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(Re) organização sócio-territorial no cerrado piauiense, a partir da década de 1990. Anézia Maria Fonsêca Barbosa* Maria do Socorro Lira Monteiro** RESUMO A expansão da fronteira agrícola é histórica no Brasil, pois desde a colonização implantou-se grandes projetos agrícolas para exportação. Assim para, incentivar as transformações urbanas, industriais e agrícolas na década de 1950, o Governo Federal instituiu políticas que visavam a integração nacional como a inserção dos cerrados brasileiros em função das grandes extensões de terras planas desocupadas e a necessidade de equilibrar a balança de pagamento. Nessa perspectiva, a partir da década de 1970, este contexto aliado ao baixo preço das terras e de mão-de-obra local, à favorabilidade das terras para a mecanização, incentivos fiscais e financeiros concedidos pelos governos federal e estadual, despertou o interesse de grupos empresariais do Centro-sul do país para instalar-se, inicialmente, com projetos de reflorestamento e, posteriormente, de produção de grãos, no cerrado piauiense e, particularmente, no município de Uruçuí, que atualmente é o maior produtor de soja do Estado. Logo, este artigo analisa como a implantação dos projetos produtores de grãos, em particular, soja, provocou uma reorganização sócio-territorial em Uruçuí. Para tanto, fez-se levantamento bibliográfico, documental e pesquisa de campo. Donde inferiu-se que a implantação dos projetos agrícolas em Uruçuí foi determinante para a reestruturação dos espaços urbano e rural do município com a finalidade de atender as necessidades dos produtores agrícolas, a qual redundou em novos arranjos sócio-territorial que manifestada pelas diferentes maneiras que a sociedade se utiliza dos espaços com reflexo local nos âmbitos econômicos, social, ambientais e cultural. ______________________________ * Mestranda, do Curso de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/TROPEN/UFPI). E-mail: [email protected] ** Professora Doutora do Departamento de Economia e do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/TROPEN/UFPI). E-mail: [email protected]

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(Re) organização sócio-territorial no cerrado piauiense, a partir

da década de 1990.

Anézia Maria Fonsêca Barbosa*

Maria do Socorro Lira Monteiro**

RESUMO

A expansão da fronteira agrícola é histórica no Brasil, pois desde a colonização

implantou-se grandes projetos agrícolas para exportação. Assim para, incentivar as

transformações urbanas, industriais e agrícolas na década de 1950, o Governo

Federal instituiu políticas que visavam a integração nacional como a inserção dos

cerrados brasileiros em função das grandes extensões de terras planas desocupadas

e a necessidade de equilibrar a balança de pagamento. Nessa perspectiva, a partir da

década de 1970, este contexto aliado ao baixo preço das terras e de mão-de-obra

local, à favorabilidade das terras para a mecanização, incentivos fiscais e financeiros

concedidos pelos governos federal e estadual, despertou o interesse de grupos

empresariais do Centro-sul do país para instalar-se, inicialmente, com projetos de

reflorestamento e, posteriormente, de produção de grãos, no cerrado piauiense e,

particularmente, no município de Uruçuí, que atualmente é o maior produtor de soja do

Estado. Logo, este artigo analisa como a implantação dos projetos produtores de

grãos, em particular, soja, provocou uma reorganização sócio-territorial em Uruçuí.

Para tanto, fez-se levantamento bibliográfico, documental e pesquisa de campo.

Donde inferiu-se que a implantação dos projetos agrícolas em Uruçuí foi determinante

para a reestruturação dos espaços urbano e rural do município com a finalidade de

atender as necessidades dos produtores agrícolas, a qual redundou em novos

arranjos sócio-territorial que manifestada pelas diferentes maneiras que a sociedade

se utiliza dos espaços com reflexo local nos âmbitos econômicos, social, ambientais e

cultural.

