conflitos pela terra e uso dos recursos florestais...

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Conflitos Pela Terra e Uso dos Recursos Florestais, Microrregião da Rodovia Transamazônica, Pará. Carla Rocha¹ Ketiane Alves ² José Antônio Herrera³ Ione Vieira dos Santos 4 Tarcísio Feitosa 5 Guilherme Britto 5 1 Docente-pesquisadora do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural –NEAF/UFPA e do Laboratório Agreocológico da Transamazônica (LAET); [email protected] e [email protected] 2 Eng. Agrônoma, pesquisadora associada ao LAET; [email protected] 3 Docente-pesquisador da Universidade Federal do Pará, Campus Universitário de Altamira; doutorando da Unicamp 4 Eng. Agrônoma e pesquisadora do LAET/AFATRA; [email protected] 5 Mestrandos do curso de Agriculturas Familiares e Desenvolvimento –NEAF/UFPA; pesquisadores associados ao LAET/NEAF Resumo O estudo realizado na localidade Pontal, localizada no município de Medicilândia (às margens da Rodovia Transamazônica - BR 230, a 90 km de Altamira), Estado do Pará, possui os objetivos de apresentar o histórico de ocupação e uso dos recursos naturais pela população e as condições sócio-econômicas locais, destacando as relações com a exploração madeireira empresarial e discutir como as políticas públicas poderiam levar à melhoria do acesso a terra e florestas, traduzindo em benefícios sociais e ambientais. Trata-se de estudo de caso para pesquisa do Centro de Pesquisa Florestal Internacional (CIFOR) e executado pelo Laboratório Agroecológico da Transamazônica do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural –NEAF/UFPA. As informações primárias foram organizadas a partir de reuniões e entrevistas a 40% das famílias. As áreas de maior desmatamento são visualizadas em torno do Rio Jaurucu, onde estão instalados os fazendeiros. Na comunidade, as dinâmicas de diferenciação são identificadas através da análise dos sistemas de produção, e em especial a participação de cada atividade na formação do Produto Bruto Total, além da composição da renda familiar principalmente por atividades extra- lote e da venda de farinha. A pressão pela terra tem como vetores a instalação de fazendas que fazem grandes aberturas na floresta; a ocupação pelos agricultores familiares e pecuaristas nas localidades próximas, demarcando lotes nos fundos das estradas para implantação principalmente de pecuária bovina e, por último, de madeireiros que “grilam” extensas áreas e entram em áreas das famílias ribeirinhas para retirada de madeira através de processos ilegais. Introdução O modelo tradicional de ocupação da Amazônia tem levado ao aumento significativo do desmatamento vinculado aos fenômenos geopolíticos como a política de colonização dirigida e as migrações regionais, e a fenômenos econômicos, como a exploração madeireira e a pecuária. O desmatamento na Amazônia tem incrementado bastante durante no início dos anos 2000. No 1

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Conflitos Pela Terra e Uso dos Recursos Florestais, Microrregião da Rodovia Transamazônica, Pará.

Carla Rocha¹ Ketiane Alves²

José Antônio Herrera³ Ione Vieira dos Santos4

Tarcísio Feitosa5

Guilherme Britto5

1 Docente-pesquisadora do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural –NEAF/UFPA e do Laboratório Agreocológico da Transamazônica (LAET); [email protected] e [email protected] Eng. Agrônoma, pesquisadora associada ao LAET; [email protected] 3 Docente-pesquisador da Universidade Federal do Pará, Campus Universitário de Altamira; doutorando da Unicamp 4 Eng. Agrônoma e pesquisadora do LAET/AFATRA; [email protected] 5 Mestrandos do curso de Agriculturas Familiares e Desenvolvimento –NEAF/UFPA; pesquisadores associados ao LAET/NEAF Resumo O estudo realizado na localidade Pontal, localizada no município de Medicilândia (às margens da

Rodovia Transamazônica - BR 230, a 90 km de Altamira), Estado do Pará, possui os objetivos de

apresentar o histórico de ocupação e uso dos recursos naturais pela população e as condições

sócio-econômicas locais, destacando as relações com a exploração madeireira empresarial e

discutir como as políticas públicas poderiam levar à melhoria do acesso a terra e florestas,

traduzindo em benefícios sociais e ambientais. Trata-se de estudo de caso para pesquisa do

Centro de Pesquisa Florestal Internacional (CIFOR) e executado pelo Laboratório Agroecológico

da Transamazônica do Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural –NEAF/UFPA. As

informações primárias foram organizadas a partir de reuniões e entrevistas a 40% das famílias. As

áreas de maior desmatamento são visualizadas em torno do Rio Jaurucu, onde estão instalados

os fazendeiros. Na comunidade, as dinâmicas de diferenciação são identificadas através da

análise dos sistemas de produção, e em especial a participação de cada atividade na formação do

Produto Bruto Total, além da composição da renda familiar principalmente por atividades extra-

lote e da venda de farinha. A pressão pela terra tem como vetores a instalação de fazendas que

fazem grandes aberturas na floresta; a ocupação pelos agricultores familiares e pecuaristas nas

localidades próximas, demarcando lotes nos fundos das estradas para implantação principalmente

de pecuária bovina e, por último, de madeireiros que “grilam” extensas áreas e entram em áreas

das famílias ribeirinhas para retirada de madeira através de processos ilegais.

Introdução O modelo tradicional de ocupação da Amazônia tem levado ao aumento significativo do

desmatamento vinculado aos fenômenos geopolíticos como a política de colonização dirigida e as

migrações regionais, e a fenômenos econômicos, como a exploração madeireira e a pecuária. O

desmatamento na Amazônia tem incrementado bastante durante no início dos anos 2000. No

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Pará o desmatamento acumulado até 2006 foi de 212.906 km² (PRODES, 2007). Até 2006,

Medicilândia acumulou 1.655 km² de área desmatada, representando 20% do território.

A localidade Pontal é uma região ocupada inicialmente por famílias ribeirinhas, provenientes de

municípios como Porto de Moz e Portel, ainda nos anos de 1980, presencia a entrada de grileiros

como fazendeiros e madeireiros que se apropriam indevidamente de áreas maiores, muitas vezes

iniciando pela compra do direito de posse de famílias já instaladas, multiplicando suas áreas e

implantando extensas áreas de pastagem, intensa exploração madeireira e instalação de

serrarias.

