construindo cidadania promoção de autonomia e protagonismo ... · toda a sociedade e seu sistema...
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Projeto “Construindo Cidadania” – Promoção de Autonomia e Protagonismo Social de
Pessoas em Situação de Vulnerabilidade em Brumadinho (MG)
“Constructing Citizenship” - Promoting Autonomy and Social Protagonism of Persons
in Situations of Vulnerability in Brumadinho (MG)
Título resumido: Construindo Cidadania com Pessoas em Situação de Vulnerabilidade em
Brumadinho
Cristiane Luisa Renger
Debora Alves Elias
Cássio Vilela Prado
Vivianne Cristina Borges
PREFEITURA MUNICIPAL DE BRUMADINHO
Palavras Chave: Políticas Públicas, Vulnerabilidade Social, Autonomia, Saúde Mental, Saúde
Pública
Ressumo:
Este trabalho propõe uma mudança na forma de atuação tanto de profissionais da área da
saúde quanto da assistência social no município de Brumadinho (MG), em especial em
relação às pessoas em situação de vulnerabilidade. Proposto por profissionais de diferentes
formações acadêmicas e atuantes em diversos setores da rede municipal de assistência social e
à saúde, objetiva que sejam efetivadas parcerias mais eficazes entre as diferentes secretarias
municipais e seus respectivos setores, possibilitando uma maior circulação social das pessoas
em situação de vulnerabilidade. Visa, ainda, que as ações ofertadas sejam promotoras de
inclusão social, autonomia e acesso ao pleno exercício da cidadania, fazendo com que os
indivíduos envolvidos no projeto sejam mais protagonistas e menos dependentes do
assistencialismo governamental.
Introdução
“Se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir!”
Com essa frase, de autoria desconhecida, o bloco “Liberdade ainda que Tan Tan”, que reúne
usuários, familiares e funcionários de serviços de Saúde Mental de diversos municípios de
Minas Gerais foi às ruas para reafirmar sua resistência e re-existência em prol dos Serviços
Substitutivos em Saúde Mental, em maio do ano de 2013.
O sonho que permeia este ato político-artístico é o da sociedade sem manicômios e com uma
efetiva inclusão e aceitação social da diferença. Mais do que desinstituir a soberania e poderio
do manicômio no que tange a reabilitação em Saúde Mental, a luta antimanicomial se refere à
busca de uma sociedade mais tolerante em relação às diferenças, que amplie as possibilidades
e o direito ao exercício da cidadania daqueles que, por muito tempo, estiveram (e ainda estão)
à margem da sociedade.
O propósito é fazer com que os indivíduos acometidos por transtornos mentais passem a ser
protagonistas de suas próprias histórias, ao invés de coadjuvantes ou expectadores. Os
serviços substitutivos não devem e não podem se tornar “minicômios”. Não deveriam, de
forma alguma, reproduzir a lógica que permeia a instituição asilar, e favorecem a exclusão e o
antagonismo social.
Neste sentido, o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) de Brumadinho tem a proposta, a
partir de 2013, de modificar o cenário do tratamento em Saúde Mental no município. Inicia o
ano com uma programação intensa de eventos intersetoriais e que buscam favorecer o
protagonismo de cada usuário, individual e coletivamente. Dentro desta proposta, nasce o
projeto “Construindo Cidadania”, interdisciplinar e intersetorial, que busca viabilizar uma
efetiva inclusão social, diminuindo o preconceito existente e favorecendo a construção de uma
sociedade mais tolerante e justa em relação às diferenças individuais. Entretanto, entendendo
que a efetivação da inclusão social só se dará quando não houverem mais discriminações em
relação ao tratamento dado às pessoas que apresentam-se diferentes do padrão considerado
normal. No momento em que houver isonomia de tratamento e equidade de oportunidades,
podemos considerar que há, efetivamente, inclusão social.
O CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e o NASF (Núcleo de Apoio à Saúde
da Família) são parceiros dessa iniciativa do CAPS e acreditam que é por meio de trabalhos
integrados que se pode efetivamente construir dispositivos de transformação do real. Além
disso, os três serviços diretamente envolvidos neste projeto atendem, principalmente, à uma
população em situação de vulnerabilidade, seja pelo risco social, econômico ou de condições
de saúde/doença. Os autores do projeto não acreditam que ações isoladas e que não
promovam a integração e diálogo entre os serviços e seus usuários não promovem a efetiva
inclusão social e não incentivam o exercício da cidadania, o protagonismo social e a
autonomia.
