gestão da paisagem e desenvolvimento turístico das...

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V Encontro Nacional da Anppas 4 a 7 de outubro de 2010 Florianópolis - SC – Brasil ______________________________________________________ 1 Gestão da Paisagem e Desenvolvimento Turístico das Cidades : Estudo de Caso em Curitiba, Paraná Letícia Peret Antunes Hardt (PUCPR) Arquiteta e Urbanista, Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU), Coordenadora do Curso de Especialização em Paisagismo e Professora Titular do Curso de Arquitetura e Urbanismo [email protected] Carlos Hardt (PUCPR) Arquiteto e Urbanista, Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU), Coordenador do Curso de Especialização em Gestão Técnica do Meio Urbano e Diretor do Curso de Arquitetura e Urbanismo [email protected] Resumo Considerando que a tendência à redução qualitativa das condições visuais em áreas urbanas interfere na percepção dos produtos turísticos locais, o objetivo geral da pesquisa consiste em avaliar a qualidade da paisagem urbana, especialmente no entorno de locais de interesse turístico, fundamentando modelos metodológicos para os processos de avaliação paisagística e de gestão urbana, com vistas ao desenvolvimento do turismo local. A partir da interpretação de fundamentos teóricos e metodológicos sobre o tema, o estudo de caso em Curitiba, Paraná, é estruturado em quatro tipologias de métodos : indireto – com análise do espaço visual a partir da valoração de componentes paisagísticos urbanos; direto – com interpretação, por meio de pesquisas amostrais, das preferências visuais de moradores e turistas; misto, com avaliação dessas preferências por meio de modelos de regressão para identificação das variáveis representativas; e integrado, com interação dos resultados dos métodos anteriores. Pela avaliação integrada da paisagem de Curitiba, diagnostica-se que as zonas urbanísticas inseridas na classe de qualidade paisagística superior à média municipal correspondem a 58% da área total da cidade, abrigando apenas 32% da sua população, constatando-se que, nestas regiões, bem como no entorno dos principais locais turísticos, as interferências visuais da expansão urbana tendem à deterioração da qualidade paisagística. Com base nos resultados alcançados, o modelo metodológico proposto possibilita a indicação de prioridades para a conservação ou recuperação de atributos da paisagem, com vistas ao desenvolvimento do turismo local e à elevação do grau de satisfação dos usuários dos espaços. Palavras-chave : Gestão das cidades. Paisagem urbana. Turismo.

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V Encontro Nacional da Anppas 4 a 7 de outubro de 2010 Florianópolis - SC – Brasil ______________________________________________________

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Gestão da Paisagem e Desenvolvimento Turístico das Cidades :

Estudo de Caso em Curitiba, Paraná

Letícia Peret Antunes Hardt (PUCPR) Arquiteta e Urbanista, Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU),

Coordenadora do Curso de Especialização em Paisagismo e Professora Titular do Curso de Arquitetura e Urbanismo

[email protected]

Carlos Hardt (PUCPR) Arquiteto e Urbanista, Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU),

Coordenador do Curso de Especialização em Gestão Técnica do Meio Urbano e Diretor do Curso de Arquitetura e Urbanismo

[email protected]

Resumo Considerando que a tendência à redução qualitativa das condições visuais em áreas urbanas interfere na percepção dos produtos turísticos locais, o objetivo geral da pesquisa consiste em avaliar a qualidade da paisagem urbana, especialmente no entorno de locais de interesse turístico, fundamentando modelos metodológicos para os processos de avaliação paisagística e de gestão urbana, com vistas ao desenvolvimento do turismo local. A partir da interpretação de fundamentos teóricos e metodológicos sobre o tema, o estudo de caso em Curitiba, Paraná, é estruturado em quatro tipologias de métodos : indireto – com análise do espaço visual a partir da valoração de componentes paisagísticos urbanos; direto – com interpretação, por meio de pesquisas amostrais, das preferências visuais de moradores e turistas; misto, com avaliação dessas preferências por meio de modelos de regressão para identificação das variáveis representativas; e integrado, com interação dos resultados dos métodos anteriores. Pela avaliação integrada da paisagem de Curitiba, diagnostica-se que as zonas urbanísticas inseridas na classe de qualidade paisagística superior à média municipal correspondem a 58% da área total da cidade, abrigando apenas 32% da sua população, constatando-se que, nestas regiões, bem como no entorno dos principais locais turísticos, as interferências visuais da expansão urbana tendem à deterioração da qualidade paisagística. Com base nos resultados alcançados, o modelo metodológico proposto possibilita a indicação de prioridades para a conservação ou recuperação de atributos da paisagem, com vistas ao desenvolvimento do turismo local e à elevação do grau de satisfação dos usuários dos espaços. Palavras-chave : Gestão das cidades. Paisagem urbana. Turismo.

