conflitos, acordos e direitos de propriedade...

2
CONFLITOS, ACORDOS E DIREITOS DE PROPRIEDADE COMUM NO ESTADO DO AMAZONAS - Tema O presente trabalho versa a respeito dos dilemas a respeito do sistema de propriedade comum, a instituição de acordos de pesca e os conflitos sociais enfrentados pelos ribeirinhos moradores das comunidades Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Assembleia de Deus, Assembleia de Deus Tradicional e Santa Isabel pertencentes ao município de Manacapuru-AM e as comunidades Itaquera, Gaspar, Barreira Branca e São Pedro pertencentes ao município de Novo Airão-AM. O foco adotado se dirige para os problemas decorrentes da necessidade de gestão do território por parte das populações que dele se utilizam. Muitas teorias, principalmente as apoiadas na “teoria dos jogos” sugerem a incapacidade dos grupos sociais de se organizarem no intuito de combater a sobre-exploração da natureza. Reduzem a ação humana em um “simples” jogo racional de interesse presente no “dilema do prisioneiro”. Assim, a formalização do problema se dá de diferentes maneiras, mas os pressupostos teóricos básicos são sempre os mesmos e generalizantes: oferta finita e previsível de unidades de recurso, a homogeneidade dos usuários, a sua tendência maximização do lucro esperado, e sua falta de interação com o outro ou a capacidade para alterar as suas instituições (OSTROM, 1990). Todavia, inúmeros estudos empíricos estão demonstrando uma perspectiva oposta e desafiam os pressupostos generalizantes da teoria convencional. É de comum acordo que essa teoria não dá conta de explicar situações onde os indivíduos são capazes de criar e sustentar acordos para evitar problemas de sobre-exploração. Também não explicam quando a posse do governo pode se da de forma adequada ou quando a privatização irá melhorar os resultados (Ostrom, 1990). No entanto, a constatação da capacidade organizacional de alguns grupos sociais não resolve o problema. É preciso analisar como os acordos são construídos e as ações dos usuários que não se vêem contemplados pelo acordo. O estudo apresentado verifica a presença de inúmeros conflitos entre os usuários dos estoques pesqueiros nos dois municípios estudados. Com realidades diferentes no que se diz respeito a suas instituições de acordos, os conflitos ora se assemelham ora se diferenciam. - Objetivos O objetivo é comparar duas realidades diferentes no tocante às instituições dos acordos de pesca: uma que apresente acordo de pesca formalizado pelo Estado e outra que não possua a legalização do Estado mas mantenha acordos de pesca informais. Tomamos como campo de estudo as comunidades Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Assembleia de Deus, Assembléia de Deus Tradicional e Santa Isabel localizadas na região do Jaiteua de Cima, lago Grande, município de Manacapuru-AM que possui acordo de pesca informal e as comunidades Itaquera, Gaspar, Barreira Branca e São Pedro localizadas no Rio Jauperi, no município Novo Airão-AM divisa com o estado de Roraima que possui acordo de pesca formal. Assim procurou-se entender como se configuram os conflitos de pesca em cada lugar, quem são os usuários em conflito e quais as reivindicações apresentadas pelos ribeirinhos. - Metodologia e fontes de informações utilizadas As informações utilizadas para a confecção desse trabalho originam-se de pesquisas de campo com entrevistas e análise de documentos, realizadas na dissertação

Upload: phungcong

Post on 11-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

CONFLITOS, ACORDOS E DIREITOS DE PROPRIEDADE COMUM NO ESTADO DO AMAZONAS

- Tema

O presente trabalho versa a respeito dos dilemas a respeito do sistema de

propriedade comum, a instituição de acordos de pesca e os conflitos sociais enfrentados pelos ribeirinhos moradores das comunidades Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Assembleia de Deus, Assembleia de Deus Tradicional e Santa Isabel pertencentes ao município de Manacapuru-AM e as comunidades Itaquera, Gaspar, Barreira Branca e São Pedro pertencentes ao município de Novo Airão-AM.

O foco adotado se dirige para os problemas decorrentes da necessidade de gestão do território por parte das populações que dele se utilizam. Muitas teorias, principalmente as apoiadas na “teoria dos jogos” sugerem a incapacidade dos grupos sociais de se organizarem no intuito de combater a sobre-exploração da natureza. Reduzem a ação humana em um “simples” jogo racional de interesse presente no “dilema do prisioneiro”. Assim, a formalização do problema se dá de diferentes maneiras, mas os pressupostos teóricos básicos são sempre os mesmos e generalizantes: oferta finita e previsível de unidades de recurso, a homogeneidade dos usuários, a sua tendência maximização do lucro esperado, e sua falta de interação com o outro ou a capacidade para alterar as suas instituições (OSTROM, 1990).

