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1 CORPOS QUE FALAM Ms. Marileusa de Oliveira Reducino. 1 Ms. Soraia Cristina Cardoso Lelis. 2 Antigamente, representavam-se as coisas que eram vistas na terra, as que se gostava de ver e as que se gostaria de ver. Hoje revela-se a relatividade das coisas, expressando-se com isso as crenças de que o visível em relação ao universo é apenas um exemplo isolado de que existem outras verdades latentes e em maioria. Paul Klee Buscando nortear a práxis do Ensino de Arte no Ensino Fundamental para uma educação de qualidade, considera-se de suma importância a vivência plástica para o enriquecimento cultural do aluno, bem como a sua trajetória teórica, delineados por incursões na História da Arte contextualizada. Compreende-se, assim, que em Arte, emoção e cognição se interagem na construção e elaboração de poiésis e que, neste sentido, os recursos artísticos colaboram para que os conteúdos propostos na educação em arte, sejam significativos e prazerosos, ou seja, um espaço construcional, de resignificações. Assim, através do fazer criativo o aprendiz se entrega, se envolve e se mobiliza para a reconstrução do fazer, do criar, do descobrir, do aprender, pois acredita-se que o trabalho com a arte envolve o sujeito em toda a sua corporeidade. Para isto é que se compreende a importância da efetivação das possibilidades interacionais interdisciplinares como ferramentas intelectuais e técnicas para articular processos dialógicos diretos ou virtuais, autonomamente, comunicando-se com competência, tanto como produtor de arte quanto fruidor, remetendo-se aos diferentes tempos da história e presentificando-a na contemporaneidade. 1 Professora do Ensino de Arte da ESEBA-UFU. Graduação em Artes Plásticas – Especialização em Educação – Mestre em História Social (Política e Imaginário), todos pela Universidade Federal de Uberlândia. [email protected] 2 Professora da Área de Artes da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia, graduada em Educação Artística e em Pedagogia, , Especialista em Educação e em Artes Plásticas, Psicopedagoga e Mestre em Artes Visuais pela UNICAMP. [email protected]

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Page 1: CORPOS QUE FALAM - encontro.proex.ufu.br · elaboração anterior, passando-se do bi ao tri-dimensional. Nesse contexto de construção e percepção utilizou-se como meio e suporte,

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CORPOS QUE FALAM

Ms. Marileusa de Oliveira Reducino.1

Ms. Soraia Cristina Cardoso Lelis.2

Antigamente, representavam-se as coisas que eram vistas na terra, as que se gostava de ver e as que se gostaria de ver. Hoje revela-se a relatividade das coisas, expressando-se com isso as crenças de que o visível em relação ao universo é apenas um exemplo isolado de que existem outras verdades latentes e em maioria.

Paul Klee

Buscando nortear a práxis do Ensino de Arte no Ensino Fundamental para uma

educação de qualidade, considera-se de suma importância a vivência plástica para o

enriquecimento cultural do aluno, bem como a sua trajetória teórica, delineados por

incursões na História da Arte contextualizada.

Compreende-se, assim, que em Arte, emoção e cognição se interagem na

construção e elaboração de poiésis e que, neste sentido, os recursos artísticos

colaboram para que os conteúdos propostos na educação em arte, sejam

significativos e prazerosos, ou seja, um espaço construcional, de resignificações.

Assim, através do fazer criativo o aprendiz se entrega, se envolve e se mobiliza

para a reconstrução do fazer, do criar, do descobrir, do aprender, pois acredita-se

que o trabalho com a arte envolve o sujeito em toda a sua corporeidade. Para isto é

que se compreende a importância da efetivação das possibilidades interacionais

interdisciplinares como ferramentas intelectuais e técnicas para articular processos

dialógicos diretos ou virtuais, autonomamente, comunicando-se com competência,

tanto como produtor de arte quanto fruidor, remetendo-se aos diferentes tempos da

história e presentificando-a na contemporaneidade.

1 Professora do Ensino de Arte da ESEBA-UFU. Graduação em Artes Plásticas – Especialização em Educação – Mestre em História Social (Política e Imaginário), todos pela Universidade Federal de Uberlândia. [email protected] 2 Professora da Área de Artes da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia, graduada em Educação Artística e em Pedagogia, , Especialista em Educação e em Artes Plásticas, Psicopedagoga e Mestre em Artes Visuais pela UNICAMP. [email protected]

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Portanto, as propostas curriculares para o Ensino de Arte devem contemplar e

privilegiar a observação, a análise, a criatividade e a expressão, estruturando-se a

partir de três eixos: o primeiro, com os aspectos gráficos do desenho infanto

juvenil; um segundo, que considera os conteúdos de ensino; e um terceiro, de

caráter fundamentalmente pedagógico, que aponta os possíveis níveis de

aprofundamento, competências e exigências atribuídas a cada conteúdo.

