aplicação dos royalties do petróleo em regiões de baixo...
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IV Encontro Nacional da Anppas – 4 a 6 de junho de 2008 – Brasília – DF – Brasil
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Aplicação dos Royalties do Petróleo em Regiões de Baixo Desenvolvimento: o Caso de Coruripe, Alagoas
Vinicius Boechat Tinoco Físico, Mestrando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Assessor Técnico do Tesouro Estadual da
Secretaria de Estado da Fazenda de Alagoas. [email protected]; [email protected]
Maria Cecília Junqueira Lustosa Doutora em Economia (IE/UFRJ, 2002), professora associada da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade (FEAC) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). [email protected]
Resumo
Os royalties provenientes da exploração do petróleo e gás vêm beneficiando as contas públicas
de municípios brasileiros. O royalty é definido como uma “compensação financeira devida pelos
concessionários de exploração e produção de petróleo e gás natural” (art. 11 do decreto
2.705/98). Para a Economia Ambiental, o royalty é um custo de oportunidade, ou seja, é o valor
que seria obtido no futuro com a exploração do recurso mineral. Este trabalho tem como objetivos
mostrar como, desde a Lei n° 2.004/53 até a publicação da Lei 9.478/97, ocorreram as discussões
quanto às regras de rateio, de aplicação e fiscalização das rendas provenientes dos royalties, bem
como ajudar a enriquecer o debate acerca da relação dos royalties e as finanças públicas
municipais, com o exemplo do Município de Coruripe, Alagoas. Foram realizadas pesquisas
bibliográficas acerca: da legislação pertinente aos royalties do petróleo e das teorias que tratam o
royalty como um custo de oportunidade; do levantamento de caso da aplicação dos royalties por
diferentes municípios brasileiros; e dos dados específicos do município de Coruripe. Conclui-se
que a forma como deveriam ser empregados os valores dos royalties, bem como a delimitação
precisa dos órgãos responsáveis pela fiscalização, não está solucionada. Meio ambiente,
saneamento básico e diversificação da economia não são setores contemplados. Dada a
deficiência da administração pública estadual, que não proporciona apoio aos municípios para
implantar projetos setoriais e de desenvolvimento regional sustentável, Coruripe pode perder a
oportunidade de promover seu desenvolvimento, preparando-se para o esgotamento de seus
recursos minerais.
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Introdução
Seja através do aumento da produtividade, do descobrimento de novos campos para exploração,
da elevação dos preços no mercado internacional ou pelo próprio aumento de 5% para 10% no
valor da alíquota como determinou a Lei 9.478 de 1997, os royalties provenientes da exploração
do petróleo e gás vêm, de forma acelerada, beneficiando as contas públicas de municípios
brasileiros. Entre 1999 e 2007, estes repasses aos municípios tiveram um incremento de mais de
750% e, somente neste último ano, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), acumularam
mais de R$ 2,5 bilhões. Arrecadação esta muitas vezes utilizada em políticas que não têm em seu
objetivo o planejamento de longo prazo.
As políticas intergeracionais devem levar em consideração que o petróleo é um recurso exaurível
e, portanto, envolve um custo de oportunidade, bem como que a proteção do meio ambiente ou a
aplicação destes recursos no presente deve passar por um debate mais amplo que aquele
ocorrido antes da promulgação da Lei 9.478, de 06/08/1997, também conhecida como Lei do
Petróleo. Regra esta que não foi a primeira a disciplinar para quem e em qual setor deveria
transferir e ser aplicado os recursos provenientes dos royalties.
O presente artigo tem o objetivo mostrar como, desde a Lei n° 2.004/53 até a publicação da Lei
9.478/97, ocorreram as discussões quanto às regras de rateio, de aplicação e fiscalização das
rendas provenientes dos royalties, bem como ajudar a enriquecer o debate acerca da relação dos
royalties e as finanças públicas municipais, com o exemplo do Município de Coruripe, Alagoas,
uma região de baixo desenvolvimento.
Desta forma, está estruturado em cinco partes além desta introdução. A primeira trás, de maneira
cronológica, como ocorreram as mudanças, desde 1953 a 1997, na legislação referente ao setor
do petróleo. Para quem, quanto e em que setor aplicar os recursos provenientes das participações
governamentais ao longo destes anos são esclarecidos. Em seguida, analisa-se a Lei 9.478 de
06/08/1997, que flexibilizou o monopólio da União nas atividades da indústria petrolífera no Brasil
e distribuiu os royalties entre os diversos entes da Federação – Estados e Municípios – e os
setores e órgãos envolvidos – Agência Nacional do Petróleo (ANP), Ministério do Meio Ambiente
(MMA), Marinha do Brasil, Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), entre outros. Na terceira
parte, realiza-se uma revisão da literatura a respeito dos royalties sob a ótica da economia
ambiental, que trata o petróleo e gás como um recurso exaurível. A quarta analisa como, entre
2000 e 2007, em Coruripe/Alagoas, vêm se comportando as finanças públicas, mais
especificadamente os gastos em setores essenciais ao desenvolvimento socioeconômico e a
preservação do meio ambiente.
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I. Legislação Brasileira Referente à Cobrança e Divisão dos Royalties do Petróleo: aspectos financeiros e ambientais em uma perspectiva histórica
A primeira legislação nacional a introduzir o pagamento de royalty1 se deu através da Lei n° 2.004
de 03 de outubro de 1953, norma esta que também instituiu a Petrobrás. Conforme art. 27 deste
dispositivo legal, naquela época, a Petrobrás ficou obrigada a transferir aos Estados e Territórios o
valor correspondente a 5% onde fizerem a lavra de petróleo, xisto betuminoso e extração de gás.
Art. 27. A Sociedade e suas subsidiárias ficam obrigadas a pagar aos Estados e Territórios onde fizerem a lavra de petróleo e xisto betuminoso e a extração de gás, indenização correspondente a 5% (cinco por cento) sobre o valor do óleo extraído ou do xisto ou do gás2.