Justificativa
Inclusão social é um conceito que está relacionado a valores, engloba e traz implicações para
toda a sociedade e seu sistema cultural. É um ideal que guia a elaboração de políticas e leis de
criação de programas destinados a pessoas com deficiências nos últimos anos, de forma a
buscar mecanismos que possibilitem a participação ativa e eficaz de todos na vida em
sociedade.
De acordo com Wilson (2006), este conceito surge no final da década de 1980, com o debate
de políticas sociais na Europa. Isso ocorre no momento em que a partição européia em Europa
Capitalista e Europa Comunista é abolida e os europeus se vêem às voltas com a pobreza e a
exclusão social decorrentes do fim da guerra fria. Collins (2003) afirma que a exclusão social
impede a participação nos benefícios da cidadania. O paradigma da inclusão preconiza
mudanças comportamentais na sociedade, uma vez que trabalha com quebra de conceitos e
pré-conceitos (ou melhor, preconceitos), valorização da diversidade e oferta de oportunidades
iguais a todos (BARTALOTTI, 2006). Busca a participação ativa de todos os indivíduos na
sociedade a qual pertencem, de forma que o preconceito e a discriminação sejam reduzidas. A
sociedade inclusiva, então, é um objetivo que qualquer e todo cidadão pode e deve ajudar a
ser alcançado (GUIMARÃES, 2000). Os indivíduos se esforçam para participar ativamente e
com dignidade dos processos sociais e, por outro lado, a sociedade se ajusta para acolher
todas as diferenças em alto grau de tolerância. Em suma, trata-se da busca pela igualdade de
oportunidades e de recursos para assegurar o bem estar, a qualidade de vida e a saúde de
todos.
Embora a inclusão não seja um fato recente, é a partir de 1994, com a publicação pela ONU
da Declaração de Salamanca sobre princípios, políticas e práticas em educação especial é que
o termo inclusão ganha destaque e coloca-se como meta dos países signatários desta
declaração, inclusive o Brasil. Porém, grande parte das ações voltada a essa prática é
alicerçada em atitudes segregativas e assistencialistas.
É sabido, entretanto, que a inclusão traz benefícios para todos, uma vez que permite a
convivência com a diferença, nos mais diversos locais; as famílias passam a ver seus filhos
como cidadãos com direito de partilhar os recursos de sua comunidade. Por fim, esta
beneficia-se com a formação de um espaço mais democrático.
A resistência aos modelos inclusivos é resultado de todo um processo histórico de construção
da ideia de exclusão. Mena (2000) cita que Darwin, Sêneca e Platão são exemplos de que a
exclusão social é observada desde tempos remotos. Pode-se dizer que, para que ocorra o
processo de inclusão social, é necessária a superação de concepções históricas que constituem
a origem dos preconceitos observados hoje. Assumir a diferença – livre de quaisquer
qualificações, se superior ou inferior, mas ser diferente apenas – é o primeiro passo para o fim
de preconceitos, para posterior construção de uma sociedade realmente inclusiva.
Neste sentido, profissionais que trabalham em oficinas “protegidas” acumulam duas funções:
professor de um ofício, cuja meta é a profissionalização através do treino de habilidades; e
terapeuta com a meta de possibilitar o desenvolvimento biopsicossocial através do treino de
hábitos e aspectos sociais relacionados à situação de trabalho. Ou seja, o profissional é
treinador e terapeuta e pode intervir ora com o aprendiz, ora com o vulnerável, de acordo com
o objetivo do momento. Como consequência, não há uma nítida separação entre o espaço de
(re)habilitação e o espaço clínico terapêutico e pode ocorrer a perda dos objetivos propostos.
O contato social reduzido em Oficinas Abrigadas pode gerar consequências ao
desenvolvimento global do indivíduo, pois o contato com a sociedade, a cultura e seus
elementos constitutivos é imprescindível para a construção do sujeito. Dentre esses
elementos, podem ser citados dois de grande importância para nossa cultura: a escola, alicerce
da identidade infantil e o trabalho, na identidade adulta.