Nesta perspectiva, objetiva-se a construção, a expressão e a comunicação em

Artes Visuais, articulando percepção, imaginação, memória, sensibilidade e

reflexão, na representação de idéias, emoções e sensações por meio do diálogo de

poéticas individuais e coletivas, norteadas pela historicidade imbricada ao receber,

ao apreciar e ao fruir esteticamente obras de arte.

Ao considerar que a criança desde cedo interage com o conhecimento social, a

prioridade do ensino escolar deve nortear-se por potencializar o interesse e a

necessidade frente ao objeto cultural, com intervenções pedagógicas pontuais, pois

acredita-se que são as intervenções entre professor/aluno e aluno/aluno/grupo que

promovem condições para atividade do pensamento, possibilitando o processo de

construção e modificação da competência e do desejo para a aprendizagem

significativa. Desta forma os alunos podem alimentar e construir um percurso

criador informado, contextualizado e real/palpável em relação à produção artística

histórica, desenvolvendo-se como sujeitos ativos, fruidores e criadores.

Frente a essas ponderações, Corpos que falam - construção de esculturas

corporais, projeto de ensino e pesquisa discente, apresenta-se como uma ação

instigante ao educando e ao educador para a percepção de que em Arte e,

principalmente, no ensino da Arte, o fazer artístico somente possui significado

quando associado à pesquisa, à elaboração de projetos gráficos e à recepção de

imagens de obras de arte.

Contudo, a proposta norteia-se por pesquisas a respeito das linguagens artísticas

da tatuagem, da arte contemporânea - com enfoque na instalação, na pintura

corporal (indígena e carnavalesca) e da modelagem, transitando pela elaboração de

croquis, coleta e seleção de materiais alternativos em diferentes fontes, realizadas

ou não no espaço escolar, como a busca virtual e outras fundamentações teóricas:

fotografias, artigos de revistas, dicionários, enciclopédias e outros recortes que

subsidiam a prática da investigação e da descoberta.

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Neste sentido o presente relato aborda uma experiência desenvolvida no ano de

2004, com alunos do 3º Ano do Ensino Fundamental da Escola de Educação Básica

da Universidade Federal de Uberlândia, sob a nossa coordenação e orientação

enquanto professoras de Arte da referida escola.

Essa experiência de ensino e pesquisa reporta-se às reflexões e análises presentes

na dissertação de mestrado Poéticas visuais em construção: o fazer artístico e a

educação (do) sensível no contexto escolar3, por se compreender que o trabalho

desenvolvido em Corpos que falam, encontra ressonância com as oficinas e as

produções estéticas tridimensionais relatadas, apresentando-se como variantes que

permitem o aval do ensino e aprendizagem da Arte, ali contemplados.

Nessa perspectiva, recortes de outros momentos vivenciados por esse grupo de

alunos/pesquisadores permitiram o exercício da extrapolação, transcendendo-se

assim, o espaço da sala de aula. É nesse sentido que, para além das

esculturas/modelagens, tornou-se importante instigar algumas reflexões sobre a

representação da pintura corporal nos diferentes espaços e tempos sociais.

Desta forma compreendeu-se a relevância da pesquisa ao proporcionar a análise

de diferentes culturas, desvelando-se novas elaborações, bem como outros

significados e significantes em seu contexto estético.

Transcendendo-se o repertório cultural do grupo, incursionou-se por pesquisas

virtuais que embasaram e nutriram esteticamente o olhar, despertando

encantamento no leitor. Sucederam-se, assim, várias navegações na internet por

sites com enfoques na pintura corporal. As imagens abaixo ilustram parte dos

exercícios vivenciados no espaço escolar, trazendo a experiência da pintura

corporal em si e no outro, reconhecendo-se os diferentes elementos e possibilidades

de suportes utilizados para pintura, aqui com enfoque na pele humana, abrindo-se à

discussão e à pesquisa sobre a linguagem artística da pintura corporal, da tatuagem,

das técnicas existentes e a sua importância cultural.

