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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU CONCEPÇÕES DE CURRÍCULO E SUAS INTER- RELAÇÕES COM OS FUNDAMENTOS LEGAIS E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS Por: Danielle de Souza Reis Orientadora: Profa. Geni Lima Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO

“LATO SENSU

CONCEPÇÕES DE CURRÍCULO E SUAS INTER-RELAÇÕES COM OS FUNDAMENTOS LEGAIS E AS

POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS

Por: Danielle de Souza Reis Orientadora: Profa. Geni Lima

Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO

“LATO SENSU”

CONCEPÇÕES DE CURRÍCULO E SUAS INTER-RELAÇÕES COM OS FUNDAMENTOS LEGAIS E AS

POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS

Apresentação de monografia ao

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE -

Universidade Cândido Mendes - como

requisito para a obtenção do grau de

Especialista em Administração e

Supervisão Escolar.

Por: Danielle de Souza Reis Orientadora: Profª. Geni Lima

Rio de Janeiro 2010

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AGRADECIMENTOS À profa. Geni Lima, não só pelo auxílio neste difícil caminho rumo

à pesquisa e concretização destas folhas que se seguem, mas também pelo

ombro amigo que acalentou e confortou a mim e aos colegas, nos momentos

de fraqueza e desestímulo.

Aos professores do IAVM e aos companheiros de turma, que

tornaram o conhecimento mais prazeroso, os encontros mais enriquecedores e

fizeram possíveis amizades para além do curso.

Aos familiares, que tanto incentivaram, contribuindo para o meu

crescimento intelectual, não me deixando esmorecer diante dos desafios,

ajudando, pois, a tornar real a obtenção do grau de Especialista em

Administração e Supervisão Escolar.

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DEDICATÓRIA

À Deus,

Que permitiu a realização deste projeto que há tanto tempo almejava.

À minha mãe, Mara,

que já não se encontra neste mundo, mas que sempre lutou para que eu

estudasse; e onde esteja, tenho certeza de que me iluminou por todo o

caminho.

Ao meu pai e minha irmã Jéssica,

que sempre me encorajaram a seguir em frente.

Ao meu namorado, João Marcos,

pessoa amiga, que me deu força durante todo o curso, com palavras e atitudes

que me alavancaram rumo ao título de Especialista.

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RESUMO

Os sentidos tão variados atribuídos ao que se convencionou chamar, em

muitas partes do mundo, a partir do Século XX, currículo, estão relacionados

à determinadas formas de pensar a função social da escola e à própria

origem do termo. As teorias pedagógicas ocupam-se, entre outras dimensões

da atividade educacional, em refletir e indicar intervenções também na área

da administração escolar. Nesta perspectiva, encontra-se o currículo como

instrumento hoje visto em destaque.

O termo passa a designar aspectos fundamentais do planejamento e

organização da atuação pedagógica nas instituições escolares, o que propicia

o surgimento do campo teórico de currículo, o qual sinaliza os princípios

subjacentes ao modo de organização curricular, que conseqüentemente

estão relacionados àquelas abordagens teóricas.

É possível, pois, fazer uma sistematização histórica pela construção

deste termo polissêmico, relacionando-o aos processos que a ele estão

agregados, tais como legislações educacionais, documentos nacionais e

internacionais e diretrizes curriculares de modo geral.

Neste longo caminho até a sanção da nova LDB, em 1996, acontecem

muitas e profundas mudanças. É imposto um desafio ao sistema escolar: ficar

inerte a estas transformações ou tentar se adequar ao novo?

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................7

CAPÍTULO I.........................................................................................................9

DIFERENTES CONCEPÇÕES CURRICULARES

CAPÍTULO II .....................................................................................................18

A TEORIA CRÍTICA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO

CURRÍCULO

CAPÍTULO III.....................................................................................................24

MUDAM OS GOVERNOS, MUDAM AS IDÉIAS BASILARES...

CONCLUSÃO....................................................................................................38

ÍNDICE...............................................................................................................41

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INTRODUÇÃO

Discutir o que seja currículo incorre em entrar em várias questões como:

conhecimento, cultura e poder; os quais o permeiam, sejam aqueles ocultos, ou

explícitos, oficiais ou alternativos, inflexíveis ou tornados flexíveis. Isto porque o

docente atua com as regras em jogo: ou sendo mero participante, ou

revertendo sua lógica, de acordo com suas crenças, expressando valores

muitas vezes obscuros, os quais não são contemplados pelos currículos

oficiais, sejam tais valores comportamentais, políticos e/ou pedagógicos.

Ou seja, o professor possui uma liberdade ambígua, sempre partindo do

que está pré-estabelecido, afinal, existe um saber inquestionável que deverá

fazer parte do pensar das pessoas, pois a Escola é o lugar da transmissão dos

conhecimentos acumulados e validados pela ciência, constituindo-se estes

como de suma importância.

Estes conhecimentos de suma importância, no entanto, são

contextualizados. Os governos, por exemplo, definem as idéias basilares que

devem nortear o rumo da educação em função das mudanças que julgam

relevantes.

Não se pode mais pensar em currículo como uma construção

meramente técnica, de procedimentos e métodos. Existe uma tradição crítica

do currículo, norteada por questões sociológicas, políticas e epistemológicas.

Desta forma, pensar neste artefato social só faz sentido quando se pergunta o

“por quê” de tal ou qual organização do conhecimento escolar, e, ainda, quê

conhecimento validado é esse, quais conhecimentos são excluídos, para quem

é destinado o conhecimento e para quê.

A organização dos conteúdos, por sua vez, é determinada por meio de

princípios lógicos. Estes podem variar entre os psicológicos e os

epistemológicos, dependendo da Teoria pedagógica à que se filiem, mas

sempre buscando relação entre o antecedente e o conseqüente.

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Ao se falar em grade curricular, por exemplo, é possível perceber a

imposição de limitações que impedem a flexibilidade, pela qual perpassou a

educação brasileira, pautada em uma legislação ortodoxa.

