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    VII SINGAVII Simpsio Internacional e

    VIIISimpsio Nacional de Geografa Agrria Jornada das guas e

    Comunidades Tradicionais

    ANAIS

    Eixo de Trabalho:

    Apropriao da Natureza,

    Acumulao e Contra

    Hegemonias nos Pasesdo Sul

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    Sumrio

    O modelo (des)envolvimentista da empresa fibria e a insustentabilidadepromovidana regio de Aracruz ES ................... .................... ..................... .................... .................... .................... ......... 5049Enzo da Silva Zanotti

    Usina Hidreltrica de Tucuru: um olhar histrico-geogrficosobre a apropriaodos recursos naturais da Amaznia .................. .................... .................... ..................... .................... ............ 5063Heitor de Souza Cora

    Carlos Augusto da Silva Xavier

    Robson Cristiano H. Rodrigues

    Estratgias de subordinao do campesinato ao capital na Amaznia:imobilizao,controle e gesto do territrio .................... ..................... .................... .................... .................... ................... 5077Luiz Henrique Gomes de Moura

    Diogo Loibel SandonatoManoel Calaa

    Novos movimentos ecolgicos: Ecossocialismo e Economia Verde .................. .................... ............ 5093Tamiris Melo Pereira

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    ISSN.

    Online: 1980-4555

    DVD-ROM: 1980-4563

    O MODELO (DES)ENVOLVIMENTISTA1DAEMPRESA FIBRIA E A INSUSTENTABILIDADE

    PROMOVIDA NA REGIO DEARACRUZ ES

    THE DEVELOPMENTAL COMPANY FIBRIA MODEL ANDTHE UNSUSTAINABILITY PROMOTED IN ARACRUZ

    REGION ES

    Enzo da Silva Zanotti2

    Universidade Federal do Esprito [email protected]

    Resumo: Este trabalho busca discorrer sobre o conflito territorial que vem ocorrendo naregio de Aracruz ES envolvendo comunidades tradicionais que vivem na regio h sculos,e a empresa produtora de celulose de eucalipto Fibria, que teve o incio de suas atividadesno final da dcada de 1960. O artigo trata das questes que culminaram nas posses esobreposies territoriais desta ltima atravs de uma srie de impactos socioambientaiscomo: devastao das matas nativas e explorao dos recursos hdricos, at mesmoexpropriaes de comunidades tradicionais para realizao do monocultivo de eucalipto, ecomo esta, contraditoriamente, ainda detentora de um selo de certificao florestal. Paraelaborao deste artigo, recorreu-se a uma reviso bibliogrfica a respeito do tema, leiturasde peridicos e relatrios de campo que contriburam para este resultado aqui exposto.

    Palavra chave: Comunidades Tradicionais, Conflito Territorial, Empresa Fibria,

    Insustentabilidade, Modo de produo capitalista.

    Abstract: This article seeks to discuss the territorial conflict that has occurred in the regionof Aracruz - ES involving traditional communities living in the region for centuries, and theproducer of Fibria eucalyptus pulp, which had the beginning of its activities at the end of the1960s. It deals with the issues that resulted in possessions and territorial overlaps the latterthrough a series of social and environmental impacts such as destruction of native forests andexploitation of water resources, even expropriation of traditional communities to perform theeucalyptus monoculture, and how contradictorily, it is still the holder of a forest certificationlabel. To prepare this article, I used a literature review on the subject of periodic readings andfield reports have contributed to this result here exposed.

    1 O termo (des)envolvimentista deve ser visto para alm do sentido do progresso. De acordo com CarlosWalter Porto-Gonaslves (2006, p.81) (des)envolver tirar o envolvimento (a autonomia) que cada culturacada povo mantm com seu espao, com seu territrio.

    2 Graduando em geografia pela Universidade Federal do Esprito Santo (UFES).

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    Keyword: Traditional communities, Territorial Conflict, Company Fibria, Unsustainability,capitalist production mode.

    INTRODUO

    O presente artigo tem como objetivo discutir e trazer a cincia dos fatosocorridos a respeito dos impactos socioambientais oriundos do modelo (des)envolvimentista praticado pela empresa produtora de celulose de eucaliptoFibria (antiga Aracruz Celulose), que com o plantio de eucalipto vem fazendo usoinadequado dos recursos hdricos, assim como devastao de matas nativas, almda sobreposio de territrios devido ao plantio de eucalipto sobre terras em quese encontram comunidades tradicionais, tendo em vista a forma de produo(monocultura) moderna e capitalista de explorao dos recursos disponveis naregio de Aracruz e adjacncias. A respeito daquelas comunidades, so claras asmudanas sofridas no dia a dia, no comportamento das mesmas, e respectivamenteo modo de vida destas - associado aos usos adequados dos recursos naturais comoforma de reproduo sociocultural e de continuidade de existncia.

    Associado a estas prticas criminosas de explorao dos recursos naturaisquanto desvalorizao da identidade das comunidades tradicionais localizadasna rea de estudo, regio de Aracruz, inadmissvel que uma empresa como aFibria tenha a certificao de uma organizao no governamental (ONG) comoa Forest Stewardship Council (FSC), que se diz promover um manejo florestalambientalmente adequado, socialmente benfico e economicamente vivel nasflorestas e nos povos que nela habitam.

    Neste sentido, perceberemos a discordncia e o conflito existente entre: omodelo, baseado na lgica capitalista de dominao hegemnica moderno-colonial3das grandes indstrias sobre o territrio, e por sinal, contraditoriamente, apoiadaspor ONGs que garantem que as atividades realizadas por aquelas so de formacorreta quanto aos aspectos socioambientais; assim como o modelo de cartercontra-hegemnico simblico e harmonioso de uso dos recursos disponveis noterritrio, necessrios para continuidade de existncia das comunidades tradicionais,e que apesar das constantes perdas territoriais sofridas, por no se submeterem econtriburem com a lgica modo de vida - econmica capitalista atual, continuamo processo de luta e pertencimento territorial.

    Sendo assim, como auxlio para elaborao do presente artigo, os proce-dimentos metodolgicos adotados que orientaram este se baseou em revises

    3 Uma dominao predominante baseada num sistema de relaes hierrquicas de poder. De acordocom Carlos Walter Porto-Gonalves (2006, p.49) a colonialidade sobreviveu ao colonialismo. A explorao derecursos e contra povos negros e indgenas continua, mesmo aps a independncia poltica formal.

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    Eixo de Trabalho: Apropriao da natureza, acumulao e contra hegemonias nos pases do sul.O MODELO (DES)ENVOLVIMENTISTA DA EMPRESA FIBRIA E A INSUSTENTABILIDADE...

    Enzo da Silva Zanotti5051

    bibliogrficas relacionadas ao tema em questo, anlises de documentos, leiturade peridicos e de relatrios de trabalho de campo.

    LOCALIZAODAREADEESTUDO

    Localizado na poro norte do Estado do Esprito Santo, o municpio deAracruz faz limite, pelo litoral norte, com a Regio Metropolitana da Grande Vitria,distanciando-se cerca de 84 km da capital, Vitria. De acordo com o ltimo censode 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE, 2010),Aracruz abrange uma rea de 1.436 km e possui cerca de 81.832 habitantes, almde ser banhado pelo Oceano Atlntico na parte leste e fazer divisas com mais quatrooutros municpios, sendo estes: Fundo, Ibirau, Joo Neiva e Linhares. De acordocom a jurisdio politico-administrativa do municpio de Aracruz, este dividido porcinco distritos, que so: Aracruz (Sede), Santa Cruz, Guaran e Jacupemba e Riacho.

    HISTRICOEFORMAODAEMPRESAFIBRIA, ANTIGAARACRUZCELULOSENo Brasil, a celulose comea a ser produzida em 1947 com a indstria Klabin

    de Papel e Celulose S.A. no estado do Paran, produzindo cerca de 60 toneladaspor dia (Dalcomuni, 1990 apud Vieira, 2012, p.31). Esse quadro de baixa produo,comparando com indicadores atuais da mesma produo, foi se alterando com opassar dos anos em virtude do Plano de Metas colocado em prtica pelo PresidenteJuscelino Kubitschek (1956 1961). Tal plano, financiado principalmente pelo BancoNacional do Desenvolvimento Econmico, foi o primeiro macro plano poltico/econmico que a celulose passa a figurar dentre as prioridades na produo industrialno Brasil (Vieira, 2012, p.31).

    Dividido em 31 metas, aquele plano abrangia os cinco principais setores daeconomia brasileira, sendo estes: energia, transporte, agropecuria/alimentao,educao e indstria de base. Tendo em vista o atraso do estado do Esprito Santona corrida (des)envolvimentista em relao aos estados vizinhos de maior poderioindustrial-econmico, como Rio de Janeiro e So Paulo, foi consensual entre ospolticos e a elite empresarial, o investimento em indstria de base para o estado.Desta forma, segundo Luiz Henrique Vieira (2012):

    Os projetos eram considerados bem atrativos pelos governantes, pois o estado eraconsiderado economicamente vivel devido s caractersticas fsico-geogrficas do

    local, tais como proximidades aos grandes centros urbano-industriais (regio sudeste),topografia adequada e plana (ideal para mecanizao e plantios), boas condies parase instalar a infraestrutura rodoviria, ferroviria e uma zona porturia devido costalitornea (VIEIRA, 2012, p. 34).

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    Considerando as caractersticas fsico-geogrficas para implementao de umsetor industrial na regio, em 1967 tem incio a Aracruz Florestal no Esprito Santo eos primeiros plantios de eucalipto e, por conseguinte, no ano de 1968, a fundaoda Aracruz Celulose S.A.

    Apesar das disponibilidades de terras para o plantio do eucalipto e

    implementao industrial, a regio norte do estado do Esprito Santo habitadapor famlias que viviam e vivem de forma tradicional, como comunidades depequenos camponeses, pescadores artesanais, quilombolas e aldeias indgenas. Estascomunidades tradicionais se caracterizam pelo seu modo de vida e a relao diretacom o meio ambiente, no qual se pode perceber uma simbiose entre os membrosque as compem junto natureza, uma verdadeira dependncia e garantia deexistncia daquelas por esta, tendo em vista a necessidade dos usos dos recursosnaturais terra, gua, plantas, animais, etc... -, presente no territrio para saciar asnecessidades.