Essa comunidade foi selecionada por apresentar dinâmica diferenciada de ocupação do território

e estar sob influência de atores externos como madeireiros e fazendeiros que impõem modelos de

exploração dos recursos florestais e de acesso a terra que excluem os direitos da população

ribeirinha e a desapropriam de suas terras. Além dessas condições particulares, a comunidade foi

escolhida pela existência de grupos madeireiros e de serrarias no local, possibilitando a reflexão

em torno da posse da terra e uso dos recursos florestais madeireiros.

Metodologia

Em termos metodológicos foi realizada uma primeira visita na comunidade, no período de 13 a 15

de agosto de 2007, para apresentação da pesquisa, fazer o reconhecimento da área e das

famílias, além da definição dos procedimentos de campo. Nesta reunião estavam presentes as

famílias da vila e moradores mais próximos, o presidente da Associação do Pontal e do Sindicato

de Trabalhadores Rurais de Medicilândia. Foram entrevistadas 19 famílias utilizando os

questionários pré-elaborados que continuam perguntas fechadas e abertas sobre o histórico da

família, a situação familiar atual, do uso do solo, do sistema de produção, comercialização e

organização social. Foram entrevistadas 4 pessoas-chaves, moradores mais antigos e lideranças

locais, que contribuíram no mapeamento da localidade e no levantamento de informações sobre

características gerais como histórico da comunidade, infra-estrutura, organizações e instituições

formais e informais, políticas públicas e conflitos pela terra e pelos recursos florestais. Foi

realizada a restituição dos resultados preliminares a 56 moradores da vila e dos rios Jaurucu e

Penetecaua, na qual foram restituídos os primeiros dados das entrevistas. Esta restituição foi

importante para socialização do trabalho com as famílias e para complementação das

informações do histórico da comunidade e da atuação das instituições e organização social, assim

como, foi importante momento discussão da situação da comunidade frente aos desafios da

criação do PDS e melhoria das condições de vida na localidade.

Localização da comunidade Pontal

A comunidade do Pontal se localiza no município de Medicilândia a 90 km da faixa da Rodovia

Transamazônica (BR 230) no interior das áreas onde foi criado o Projeto de Desenvolvimento

Sustentável (PDS) Ademir Federicci. A comunidade Pontal está situada na divisa dos municípios

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de Medicilândia, Brasil Novo e Porto de Moz, às margens dos rios Jaurucu e Penetecaua, e faz

limites ao norte com a Resex “Verde Para Sempre” no município de Porto de Moz (Figura 1). O

principal acesso à comunidade se dá através da vicinal no km 75 da Rodovia Transamazônica,

interior do Projeto de Assentamento (PA) Surubim. Por via terrestre a comunidade também

encontra-se ligada por estradas abertas por madeireiros, a qual dá acesso à várias vicinais

localizadas no municípios de Medicilândia e Brasil Novo. Por via fluvial, a comunidade está ligada

ao município de Porto de Moz, a uma distância de umas vinte horas em pequenas embarcações

até a sede do município.

A infra-estrutura comunitária que existe na vila é composta pela Escola, comércio ou taberna,

barracão comunitário, Porto e a Igreja Católica. Neste mesmo espaço denominado por lote da

comunidade, com cerca de 100 hectares, foi instalada a serraria particular.

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Figura 1 . Localização da Comunidade Pontal (LAET, 2007)

Resultados e Discussão

Origem da Comunidade Pontal

O processo de ocupação da Comunidade do Pontal ocorreu de forma espontânea por famílias que

ao longo do tempo foram se estabelecendo através dos cursos das águas dos rios Jaurucu e

Penetecaua. A maioria das famílias que hoje ocupam a comunidade são famílias emigrantes das

regiões dos rios dos municípios de Portel, Melgaço, Porto de Moz, Breves e Gurupá,

descendentes possivelmente de levas nordestinas vindas no período extração da borracha, na

década de 40.

A comunidade do Pontal tem suas origens relacionadas aos grandes ciclos econômicos da

Amazônia. Registros datam que desde o final do século XIX até meados do século XX, período

que compreende o primeiro e segundo ciclo da borracha, essas áreas eram exploradas por

indígenas e seringueiros que viviam em processos migratórios de ocupação ao longo de toda a

região da bacia do Xingu. Nesse período, as áreas que sofreram influência desses povos foram

exploradas de forma espontânea, não havendo nenhum registro de instalação permanente de

famílias nas áreas hoje designadas como Comunidade Pontal.

Na década de 50 e 60, com a chegada do ciclo de exploração de peles de animais silvestres, as

áreas das comunidades ribeirinhas ainda eram exploradas de forma espontânea por indígenas e

populações tradicionais ribeirinhas (gateiros) que viviam instaladas às margens de rios e igarapés

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da região. Nesta fase, mesmo sem registro de famílias instaladas nas áreas que hoje formam a

comunidade, estas passaram por um forte processo de exploração de recursos vegetais

(castanha) e animais (peles), uma vez que, a captura de animais silvestres mostrava-se uma

atividade lucrativa.

No final da década de 70, após o deslocamento de indígenas do Pontal, inicia-se a ocupação e

instalação das primeiras famílias na localidade. Nesse período cerca de 6 famílias oriundas

principalmente dos municípios de Breves, Portel e Porto de Moz que já viviam explorando essas

áreas, instalaram-se às margens dos rios Jaurucu para atividades relacionadas à agricultura de

subsistência e pesca artesanal. Nesta fase, vale ressaltar que, mesmo havendo pouca

expressividade de comercialização de peles, as famílias ainda desenvolviam essa prática para

garantir seus meios de vida.

Neste período, essas famílias definiam áreas relativamente extensas para uso dos recursos

florestais, com forte potencial florestal, cujo objetivo era garantir área para desenvolver a

atividades extrativistas e para manter toda a família reunida em uma mesma área.

Durante treze anos, as áreas que hoje constitui a comunidade foram utilizadas por um número

reduzido de famílias que viviam basicamente do extrativismo vegetal e animal, da pesca artesanal

e da pequena agricultura; cuja utilização da área era mantida sob forma de acordo entre as

famílias (não havia escassez dos recursos), onde as áreas eram delimitadas pelos núcleos

familiares para desenvolver a prática extrativa.