Este trabalho tem por finalidade, pois, fazer um estudo do que seja

currículo, relacionando-o aos fatores que influenciam na sua constituição,

fazendo com que determinadas disciplinas sejam mais valorizadas,

incorporadas ou abolidas ou, ainda, de qual ou tal forma é definido o que seja

conhecimento, bem como qual maneira trabalhar com este.

Tudo isto, subjacente, é claro, às legislações educacionais, documentos

nacionais e internacionais e diretrizes curriculares, enfim...

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CAPÍTULO I

DIFERENTES CONCEPÇÕES CURRICULARES

A Escola é a instituição que possui, por excelência, dentro de uma

sociedade, as funções de socialização, formação, geração e propagação do

conhecimento. O caminho pelo qual percorrerão as pessoas constitui o que se

convencionou chamar, em muitas partes do mundo, a partir do Século XX,

currículo. Ou seja, o termo passa a designar aspectos fundamentais do

planejamento e organização da atuação pedagógica nas instituições escolares.

Nele estão presentes os saberes selecionados e o grau de importância

dos mesmos, através da carga horária. A escolha dos conteúdos, por sua vez,

não é e nem pode ser vista como uma ação meramente técnica e

despretensiosa. É um processo inter-relacionado a muitos aspectos.

Os conhecimentos são organizados de acordo com os propósitos da

sociedade, com as orientações oficiais e com as intenções da escola para o

desenvolvimento.

Os profissionais da educação não podem ser meros espectadores deste

processo. É importante refletir e ter conhecimento da profundidade deste tema.

A gestão do currículo, por exemplo, é uma das esferas de atuação da

gestão escolar, acompanhando desde as instâncias de regulação até o

acontecer do currículo no cotidiano da instituição.

Os sentidos tão variados atribuídos ao currículo estão relacionados à

determinadas formas de pensar a função social da escola e à própria origem do

termo.

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1.1 - A polissemia da palavra “currículo”

O conceito de currículo é de difícil definição, haja vista sua própria

etimologia. Currículo vem do latim curriculum, que possui vários sentidos:

corrida, lugar onde se corre, carreira, liça, hipódromo, carro usado nos jogos do

circo), proveniente do verbo latino currere (correr, enquanto verbo intransitivo;

percorrer, enquanto verbo transitivo).

Para além de sua curiosidade fonológica ou até filológica, permite-nos

verificar, por sua raiz etimológica, duas idéias centrais: a de uma totalidade

seqüenciada. Como propõe Macedo (2007), fazendo referência ao estudioso

português José Pacheco: “o lexema currículo, proveniente do étimo latino

currere, significa caminho, jornada, trajetória, percurso a seguir e encerra, por

isso, duas idéias principais: uma de seqüência ordenada, outra de noção de

totalidade de estudos”.

À diversidade semântico-etimológica da palavra, unem-se as diferentes

vertentes sócio-politicas-culturais. Ou seja, além deste termo polissêmico

veicular noções ambíguas e diversidade de sentidos, têm por base diversas

abordagens teóricas desde que em 1918 apareceu como título do livro de

Bobbit - The curriculum.

As concepções de currículo apresentadas pelas diferentes teorias

distinguem-se pelo enfoque que dão a diversos elementos, como a natureza

humana, a natureza da aprendizagem ou a natureza do conhecimento, da

cultura e da sociedade.

1.2 - As abordagens teóricas da constituição do campo

O currículo sempre foi visto como um meio importante para a

compreensão e organização do processo educativo, mesmo antes de se

constituir em objeto de estudo de uma especialização do conhecimento

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pedagógico. A própria definição de currículos nacionais e a busca de estudos

para orientar a prática educacional só vieram a surgir, entretanto, no final do

século XIX e no início deste, nos Estados Unidos, por meio de um tratamento

mais sistemático aos problemas e questões curriculares, por parte dos

educadores. Estas iniciativas e estudos configuraram o surgimento, em um

curto espaço de tempo, de um novo campo, campo teórico do currículo.

1.2.1 - As teorias tradicionais

Considerando-se o surgimento dos estudos curriculares nos Estados

Unidos da América, deve-se entender um pouco do contexto americano na

virada do século.

Após a Guerra Civil, no final do século XIX e início do XX, a economia

americana passou a ser dominada pelo capital industrial e o sistema de

competição livre que era prevalente passou a ser substituído pelo monopólio.

O processo de produção passou a ser mais socializado e mais complexo,

enquanto os procedimentos administrativos sofisticaram-se, assumindo-se

um cunho científico. Uma nova ideologia configurara-se com práticas e

valores do mundo industrial: cooperação e especialização. O sucesso na

vida profissional passou a relacionar-se com a trajetória escolar, para

alcançar “o sucesso”.

Industrialização e urbanização alteravam a homogeneidade rural. Os

imigrantes nas grandes metrópoles, com seus costumes e valores

ameaçavam a cultura e os valores da classe média americana (protestante,

branca, habitante de cidade pequena). Eis a Escola como instituição capaz

de ensinar, homogeneizando a cultura que agora estava em risco.

A escola poderia assumir este papel de manter um projeto nacional,

cultivando as raízes, através da adaptação das novas gerações às

transformações econômicas, sociais e culturais que ocorriam. O currículo,

mais do que qualquer outro instrumento poderia estabelecer este controle

social. A necessidade vocacional na Escola fez-se notar como resposta às

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novas necessidades da economia. Organizar o currículo e conferir-lhe

características de ordem, racionalidade e eficiência era indispensável.

Ao conceberem as escolas do sistema de ensino como empresas, os

primeiros teóricos elegem a “eficiência” como estratégia principal. Bobbit, em

1918, transfere o modelo de organização de Frederick Taylor para a escola,

que deveria agora funcionar de acordo com os princípios da administração

científica, necessitando, pois, do estabelecimento de padrões.

Em 1949, este modelo adquire hegemonia no campo curricular norte-

americano e influencia o Brasil. Ainda que hegemônica, essa concepção

encontra como contraponto teóricos considerados progressistas. John Dewey

é o grande representante e influenciador dos estudos que defendiam a

elaboração de um currículo que valorizasse o interesse e experiências dos

alunos, mais voltada aos princípios democráticos.