Ainda, no parágrafo 3° da mesma regra, ficou definido que os Estados deveriam distribuir 20% do
que recebessem proporcionalmente aos Municípios no quais ocorresse a produção de óleo. Ou
seja, dos 5% destinados aos Estados, 20% deste valor seriam entregues aos Municípios pelos
Estados e Territórios. Ficando assim, Estados e Municípios, respectivamente, com valores iguais
a 4% e 1% do total transferido pela União. Quanto à destinação dos recursos recebidos, ficou
determinado que os Estados e Municípios deveriam aplicá-los, “preferentemente, na produção de
energia elétrica e na pavimentação de rodovias” (art. 27, § 4°, grifo nosso) (Tabela I).
TABELA I – Repartição e aplicação das indenizações (Lei n° 2.004 de 03/10/1953)
Beneficiados Estados – 4% Municípios – 1%
Destinação Preferentemente na produção de energia elétrica e na pavimentação de rodovias
Fonte: art. 27 da Lei n° 2.004 de 03 de outubro de 1953.
Quatro anos depois, a Lei 3.257, de 02 de setembro de 1957, trouxe uma nova redação quanto
aos beneficiários dos recursos. Não houve mudanças nos percentuais destinados aos Estados
(4%) e Municípios (1%), mas enquanto na Lei anterior (Lei 2.004 de 1953) os recursos seriam
entregues pelos Estados aos Municípios, nesta Lei (3.257 de 1957) os municípios onde ocorresse
a lavra ou extração de petróleo seriam beneficiários diretos dos recursos.
Para Serra (2005), os dispositivos deste período 1953 a 1957 mostram um caráter pontual e local
de distribuição das indenizações. Apesar do monopólio da União na exploração de jazidas de
petróleo e gás natural, nenhuma das parcelas dos recursos ficava em seu poder. Isso se deve ao
1Até a legislação de 1986, o termo utilizado para o pagamento proveniente da exploração de petróleo e gás era indenização. A partir da Lei 7.990 de 1989, o termo passou a ser compensação financeira. Somente com o advento da Lei 9.478 de 1997 (Lei do Petróleo), que o termo royalty foi consagrado e definido pelo Decreto n° 2.705 de 1998 (SERRA, 2005). 2 BRASIL. Lei n° 2.004, de 03 de outubro de 1953. Dispõe sobre a Política Nacional do Petróleo e define as atribuições do Conselho Nacional do Petróleo, institui a Sociedade Anônima e dá outras providências.
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fato que, neste início de exploração do petróleo, as operações ocorriam em terra (onshore), sendo
irrisórias a produção e as rendas provenientes de sua extração3.
Somente na década de 1960, no esforço da busca de auto-suficiência, é que começa a se extrair
petróleo na plataforma continental (offshore). As primeiras tentativas ocorrem principalmente nos
limites territoriais de Sergipe, mas também em Alagoas e Rio de Janeiro. Em função desta
incipiente exploração, foi publicado o Decreto-Lei 523 em 1969, que estendeu as indenizações às
produções offshore, antes prevista somente para aquelas produções onshore. Nesta norma, a
alíquota não foi alterada, permanecendo 5%, mas a participação nas indenizações
correspondente à plataforma continental, cuja alíquota era de 5%, pertenceria à União (SERRA,
2005).
Importante lembrar que, a busca por auto-suficiência por petróleo fez com que o Brasil, através da
Petrobrás, se tornasse referência mundial na exploração de águas profundas, sendo que
atualmente a maioria de seus poços produtores encontra-se em águas marinhas. A produção
offshore na bacia de Campos, a principal do Brasil, iniciou-se em 1977 no campo de Enchova e
media 124 metros de lâmina d’água, medida esta muito inferior ao recém descoberto campo de
Tupi cuja exploração se realizará a 7.000 metros abaixo da linha d’água4.
Foi somente em 1985, quando foi publicada a Lei n° 7.453, que modificou o artigo 27 da Lei n°
2.004, que os entes subnacionais passaram a receber indenizações da produção na plataforma
continental.
É também devida a indenização aos Estados, [...] e Municípios confrontantes, quando o óleo, o xisto betuminoso e o gás forem extraídos da plataforma continental, nos mesmos 5%, sendo 1,5% aos Estados e Territórios; 1,5% aos Municípios [...], 1% ao Ministério da Marinha, [...], e 1% para constituir um Fundo Especial a ser distribuído entre todos os Estados, Territórios e Municípios5 (grifo nosso).
Quantos aos beneficiados onshore, não houve mudanças em termos percentuais, continuando 4%
para os Estados e 1% para os municípios. Em relação à destinação dos recursos recebidos houve
mudanças (Tabela II). Pois além de aplicar, preferentemente, em energia e pavimentação de
rodovias, foi estabelecido que os valores recebidos pudessem também ser empregados no
“abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao meio-ambiente e saneamento
básico” (art. 1°, grifos nosso).
3 Até 1943, a produção nacional de petróleo correspondia apenas a 1% do consumo interno. 4 Petrobras descobre maior área petrolífera do país. A descoberta é equivalente às mais importantes do mundo. A nova fronteira se estende pelas Bacias do Espírito Santo, Campos e Santos e foi explorada a sete mil metros abaixo da linha d'água. A meta da Petrobras é começar a produção em Tupi em 2010, com um projeto-piloto de 100 mil barris por dia (5% da produção nacional). http://www2.petrobras.com.br/portugues/ads/ads_Petrobras.htmlminadas pré-sal, acessado em 20 de Janeiro de 2008. 5 BRASIL, Lei n° 7.453, de 27 de dezembro de 1985. Modifica o artigo 27 e seus parágrafos da Lei nº 2.004, de 03 de outubro de 1953, alterada pela Lei nº 3.257, de 02 de setembro de 1957, que "dispõe sobre a Política Nacional do Petróleo e define as atribuições do Conselho Nacional do Petróleo, institui a Sociedade por Ações Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima e dá outras providências.
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TABELA II – Repartição e aplicação das indenizações (Lei n° 7.453 de 27/12/1985)
Produção onshore Estados = 4% Municípios = 1%
Produção offshore Estados
1,5%
Municípios
1,5%
Min. da Marinha
1%
Fundo Especial
1%
Destinação Preferentemente em energia, pavimentação de rodovias, abastecimento e
tratamento de água, irrigação, proteção ao meio-ambiente e saneamento básico.