No final da década de 70 até meados da década de 80, inicia-se o processo de exploração

madeireira no município de Porto de Moz e outros municípios vizinhos. Surge nesse período a

exploração de madeiras em toras extraídas nas margens de rios e igarapés. Por volta de 1986,

com a redução do potencial de recursos florestais madeireiros na região de Porto de Moz, tal

processo se estende para as áreas localizadas às margens dos rios Jaurucu e Penetecaua,

ocasionando a migração espontânea de cerca de 15 famílias oriundas principalmente do

município de Porto de Moz, Gurupá, Breves e Portel para as áreas da comunidade, cujo o objetivo

estava ligado fundamentalmente à exploração de recursos madeireiros. Durante essa fase de

ocupação, as famílias mais antigas orientavam quais áreas poderiam ser ocupadas, sendo que

estas geralmente são menores , variando de 100 a 200 hectares situadas às margens dos rios.

Na década de 1990 intensifica-se o processo de exploração madeireira nas áreas da comunidade,

atraindo novas famílias a migrarem para a área da localidade para desenvolver atividades

relacionadas à exploração madeireira. Nesse período, muitas famílias ribeirinhas de municípios

vizinhos foram contratadas por madeireiros da região para trabalharem como extratores-diaristas

(equipe de campo contratada na diária para retirar madeira) nos quais posteriormente acabaram

se instalando na localidade, uma vez que, além de se apresentar como fonte de renda, a chegada

ao local representava uma possibilidade de aquisição de um pedaço de terra, como forma de

patrimônio social. Nesse período de intensificação da atividade madeireira na localidade, estradas

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madeireiras são abertas dando acesso à comunidade, ocasionando novas frentes de ocupação

como agricultores e fazendeiros.

No ano de 2000, as áreas da comunidade recebem outra frente de ocupação, esta impulsionada e

dirigida pela instalação de uma serraria dentro da comunidade. Nesse período, segundo relatos de

moradores, 36 famílias de municípios vizinhos como Porto de Moz, Medicilândia, Altamira, Portel,

Breves e de outros estados brasileiros se instalaram nas áreas da comunidade objetivando a

aquisição de terras com potenciais madeireiros a serem explorados e comercializados junto à

madeireira. Nesta fase, apesar da maioria das famílias ocuparem as áreas de forma espontânea,

já se presenciava a comércio de terras baratas ou simplesmente devolutas, facilitando a entrada

de fazendeiros na localidade.

Importante ressaltar que nesse período também ocorreu um fluxo de pessoas significativo na

área, uma vez que, instalou-se a serraria e a vila de funcionários no lote da comunidade.

Nota-se que os tipos de ocupação das áreas da comunidade do Pontal, estão relacionados às

formas de apropriação do potencial de recursos florestais existentes na área. Num primeiro

momento, a exploração da seringa e peles de animais e, num segundo momento, a exploração de

recursos madeireiros, estes sempre atrelados a ciclos econômicos e aquisição de terras para

garantir a reprodutibilidade dos grupos ali instalados.

Quadro 1: Síntese do Processo de Ocupação da Comunidade

Momento Período Dinâmica de

Ocupação

População Ciclo

Econômico

1º Século XVIII a

meados do

Século XIX

Área de migração

de povos indígenas

indígena -

2º Final do século

XIX (1880) a

meados do

século XX (1950)

Área de migração

de povos indígenas

e de seringueiros

Índios e

seringueiros

- Ciclos da

Borracha

(1º e 2º ciclo)

3º Década de 1950

e 1960

Área de migração

de povos indígenas

e de gateiros

Índios.

Gateiros

(ribeirinhos)/ de

regiões vizinhas

-Pele de animais

silvestre; e

-Castanha

4º Final da década

de 1970 a

meados da

década de 1986

Início do processo

de ocupação da

comunidade

(ocupação

espontânea)

Ribeirinhos de

regiões vizinhas

(Breves, Portel e

Porto de Moz)

-Pele de animais

silvestre;

-Castanha; e

-Madeira de beira.

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Continuação

Momento Período Dinâmica de

Ocupação

População Ciclo

Econômico

5º Década de 1990 Espontânea Ribeirinhos/agricu

ltores familiares

da microrregião

da

transamazônica/fa

zendeiros

-Extração de

madeira pesada a

partir da entrada

de equipamentos

pesados e equipe

de campo

-Pecuária e farinha

6º A partir dos anos

2000

Espontânea/compr

a e venda

Ribeirinhos/fazen

deiro

-Instalação da

Madeireira/serraria

;

-Atividades

agropecuárias

As principais dinâmicas socioeconômicas

As dinâmicas socioeconômicas da Comunidade Pontal tradicionalmente esteve atrelada às

atividades extrativistas desempenhadas no decorrer dos ciclos econômicos da Amazônia. Desde

os primeiros processos de ocupação das áreas localizadas às margens do rio Jaurucu, no início

século XX, o extrativismo sempre foi a atividade mais importante para povos que historicamente

viviam da apropriação dos recursos naturais nas regiões dos rios, situadas no polígono que

abrange municípios como Porto de Moz, Portel, Breves, Gurupá, Prainha e Melgaço.

Até meados do século XX, o extrativismo do látex da Maçaranduba, retirada da seringa e coleta

de castanha-do-brasil possuiu grande expressividade nas regiões das águas do médio Xingu. A

própria história econômica da região através do ciclo da borracha, e mais tarde da exploração de

peles de animais silvestres mostrou a dependência dos povos tradicionais frente aos recursos

florestais, fazendo com que nesse período, tais atividades representassem as principais atividades

econômicas da região.

Em meados da década de 50 até final da década de 70, dar-se exploração de peles de animais

silvestres na região de Porto de Moz, na qual se configurava uma das atividades de grande

importância econômica para comunidades ribeirinhas do município. Nesse período, tal atividade

demandava grandes áreas de exploração e mobilidade social de extrativistas da região, fazendo

com que estes percorressem extensas áreas de florestas ao longo dos rios e igarapés do

município de Porto de Moz e regiões vizinhas.

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Nesse contexto, as áreas que hoje formam a comunidade Pontal, situadas aos fundos do

município de Porto de Moz, foi diretamente influenciada pela atividade extrativista de captura de

animais silvestres, sendo esta desenvolvida por gateiros que viviam em processos migratórios em

toda essa região. Nesse mesmo período, essas áreas já eram ocupadas por grupos indígenas

instalados às margens do rio Penetecaua, que viviam sob práticas extrativistas, explorando

grandes áreas e desenvolvendo o extrativismo vegetal, pesca artesanal e agricultura de

subsistência. Nesta fase, a exploração de peles de animais por gateiros da região causou alguns

conflitos nessas áreas, uma vez que, havia a presença de dois grupos dependendo de um mesmo

território, tal tipo de exploração ocasionou disputa de território e/ou recursos naturais, acarretando

muitas vezes em mortes de indígenas e gateiros.