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1 Introdução

Para Cruz (2000), a paisagem constitui importante elemento de estruturação de espaços voltados

ao turismo. Todavia, as condições paisagísticas no meio urbano são submetidas a significativas

alterações e a relevantes pressões ambientais, com reflexos diretos na percepção humana e na

qualidade dos produtos turísticos. Por sua vez, os usuais índices de qualidade de vida referem-se

a indicadores sociais, econômicos e de infra-estrutura, dentre outros, não revelando as reais

condições de satisfação do homem em relação aos seus locais de vivência ou de visitação

(HARDT; HARDT, 2004).

Assim, para o adequado entendimento do grau de bem estar dos cidadãos e dos turistas em

relação ao ambiente urbano, tem-se na avaliação da qualidade paisagística um importante

instrumento de apoio ao processo de gestão de cidades (HARDT, 2000; 2004).

Nesse contexto, Curitiba torna-se um interessante objeto de análise para estudos neste sentido,

tanto pelo seu amplo reconhecimento em termos de práticas de planejamento urbano quanto pela

sua posição como polo de uma das regiões metropolitanas com maior crescimento no país nas

últimas décadas, bem como pela sua notável ascensão no cenário turístico nacional (SETU,

2009).

Com base nessas assertivas, o objetivo precípuo da pesquisa consiste em avaliar a qualidade da

paisagem urbana, especialmente no entorno de locais de interesse turístico, fundamentando

modelos metodológicos para os processos de avaliação paisagística e de gestão urbana, com

vistas ao desenvolvimento do turismo local. Para o seu alcance, o estudo é embasado em

fundamentos teóricos (turismo, cidade e paisagem) e metodológicos (gestão do turismo e da

qualidade paisagística das cidades), sendo apoiado em quatro tipologias de métodos de avaliação

da qualidade da paisagem (indireto, direto, misto e integrado), permitindo a interpretação

associada dos resultados.

2 Fundamentos Teóricos e Metodológicos

Segundo Lickorish e Jenkins (2000), o turismo compreende a somatória de relacionamentos

ocasionados por viagens e estadias de pessoas não residentes no local. Os autores comentam

que a definição da atividade turística representa uma dificuldade permanente para os profissionais

da área e a interpretam como um fenômeno derivado de visitas temporárias em lugares distantes

da residência habitual, não implicando em ocupação remunerada na região visitada.

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Em um esforço conceitual, Mourão (2004) classifica os programas turísticos em tipologias de :

a) aventura – comportando desafios ou imprevistos;

b) bem estar – compreendendo o aperfeiçoamento ou equilíbrio das condições físicas ou

espirituais de indivíduos ou grupos de pessoas;

c) cultura – envolvendo o conhecimento de usos e costumes de determinado povo ou

região;

d) esportes – englobando a prática esportiva amadora ou profissional;

e) estudos – estabelecendo o aprendizado, treinamento ou ampliação de conhecimentos em

locais específicos;

f) incentivo – vinculando o agenciamento por empresas ou organizações para o alcance de

metas de produção e qualidade;

g) pesquisa – favorecendo estudos de temas específicos;

h) interesse profissional – buscando o contato direto com o exercício, ampliação ou troca de

conhecimentos sobre determinada atividade econômica, incluindo eventos e negócios;

i) rural – promovendo a valorização de áreas naturais (ecoturismo) ou de espaços culturais

com atividades produtivas primárias.

A grande maioria desses programas é comumente desenvolvida em cidades, interpretadas como

processos territoriais de conformação do ambiente construído (CARLOS, 1994) e, ao mesmo

tempo, como fenômenos sociais, econômicos e institucionais (GEDDES, 1994;

MUMFORD, 1998). Assim, o meio urbano é conceituado, de maneira genérica, como um conjunto

integrado por dois sistemas básicos – natural e cultural (MOTA, 1999; HARDT, 2000; 2004; 2006),

cujos componentes compõem o ambiente total (DIAS, G. F., 1997), ao qual é associada a

experiência humana.