Como sintetiza bem esta citação:

“tanto o modelo tecnocrático de Bobbitt e Tyler, quanto o progressista, de Dewey constituíram-se em rações ao currículo clássico, humanista, que priorizava o repertório das grandes obras literárias e artísticas das heranças clássicas grega e latina. Ambas as vertentes contestatórias ao currículo clássico surgiram no contexto da ampliação da educação de massas.”

(SILVA apud HIDALGO, 2008, p.48)

1.2.2 - As teorias críticas

As teorias críticas surgem já na década de 1960, com profundas

alterações nos fundamentos da teoria tradicional, que passa a ser

questionada com a emergência dos movimentos sociais e culturais mundiais

de contestação política e de denúncias ao capitalismo. Há um

questionamento político do papel da educação na sociedade.

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No momento inicial, entretanto, houve uma “ênfase na estrutura,

bastante associada ao nome de Jerome Bruner” o que “levantou críticas e

parece não ter contribuído, de fato, para a revolução pedagógica que se

pretendeu desenvolver a partir das propostas e reformas curriculares.”

(MOREIRA, 1995, p. 13)

Posteriormente, então, há uma mudança de fundamentação teórica como pode ser visto na citação de Moreira:

“o neomarxismo, a teoria crítica da Escola de Frankfurt, as teorias da reprodução, a nova Sociologia da Educação inglesa, a psicanálise, a fenomenologia, o interacionismo simbólico e a etnometodologia começaram a servir de referencial a diversos teóricos preocupados com questões curriculares.” ( ibid, p.14)

A partir desta perspectiva surgem diversas correntes, com o objetivo de

reconceituar o campo de estudo.

Com as denúncias formuladas acerca do caráter reprodutivista da

educação, iniciadas com Althusser (1983), passando por Bourdieu e Passeron

(1982) e Baudelot e Establet (1976), na França, assim como no interacionismo

simbólico, que via com outros olhos as trocas simbólicas realizadas pelos

indivíduos nas diversas práticas sociais, estudiosos de currículo se

organizaram em seus posicionamentos críticos.

Despontam como referencial teórico aos estudiosos da área do currículo o

neomarxismo, a teoria crítica da Escola de Frankfurt, as teorias da reprodução,

a nova sociologia da Educação inglesa, a psicanálise, a fenomenologia, o

interacionismo simbólico e a etnometodologia.

Na década de 1970, destacam-se dois fortes movimentos em torno do

currículo.

Um deles foi o movimento deflagrado por professores de universidades

americanas e canadenses, a exemplo de Michael Apple, Henri Giroux, William

Pinar, aos quais viria a se agregar Peter MacLaren e muitos outros. Pelo seu

propósito de reconceitualizar o currículo, introduzindo categorias críticas como:

poder, ideologia, reprodução cultural e social, classe social, relações sociais de

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produção, conscientização, emancipação e libertação, resistência. Esse

movimento teve grande repercussão mundial e sua ressonância se fez sentir

fortemente no Brasil.

A outra corrente que podemos distinguir é a que ficou conhecida como

“Nova Sociologia da Educação”. Esta refere-se basicamente ao neomarxismo,

à fenomenologia e ao interacionismo simbólico e confere grande importância à

análise dos processos de interação em sala de aula, como mostram os textos

veiculados pela obra pioneira intitulada “Conhecimento e Controle”, editada por

Michael Young na Inglaterra nos anos 1970. (MOREIRA, 1995).

Ou seja, os processos de acesso e distribuição da educação não

deveriam depender da análise da forma e conteúdo do currículo, pois se

partindo do pressuposto de que o conhecimento é socialmente produzido e por

conseqüência, estratificado nas instâncias de produção, distribuição e seleção,

o processo de seleção de conhecimentos curriculares é considerado como

definidor do fracasso ou do sucesso na escola. Por este motivo a grande

preocupação de Young em seus estudos iniciais é a forma como o

conhecimento chega à escola e ao aluno, criticando a distância que se verifica

entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento trabalhado pelo professor

em sala de aula, bem como as fronteiras arbitrárias entre as disciplinas do

currículo.

Esses dois movimentos, embora repletos de diferenças, tinham a mesma

compreensão de que nenhuma teoria é neutra e sim implicada em relações de

poder.

Tais enfoques, de acordo com a interpretação que conferem à

disciplinarização na escola, decorrentes da disciplinarização no campo

científico irão influenciar na organização curricular como será visto a seguir.

1.3 - As concepções de organização curricular

Neste momento, após ter sido realizado um panorama do campo teórico

de currículo, far-se-á uma breve passagem pelos princípios subjacentes ao

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modo de organização curricular, que conseqüentemente estão relacionados

àquelas abordagens teóricas.

LOPES (2008), faz um estudo histórico do currículo, através de seus

conceitos veiculados pelos teóricos aqui já mencionados focalizando a

questão da organização curricular, que nos três tipos de organização que

serão vistos neste capítulo, têm por base uma perspectiva integradora,

diferentemente da proposta da teoria crítica.

Esta autora considera a existência de três matrizes de organização

curricular, de acordo com o pensamento educacional clássico (visto aqui

como teoria tradicional): Currículo por competências, Currículo centrado nas

disciplinas de referência e Currículo centrado nas disciplinas ou matérias

escolares.

É importante ter em mente esta relação entre as teorias e a prática para

que este trabalho alcance seu propósito de dialogar entre o que dizem os

estudiosos e como se dá sua realização.

1.3.1 - Currículo por competências

Este tipo de currículo é pautado na tradição teórica de Bobbit, Charters e

Tyler, havendo em comum a estreita relação entre currículo e mundo produtivo,

visando à eficiência do processo educacional, que deve estar adequada aos

interesses da sociedade e ao controle do trabalho docente.

Nesta perspectiva, deve haver uma definição precisa dos objetivos a

serem implementados, estes normalmente são objetivos comportamentais.

Assim, desconsidera-se que os fins educacionais sejam estabelecidos no

desenvolvimento das atividades curriculares, por exemplo.