No final da década de 70, evidencia-se a extração de madeira leve nas margens dos rios de Porto

de Moz. Espécies como Virola, Cedro, Freijó e Ipê foram inicialmente exploradas por ribeirinhos

através do sistema de transporte calango1, posteriormente jogadas nos rios através de jangadas.

Nesse período, já existiam um número reduzido de famílias na comunidade do Pontal, nas quais

conseguiram se sustentar na área através da venda de madeira em tora, explorado pelo mesmo

sistema e comercializado com intermediários da região.

Com a criação da Lei n.5.197, de 3 de janeiro de 1967 de proteção à fauna, se proíbe a caça

profissional e amadorística. Em meados da década de 80 essa atividade foi praticamente extinta,

em função da redução da compra de peles de animais por regatões da região. Nesta mesma

época relatos apontam que muitos extrativistas/gateiros passaram a se fixar em pequenas áreas e

desenvolver atividades relacionadas à agricultura de subsistência como forma de garantir seus

meios de vida. Dessa forma, algumas famílias passaram a ocupar áreas ainda desocupadas

situadas nas margens do rio Jaurucu, aos fundos do município de Porto de Moz, uma das áreas

hoje considerada como Comunidade Pontal.

Na década de 90, configurou-se um novo quadro na economia da região, a exploração madeireira

é impulsionada pela entrada de equipamentos como caminhões, motoserras e balsas financiadas

por representações de grandes madeireiras fé com negociações com empresas madeireiras

locais, situados no município de Porto de Moz. Nesse período, inicia-se a exploração de madeiras

pesadas nas áreas ribeirinhas com grande potencial de recursos florestais de Porto de Moz, uma

vez que, havia facilidade de transportar o recurso madeireiro. Tal processo expulsava muitas

vezes famílias ribeirinhas que tradicionalmente habitavam essas áreas e que viviam sob práticas

extrativistas e venda de madeira para intermediários. Nesta fase, muitas famílias migraram para a

região do Pontal, consideradas na época, áreas desocupadas, com forte potencial de recursos

naturais.

1 Sistema manual de extração de toras composto por duas toras pequenas dispostas em forma de “V” que transportam as toras de interesse sobre estivas feitas na mata.

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No final da década de 90, a exploração madeireira sofre uma intensificação no seu processo.

Grandes empresas madeireiras se instalaram no município de Porto de Moz e regiões vizinhas

trazendo consigo equipamentos pesados como Skidder, tratores, empilhadeiras além de

arregimentarem grandes equipes de extração.

Em algumas áreas ribeirinhas, a intensificação da exploração madeireira transformava os

madeireiros em novos “patrões” que em alguns casos, passavam a persuadir os moradores locais

a se aliarem aos interesses desses atores para a retirada da madeira, alimentando assim, o

sistema econômico capitalista e deixando claro que o sistema tradicional em si não se torna uma

barreira a seu desenvolvimento (BARROS, 1996).

No período de 1991 a 1999, a entrada de grandes madeireiras na região de Porto de Moz e a

exploração maciça dos recursos florestais no município, fez com que muitas empresas

madeireiras procurassem novas áreas de exploração em municípios circunvizinhos. Dessa forma,

a comunidade do Pontal, por ser área de fronteira do município de Porto de Moz e ter facilidade de

transporte devido a malha hidroviária foi fortemente influenciada por essas empresas.

Com a presença de madeireiras nas áreas da comunidade, intensifica-se o processo exploração

dos recursos florestais madeireiros, onde as famílias passaram explorar com maior freqüência

suas florestas e/ou arregimentarem suas áreas, para extrair espécies comerciais como Cedro,

Freijo, Ipê e Breu. Nesta fase, volumes significativos de madeira comercial foram extraídos pelas

famílias, arrastadas até as margens dos rios através de calango para então ser entregue para a

equipe de campo das madeireiras que circulavam a região.

No período de 2000 a 2007, as atividades socioeconômicas da comunidade foram e estão sendo

marcadas pelo avanço da atividade madeireira sobre os recursos naturais e a crise que está

atividade vem ocasionando às famílias em função do uso desenfreado dos recursos naturais na

comunidade do Pontal.

Nesse período, o avanço sobre esses recursos foi impulsionado pela instalação de uma empresa

madeireira dentro da área da comunidade, onde as famílias passaram a intensificar a exploração

dos recursos florestais, em especial da madeira, estabelecendo forte relação comercial com a

empresa madeireira presente na área da comunidade.

Com a intensificação da atividade madeireira, ocorreu um processo migratório de famílias que se

deslocaram dos municípios de Porto de Moz e Portel, Medicilândia e Altamira para as áreas da

comunidade, cujo principal objetivo era explorar o potencial madeireiro para a empresa instalada

na área e possivelmente conseguir uma extensão de terra para assentar sua família.

Com a chegada da madeireira na comunidade, a cadeia de comercialização na área foi reduzida,

pois os ribeirinhos passaram majoritariamente a comercializar os recursos madeireiros com esta

empresa, fato que ocasionou a saída de grande parte dos marreteiros e outros agentes comerciais

de municípios circunvizinhos que atuavam na área da comunidade.

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Nesse período, apesar da empresa madeireira ser um canal certo de comercialização do produto,

e ter gerado alguns benefícios como estradas, transporte e construção de casas no vilarejo, as

famílias relatam que a saída dos marreteiros da comunidade levou à perda de autonomia de

negociação (compra e troca de produtos), uma vez que, a madeireira passou a estabelecer regras

para o processo de comercialização e até mesmo exploração dos recursos florestais.

Importante ressaltar que, nos primeiros anos de instalação da empresa madeireira na comunidade

esta procurava estabelecer contato direto com as famílias estimulando a venda do potencial

madeireiro para a empresa. Anos mais tarde, a empresa passou a demarcar áreas de exploração

e a desenvolver com suas equipes de campo a extração das madeiras comerciais e

posteriormente efetuar a venda dessas áreas para grandes fazendeiros principalmente dos

municípios de Medicilândia e Brasil Novo.