    Dentro desta viso, nos apoiamos em Antnio Carlos Diegues (1998), para

    fazer-se referncia a essas comunidades tradicionais, no qual:

    Nela produtores independentes esto envolvidos em atividades econmicas de pe-quena escala, como agricultura, pesca, coleta e artesanato. Economicamente, portanto,essas comunidades se baseiam no uso de recursos naturais renovveis. Uma carac-terstica importante desse modo de produo mercantil [...] o conhecimento queos produtores tm dos recursos naturais, seus ciclos biolgicos, hbitos alimentares,etc. Esse know-how tradicional, passado de gerao em gerao, um instrumentoimportante para conservao. Como essas populaes em geral no tem outra fontede renda, o uso sustentado de recursos naturais de fundamental importncia. Seuspadres de consumo, baixa densidade populacional e limitado desenvolvimento

    tecnolgico fazem com que sua interferncia no meio ambiente seja pequena. Outrascaractersticas importantes de muitas comunidades tradicionais so: a combinaode varias atividades econmicas (dentro de um complexo calendrio), a reutilizaodos dejetos e o relativamente baixo nvel de poluio. A conservao dos recursosnaturais parte integrante de sua cultura, uma ideia expressa no Brasil pela palavrarespeito que se aplica no somente a natureza como tambm aos outros membrosda comunidade. (DIEGUES, 1998, p. 87).

    Apesar da presena dessas populaes locais no territrio, o Estado osignorou e deu incio ao processo de domnio territorial atravs do plantio deeucalipto (monocultura industrial), inaugurando um processo intenso e acelerado

    de desmatamento e de ocupao das terras indgenas, que atingiu seu pontocrtico com a implantao do complexo agroindustrial Aracruz Celulose S/A em1972 (ANA apud OCCA, 2014, p.57), e com incio de operao da primeira unidadeindustrial em 1978, apoiado por um discurso (des)envolvimentista em virtude dosavanos tcnico-cientficos, no qual, cada vez mais percebido, a sobreposio e avalorizao/desvalorizao da escala global representada pelos empreendimentos

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    transnacionais , sobre a escala local representada pelos povos tradicionais e suarelao ntima com a natureza.

    Em outras palavras:

    no nos deve escapar que essa recusa da escala local e a idealizao da escala globaldiz muito de quem so os protagonistas que fazem essa valorizao/desvalorizao.

    No so os camponeses, por exemplo, que desvalorizam a escala local, nem tam-pouco os indgenas, ou afrodescendentes, [...] muitos dos quais tm suas culturasconstrudas numa relao mais prxima com a natureza e com fortes singularidadeslocais. A sobrevalorizao da escala global atinge seu auge por meio da afirmaodaqueles que se valem dessa escala global: as grandes corporaes transnacionais, asorganizaes multilaterais, as organizaes (que) no (querem) governos nacionais(ONGS?) (PORTO-GONALVES, 2012, p.12).

    Dessa forma, percebe-se que no atual processo de globalizao neoliberal,baseado no modelo hegemnico capitalista de produo, consiste numa continuidadedo colonialismo e imperialismo por meio dos ideais (des)envolvimentistas. Assim,

    fazendo um comparativo com o teor histrico passado, entretanto, cabvel nocontexto atual, e segundo Carlos Walter Porto-Gonalves (2012, p.13), a expanso docapitalismo reveste-se de uma fama de misso civilizatria e, dessa forma, absolve-secrimes como etnocdios e genocdios que se cometem contra povos tradicionais,considerando estes como primitivos e atrasados.

    Nesta performance e continuidade nos padres de produo, caracterizadospela explorao dos recursos naturais e sufocamento territorial sobre as comunidadestradicionais, em 27 de maio de 1991 foi inaugurada a fbrica B com intuito deaumentar a produo que de acordo com Luiz Henrique Vieira (2012, p.41), aAracruz Celulose passa a produzir mais de 1 milho de toneladas de celulose porano, mais de 2 vezes a capacidade produtiva de quando a Fbrica foi inaugurada. importante salientar neste momento que cerca de 80% da produo seria voltadapara demanda externa.

    Fazendo a ininterrupo do processo produtivo, e sem dvida, a continuidadeacentuada dos impactos ambientais na regio, em 2 de agosto de 2002 foi inauguradaa terceira fbrica, denominada de Fiberline C, no distrito de Barra do Riacho.Decorrente do resultado da incorporao da Aracruz Celulose pela VotorantimCelulose e Papel (VCP), surge a Fibria no ano de 2009; esta, passa a ser lder mundialem celulose de mercado, com capacidade para produzir cerca de 5,4 milhes de

    tonelada de celulose e mais de 300 mil toneladas de papel por ano.Como se no bastasse os impactos socioambientais j ocorridos, e os quesero mais bem expostos no item seguinte, em 2012 a Fibria Unidade Aracruz recebe a certificao da ONG Forest Stewardship Council (FSC). Apesar de estedebate ser futuramente mencionado, deve-se deixar claro que a atuao de ONGsenquanto reguladora de recursos naturais demonstra, de acordo com as palavras de

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    Porto-Gonalves (2012, p.357), at que ponto pode chegar o liberalismo mercantilenquanto ideologia, tendo em vista a excluso do Estado enquanto reguladordaqueles recursos.

    OSIMPACTOSSOCIOAMBIENTAIS

    A hegemonia de um modelo (des)envolvimentista de produo capitalistaditado pelo fenmeno de globalizao, no qual, aquele, caracterizado pela exploraode povos e recursos naturais, e comumente realizado por pases industrializadossobre pases no-industrializados, resulta em srios impactos socioambientais cadavez mais evidentes sobre a Terra. perceptvel que nos encontramos atualmentenum momento em que a escassez de recursos naturais, tanto por poluio e limitedestes, passa a ser mais que um debate poltico, mas sim, uma questo que diz arespeito da continuidade de existncia dos seres humanos sobre o planeta.

    Trazendo este debate de escala global para a realidade local, no caso a rea de

    estudo do presente artigo, na regio de Aracruz ES notrio o quanto a paisagemdesta regio foi e vem sendo modificada a partir da dcada de 1960 com a chegadada antiga Aracruz Celulose, atual Fibria, devido ao intenso plantio e monocultivode eucalipto, culminando na devastao das matas nativas e comprometendo,desta forma, todo um ciclo de equilbrio biolgico e de recursos naturais quedela dependem, junto s expropriaes das comunidades tradicionais. Dandonfase a este processo de destruio da Mata Atlntica, o bilogo, reconhecidointernacionalmente, Augusto Ruschi descreve as atividades da antiga AracruzCelulose, atual Fibria, e os impactos sobre a flora da seguinte maneira:

    As espcies eram abundantssimas nas matas que ligavam Santa Cruz a Aracruz, ondeforam feitas e ainda continuam as derrubadas com dois tratores em paralelo, ligadospor um corrento, que avanavam sobre a floresta virgem (...) sendo derrubada, ea cada dia so centenas de hectares, e aps um ms recebem fogo, e logo com acalagem do terreno, vem em seguida o plantio de eucalipto (RUSCHI, 1971 apudAGB-ES, 2004, p.5).

    Deste modo, e segundo o Relatrio de Identificao do Territrio de UsoTradicional na margem direita da foz do rio Doce (Regncia, Linhares/ES) realizadopelo Observatrio dos Conflitos no Campo (OCCA) / UFES (2014)4, baseado no CensoAgropecurio do IBGE de 2006, a rea de monocultivo de eucalipto (erroneamente

    chamado de florestas plantadas) em Aracruz ocupa cerca de 58 009 hectares, ouseja, 66,46 % das terras do municpio. Percebe-se de acordo com o dado supracitadoa ampla utilizao de recursos naturais, e o avano sobre o territrio ocupado

    4 O Observatrio dos Conflitos no Campo (OCCA) vinculado a UFES, abrange um Grupo de Estudos ePesquisa dos Povos e Comunidades Tradicionais sob coordenao da Prof. Dr. Simone Raquel Batista Fer-reira (Geografia) - Projeto de Pesquisa Territrios Tradicionais, registrado na PRPPG e no Diretrio do CNPq.

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    por populaes tradicionais como indgenas, quilombolas e camponeses. Nestavertente, e fazendo referncia a Carlos Walter Porto-Gonalves (2012, p.46), asindstrias altamente poluentes, com destaque para as de papel e celulose, vmsendo responsveis por mudanas (negativas) graves, no qual, ricos acervos debiodiversidade vm dando lugar a monoculturas.

    Como se sabe, o monocultivo de eucalipto requer um uso intenso defertilizantes e agrotxicos qumicos, tendo em vista a inteno de proteger oeucalipto contra pragas e garantir um crescimento de fato da espcie. Entre estesagrotxicos utilizados pela Fibria, se encontra o roundup, cujo princpio ativo o Glifosato e formicida a base de sulfuramida, cujos perigos so cada vez maisevidentes, segundo diversos estudos cientficos.

    Ainda sobre o manejo com fertilizantes e agrotxicos sobre as plantaes deeucalipto, sabe-se que durante o uso destes, h uma quantidade considervel queinfiltra ao solo, causando perda da propriedade biofsica deste ltimo, culminandonum empobrecimento da terra e dificultando o plantio de outras espcies. Da mesma

    forma, estes mesmos venenos utilizados, aps infiltrarem ao solo, chegam ao lenolfretico, disseminando-se pelos rios e fontes hdricas da regio, contaminando umamaior rea e expondo espcies de animais e vegetais, assim como, comunidadestradicionais que dependem e fazem o uso destes para manuteno da vida. Nestavertente, e de acordo com a Resoluo do Conselho Nacional do Meio Ambiente(CONAMA) n 01/86, art. 1, define-se como impacto ambiental:

    qualquer alterao das propriedades fsicas, qumicas e biolgicas do meio ambiente,causada por qualquer forma de matria ou energia resultante das atividades humanasque, direta ou indiretamente, afetam: a sade, segurana e bem-estar das populaes;as atividades sociais; a biota; as condies estticas e sanitrias do meio ambiente; ea qualidade dos recursos ambientais (CONAMA, 1986).

    Percebendo tais impactos manifestados pelo modelo (des)envolvimentistade produo realizado pela empresa Fibria, e no que se refere a sade, seguranae bem-estar das populaes, tendo em vista a dependncia humana quanto aobteno de alimentos para continuidade de existncia, percebe-se que a espciehumana no escapa a cadeia alimentar, como um antropocentrismo exacerbadochegou a acreditar (Porto-Gonalves, 2012, p.67).

    Fazendo comparativas as palavras supracitadas de Carlos Walter PortoGonalves (2012), vale salientar, que durante o primeiro ano de funcionamento da

    fbrica, houve descartes de cloro e restos de produo industrial diretamente emafluentes do rio Riacho, culminando na morte de centenas de milhares de peixes ecolocando as populaes locais em risco, tendo em vista que aquele rejeito podecausar doenas no sistema endcrino, sistema nervoso e reprodutivo, entre outros(Vieira, 2012, p.63). No ms de maio de 1981, os pescadores de Barra do Riacho

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    foram vtimas de contaminao causada pelo descarte inadequado do produto (AGazeta, 1981 apud VIEIRA, 2012, p.63).