______________________________

* Mestranda, do Curso de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/TROPEN/UFPI). E-mail:

[email protected]

** Professora Doutora do Departamento de Economia e do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente

(PRODEMA/TROPEN/UFPI). E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

A atividade agrícola no Brasil historicamente é um dos carros chefes da

economia do país, haja vista destinar-se à produção de bens para abastecimento do

mercado interno e para a exportação. Dessa forma, com vista continuar atendendo as

necessidades locais e do mercado externo, fez-se premente a inserção de novos

espaços geográficos para produção nessa perspectiva o Nordeste, sobretudo as áreas

de bioma cerrado do noroeste da Bahia, sul dos estados do Maranhão e do Piauí

consideradas como as últimas fronteiras agrícolas do país, atraíram migrantes

oriundos do Centro-sul com o objetivo de produzir grãos, em especial soja, torná-las

competitiva com outras regiões brasileiras e promover o crescimento econômico.

A ocupação do cerrado piauiense, em particular, Uruçuí nos anos de 1990,

provocou profundas modificações nos espaços rural e urbano nos âmbitos ambiental,

social, econômico e cultural. Esta constatação ensejou a necessidade de questionar-

se, como o agronegócio de grãos desenvolvido em Uruçuí ensejou uma reorganização

sócio-territorial em Uruçuí?

Para a efetivação da pesquisa fez-se levantamento bibliográfico e documental

em livros, periódicos, internet e instituições que desenvolvam atividades relativas à

temática. E, pesquisa de campo, através de aplicação de questionários e realização de

entrevistas de forma aleatória junto a comerciantes, comunidade do assentamento

Santa Tereza, representantes dos projetos agrícolas, do poder municipal, igrejas.

Neste sentido, este artigo divide-se em três itens, o primeiro analisa o espaço

como uma representação social o segundo analisa a formação dos territórios e a

retorritarialização. E, o terceiro, sintetiza os resultados obtidos na investigação.

1 – Espaço e território como fatores de representação social

A análise dos conceitos da geografia é de fundamental importância para a

compreensão de formas como as sociedades se formam e multiplicam os espaços em

função de suas necessidades em determinados locais da superfície terrestre. Neste

sentido, segundo Moraes (1995) diversos teóricos da geografia positivista como

Humboldt e Ratzel destacam que o domínio e organização do espaço, apropriação de

territórios, variação regional, entre outros, alimentará a sistematização da geografia,

onde a questão do espaço era primordial, quer ele seja o espaço natural ou aquele

socialmente produzido. Ou seja, como a sociedade percebe seu local de vivência,

nesse contexto, chegar-se-á a definir aquele que é considerado como o maior e

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definidor do estudo da sociedade, que é o entendimento do conceito chave

denominado espaço geográfico.

Sendo assim, o conceito de espaço precede a análise das categorias espaciais

para a percepção do meio geográfico. Nesta perspectiva, em conformidade com

Sposito (2004), Milton Santos foi o pioneiro em demonstrar que o espaço é um

conjunto indissociável de sistemas de objetos e de ações, pois o homem e o espaço

possuem relações intrínsecas que os tornam complemento da formação dos meios de

produção. Neste contexto, a dimensão espacial se configura como o fator fundamental

de representações das atividades humanas sobre a superfície terrestre, que ao longo

do tempo vem sendo estudadas para a compreensão das diversas formas de ordenar

o meio natural com base no trabalho humano.

Dessa forma, Moraes & Costa (1987, p.74) salientam que para Marx o próprio

trabalho é definido como “um processo de que participa o homem e a natureza,

processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla

seu intercâmbio material com a natureza”. Logo, o homem é distinguido como ser

social na medida em que realiza trabalho e concretiza no espaço seu modo de agir

sobre a natureza.

Ademais, estudiosos como Humboldt, Ritter e Ratzel destacam que a

constituição e a ampliação do espaço vital são fatores fundamentais para o surgimento

do Estado, enquanto área política que se caracteriza como território por ser local de

poder. Logo, o território revela-se como mais um conceito-chave na organização do

espaço social, na medida em que consiste local que determina poder entre grupos de

populações com interesses distintos em cada porção do espaço.

Nesse sentido, Santos et al. (2002), enfatizam que os territórios atuais

possuem novos recortes, convencionados como horizontalidades e verticalidades, que

são domínios das contigüidades, reunidos por uma continuidade territorial. E

verticalidades, os quais são formadas por pontos distantes uns dos outros, ligados por

todas as formas e processos sociais.

