corpos deslocados em mulheres alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a...

12
Olhar de Professor ISSN: 1518-5648 [email protected] Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino Brasil Coelho da Silva, Thais Corpos deslocados em Mulheres Alteradas Olhar de Professor, vol. 9, núm. 1, 2006, pp. 131-141 Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino Paraná, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=68490110 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Upload: lycong

Post on 01-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

Olhar de Professor

ISSN: 1518-5648

[email protected]

Departamento de Métodos e Técnicas de

Ensino

Brasil

Coelho da Silva, Thais

Corpos deslocados em Mulheres Alteradas

Olhar de Professor, vol. 9, núm. 1, 2006, pp. 131-141

Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino

Paraná, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=68490110

Como citar este artigo

Número completo

Mais artigos

Home da revista no Redalyc

Sistema de Informação Científica

Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Page 2: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

131Olhar de professor, Ponta Grossa, 9(1):131-141, 2006.

Corpos deslocados em Mulheres Alteradas*

Bodies out of place in Mulheres Alteradas*

Thais Coelho da SILVA**

Resumo: Assumindo o corpo como ponto de encontro entre história, natureza, ciênciae cultura, como um constructo mutante, passível de intervenções, engendrado em redesde poder e controle, produzido pela linguagem e dotado de significação, nos encontra-mos presentificados no mundo. Nosso contexto “pós-moderno” apresenta-se conflituosoe ambíguo, pois se revela ao mesmo tempo repressor e libertador, estando a todo tempoa dizer de nós, de nosso corpo e de nossos comportamentos, determinando e represen-tando nossa experiência como seres humanos. Assim, através dos aparatos midiáticos,discursos são veiculados e destinados à regulação do sujeito através de sua identificaçãoou não com determinadas verdades construídas, ou através de efeitos de verdade. Aten-dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão decorpo como artefato sócio-econômico-cultural que, ao ser constantemente construído ereconstruído na discursividade, se concretiza. A partir de tais entendimentos localiza-mos a obra da cartunista argentina Maitena como oblematizadora da questão do corpo,pois retrata sua provisoriedade de forma satírica.

Palavras-chave: corpo. aparência. mídia. mulher.

Abstract: Assuming that the body is affected by history, nature, science and culture,and that it is also a mutable construct, feasible of interventions, engendered in nets ofpower and control, produced by language and endowed with signification, we findourselves in the world. Our “postmodern” context is itself in conflict and in an ambiguouscondition. Therefore, it appears at the same time repressive and liberating, sayingthings about our body and about our behaviors, determining and representing ourexperience as human beings. Thus, through the media, discourses are circulated andaimed for the regulation of the subject through its identification or not with particularconstructed truths or by means of the “truth effects”. Considering the logic of thecapitalist market, the media contributes for a view of the body as a social, economic and

* Título inspirado no livro Mulheres Alteradas, de Maitena Burundarena.** Especialista em Pedagogia Esportiva pela ESEF/UFRGS. Integrante do Grupo de EstudosIdentidades Juvenis em Territórios Culturais Contemporâneos do Programa de Pós-gradu-ação em Educação (PPGEDU) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]

Page 3: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

132 Olhar de professor, Ponta Grossa, 9(1):131-141, 2006.

cultural artifact materialized into the discursive process that comes to life by beingcontinuously constructed and reconstructed. From such understanding the work Mu-lheres Alteradas of the Argentinian cartoonist Maitena is considered as that of aprofessional that questions the issues concerning the body as she portraits its ephemeralcondition in a satirical manner.

Keywords: body. appearance. media. woman.

Inicio este artigo comentando so-bre seu título: mulheres alteradas.Inspirei-me nele para emergir algumasquestões presentes e reincidentes narealidade feminina - os cuidados como corpo, as exigências com a aparên-cia, o mercado de consumo da beleza,a interpelação de discursos midiáticos,enfim, alterações constantes que evi-denciam a provisoriedade de nossoscorpos.

Para desenvolver meus escritos,recorro ao campo de teorização e in-vestigação denominado Estudos Cul-turais, que considera a cultura comototalidade da experiência vivida dosgrupos sociais e como campo de lutaentre esses grupos em torno da signi-ficação. Ao pontuar como dimensõescentrais o conhecimento e a identida-de posiciona o corpo como questãocentral na cultura contemporânea.