Há uma definição dos objetivos baseada em uma concepção empírico-

positivista de ciência, desta maneira permitindo a definição prévia de um

caráter comportamental do aluno, que é tido como expressão objetiva, sem

ambigüidades. É garantida assim a possibilidade de avaliação da eficiência do

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processo. Aetrutura curricular pode ser compreendida, nesta visão, como uma

forma de organização que

“...não tem centralidade no conhecimento e nas disciplinas escolares, pois estes são subsumidos às competências, às habilidades e às tecnologias a serem adquiridas pelos alunos. Ainda que muitas vezes as competências funcionem a serviço do ensino das disciplinas acadêmicas.

O currículo por competências tem por princípio a organização do currículo segundo módulos de ensino que transcendem às disciplinas. Cada módulo é organizado como o conjunto de saberes entendidos como necessários à formação das competências esperadas, podendo, inclusive, ter caráter de terminalidade parcial”.

(Macedo, apud LOPES, 2008, p.68).

Este tipo de organização favorece o atendimento às exigências do

mundo produtivo, ou a o menos, possui um enfoque instrumental.

1.3.2 – Currículo centrado nas disciplinas de referência

Não se pode precisar o período em que se desenvolveram os estudos deste

modo de organização curricular, mas pode-se afirmar que tem suas bases em

Herbart, sendo ampliada pelos trabalhos dos herbatianos americanos e dos

filósofos do currículo, Phenix, Hirst e Peters, atingindo seu auge em 1960, com

a primeira fase do pensamento de Jerome Bruner.

Este modo de organização é veiculado ao modelo de ensino tradicional.

“O maior objetivo da educação é a formação do caráter - um

empreendimento moral-, pelo desenvolvimento de um ser erudito,

capaz de fazer julgamentos sobre o certo e o errado. ... Instrução é

educação com objetivo de introduzir as crianças e os jovens naqueles

princípios éticos exemplificados pela conduta moral de grandes

figuras do passado.” (Ibid, p.69).

Em Hebert podemos ver como princípios de organização curricular: a

concentração (localizar uma disciplina como história ou literatura no interior do

currículo) e a correlação de todas as matérias. O autor herbatiano Garmo, por

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exemplo, defende ser a correlação das disciplinas escolares preferível à

concentração em uma matéria ou tópico, pois quando uma matéria é

subordinada a outra pode perder sua identidade.

Esta visão permanece nos dias de hoje, ao falar-se em

interdisciplinaridade, pois os herbatianos trabalham para estabelecer relações

entre as disciplinas escolares, não se limitado à sua compartimentação.

De formas distintas, mostram os autores Bruner e Hebert que o processo

de ensino deve transmitir aos alunos a lógica do conhecimento de referência.

“tanto para Hebert quanto para Bruner e para os filósofos do currículo, é do

saber especializado acumulado pela humanidade que devem ser extraídos os

conceitos e os princípios a serem ensinados aos alunos.” (LOPES,2008, p.72).

Pode-se fazer uma crítica a este tipo de perspectiva de ensino, pois a

identificação aqui realizada entre disciplinas de referencia e disciplinas

escolares não é real, visto que estes processos de construção do

conhecimento, o escolar e o científico, seguem caminhos diferenciados. A

apreensão lógica do conhecimento científico exige práticas escolares diversas

das práticas científicas.

1.3.4- Currículo centrado nas disciplinas ou matérias

escolares

Neste tipo de concepção de organização curricular podemos incluir

Dewey, Decroly, Kilpatrick e, de maneira geral, todos os autores

progressivistas, a despeito das diferenças entre eles. Aqui, a organização

curricular tem por base as disciplinas escolares definidas em função das

finalidades sociais a serem atendidas. Estas finalidades são concebidas não

em função das disciplinas de referência ou das finalidades sociais do mundo

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produtivo ou do sistema social vigente, como no caso dos currículos por

competência ou por referência.

A idéia central do pensamento de Dewey é a de que o currículo deve ser

composto de atividades que desenvolvam a vida social e comunitária, estando

o currículo ligado à realidade do estudante, não como um anexo externo à sua

vida.

As disciplinas escolares são entendidas como distintas das finalidades

sociais das disciplinas de referência, os princípios integradores não são

pautados no conhecimento científico, mas no próprio conhecimento escolar. Os

princípios psicológicos é que fornecem o subsídio para a organização

curricular, sendo a integração pensada de acordo com os princípios derivados

das experiências e interesses dos alunos.

Esta linha é a mais dominante na temática da integração curricular, que

quase não mais aparece desvinculada dos princípios centrados nas

experiências e interesses dos alunos. Pode-se mesmo dizer que:

“Em virtude dessa tradição, o discurso sobre currículo integrado tende a assumir, na história do currículo, uma conotação eminentemente progressivista, a qual, nas teorias curriculares atuais, vem sendo recuperada e exacerbada pela associação com o discurso da perspectiva crítica.”

(LOPES, 2008, p.77).

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CAPÍTULO II

A TEORIA CRÍTICA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO

No capítulo anterior foi feito um estudo sobre o modo de organização

curricular denominada clássica, em que se tenta criar uma relação de

integração entre as disciplinas do currículo por diferentes metodologias.

Estas metodologias das três vertentes do pensamento clássico, como foi

visto, variam de acordo com as formas de compreensão das disciplinas

escolares ou à lógica à qual se espera que a disciplina escolar seja submetida.

Estes entendimentos, aliados às finalidades educacionais defendidas, estejam

estas associadas ao mundo produtivo e à inserção social (currículo por

competências), ou à lógica dos saberes de referência (currículo centrado nas

disciplinas de referência) ou, ainda, à participação da criança e esta na

sociedade democrática (currículo centrado nas disciplinas escolares): visam à

integração curricular.

A perspectiva crítica de currículo faz uma profunda crítica às bases do

pensamento de organização curricular clássica, que se pautam na integração

curricular.

Não houve aqui um abandono do estudo sobre organização curricular

ou hierarquização disciplinar, houve sim, uma ampliação da visão de currículo

para a análise das relações existentes entre este e a estratificação social de

saberes, pessoas e classes, mediadas por relações de poder.