Como se pode perceber, o reconhecimento do homem como sujeito se dá via trabalho,
considerado uma necessidade, pois garante liberdade e independência. Vários autores
descrevem o trabalho segundo diferentes óticas. Hegel define o trabalho como agente
transformador da natureza e do próprio homem. Marx denuncia a relação de exploração
envolvida no trabalho e descreve-a como um sintoma social. Essa relação decorre de um
processo no qual o homem vende sua força de trabalho e perde sua autonomia, passando a
executar um trabalho alienado. Já para a psicanálise, o trabalho é um dos modos de realização
do sujeito. A construção da identidade se dá através do reconhecimento do outro como sujeito
e o trabalho é uma forma de garantir este reconhecimento social. (ABRANCHES, 2000)
Abranches (2000) pontua que “são cidadãos aqueles membros da comunidade que se
encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas por leis”
(p. 15), ou seja, a cidadania passa, obrigatoriamente, pelo trabalho. A partir disso, infere-se
que a inclusão social só ocorre de fato se houver inclusão no trabalho, pois apenas a inclusão
na comunidade ou na escola não garante o sentimento de pertencimento O processo de
inclusão do vulnerável é relativamente novo, e pode ser pensado como luta e conquista
individual – onde o sujeito é quem se adequa às exigências da sociedade – ou como uma
questão de direitos – onde a sociedade é quem se prepara e modifica para acolher este sujeito.
O contexto sócio-econômico atual é o de um mundo globalizado, onde as relações mundiais
estão intensificadas de tal maneira que acontecimentos locais são influenciados por eventos
que ocorrem a muitos milhares de quilômetros. Isso implica em uma nova forma de pensar,
agir e negociar. Muitos acreditam que a inclusão é conseqüência da globalização, enquanto
outros pensam ser uma evolução natural da humanidade. Independente da visão, é no mundo
globalizado que a inclusão social surge e ganha forças.
Dos anos 20 até, aproximadamente, os anos 80, o sistema produtivo caracterizava-se pela
produção para consumo em massa, com gestão vertical e autoritária, divisão de trabalho bem
definida, onde o operário é apenas “parte integrante” do processo padronizado. É o que se
chama de fordismo. No âmbito das políticas públicas, tem-se o modelo Keinesiano, que
objetivava a garantia de empregos para viabilizar os crescentes níveis de consumo,
desenvolvendo, para isso, políticas de crescimento econômico e legitimando negociações
sindicais. A partir da década de 80, há uma substituição gradual desses modelos por outros
que investem na produção em menor escala e na maior liberdade para o trabalhador. A
produção é organizada de forma a responder a demanda. Neste novo contexto, aumenta a
inter-relação “fornecedor x cliente” e as empresas se estruturam de forma mais
descentralizada. Isso gera alterações nas relações de trabalho e emprego, criando formas
alternativas de geração de renda, abrindo espaço para o chamado mercado informal de
trabalho.
Apesar de a globalização abrir caminhos para movimento de inclusão, ela apresenta fortes
aspectos excludentes, pois o contexto econômico atual favorece o desemprego e a segregação.
A tendência é que a exclusão seja mantida ou intensificada. No entanto, alguns aspectos
inclusivos podem ser apontados, como o avanço da tecnologia. Apesar de restrito a uma
minoria privilegiada, o avanço tecnológico favorece o processo de inclusão por possibilitar
uma melhor reabilitação. Somado ao processo de globalização, a descentralização
administrativa que ocorre concomitantemente facilita a inclusão por permitir uma maior
democratização das instituições e políticas mais igualitárias.
A educação profissional tem papel fundamental para que seja viável a inclusão de
vulneráveis, tanto para preparar trabalhadores qualificados quanto para preparar cidadãos. A
inclusão não está garantida apenas por leis ou por vagas no mercado. São ainda necessários
um “sujeito desejante” e um cidadão participativo, esses surgidos a partir de ações voltadas
para a construção do sujeito e não de um tratamento por “sintoma”.
Em uma prática voltada para a inclusão, quem detém o saber não é somente o técnico ou
professor, é também o vulnerável, sendo permitido que fale, deseje e que construa seu saber.
Esta não se preocupa pelos erros a serem consertados, mas sim em como começar uma
construção conjunta. Desta maneira, a conduta com o vulnerável não é voltada para correções
ou adaptações e sim para a construção do saber e da maneira que a pessoa lida com sua
vulnerabilidade. (ABRANCHES, 2000).
Assim sendo, propõe-se a implantação do Projeto Construindo Cidadania, como forma de
promover a construção da identidade social, saúde e reconhecimento de habilidades para os
indivíduos com transtorno mental e em situação de risco social através da inclusão social via
trabalho em atividades que lhes proporcionem, direta ou indiretamente, uma renda. Além
disto, o projeto tem ainda o objetivo de ampliação da circulação social e do protagonismo
individual contando com a participação da população local, independente de gênero, raça,
idade e presença ou não de patologias diversas no município de Brumadinho, e todos os seus
distritos, região metropolitana de Belo Horizonte.