Para Tomaz Tadeu da Silva (2000,p. 31), a análise cultural contemporâ-nea argumenta que “o corpo é, elepróprio, um constructo cultural, soci-al e histórico, plenamente investidode sentido e significação”.

Mary Lucy Murray Del Priore(1994, p. 55) constata que graças àsmutações pelas quais vem passandoa história, refletidas na modificação

de abordagens metodológicas e nosurgimento de novos objetos no cam-po epistemológico, o corpo é legiti-mado como interlocutor da históriaque, carente de linguagem, é, simulta-neamente, o lugar do desejo e da dor.

Historicamente, pode-se encon-trar o corpo tematizado como um ele-mento importante nos processos deprodução, manutenção e transforma-ção de identidades sociais e culturais,bem como nos processos de diferen-ciação, hierarquização e desigualda-de social, como asseveram Meyer eSoares (2004, p.9). Dessa forma, “Ocorpo é um dos locais envolvidos noestabelecimento das fronteiras quedefinem quem nós somos, servindode fundamento para a identidade”.(WOODWARD, 2000, p. 15)

Assim, as identidades sociais sãoconstruídas no interior da represen-tação, através da cultura. Por meio daspráticas de significação e dos siste-mas simbólicos por meio dos quaisos significados são produzidos,posicionamo-nos como sujeitos, dan-do sentido à nossa experiência e àquiloque somos. A identidade, entendidacomo processo social discursivo, évista como contingente, resultado,portanto, de uma fusão de diversos

Page 4: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

133Olhar de professor, Ponta Grossa, 9(1):131-141, 2006.

componentes, de discursos políticose culturais e de experiências singula-res. É também relacional, marcada peladiferença, por meio de símbolos; é tan-to simbólica quanto social e histori-camente específica. (HALL, 1998).

Para Meyer e Soares (2004, p. 6),vivemos um tempo em que o corpo éexaustivamente falado, invadido, in-vestigado e ressignificado; um contex-to em que várias áreas do conhecimen-to têm interferido e redefinido as for-mas pelas quais vemos, conhecemos,falamos e nos relacionamos com aqui-lo que chamamos de ‘nosso corpo’.

Nosso tempo, comandado porvalores capitalistas, tem o consumo,principalmente de imagens cujo cor-po é veículo, como a principal moedadas relações. (ROSA, 2003, p. 120).Instâncias econômicas se sustentampromovendo e comercializando repre-sentações de determinados corpos,instituídos como belos, jovens e sau-dáveis. Assim, vários segmentos demercado têm-se estruturado a partirda produção do corpo humano,reconfigurando sua aparência, dissi-mulando suas ‘deficiências’,otimizando suas funções e aumentan-do sua longevidade.

Assumindo o corpo enquantoponto de encontro entre história, na-tureza, ciência e cultura, constructomutante, passível de intervenções,engendrado em redes de poder e con-trole, produzido pela linguagem e do-tado de significação, encontramo-nospresentificados no mundo, nestemundo conflituoso e ambíguo, onde

os aparatos midiáticos estão a todotempo a dizer de nós, de nosso corpoe de nossos comportamentos, deter-minando nossa experiência enquantoseres humanos.

Assim, para Fischer (1987, p. 60),“os meios de informação e comunica-ção constroem significados e atuamdecisivamente na formação dos su-jeitos sociais”. Nesse processo, amídia vem assumindo um papel rele-vante, junto às demais formas dedinamização e expansão da cultura naprodução de sentidos.

No universo cultural, a mídia pro-duz saberes, através de pedagogiasculturais, transmitindo atitudes e va-lores. Reforça,assim, modelos de con-duta, modos de ser e de viver, nosposicionando socialmente. Em meio atensões e conflitos estabelecidos pe-las relações de poder, nos encontra-mos em um campo de luta e de práticade uma política de representação queproduz o que somos ou devemos ser,nossa identidade.