Neste capítulo far-se-á um apanhado de alguns pontos importantes

abordados pela teoria crítica. Esta é entendida por muitos especialistas como a

que melhor fornece subsídios para uma interpretação mais completa dos

processos inter-relacionados à construção dos currículos, embora a proposta

de currículo integrado ainda seja muito forte nos dias de hoje.

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2.1 – Complexidade do processo de “disciplinarização” do “saber”

Uma das preocupações da teoria crítica é a questão da disciplinaridade,

pela própria finalidade institucional da escola: socializar a transmissão dos

conhecimentos validados e acumulados historicamente.

Disciplinaridade aqui assume sentido ambíguo, tanto representa as

disciplinas, que são pré-definidas, como nos leva a pensar na idéia de

uniformidade, de homogeneidade, portanto, de disciplinarização da massa

(população), atrelando esta visão ao conceito de Michel Foucault.

Afinal, os conhecimentos presentes nos currículos são aqueles

elementos inquestionáveis que deverão fazer parte da maneira de pensar das

pessoas. A escolarização, que distribui estes conhecimentos, pautados em

determinada cultura, é, inclusive, obrigatória, determinada por lei e passível de

punição, para os responsáveis das crianças que não as inserirem na vida

escolar.

Tais conhecimentos são organizados em disciplinas, que por sua vez,

são organizadas em currículos, como herança da evolução do próprio

conhecimento.

Estes conhecimentos importantes, entretanto, modificam-se ao longo do

tempo, pois o sujeito individualmente atua sobre o que é herdado e

solidariamente (re)constrói o conhecimento a partir de conceitos já existentes.

Os novos conhecimentos serão repassados para as próximas gerações,

criando novas construções.

O importante é saber que ao selecionar determinados conhecimentos

faz-se um recorte da realidade, deixando outros conhecimentos de lado,

imperando também aí uma relação de poder.

Neste processo sócio-histórico, o conhecimento, ao ser trabalhado no

currículo, engendra um trabalho de (des)construção/(re)construção.

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A definição de currículo de FRÓES BURNHAM nos remete a este

encadeamento de ações, do qual o currículo faz parte:

“O currículo é um substrato que torna o indivíduo capaz de construir seus esquemas de referência para a leitura de mundo e sua práxis como elemento produtivo da sociedade, na medida em que gradualmente exerce a prática da cidadania enquanto se insere na história da humanidade e no mundo do trabalho”. (FRÓES BURNHAM, 1989).

Ao realizar uma passagem pela História do currículo, podemos perceber

que, embora haja mudança nos conteúdos, a constituição das disciplinas

tradicionais dos currículos permanece quase a mesma. Segundo MOREIRA

(1995): “Essa disciplinaridade constitui, talvez, o núcleo que primeiro deva ser

atacado em uma estratégia de desconstrução da organização curricular

existente.”

Com insistência, tem-se apontado, como resposta a esta

disciplinaridade, a chamada interdisciplinaridade, no entanto, como o citado

autor argumenta, a interdisciplinaridade pressupõe uma disciplinaridade, o que

acaba por deixar inalterada a estrutura curricular.

Para haver uma mudança de fato, seria necessário reconhecer a

disciplinaridade da estrutura atual não como tradução lógica e racional de

campos de conhecimento, mas como a inscrição e recontextualização desses

campos.

As noções de conhecimento e as formas de concebê-lo encontram-se,

inclusive, defasadas. O currículo tem deixado de fora aspectos da “cultura

popular” (televisão, música, videogame, revistas), o que torna a Escola como

algo distante da realidade.

As transformações trazidas pelas novas tecnologias e pela informática

relacionam-se profundamente ao “conteúdo” das disciplinas e a forma como

geri-lo. É necessário entender estas mudanças e utilizá-las como fins para

alcançar a democracia e a justiça social.

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Documentos curriculares apontam para estas novas abordagens do

conteúdo ou do próprio conteúdo em si, como é o caso do relatório da Unesco

Ao propor o desenvolvimento do

“ “aprender a conhecer”_ “um dos quatro pilares da educação”, defende-se uma nova relação com o conhecimento, na qual o aluno é sujeito agente no processo de conhecimento e deve saber o que fazer e como construir tal conhecimento. Como este há muitos outros documentos que apresentam em comum o discurso de integração curricular em virtude das mudanças dos processos de trabalho e da organização do conhecimento no mundo globalizado.” (LOPES,2008, pág. 21).

Atualmente existe uma grande preocupação no acompanhamento

destas transformações por parte da Escola. Cresce o número de cursos para

capacitação, bem como seminários, debates e estudos sobre o tema para

auxiliar este novo profissional a absorver estas mudanças a fim de elevar o

nível de educação. Resta aos professores a tarefa de empregar,

verdadeiramente, estes mecanismos em sala de aula.

2.2 - Currículo e Poder

Definir o que seja poder é uma tarefa que daria uma dissertação inteira,

no entanto para os objetivos deste trabalho, é suficiente destacar que este se

manifesta em relações sociais em que exista a submissão de uns à vontade e

ao arbítrio de outros, em termos de classe, etnia, gênero, etc.

Enquanto definição “oficial“ do conhecimento tido como válido e

importante, o currículo transmite os interesses dos grupos e classes em

vantagem nas relações de poder, assim constituindo identidades individuais e

sociais que reforçam as relações de poder existentes, fazendo com que os

subjugados permaneçam nesta situação.

A sociedade atual, que tem o conhecimento como base estrutural e

apresenta discrepâncias entre desenvolvimento econômico e justiça social,

confere à Escola o papel de criar o caminho para a integração social e a

igualdade de direitos, visto que tais desigualdades sociais são fruto das

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diferenças de acesso às informações e ao conhecimento entre pessoas e

grupos sociais.

2.3 - Currículo e cultura

A cultura e o currículo estão profundamente envolvidos. “....Nessa visão,

que é a educação e, em particular, o currículo, senão uma forma

institucionalizada de transmitir a cultura de uma sociedade?” (MOREIRA, 1995,

p.26)

Na teoria crítica, o currículo não é um instrumento de uma cultura

transmitida em outro local, por outros agentes, existe uma tensão, pois o

currículo é também campo de produção e criação simbólica, cultural. As

gerações que devem receber valores e conhecimento não existem de forma

estática ou homogênea.