Fonte: art. 01 da Lei n° 7.453 de 27 de dezembro de 1985
Em 22 de julho de 1986, foi publicada a Lei n° 7.525 cujo objetivo principal era estabelecer
normas complementares para execução da Lei n° 7.453 do ano anterior. Isto se deve porque ao
introduzir a compensação financeira à plataforma continental, vários conceitos como área
geoeconômica de um município, Estados e municípios confrontantes, bem como a distribuição do
Fundo Especial requeria uma definição legal quanto ao rateio das indenizações.
No que se refere à destinação dos recursos, entretanto, a Lei n° 7.525 de 1986 em seu art. 7°
modificou a norma do ano anterior (Lei n° 7.453), com uma sensível mudança a favor de um
desenvolvimento mais sustentável para a região explorada. Onde se lia que os recursos
transferidos seriam aplicados preferentemente em meio ambiente, passou a ser lido
exclusivamente.
Ressalvados os recursos destinados ao Ministério da Marinha, os demais recursos previstos neste artigo serão aplicados pelos Estados, Territórios e Municípios, exclusivamente, em energia, pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao meio ambiente e em saneamento básico6 (grifo nosso).
A partir da Lei n° 7.990 de 28 de dezembro de 1989, houve nova modificação em relação aos
beneficiários e à destinação, bem como a denominação das transferências realizadas pela União,
que deixou de ser compensação financeira para se chamar indenização. Conforme art. 7° da Lei,
os 5% destinados aos beneficiários ficou assim distribuído: i) produção em terra: 70% aos Estados
produtores, 20% aos Municípios produtores e 10% aos Municípios onde se localizarem instalações
marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou gás natural; ii) produção
na plataforma continental: 1,5% aos Estados e Distrito Federal, 0,5% aos Municípios onde se
localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque, 1,5% aos
Municípios produtores e suas respectivas áreas geoeconômicas, 1% ao Ministério da Marinha e
0,5% para constituir um fundo especial a ser distribuído entre os Estados, Territórios e Municípios.
Quanto à destinação dos valores recebidos, foi vedada expressamente a aplicação dos recursos
em pagamento de dívida e no quadro permanente de pessoal (Tabela III).
6 BRASIL, Lei n° 7.525, de 22 de julho 1986. Estabelece normas complementares para a execução do disposto no art. 27 da Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953, com a redação da Lei nº 7.453, de 27 de dezembro de 1985, e dá outras providências.
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TABELA III – Repartição e aplicação das compensações financeiras (Lei n° 7.990 de 28/12/1989)
Produção em Terra
Estados
3,5%
Municípios 1%
Municípios de desembarque e embarque de óleo e gás natural - 0,5%
Plataforma continental
Estados 1,5%
Municípios
1,5%
Ministério da Marinha 1%
Fundo Especial 0,5%
Municípios de desembarque e embarque 0,5%
Destinação Há expressamente a proibição de pagamento de dívidas e de pessoal permanente
Fonte: arts. 07 e 08 da Lei n° 7.990 de 28 de dezembro de 1989.
Quanto à destinação da compensação financeira instituída pela Lei 7.990, em fevereiro de 1991,
com a publicação do Decreto n° 01, houve novas mudanças. Este decreto, em seu art. 24,
estabelece que os recursos devem ser aplicados “exclusivamente em energia, pavimentação de
rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao meio ambiente e em
saneamento básico”. Porém, no parágrafo único, art.26, do mesmo instrumento legal, há vedação
de aplicação das compensações financeiras apenas quando forem destinadas ao pagamento de
dívidas e no gasto com pessoal. Leal e Serra (2002) afirmam que esta ambigüidade quanto às
destinações das compensações financeiras de, por um lado, afirmar a exclusividade de aplicação
em determinados setores, e de outro, apenas proibir a aplicação em outros setores, “definiu um
espaço legal ambíguo, e, por isso, mais permissível às destinações das compensações
financeiras” (p. 14).
Das duas proibições, entretanto, apenas aquela que se refere aos gastos com pessoal ainda
continua em vigor. Determinada mudança em direção a uma maior permissividade de aplicação
das compensações financeiras tem origem em fatores de ordem externa e interna, cujo resultado
é a construção de um novo ambiente no qual as relações de cunho fiscal entre a União e Estados
pós-Plano Real sobressaem em relação a outros temas de relevância nacional (LOPREATO,
2002). A Lei n° 10.1957 de 2001, em seu art. 8°, permite, expressamente, que os entes da
federação possam pagar dívidas com a União, caracterizando o que Serra (2005) denominou de
financeirização dos royalties. Estava, assim, os Estados autorizados a “hipotecar suas rendas
petrolíferas futuras em nome da busca de um equilíbrio financeiro presente. Uma atitude
radicalmente contrária à preservação da riqueza para as gerações futuras” (p. 199), que será
explicada na parte III.
7 BRASIL, Lei n° 10.195, de 14 de fevereiro de 2001. Institui medidas adicionais de estímulo e apoio à reestruturação e ao ajuste fiscal dos Estados e dá outras providências.
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II. “Lei do Petróleo”
A Lei 9.478, de 06 de agosto de 1997, também conhecida como “Lei do Petróleo”, inaugurou um
ambiente institucional em relação à política energética nacional. Fala-se em nova política
energética, pois trata de um novo ambiente após a edição da Emenda Constitucional n° 9 de
1995. Determinada mudança ocorreu, mais especificamente, em relação ao parágrafo 1° do art.
177 da Constituição Federal, cujo resultado foi a quebra do monopólio estatal na exploração e
refino de petróleo.
Art. 177. Constituem monopólio da União:
I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei (grifos nosso).
Entretanto, a Lei 9.478, além de estabelecer as condições para a iniciativa privada explorar gás e
petróleo, foi também responsável pelo fortalecimento dos mecanismos de indenização aos
municípios onde ocorresse a produção de hidrocarbonetos. Assim, seguindo os preceitos
constitucionais, a Lei 9.478 trouxe algumas mudanças (regulamentações) para o setor do
petróleo:
a) Que as atividades econômicas ligadas à pesquisa e lavra das jazidas de petróleo, gás
natural e outros hidrocarbonetos poderiam ser exercidas, mediante concessão e
autorização, por empresas privadas constituídas sob as leis brasileiras;
b) Instituiu a Agência Nacional do Petróleo (ANP) sob o regime autárquico especial da
Administração Federal Indireta. Dentre suas incumbências está a de administrar a
exploração e produção de petróleo e gás natural em território nacional; definir os blocos
a ser objeto de concessão; e celebrar contratos de concessão às empresas nacionais
ou estrangeiras para exploração de petróleo e gás natural;
c) Estabeleceu novos critérios, índices e destinatários para a distribuição das
participações governamentais provenientes da exploração do petróleo e gás natural.
