslia: MEC, 2008. BRITO, C. L. C. Conscincia corporal. Repensando a educao fsica. Rio de Janeiro:

    Sprint, 1996. CAVALLEIRO, E. Do silncio do lar ao silncio escolar. So Paulo: Contexto, 2000. O v1TA, V. (Org.). Os melhores jogos do mundo. So Paulo: Abril, 1978. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionrio Aurlio da lngua portuguesa. 2. ed. Rio de Ja-neiro: Nova Fronteira, 1986. ___ . Novo dicionrio Aurlio da lngua portuguesa. 4. ed. Curitiba: Positivo,

    2009. FONSECA, D. J. Vov Nan vai escola. So Paulo: FTD, 2009. (Coleo Me frica) . G1MENO SACRISTAN, J.; PREZ GMEZ, A. 1. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Traduo de Ernani F. da Fonseca Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2000. GOMES, N. L. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como smbolos da identidade ne-gra. Belo Horizonte: Autntica, 2006. GONALVES JUNIOR, L. Dialogando sobre a capoeira: possibilidades de interveno a partir da motricidade humana. Motriz, Rio Claro, v. 15, n. 3, p . 700-707, jul./set. 2009. JONGO DA SERRINHA. Vapor da Paraba. Disponvel em: . Acesso em: 07 ago. 2012. LEITE, F. Prefcio. ln: HAMPT-B, A. Amkoullel, o menino fula. 2. ed. So Paulo: Palas Atenas/ Casa das fricas, 2008. MANCE, E. A. As filosofias africanas e a temtica de libertao. Disponvel em: . Acesso em: 21 jun. 2012. MARANHO, F. Jogos africanos e afro-brasileiros nas aulas de educao fsica: pro-cessos educativos das relaes tnico-raciais. Dissertao (Mestrado em Educa-o) - Universidade Federal de So Carlos, So Carlos, 2009. MOREIRA, W. W.; PORTO, E. T. R.; MANESCHY, P. P. A.; S1MES, R. Corporeidade apren-dente: a complexidade do aprender a viver. ln: WAGNER, W. M. (Org.). Sculo XXI: a era do corpo ativo. 1. ed. Campinas: Papirus, 2006. v. 1, p . 137-154. MuNANGA, K. A identidade negra no contexto da globalizao. Ethnos Brasil, revista do NuPEIUNESP, ano 1, n. 1, p. 11-20, mar. 2000. UNTO, A. Leopold Senghor, o poeta do socialismo africano. Disponvel em: . Acesso em: 21 jun. 2012. OuVEIRA, R. Tramas da cor: enfrentando o preconceito no dia a dia escolar. So Paulo: Selo Negro, 2005.

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    PR1STA, A.; TEMBE, M .; EDMUNDO, H. Jogos de Moambique. Lisboa: Instituto Nacio-nal de Educao Fsica, 1992. p. 79. RosEMBERG, F. Raa e desigualdade educacional no Brasi l. ln: AouiNo, J. G. (Org) Diferenas e p reconceito na escola: alternativas tericas e prticas So Pau l ~: Summus Editorial, 1998. . SENA, F. Lopold Sedar Senghor e a questo da negritude. Disponvel em: Ac em: 08 dez. 2008. esso SILVA, ~:A.; BARROS, F.; SILVA, L. A. D. Como a escola participa da excluso social tra}etonas de reprovao das crianas negras. ln: ABRAMOWICZ, A.; MoLL, J. Par~ alem do fracasso escolar. 5. ed. Campinas: Papirus, 1997. S~DR, M. Corporal idade e liturgia negra. Revista do Patrimnio Artstico Nacional Sao Paulo: IPHAN, n. 25, p. 29-33, 1997. '

    ndice de figuras Figura 1 Ginga histrica. Fonte: acervo prprio. Figura 2 Esquema do Jogo denominado negao de imposto Fonte acervo prpno F'.gura 3 Jogo negao de imposto. Fonte acervo prprio. Figura 4 Descrio do Jogo da conta. Fonte. . Acesso em: 22 jun. 2012. Figura 5 Jogo labirinto. Fonte: acervo prprio.

    Notas

    2

    3

    4

    A_ntirracismo, combatente da ideia de inferioridade/superioridade de in-d1v1duos ou d_e _grupos raciais e tnicos, que caminha para a compreenso integral do sujeito e no qual a d iversidade humana seja formal e substantiva-mente respeitada e valorizada (Secretaria de Educao Continuada, 2005). Extratos da declarao e programa de ao, adotados em 8 de setem-bro _de 2001 , na Ili Conferncia Mundial contra o Ra cismo, Discriminao

    ~ac1al , Xenofobia e outras Formas de Intolerncia - real izada em Durban Africa do Su l. ' Nascido em 1906, foi um polt ico e escritor senega ls. Presidiu 0 pas de.19~0 a 1980. Desenvolveu, alm de atividades literrias, uma dupla tr~Jetona, como docente e po ltico, tornando-se, na cole de France D outre-mer, professor de Lnguas e Civilizaes Africanas. O percurso de suas o~ras ter~cas similar ao de alguns filsofos da libertao no que se refere a suce_ssao das temticas. Em 1961, escreve Nao e caminho africa-no do socialismo. Em 1976, escreve Liberdade 1, negritude e humanismo Faleceu em 2001 . . Consiste ~a.adaptao da regr3 existente situao concreta, observando--se os critenos de justia e igua ldade. Pode-se dizer, ento, que a equidade adapta a regra a um caso especfico, a fim de deix-la ma is jJsta.

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    010203040506070809010011012013014015016017