Ainda que existam intenções de alcance de uma cultura oficial, o

resultado pré-determinado nunca será idêntico ao esperado, isto porque esta

transmissão ocorre em um contexto cultural, de significação ativa dos materiais

recebidos.

Nas teorias não críticas inexiste esta reflexão sobre a cultura como um

campo conflitante. Aqui, a cultura é uma arena política, em que se enfrentam

diferentes visões. Não há, desta forma, uma cultura unitária universalmente

aceita e homogênea da sociedade, digna de ser transmitida às futuras

tradições através dos currículos. “A cultura é aquilo pelo qual se luta e não

aquilo que recebemos.”(ibid pág. 27).

No currículo, então, estará presente aquilo que se tentará impor, de

forma incontestada e unitária, pela classe ou grupo dominante dessa cultura,

como um processo de reprodução cultural e social das divisões de classe.

É o caso, por exemplo, do estudo da língua portuguesa. Atualmente

existem estudos que defendem o ensino do padrão culto como uma variedade,

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um dialeto da língua e não como a única forma correta, que despreza a fala

popular.

O ensino de História é um outro exemplo de progressiva mudança de

enfoque de ensino, pois havia uma cultura que se tentava impor, por meio da

Escola. Hoje os professores costumam levar o aluno a entender as relações

contextuais de determinados acontecimentos, visando não utilizar o método de

decorar nomes de figuras ilustres e datas, por exemplo. Existe também o

estudo dos “vencidos”, afinal quem escreve a História normalmente são os

vencedores, com seu ponto de vista embutidos, os quais não podem mais

serem passados como verdades incontestáveis aos educandos.

O currículo, de acordo com a teoria crítica, não é um terreno de

reprodução política e cultural. Os materiais pré-existentes devem servir de

matéria-prima para criação, recriação, contestação e transgressão.

2.4 – Currículo e controle do trabalho pedagógico

Ao crer que a Escola tem um papel maior que o de formar uma massa

com características coletivas parecidas, o professor também não pode ser visto

como um reprodutor de uma ficha técnica, que seria o currículo. Como é

defendido ao longo deste trabalho, o professor pode e deve agir sobre o

currículo, não como um simples reprodutor do percurso da aprendizagem, mas

sim como um criador deste percurso.

É necessário, assim, conhecer as especificidades culturais, sociais e as

singularidades de cada sujeito da educação. É claro que existe um padrão

técnico que se deseja lograr, mas o trabalho pedagógico deve ter consciência

dos objetivos a alcançar, sem perder de vista sua humanização e função social.

O importante a ser frisado é que a transmissão sócio-histórica da cultura

não neutraliza a perspectiva educacional emancipatória, que tem como foco o

desenvolvimento de sujeitos autônomos e criativos. Este tipo de perspectiva

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educacional, de transformação social, ao contrário, incorpora o trabalho de

transmissão como um dos momentos cruciais da atividade educativa.

Pode-se citar como exemplo deste tipo de busca do conhecimento, em

que o docente não é “controlado”, nem “controlador” a obra de Paulo Freire.

Conforme mostra Lima (apud HIDALGO) Freire acredita na Escola como um

“centro de produção sistemática de conhecimento”, que produz saber e constrói

o currículo: “Freire não hesitará quanto à necessidade de uma (re)construção

curricular discutida e participada por actores escolares e sectores sociais e

comunitários [...]”.(HIDALGO 2008, pág. 43).

O professor não é um mero perfilador de conteúdos pré-definidos, mas

sujeito de provocação da necessidade da descoberta de apreensão dos

conteúdos como objeto do conhecimento.

Os alunos possuem o DIREITO de receberem o conhecimento dos

avanços da ciência, mas há de se respeitar os métodos populares de saber,

que mesmo fora dos padrões científicos, levarão ao mesmo resultado, por

intermédio do professor.

“ a passagem do senso comum à consciência filosófica (subtítulo de seu livro) significa passar de uma concepção fragmentária, desarticulada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista a uma consciência unitária, coerente, articulada, explícita, original, intencional, ativa e cultivada.”

(Saviane, apud Ibid, pp. 96-97)

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CAPÍTULO III

MUDAM OS GOVERNOS, MUDAM AS IDÉIAS

BASILARES...

As idéias que circundam o campo do currículo, como criação do homem

e a sua semelhança, não constituem um território estático, imutável. A

tendência é realmente que a educação acompanhe as transformações reais,

ainda que de forma lenta. Tais mudanças, entretanto, envolvem uma série de

questões. Uma delas é o fato de que existem políticas educacionais que

norteiam o trabalho docente.

Ao investigar as mudanças ocorridas, por exemplo, nas disciplinas

escolares ao longo da história, com relação à mudança de conteúdos e

métodos de ensino e com os processos de (re)organização pelos quais passam

os saberes formadores do acervo que a escola deve propagar, percebemos

que não estão envolvidas apenas questões epistemológicas, pois “as

disciplinas escolares reúnem pessoas e instituições em busca de status,

recursos e territórios” (Goodson, apud LOPES, p. 55).

Freqüentemente as disciplinas escolares, segundo modelo de Layton,

(ibid), são introduzidas no contexto educacional, não por sua constituição inicial

no nível universitário, mas por princípios de pertinência e utilidade, visando a

atender a demandas sociais específicas, depois sim é que existe um

movimento de aproximação das instancias acadêmicas. Assim, a gênese sócio-

histórica da constituição das disciplinas é específica, não estando intimamente

ligada às disciplinas científicas.

Estes conhecimentos julgados como de suma importância são

contextualizados. Os governos, por exemplo, definem as idéias basilares que

devem nortear o rumo da educação em função das mudanças que julgam

relevantes.