Nesse âmbito, Hardt (2000, p.15) conceitua a paisagem como :

combinação dinâmica de elementos naturais (físico-químicos e biológicos) e antrópicos, inter-relacionados e interdependentes, que em determinado tempo, espaço e momento social, formam um conjunto único e indissociável, em equilíbrio ou não, e em permanente evolução, produzindo percepções mentais e sensações estéticas como um "ecossistema visto".

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Definida, portanto, como a visualização do ecossistema urbano, a paisagem da cidade é formada

essencialmente por espaços visuais, conformados pelo ambiente total – natural e construído,

interpretados por mecanismos perceptuais dependentes da experiência humana (ambiência

pessoal e comportamento) e das condições de vida (HARDT, 2004).

O acelerado processo mundial de urbanização, especialmente a partir da Revolução Industrial,

tem provocado o progressivo aumento da demanda por políticas com maior grau de

responsabilidade na implementação de programas e planos para a elevação dos níveis de

qualidade de vida e para a devida organização das cidades (PACE; HARDT, 2009), exigindo o

aperfeiçoamento dos processos de gestão urbana e turística (BENI, 2000), assim como

procedimentos integrados e integradores de outras atividades (DIAS, R., 2003).

Lickorish e Jenkins (2000, p.235-236) comentam que “não é possível especificar um modelo único

de desenvolvimento” para as atividades turísticas, pois “as políticas irão fornecer a estrutura

dentro da qual será realizado o planejamento” [...]; “essa seqüência deve demonstrar que as

forças do mercado por si só não ditam ordens para o desenvolvimento do turismo”.

Para Hardt (2004), a qualidade da paisagem se relaciona com o grau de excelência de suas

características visuais. Segundo a autora, torna-se necessária, para a sua avaliaçao, a aplicação

de métodos baseados em juízos de valor, frente à diversidade paisagística e à dificuldade

metodológica para a sua determinação em termos absolutos. Baseados na contemplação da

paisagem em sua totalidade, os métodos diretos compreendem a valoração da qualidade

paisagística por usuários ou por especialistas, no local ou por meio de substitutos (como

fotografias, diapositivos, filmes, gravuras etc.), de forma independente à definição dos

componentes paisagísticos determinantes desta avaliação. Voltados à redução da subjetividade,

os métodos indiretos se fundamentam na desagregação da paisagem nos seus principais

elementos visuais, interpretados a partir de critérios estabelecidos por especialistas,

eventualmente com base nas avaliações pessoais de usuários. Associando vantagens dos

anteriores, os métodos mistos integram a avaliação das respostas subjetivas com a interpretação

dos elementos da paisagem definidores dessas respostas (HARDT, 2000; 2004).

3 Materiais e Métodos

As unidades de estudo correspondem às 27 zonas ou setores urbanísticos, subdivididos em 120

compartimentos territoriais, estabelecidos pelo zoneamento de uso e ocupação do solo vigente até

2000 e que configuraram a estrutura básica da atual paisagem urbana de Curitiba (Figura 1).

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Figura 1 : Mapa do Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo Vigente até 2000 e da Linha Turismo em Curitiba

Fonte : Elaborada com base em IPPUC (1999a/b/c; 2010) e em Hardt e Hardt (2004).

Linha Turismo

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A avaliação da paisagem do entorno dos principais pontos turísticos da cidade e seus respectivos

acessos é efetuada na região correspondente ao trajeto da Linha Turismo, implantada em 1990.

Contando atualmente com serviços diários de transporte por ônibus especiais (denominados de

“jardineiras”), passa por 25 pontos turísticos em um percurso de cerca de 44 km, no qual são

permitidos aos usuários um embarque e quatro reembarques (SETU, 2009).

3.1 Fases da Pesquisa

O estudo é estruturado em duas fases principais, compreendendo, em primeira instância, os

diferentes componentes dos sistemas – natural e cultural – do ambiente total, e, em um segundo

momento, as diversas condições dos mecanismos perceptuais relacionados com a experiência

humana.