Quanto a esse último ponto, a Lei 9.478 consagrou o termo royalty em substituição ao
denominado anteriormente, compensação financeira. Termo este que foi definido posteriormente
pelo Decreto n° 2.705, de 03 de agosto de 1998, que regulamentou a Lei 9.478. Conforme art. 11
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deste decreto, os royalties “constituem compensação financeira devida pelos concessionários de
exploração e produção de petróleo ou gás natural”.
Além dos royalties, que constitui nosso objeto de estudo8, a Lei 9.478, em seu art. 45, previu
também outras participações governamentais: i) bônus de assinatura; ii) participação especial; e
iii) pagamento pela ocupação ou retenção da área.
Em relação aos percentuais e beneficiários dos royalties, houve mudanças significativas. Serra
(2003) lembra que foi a partir da Lei do Petróleo que houve um aumento substancial do fluxo de
recursos aos entes e órgãos beneficiados. Para o autor, as principais razões para esse
incremento são: i) a elevação da alíquota de 5% para 10%9, conforme determinou o art. 47 da Lei
9.478; e ii) o novo formato estabelecido pelo art. 49 para a destinação dos recursos que
excederem os 5%, fato este que elevou os repasses aos municípios produtores. Em relação a
distribuição, os royalties provenientes da alíquota mínima (5%) continuaram a ser repartidos
conforme os critérios estabelecidos na Lei 7.990 de 1989 (Tabela III). Os outros 5%, alíquota
excedente à produção, foi distribuído segundo mostra a Tabela IV.
Tabela IV – Repartição dos royalties excedentes (Lei n° 9.478 de 1997).
Órgãos e Entidades Participação sobre os
5% excedentes
Estados onde ocorrer a produção 52,5%
Municípios onde ocorrer a produção 15%
Municípios afetados pelas Operações de Embarque e Desembarque
7,5%
O n s h o r e Ministério da Ciência e Tecnologia 25%
Estados produtores confrontantes 22,5%
Municípios produtores confrontantes 22,5%
Ministério da Marinha 15,0%
Municípios afetados pelas Operações de Embarque e Desembarque
7,5%
Fundo Especial 7,5%
O f f
s h o r e
Ministério da Ciência e Tecnologia 25% Fonte: art. 49 da Lei n° 9.478 de 06 de agosto de 1997.
No que se refere aos Estados e Municípios, a Lei 9.478 é omissa quanto à destinação dos
recursos provenientes do pagamento dos royalties. Santos (2004) lembra que, diferente da esfera
8 O município de Coruripe em Alagoas, que constitui nosso objeto de estudo, não é receptor das participações especiais. 9 Apesar dos royalties poderem ser cobrados em um percentual de até 10% sobre o valor da produção do petróleo e/ou gás, esta alíquota pode ser reduzida a depender dos riscos geológicos, das expectativas quanto à produção e outros fatores pertinentes (art. 47, §1º, Lei 9478).
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federal que ficou definido em quais setores os órgãos deveriam alocar os valores recebidos, os
Estados e Municípios não sofreram nenhuma vinculação quanto à aplicação das rendas
provenientes dos royalties. Serra (2005) afirma que a Lei 9.478 de 1997, além de não trazer uma
determinação expressa onde se aplicar os recursos aos entes subnacionais (regras de aplicação),
foi, também, responsável por uma distribuição extremamente concentrada em alguns Municípios
(regras de rateio), como vem acontecendo no Município de Coruripe, em Alagoas.
No Brasil, guardando as devidas diferenças, e conforme Serra (2005) constatou, houve um
esvaziamento dos debates político-legislativos entre os períodos que antecederam tanto a
aprovação das Leis 7.453 de 1985 e 7.990 de 1989, como o período anterior à aprovação da Lei
9.478 de 1997. Ao analisar a ampliação dos royalties no contexto da aprovação da Lei do
Petróleo, o autor lembra que a Lei tratou de diversos assuntos, e que
a distribuição das participações governamentais entre as três esferas governamentais [...] não foi objeto de vasto debate, propostas de projetos substitutivos, audiências públicas, e todos aqueles procedimentos complementares que usualmente acompanham a votação de grandes questões nacionais. O fato é que a repartição das participações [...] era um adereço da questão maior [...]: a quebra do monopólio estatal de exploração do petróleo e do gás natural. Isso porque a lei 9.478/97, que define o desenho institucional vigente para repartição das participações governamentais, é também a aquela que trouxe a possibilidade de se outorgar à iniciativa privada [...] as atividades de [...] exploração de petróleo e gás (p. 186-187).
Ou seja, diante da quebra do monopólio da exploração de petróleo – que envolvia a possibilidade
de investimentos substanciosos no setor –, e apesar de dobrar o valor percentual dos royalties a
serem distribuídos, os estudos, planejamentos e debates jurídico-econômicos que precederam a
aprovação da Lei do Petróleo foram superficiais e não levaram em consideração aspectos
constitutivos da formação histórica regional, local e ambiental.
De maneira geral, se as discussões a respeito das destinações das participações governamentais
ficaram em segundo plano quando foi aprovada a Lei 9.478, de modo mais específico pode-se
afirmar que houve uma indiferença no que diz respeito à aplicação/vinculação dos recursos
provenientes destas participações aos setores ligados ao meio ambiente.