    A partir do funcionamento da terceira fbrica da Aracruz Celulose, atual Fibria,observou-se que a demanda de gua para suprir a necessidade desta aumentariamuito, e que o abastecimento realizado, at ento, atravs do rio Riacho no seria

    suficiente para manter a capacidade produtiva, fez com que a empresa recorressea novos mecanismos para obteno daquela. Sendo assim, a Aracruz Celulose,em 1999 realizou uma obra de transposio do rio Doce direcionando as guasdeste para o rio Riacho, este canal de transposio passou a ser chamado de CanalCaboclo Bernardo5. Essa engenharia realizada para atender a empresa em questo,foi responsvel por secar reas de vrzea, alagados e lagoas que eram ecossistemasriqussimos. Alm de alterar a dinmica hdrica, prejudicaram as comunidades queutilizavam esses ambientes com prticas agrcolas e de pesca (VIEIRA, 2012, p.67).

    Luiz Henrique Vieira (2012) ainda acrescenta que:

    Essa transposio foi objeto de conflito tambm entre a empresa e a aldeia indgenaTupinikim de Comboios, uma vez que o rio, antes da construo do canal, era fontede fartura alimentar principalmente de peixes e camaro. A aduo de guas do RioDoce causou outros transtornos populao indgena, como o alagamento das antigasmargens do rio, dificultando a mobilidade dos barcos (VIEIRA, 2012, p.70).

    Tendo em vista o processo de apropriao territorial no decorrer da formaoe crescimento industrial e, apenas, a partir da anlise de parte de uma vastadimenso no que se diz a respeito dos impactos socioambientais cometidos pelaFibria, antiga Aracruz Celulose, na regio de Aracruz, em virtude de um modelo(des)envolvimentista de produo capitalista baseado na explorao dos recursos

    naturais do territrio, que muitos so os conflitos territoriais entre a empresa eas comunidades tradicionais decorrentes das formas de uso destes recursos e paraquais fins esses esto sendo utilizados.

    CONFLITOSEPERCEPESTERRITORIAIS

    Percebendo as distintas formas de uso e apropriao do territrio na regiode Aracruz a partir da relao sistema-mundo moderno-colonial entre os sujeitoshegemnico (empresa Fibria) e o sujeito hegemonizado (comunidades tradicionais)a respeito do objeto (recursos naturais), falar-se- das percepes e intenes

    individuais de cada sujeito sobre o objeto, e, por conseguinte o conflito territorialentre estes.

    5 O nome do canal foi apropriado da figura cultural de um nativo pescador (ironicamente) chamadoBernardo Jose Santos do povoado de Regncia, em Linhares, que conseguiu junto com outros moradores,salvar centenas de tripulantes de um navio imperial marinheiro que naufragava no mar no ano de 1887.

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    Eixo de Trabalho: Apropriao da natureza, acumulao e contra hegemonias nos pases do sul.O MODELO (DES)ENVOLVIMENTISTA DA EMPRESA FIBRIA E A INSUSTENTABILIDADE...

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    Desta forma, o sujeito hegemnico em questo - no caso a empresa Fibria,antiga Aracruz Celulose - vem percebendo e continua analisando, ao longo doseu processo de formao, o territrio atravs de uma perspectiva econmica,tendenciando sempre para a explorao mxima dos recursos naturais neledisponveis, em prol de um enriquecimento individual, mantendo um modelo de

    produo capitalista baseado na desigualdade.A partir desses comentrios supracitados, assim como o contedo exposto

    anteriormente a respeito do modelo de formao e efetivao da empresa Fibria,antiga Aracruz Celulose, e os respectivos impactos socioambientais ocasionadospor esta, o territrio usado um recurso, garantia de realizao de seus interessesparticulares (SANTOS, 1994, p.12 apud HAESBAERT, 2004, p.59).

    Percebendo o conflito, fica evidente que os recursos naturais disponveisno territrio so quase por completos apropriados pela empresa, e quando noso, sofrem influncia direta, principalmente no que diz respeito aos poluentesdisseminados por esta, comprometendo integralmente os elementos naturais

    (biodiversidade de plantas e animais, solo, ar e gua) e quem os dependem paracontinuidade de existncia (comunidades tradicionais). Neste sentido:

    tomando a crtica pelo outro extremo, das abordagens que excluem completamentequalquer discusso sobre a relao sociedade-natureza e mergulhando noantropocentrismo apontado por Garca, outra lio que parece ficar, diante de algunsfenmenos, como o dos conflitos pelo domnio de recursos (como o petrleo, as terrasagricultveis e, em alguns casos, [...] a prpria gua), de que, mais do que nunca,separar natureza e sociedade, comportamento biolgico e comportamento social,, no mnimo, temerrio (GARCA, 1976, p.17-18 apud HAESBAERT, 2004, p.52-53)[grifo meu].

    Trazendo esta citao para o debate sobre a rea de estudo, evidenteque o antropocentrismo e o individualismo da empresa, que busca o domniodo territrio intentando a aquisio dos recursos disponveis, irar-se- demandara sobreposio de um novo territrio, sobre um j existente, pertencente scomunidades tradicionais, e que porventura, os povos desta ltima passariam aviver sobre condies e limites impostos por aquela primeira. Isto posto, Howard(1948) apud Haesbaert (2004, p.45) afirma que no poderiam existir territrios semalgum tipo de limite (ou fronteira), que por sua vez no poderia existir sem um tipode disputa, de forma anloga ao que ocorre no mundo dos homens.

    Neste sentido, o territrio dominado e imposto pela empresa acaba porprovocar uma desestabilizao na cultura das comunidades tradicionais que ali seinserem, haja vista que estes ltimos no compartilham de um mesmo modo devida baseado na sustentao da lgica capitalista, dificultando a continuidade deexistncia desses povos.

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    A viso de territrio para estes povos tradicionais no baseada naperspectiva econmica de explorao integral dos recursos disponveis no mesmo,muito pelo contrrio, se baseia numa perspectiva de afetividade com aquele primeiro,cujo, este territrio se encontra absorvido, alm de recursos naturais que garantema manuteno da vida dessas comunidades, concentrado tambm de valores

    simblicos e espirituais responsveis pela formao da identidade destes povosenquanto seres tradicionais. Portanto, partindo das palavras de Rogrio Haesbaert(2004), territrio para essas sociedades deixa de ser definido como um princpiomaterial de apropriao, e passa a ser estabelecido como:

    um princpio cultural de identificao, ou, se preferirmos, de pertencimento. Esteprincpio explica a intensidade da relao ao territrio. Ele no pode ser percebidoapenas como uma posse ou entidade exterior sociedade que o habita. uma par-cela de identidade, fonte de uma relao de essncia afetiva ou mesmo amorosa aoespao (HAESBAERT, 2004, p.72).

    A partir dessa relao de essncia afetiva e at mesmo amorosa com o espaoterritorial em que se encontram essas comunidades tradicionais, que o trabalho no o trabalho como mercadoria evidente na sociedade capitalista vai ocorrerde forma harmoniosa quanto disponibilidade de recursos do meio, garantindouma sustentabilidade destes, assim sendo, e de acordo com Dasmann (1989)apud Diegues (1998, p.81) estes povos vivem em simbiose com os ecossistemase conseguem viver, por longo tempo pelo uso sustentado dos recursos naturais;por outro lado, aquela outra sociedade, baseada no modo de produo capitalistaperceptvel pelo modelo (des)envolvimentista da empresa Fibria, so sociedadesinterligadas a uma economia global, de alto consumo e poder de transformao da

    natureza, causando grande desperdcio de recursos naturais.Portanto, o trabalho e as atividades produtivas realizadas pelas sociedades

    tradicionais um combinado entre as formas materiais e peculiaridades simblicasdestes grupos com o territrio. Desta maneira:

    o trabalho que recria continuamente essas relaes rene aspectos visveis e invisveis,da porque est longe de ser uma realidade simplesmente econmica. Nas sociedadesditas tradicionais [...], o trabalho encerra dimenses mltiplas, reunindo elementostcnicos com o mgico, o ritual, e enfim, o simblico (DIEGUES, 2000, p.167).

    Percebe-se dessa maneira que as distintas percepes sobre o territrio e as

    respectivas formas de uso dos recursos disponveis, tanto pelo sujeito hegemnico,quanto pelo sujeito hegemonizado, acabam por ocasionar uma srie de conflitos quedizem sobre as demarcaes territoriais, e que, indubitavelmente, estas mesmoque no estejam sendo respeitadas - fazem referncia aos direitos das comunidadestradicionais que l se inserem. Assim sendo, e de acordo com Antnio Carlos Diegues(2000) quanto luta pela terra por esses povos:

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    Enzo da Silva Zanotti5059

    A reivindicao maior o reconhecimento e demarcao de suas terras. Campo deluta no qual se movimentam com aes de duplo sentido: afirmao identitria ereconhecimento legal das terras herdadas dos ancestrais. [...] O territrio funda-mental reproduo de sua existncia e a manuteno de sua identidade (DIEGUES,2000, p.178).

    De fato, o que se percebe na regio de Aracruz sobre o conflito existente,assim como em todo o mundo, a continuidade do modelo econmico (des)envolvimentista que beneficia apenas uma minoria da elite empresarial. Esse debate de extrema importncia tendo em vista as consequncias desse modelo comocausador de srios impactos socioambientais conforme j relatados anteriormente,alm de que, muitas dessas empresas (des)envolvimentistas como a prpria Fibria,possuem, inacreditavelmente, o selo de certificao da FSC que se diz promover ummanejo florestal adequado, contribuindo para sustentabilidade local.

    O SELODEINSUSTENTABILIDADE

    A partir da dcada de 1960, nunca se falou tanto em desafio ambiental tendoem vista o vasto processo de dominao e devastao da natureza como vem sendoacompanhado. fcil perceber tambm que estes processos vm caminhando ladoa lado com o fenmeno da globalizao e o respectivo modelo (des)envolvimentistaque este aplica em todo o mundo. Neste sentido, e de acordo com a viso liberal ecapitalista:

    Desenvolvimento o nome-sntese da ideia de dominao da natureza. Afinal, serdesenvolvido ser urbano, ser industrializado, enfim, ser tudo aquilo que nos afasteda natureza e que nos coloque diante de constructos humanos, como a cidade, como

    a indstria (PORTO-GONALVES, 2012, p.62).