Dessa forma, tem-se nesse período além da extração madeireira, grandes áreas de pastagens às

margens dos rios. Esta pressão sobre os recursos florestais, segundo as famílias acabam

influenciando no processo natural da fauna e flora das áreas da comunidade, uma vez que, a caça

e os peixes migram para lugares mais distantes. Nesse contexto, as famílias relatam que a

comunidade apresenta-se com um cenário de crise, a qual não possui autonomia sobre seus

recursos, muitos animais silvestres e peixes estão desaparecendo das áreas e não existem

políticas públicas que garantam a permanência das famílias na localidade.

Condições na cobertura vegetal e mudanças no uso do solo

Durante o início do processo de ocupação da comunidade (década 1970), com as chegada das

primeiras famílias, as atividades econômicas eram baseadas principalmente no extrativismo de

recursos florestais. Durante esse período eram abertas somente pequenas áreas de floresta para

a implantação de cultivos de mandioca, áreas que variavam de 0,3 a 2,5 hectares da área total do

lote. Ressalta-se que esses cultivos eram destinados à subsistência das famílias, uma vez que, a

atividade de exploração de peles de animais supria as necessidades de trocas de produtos com

regatões, exercendo a função econômica dentro do sistema de produção.

A partir da década de 1980, com a entrada de novas famílias na comunidade, as áreas de floresta

ainda eram vistas como forma de garantir a sustentabilidade das famílias, uma vez que, mesmo

com pouca expressividade comercial, o extrativismo de peles continuava sendo uma atividade

econômica na comunidade. Atrelada a tal atividade, tem-se nesse período a exploração de

madeiras em toras. Nesse sentido, as áreas de matas eram mantidas sob valor de uso direto,

tanto para a prática extrativa de captura de animais silvestres como para a retirada de madeiras

leves às margens dos rios. Nesse período, as áreas eram destinadas a pequenos plantios de

mandioca consorciados com frutíferas variando de 0,32 a 2 ha da área total do lote.

Na década de 90, a dinâmica de exploração madeireira é intensificada com e entrada de

equipamentos pesados nas áreas da comunidade, tanto por via fluvial, quanto por via terrestre

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através de estradas abertas por madeireiras da região. Nesse período, significativo potencial de

recursos florestais madeireiros foram explorados por empresas madeireiras de municípios

vizinhos, deixando muitas áreas com baixo potencial florestal, desocupadas e propícias à

grilagens de terras e instalação de fazendeiros nessas áreas. Dessa forma, inicia-se o processo

de concentração fundiária por alguns fazendeiros da região nas áreas do Pontal, estabelecendo

pastagens ao longo de toda a área por eles apropriada.

Tal fator influenciou diretamente na dinâmica de utilização das áreas de famílias ribeirinhas da

comunidade, uma vez que, passaram a incorporar em seus sistemas de produção pequenas

áreas de pastagens para desenvolver a bovinocultura em pequena escala. Nota-se, a partir do

quadro de caracterização da dinâmica de uso do solo das propriedades estudadas, que grande

parte das pastagens foi implantada nesse período. O quadro representa também o avanço das

pastagens desde a chegada das famílias nos lotes até os dias atuais. Somando-se as áreas de

pastagens no período de aquisição dos lotes das famílias, têm-se 39,5 hectares, atualmente

somado as áreas de pastagens desses mesmos lotes, estes se apresentam com 124,5 hectares,

crescimento que pode ser justificado não pelo investimento em compra de animais, mas pelo

aumento do plantel.

A partir dos anos 2000, com instalação da madeireira/serraria nas áreas da comunidade, grandes

áreas de florestas foram sendo apropriadas pela madeireira para garantir a demanda da serraria,

bem como outros tipos de acordos comerciais realizados com os recursos madeireiros das áreas

da comunidade. Desde 2000, grandes áreas de florestas vêm sendo exploradas na comunidade, e

segundo relatos de moradores, essas áreas vêm sendo tradicionalmente usadas por fazendeiros

para implantação de pastagens, fazendo com que haja concentração fundiária dentro dessas

áreas. De acordo com moradores da comunidade, a presença de áreas extensas cobertas por

pastagens, acaba acarretando prejuízos à comunidade, uma vez que afasta os recursos animais

(caça) e pesqueiros (pesca) para áreas mais distantes.

A área total das famílias entrevistadas corresponde a 3.167 hectares, sendo deste total 87,1%

composta por mata primária, 6,63% composta por pastagem, 2,43% composta por capoeira,

1,10% composta por açaizal nativo, 1,4% composta por culturas anuais, 0,2% composta por

pomares, 0,15% composta por culturas perenes e 0,06% composta por açaizal plantado.

Demografia

Segundo dos dados de campo, 36,3% dos moradores atuais da Comunidade Pontal nasceram na

própria comunidade. As mulheres têm seus partos em casa com ajuda de parteiras ou pessoas

com mais experiência em assistência a partos.

Outro importante local de nascimento dos moradores é o município de Porto de Moz, seja na sede

ou outras localidades ribeirinhas, demonstrando a origem de muitas famílias e a relação com este

município. Estas famílias ainda mantem relações com os parentes, através de visitas ou

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permanência de algum familiar tanto no Pontal quanto nas localidades e sede de Porto de Moz.

Foram citados vários casos em que a instalação no Pontal foi a partir do convite de parentes e

amigos que já estavam morando na localidade. Existem casos de filhos e filhas de famílias do

Pontal que moram na sede de Porto de Moz em casas de parentes e amigos.

Porto de Moz e municípios da zona ribeirinha tradicional como Portel, Breves, Gurupá e Melgaço

se destacam como locais de origem das famílias, representando a primeira via de ocupação do

local que veio pelos rios da região. Como já foi colocado no histórico de ocupação, moradores

procedentes de Medicilândia e municípios da Rodovia da Transamazônica fazem parte de um

processo mais recente de migração, em que 12% dos moradores nasceram nestes locais,

incluindo neste percentual as crianças com menos de 7 anos que após a construção da estrada

nascem na sede do município de Medicilândia.

Ao contrário do que verifica nas demais localidades da Transamazônica, o percentual de

nordestinos e sulistas é pequena, com 6,2% do total dos moradores.

Segundo o mapeamento participativo, fazendo parte da Comunidade do Pontal, existem 11

famílias na Vila da comunidade 2, 18 famílias no Rio Penetecaua e 28 no Rio Jaurucu3. Ao todo

são 57 famílias com a média de 8 membros por família, sendo que morando na comunidade

temos a média de 6,4 membros por família, isto dá a estimativa de 365 moradores. Na serraria,

estimasse em torno de 30 pessoas morando.

A população atual da comunidade é caracterizada como jovem, com grande participação de

crianças e jovens até 17 anos, representada por 46% .