Através dos aparatos midiáticos,discursos são veiculados e destina-dos à regulação do sujeito através desua identificação ou não com deter-minadas verdades construídas, ou,parafraseando Foucault, através de‘efeitos de verdade’. Atendendo à ló-gica capitalista do mercado de con-sumo, a mídia contribui para uma vi-são de corpo como artefato do merca-do econômico-social-cultural(ANDRADE, 2003, p.110), que, ao serconstantemente construído ereconstruído nessas discursividades,

Page 5: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

134 Olhar de professor, Ponta Grossa, 9(1):131-141, 2006.

adquire uma materialidade que é, aomesmo tempo, um produto do poderque gera divisões sociais.

Também a falar do corpo, aproblematizá-lo, retratando suaprovisoriedade em nossa cultura deforma satírica, através do artefato cul-tural da charge, está a cartunista ar-gentina Maitena. Com os cinco volu-mes do livro Mulheres alteradas, eladiscute o comportamento feminino emrelação à aparência e ao envelhecimen-to, ressignificando, assim, essas repre-sentações na sociedade pós-moderna.

A obra artística de Maitena é degrande visibilidade, já que hoje épublicada em mais de 15 países. Per-cebe-se, assim, a inserção da chargistaem um campo de crítica cultural nasdiversas situações vulgares que en-volvem o universo da mulher, em seuposicionamento estético, político ecultural. A partir de fragmentos da falacotidiana, percebe-se em Mulheresalteradas a construção de um imagi-nário da mulher pautado pela forma-ção de um discurso envolto pela pro-blemática da aparência.

Page 6: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

135Olhar de professor, Ponta Grossa, 9(1):131-141, 2006.

A cultura moderna é assombradapela ideologia do presente, que re-gula o ser a sua condição estética.Como propõe Foucault (1987, p.126),“em qualquer sociedade, o corpoestá preso no interior de poderesmuito apertados, que lhe impõem li-mitações, proibições ou obrigações”.Ao comparar o sentimento da mulherem relação a seu corpo com determi-nados animais, Maitena reabre o es-paço do questionamento da imagemda mulher que vive sob o domínio daaparência, no qual o desejo de inser-ção ao padrão estético em voga éatravessado pelas individualidadesobjetivas e subjetivas do gênero fe-minino.

Na indústria do consumo, o corpo éguiado por diferentes princípios en-tre os quais está o progresso. Valori-zam-se características da juventude,como disposição, saúde, liberdade ebusca de emoção. Mudanças relacio-nadas ao envelhecimento sãosubjugadas, escondidas, plastificadas,tonificadas e revigoradas. (ROSA,2003, p. 125).Atualmente, a preocupação com a

aparência gera a necessidade de in-vestimentos concernentes ao cuida-do com o corpo, à saúde e ao lazer,bem como traduzidos em comporta-mentos que exigem disciplina e con-trole dos excessos. A indústria da

beleza disponibiliza recursos para quecada corpo materialize o ideal difun-dido através dos meios de comunica-ção. Saber cuidar do corpo e mostrartal capacidade figuram entre as ‘leis’impostas pelo social, através de die-tas, exercícios físicos, cirurgias plás-ticas, técnicas de relaxamento e inú-meros dispositivos para minimizar as‘imperfeições’ e retardar o envelheci-mento.

Nessa perspectiva, em que o cor-po é visto como projeto, em que todaintervenção, transformação, reconfi-guração é aceita e incentivada, somosconstantemente envolvidos em pro-cessos de regulação e cuidado, quedizem da saúde que devemos ter, de-terminam a aparência que nossos cor-pos devem assumir e o grau de satis-fação que podemos ter acerca de nos-sa imagem. O que se percebe é queprevalece um modelo estabelecidoque busca homogeneizar os sujeitos,que apaga as singularidades do indi-víduo pós-moderno, que interfere emsua subjetividade propondo padrõescorporais e comportamentais.

Dessa forma, percebe-se a magre-za identificada como atributo a serperseguido incessantemente atravésde cuidados com o corpo, que, no atu-al contexto, representa umapositividade do caráter. É o que evi-dencia a ilustração que segue.