Esta concepção hodiernamente despertou para a discussão sobre a

formação de rede e fim das fronteiras entre diversos locais que se integram no mundo

globalizado, expressando o território como um processo multidimensional o qual é

inerente à atividade em sociedade. Essa abordagem explica três características de

território, as quais de acordo com Santos (2002) são denominadas de território de

acontecer homólogo, de acontecer complementar e como condição do acontecer

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hierárquico. O primeiro expõe que as produções urbanas e rurais se modernizam em

função de informação especializada, conduzindo os comportamentos da sociedade a

racionalidade presidida por informações que criem similitudes de atividades e que

atendem aos contornos da área definida. O segundo, se caracteriza pelas relações

entre campo e cidade e entre as próprias cidades para a geração da produção

moderna e intercâmbio destas. E terceiro, é resultante da racionalização das

atividades, embasada na concentração da organização produtiva, alicerçada na vida

humana e no espaço.

Destaca-se ainda em conformidade com Haesbaert (2002) a visão naturalista

de território que envolve o sentimento e a sensibilidade humana, moldados pela

própria natureza ou pela natureza cultural criada neste local. Em contraposição o

referido autor ressalta a concepção etnocêntrica, que ignora a visão da relação

homem-natureza ao considerar o território como construção puramente humana e

social, possibilitando controle, domínio e apropriação. Logo, a dominação do espaço

por certa classe social ou grupos, proporciona como conseqüências o fortalecimento

das desigualdades sociais, derivado de construção de identidade cultural diferenciada,

significando que o território é produto de relações de forças desiguais, sobretudo no

atual estágio do capitalismo mundial, cujo desdobramentos é a incidência do processo

de desterritorialização.

Todavia, este contexto ao mesmo tempo em que destrói as identidades culturais,

provoca o surgimento de uma nova forma de territorialização, chamada de

reterritorialização. Neste sentido, a produção de outros no cerrado piauiense, centuada

em novas formas de apropriação do espaço que trazem em seu bojo comportamentos

externos à comunidade da região, promovendo para um lado a integração e, por outro

a exclusão de grupos sociais locais. Sendo assim, Haesbaert (2002, p. 121), explicita

que,

Enquanto a dominação do espaço por um grupo ou classe traz como conseqüência um fortalecimento das desigualdades sociais, a apropriação e construção de identidades territoriais resultam num fortalecimento das diferenças entre os grupos, o que, por sua vez, pode desencadear tanto uma segregação maior quanto um diálogo mais fecundo e enriquecedor.

Nessa perspectiva, o referido autor salienta que esta maneira de territorialidade

embasa-se nas vertentes políticas no qual o território consiste em um espaço com

delimitações, porém empoderado; cultural, quando o território se constitui em

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representações simbólicas e culturais da sociedade; e econômica, quando o território é

fonte de recursos fundastes da relação capital-trabalho e, da conseqüente divisão

social e territorial do trabalho.

Esta configuração deixa claro que os territórios ao longo do tempo estava sendo

substituídas, na medida em que as identidades culturais dão lugar à novas técnicas e

redes globalizantes demonstrando assim o poder dos grupos que lideram o mercado

mundial. Neste sentido, para Santos (2002) o processo de desterritorialização reflete a

união vertical dos vetores de modernização entrópicos que proporcionou desordem

para a sociedade local. Este panorama, expressa em conformidade com Dias (2004,

68) que “estamos diante de uma busca voraz de mais uma fluidez, o que engendra a

procura de técnicas cada vez mais eficazes”. Tais técnicas objetivam atender a

demanda do mercado mundial que exige de um determinado país a possibilidade de

abertura abrangente ao processo de fluidez, porém seletivo e não-igualitário,

aumentando assim cada vez mais as desigualdades existentes nas regiões dos países

em desenvolvimento.