Objetivos
São objetivos deste projeto:
Favorecer o protagonismo e a autonomia das pessoas em situação de vulnerabilidade,
atendidas na rede pública de Brumadinho, em especial CAPS, CRAS e NASF;
Ampliar o pleno exercício da cidadania desta mesma população;
Possibilitar geração de renda para a população usuária destes serviços;
Favorecer a circulação social e o estreitamento de laços da população atendida pelo
projeto Construindo Cidadania com suas famílias e a comunidade na qual estão inseridos;
Divulgar os trabalhos e oficinas que são realizados na rede de serviços do Município,
favorecendo a participação de novos atores sociais;
Esclarecer e informar a comunidade sobre como funciona os serviços do CAPS,
CRAS e NASF do município de Brumadinho;
Construir ações que possibilitem diminuir o assistencialismo e favoreçam a autonomia
e o protagonismo individual;
Construir uma rede e uma práxis interdisciplinar e intersetorial nos serviços da rede
municipal
Referencial Teórico
Inclusão social é um assunto bastante debatido nos dias atuais; é foco de atenção de diversas
áreas de conhecimento, entre as quais podem ser citadas as ciências humanas (incluindo as
políticas, sociais, sociais aplicadas) e da saúde. Trata-se de um conceito relacionado a valores
e seu sistema cultural, que engloba e traz implicações para toda a sociedade. É um ideal que
guia a elaboração de políticas e leis, além da criação de programas destinados a pessoas
marginalizadas, de forma a possibilitar a participação social ativa e eficaz.
Observa-se, no entanto, que o processo de inclusão social esbarra em barreiras de diversas
ordens, tais como barreiras físicas, atitudinais (OLIVEIRA, 2001) e políticas, restringindo a
participação e o exercício da cidadania. As barreiras físicas referem-se a obstáculos
arquitetônicos ou referentes à falta de manutenção nos espaços públicos, dificultando,
restringindo ou impossibilitando o uso dos mesmos por toda a população.
As barreiras atitudinais, de acordo com Oliveira (2001), referem-se às atitudes que a
sociedade apresenta frente ao indivíduo marginalizado. Dentre elas, podem ser citadas a
invisibilidade, o estigma, o isolamento, entre outros. A invisibilidade pode ser exemplificada
como o não reconhecimento de necessidades especiais de indivíduos cuja diferença não esteja
visivelmente marcada. Como exemplo, podem ser citados casos de crianças com distúrbios
leves, tais como distúrbios de coordenação motora ou de atenção, que necessitam de uma
atenção diferenciada em sala de aula, mas são taxados apenas como indisciplinados, enquanto
crianças com distúrbios mais visíveis, tais como síndrome de Down ou Paralisia Cerebral
dispõem de legislação que garanta sua inclusão na sala de aula regular, com atendimento
diferenciado. Ainda nestes casos, visualiza-se a questão do estigma e do isolamento, quando
pessoas com distúrbios mais graves são marginalizadas e impedidas de exercer quaisquer
atividades, visto que a sociedade as imagina incapazes de desempenhar qualquer função. São
rotuladas, estigmatizadas como incapazes, sem que lhes seja dada oportunidade de mostrar
quais seus potenciais.
Nas últimas décadas, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2003) tem trabalhado de forma
a modificar conceitos, de forma a enfocar habilidades dos indivíduos e não sua deficiência.
De acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF,
2003) e com o conceito de saúde preconizado pela OMS (2003), para se considerar que um
indivíduo se encontra “saudável” é necessário que esse seja capaz de interagir adequadamente
com o meio no qual está inserido, incluindo transporte, habitação, rede sanitária, lazer, entre
outros. Isto significa que a adequação do ambiente de modo a promover a funcionalidade e
autonomia de um ou mais indivíduos, independente do fator que o torna menos habilitado, é
essencial para o estado de saúde e para a qualidade de vida do mesmo.
De acordo com a CIF (2003),
“(...) incapacidade é um termo genérico para deficiências, limitações de atividade e
restrições na participação. Ele indica os aspectos negativos da interação entre um indivíduo
(com uma condição de saúde) e seus fatores contextuais (ambientais e pessoais); e
funcionalidade é um termo genérico para as funções do corpo, estruturas do corpo,
atividades e participação. Ele indica os aspectos positivos da interação entre um indivíduo
(com uma condição de saúde) e os seus fatores contextuais (ambientais e pessoais).” [grifos
da autora]
Em outras palavras, deficiências e incapacidades podem ou não estar ligadas à doença, da
forma como é compreendida pela OMS, a depender de sua habilidade para interagir com o
ambiente e de sua capacidade de desempenhar atividades e tarefas significativas e socialmente
relevantes.