    Neste contexto de desafio ambiental da poca, tem-se incio, em 1967,a Aracruz Florestal no Esprito Santo e os primeiros plantios de eucalipto, eposteriormente, em 1978, iniciam-se as operaes da primeira unidade industrial,intensificando todos os processos de impactos socioambientais que j vinhamocorrendo na regio. Apesar dos problemas ambientais comearem a ficar maisevidentes, o governo brasileiro, na busca pelo (des)envolvimento, ignorou aimportncia de uma melhor anlise destes problemas, assim como, de buscar novasalternativas para o alcance daquele, como fica evidente em tal situao expressa

    por Carlos Walter Porto-Gonalves (2012):

    emblemtica dessa situao a posio do governo brasileiro na reunio deEstocolmo, convocada pela ONU para debater pela primeira vez o meio ambiente,em 1972, quando afirmou que a pior poluio era a pobreza e, a partir da, convidavaa que se trouxesse o desenvolvimento por meio de investimentos no Brasil. pocadizia-se venham poluir o Brasil numa aceitao absolutamente acrtica de que o

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    desenvolvimento naturalmente est associado degradao ambiental o preoque se paga pelo progresso, aceitava-se (PORTO-GONALVES, 2012, p.63).

    A partir de certas preocupaes com o meio ambiente, que em 1992, ocorre aConferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD),mais conhecida como Rio 92. Esta, por ser considerada a maior conferncia sobre

    o debate ambiental, reconhecida tambm por envolver membros e entidades dasociedade civil organizada, movimentos sociais e ONGs. Estas ltimas vo recebergrande destaque pela forma de organizao e participao com grande poder deinfluncia - em debates diversos envolvendo membros de todas as esferas, comopoltica, privada, e sociais.

    Dentro deste contexto e trazendo o debate para a realidade da regio deAracruz ES, e a constituio, j percebida, do sistema-mundo moderno-colonial eo corolrio em que este (des)envolve de forma violenta sobre as culturas tradicionaise os recursos naturais, atravs da aliana entre a empresa Fibria e a ONG ForestStewardship Council (FSC), de forma atender movimentos e aes globais,contribuindo para a continuidade do processo de colonialidade.

    Nesta continuidade, e de acordo com as palavras de C.W. Porto-Gonalves(2012, p.324) no podemos continuar a chamar de no-governamentaisentidades que esto implicadas em programas de carter geopoltico explcitos,mais apropriado seria denominar estas entidades como organizaes neo-goverrnamentais, que apesar de no serem geridas pelo Estado, mantm fortesacordos e relaes a favor deste. Neste sentido, percebe-se uma perigosa sintoniaentre os Mecanismos de Certificao Florestal (MCF) como o prprio FSC, junto agrandes grupos empresariais do setor florestal, a exemplo da Fibria, que atuam em

    conjunto com a convico do Estado em prol de um (des)envolvimento lucrativopara estes trs sujeitos.Neste sentido, a Fibria da continuidade ao processo de devastao da Mata

    Atlntica, para realizar o plantio de eucaliptos, visando o prprio abastecimento.Como tentativa de uma melhor imagem a respeito desses monocultivos, osMCF como o prprio FSC, no diferenciam os termos florestas e reas plantadas,considerando os plantios de eucalipto como florestas. Desta forma, deve-se chamara ateno quanto aos perigos de inclurem na mesma classificao, coisas todessemelhantes como:

    Em chamar bosques s plantaes e em atribuir-lhes os mesmos benefcios sociaise ambientais que as florestas (quando) as plantaes de rvores em grande escalageram, comprovadamente, pobreza, aumentam as desigualdades, afetam a segu-rana alimentar, esgotam os recursos hdricos e os solos, e reduzem drasticamentea diversidade biolgica, para mencionar somente seus efeitos mais evidentes (VANDAM, 2003 apud PORTO-GONALVES, 2012, p.365).

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    Da mesma maneira em que, esses mesmos mecanismos de certificao nolevam em considerao a existncia e o modo de vida das comunidades tradicionais,que, segundo Carlos Walter Porto Gonalves (2012, p.365), por um longo processoshistrico, sabe-se que prticas (manejo) e valores culturais, foram responsveis pelacontinuidade de existncia dessas mesmas florestas at o momento.

    Alm disso, percebe-se que os MCF tentam por meio de discursos verdesgarantirem aos consumidores, que tais produtos que esto sendo consumidosso oriundos de plantaes com determinados critrios adequados a respeitode um suposto modo de proteo ambiental, de forma a conscientizar aos quecompram, que os produtos no foram obtidos de forma que causassem danos aomeio ambiente. Sendo assim, esse discurso, de acordo com Vieria (2012, p.98) nadamais que a sustentabilidade econmica (e no ambiental), de forma com quehaja a continuidade daqueles empreendimentos (des)envolvimentistas, e de modoconsequente, tambm, o encadeamento dos mltiplos impactos socioambientaisna regio de Aracruz ES.

    CONSIDERAESFINAIS

    Portanto, conclui-se dessa maneira que a racionalidade do sistema capitalistahegemnico subalterniza o modo de vida tradicional manifestado pelas comunidadestradicionais que vivem na regio de Aracruz ES, sobretudo e contraditoriamente,apoiado por ONGs que dizem zelar por um manejo ambiental correto e respeitoso,

    junto ainda com a convico do Estado. Apesar deste artigo se tratar de uma realidadeespecfica, este processo vem ocorrendo em todo o mundo.

    Percebe-se tambm que, h um desafio contemporneo em reconhecer os

    direitos ao territrio e a identidade desses povos, mesmo sabendo que esses somuitas vezes responsveis pela preservao da natureza atravs da sua reproduosocial e cultural. Desta forma, a trajetria de luta dessas comunidades tradicionaisfrente aos grandes projetos (des)envolvimentistas, demonstra a possibilidadede novas concepes de vida que no vo de acordo com a lgica capitalista deproduo, baseada na explorao da natureza e do trabalho humano. Mas que aslutas continuem em manter forte a questo do territrio em prol das comunidades,e que junto a novas parcerias, a continuidade destas se perpetue para o bem-estarsocioambiental da regio de Aracruz ES.

    REFERNCIAS

    ASSOCIAO DOS GEGRAFOS BRASILEIROS Seo Esprito Santo. Impactos da apropria-o dos recursos hdricos pela Aracruz Celulose nas terras indgenas Guarani e Tupinikim

    ES. Vitria. AGB-ES, maro de 2004.

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    CONAMA. Resoluo n 001/86, art. 1. Disponvel em: . Acesso em: 15/05/15.

    DIEGUES, Antonio Carlos SantAna (org.). Etnoconservao:novos rumos para a proteo danatureza nos trpicos. So Paulo: Hucitec, 2000. 290p.

    DIEGUES, Antonio Carlos SantAna. O mito moderno da natureza intocada . So Paulo:

    Hucitec, 2000. 169p.

    FSC. Forest Stewardship Council. Disponvel em: https://br.fsc.org. Acesso em: 12 mai. 2015.

    HAESBAERT DA COSTA, Rogrio. O mito da desterritorializao: do fim dos territrios multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

    IBGE. Banco de Dado Agregados. Cidades@. Disponvel em: http://www.ibge.gov.br. Acessoem: 10 mai. 2015.

    OBSERVATRIO DOS CONFLITOS NO CAMPO (OCCA). Relatrio de Identificao do Terri-trio de Uso Tradicional na margem direita da foz do rio Doce (Regncia, Linhares/ES).

    Universidade Federal do Esprito Santo. Ago. 2014. 93p.

    PORTO-GONALVES, Carlos Walter. A Globalizao da Natureza e a Natureza da Globali-zao. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2006. 461p.

    VIEIRA, Luiz Henrique. Os impactos socioambientais dos empreendimentos industriaisna comunidade de pescadores artesanais de Barra do Riacho Aracruz ES. 2012. 109f.Monografia. Universidade Federal do Esprito Santo, 2012.

    https://br.fsc.org/http://www.ibge.gov.br/http://www.ibge.gov.br/https://br.fsc.org/
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    ISSN.

    Online: 1980-4555

    DVD-ROM: 1980-4563

    USINA HIDRELTRICA DE TUCURU: UMOLHAR HISTRICO-GEOGRFICO

    SOBRE A APROPRIAO DOS RECURSOSNATURAIS DA AMAZNIA

    HYDROELETRIC POWER PLANT OF TUCURU: A VISIONHISTORIC-GEOGRAPHIC OF THE APPROPRIATION OF THE

    AMAZONS NATURAL RESOURCES

    Heitor de Souza CoraUniversidade Federal do Par

    [email protected]

    Carlos Augusto da Silva XavierUniversidade Federal do Par

    [email protected]

    Robson Cristiano H. RodriguesUniversidade Federal do Par

    [email protected]

    Resumo: Nose pode falar da histria da Amaznia nas ltimas quatro dcadas sem se levarem considerao os inmeros empreendimentos que visaram se apropriar dos recursosnaturais da regio sob os ditames de comandos exgenos. Dentre estes empreendimentosencontra-se a construo da Usina Hidreltrica de Tucuru, grande marco do referido perodo.

    Assim, objetivamos apresentar um estudo que salienta o carter histrico-geogrfico desteevento na regio do entorno de Tucuru, demonstrando de que forma ocorreram tais aes,com a finalidade de reordenar o territrio a fim de promover a apropriao dos recursoshidroenergticos, resultando em tenses sociais e objeto de diversas produes intelectuais.

    Palavras-Chave: Hidreltrica de Tucuru. Apropriao dos Recursos. Grandes Projetos.

    Article: Talk about of the amazons history in the last four decades cannot be made withoutconsiderate the countless projects who targeted appropriate the natural resources of theregion under the dictates of exogenous commands. One this projects it is de Hydroelectricpower plant of Tucuru, a big marc of the period. So, the objective is present a study whoemphasizes the historic-geographic character of this event on the region of Tucuru,

    demonstrating the form of the actions being occurred, with the finality of reorder the territoryto promote de appropriation of the hydroelectric resources, resulting in socials tensions andobject of many intellectual productions.

    Keywords: Tucurus Hydroelectric. Appropriation of Resources. Big Projects

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    INTRODUO

    O processo de transformao do espao amaznico com a instalao dosgrandes projetos ps-golpe militar de 1964 impactou de forma profunda e marcanteno territrio e nas relaes das sociedades tradicionais ribeirinhos, ndios, caboclos,

    etc com a natureza. Como modelo de desenvolvimento que se queria introduzir noBrasil, comeava-se, naquele perodo, por meio de uma srie de programas e outrasaes estatais, a preparar o territrio da Amaznia para a integrao produtiva aocircuito econmico nacional. Assim, dentre as primeiras aes do Estado, surge oPrograma de Integrao Nacional (PIN) e os Projetos Integrados de Colonizao(PICs), que por meio de um aparato discursivo, visava a relocao de contingentesde fora de trabalho para o grande espao vazio da Amaznia. O governo militarplanejava vrios projetos, a inteno era de desenvolver a regio amaznica eintegr-la ao resto do Brasil, partindo do pressuposto que haveria necessidade deocupar um espao to grande do territrio brasileiro que pouco habitado.