Contudo, esta mobilidade conduziu a criação de vários espaços que estão

susceptíveis as novas adequações da economia vigente, levando assim a conformar

territórios que se integram ou não a exigência do mercado mundial. Por conseguinte, é

neste contexto que ressalta-se a instalação de empreendimentos do sul do país para a

produção de grãos, em particular, soja, no cerrado do Piauí, especialmente, no

município de Uruçuí.

Embasado nessa realidade Santos e Silveira (2001) explicitam que estes

espaços são chamados luminosos, por acumular em técnicas e informações com

capacidade de atrair empreendimentos econômicos intensivo em capital, tecnologia e,

sobretudo em organização. Logo, os espaços são integrados em uma lógica

informacional que atende aos interesses de grandes empresas nacionais ou

multinacionais, influenciando desta forma os aspectos sócio-culturais da sociedade

atuante nestes territórios. Sendo assim, a questão ambiental passa a ser analisada

sob o âmbito da desterritorialização, como um elo entre o trabalho humano e a

intervenção na natureza, ou seja, Haesbaert (2002, p. 76) reconhece que “o Estado

em seu papel de gestor-redistribuidor e os indivíduos e grupos sociais em sua vivência

concreta com os “ambientes” capazes de conhecer e tratar o espaço social em todas

as suas múltiplas dimensões”.

Com base no exposto, quanto aos conceitos de espaço e território relativo

a implementação de atividades produtivas em determinação do espaço geográfico,

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reconhece-se que a produção agrícola gera espaço heterogêneos. Logo, faz-se

necessário e premente estudar historicamente a formação e organização dos espaços

da agricultura brasileira, nordestina e piauiense.

2 – Interdependência Campo/Cidade

As relações entre campo e cidade são palco de recorrentes discussões na

sociedade, em função da proximidade das atividades desenvolvidas nos dois espaços

gerar grande interdependência. Contudo, de acordo Endlich (2006), nos primórdios da

civilização havia a separação entre a cidade e o campo, a qual manifestava as

primeiras e fundamentais formas de divisão do trabalho.

O crescimento dos setores secundário e terciário modelaram um perfil dinâmico

e acelerado para o espaço urbano. Contrariamente, no espaço rural a atividade

econômica embasou-se no setor primário, com baixa produtividade. Assim, para

Bernardelli (2006) entender os espaços rural e urbano é compreender a contradição

própria da sociedade capitalista. Contudo, Marques (2002), assevera que esta

contradição está diminuindo, sobretudo a partir de meados do século XX, em virtude

do aumento considerável do desenvolvimento de pluriatividades, que consiste em uma

unidade produtiva multidimensional em que se empreendem atividades agrícolas e

não-agrícolas dentro e fora do estabelecimento, gerando conseqüentemente

mudanças nas rotinas de trabalho no meio rural.

Desta forma, Rocha e Pizzolatti (2005, p.48), destacam as articulações do

espaço rural e urbano,

A expansão das cidades no modo de produção capitalista, resultou em significativas transformações no campo. As concentrações urbanas que se estenderam sobre as áreas rurais e as absorveram, acabaram por apresentar a construção de uma nova paisagem, representada pelas dinâmicas e vivências da população residente. Contudo, estudos acerca das questões urbanas, das quais têm alardeado a respeito da funcionalidade e independência da cidade sobre o campo, mostra-se pouco abrangentes quando desconsideram o espaço urbano como um moisaco de subespaços articulados, compostos por grupos sociais e modos de vida distintos.

Portanto, ainda em conformidade com os autores a urbanização avançou sobre

o território, assim a relação cidade-campo tem se constituído freqüentemente de

subespaços rurais no espaço urbano e vice-versa. Esta conformação foi identificada

em Uruçuí, através de pesquisa de campo, na medida em que se presenciou uma

significativa mudança a partir do início da década de 1990, decorrentes de intensiva

instalação de projetos agrícolas para a produção de grãos, em particular, soja, como

explicitados nas Figuras 1 e 2.

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Figura 1: Curral de rebanho bovino no espaço urbano de Uruçuí-PI.

Fonte: Arquivo da autora, março de 2008.

Figura 2: Comércio de peças para caminhões e tratores na zona rural de Uruçuí

Fonte: Arquivo da autora, março de 2008.