Todavia, inúmeros estudos empíricos estão demonstrando uma perspectiva oposta e desafiam os pressupostos generalizantes da teoria convencional. É de comum acordo que essa teoria não dá conta de explicar situações onde os indivíduos são capazes de criar e sustentar acordos para evitar problemas de sobre-exploração. Também não explicam quando a posse do governo pode se da de forma adequada ou quando a privatização irá melhorar os resultados (Ostrom, 1990).

No entanto, a constatação da capacidade organizacional de alguns grupos sociais não resolve o problema. É preciso analisar como os acordos são construídos e as ações dos usuários que não se vêem contemplados pelo acordo.

O estudo apresentado verifica a presença de inúmeros conflitos entre os usuários dos estoques pesqueiros nos dois municípios estudados. Com realidades diferentes no que se diz respeito a suas instituições de acordos, os conflitos ora se assemelham ora se diferenciam. - Objetivos

O objetivo é comparar duas realidades diferentes no tocante às instituições dos

acordos de pesca: uma que apresente acordo de pesca formalizado pelo Estado e outra que não possua a legalização do Estado mas mantenha acordos de pesca informais.

Tomamos como campo de estudo as comunidades Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Assembleia de Deus, Assembléia de Deus Tradicional e Santa Isabel localizadas na região do Jaiteua de Cima, lago Grande, município de Manacapuru-AM que possui acordo de pesca informal e as comunidades Itaquera, Gaspar, Barreira Branca e São Pedro localizadas no Rio Jauperi, no município Novo Airão-AM divisa com o estado de Roraima que possui acordo de pesca formal.

Assim procurou-se entender como se configuram os conflitos de pesca em cada lugar, quem são os usuários em conflito e quais as reivindicações apresentadas pelos ribeirinhos. - Metodologia e fontes de informações utilizadas

As informações utilizadas para a confecção desse trabalho originam-se de

pesquisas de campo com entrevistas e análise de documentos, realizadas na dissertação

de mestrado intitulada “A ressignificação dos comuns” (2010) comparando-se com os resultados publicados pelo projeto coletivo “Nova cartografia social dos povos e comunidades tradicionais do Brasil” (2007). O projeto Nova Cartografia privilegia a diversidade de expressões culturais. Através do mapeamento social de Comunidades Tradicionais elenca identidades coletivas objetivadas em movimentos sociais. -Resultados

Nas comunidades com acordo de pesca informal os conflitos se deram na seguinte direção: pescadores de subsistência x pescadores comerciais citadinos; pescadores de subsistência x pescadores comerciais locais; pescadores de subsistência e locais x fazendeiro.

Nas comunidades com acordo de pesca formal os conflitos se deram na seguinte direção: pescadores de subsistência x pescadores citadinos; pescadores de subsistência x tartarugueiros; agentes ambientais voluntários x tartarugueiros e pescadores citadinos.

A principal reivindicação dos ribeirinhos de Manacapuru é quando a legalização do acordo de pesca. Já os de Novo Airão, é para o prolongamento do seu acordo de pesca. - Conclusões

A análise dos resultados mostra que a formalização das instituições de acordo

resolvem, em parte, os conflitos internos com relação a pesca. Os pescadores locais tendem a respeitar o acordo imposto pelos estabelecidos. Todavia, os pescadores citadinos e os tartarugueiros (tipo encontrado somente em Novo Airão) não obedecem nem mesmo as placas proibitivas do IBAMA.

A formalização dos acordos cria novos agentes dentro do sistema de propriedade comum, os “agentes ambientais”. Esses sujeitos estão na linha de frente dos conflitos com pescadores. Nas comunidades de Novo Airão, foi relatado que nove agentes ambientais do Rio Jauaperi estão ameaçados de morte por tentarem impedir a ação de pescadores.

Nesse sentido, a legalização dos acordos de pesca não é o bastante para resolver o problema da sobre-exploração dos estoques pesqueiros. Porém, é fundamental para garantir o direito dos ribeirinhos de controlarem seu território, pois é somente através do direito que é possível transformar a linguagem dos acordos estabelecidos em linguagem compreensível aos subsistemas da política e da economia e vice-versa (Habermas, 2003) - Principais referências bibliográficas HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. vol. II, 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. JACAÚNA, T.S. A ressignificação dos comuns: conflitos sociais, ação comunicativa e cultura política no uso dos recursos pesqueiros na Amazônia Central. 2009. 174f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Sociologia). Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas, Manaus. OSTROM, E. Governing the Commons: The Evolution of Institutions for Collective Action. New York: Cambridge University Press, 1990. Projeto Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil. Fascículo 7: Ribeirinhos e Artesões de Itaquera, Gaspar, Barreira Branca e São Pedro – Rio Jauaperi, Roraima e Amazonas. Brasília, DF, 2007. SIMMEL, G. A natureza sociológica do conflito. In: MORAES FILHO, E. Georg Simmel. São Paulo: Ática, 1983. p. 122-134.