O processo de inclusão social busca minimizar o impedimento de participação, de pessoas
excluídas por condições econômicas, sociais, físicas, nos benefícios da cidadania em função
de uma combinação de barreiras, físicas e/ou atitudinais. Collins (2003) e Arstein (1969)
afirmam que a inclusão social se relaciona à idéia de formação de uma sociedade mais justa,
igualitária e que estimule o exercício da cidadania, assim como assegurar o bem estar,
qualidade de vida e saúde por meio da equidade de oportunidades e recursos.
Amaral Jr. & Burity (2006: 9) afirmam que os discursos que versam sobre a inclusão/exclusão
apresentam
o mérito de reinscrever as responsabilidades estatais no enfrentamento
das desigualdades e da pobreza, incorporaram os imperativos da
eficiência, eficácia, efetividade e competitividade à ação
governamental e às ações sociais de organizações da sociedade civil.
Também assumiram uma ênfase na colaboração entre sociedade civil
que em muito contribuiu para deslegitimar discursos críticos e
oposicionistas.
A discussão sobre inclusão/exclusão social ocorre, em um primeiro momento, em relação à
desigualdade de classes, sendo estendida em seguida para as desigualdades geradas por
preconceitos raciais e diferenças físicas. De acordo com Wilson (2006), este conceito surge no
final da década de 1980, com o debate de políticas sociais na Europa. Isso ocorre no momento
em que a partição européia em Europa Capitalista e Europa Comunista é abolida e os
europeus se vêem às voltas com a pobreza e a exclusão social decorrentes do fim da guerra
fria. Collins (2003) afirma que a exclusão social impede a participação nos benefícios da
cidadania.
O paradigma da inclusão preconiza mudanças comportamentais na sociedade, uma vez que
trabalha com quebra de conceitos e pré-conceitos (ou melhor, preconceitos), valorização da
diversidade e oferta de oportunidades iguais a todos (BARTALOTTI, 2006). Busca a
participação ativa de todos os indivíduos na sociedade a qual pertencem, de forma que o
preconceito e a discriminação sejam reduzidas. A sociedade inclusiva, então, é um objetivo
que qualquer e todo cidadão pode e deve ajudar a ser alcançado (GUIMARÃES, 2000). Os
indivíduos se esforçam para participar ativamente e com dignidade dos processos sociais e,
por outro lado, a sociedade se ajusta para acolher todas as diferenças em alto grau de
tolerância.
De acordo com Forest e Pearpoint, apud Lodi (2003),
inclusão significa convidar aqueles que (de alguma forma) têm
esperado para entrar e pedir-lhes para ajudar a desenhar o nosso
sistema e que encorajem todas as pessoas a participar da completude
de suas capacidades – como companheiros e como membros (p. 37).
A inclusão está relacionada com valores, ética e moral; é um “problema” com o qual não
apenas o indivíduo excluído deve lidar, mas sim todo o sistema no qual visa-se a inserção. É
um ideal que guia a elaboração de políticas e leis de criação de programas destinados a
pessoas com deficiências, de forma a buscar mecanismos que possibilitem que estes estejam
aptos a participar ativamente da vida em sociedade.
A vivência do processo de inclusão estimula a manutenção do estado de saúde, da forma
como é entendido atualmente. Neste sentido, a Organização Mundial de Saúde tem trabalhado
de forma a modificar conceitos e a enfocar habilidades dos indivíduos ao invés da sua
deficiência ou patologia. Para a OMS (2003), saúde implica,
entre outros, na possibilidade de adequada interação com o meio no
qual se está inserido; é o processo de capacitação do indivíduo para
que ele venha a ter o controle geral e melhora sobre o seu estado de
saúde global e implica em estado de bem estar físico, social,
emocional.
Ou seja, atualmente, o estado de saúde implica em poder exercer cidadania, em um estado de
funcionalidade, de adaptação do indivíduo com a sociedade e o meio onde está inserido,
independente de classe econômica, condição física, entre outros.
De acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)
e com o conceito de saúde preconizado pela Organização Mundial de Saúde, é necessário que
o indivíduo seja capaz de interagir adequadamente com o meio no qual está inserido,
incluindo transporte, habitação, rede sanitária, lazer, entre outros, para se considerar que o
mesmo encontra-se saudável. Isto significa que a adequação do ambiente de modo a promover
a funcionalidade e autonomia de um ou mais indivíduos, independente do fator que o torna
menos habilitado é essencial para o estado de saúde e para a qualidade de vida do mesmo.
Este é um dos primeiros passos para que algumas barreiras possam começar a ser rompidas.