As Figuras demonstraram a interdependência entre os espaços rural e urbano,

onde a dinâmica combinada dos mesmos expressou a concepção de território e

desterritorialização, principalmente porque as mobilidades dominam as relações da

sociedade com o espaço. Deste modo, o processo de industrialização do capital

integrou o espaço do campo por meio de intensificação da mecanização com a

interação da produtividade agrícola para atender as demandas do comércio

internacional, como observado na Figura 3.

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Figura 3: Máquina colhedeira de soja na Fazenda Condomínio União 2000 em Uruçuí-PI.

Fonte: Fianco (2003).

A Figura 3 explicitou que a ocupação de grandes áreas de terras para a

produção moderna de grãos, embasada na mecanização, trouxe modificações

significativas e conseqüências espaciais em Uruçuí, devido provocarem novas formas

de reorientar o espaço, para atender a acumulação de capital, personificadas pelo

grande produtor rural. Sendo assim, as relações de trabalhos próprias da zona urbana

vão sendo introduzidas nos espaços rurais, revelando dessa forma a interdependência

entre ambos.

Distarte, Kageyama (2002) deixa claro que o espaço rural, não se define mais

exclusivamente pela atividade agrícola, haja vista que o desenvolvimento das

pluriatividades rural e a crescente procura por diferentes tipos de lazer e de moradia

pela população urbana tem transformado o espaço rural em lugar de vida e não

apenas em local de produção, como presenciado historicamente.

Deste modo, Campanhola e Graziano da Silva (2000) defendem que o espaço

rural é uma continuação do urbano, na medida em que não compreende mais somente

a atividade agrícola, devido a implantação das pluriatividades. Ademais, destacam que

este sistema produtivo ocorreu em todo o Brasil, no cerrado piauiense e,

particularmente, em Uruçuí, no qual a instalação de projetos produtores de soja,

ensejou o estabelecimento de grande empreendimentos como o posto Cacique, o qual

depende para o pleno funcionamento de 46 funcionários residentes na zona urbana de

Uruçuí (Ver Figura 4).

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Figura 4: Posto Cacique na zona rural de Uruçuí-PI.

Fonte: Arquivo da autora, março de 2008.

A partir da Figura 4, inferiu-se que desenvolvimento do espaço rural possibilitou

a participação da mão-de-obra urbana em atividades não-agrícolas, que segundo

Balsadi (2001) são conhecidas como commuting que significa ir e vir da residência

para o local de trabalho em áreas consideradas urbanas para áreas rurais, criando

conseqüentemente forte dependência das áreas rurais dos centros urbanos.

Deste modo, o grande desafio da atualidade nos espaços rurais e urbanos é a

promoção da valorização de ambas as partes para que no momento em que um

avance sobre o outro, o processo de sustentabilidade possa ser fator principal de

harmonia entre estes espaços.

3 – Análise da pesquisa de campo

Como destacado anteriormente, Uruçuí a partir dos anos de 1990 foi palco de

grande quantidade de projetos agrícolas, redundando em mudanças significativas nas

estruturas econômica, social e ambiental.

Do total de 216 moradores que conformou o universo pesquisado 30,09%

encontravam-se na faixa etária entre 18 e 25 anos, significando que o

desenvolvimento desse montante da população coincidiu com o processo de uso e

ocupação de Uruçuí alicerçado na produção de soja; 27,07% tinham entre 26 e 33

anos, os quais identificaram profundas mudanças no município sobretudo nos âmbitos

econômico e ambiental. As faixas etárias de 34 a 65 anos e superior a 66 anos que

correspondem a 36,57% e 9,26%, respectivamente, asseveraram que Uruçuí

presenciou uma transformação radical, sobretudo no setor de serviços, os quais

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conduziram à melhoria das condições de vida da população, relativo a aquisição da

casa própria, aumento do poder de compra de produtos alimentícios, como também na

saúde e lazer. Contudo, verificou-se que Taís melhorias não contempla o conjunto de

população do município.