Page 7: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

136 Olhar de professor, Ponta Grossa, 9(1):131-141, 2006.

Para Denise Sant’Anna (2000), nasociedade contemporânea um mal-es-tar generalizado se introduz nos indi-víduos quando a questão é aconstatação de modificações que seoperam em seus corpos, mais especifi-camente quando se trata da passagemdo tempo e da perda da saúde física. Aaparência é vinculada à adoção de há-bitos e condutas, responsabilizando asopções de cada um pelo seu sucessoou fracasso no que concerne aos sa-beres do corpo. Assim, o autocontroleé fundamental para aplicar os disposi-tivos que possibilitarão uma padroni-zação dos corpos e das condutas.

Desde la televisión y las revistas, des-de el cine y los afiches publicitariosen la vía pública, se muestra el cuerpodel ‘joven modelo’: ágil y esbelto,desinhibido, seguro de sí, con firmezaen sus carnes y en su actitud.(CHMIEL, 2000, p. 90).

Para a autora, os corpos aparen-tam a pessoa que se gostaria de ser,pois somente através de uma ênfasesobre si mesmo se tornaria possível aaceitação por parte do outro. Dessaforma, o corpo que apresenta carac-terísticas aceitáveis garante sua inclu-são em determinado grupo social. Emalguns deles, para ser consideradojovem, o ano do nascimento não é

Page 8: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

137Olhar de professor, Ponta Grossa, 9(1):131-141, 2006.

importante; o que se considera é aforma como cada ‘ator’ atua, a ado-ção do disfarce e da máscara corretaem cena. Assim, a juventude se con-verte em uma estratégia particular queignora o tempo dos relógios: o passardos anos pode ser esquecido pelasimples magia do mercado.

É notório que o ‘ser jovem’ é, emnosso tempo, um valor positivo. As-sim, como em outros momentos e lu-gares se respeitava a serenidade, aexperiência e a sabedoria dos idosos,ou mesmo a seriedade de um adulto,hoje se propõe, como modelo de êxi-

to, equilíbrio e saúde para distintosgrupos etários, pautas que têm comoreferência a juventude.

Nas últimas décadas, os meios decomunicação de massa vêm fortale-cendo sua presença na sociedade,reforçando a legitimação de padrõesconsiderados mais ou menos desejá-veis, aceitáveis, difundindo, enfim,modelos ideais de indivíduos. Dessaforma, a juventude torna-se uma es-tética em voga e quesito almejado deacordo com os referenciais midiáticos,que reveste de conotações positivasquem possuir tal ‘atributo’.

Page 9: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

138 Olhar de professor, Ponta Grossa, 9(1):131-141, 2006.

Os canais informativos, junto àextensa rede de publicidade que en-volve as sociedades, veiculam todoum conjunto de imagens queinteragem na vida cotidiana, articulan-do um processo que toma caracterís-ticas provenientes do mundo juvenil,tais como padrões estéticos, estilosde vida, consumo, gostos e preferên-cias. Constitui, assim, sinaisemblemáticos de modernização, ma-nifestando o temor das marcas que otempo assinala nos corpos, produzin-do significados através dessas mes-mas marcas.

FREYRE, em artigo publicado peloJornal do Brasil, em 1972, já vislum-brava: “os menos jovens vêm ultima-mente, entre os povos ocidentais, imi-tando os mais jovens”. O jovem dita amoda, impõe padrões que constroeme legitimam uma cultura juvenil e oidoso adota-a, amalgamando-se àssuas exigências. Paralelamente à ele-vação da média de vida, percebe-se adisseminação do uso de artifícios,como cosméticos, adornos, vesti-mentas, tratamentos estéticos e cirur-gias plásticas, que permitem ao idosoparecer jovem, bem como, ‘compor-tar-se juvenilmente’. E para transporos limites biológicos, a medicina sefaz presente através de procedimen-tos dedicados a proporcionar ao su-jeito condições de saúde e vitalidade,buscando uma juvenilidade. Nessecontexto, para os mais velhos, ser jo-vem é parecer jovem.