Observa-se que o processo de inclusão social é permeado por barreiras, sejam elas físicas (ou
arquitetônicas) ou atitudinais, restringindo a participação e colocando o indivíduo em
desvantagem. Como barreiras físicas ou arquitetônicas, podemos identificar obstáculos
concretos decorrentes de falta de manutenção de espaços e equipamentos urbanos, bem como
de um planejamento que não prevê o uso por indivíduos com diferentes conformações
anatômicas, formas de se movimentar ou locomover, enxergar, escutar ou perceber os
espaços, observando apenas o indivíduo “padrão”. Oliveira (2001) coloca que as principais
barreiras atitudinais são a falta de solidariedade, a invisibilidade, o estigma, o isolamento, a
frieza e a restrição à participação e à cidadania. Cidadania, de acordo com o dicionário
Houaiss (2009), é a qualidade ou condição de cidadão, que se define como o “indivíduo que,
como membro de um Estado, usufrui de direitos civis e políticos garantidos pelo mesmo
Estado e desempenha os deveres que, nesta condição, lhe são atribuídos; aquele que goza de
direitos constitucionais e respeita as liberdades democráticas”. Participação refere-se à
capacidade de agir integradamente, reivindicando direitos e exercendo deveres compatíveis à
condição de cidadão. Frieza refere-se à incapacidade de colocar-se no lugar do outro,
desprezando seus problemas e dificuldades; isolamento, ao afastamento do convívio social, de
forma que os indivíduos não sejam reconhecidos como sujeitos de direitos. O estigma é a
rotulação; refere-se a uma marca que o sujeito que apresenta variações em relação ao padrão
considerado normo-típico recebe e que o coloca em uma posição embaraçosa, incapacitante.
A invisibilidade está relacionada ao fato de se desconhecer o valor do que ou quem está fora
do padrão habitual e a solidariedade, com uma constatação ética de que existe uma
dependência mútua entre os indivíduos, sem a qual não se podem ser desenvolvidas
plenamente as habilidades de cada sujeito (OLIVEIRA, 2001).
A sociedade, ao agir de forma a ignorar a diferença, restringe a participação social, excluindo
todo e qualquer indivíduo que se apresente diferente do padrão. No entanto, se a sociedade se
mobiliza – através de eliminação de barreiras físicas, movimentos em prol da defesa dos
direitos das minorias marginalizadas, mudanças de atitudes frente às minorias marginalizadas,
entre outras – de forma a garantir o respeito à pluralidade, igualdade de direitos e à liberdade,
o processo de inclusão pode ser facilitado. Pode-se dizer que, se a sociedade ou comunidade
observa o respeito aos direitos fundamentais também aos indivíduos com desvantagem, esta
pode ser minimizada e o indivíduo se torna membro ativo e integrante da mesma.
É importante ressaltar que um cidadão exerce algum poder na comunidade quando
diretamente relacionado à sua participação efetiva na mesma. Isso significa, de acordo com
Arstein (1969), que é através de uma redistribuição de poder que os cidadãos excluídos
estarão habilitados a participar ativamente dos processos de cidadania, sendo, de fato,
incluídos na sociedade. De acordo com este autor, de forma a facilitar o entendimento do
processo, é possível enumerar três formas de possibilidades em que indivíduos em
desvantagem passem a participar nos processos decisórios: passivas; passivo-assistidas
(menos passivas, mas ainda não diretamente ativas) ou ativas de interação.
Dentre as formas passivas, tem-se a manipulação, processo no qual a decisão é tomada sem
consulta prévia à comunidade interessada, mas utiliza-se como pretexto para a mesma o bem
estar da comunidade; a terapia, onde a falta de poder decisório é patologizada, ou seja, ao
invés de buscar modificar de forma prática uma situação excludente, o indivíduo nela
envolvido passa a ser rotulado de doente, e é convidado a participar de processos terapêuticos.
Menos passivas do que as formas anteriores são a informação e a consulta. A primeira implica
em simplesmente informar à comunidade o que está sendo proposto de modificação em
termos inclusivos, sem necessariamente dar a oportunidade de manifestação ou maiores
esclarecimentos a respeito da mesma; já na segunda, a população passa a ser consultada a
respeito de seus desejos e demandas, mas a informação fornecida não é suficientemente
esclarecedora. Estes processos estão incluídos em uma categoria que o autor denomina de
“política do menor esforço”. Na categoria da atuação ativa, encontramos a conciliação,
parceria, poder delegado e controle do cidadão. A conciliação é o início do processo de
atuação ativa, onde a comunidade ou o indivíduo passa a ter alguma influência no processo de
decisão de melhorias; a maior parte das comunidades e sociedades se encontra neste estágio
atualmente. Na parceria, o poder começa a ser, de fato, redistribuído e existe a possibilidade
de negociação entre a comunidade e os detentores do poder, ou seja, os governantes. Esta
forma de atuação tem sua eficácia diretamente ligada à organização da comunidade. O poder
delegado implica no controle e na luta pelos direitos diretamente pelos cidadãos, ocorrendo de
forma organizada e legitimizada, enquanto o controle do cidadão permite que as demandas da
comunidade sejam elaboradas e solucionadas pela mesma, com a possibilidade de negociação
de pessoas que não estão diretamente vinculadas a esta.