Através da pesquisa de campo identificou-se que 89,35% da população local

eram oriundas do estado do Piauí. E, deste total 77,31% eram naturais de Uruçuí e

3,24% eram originários de Ribeiro Gonçalves que dista em torno de 100Km, cuja

atividade econômica, embasa-se na produção de grão. Ressalta-se, outrossim, que er

2,78% eram provenientes de Barras que localiza-se na região norte do Estado, porém

se caracteriza por um intenso processo migratório de jovens e adultos e trabalhadores

desempregados durante o período de colheita dos produtos, para realizar tarefas

temporárias em empreendimentos agrícolas em todo o país e, em particular, em

Uruçuí.

A naturalidade dos 10,65% restante do público alvo da pesquisa, distinguiu-se

em 9,26% do Maranhão, uma vez que este estado margea Uruçuí pelo lado direito do

rio Parnaíba. E, os 1,39%, eram originários do Ceará, Mato Grosso, Paraná e Rio

Grande do Sul. Este percentual representou os produtores de soja com suas

respectivas famílias, marcando o processo de territorialização e desterritorialização no

município.

Quanto ao tempo de moradia da população no município 25,93% residiam de 31

a 38 anos, 24,54% estavam entre 23 a 30 anos e 20,37% moravam a mais de 38

anos, perfazendo assim um total de 70,84% de residentes. Este cenário por outro lado

explicou a longíngua temporalidade dos moradores de Uruçuí e, por outro lado,

demonstrou que o município é um pólo empreendedor e gerador de empregos

temporários e permanentes com a finalidade de dinamizar a produção agrícola,

proporcionando assim o uso de tecnologias modernas no espaço rural que segundo

Kageyama (2002) representa o desenvolvimento das pluriatividades, salienta-se que

os residentes de 23 a 30 anos não reconheceram mudanças social, econômica,

ambiental e espacial, no entanto, eles só se manifestam contraditoriamente quando

tais mudanças relacionavam-se com suas rotinas profissionais individuais, como a

proibição da criação extensiva da pecuária vigente antes da emergência dos projetos

agrícolas no município, os mesmos perceberam modificações espaciais.

A pesquisa demonstrou ainda que 6,94% estavam morando em Uruçuí menos

de 7 anos e 11,11%, residindo de 7 a 14 anos e de 15 a 22 anos. Estes intervalos de

tempo revelaram que a implantação dos projetos produtores de grãos foram

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determinantes para incremento populacional, haja vista atraírem trabalhadores de

outros municípios do Piauí e dos demais Estados do Brasil para realizarem atividades

na agricultura, no comércio e nos diferentes tipos de serviços ofertados em Uruçuí.

Os 70,84% dos residentes no município que corresponde à soma da população

de 18 a 32 anos, explicitaram que os empreendimentos produtores de soja, além de

gerarem emprego para a população local, salientaram a necessidade da instalação da

Bunge Alimentos que consiste em uma empresa de agribusiness e alimentos. Que

atua de forma integrada em toda cadeia produtiva da soja, ou seja, desde o

financiamento da produção, a transformação da soja em produtos industrializados e a

comercialização. A implantação desta multinacional contribuiu de sobremaneira para o

incremento da oferta de emprego para moradores locais nas funções que exigem

menos qualificação, resultando na redução da migração e incremento da receita

municipal, como também possibilitou a integração de atividades próprias do espaço

urbano com tarefas específicas do espaço rural.

Neste sentido, nova forma organização da produção objetivou as necessidades

dos empreendedores agrícolas no município, porém provocou também a constituição

de uma nova configuração territorial, caracterizada pelo surgimento de serviços, e

estabelecimentos comerciais diversos, em especial os relacionados ao agronegócio de

soja e o de vestuário. E, a presença de condomínios de casas fechados com casas

exclusivos para os trabalhadores da Bunge, o que favoreceu a instalação de novos

bairros aumentando assim o raio horizontal do espaço urbano.