Temos ainda a categoria de 18 a 30 anos, com 33,4% do total, o que indica a formação de casais

e permanência dos jovens na localidade, sendo que para isto necessita de terras para instalação

dos mesmos, pois muitos estão nos lotes dos pais devido a dificuldade de permanência em locais

mais distantes e, porque as terras de melhor acesso e próxima dos familiares foram concentradas

por fazendeiros e madeireiros.

Foi narrado por alguns pais sobre as dificuldades dos filhos se estabelecerem nos lotes, pois as

terras que antes eram de acesso livre aos comunitários ficaram mais escassas, dificultando a

instalação dos filhos e filhas casadas em terras próprias terras.

Caracterização do Sistema de Produção

Mediante aos fatores dos sistemas de produção e em especial a participação de cada atividade na

formação do Produto Bruto Total (PBT) e a composição da renda familiar principalmente a partir

das atividades extras-lotes, foi possível estabelecer oito tipos de sistemas de produção.

2 Este dado não inclui os funcionários da serraria que tem moradia na vila. 3 Não estão contabilizados os fazendeiros e moradores destas fazendas que não fazem parte da comunidade.

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Tabela 1. Tipologia dos sistemas de produção.

Sistema de produção

Tipos

Criação Cultivo Extrativista

Outras

atividades

Total

Receita

Bruta

Pesca e atividade extra-lote

(4) 0 0 100 5838 5938

Atividade extra-lote (3) 50 1120 0 18960 20130

Farinha predominante (3) 600 10925 720 1440 13685

Madeira predominante (2) 2350 0 14100 4640 21090

Diversificado (5) 1585 2880 3800 4400 12965

Pesca para consumo e

farinha (2) 0 750 400 150 1300

Tipo 1 – Pesca de subsistência e renda monetária a partir da atividade extra-lote

O tipo considerado pesca de subsistência e renda monetária a partir das atividades extra-lotes é

representado por 21 % do total das famílias entrevistadas. Neste, tem-se a pesca como principal

atividade para o auto-consumo familiar, com uma participação de 52,25% a 99,06% do produto

bruto total e a atividades extra-lotes como a única atividade que garante entrada de recursos

monetários para a formação da renda dessas famílias.

As famílias que compõem esse tipo são caracterizadas como famílias que possuem seus sistemas

de produção poucos diversificados, com pequenas áreas cultivadas para subsistência, sendo a

pesca e a venda de mão-de-obra as principais atividades que garantem a reprodutibilidade das

famílias.

Tipo 2 – Atividade extra-lote como componente fundamental na renda familiar

Esse tipo representa 15,7% do total das famílias entrevistadas. Na comunidade do Pontal as

atividades extra-lotes apresentam-se como uma atividade de fundamental importância para a

formação da renda das famílias desse tipo, uma vez que, mais de 50% da renda total familiar é

composta por atividades anexas ao sistema de produção.

Das famílias que compõem esse tipo, em determinados períodos do ano, ocorre venda de mão-

de-obra, nas quais são geralmente disponibilizadas para atividades como empreitas (derrubas,

coivara e roços de pastagens), frete de barco, trabalhos periódicos na serraria nos picos de

serragem de madeira, dentre outras.

Existe o sub-tipo no qual as atividades extra-lotes e a produção de farinha possuem importâncias

equivalentes, uma vez que, as duas atividades são responsáveis pela entrada de recursos

monetários dentro do sistema de produção da família. A família que compõe esse sub-tipo, possui

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área de 80 hectares, com 96,25% coberta de mata e 2,56% disponibilizados para cultivo de

mandioca objetivando a fabricação de farinha com finalidade para comercialização auto-consumo

familiar. A produção de mandioca para fabricação de farinha apresenta-se nesse sub-tipo com

uma participação significativa de 61,28% do produto bruto total do sistema de produção. Neste

sub-tipo, a pesca também ganha destaque com 34,04% de sua participação na formação do

produto bruto, representando junto à farinha a principal fonte alimentar da família. No que diz

respeito a formação da renda familiar, tem-se a atividade extra-lote a partir da venda de mão-de-

obra (diárias e empreitas) como principal atividade reguladora do sistema, ocorrendo em

determinados períodos do ano a entrada de recursos monetários na renda total da família.

Tipo 3 – Farinha predominante

Trata-se do tipo que desenvolve atividades essencialmente relacionadas a produção de farinha.

Neste tipo estão representadas 15,78% das famílias que utilizam pequenas áreas plantadas de

mandioca com finalidade de produção e comercialização da farinha.

Considerando que em áreas de comunidades ribeirinhas as áreas de cultivos são áreas pequenas

em relação às áreas de mata. Nesse tipo, áreas plantadas com cultivos de mandioca são

relativamente altas em relação a todos os outros cultivos do sistema de produção, nas quais

variam de 1,28 a 10 ha.

Neste tipo, a produção de farinha ganha destaque por representar cerca de 67,7% a 83,3% do

produto total do sistema de produção.

Ressalta-se que por mais que a farinha seja a principal atividade desse tipo, outras atividades

como a pesca, arroz, feijão e milho com menor importância em termos de participação no produto

bruto complementam a renda familiar e são fundamentalmente importantes para o auto-consumo

da família.

Tipo 4- madeira predominante

Esse tipo é caracterizado pelas famílias que vivem basicamente da venda de madeira em seus

estabelecimentos agrícolas. Trata-se de famílias que também desenvolvem a agricultura de

subsistência, pesca artesanal, criações de animais, mas tem como a principal atividade dentro do

sistema de produção a atividade madeireira, com participação considerável de 57,7% a 68,7% na

formação do produto bruto total.

Tipo 5 – Diversificado

O sistema de produção das famílias caracterizadas como tipo 5 são considerados diversificados

pelo fato de nenhuma das atividades do sistema apresentar preponderância em termos de

participação na formação do produto bruto total.

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Neste tipo as famílias desenvolvem diversas atividades como: pequenos cultivos anuais, criações

animais, fabricação de queijo, extrativismo do açaí e da madeira e pesca artesanal, atividades

estas fundamentais para a formação da renda familiar anual.

Este tipo é representado por 21,05% das famílias entrevistadas. Considerando que neste grupo

não há nenhuma atividade que sobresai acima de 50% na participação do produto bruto, as

atividades do sistema de produção dessas famílias complementa-se entre si para formar a renda

familiar anual.