    Isto porque, alm de integrar a regio amaznica ao resto do territriobrasileiro, com estes projetos, os militares tambm pretendiam combater o problemahistrico dos conflitos no Nordeste referentes concentrao da terra. Nesteprograma havia projetos de integrao atravs de rodovias que ligariam a Amazniaas demais regies do pas como: Perimetral Norte, Cuiab-Santarm (BR-163), Belm-Braslia e a rodovia Transamaznica (BR-230) que ligaria a Amaznia desde o Acre,at o Litoral do Nordeste Brasileiro. Alm da integrao via rodovias, havia projetospara hidrovias ligando, no somente pontos da Amaznia brasileira, como tambm aligaria com as demais regies do Brasil e de outros pases da Amrica do Sul, atravsdo programa Grandes Lagos, construdo a pedido do governo brasileiro ao instituto

    HUDSON, empresa norte-americana privada, mas que mantm fortes vnculos como governo norte-americano.

    Os investimentos na explorao de minrios, existentes em abundncia emgrande parte da regio amaznica, atraindo ainda mais migrantes para constituir afora de trabalho local, respondiam a interesses de capital transnacional. H de seressaltar tambm o grande potencial hdrico na Amaznia, este que abriga a maiorbacia hidrogrfica do Brasil, alm deste potencial aos investimentos nos grandesprojetos, viu-se a necessidade, a oportunidade e a capacidade de aumentar aproduo de energia eltrica em todo o pas visto que a energia eltrica produzidana Amaznia, alm de fomentar a demanda industrial da regio Norte que estava

    sendo planejada, tambm levada para o Nordeste e para outros estados do Centro-Oeste e Sudeste a partir do potencial hdrico amaznico, e assim implantar usinashidreltricas nos rios que cortam a regio.

    O principal projeto, nesse sentido, foi a usina Hidreltrica de Tucuru, a maiorda regio e a segunda maior do pas em tamanho e capacidade de produo.

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    Este projeto ser o alicerce para captao de energia ao Programa Grande Carajs(PGC) dando abertura fronteira de expanso ao capital estrangeiro que traria odesenvolvimento econmico regio. A rea geogrfica abrangida pelo projetogrande Carajs (PGC) sofreu transformaes extremamente profundas nas trsltimas dcadas. Essas transformaes resultaram da presso no sentido de integrar

    a regio norte do pas dinmica econmica e poltica nacional gestada a partir dosnovos polos industriais do sul e centro-sul durante a dcada de 30.

    Contudo, essa expanso do uso do territrio pelo grande capital principalmente o estrangeiro penetra nas (antigas) relaes de poder e deInvestimento na regio, esconde e mascara as aes que o poder do Estadoassume para transformar um espao, que, segundo ele despovoado, frgil em suasfronteiras com os pases vizinhos (HBETTE, 2004, p. 74). Assim, lemas como terrassem homens para homens sem terra mostra como os povos locais no estavam noplano desenvolvimentista estado.

    Deste modo, este trabalho objetiva discutir a ao do poder do Estado no

    reordenamento do territrio, afetando diretamente as relaes socioespaciais dascomunidades e povos tradicionais da floresta amaznica, bem como as tensessociais desencadeadas entre estes e o Estado via empresa estatal (ELETRONORTE) esua relao com os afetados pela formao do lago da barragem da Usina Hidreltricade Tucuru e todos os processos que se encadearam para a concretizao destagrande construo. Esta obra teve grande impacto sobre o territrio e na relaodos povos locais com o ambiente, alterando no somente suas relaes com o lugar,mas com novos habitantes que eram atrados pelos atrativos Projetos Integradosde Colonizao ou que migraram espontaneamente, visando tentar a sorte nessenovo espao de promessas, para povoar o territrio, causando assim animosidade

    e at conflito de fato entre as velhas e as novas territorialidades que localizam-se noentorno da barragem seja nas cidades ou na floresta propriamente dita. Da resultaa crescente violncia no campo, a perseguio e a morte violenta dos camponeses,que, por sua vez, estimulam a resistncia organizada destes. Da resulta tambma degradao ambiental provocada pela agropecuria extensiva e pelas recentesformas de industrializao em detrimento da frgil ecologia e do bem-estar damaioria da populao.

    Para a concretizao deste trabalho foram consultados livros e artigos a fimde efetuar a coleta de informaes e dos dados relevantes para a sua concretizao,com posterior organizao dos mesmos e consequente realizao de um estudoqualitativo do caso em questo.

    CONTEXTOGERAL

    A partir do contexto da Guerra Fria e da crise do petrleo no incio dos anos1970, o Brasil d incio a um projeto de auto sustentao energtica, para fortalecer e

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    assim manter o crescimento da indstria brasileira, como tambm, e principalmente,para atrair para o Brasil a indstria de eletro-intensivos (extrao e processamento deferro, alumnio e outros minrios). Assim, surge como um dos projetos de integraoe desenvolvimento da regio amaznica, a construo de uma usina hidreltrica,em Tucuru, garantindo energia para as indstrias do sudeste e para os grandes

    projetos principalmente os de cunho minerador de integrao da Amaznia.Em um cenrio em que a energia eltrica produzida no estado, em sua grande

    maioria provinha de usinas termeltricas, a usina de Tucuru foi vista com grandepossibilidade de reduo de gastos. Apenas Belm produzia diariamente 234 milKW de energia, consumindo 600 toneladas de leo combustvel (FuelOil) por dia,totalizando um gasto de 100 mil dlares. Com a substituio da energia trmica pelahidrulica pde-se economizar mais de 40 milhes de dlares por ano.

    Porm outro entrave foi a quantidade de energia que seria necessria paraque as fbricas funcionassem. Assim, defende Pinto (1982, p. 18) que:

    O governo considerou aumentar a capacidade de produo de Tucuru quatromilhes de KW em uma primeira etapa, com 12 maquinas, e o dobro aps outrosrepresamentos que viriam a ser feitos no [rio] Tocantins , ainda que elevando oscustos (para at quatro bilhes de dlares), mas ter uma super oferta de energia,capaz de transformar a regio num dos maiores centros mundiais de produo dealumnio e extrao de bauxita.

    Dentre os projetos de desenvolvimento do PIN para a Amaznia esto aAlbrs, indstria criada pelo governo brasileiro para extrao de matria-prima paraa produo do alumnio, que era um dos principais produtos das grandes indstriasinternacionais, que demandavam cada vez mais alumnio, conforme as revolues

    da tcnica avanavam, e a Alunorte, responsvel pelo beneficiamento da matriabruta. Mas para isso, era necessrio todo um aparato para a extrao da bauxita, atransformao da bauxita em alumina e ento a produo do alumnio. Grande parteda tecnologia foi fornecida pelo Japo, pas que naquele momento j apresentavaum acentuado desenvolvimento econmico e cientfico.

    Com j foi citado, ao lado do aparato tecnolgico, era tambm demandadoum grande potencial energtico para a concretizao de tais projetos dedesenvolvimento. Para tanto, existia tambm no mbito do PIN um projeto deproduo energtica para abastecer as indstrias mineradoras e alguns municpiosprximos regio do municpio de Tucuru, em que seria instalada aquela que

    atualmente a maior hidreltrica totalmente brasileira em potencial energtico.No entanto, o que se viu foi a construo de uma imensa obra com um cartermonopropsito (a gerao de eletricidade para determinados agentes) deixandooutros fins de lado e visando atender objetivos meramente setoriais e, ainda porcima, externos a realidade onde se implantou.

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    Eixo de Trabalho: Apropriao da natureza, acumulao e contra hegemonias nos pases do sul.USINA HIDRELTRICA DE TUCURU: UM OLHAR HISTRICO-GEOGRFICO...

    Carlos Augusto da Silva Xavier | Heitor de Souza Cora | Robson Cristiano H. Rodrigues5067

    Assim, nem todas as comunidades do sudeste paraense foram contempladascom a construo da usina e o represamento do Rio Tocantins, o qual foi responsvelpelo alargamento de uma rea de 2850 km, incluindo, alm da rea indgena dastribos Parakan, Gavio da Montanha e Assurinis, tambm tiveram suas terrasalagadas toda a populao da jusante do rio nos municpios de Tucuru que teve

    55% de suas terras alagadas pelo lago, Jacund com 31% das terras alagadas, NovaIpixuna com 19%, Novo Repartimento com 15%, Goiansia do Par com 14%, BreuBranco com 10% e Itupiranga com 2% (Figuras 1 e 2), uma considervel quantidadede moradores do territrio submerso pela barragem recebeu indenizao medianterelocao ou em capital monetrio para comprar lotes ou casas em outros lugares,no entanto, esta no foi satisfatria.

    Figura 1: Limite poltico dos municpios atingidos Figura 2: Imagem de satlite da rea submersa

    Fonte: http//www.cidadedetucurui.com Fonte: http//MuseuvirtualdeTucuru.com.br

    Essa populao camponesa que fora remanejada de suas terras para aconstruo do lago e da barragem da usina no tinha nenhum interesse do capital

    sobre elas, haja vista que eram habitantes de baixssima renda e no poderiamconstituir um mercado interessante para absorver o produto da usina ofertado paraa populao (HBETTE 2004), sobretudo, porque a porcentagem de energia queno era destinado indstria mineradora era para abastecer cidades e municpios

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    maiores das redondezas e, principalmente, a capital paraense e outras cidades donordeste brasileiro.

    Os impactos desse grande projeto refletem muito bem as polticas dedesenvolvimento que eram apenas mais uma via de explorao dos recursos daregio visando lucro a curto prazo, segundo interesses geopolticos isto em

    detrimento da frgil ecologia e do bem-estar da maioria da populao. Da resultaa crescente violncia no campo, a perseguio e a morte violenta dos camponeses,que, por sua vez, estimulam a resistncia organizada atravs de sindicatos e outrasformas de organizao. Para Hbette (2004, p. 27), no menos trgica do que a doscamponeses porm diferente foi e de certa forma ainda a situao dosndios. O processo de integrao que desconhece os povos indgenas enquantoentidades ticas e culturalmente diferenciadas lutam atravs de lideranas indgenase organizaes de apoio, conseguiram da constituinte de reconhecimento de direitosfundamentais como a terra e a preservao da sua cultura. Para isso o ndio devesuperar um processo de subordinao ao qual foi submetido a partir do contato

    com o branco e que implica a relao de desigualdade no que se refere a deciso eaes que dizem respeito sua sobrevivncia (HBETTE, 2004, p. 26).

    Neste painel de conflitos, tenses e crises sociais, o estado tinha/tem papelimportante para controlar e arrefecer tais problemas, sem, no entanto, esquecerseu papel de garantir ao capital internacional e as empresas protagonistas desseprojeto, condies e situaes favorveis para dar continuidade aos processos de(re)produo e acumulao do capital.