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3.1- O campo curricular no Brasil

O campo curricular, no Brasil, influenciado pelas teorias desenvolvidas e pelas políticas educacionais, é produto de uma

“constante tensão entre as contribuições dos chamados pioneiros da educação _ que nas décadas de 1920 e 1930 difundiram e reelaboraram os princípios da democracia liberal de Dewey _ e os postulados do modelo tecnocrático norte-americano”. (HIDALGO, 2008, p. 33)

Com o desenvolvimento da educação popular, a partir da década de 1960 e com os estudos da pedagogia histórico-crítica, aumenta a tensão entre as propostas emancipatórias e as medidas governamentais:

“essa tensão entre propostas emancipatórias e as medidas governamentais embasadas no liberal-tecnicismo, sobretudo nos anos 1980, com o debate entre a perspectiva humanista freireana e pedagogia histórico-crítica”. (Ibid, p. 34)

Nesta mesma década, ao serem eleitos governos de esquerda em

alguns estados da federação, são implementadas algumas propostas

alternativas de educação. A proposta emancipatória passa por um longo

período de discussão e reelaboração.

O fracasso da escola de primeiro grau das crianças mais carentes

coloca em debate a questão curricular como centro das preocupações das

teorias educacionais.

O documento “Educação para todos, 1985”, do governo Sarney, enfatiza

a importância dos conteúdos curriculares estarem relacionados à realidade

familiar das crianças. A pedagogia histórico-crítica alega que a preocupação

exacerbada com o método de ensino desta época acabou prejudicando a

qualidade de ensino, deixando de lado a transmissão de conhecimentos que

possuem um caráter universal.

Estas duas diferentes formas de organização do sistema de ensino

estão pautadas na diferença entre as concepções do processo de ensino-

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aprendizagem, mais profundamente nos fundamentos filosóficos e

epistemológicos defendidos por cada grupo.

Na década de 1990 existe uma reestruturação nas duas vertentes:

“Tanto a pedagogia histórico-crítica avança na explicitação das relações entre diferentes formas de apropriação, elaboração e apresentação dos conhecimentos, quanto a pedagogia popular discute o papel da escola e do conhecimento sistematizado na formação dos alunos.” (Ibid, p. 34).

Paralelamente às políticas educacionais é bom que se faça uma leitura

das Leis de Diretrizes e Bases, as quais nortearam e norteiam em primeira

instância todo o trabalho no campo educacional.

3.2 – Alguns aspectos relevantes das diretrizes curriculares

Nos anos de 1930, ocorreram grandes transformações no campo da

educação e do ensino, advindas dos ideais do movimento da chamada “Escola

Nova”, com uma ideologia de valorização da educação, esta sendo o

instrumento principal da reconstrução nacional.

Esta corrente chega com inovações para a época:

“... “Escola Nova”, trazendo, em seu bojo, propostas inovadoras para a época como a laicidade do ensino, a co-educação dos sexos, a escola pública para todos e a renovação pedagógica de centrar o ensino no aluno, e não mais nos programas e/ou no professor, como na “Escola Tradicional”. (SANTOS, 1999, p. 47)

Uma das primeiras medidas tomadas pelo governo provisório de 1930,

chefiado por Getúlio Vargas, foi a criação do Ministério dos Negócios e da

Educação e Saúde, a reforma do ensino secundário, comercial e superior,

nomeando como primeiro ministro da educação “o pioneiro” Francisco Campos.

O objetivo era tornar o ensino mais adequado à modernização que se almejava

no país, pois até então inexistia uma política nacional de educação que

uniformizasse e prescrevesse diretrizes gerais e que a elas se subordinassem

os sistemas educacionais.

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“A constituição de 1934 reiterou muitas propostas dos ‘pioneiros’. Participaram em sua elaboração grandes educadores que marcaram o cenário educacional brasileiro, como: Anísio Teixeira, Lourenço filho e Fernando de Azevedo, que posteriormente voltaram à luta em prol da escola pública no período da discussão da primeira LDB (1948-1961)”. (Ibid, p. 48)

Esta foi a constituição inovadora, que atribuiu à União federal a tarefa de

fixar as diretrizes e bases da educação nacional. Com relação à utilização do

termo, é conveniente ressaltar a observação feita por CARNEIRO:

“Os termos diretrizes e bases como conceitos integrados não surgiram na educação brasileira, de forma refletida, ou seja, em decorrência de uma filosofia da educação que, nutrida por uma crítica pedagógica coerente, desaguasse numa postura de confrontação à visão fragmentária de compreensão de educação, de sistema educacional e de seus desdobramentos. São conceitos que se vão incorporando”. (CARNEIRO, Moaci Alves, 2006, p. 23)

A Constituição de 1934 acaba por não alcançar seus efeitos de

elaboração da LDB com os ideais dos “pioneiros”, pois em 1937 é outorgada

uma nova constituição, pelo então presidente Vargas. Foi, então, na

Constituição de 1946, que se previu a primeira LDB, cujo artigo 5, XV “d”,

determinava:

“Compete á União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.”, e em um capítulo mais adiante definia-se os princípios e baixavam regras básicas a serem seguidas na posterior legislação que seria reguladora, incluindo a LDB como a norma jurídica mais importante. (SANTOS, 1999, p. 49)

Data de 1961, a aprovação do texto que configura a primeira Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, a Lei 4024/61, como resultado do

trabalho de dois grupos com orientações de filosofia partidária distinta.

Um grupo, o que estava no poder, e de característica esquerdista,

defendia como finalidade da educação preparar o indivíduo para o bem da

sociedade sendo função exclusiva do Estado educar. Os liberalistas, que eram

de centro/direita defendiam os direitos naturais, não sendo pertinente ao

Estado garanti-los ou negá-los.

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“O eixo das discussões era o da defesa da presença da iniciativa privadanas atividades de ensino. A pressão das escolas particulares terminou por transformar o debate partidário em um debate de fundo fortemente ideológico, galvanizado pela competente oratória de carlos lacerda, que, como ninguém, conhecia o poder da palavra.” (CARNEIRO, Moaci, p. 25).

As propostas da iniciativa privada ganham a disputa no legislativo

brasileiro, que recebe da iniciativa privada e dos conservadores da igreja ajuda

financeira indiscriminada.