Nesse sentido, a pesquisa demonstrou que para 27,31% dos entrevistados a

mudança mais significativa na cidade foi o crescimento econômico, pois muitos

moradores da cidade passaram a trabalhar nos projetos agrícolas e promoveu a

melhoria das condições vida da população em geral, para 22,69% o crescimento

urbano foi o mais marcante, pois a vinda de pessoas de outros lugares fez surgir

bairros mais distantes do centro da cidade. Todavia, essa conformação provocou

consequentemente o acréscimo os problemas de infra-estruturas como distribuição de

água, energia elétrica, calçamento, etc.

Os trabalhadores de Uruçuí desempenhavam diversificadas de atividades, as

quais eram distinguidas em 21,30% de estudantes, 14,81% de domésticas, 10,65% de

aposentados, 8,80% de comerciantes, 6,02% de lavradores, 2,31% de motoristas,

1,39% de diaristas, 0,93% de operadores de máquinas, 0,46% de tratoristas, e

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demais áreas profissionais com percentual muito baixo, como vigilantes, funcionários

públicos, pescador, frentista, soldador, secretária, técnico em eletrônica, advogado,

agente de saúde, etc. A variedade de função desempenhadas pelos trabalhadores de

Uruçuí proporcionou o da renda da população, em virtude da elevação do poder de

compra. Ademais tal configuração territorial exigiu a expansão da rede bancária no

município que conta com o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do

Nordeste do Brasil e Bradesco, em função da necessidade de diversificar as linhas de

créditos para os empreendedores em particular e para a população em geral.

A pesquisa de campo demonstrou ainda que 61,69% admitem que com a

implantação dos projetos agrícolas no município cresceu bastante a oferta de

emprego, 12,10% destacaram que houve um crescimento econômico muito grande na

cidade, pois a circulação de dinheiro aumentou e a arrecadação de impostos para o

município retornando assim para o melhoramento da infra-estrutura local, 4,44%

observaram que a educação foi o que mais melhorou nos últimos tempos, pois de

certa forma houve uma maior preocupação em expandir os cursos já oferecidos e criar

consequentemente outros, como já foi dito em momento anterior quando se analisou

sobre o sistema educacional, 10,48% destacou que a maior vantagem vista na cidade

neste período pós implantação de projetos agrícolas foi o aumento de pessoas na

cidade o que favoreceu para o surgimento de novos bairros na cidade aumentando

assim o raio horizontal da mesma. Ainda perfazendo a soma de um total de 11,29%

dos pesquisados virão como vantagens o desenvolvimento da área de produção na

zona rural, as infra-estruturas na cidade e outros não percebeu nenhuma vantagem.

Como também a referida configuração caracterizou-se por espaços rurais

produtores de soja com o uso intensivo de tecnologia moderna, os quais requereram a

pavimentação das estradas e a expansão do sistema de energia elétrica rural.

Contudo, salienta-se que este contexto provocou um intenso desmatamento no

espaço rural para o cultivo de grãos e no espaço urbano decorrente de integração de

áreas territoriais virgem para atender as necessidades do processo de acumulação

ampliação do capital, resultando na reterritorialização de ambos os espaços. Por

conseguinte, inferiu-se que a implantação de produtores de grãos na zona rural de

Uruçuí aumentou a dependência entre os espaços rural e urbano pelo fato de

demandar interrelações das atividades desenvolvidas no espaço.

4 – Conclusões

O estado do Piauí apresentou nos últimos anos do século passado

significativa expansão urbana dos municípios localizados na área que compreende o

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bioma cerrado, inclusive sobressaindo-se entre os demais municípios de cerrado

existente do nordeste, os quais constituem a última fronteira agrícola do país.

Este contexto, resultou da instalação de empreendimentos com o objetivo

de produzir soja, atraídos pela conjuntura mundial favorável a oleagiona pela aquisição

de grandes quantidades de terras com preços baixissímos, favorabilidade das terras

para a mecanização, disponibilidade mão-de-obra local a baixo custo e incentivos

fiscais e financeiros concedidos pelos governos federal e estadual.

Tal cenário proporcionou uma reorganização significativa do espaço urbano e

rural de Uruçuí com a finalidade de atender as necessidades dos produtores agrícolas,

porém provocou também aumento de emprego, da renda municipal, gerando melhoria

das condições de vida das populações urbanas e rurais.

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