    A CONSTRUODAUSINAHIDRELTRICAEOREORDENAMENTODOUSODOTERRITRIO

    A construo da hidreltrica de Tucuru se deu ocasionando profundasalteraes na dinmica estrutural da microrregio de Tucuru, de forma direta ouindireta, seja com a construo do referido empreendimento seja com a atraode fora-de-trabalho atravs de polticas de colonizao no mbito de planose programas lanados pelo governo da poca. A atividade predominante namicrorregio at a dcada de 1960 era o extrativismo da castanha-do-par, produtode grande importncia da regio e que ajudou a segurar a economia do Estado doPar, aps o declnio do ciclo da borracha.

    Em 1954, j haviam estratgias da Superintendncia do Plano de Valorizaoeconmica da Amaznia (SPVEA) que visavam a diversificao da atividade produtiva

    regional atravs de projetos agropecurios, florestais, energticos e minerais. Noentanto, esses projetos s foram colocados em prtica a partir de 1966 atravs doPlano de Integrao Nacional (PIN), Polamaznia e Programa Grande Carajs.

    Pode-se perceber que o Estado possua diversos mecanismos que agiammutuamente na produo e reorganizao do espao regional, sendo que podiamintervir direta ou indiretamente para tal objetivo.

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    Eixo de Trabalho: Apropriao da natureza, acumulao e contra hegemonias nos pases do sul.USINA HIDRELTRICA DE TUCURU: UM OLHAR HISTRICO-GEOGRFICO...

    Carlos Augusto da Silva Xavier | Heitor de Souza Cora | Robson Cristiano H. Rodrigues5069

    Tratando dos mecanismos indiretos, temos as medidas institucionais queproporcionavam novos padres de ocupao, concentrao populacional e at oesvaziamento do meio rural. Com a promulgao do Estatuto da Terra, 1964, o Estadointervm radicalmente na modificao do padro de ocupao regional, ignorandoas regras de propriedade existentes, com a abolio da existncia de terras comunais

    para a criao da propriedade privada.A instaurao de projetos de colonizao e de incentivos fiscais para o grande

    capital teve o propsito de estimular a aquisio da propriedade privada da terra, estadeveria possuir valor de troca para ser inserido no circuito capitalista de produo.

    Porm, aps 1974, esses projetos de ocupao foram praticamenteabandonados, quando o Estado passa a priorizar a iniciativa do grande capital e acriao de projetos agropecurios.

    Na situao do PIC-Marab, dados de 1973 mostram que 1.251 colonos,junt am en te com su as fa m li as , haviam si do se le cion ad os pa ra ob te remassentamentos e outros dados mostram que entre 1971 e 1974 foram assentadas

    cerca de 1.396 famlias, porm fatos comprovam que em 1973 apenas 644 famliashaviam sido assentadas.

    Em consequncia dos incentivos fiscais e concesso de crditos, comotambm o reconhecimento da propriedade, uma grande disputa por terras ocorreu,estabelecendo-se um confronto entre, de um lado, os interesses dos fazendeiros edo outro, o dos migrantes sem terras. Nesse contexto, possvel visualizar que osconflitos j ocorriam bem antes da construo da usina e a expropriao ocasionadapelos processos engendrados nos seus entornos tornam mais visvel ainda ainsuficincia do Estado em conter essas tenses iniciais e de prover auxlio a todosos clientes de seus projetos.

    A FORMAODORESERVATRIO, ADESESTRUTURAODOSESPAOSLOCAIS

    O perodo de construo da UHC/Tucuru, marcado entre 1975 e 1985,acarretou mudanas qualitativas no espao do Mdio Tocantins, estrutura espacialproveniente de um longo processo. Essas mudanas se deram a partir de fatoresdiretos, como a inundao de uma imensa rea, destruio do arranjo espacial edas territorialidades pr-existente e da reconstruo de uma estrutura espacialintrusa e desprovida de todos os valores e significados tpicos do lugar. Ocorre umasobreposio de territorialidades. A chegada de capitais monopolistas, provenientes

    de capitais nacionais ou estrangeiros, estabelece uma territorialidade baseada nocontrole fsico de acesso ao espao material segundo Sack (1986 apud HAESBAERT,2007) em contraste territorialidade das comunidades tradicionais correspondenteao espao vivido e construdo historicamente, dotado de uma relao afetiva ouamorosa ao espao. Tem-se na referida situao a chamada multiterritorialidade

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    contempornea intitulada por Haesbaert (2007), as quais possibilitam a intervenoe a vivncia simultnea de deferentes territrios ou territorialidades.

    De acordo com Rocha (2008, p. 134), a desconstruo da estrutura espaciallocal se deu em trs momentos:

    a) Um primeiro momento consiste no perodo em que foram tomadas as medidaspreparatrias para a formao do reservatrio, que [...] desmobilizaram as relaese prticas que se estabeleciam entre o Homem e a natureza. [...] 1975 a 1979; b) Umsegundo momento consiste no confronto poltico entre os expropriados e a ELETRO-NORTE, perodo [...] de 1979 a 1985. a poca em que so efetuadas as relocaesurbanas e rurais; c) Um terceiro momento corresponde ao enchimento do reservatrio,cuja implicao maior fora a destruio dos espaos construdos e da natureza, comgrande impacto sobre as comunidades de ribeirinhos, indgenas e pequenos produ-tores e nas relaes sociais entre sociedade local e natureza.

    Conforme outros atores chegavam a esse espao e iam avanando comsuas aes, ia ocorrendo a destruio das antigas territorialidades e uma completa

    desestruturao produtiva, social e econmica.A formao do lago teve como primeira consequncia o prejuzo vida local,

    atravs de um processo de desestruturao social e espacial. A rea inundadadesapropriou cerca de 10 mil famlias e submergiu 14 povoados ribeirinhos e ata antiga Estrada de Ferro Tocantins que servia o escoamento da castanha. Foramsubmersos tambm trechos do Projeto Integrado de Colonizao da rodoviaTrasamaznica e da BR 422, alm de uma rea de 2.600 km de florestas margeantesdo rio Tocantins.

    Percebe-se ento que as aes do Estado, na gesto do territrio, passama inviabilizar as atividades precedentes para o novo sistema, sem proporcionarcondies para a instalao de outra hidreltrica. Pode-se considerar ento queas aes estatais passaram, concomitantemente, a desestruturar e reestruturar oespao em questo, tanto no mbito econmico quanto no mbito das relaesque se davam entre os homens e a natureza.

    Na rea onde seria estabelecido o reservatrio da grande usina foramrealizados estudos discriminatrios para identificar as tipologias de indivduos queviviam em tal espao, e foi possvel reconhecer a existncia de terras pertencentes snaes indgenas dos Parakan e Pucuru; terras que possuam ttulo de aforamentoperptuo concedido pelo Estado e que proporcionavam o poder das oligarquias

    locais; e terras da Unio, ocupadas por posseiros. Com isso, alm de estudosrealizados entre 1974 a 1976 pela ELETRONORTE para chega-se ao conhecimentoda populao que seria afetada, esta que estava em territrios de municpios comoItupiranga, Jacund, Marab, So Domingos do Capim e Tucuru, foram realizadosestudos para tomar-se conhecimento das condies socioeconmicas da rea que

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    seria encoberta pelo reservatrio (cerca de 240.000 ha) para realizar o cadastramentodos ocupantes, posses e propriedades, a fim realoc-los.

    O critrio da empresa era extremamente inadequado situao dos queviviam localmente sob o regime de posse, fora as atividades ribeirinhas que sebaseavam no apenas ao espao de moradia. Havia uma relao com a natureza

    que independia do seccionamento do espao (ROCHA, 2008, p.139). Porm, osmodos de vida, as relaes socioculturais com a natureza e entre si eram coisas queno impediriam a apropriao da grande rea.

    Sobre a desapropriao e o processo de reassentamento, a ELETRONORTEalegava que se um nmero considervel de expropriados optasse pelo recebimentoda indenizao, nada justificaria um plano de realocao da populao presentena rea e que, do contrrio, se desejassem permanecer nas proximidades de seuantigo setor, uma srie de povoados e ncleos seriam construdos. Essas proposiesdeixam evidentes as preferncias da ELETRONORTE pela escolha da indenizaopor parte dos expropriados e que procurassem se estabelecer em outros lugares

    por conta prpria.Ao invs da criao de ncleos urbanos e rurais, a ELETRONORTE juntamente

    com a Ceat (responsvel pela distribuio e regularizao fundiria na poca) deuincio a um processo de discriminao dos ocupantes e de suas terras na reado polgono a ser inundado para a instaurao de uma poltica de indenizao,acompanhada pela ordem de paralizao imediata dos trabalhos desempenhadospelas populaes locais, medidas que geraram uma srie de descontentamentose consequentes confrontos entre os atingidos pela criao do reservatrio e aELETRONORTE.

    TENSESSOCIAISEMTUCURU

    As tenses comeam a se dar a partir de interesses divergentes, assim, cabe instncia poltica a gesto desses conflitos que tem como fator central a luta peloterritrio em perspectivas distintas. Sendo assim, o territrio do entorno de Tucuruser marcado por espacialidades diferenciadas, tempos diferenciados e intenesdiferenciadas.

    Assim, estabelece-se um confronto primeiro, entre a populao atingida e oEstado representado pela sua empresa, fruto do papel contraditrio entre a funode produtor e reprodutor que deveria exercer.

    Isso se deveu ao momento de crise que o Estado brasileiro vivia, noqual, alm de colocar em risco a concretizao da usina hidreltrica, abalou suacapacidade de reprodutor da fora de trabalho aumentando os custos sociais desuas aes e desencadeando descontentamentos que configuraram a organizaode movimentos sociais. necessrio deixar ntido, nesse momento, a falta desintonia entre todas as estratgias, intenes e procedimentos da implantao de

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    instrumentos tcnicos que reestruturaram o espao e desfazem a lgica organizativada comunidade local a fim de atender interesses exgenos sua rea de implantaoe com o compromisso mnimo em relao aos custos sociais que eram produzidos.

    Nesse sentido, o choque resultante dessas duas ordens provoca a emergnciade uma conscincia questionadora e reivindicadora, que busca a satisfao de toda a

    carncia resultante da insuficincia da participao estatal em suas vidas, ensejandoa coadunao de aes coletivas auto organizadas, que resultam em resistnciaspor parte da sociedade civil.

    So aes polticas coletivas que se do fora dos padres tradicionais dasrelaes polticas. Essas mobilizaes coletivas da sociedade civil tem uma notveldistino em relao organizao institucionalizada dos sindicatos, vistos que noconsideram apenas a esfera do trabalho, mas tambm todos os outros domnios davida cotidiana e diferenciados grupos sociais que se apresentam a partir de categoriasem detrimento da classificao econmica, incitando debates a respeito do direitoao uso da terra e cidadania.