A análise do espaço visual do ambiente total é realizada com base no método indireto de

avaliação a partir de componentes da paisagem, enquanto a interpretação dos mecanismos

perceptuais é subordinada tanto ao método direto de avaliação de preferências visuais quanto ao

método misto baseado em modelos de análise de regressão.

O método indireto é estruturado em um sistema misto de unidades paisagísticas, tanto irregulares

– correspondentes aos limites físicos específicos das 27 zonas e dos 120 compartimentos

urbanísticos considerados –, quanto regulares – resultantes da sobreposição às unidades

anteriores de uma malha de 14.299 quadrículas de 125 por 250 m (3,12 ha), com seleção

aleatória de 568 unidades amostrais para a devida consistência estatística. A medição dos

componentes paisagísticos selecionados (áreas impermeáveis – construídas, pavimentadas e

outras – e permeáveis – com cobertura arbórea, com vegetação não arbórea, solo exposto e

outras) é resultante da interpretação das unidades amostrais em imagens aéreas (GOOGLE

EARTH, 2010), com respectiva aferição em campo. O sistema de valoração destes componentes

é apoiado em referências bibliográficas, em trabalhos técnicos similares e em consultas

específicas a especialistas, considerando variados atributos (como diversidade, compatibilidade,

singularidade, mutabilidade, complexidade e amplitude visual), além de elementos não visuais,

relacionados a outros fatores perceptivos da paisagem. Com sua espacialização em mapas

distribuída segundo quatro classes representadas por quartis, o conjunto de valores de cada

componente paisagístico em cada quadrícula expressa o resultado por unidade de paisagem.

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O método direto de análise de preferências visuais se fundamenta nas 27 unidades amostrais com

média de área permeável (variável principal) mais próxima à média da própria zona. Cada unidade

é representada por fotografias produzidas sob condições e critérios específicos de levantamento e

reprodução fotográfica. A pesquisa amostral junto à população de Curitiba (252 moradores com

idade superior a 7 anos) e a turistas (110 pessoas com idade superior a 7 anos) é baseada em

amostra estratificada por gênero, faixa etária, nível de escolaridade e faixa de renda conforme a

estrutura populacional da cidade, além da consideração da procedência para a população não

residente. Como resultado, tem-se o enquadramento das 27 fotografias em cinco classes de

qualidade da paisagem.

O método misto é aplicado com base na formulação de modelos de regressão definidos a partir da

técnica "passo-a-passo" (stepwise), sendo testadas mais de 2.000 alternativas, entre modelos

gerais e por categorias de avaliadores e seus estratos. Para tanto, tem-se o detalhamento, em

campo, da medição de componentes paisagísticos complementares (como calçadas e fiação

aérea de energia elétrica, dentre outros) nas 568 unidades amostrais anteriormente selecionadas.

As informações também são espacializadas em mapas por compartimentos, segundo quatro

classes representadas por quartis.

A situação geral da paisagem urbana de Curitiba é retratada pelo relacionamento dos resultados

relativos ao ambiente total (método indireto) e à experiência humana (métodos direto e misto),

sendo, então, proposto o método de avaliação integrada de qualidade paisagística, com

estabelecimento de dois procedimentos básicos. No primeiro – por zona – é realizada a somatória

dos seus posicionamentos relativos em cada avaliação, obtendo-se, assim, sua posição final, o

que permite a indicação de prioridades de recuperação ou conservação das condições

paisagísticas relativamente ao ambiente total ou à experiência humana, conforme o

posicionamento definitivo da zona acima ou abaixo da média total em cada avaliação,

respectivamente. No segundo – por compartimento – é efetuada a soma dos valores de seu

posicionamento em cada avaliação, resultando, assim, em nova classificação por meio de

cruzamento matricial, com a determinação de sete classes, permitindo, também, o

estabelecimento de prioridades de recuperação ou conservação das características da paisagem.

4 Resultados

Os resultados encontrados são adiante apresentados tanto para o ambiente total quanto em

relação à experiência humana, sendo sintetizados por meio da avaliação integrada.

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4.1 Avaliação da Qualidade da Paisagem do Ambiente Total

Pela análise do seu espaço visual pelo método indireto, depreende-se que a paisagem do

ambiente total apresenta 85% da área total da cidade (correspondente a 15 zonas, onde reside

71% da população) na classe de qualidade visual superior à média registrada para o município.