Sabe-se que estes passos não seguem obrigatoriamente uma ordem e que o processo de
inclusão e luta por equivalência de direitos é muito mais ampla e complexa do que os degraus
apontados acima. Para que haja, de fato, inclusão é necessário que haja, antes, mudanças
sociais. Estas são entendidas como alterações em fenômenos sociais ocorridas em diferentes
níveis da vida humana, seja na esfera individual como na esfera social. A mudança social
deve ser permanente, ocorre de forma contínua e gradativa, em várias direções, escalas e em
múltiplos níveis sociais, segundo um padrão próprio.
Neste sentido, a interdisciplinaridade é uma alternativa na busca pela promoção da
funcionalidade, autonomia e independência dos indivíduos em relação à interação com o
ambiente. Oferece um poderoso meio racional para que uma ampla gama de usuários possa
interagir com o ambiente; uma de suas possibilidades é a construção de “políticas de inclusão
e do todo”, implicando valorizar a participação do indivíduo no seu contexto significativo e
buscar diminuir a marca do estigma.
É importante ressaltar que, uma vez que o contexto limita a participação do indivíduo, a
deficiência deve ser sempre considerada em um contexto. A OMS preconiza que o indivíduo
deve ser capaz de exercer autonomia e independência, sendo esses conceitos entendidos,
segundo Guimarães (1993) como:
1. Independência é a condição de domínio no ambiente físico e
social, preservando ao máximo a privacidade e a dignidade da
pessoa que a exerce sem a participação de outras pessoas, como
familiares ou profissionais especializados; rampas suaves podem
facilitar a independência no espaço físico, por exemplo pois não é
necessária a intervenção de outras pessoas para que o indivíduo
alcance seus objetivos.
2. Autonomia é a faculdade de um indivíduo efetuar decisões
sobre o que melhor lhe convém, assumindo responsabilidades e
exercendo direitos.
Observa-se que o reconhecimento do homem como sujeito se dá através do trabalho,
considerado uma necessidade, pois garante liberdade e independência. O trabalho, seja ele
formal ou informal, constitui-se em um dos modos de realização do sujeito e da construção de
sua identidade. Esta se dá através do reconhecimento do outro como sujeito e o trabalho é
uma das formas de se garantir este reconhecimento. Independentemente de riscos sociais ou
presença de adoecimento mental, é o trabalho que garante a construção de identidade social,
reconhecimento de capacidades e o exercício pleno da cidadania de forma mais eficiente.
A população atendida não só pelo CAPS e pelo CRAS, mas também pelo NASF, constitui-se,
em grande parte, por indivíduos vulneráveis, seja em função de baixa renda, escolaridade,
desemprego ou condições de adoecimento psíquico. Tendo em vista a importância do
trabalho, formal ou informal, para a construção da identidade social e do indivíduo enquanto
cidadão protagonista de suas ações, é de fundamental importância proporcionar a estes a
oportunidade de vivenciar o processo de implicação ativa no processo de mudança necessário
para melhoria da sua qualidade de vida.
Finalmente, conclui-se que a inclusão não nega a existência da desigualdade. Ao contrário,
prega a convivência, de forma pacífica e respeitosa, das diferenças. É importante que se tenha
bem claro isso, pois é impossível que haja uma sociedade de iguais, uma vez que a diferença é
constitutiva do indivíduo. É ela que faz com que cada ser humano seja único. É também
importante ressaltar que a sociedade inclusiva não é idealizada como harmoniosa, mas
marcada pela aceitação e pelo respeito às diferenças. A inclusão só ocorre de fato quando as
pessoas aceitam as suas próprias diferenças. Por fim, como ressalta Ghirardi (2000), é função
dos profissionais da saúde e assistência social descobrir novas possibilidades de inclusão.
Citando Bartalotti (2001), conclui-se que “uma sociedade democrática é uma sociedade para
todos; uma escola democrática é uma escola para todos. Inclusão é, antes de tudo, uma
questão de ética”.