    Assim temos o Movimento do Atingidos por Barragem, que representaa reao dos pequenos produtores que assistiram a destruio do trabalhoacumulado e perda seu de poder sobre o territrio e se organizaram no sentido derecompor as condies de produo e recuperar seus antigos modos de vida, indocontra a poltica de relocao e indenizao oferecida pela empresa organizadora.Tal movimento rene a populao atingida montante e jusante da barragem,unificando as formas de luta por um objetivo comum, a saber, a reconquista dosdireitos sobre o territrio e sua identidade enquanto grupo.

    No caso de Tucuru, a organizao da ao coletiva se fez presente a fim desuperar as deficincias no que se refere a vias de informao sobre as condies

    locais e de negociao validados socialmente pelo Estado, ficando a populaoencarregada de desenvolver estes recursos dos quais eram carentes. Com isso, aproposta que estava sendo levada a cabo pela ELETRONORTE, a qual pretendiafornecer apenas uma indenizao financeira, divergia dos anseios dos atingidospelo lago da usina hidreltrica, tanto que em 1979, na primeira mobilizao erarequerido, alm de uma poltica de relocao satisfatria, a relocao para um lugarque oferecesse condies iguais ou melhores e que oferecesse a possibilidadesde caa, pesca, coleta de produtos silvestres, enfim, que provesse recursos para areproduo da vida nos moldes estruturados pela sua cultura.

    Ainda em 1979, a ELETRONORTE define um plano de relocao e indenizaopara as famlias atingidas diretamente pelo empreendimento. No entanto, a empresadesconsiderou totalmente a preservao da relao dos habitantes com a terra ea reproduo do seu modo de vida, os desapropriando e realocando em vilas elotes rurais. vlido ressaltar que a poltica de relocao s era efetivada s famliasque tinham a posse legal da terra, ou seja, as famlias no proprietrias, mesmo

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    tendo a posse socialmente reconhecida, no teriam direito relocao, apenas indenizao.

    Nesse mesmo ano, uma grande rea j demandava ser inundada, fazendocom que a ELETRONORTE acrescentasse poltica de indenizao um adicionalajuda pecuniria se populao da rea que seria parcialmente inundada assinasse

    um termo de desistncia das reas que davam acesso Reserva Indgena Parakan,das localidades de Breu Branco, Remanso e da antiga Estrada de Ferro Tocantins.Com isso, em parceria com o ITERPA, a ELETRONORTE estabeleceu um projeto deconstruo de lotes ao longo do Rio Moju, estes que foram posteriormente suspensose substitudos por ajudas de construo. At 1981 essa poltica indenizatria persistiu,perodo que comportou imensos aportes migratrios, cujos indivduos que oscompunham ocuparam o entorno do lago em formao, as margens da PA 150,todos na microrregio de Tucuru. Devido isso, a empresa declarou que no haviaterras livres para abrigar os relocados, oferecendo a estes apenas: a relocao paraSo Flix do Xingu, ou desistir da alocao e contar com a indenizao financeira.

    Acompanhado do processo de reestruturao espacial veio a incapacidade do Estadode gestar e solucionar os conflitos provenientes de suas aes.

    Essa atitude da ELETRONORTE resultou numa mobilizao dessesexpropriados que por meio de abaixo-assinados e formao de comissescompuseram uma verdadeira frente de lutas que tomou rumo de Braslia em 1981,para em 1982 ser montado um acampamento em frente do Servio de PatrimnioImobilirio de Tucuru, possibilitando a organizao de uma primeira mesa denegociaes. Nesse momento, as reivindicaes se fundavam em quatro pontos:terra por terra; vila por vila; indenizao justa; e recuperao dos prejuzos (ARCA,1982). Com essas negociaes colocadas em aberto, foram iniciadas as construes

    dos loteamentos do Rio Moju e do ncleo urbano de Nova Jacund, oferecendoprecrias condies aos relocados, em sua maioria indivduos oriundos do trechode 170 Km da Transamaznica que j havia sido submerso e que continha uma partedo PIC Marab, o que desencadeou novas manifestaes, esta que reivindicavammelhorias no loteamento do Rio Moju e construes de escolas, fornecimento delotes de 100 ha e estradas vicinais de acesso ao loteamento.

    As presses fizeram com que a ELETRONORTE decidisse relocar os atingidosdo trecho do PIC Marab em terras que pertenciam reserva dos Parakan e aindainvestir na construo de ncleos urbanos, os quais seriam Novo Repartimento,Novo Breu Branco, Nova Ipixuna, Cajazeiras e Itupiranga entre 1983 e 1985. Porm,a transferncia dos atingidos para as novas habitaes antes do trmino das obrasderivou, no ano de 1983, num segundo acampamento em frente ao Servio dePatrimnio Imobilirio da ELETRONORTE com reivindicaes adicionais, sendo quea maioria correspondia ao no cumprimento de acordos anteriores. Um dos estopinspara essa segunda mobilizao se refere ao grande nmero de remanejados das

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    zonas rurais no terem sido assentados ainda, apesar de todos os ncleos urbanose loteamentos rurais.

    interessante notar que essas aes polticas coletivas vo alcanando umaescala cada vez maior, no se restringindo apenas escala local, suscitando debatesem Belm, entre 1984 e 1985, e fazendo com que outros sujeitos da sociedade

    tambm comeam a exigir pronunciamentos por parte da ELETRONORTE, comoAssociaes democrticas e empresrios.

    Um marco notvel desse momento o Movimento em defesa da Vida (MDV),que termina dando apoio e defendendo os expropriados no que tange os impactosambientais da construo da Usina Hidreltrica. Esse movimento requeria umposicionamento por parte da ELETRONORTE para os problemas sociais e ambientaisque o empreendimento estava provocando, alm de aes judiciais que com asquais objetivava a criao da Comisso Parlamentar de Inqurito e para a divulgaotanto nacional quanto internacional das denncias dos atingidos. Enquanto asescalas nacionais e internacionais iam tomando conhecimento do que ocorria em

    Tucuru, na escala local a tenso entre os expropriados e a ELETRONORTE aumentavasobretudo com a ao de foras militares sobre os acampamentos dos primeiros,levando a exaltao de nimos e ao conhecimento geral do despreparo da empresapara a soluo dos problemas resultantes.

    Diante desse quadro que ia tornando-se demasiado crtico, no ano de1985 surge a necessidade do estabelecimento de uma Comisso Interministerialformada por instncias administrativas superiores (ROCHA, 2008, p. 147), a qualvistoriou a rea atingida pelo reservatrio da usina e comps uma Comisso Mista formada por rgos como Celpa, Cosanpa e diversas secretarias aps a vistoriapara a preparao de um relatrio que procurava levantar os problemas sofridos

    pelos expropriados e buscar medidas que solucionassem os problemas existentes,resultando na demarcao de 643 lotes rurais e na abertura de 751 km de estradasvicinais. Ainda em 1985 foi criada uma comisso que teria a funo de organizar arelocao dos expropriados pela ELETRONORTE, estabelecendo-se um convnioentre esta e o Getat para implementar obras e prestar servios necessrios aosatingidos pelo reservatrio.

    No entanto, em 1987, j iniciado o funcionamento da Usina Hidreltrica deTucuru e com o j formado reservatrio hidrulico, outros problemas motivadores demobilizaes surgem, como: a cobertura vegetal em processo de putrefao gerouuma praga de mosquitos que inviabilizou o trabalho e moradia a sudoeste do lago,queda da qualidade piscosa, o que prejudicou os ribeirinhos. Vale ressaltar que osmovimentos ocorridos a partir desse momento j no tinham tanta fora como antes.

    Foge dos limites desse trabalho elucidar as mobilizaes a partir dessemomento, justamente em virtude dessa perda de fora das mobilizaes.

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    Eixo de Trabalho: Apropriao da natureza, acumulao e contra hegemonias nos pases do sul.USINA HIDRELTRICA DE TUCURU: UM OLHAR HISTRICO-GEOGRFICO...

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    CONSIDERAESFINAIS

    O planejamento para a implantao de grandes projetos na Amaznia no sedeu sem contradies, pois estes se territorializam desterritorializando outros gruposat ento presentes nos espaos alvo gerando contradies de todos os nveis, seja

    sociais, econmicas e ambientais. No caso da construo da Usina Hidreltrica deTucuru, aps um longo planejamento, o que se viu foi a instalao de uma grandeconstruo monopropsito, que visava atender mais interesse exgenos do que dasprprias necessidades locais.

    Nesse contexto, como resultado do planejamento autoritrio por parte doEstado para a implantao do grande empreendimento teve-se desorganizaosocioambiental da microrregio de Tucuru com a lgica que desqualificavae descaracterizava culturalmente as populaes atingidas, alm da falta deplanejamento para a relocao com as populaes expropriadas de seus espaosde vivncia, como tambm falta de interesse para com estas.

    Assim, o que restou para os atingidos por esse grande enclave foi a mobilizaocoletiva a fim de ganhar visibilidade perante a sociedade e lutar pelos seus direitosignorados e usurpados por agentes monopolistas e pelo prprio Estado ao qual estosubmetidos. Logo, alcanar autonomia, reconhecimento e dignidade constitui-semais o produto de uma luta constante do que um direito garantido por lei.

    REFERNCIASBIBLIOGRFICAS

    ACSELRAD, H. Planejamento Autoritrio e Desordem Socioambiental na Amaznia: crnicado deslocamento de populaes em Tucuru. Revista de Administrao Pblica, Rio deJaneiro, RJ, v. 25, n. 4, p. 53-68. 1991.

    CASTRO, E. M. R. Resistncia dos atingidos pela barragem de Tucuru e construo de identi-dades. In: CASTRO, E. M. R.; HEBETTE, J. (Org.). Na trilha dos grandes projetos:modernizaoe conflito na Amaznia. Belm: NAEA/UFPA, 1989.

    HAESBAERT, R. Definindo territrio para entender a desterritorializao. In: _______. O mitoda desterritorializao:do fim dos territrios multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Ber-trand Brasil, 2004, p. 35-81.

    _____. Territrio e multiterritorialidade: um debate. GEOgraphia, Rio de Janeiro, RJ, v. 9, n.17, p. 19-46. 2007.

    HBETTE, J. O grande Carajs: um novo momento da histria moderna da Amaznia paraen-

    se. In: CASTRO, E; HBETTE, J. Na trilha dos grandes projetos:modernizao e conflito naAmaznia. Belm: NAEA/UFPA, 1989, p. 7-40.