Hay que reconocer que la cultura demasas se ha venido caracterizando

desde su origen por la apropiación yexplotación de los valores específicosde los grupos de jóvenes – o, al me-nos, aquellos que se les han atribuido– hasta convertirlos en un estereotipodominante y, a veces, hegemónico. Eneste sentido, cabe hablar, pues, dejuvenilización de la cultura(TORNERO, 1998, p. 263).

O autor afirma que ser ou parecerser jovem se mostra funcional em re-lação ao sistema industrial e consu-mista da indústria cultural. Trata-se,então, de um mecanismo de contesta-ção própria dos sistemas culturaishierarquizados como são os da indús-tria cultural, resultados da correspon-dência formal entre os valores que sãofuncionais à sociedade de consumo ea outros que resultam do estatuto dosjovens em nosso sistema social.

Com efeito, a sociedade de con-sumo, engendrada a partir da estabili-zação e manutenção de uma econo-mia privada capitalista, impele o indi-víduo ao consumo de infinitos pro-dutos cujas quantidades postas emcirculação no mercado se coadunamnão só aos desejos criados nos con-sumidores, mas, sobretudo, aos seusprodutores. Dessa maneira, a publici-dade e a moda atuam como propulso-ras do consumismo, uma vez que con-figuram um panorama imagético reves-tido de valores coletivos associadosa um imaginário social de novidade,celeridade, aceleração e visibilidade,características típicas do consu-mismo.

A adoção de um sistema globalde comunicação propicia, por con-

Page 10: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

139Olhar de professor, Ponta Grossa, 9(1):131-141, 2006.

seguinte, a criação de culturas juve-nis interconectadas a partir de deter-minados signos identitários, de for-ma que, especialmente na década de50, com o surgimento de uma culturajuvenil que delimitou as distinçõesinerentes às gerações precedentes,houve uma exortação aos valores eestéticas culturais juvenis, entendi-dos como paradigmas a serem perse-guidos dali por diante. Assim, o ‘bluejeans’ e o ‘rock’, segundo asseveraCarrano (2004), passam a fazer partede uma espécie de relicário de umajuventude cultural global, constitu-indo, igualmente, elos de identifica-ção.

Afirma Bebiano (2004) que “a per-cepção do presente vive saturada dereferências ao papel dos jovens e àvalorização da própria idéia de juven-tude”. Em outros tempos, aparentarser mais velho indicava uma condutamodelar. Hoje, parecer jovem “asse-gura um estatuto de notoriedade”,através da valorização de caracterís-ticas como ousadia, rapidez e entusi-asmo.

Margulis e Urresti (2000, p.15)alertam para o emprego do termo ‘ju-ventude’ como produto, aparecendocomo valor simbólico associado amarcas apreciadas em nossa socieda-de, principalmente em relação a pa-drões estéticos. Promove-se, assim, acomercialização de mercadorias, bense serviços relacionados à aquisiçãodessa juventude, atuando direta ouindiretamente sobre os discursos so-ciais que a identificam.

Dessa forma, vemos a banalizaçãodos corpos na sociedade contempo-rânea, onde é possível construir a apa-rência desejada comprando os signosrelacionados a ela. Ciência e tecno-logia se unem no afã de elaborar no-vos procedimentos cirúrgicos e esté-ticos para permitir cada vez mais altosinvestimentos por parte dos sujeitos.

ROSA (2003, p.115) afirma que “osdiscursos que certificam corpos se-duzidos e limitados pelo processo decivilização, apontam, simplesmente, asubmissão do corpo ao progresso e àdisciplina, ao mercado e àstecnologias, denotando um estado depassividade”.

Page 11: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

140 Olhar de professor, Ponta Grossa, 9(1):131-141, 2006.

Nessa perspectiva, entende-seque o corpo, enquanto processo empermanente desenvolvimento, é go-vernado por instâncias que o contro-lam detalhadamente em todos os seusaspectos, desconsiderando suas“apropriações, inventividades eambivalências” (ROSA, 2003, p.133).

Percebe-se, assim, nas charges deMaitena, uma forma de “rir do quedevíamos chorar” (MAITENA, 2004).Afinal, o corpo que construímos étambém lugar de múltiplas possibili-dades, conflitos e resistências, mui-tas ainda a serem descobertas tam-bém por nós, professoras.