De maneira mais objetiva: não há previsão na Lei 9.478 para que os valores arrecadados por meio
de royalties sejam destinados às áreas ligadas ao meio ambiente. O que há na verdade, dentre as
participações governamentais, e conforme expresso no artigo 50 da Lei 9.478 de 1997, é a
destinação de 10% das participações especiais ao Ministério do Meio Ambiente para o
desenvolvimento de estudos e projetos relacionados com a preservação do meio ambiente e
recuperação de danos ambientais causados pelas atividades ligadas ao setor do petróleo. Estas
participações caracterizam-se por serem compensações financeiras extraordinárias ao Governo
resultante dos casos onde há grande volume de produção ou de grande rentabilidade, em relação
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à área concedida para exploração. Entretanto, recebimento de tais participações, hoje, concentra-
se na região da bacia de Campos.
Por fim, há uma discussão a respeito da fiscalização dos recursos provenientes dos royalties. Até
2002, o Tribunal de Contas da União vinha, através de auditorias ambientais e em diferentes
entidades públicas, fiscalizando os repasses dos royalties aos Estados e Municípios. Para
Antunes (2003), determinado procedimento por parte do Tribunal de avocar estas prerrogativas se
dá, além da já mencionada lacuna legal proporcionada pela Lei 9.478, em decorrência dos valores
expressivos arrecadados pelos entes nacionais. Entretanto, a partir de 2002, por decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF), a fiscalização dos royalties do petróleo passou a ser de
competência dos Tribunais de Contas dos Estados. O STF entende que a União age meramente
como intermediária dos repasses aos entes subnacionais, deixando Estados e Municípios, como
os de Alagoas que sofrem de uma deficiência estrutural histórica em suas funções administrativas
de controle, em situação de dificuldade.
III. Royalties e o Petróleo como Recurso Natural Exaurível
Seja nas teses fisiocratas da metade do século XVIII sobre o excedente agrário ou nas teorias dos
economistas, os recursos naturais, renováveis ou não-renováveis10, sempre desempenharam um
papel importante na análise econômica. Uma das grandes contribuições teóricas de David
Ricardo, a teoria da renda da terra, mostra as implicações para o crescimento econômico de
cultivar terras menos férteis – portanto da escassez de terras férteis –, dados os rendimentos
decrescentes da produção agrícola, encarecendo os alimentos. Thomas Robert Malthus colocou
os primeiros questionamentos quanto à sustentabilidade do sistema econômico, pois previa a
escassez de alimentos – o centro de seu argumento é que a população crescia em progressão
geométrica e a produção de alimentos em progressão aritmética –, tornando o sistema não
sustentável.
Entre os economistas neoclássicos, William Stanley Jevons, em 1865, analisou o risco da
exaustão do carvão, a maior fonte de energia para indústria à época, e suas potenciais
conseqüências catastróficas para a continuidade do crescimento econômico (Vercelli, 2000).
Arthur Cecil Pigou, em 1920, introduziu o conceito de externalidade – consumo ou produção de
um bem gera efeitos benéficos ou adversos a outros agentes que não são compensados no
10 Os recursos naturais podem ser renováveis ou não renováveis. Os não renováveis são finitos “... que, em escala de tempo humana, uma vez consumido(s) não possa(m) ser renovado(s)” (Lima-e-Silva et alii, 1999, p. 194). Pertencem a esta categoria os minerais e os combustíveis fósseis. Os renováveis não podem ser totalmente consumidos dada sua capacidade de reprodução – como a fauna e a flora – ou de regeneração – como a água e o ar. Entretanto, os recursos renováveis podem ser depletados, pois sua velocidade de exploração pode ser maior do que sua capacidade de renovação.
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mercado via preços –, colocando a poluição como uma externalidade negativa do processo de
produção industrial.
Porém, o progresso técnico, a expansão geográfica e o próprio desenvolvimento da teoria
econômica neoclássica contribuíram para diminuir a importância dos recursos naturais na análise
econômica, cuja argumentação era a de que o meio ambiente poderia fornecer recursos naturais
em abundância ao processo produtivo (SILVA, 2003).
Somente nos anos 1970, mais especificadamente a partir dos debates ocorridos no Clube de
Roma, que os recursos naturais entraram definitivamente na agenda de pesquisa dos
economistas. Trabalhos foram revisitados, como “The Economics of Exhaustible” de Harold
Hotelling, publicado em 1931, que desenvolve a partir da microeconomia o conceito de renda
mineral e indica uma trajetória “ótima” para a extração dos recursos exauríveis.
Na regra de Hotelling o royalty é tratado como um valor que serve de ajuste a velocidade de
exploração dos recursos exauríveis. Serra (2005) lembra que quando a jazida é de propriedade
privada, uma exploração acelerada dos recursos faz com que o royalty caia para diminuir a ritmo
de exploração da jazia (equilíbrio dinâmico). Porém, quando se trata de jazida pública, a regra de
Hotelling perde a capacidade explicativa sobre o ritmo da exploração. Mas que, independente do
recurso ser público ou privado, por se tratar de recurso não-renovável deve ser tratado como
questão de justiça intergereacional, “pois se espera que esta renda gerada seja aplicada de forma
a oferecer à geração futura uma fonte de renda, quando se der a exaustão do recurso” (p. 62).
Margulis (1996) indica que há duas condições para atingir o caminho ótimo da exaustão: a) uma
relacionada ao custo de oportunidade (royalty), b) a outra com a evolução dos preços e do valor
do royalty no tempo.
a) O Custo de Oportunidade (Royalty):
Pela teoria microeconômica, num mercado perfeitamente competitivo, o preço (P) é igual custo
marginal de produção (CMg),
P = CMg (1)
Quando estamos nos referindo a um recurso não reproduzível é necessário acrescer ao preço (P)
o custo de oportunidade (COP), que corresponde ao valor de se explorar em época futura e não
hoje a fonte de recurso.
P = CMg + COP (2)
Custo de oportunidade que no caso específico do petróleo e gás natural expressa a renda de
Hotelling que iguala o custo de oportunidade aos royalties.