Com taxa de ocupação dos lotes (53%) e densidade demográfica (29 hab/ha) inferiores às médias

municipais, verifica-se que as áreas pouco urbanizadas possuem melhores características

paisagísticas.

Com a desagregação das zonas nos seus compartimentos urbanísticos (Figura 2), constata-se

que a classe de alta qualidade visual do ambiente total (quartil superior) passa a ocupar 56% do

território municipal, abrigando 25% da população. Caracterizando áreas urbanisticamente pouco

consolidadas, as taxas de ocupação dos lotes (53%) e de densidade demográfica (23 hab/ha)

também são inferiores às médias municipais.

Cabe destacar que cerca de 48% do percurso principal da Linha Turismo se desenvolve em

espaços inseridos nesta classe de elevada condição paisagística, caracterizada em bases

estritamente técnicas.

4.2 Avaliação da Qualidade da Paisagem pela Experiência Humana

Pela análise direta da qualidade da paisagem a partir da interpretação de preferências visuais da

população curitibana e de turistas, diagnostica-se que tanto os residentes quanto os visitantes

avaliam uma área equivalente a 27% do município, relacionada a 33% dos seus habitantes, como

de qualidade visual superior à média municipal, com taxas de ocupação dos lotes (69%) e de

densidade demográfica (57 hab/ha) superiores às médias da cidade. Interpreta-se, portanto, que

as paisagens com maior grau de naturalidade não constituem, no presente estudo, importante

fator de preferência visual para ambas as populações pesquisadas, as quais apontam as mesmas

14 zonas como integrantes desta classe, com coincidência das cinco com melhores posições,

apenas com a inversão de terceiro e quarto lugares.

Reforçando este resultado, percebe-se, claramente, no conjunto das fotografias que compõem a

classe de qualidade visual superior, a forte intenção de tratamento dos espaços. Por outro lado,

naquelas constituintes da classe de qualidade visual inferior, observa-se marcante falta de

manutenção e agenciamento dos ambientes.

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alta qualidade

média alta qualidade

média baixa qualidade

baixa qualidade

Figura 2 : Mapa de Classificação da Qualidade da Paisagem de Compartimentos Urbanísticos de

Curitiba pela Avaliação do Ambiente Total Fonte : Elaborada com base nos resultados do método indireto.

Linha Turismo

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Pela aplicação dos modelos de regressão do método misto, verifica-se que a classe de qualidade

visual superior à média municipal a partir da experiência humana (11 zonas) é relacionada a 35%

da cidade e a 29% da sua população, caracterizando regiões mais urbanizadas, dada a ocupação

dos lotes (63%) e a densidade demográfica (49 hab/ha) superiores às médias de Curitiba.

Para o conjunto dos compartimentos urbanísticos da cidade (Figura 3), a classe de alta qualidade

visual a partir da experiência humana (quartil superior) abrange apenas 16% do município,

abrigando 18% dos seus habitantes. As taxas de ocupação dos lotes e de densidade demográfica

(64% e 49 hab/ha, respectivamente) também configuram altos graus de urbanização.

Diversamente ao anteriormente diagnosticado, apenas 9% da Linha Turismo percorre regiões

desta classe de expressiva qualidade visual sob o ponto de vista de moradores e turistas, o que

expõe significativas diferenciações interpretativas em relação a condicionantes de ordem técnica.

4.3 Avaliação Integrada da Qualidade da Paisagem

A análise comparativa dos resultados anteriores pelo método integrado evidencia que apenas

30% das zonas urbanísticas não apresenta diferença de posicionamento superior ou inferior a

aproximadamente 10% dos postos (3 posições) nas duas tipologias de avaliação. Por outro lado,

condições significativas são reveladas para outros 30% das zonas, que apresentam mais de 50%

de alteração de posicionamento (13 postos).

Justifica-se, portanto, a análise integrada dos dados encontrados com a aplicação dos

procedimentos adotados, tanto pela agregação de atributos positivos como pela redução de

condições negativas de cada um deles, especialmente diante da divergência de resultados entre a

avaliação apoiada em bases técnicas de componentes dos subsistemas natural e cultural do

espaço visual do ambiente total (método indireto) e a interpretação a partir da experiência humana

e da sua percepção da paisagem, seja pela investigação das preferências visuais da população

de Curitiba e de turistas (método direto), seja pelo exame dessas preferências por análise de

regressão (método misto).