Dada a pluralidade e asuscetibilidade do corpo, é possível

sempre reinventar seus signos e sen-tidos. Por isso, ao apropriar-nos dascharges de Maitena como lentes vol-tadas à reflexão acerca do corpo, es-pectro que nos diferencia e nos igua-la, nos liberta e nos controla, desve-la-se um caminho inusitado para a crí-tica e a busca de possibilidades pe-dagógicas nos caminhos da educa-ção.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, S. Mídia impressa e educa-ção de corpos femininos. In: LOURO, G.;NECKEL, J. F.; GOELLNER, S. V. (Org.).Corpo, gênero e sexualidade: um deba-te contemporâneo na educação.

Page 12: Corpos deslocados em Mulheres Alteradas · dendo à lógica capitalista do mercado de consumo, a mídia contribui para uma visão de corpo como artefato sócio-econômico-cultural

141Olhar de professor, Ponta Grossa, 9(1):131-141, 2006.

Petrópolis: Vozes, 2003. p.108-123.

BEBIANO, R. A juventude comoobjecto da historia. Disponível em:< h t t p : / / w w w . a p h . p t / o p i n i a o /opiniao_0208.html> Acesso em 09. set.2005.

CARRANO, Paulo. Identidades juvenise globalização. In: http://www.mult ir io.r j .gov.br/seculo21/texto_link.asp? Acesso em 09 set. 2005.

CHMIEL, S. El milagro de la eternajuventud. In: MARGULIS, M. (Org.). Lajuventud es más que una palabra. 2.ed. Buenos Aires: Biblos, 2000. p.85-101.

FISCHER, R. M. B. O estatuto pedagó-gico da mídia: questões de análise. Educa-ção & Realidade, Porto Alegre, v. 22, n.2, p. 59-80, jul. – dez. 1997.

FREYRE, G. O homem do futuro. Dispo-nível em: http://prossiga.bv.fg.fgf.org.br/portugues/obra/ar t igos/ imprensa/homem_futuro.html>. Acesso em 24. set.2005.

FOUCAULT. M. Vigiar e punir. Rio deJaneiro: Vozes, 1987.

________. Microfísica do poder. Rio deJaneiro: Graal, 2004.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 2. ed. Rio de Janeiro:DP&A, 1998.

MAITENA. Mulheres alteradas 3. Riode Janeiro: Rocco, 2003.

______. Mulheres alteradas 4. Rio deJaneiro: Rocco, 2004.

MARGULIS, M.; URRESTI, M. Lajuventud es más que una palabra In:MARGULIS, Mario. (Org.). La juventudes más que una palabra. 2. ed. BuenosAires: Biblos, 2000. p. 13- 30.

MEYER, D.; SOARES, R. (Org.). Cor-po, gênero e sexualidade. Porto Alegre:Mediação, 2004.

PRIORE, M. L. M. D.. A história docorpo e a nova história: uma autópsia.In: <www.usp.br/revistausp/n23/artigo5.pdf>. Acesso em 17 set. 2005.

ROSA, M. C. Corpo e cultura. In:WERNECK, C. G. et. all. Lazer, recrea-ção e educação física. Belo Horizonte:Autêntica, 2003. p. 115-144.

SANT’ANNA, D. B. de. Descobrir o cor-po: uma história sem fim. Educação &Realidade, v. 25, n. 2, p. 49-58, jul. – dez.2000.

SILVA, T. T. Teoria cultural e educa-ção: um vocabulário crítico. Belo Hori-zonte: Autêntica, 2000.

TORNERO, J. M. P. T. El ânsia deidentidad juvenil y la educación. In:MARGULIS, M.; LAVERDE, M. C.Viviendo a toda: jóvenes , territoriosculturales y nuevas sensibilidades. Bogo-tá: Siglo del hombre, 1998. p.263-277

WOODWARD, K . Identidade e diferen-ça: uma introdução teórica e conceitual.In.: SILVA, T T.; HALL, S.;WOODWARD, K (Orgs.). Identidade ediferença. Petrópolis: Vozes, 2000.

Encaminhado em: 13/10/05

Aceito em: 28/11/05

.