P = CMg + royalty (3)
IV Encontro Nacional da Anppas – 4 a 6 de junho de 2008 – Brasília – DF – Brasil
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b) Evolução dos preços e do valor do royalty no tempo:
Nesta hipótese se chega às seguintes perguntas: Sabendo o valor do royalty, qual a velocidade
que se deve consumir este recurso mineral (petróleo)? Como irá se comportar o valor do royalty
no tempo? Ao tentar responder estas questões, deve-se embutir o conceito de taxa de desconto
ou taxa de juros, cujo resultado se dá pelo modelo Hotelling que estabelece a seguinte regra: no
modo “ótimo” de exploração dos recursos exauríveis o valor do custo (royalty) deve evoluir a uma
taxa igual à taxa de juros. Igualdade obtida através de uma eficiência dinâmica, como explica
Serra (2005):
Se a taxa de valorização deste custo fosse maior que a taxa de juros do mercado, ocorreria um desequilíbrio, impelindo o proprietário do recurso a mantê-lo no solo, inexplorando, a fim de obter ganhos futuros com sua exploração posterior. Isto diminuiria a oferta presente do recurso e a conseqüente elevação do preço restabeleceria o equilíbrio. Ocorrendo o contrário, isto é, se a taxa de juros é superior ao valor futuro esperado para o recurso, o proprietário seria estimulado a extrair o recurso hoje, aumentando a produção e conseqüentemente a oferta, com posterior queda nos preços, diminuindo a sua produção e restabelecendo o equilíbrio (p. 58).
Na verdade, o que a regra de Hotelling propõe é uma trajetória ótima no tempo para alocação de
recursos. Há limitações práticas dos resultados básicos na utilização desta regra como: a
presença dos monopólios e oligopólios no setor, o fator risco relacionado a novas descobertas e
as “tecnologias de fundo” que é “uma alternativa mais cara de se produzir um substituto do
recurso em questão” (MARGULIS, 1996, p. 164).
Apesar das dificuldades de estabelecer uma trajetória ótima para a extração de minerais, o royalty
deve ser considerado como um custo de oportunidade. Ou seja, dado que o petróleo e gás são
recursos exauríveis, deve haver um valor que compense o uso futuro que teria caso não fosse
extraído no presente. Assim, o royalty deve ser uma renda devida às gerações futuras, pelo não
uso do recurso que foi exaurido no passado. Logo, ele deveria “ ... construir um fundo de
compensação pela alienação de um patrimônio público, de um lado, e de financiar políticas de
promoção intergeracional, de outro (SERRA e FERNANDES, 2005, p.31).
Neste sentido, as políticas de promoção intergeracional, dado que não sabemos as necessidades
e preferências das gerações futuras, deveriam ser, no mínimo para investimentos em melhorias
das condições sociais e ambientais futuras, mesmo não sabendo qual a importância que as
próximas gerações atribuirão a estas questões. Não obstante, deixar os recursos ambientais em
quantidade e qualidade para o uso futuro é, certamente, um legado para os que estão por vir.
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13
IV. Os Royalties do Petróleo e as Finanças Públicas do Município de Coruripe, Alagoas
O Estado de Alagoas e, de maneira geral, os municípios situados em seu território são
caracterizados por baixos índices sociais. Dentre os 100 municípios com maior grau de exclusão
social11 em território brasileiro, a metade está localizada no Maranhão e Alagoas (POCHMANN et
al.,2004). São também os municípios alagoanos, responsáveis pela menor aplicação de recursos
públicos em proteção ao meio ambiente entre todos outros municípios nacionais12 (IBGE, 2004).
Em relação a economia alagoana, Carvalho (2005) lembra que o seu “atraso crônico” se dá devido
três problemas: “ausência de um mercado interno, inexistência de pólos dinâmicos e dificuldades
financeiras do Estado” (p. 9).
Além destas dificuldades sócio-econômicas, Alagoas, por fatores de ordem histórica e da própria
constituição do seu território, apresenta um alto grau de concentração terras e de suas riquezas.
Dos cerca de 116 mil estabelecimentos rurais declarados no Estado, mais de 80% são
propriedades menores que 10 hectares (92 mil) e menos de 3,2% propriedades maiores que 100
hectares (3,7 mil). Entretanto, quando se analisa a área efetivamente ocupada verifica-se que o
percentual de 3,2%, referente às propriedades superiores a 100 hectares, corresponde a mais de
60% da área efetivamente ocupada, sendo os estabelecimentos menores, 10 hectares (80% do
total), responsáveis pela ocupação de apenas 10% (IBGE, 2003).
É esta concentração fundiária, entre outros fatores, um dos principais pilares do setor ligado à
cana-de-açúcar, que constitui o principal insumo para as exportações do Estado de Alagoas. Ao
examinar a pauta de exportação no ano de 2007, observa-se que 91,2 % das exportações de
Alagoas se concentram em três produtos – açúcar, álcool e melaço –, todos pertencentes ao pólo
agroindustrial canavieiro13. Atividade que se estabeleceu no território no início do século XVI e
que, não levando em consideração todos os impactos negativos de ordem política, social e
ambiental que causou ao longo dos séculos, ainda hoje monopoliza o setor econômico.
Coruripe é um município que está localizado no litoral sul do estado de Alagoas, a 85 km da
capital Maceió. Com uma população pouco maior de 41 mil habitantes (IBGE, 2007), cerca 45%
urbana, a população vive basicamente da pesca, do cultivo da cana-de-açúcar, coleta de coco,
cultura de maracujá e do artesanato, além de ser conhecido pela beleza de suas praias e lagoas,
que propicia o setor turístico, porém pouco desenvolvido.
11 O Índice de Exclusão Social usa a mesma metodologia para a análise do IDH (IPEA/PNUD). Entretanto, enquanto o IDH leva em consideração três parâmetros: expectativa de vida, escolaridade e renda per capita; O Índice de Exclusão Social analisa sete variáveis: índice de pobreza, emprego formal, desigualdade social, alfabetização, escolaridade, índice de juventude e índice de violência. 12 Participação das despesas públicas com proteção e meio ambiente em relação ao total das despesas públicas, excluído as transferências intergovernamentais e as despesas referentes a amortização da dívida (IBGE, 2004). 13‘www.desenvolvimento.gov.br/sitio/secex/depPlaDesComExterior/indEstatisticas/balCom_uniFederacao.php’; Exportação Brasileira – Alagoas – Principais Produtos Exportados; Publicação da SECEX – Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, acessado em 20 de Setembro de 2007.
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14
O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de Coruripe, em 2000, era 0,615.