Materiais e métodos
A proposta de implantação do projeto é de início imediato, com a oferta de diferentes oficinas
e atividades a cada dia. Serão realizadas oficinas diariamente, em ambos os turnos (manhã e
tarde), com a possibilidade de, após estudo de viabilidade, estender a oferta também para o
período noturno. Serão realizadas atividades nos espaços do CAPS, CRAS, Unidades de
Saúde da Família e demais instituições que se disponibilizem a realizar parceria para a
implantação do projeto (Casa de Cultura, Instituto Inhotim, etc). Além da oferta de oficinas,
são propostas do projeto a realização de eventos culturais e de promoção de cidadania,
conforme detalhamento a seguir:
Rodas de discussão/Assembléias de usuários, onde serão discutidos assuntos
pertinentes, tais como direitos e deveres do cidadão, inclusão x exclusão social, ocupação
como meio de construção de cidadania e identidade social, administração de renda, entre
outros;
Participação em eventos como conferências municipais, debates, audiências públicas,
entre outros;
Venda de rifas, cujo valor arrecadado será revertido em compra de materiais para
implantação de oficinas geradoras de renda;
Organização e participação (trabalho e lazer) em festas de caráter cultural e recreativo,
tais como: Carnaval, Festa Junina, Festa de Natal;
Realização de atividades diversas (oficinas, palestras, grupos de discussão, entre
outras) com a participação de familiares da população usuária dos serviços, de forma a
reforçar os vínculos familiares;
Implantação de oficinas geradoras de renda, através da confecção de produtos
artesanais (porta-trecos, bijouterias, caixas de presente, entre outros);
Implantação de oficinas profissionalizantes (marcenaria, culinária, pequenos reparos,
lavação de carros, jardinagem, entre outras);
Confecção e venda de camisetas, agendas, calendários e outros itens que forem
sugeridos pelos usuários do projeto.
O projeto não tem duração definida, sendo idealizado para uma duração mínima de 3 anos,
com início de resultados ao longo do primeiro ano do projeto. Em função de haver a
possibilidade de participação de indivíduos com grave comprometimento psíquico e social,
bem como da cognição, é de se esperar que os indivíduos apresentem resultados bastante
diversos entre si e em épocas distintas.
Resultados esperados
Espera-se que, como fruto das atividades realizadas, os indivíduos usuários dos serviços
CAPS, CRAS e NASF de Brumadinho possam atuar de forma mais ativa frente às questões
que se impõem cotidianamente. Além disso, espera-se que tenham maior consciência de
cidadania, direitos e deveres, e que alcancem um reconhecimento social que não os diferencie
do restante da população de forma marginalizadora. É esperado, ainda, que os usuários deste
projeto tenham capacidade de gerar e gerir sua renda, de forma independente.
Infelizmente, tem havido dificuldades na efetivação das ações do projeto proposto por parte
de gestores locais, apesar da aprovação deste pela Secretaria de Governo do município.
Entretanto, observa-se que muitos usuários dos serviços mais diretamente envolvidos pelo
projeto já apresentam mudança de postura em relação ao exercício da cidadania e da política
assistencialista ainda marcadamente presente nas políticas públicas atuais.
Discussão
Apesar de não podermos trabalhar, no momento, com dados concretos em função do projeto
não estar efetivamente em andamento, é possível constatar algumas pequenas modificações na
atuação dos usuários dos serviços envolvidos em virtude de uma mudança de postura de
alguns profissionais dos mesmos. Acreditamos que a efetivação do projeto Construindo
Cidadania poderá trazer muitos benefícios para os cidadãos do município, diminuindo o poder
da política assistencialista e coronelista presente, em especial, nas cidades interioranas.
É possível inferir que o fato de possibilitar aos cidadãos maior conhecimento dos seus direitos
e deveres e favorecer a autonomia e pleno exercício da cidadania é um dos obstáculos que
dificulta a efetivação do projeto, uma vez que altera a relação de poder e diminui a
vulnerabilidade de indivíduos, a princípio, marginalizados.
Entretanto, é necessário cautela nas afirmações, pois ainda não foi possível mensurar nenhum
dado/resultado de forma objetiva e concreta. Além disso, não foram localizados, na literatura
atual, protocolos de mensuração dos impactos do projeto na população atendida. Após a
implantação e efetivação das ações, faz-se necessário investimentos de pesquisa em
métodos/protocolos de avaliação dos impactos das ações do projeto na autonomia e exercício
da cidadania dos indivíduos atendidos pelo projeto.
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