Tipo 6- Pesca para o auto-consumo e farinha

O tipo 6 é representado por 10,52% do total das famílias entrevistadas, neste tipo está contido as

famílias que possuem a pesca de subsistência e a produção de farinha para o auto-consumo as

principais fontes de sustentabilidade da família na comunidade.

As famílias que compõe esse tipo residem em estabelecimentos agrícolas que variam de 50 a 400

hectares situados às margens dos rios Jaurucu e Penetecaua. São áreas compostas de 85,7% de

mata primária e pequenos cultivos de mandioca que variam de 1,2 a 1,5 hectares. As famílias

vivem basicamente da farinha e da pesca artesanal, esta ultima com considerável participação de

48,44 a 52,84% na formação do produto total do sistema de produção.

Acesso a terra, floresta e conflitos

Conforme pode ser observada na Figura 2, as áreas de desmatamento maiores são visualizados

no Rio Jaurucu, onde estão instalados os fazendeiros principais, concentrando áreas para

implantação de extensas pastagens. A pressão pela terra tem como vetores a instalação de

fazendas que fazem grandes aberturas na floresta; a ocupação pelos agricultores familiares e

pecuaristas, demarcando lotes nos fundos das vicinais transversais a Rodovia Transamazônica

dos municípios de Medicilândia e Brasil Novo para implantação, principalmente de pecuária

bovina e, por último, de madeireiros que grilam extensas áreas e entram em áreas das famílias

ribeirinhas para retirada intensiva de madeira utilizando de processos ilegais de exploração

madeireira.

As margens dos rios são mais almejados pelas empresas e fazendeiros, visando a facilidade de

retirada da madeira pelos mesmos. Também os rios são os locais de chegada e instalação das

famílias, também devido ao deslocamento e acesso a pesca para alimentação familiar.

As terras que ficam no meio dos rios Penetecaua, Jaurucu e Ipitinga foram griladas pelo

madeireiro proprietário da serraria que mantém um pretenso plano de manejo florestal na área.

A disponibilidade de terras e o acesso à floresta estão totalmente limitadas pelos fazendeiros e

madeireiros, ambos compraram direito de posse ou grilaram áreas que antes era área de livre

acesso das famílias locais.

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Figura 2. Desmatamento e concentração fundiária no Pontal

Com a intensificação da atividade madeireira e início da pecuarização no interior das áreas da

comunidade, bem como do PDS, aumentou consequentemente a pressão sobre a floresta. Pois a

partir da década de 1990, as áreas que constitui a comunidade Pontal foram subdivididas em

áreas de fazendas, de concentração fundiária do madeireiro e as áreas mais próximas aos rios

Penetecaua e Jaurucu ocupadas por famílias ribeirinhas, considerando ainda, que parte dessas

áreas já foram tomadas por fazendeiros.

Com a instalação de uma empresa madeireira na comunidade no ano de 2000, tendo como

proprietário o responsável pela maior concentração fundiária no interior da área considerada hoje

como PDS Ademir Federicci, deu-se início o terceiro momento da exploração da madeira. A partir

de então a forma de acesso ao recurso madeireiro ficou sobre o domínio da referida empresa, que

teve como primeira iniciativa, abrir uma estrada que dá a acesso comunidade do Pontal as vicinais

75, 85 e 20 que por sua vez dão acesso a Rodovia Transamazônica. Essa estrada foi aberta para

facilitar o transporte da madeira em tora para a serraria, e das serradas para fora do município. No

inicio da referida estrada foi instalada uma guarita4 para controle da entrada de veículos na

comunidade, mais precisamente nas áreas demarcadas para a exploração da madeira. Em caso

4 Porteira fechada com cadeado localizada ao lado de uma residência onde frequentemente fica uma pessoa responsável para efetuar o controle de entrada e saída de veículos.

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de utilização da referida estrada por outros madeireiros vindos de outras áreas de exploração

madeireira, como as do rio Macapixi, estes tem que pagar pedágio ao passar na guarita.

Para instalar a serraria no interior da comunidade, o empresário fez um acordo com as famílias da

comunidade, onde ficava responsável em fornecer madeira para a construção de 50 casas, uma

pos mês. Porém segundo informações obtidas junto às famílias, esse acordo não foi devidamente

cumprido. Quanto a cedência da área na comunidade para instalação da mesma essa foi feita

junto a uma das lideranças da comunidade (um dos moradores mais antigos que sempre esteve

ligado a atividade madeireira desde o período da “madeira de beira”) que negociou a área.

Um outro fator que facilitou a instalação da referida madeireira foi a ausência do Estado que até o

inicio dos anos 2000 tem deixado as famílias em verdadeiro estado de abandono, sem assistência

a estrada, educação e saúde. Então a abertura dos 40 Km de estrada pelo madeireiro facilitou o

acesso das famílias ao município de Medicilândia. Além do acesso a estrada a serraria também

passou a fornecer caronas nos caminhões madeireiros às famílias para transporte de algum

produto ou que desejasse ir à cidade a negócio ou em casos emergenciais, como principalmente

de saúde. A partir de então foram aos poucos se estabelecendo uma relação paternalista

madeireiro e famílias.

A instalação da madeireira influenciou significativamente o processo de ocupação da comunidade

e consequentemente da forma de acesso a terra e aos recursos florestais. Pois com a instalação

da referida empresa e a abertura da estrada efetuada pela mesma, foram atraídos dois grupos de

famílias para a comunidade, as dos funcionários da empresa que vieram prestar serviços com

mão-de-obra mais especializadas a empresa, bem como na operacionalização dos maquinários,

onde alguns posteriormente demarcaram área na comunidade e famílias de agricultores familiares

da microrregião da Transamazônica que vieram em busca de terra para desempenhar atividades

agropecuárias.

Com os dados obtidos junto as famílias entrevistadas, verificou-se que cinco das dezenove,

adquiriram terras na comunidade a partir dos anos 2000. As áreas do lote variaram entre 100 a

0,64 hectares (casa na vila), onde três foram adquiridos pelo processo de compra, um por posse

espontânea e um por cedência.

Quanto ao controle da área da comunidade para exploração madeireira, devido a proibição da

retirada de madeira no interior da comunidade por outras madeireiras e/ou marreteiros, as famílias

se tornaram reféns da empresa instalada na comunidade, passando a não ter critério de escolha

para a comercialização da madeira de suas propriedades.