Segundo a classificação do PNUD14, o município está entre as regiões consideradas de médio
desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8). Entretanto, quando se fala em relação aos outros
municípios do Brasil, Coruripe apresenta uma situação ruim, pois ocupa a 4383ª posição. Ou seja,
dos 5506 municípios analisados apenas 1124 municípios (20,4%) estão em situação pior ou igual,
apesar de dentro de um contexto estadual a sua situação ser considerada “boa”.
A partir de 2001, Coruripe, devido àquilo que poderíamos chamar de “sorte geográfica’”, vem
recebendo substancial participações governamentais na forma de royalties. No ano de 2007,
foram 52 os municípios que receberam royalties do petróleo e gás. Apesar de quase a metade dos
municípios do Estado de Alagoas ter sido contemplado pelo recebimento destas receitas, o que se
observa, assim como para o caso do norte fluminense, é uma concentração destes repasses em
poucos Municípios, sendo o caso de Coruripe o mais expressivo, que recebeu cerca de 40% do
total dos valores dos royalties destinados aos municípios alagoanos.
De base fiscal fraca, as receitas tributárias de Coruripe nos últimos três anos não chegam, na
média, a 4% das transferências correntes, cujos principais repasses são: Cota-parte do ICMS,
Cota-parte Royalties, Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Fundeb e Recursos do
Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de constituir uma transferência relativamente nova, nos
últimos anos, a renda proveniente dos royalties vem ocupando papel de destaque nas contas
públicas do Município. O seu valor, a partir de 2002, ultrapassou quase quatro vezes o valor das
receitas tributárias e dentre as cinco transferência de maior volume acima citada é menor apenas
que a Cota-parte do ICMS15 e maior que o FPM. Este rápido aumento dos repasses dos royalties
(Figura I) a partir de 2002 deve merecer um especial cuidado por parte das administrações
municipais.
14 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. 15 O ICMS, em termos absolutos, é o imposto de maior arrecadação no Brasil.
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15
Figura I – Evolução das Receitas Tributárias e dos Royalties do Petróleo do Município de Coruripe – 2000 a 2006 – em R$ correntes
Fonte: Elaboração própria a partir de inforoyalties.ucam-campos.br/. .
Ferreira Neto (2005), ao analisar os cinco municípios16 da Zona Principal de Produção do Rio de
Janeiro, alerta sobre o fato de que assim como os royalties aparecem como os “carros-chefes”
das receitas dos municípios contemplados, “estes podem, considerando as incertezas no
processo de exploração e produção de petróleo e gás natural, retornar aos seus valores originais
[...], uma vez que as jazidas petrolíferas são finitas e não-renováveis”17 (p. 26-27).
Sob a ótica estritamente economicista de curto prazo, como se estabeleceu os controles das
finanças públicas a partir da década de 90, bem como as relações fiscais entre União, Estados e
Municípios, ao se falar em sustentabilidade fiscal, pode-se afirmar que nestes termos, para
aqueles municípios contemplados pela renda proveniente dos royalties, a Lei 9.478/97 foi um
avanço. Porém, quando se analisa o modo como a aplicação desta compensação financeira
proveniente de um recurso não-renovável vem sendo empregado, chega-se a conclusão que
houve um retrocesso em relação à legislação anterior que, expressamente, determinava que a
aplicação dos recursos ocorreria, “exclusivamente, em energia, pavimentação de rodovias,
abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao meio ambiente e em saneamento
básico” (BRASIL, Lei n° 7.525/86).
Em Coruripe, nos últimos três anos, e antes de qualquer juízo de valor, as despesas realizadas
com a função saneamento básico não chegaram a 24% dos valores recebidos em royalties.
Entretanto, quando a comparação entre os repasses provenientes da exploração do petróleo e
gás é realizada em relação aos gastos destinados à Gestão Ambiental, a relação fica mais
diminuta. Entre 2005 e 2007 os valores dos royalties representaram, respectivamente, 16 Campos dos Goytacazes, Carapebus, Macaé, Quissamã e São João da Barra. 17 O mesmo autor, Neto (2005), também relata o fato de que o processo de exploração e produção de petróleo e gás natural pode ser interrompido através de acidentes, assim como ocorreu com a plataforma P-36 em 2001, cujo município de São João da Barra sofreu uma queda em suas participações governamentais.
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16
R$14.407.015,00, R$13.766.815,00 e R$11.578.825,00. No mesmo período, 2005 a 2007, as
despesas realizadas em Gestão Ambiental foram, respectivamente, R$291.365,00, R$320.681,00
e R$322.904,00. Na média, nos últimos três anos, o valor destinado à Gestão do Meio Ambiente
não corresponde a 2,4% das transferências destinada ao pagamento dos royalties (Figura II).
Figura II – Valores Recebidos em Royalties e Despesas em Saneamento Básico e Gestão Ambiental no Município de Coruripe – 2005-2007 – em R$ correntes
Fonte: ANP e Balanço Geral do Município.
Apesar da relativa folga orçamentária ocasionada nas contas públicas de Coruripe a partir do
recebimento dos royalties, estes ingressos podem, no longo prazo, assim como Serra (2005)
estudou para os municípios do norte-fluminenese, funcionar como mecanismo de descontrole das
finanças públicas do Município de Coruripe. Esta suposição baseia-se na forma como o Município
vem utilizando os recursos provenientes dos royalties.
A análise dos gastos em investimento no período de 2001 a 2007 revela que, apesar do aumento
substancial destes repasses ao Município, não houve, para os investimentos, um incremento na
mesma magnitude. Em relação aos gastos com pessoal, o que se verifica ainda é mais
preocupante, pois o que se percebe é um aumento gradual dos gastos com folha de pessoal nos
últimos sete anos. Em 2007, os gastos com o funcionalismo público municipal chegou a cerca de
três vezes a mesma quantia destinada para o pagamento de funcionários em 2001 (Figura III).
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17
Figura III – Royalties, Gastos com Pessoal e Investimentos no Município de Coruripe – 2001-2007 – em R$ correntes
Fonte: ANP e Balanço Geral do Município. Esta redução dos investimentos podem no futuro diminuir a possibilidade de diversificar e
fortalecer a economia, além do aumento com pessoal que pode, devido a imprevisibilidade dos
royalties e o seu limite natural (escassez), levar o Município a destinar boa parte de suas receitas
ao pagamento de pessoal.