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alta qualidade

média alta qualidade

média baixa qualidade

baixa qualidade

Figura 3 : Mapa de Classificação da Qualidade da Paisagem de Compartimentos Urbanísticos de

Curitiba pela Avaliação da Experiência Humana Fonte : Elaborada com base nos resultados dos métodos direto e misto.

Linha Turismo

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Os resultados gerais da avaliação integrada da qualidade da paisagem de Curitiba apontam, para

a classe de qualidade paisagística superior à média municipal, uma região equivalente a 58% do

espaço do município, comportando 32% da sua população, com taxa de ocupação dos lotes

(59%) e densidade demográfica (34 hab/ha) pouco inferiores às médias registradas para a cidade,

comportando, por decorrência, situações dinâmicas de urbanização.

Os compartimentos urbanísticos com classes de qualidade superior da paisagem (muito alta e

alta) englobam 38% da área total municipal (Figura 4), relacionando-se com 24% dos habitantes,

onde a ocupação dos lotes (62%) é pouco superior à média curitibana, enquanto a densidade

demográfica (31 hab/ha) apresenta situação inversa (inferior), caracterizando um processo de

expansão urbana.

Com a integração dos resultados, cerca de 26% da Linha Turismo encontra-se relacionada à

classe de melhores condições visuais, a qual é fundamental para a gestão de espaços voltados ao

turismo (CRUZ, 2000; YAZIGI, 2003).

5 Conclusão

Pela variação dos resultados encontrados entre a aplicação dos procedimentos com enfoque

técnico e o desenvolvimento dos estudos da observação humana, conclui-se que os métodos de

avaliação da qualidade paisagística não são excludentes entre si, sendo, por consequência,

necessária a sua integração, especialmente com a agregação de valores intrínsecos do ambiente

urbano às condições de subjetividade dos observadores dos cenários urbanizados.

Diagnostica-se, também, a tendência de deterioração da qualidade da paisagem em função das

interferências visuais da expansão urbana. No caso de Curitiba, nas áreas de entorno dos

principais locais turísticos, percebe-se a tendência à redução qualitativa dos seus aspectos

visuais. Por sua vez, o modelo metodológico proposto, baseado em etapas fundamentais do

processo de gestão da qualidade paisagística, possibilita a indicação de prioridades para a

conservação ou recuperação de condições visuais visando ao desenvolvimento do turismo local e

à elevação do nível de satisfação dos usuários em relação aos espaços urbanos.

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muito alta qualidade

alta qualidade

média alta qualidade

média qualidade

média baixa qualidade

baixa qualidade

muito baixa qualidade

Figura 4 : Mapa de Classificação da Qualidade da Paisagem de Compartimentos Urbanísticos de

Curitiba pela Avaliação Integrada Fonte : Elaborada com base nos resultados do método integrado.

Linha Turismo

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Constituindo um instrumento simplificado para a análise de qualidade de vida, com diferentes

alternativas para o agenciamento de espaços turísticos, a avaliação integrada da qualidade

paisagística propicia o monitoramento das condições do ambiente urbano, pela análise do espaço

visual (método indireto), e a determinação do grau de satisfação do cidadão e do turista em

relação à paisagem urbana, pela interpretação da experiência humana (métodos direto e misto).

Referências

BENI, M. C. Análise do desempenho institucional do turismo na administração pública. In :

CASTROGIOVANNI, A. (Org.) Turismo urbano. São Paulo : Contexto, 2000.

CARLOS, A. F. A. A (re)produção do espaço urbano. São Paulo : Editora da Universidade de

São Paulo, 1994.

CRUZ, R. C. Política de turismo e território. São Paulo : Contexto, 2000.

DIAS, G. F. Elementos de ecologia urbana e sua estrutura ecossistêmica. Brasília : Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, 1997. (Série Meio Ambiente

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GEDDES, P. Cidades em evolução. Campinas : Papirus, 1994.

GOOGLE EARTH. Imagem aérea de Curitiba, Paraná. 2010.

HARDT, L. P. A. Subsídios à gestão da qualidade da paisagem urbana : aplicação a Curitiba –

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