Famílias da comunidade afirmam que durante todo o processo histórico de exploração madeireira

no interior da comunidade, tal atividade nunca garantiu um retorno econômico justo, por ter sido

sempre controladas por terceiros que pagam na madeira valores irrisórios. Considerando ainda

que em grande parte das vezes esses agentes pagavam pelo produto.

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A partir de então, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Medicilândia passou a discutir a

necessidade de regularização fundiária da área do referido município que envolve os rios Jaurucu,

Ipitinga, Penetecaua e Macapixi, local onde apresenta grande potencial de madeira de lei e que já

vem sendo explorada por diversas empresas madeireiras desde a década de 1990. Foi proposto

ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a criação de Projeto de Desenvolvimento

Sustentável (PDS), área de 233.351,939 hectares e com capacidade para 1200 famílias; sendo

que já foram cadastradas 1188 famílias no INCRA; em contraste com as 57 famílias levantadas no

mapeamento.

O que é um PDS?

De acordo com a Portaria INCRA No. 477 de 04 de Novembro de 1999:

- Criado para o desenvolvimento de atividades ambientalmente diferenciadas, destinado às

populações tradicionais que baseiam sua subsistência no extrativismo, na agricultura familiar e em

outras atividades de baixo impacto ambiental;

- Manutenção da atividade extrativista tradicional e o apoio às populações que desenvolvem

atividades determinantes para a conservação da biodiversidade;

- Legalização das terras que as populações extrativistas tradicionalmente habitam;

- Destina as áreas mediante concessão de uso,em regime comunal, segundo a forma decidida

pelas comunidades concessionárias - associativista, condominal ou cooperativista;

- Política para a economia extrativista que viabilize suas atividades e que permita a estas

populações produzir, comercializar sua produção e, em conseqüência, continuar habitando e

defendendo a floresta.

Porém as discussões não tiveram efetiva participação das famílias das comunidades envolvidas

no processo, nem tão pouco nas de definição da escolha da modalidade de assentamento a ser

definida para a referida área. Fato este, justificado pelo desconhecimento das famílias sobre o que

significa um Projeto de Desenvolvimento Sustentável e de como se dá na prática a gestão dos

recursos florestais no interior dessa modalidade de assentamento.

Outro fato interessante é que na área definida como PDS Federicci com capacidade para 1200

famílias, já se encontra cadastradas 1188 famílias, porém quase que na totalidade por famílias de

outras regiões da Transamazônica e que ainda não estão na comunidade. Quanto às famílias

ribeirinhas da comunidade, essas em sua maioria não estão cadastradas, ou seja, não estão na

lista de beneficiário do referido PDS.

Essas irregularidades demonstram a falta de garantias de viabilidade social e ambiental desses

projetos da forma que estão sendo criados (de dentro para fora) para atender interesses

estritamente políticos e de interesse econômico de empresas do setor produtivo.

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Com a efetivação da criação do PDS Ademir Federicci, a tendência é a de que as famílias fechem

acordos com madeireiras para efetuar a exploração da madeira através do “manejo florestal

comunitário”, onde as famílias terão pouca participação no processo de gestão do recurso no que

diz respeito a dinâmica de exploração, ficando esta sobre domínio da empresa. É preocupante

também a entrada de novas famílias na área que não possui histórico de relação com a floresta,

que serão deixadas no interior dessas áreas sem orientação, que logo em seguida provavelmente

passarão a comercializar a madeira de forma ilegal aos madeireiros como vem acontecendo na

maioria dos assentamentos da região.

Assim, a política atual de reforma agrária do Estado vem se tornando uma forte aliada dos

interesses econômicos da região, no que diz respeito ao setor produtivo.

O PDS da forma que foi criado atende aos anseios de grupos madeireiros que podem pleitear e

até negociar com associações das famílias e ter acesso legal aos recursos madeireiros. A questão

principal colocada é que o PDS não atende às necessidades das famílias e não segue os trâmites

legais e nem está sendo um processo transparente.

A dificuldade de legalização das áreas dos grileiros para exploração madeireira levou à articulação

de parte da classe empresarial a apoiar a criação de projetos de assentamentos nesta área,

apesar de que existem fazendeiros que são contrários, o que gera conflitos internos. Assim, a

posse de terra pelas famílias que ocuparam originalmente essa localidade não está garantida e,

ao longo desses anos o uso dos recursos florestais foi preponderantemente dominado por grupos

empresariais do setor florestal.

A omissão e ausência do Estado levaram a formação de áreas de ocupação nos locais mais

distantes da Rodovia Transamazônica, na qual os madeireiros exploravam essas áreas e faziam

estradas e fornecia assistência às famílias como transporte precário. A região da Rodovia

Transamazônica atravessa novo ciclo na sua história de desenvolvimento pela maior força das

iniciativas de formalização de direitos fundiários, de preocupações ambientais na política pública,

acompanhada da expansão de infra-estrutura, e de novas configurações de mercados para

produtos agrícolas, madeireiros e não-madeireiros. É a terra, e a forma como se distribui e

regulamenta seu acesso, além das condições para fazer o uso florestal, entre outros, os fatores

chaves na definição do desenvolvimento futuro e a conservação destas áreas.

Conclusão

A criação do PDS não dá garantia de posse das terras ocupadas pelas famílias pioneiras, que tem

modos de vida e cultura diferentes dos agricultores da Transamazônica. A chegada de mais de mil

famílias novas a esta região significa o aumento desenfreado do desmatamento e em pouco

tempo a retomada da área pelos fazendeiros e madeireiros, pois o assentamento de famílias a

mais de 100 km da Rodovia Transamazônica e de zonas urbanas tende a inviabilizar a

permanência destas famílias. O Estado não consegue viabilizar condições de infra-estrutura social

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e estrada ao longo do ano para esta população e o sistema de comercialização e transporte ficam

muito mais precários.

Os sistemas de produção adotados pela maioria das famílias e a chegada de agricultores externos

não viabilizarão o cumprimento das regras que controlam o uso dos recursos florestais e gestão

do patrimônio público e coletivo, pois o Projeto de Desenvolvimento Sustentável requer o controle

do uso através das regras contidas no Plano de Utilização do PDS.

Para isto, é imprescindível a organização comunitária para sustentar a condução do processo, no

entanto, esta capacidade local precisa ser expandida e fortalecida.

Referências bibliográficas

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SABLAYROLLES, Philippe, e ROCHA, Carla (org). 2003. Desenvolvimento Sustentável Da

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Transamazônica, Altamira-Pará. Altamira, CIFOR/LAET.

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