Por último, este aumento de cerca de R$15,5 milhões na folha de pagamento de pessoal entre
2001 e 2007 poderia ser interpretado como uma melhora e/ou ampliação na oferta de serviços
públicos por parte do Município de Coruripe à população. Contudo, ao analisar estas despesas
com pessoal no Município entre 2001 e 2006, e o respectivo número de servidores municipais no
mesmo período, observa-se que o aumento dos trabalhadores municipais foi inexpressivo em
relação ao gasto com a folha (Figura IV).
Figura IV – Evolução dos Gastos com Pessoal (em R$ 1.000) e do Número de Servidores Públicos Municipais de Coruripe
Fonte: inforoyalties.ucam-campos.br/; e STN (2007).
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18
Ou seja, excetuando-se o ano de 2001 no qual houve a contratação de 378 pessoas pelo
Município, entre 2002 e 2006 não há mudança significativa no número de servidores públicos
municipais, enquanto a folha no mesmo período sobe de R$9.975.071 para R$19.877.114. Vale
salientar que apesar de podermos afirmar não ter havido um aumento significativo de pessoas
contratadas para a Administração Pública Municipal entre 2002 e 2006, percebe-se que o salário
médio anual do funcionalismo variou de R$5.342 para R$8.649 no mesmo período. Esta última
informação, sob a ótica de que a melhoria da remuneração dos servidores reflete na qualidade
dos serviços prestados à população, pode de alguma forma estar contribuindo para uma melhora
nas relações Administração Pública – servidores – sociedade.
Desta forma, verifica-se em Coruripe um mesmo padrão de utilização dos royalties petrolíferos
que em outros Municípios brasileiros. Leal e Serra (2002) analisam a destinação destas receitas
provenientes dos royalties do petróleo para cinco Municípios do norte do Estado do Rio de
Janeiro, que juntos detêm cerca de 25% dos valores dos royalties destinados aos quase 800
municípios contemplados em todo Brasil. Os autores demonstram que, apesar do forte
crescimento deste repasse aos Municípios daquela região, e, antes de ter um juízo negativo, os
investimentos em áreas de planejamento e execução de obras não sofreram o mesmo
incremento, setores indispensáveis quando se busca uma política de desenvolvimento sustentável
e de bem estar intergeracional.
V. Considerações Finais
Pautado exclusivamente em uma política de redução das liberdades de gastos e ampliação dos
mecanismos de controle sobre as finanças estaduais, o Programa de Reestruturação e Ajuste
Fiscal dos Estados, ao tornar indispensável uma política de modernização das administrações
públicas estaduais, não levou em consideração os aspectos constitutivos da formação histórica
das variadas regiões do país.
Como se estabeleceu os controles das finanças públicas através de uma política de ajuste fiscal
entre os entes da federação e o governo federal, para aqueles municípios contemplados pela
renda proveniente dos royalties, pode-se considerar que a Lei 9.478/97 foi um avanço. Porém,
quando se analisa o modo como a aplicação desta compensação financeira proveniente de um
recurso não-renovável vem sendo empregado, chega-se a conclusão que houve um retrocesso
em relação à legislação anterior.
Apesar de não terem sido apresentados neste artigo os indicadores referentes às condições
sociais – escolaridade, desigualdade de renda, habitação, saneamento, mortalidade infantil, etc. –
do município de Coruripe em 2005 e 2006, podemos questionar se o crescimento substancial
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ocorrido pelos royalties teve o mesmo efeito sobre tais indicadores. A primeira vista parece que
não, pois os aumentos destes na mesma proporção dos aumentos dos royalties entre 2000 e
2006 sofreriam uma melhora da ordem de 2140 %, fato este que seria revelado como um fato
inédito em termos de melhorias sociais, principalmente em uma região de baixo desenvolvimento.
Há ainda muito a se pesquisar a respeito da aplicação dos royalties do petróleo e gás enquanto
um custo de oportunidade, entendendo que ao ser extraído hoje, o recurso não estará disponível
para gerações futuras, isto é, subtrai-se renda das gerações futuras proveniente desta exploração.
Sendo assim, parte desta compensação financeira deveria ser revertida para área de influência da
extração da jazida, compensando-a com investimentos voltados para melhoria da qualidade de
vida tanto da geração atual quanto das futuras. Este seria o fundamento teórico de uma política
intergeracional, tornando-a mais urgente em regiões de baixo desenvolvimento, como é o caso de
Coruripe.
A falta de debate e planejamento quanto à destinação dos recursos provenientes dos royalties fez
com que se criassem pontos (municípios) receptores das transferências de forma concentrada,
como foi revelado em Coruripe. Municípios estes que, muitas vezes, não se encontravam
preparados administrativamente para receber determinados repasses, deixando de direcionar os
valores recebidos em políticas cujo objetivo seria o bem estar econômico-social das gerações
futuras.
A lacuna legal proporcionada pela edição da Lei 9.478 de 1997, que colocou a aplicação dos
royalties em segundo ou terceiro plano quando disciplina o setor petróleo, é algo a se resolver
com urgência, dado a necessidade de investimento no meio ambiente e na melhoria da qualidade
de vida das populações dos municípios contemplados pelos royalties.
Conclui-se que: a) a forma como deveriam ser empregados os valores oriundos dos royalties, bem
como a delimitação precisa dos órgãos responsáveis pela fiscalização, ainda está longe de ser
solucionada. Áreas como meio ambiente, saneamento básico e a própria diversificação da
economia não são setores nos quais os valores recebidos pelos royalties vêm sendo empregados
intensivamente; b) dado a própria formação histórico-social da região de Alagoas (Coruripe), cuja
delimitação entre o público e o privado foi prejudicada ao longo do tempo, e que somado a uma
deficiência da administração pública estadual, que não proporciona apoio aos municípios para a
implantação de projetos setoriais e de desenvolvimento regional sustentável, o município de
Coruripe pode perder a oportunidade de promover o seu desenvolvimento econômico e social,
preparando-se, no futuro, para a fase de esgotamento de seus recursos minerais.
IV Encontro Nacional da Anppas – 4 a 6 de junho de 2008 – Brasília – DF – Brasil
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