3 Pesquisa defendida por Soraia Cristina Cardoso Lelis junto ao Mestrado em Arte do Instituto de Arte de UNICAMP, em maio/2004 com ênfase em Ensino de Artes Visuais sob a orientação do Pf. Dr. João Francisco Duarte Júnior

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Fig 1 – pintura corporal Fig 2 – pintura corporal Flor /Ana Vera Escorpião/Gustavo

No processo criativo e durante todo o percurso de produção poética e pesquisa,

diferentes discussões se pautaram explorando-se a construção corporal através da

modelagem do corpo, parte por parte, unidas posteriormente de acordo com a

elaboração anterior, passando-se do bi ao tri-dimensional. Nesse contexto de

construção e percepção utilizou-se como meio e suporte, materiais recicláveis e

descartáveis na estética do cotidiano escolar e residencial, acrescentando-se à

compreensão teórico – plástica a vivência das possibilidades de transformação do

lixo em objeto de arte nos diferentes espaços e contextos.

Há que se destacar a aprendizagem significativa em um novo olhar que se tem a

partir da compreensão de que o corpo deve ser respeitado e priorizado e que, tanto a

tatuagem quanto a pintura corporal são portadores de uma conotação histórico –

social em determinadas civilizações como a indígena, a africana, a budista, dentre

outras, revelando sentido para aqueles que as praticam, o que não ocorre com o

homem ocidental, que incorpora essas práticas em detrimento dos valores de outras

culturas, transformando, tanto as tatuagens quanto as pinturas corporais em

modismo.

Neste sentido, apresenta-se parte das imagens pesquisadas pelos alunos e

trazidas à sala de aula para exercício de fruição, revelando pinturas artísticas em

que o corpo adentra a obra, resignificando-a num hibridismo performático pictórico

(fig. 4 e 5), bem como expressões artesanais onde o corpo é o suporte (fig. 6 e 7),

como se evidencia na epígrafe de abertura do site da comunidade nmgitahy:

Utilizamos em alguns casos, exclusivamente a modelo em outros, os mais variados recursos para atingir nossos objetivos: abusamos das luzes, das sombras, materiais diversos, tintas, e etc. Deste modo, encontramos uma forma bastante interessante de expressão que é a pintura corporal, onde artista e modelo se integram produzindo imagens inusitadas

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Figura 3 – site videocinco Figura 4 – site videocinco

Figura 5 – site nmgitahy Figura 6 – site nmgitahy

Neste sentido apresenta-se a seguir imagens que representam o percurso poético

desenvolvido em sala de aula, nas oficinas oferecidas para modelagem, pintura e

adereços.

Fig 7 - preparação do suporte para Fig 8 – modelagem das costas modelagem corporal

Fig 9 – escultura corporal Fig 10 - aplicação de massa Fig 11 - cabeça

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Fig 12 – corpos modelados Fig 13 – pintura

Fig 14 – acessórios Fig 15 – pintura e adereço

Ao término da produção plástica das esculturas corporais, os seis objetos criados

foram expostos em forma de instalação na I Feira Cultural da ESEBA – UFU, no

Center Convention, em novembro de 2004, onde foram apreciados pela

comunidade escolar e externa.

Fig 16 – Corpos que falam

Retornando à escola, as esculturas corporais foram distribuídas pelos diferentes

espaços, desvelando a interação artista/público/obra em exercícios de escuta, olhar e

desenhos de observação. Oportunamente registrou-se vários indícios de comunicação

seja no olhar, no diálogo, nas brincadeiras, nas danças travadas entre leitor e objeto de

arte, bem como expressões de medo, pavor e susto nas sombras ou nas próprias

silhuetas que passaram a compor o espaço.

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Fig 17- exercício de observação Fig 18 – desenho de observação Fig 19 – interação público-obra

Conclui-se este relato na certeza de que os objetivos propostos foram alcançados

na medida em que o projeto transcendeu o espaço escolar, abrigando-se hoje no

Departamento de Cênica da UFU onde, provavelmente, receberá novos olhares e

despertará novas concepções sobre o processo criativo nas Artes Visuais da educação

básica.

Bibliografia

RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das artes visuais. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003. ZAMBONI, Sílvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas: Autores Associados, 1998. (Polêmicas do nosso tempo, 59). DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho. São Paulo: Scipione, 1989. ______. Linha do horizonte: por uma poética do ato criador. São Paulo: Escuta, 2001.

Internet

www. videocinco.com acesso em 20/04/2004

www.geocities.com/chavecohpcop/text05.htm acesso em 27/04/2004

www.chiflaows.com acesso em 05/05/2005

www.historiadaarte.com.br/arteindigena.html acesso em 05/05/2004

www.users.hotlink.com.br/nmgitahy acesso em 05/05/2004

www.sandy-xxx.com acesso em 07/04/2004