    _____ A reconstruo do espao perdido no entorno da barragem de Tucuru. Cruzando afronteira: 30 anos de estudos do campesinato na Amaznia, v. 3. Belm: EDUFPA, 2004, p.31-55.

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    JATOB CARAMELO, S. U.; CIDADE, L. C. F. Gesto do territrio e conflitos ambientais na re-presa de Tucuru na Amaznia brasileira. Polgonos. Revista de Geografia. Salamanca, ESP,v. 14, p. 53-77. 2004.

    OLIVEIRA, A. U. O PIN, o RADAM, o INCRA e o PROTERRA: as estradas o levantamento dosrecursos minerais e a contra reforma agrria do Estado militar. In: _______. Integrar para

    no entregar: polticas pblicas e Amaznia. Campinas: Papiros, 1988.ROCHA, G. M. Todos convergem para o lago:hidreltrica de Tucuru, municpios e territriona Amaznia. Belm: NUMA/UFPA, 2008.

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    ISSN.

    Online: 1980-4555

    DVD-ROM: 1980-4563

    ESTRATGIAS DE SUBORDINAO DOCAMPESINATO AO CAPITAL NA AMAZNIA:

    IMOBILIZAO, CONTROLE E GESTODO TERRITRIO

    Luiz Henrique Gomes de Moura1

    Doutorando em Geografia (IESA/UFG)

    Diogo Loibel Sandonato2

    Mestrando em Geografia (UFF)

    Manoel Calaa3

    Universidade Federal de Gois

    Resumo: Em sua etapa contempornea, o capital intensifica sua acumulao atravs denovas formas, dentre elas o chamado Capitalismo Verde. Utilizando-se do discurso de criseambiental, ideologicamente construdo, o capital reduz a complexidade das interaesmetablicas ser humano-natureza a sistemas metrificados e traduzidos em toneladas decarbono, ao mesmo tempo em que intensifica suas formas clssicas de acumulao. Esteartigo analisa a materializao desta possibilidadede avano do Capital a partir do estudodo Sistema de Incentivos dos Servios Ambientais SISA do Acre e sua relao com amodernizao conservadora da agricultura naquele estado, destacando a cadeia produtivada madeira. Chegou-se concluso que as polticas de mercantilizao e financeirizao danatureza produzem dois movimentos distintos de territorializao do capital: i) imobilizam/controlam a gesto dos territrios camponeses; ii) modernizam os territrios camponeses a

    partir de sistemas de integrao campesinato-indstria, em diferentes cadeias produtivas, aomesmo tempo em que modernizam a tecnologia e os meios de produo do latifndio arcaicoacreano, fundamentalmente pecuaristas e seringalistas. Esse processo gera conflitos internoss comunidades camponesas e indgenas e, fundamentalmente, destas com projetos tantode imobilizao/controle do territrio, quanto de expanso do agronegcio e do latifndio.

    Palavras-chave: Capitalismo Verde. SISA. Manejo Florestal Comunitrio. Acre.

    Abstract: In a contemporary stage, the capital intensifies the accumulation through newforms, among then, the called Green Capitalism. Using the environmental crisis speech,ideologically constructed, capital reduces the complexity of metabolic interactions humanbeing - nature to metrical systems and translated into tons of carbon, at the same time that

    1 Membro dos grupos de pesquisa Ncleo de Estudos e Pesquisas em Geografia Agrria e DinmicasTerriroriais (NEPAT) e Modos de Produo e Antagonismos Sociais (MPAS). Agradeo CAPES, ao CNPq e UFG pelo apoio pesquisa.

    2 Membro do Laboratrio de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades (LEMTO).3 Doutor em Geografia pela UNESP, Coordenador do Ncleo de Estudos e Pesquisas em Geografia Agrriae Dinmicas Territoriais (NEPAT)

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    intensifies classical forms of accumulation. This article analyzes the realization of this possibilityof Capital advancement from the Acre Environmental Services Incentives System - SISA study and the relationship with a conservative modernization of agriculture in that state,highlighting a productive chain of wood. It is possible to conclude that the commodificationand financialization of nature policies produce two distinguished movements of capitalterritorialization: i) immobilize / control the management of peasants territories; ii) modernize

    the peasants territories from peasants-industry integration systems, in different productivechains, at the same time that they modernize the technology and means production of Acreanoarchaic landowners, mainly farmers and rubber tappers. This process generates internal conflictat peasant and indigenous communities and, most importantly, these projects with both latch/ control of the territory, and the agribusiness expansion and landlordism.

    Palavras-chave: Green Capitalism. SISA. Community Forest Management. Acre.

    INTRODUO

    O conceito de metabolismo parte da reflexo marxiana da interao entre serhumano-natureza, onde o trabalho o mediar das trocas materiais entre os sereshumanos, sua natureza interna e a natureza externa a eles (FOSTER, 2005). Com oavano do capitalismo industrial, engendrou-se uma ruptura deste metabolismo,devido organizao geogrfica capitalista cidade-densidade demogrfica e campo-vazio demogrfico. Este processo levou a humanidade a mltiplos movimentos decoliso com as condies naturais dos territrios, regies e pases, forjando umasrie de contradies ecolgicas nas distintas escalas.

    Em sua etapa contempornea, o capitalismo monopolista, hegemonizadopelo capital financeiro, deflagra novas formas de intensificao do seu processo

    de acumulao. Uma destas o que chamamos Capitalismo Verde, uma etapaposterior do Desenvolvimento Sustentvel que atualmente recebe o nome oficialde Economia Verde.

    Utilizando-se de um discurso de crise ambiental planetria ideologicamenteconstruda o Capital est desenvolvendo novos parmetros para sua reorganizaoprodutiva como o equivalenteCarbono transformando os ltimos redutos dometabolismo ser humano-natureza, com sua profunda complexidade, em sistemasmetrificados e traduzidos em toneladas de carbono, ao mesmo tempo em queintensifica suas formas clssicas de acumulao.

    Este artigo analisa a materializao destapossibilidadede avano do Capitala partir do estudo do Sistema de Incentivos dos Servios Ambientais SISA doAcre e sua relao com a modernizao conservadora da agricultura naquele estado,principalmente com foco no Manejo Florestal Comunitrio. Os autores realizaramtrabalho de campo, com entrevistas e visitas in loco, e anlise de documentao ebibliografia correlata.

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    Eixo de Trabalho: Apropriao da natureza, acumulao e contra hegemonias nos pases do sul.ESTRATGIAS DE SUBORDINAO DO CAMPESINATO AO CAPITAL NA AMAZNIA:...

    Luiz Henrique Gomes de Moura | Diogo Loibel Sandonato | Manoel Calaa5079

    LUTADECLASSESEQUESTOAGRRIANOACRE: BREVESNTESEENTRE1980 A2014

    A luta popular dos seringueiros promoveu uma inverso da lgica deapropriao capitalista construda pelos agentes hegemnicos entre as dcadas de1970 e 1980. Por meio dos empates3, e, posteriormente, pela grande capacidade de

    articulao poltica desse segmento da classe trabalhadora, conseguiu-se reduzir aexpanso da pecuria e criar processos fundirios totalmente inovadores, como asReservas Extrativistas. Segundo Paula e Silva (2008, p.88).

    a natureza deixaria de estar subordinada aos interesses imediatos dos capitais privadose passaria a ser incorporada como um bem pblico, cuja utilizao deveria levar emconta tanto as demandas sociais das populaes da regio, quanto as preocupaesmais abrangentes acerca da importncia da conservao daquela paisagem para oplaneta

    fundamental compreender que a chegada ao poder, em 1998, da

    coligao liderada pelo Partido dos Trabalhadores (Frente Popular do Brasil) no necessariamente a chegada das mesmas organizaes populares nascidas no seiodo embate da luta de classes na dcada de 1980. O governador eleito, Jorge Viana,teve sua formao poltica e tcnica forjada em outras esferas, sempre com transitona capital federal e nas articulaes polticas em nvel nacional. Recm-formado emengenharia florestal na Universidade de Braslia foi logo alado ao cargo de diretorna Fundao de Tecnologia do Acre (FUNTAC), no governo de Flaviano de Melo(1987-1989).

    Portanto, o histrico do grupo poltico que estava frente da Frente Populardo Brasil possua proximidade muito maior com os setores ambientalistas e tcnicos

    do que com os movimentos sociais. Vejamos que, enquanto o movimento dosseringueiros se colocava contrrio extrao de madeira das recm-criadas RESEXs(PAULA, 2005), a FUNTAC, ainda com Jorge Viana como diretor, desenvolveu umprojeto pioneiro em parceria com a International Tropical Timber Organization (ITTO)visando o manejo florestal (ELLER; FUJIWARA, 2006), o que resultou, ainda em 1988na criao da Floresta Estadual do Antimary (FEA).

    Essa perspectiva histrica permite compreender a matriz poltico-ideolgica-econmica das polticas pblicas e do planejamento estatal que ser criado pelossucessivos governos do Partido dos Trabalhadores at a presente data. Entendemosque a vitria dos seringueiros no final da dcada de 1980, com a criao das RESEXs,

    imps uma necessidade de reorganizao da territorializao do capital, queencontra sua forma acabada justamente no governo da Frente Popular, por meio daspolticas de desenvolvimento sustentvel. Como afirma Aquino et al. (2011, p.110):

    3 O empate foi uma estratgia desenvolvida pelos seringueiros do Acre para impedir o desmatamentodos seringais pelos fazendeiros aps a quebra do monoplio da borracha e a falncia do sistema de avia-mento, e evitar a desarticulao do modo de vida seringueiro.

  • 7/25/2019 Singa GT12 Final

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    5080VII Simpsio Internacional de Geografia AgrriaVIII Simpsio Nacional de Geografia AgrriaJornada das guas e Comunidades Tradicionais

    A partir dos anos de 1990, com grande orientao da poltica internacional, propostasalternativas de desenvolvimento regional, comearam a ser implementadas, incluindonovas atividades econmicas na Amaznia, caracterizadas como modelos de sus-tentabilidade. Uma dessas novas estratgias foi o manejo florestal, que passa a serempregado como um dos modelos sustentveis para reduzir a degradao ambientale melhorar a qualidade de vida das populaes locais.

    Assim, em articulao com os interesses internacionais (ONGs transnacionais,fraes capitalistas do setor de madeiras e do capital financeiro ligado financeirizaoda natureza por meio de crditos de carbono), a Frente Popular empreendeu umaprofunda reestruturao do Estado, dinamizando setores econmicos ligados fraes da elite local e nacional, conforme apresentaremos ao longo deste trabalho.

    Em nvel institucional, ocorreram duas frentes de ao. No campoadministrativo, a questo florestal foi elevada como prioridade. No primeiro mandatodo governo Jorge Viana criou-se a Secretaria Executiva de Floresta