Com a LDB/1961, podemos destacar algumas mudanças:

“A LDB/61 trouxe como principais mudanças a possibilidade de acesso ao nível superior para egressos do ensino técnico e a criação do Conselho Federal de Educação e dos Conselhos Estaduais, num esquema de rígido controle do sistema educacional brasileiro. A demora para aprovação da LDB/61 trouxe-lhe uma conotação de desatualização e, logo após sua promulgação, outras ações no âmbito de políticas educacionais públicas surgiram, desta vez, inseridas no cenário político de domínio militar. Por exemplo, em 1968, a Lei 5540/68 criou o vestibular e, em 1971, surgiu a Lei 5692/71, conhecida também como LDB/71, cuja função foi atualizar a antiga LDB/61, como resultado do trabalho de membros do governo indicados pelo então Ministro da Educação Coronel Jarbas Passarinho.” (AFONSO, Shirley da Rocha. www.artigonal.com/authors/178670, acessado em 02/03/1010).

A demora na tramitação da lei seria por seu caráter democrático, pela

ampla discussão de seus temas, pois a lei foi “Concebida democraticamente

durante 12 anos no Congresso Nacional, foi regulamentada pelos militares no

período posterior a 1964.” (LEMES, Sebastião de Souza.

https://sol.unesp.br/usuario/pdf/kuka_2.pdf, acessado em 10/03/2010)

O produto final, entretanto, pode ser definido como descaracterizado de

princípios democráticos. Além disso, condizente com os acordos internacionais

firmados na época.

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“Entre outros, o acordo MEC/USAID4* em 1965, que firmou convênio de assessoria e cooperação entre o Brasil e os EUA na área educacional. Importa destacar, que os EUA, nesse período, promovia reestruturações em seus sistemas de ensino, tratando-os, do ponto de vista da Organização Curricular, como Ordenamento”. Hierárquico da Informação e, a Organização da Aula, como Planejamento Independente de Lições Individuais. Essas mudanças no processo de escolarização refletem a opção dos Estados Unidos pela orientação weberiana na organização da escola, o que significa que a escola passa ser vista como uma organização burocrática e, com isso, a administração, no sentido de gerenciamento organizacional, aumenta o controle sobre os processos ali desenvolvidos.”( Ibid).

Da LDB/71, Lei 5692/71, denominada oficialmente como Lei da

Reforma do Ensino de 1º. E 2º. Graus, pode-se destacar principalmente em

suas diretrizes, a defesa do ensino profissionalizante, como sinteticamente

descrito no parágrafo, a seguir:

“definia os currículos como constituídos por disciplinas de obrigatoriedade nacional, escolhidas pelo Conselho Federal de Educação (análogas ao atual núcleo comum). Além disso, os Estados podiam indicar disciplinas obrigatórias em suas jurisdições (análogo à atual parte diversificada do currículo), porém sob rígido controle dos governos estaduais. Também na década de 1970, surgiu uma política de valorização do ensino técnico profissionalizante e, especificamente com relação ao ensino de Química, passou a valer um caráter mais científico da disciplina. Nesta época, o Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo criou o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS) para fortalecer o crescimento industrial paulista, pela possibilidade de formação profissional. (Ibid)

No ensino de 2º grau, a profissionalização descuidada e indiscriminada,

aliada à expansão das vagas particulares do ensino superior, visava mais

controlar a procura por esse nível de ensino do que propriamente a qualificação

do nível médio. Foi diminuída a carga horária das disciplinas de de formação

básica. Afastou-se o ensino de Filosofia, Sociologia e Psicologia, introduziram-

se disciplinas supostamente profissionalizantes, mas que estavam longe de

qualificar alunos para obterem qualquer emprego.

**MEC/USAID – Sigla de um acordo que incluiu uma série de convênios realizados a partir de 1964, durante o regime militar brasileiro, entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID). Os convênios, conhecidos como acordos MEC/USAID tinham o objetivo de implantar o modelo norte americano nas universidades brasileiras através de uma profunda reforma universitária.

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Em 1996, foi sancionada a Lei 9394/96, Lei de Diretizes e Bases que

rege o sistema educacional brasileiro até os dias de hoje. O período anterior,

destituído dos princípios de liberdade e democracia, embora houvesse

resitência a este regime político, perdurou até os anos 80,

“onde a chamada redemocratização do país, promovida de maneira lenta e gradual, consolidou a abertura política do regime e o retorno do país ao contexto internacional dos povos democráticos no mundo. Em 1988, esse processo é concluído com a promulgação da nova Constituição Brasileira. Os efeitos dessa redemocratização foram, observados nas propostas legislativas apresentadas ao congresso para a área educacional e nos debates que se estabeleceram a partir de então até o ano 1996.” (Ibid)

Esta Lei foi, então, uma tentativa de:

“reestruturar o sistema educacional brasileiro, com regulamentações tanto nas áreas de formação de professores e gestão escolar quanto nas áreas de currículo, a partir do resultado de debates realizados ao longo de oito anos, especificamente entre duas propostas distintas. Uma delas envolvia debates abertos com a sociedade, defendendo maior participação da sociedade civil nos mecanismos de controle do sistema de ensino, enquanto a outra proposta resultava de articulações entre Senado e MEC, sem a participação popular, defendendo o poder mais centralizado sobre a educação, o qual acabou vencendo a "disputa"”. (AFONSO, Shirley da Rocha. www.artigonal.com/authors/178670, acessado em 02/03/1010).

Neste longo caminho até a sanção da nova LDB, em 1996, acontecem

muitas e profundas mudanças, tais como a revolução científica e tecnológica,

mudanças nos paradigmas de produção, os meios de comunicação e a

aplicação universal da informática impactando a relação de produção e

circulação de bens e sendo sentidas de maneira direta no cotidiano das

pessoas. A própria noção espaço-tempo e a lógica de percepção impõe, assim,

um desafio ao sistema escolar.

Trata-se de uma tentativa do Ministério da Educação de adequar o

sistema educacional às mudanças globais.

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“Com a LDB/96, mais uma vez foram modificadas as denominações do sistema de ensino brasileiro que passou a envolver a educação básica que consiste da educação infantil (até 6 anos), ensino fundamental (8 séries do antigo primário) e ensino médio (3 séries); ensino técnico (agora obrigatoriamente desvinculado do ensino médio), além do ensino superior. “ (Ibid)

Sendo “considerada a mais importante lei educacional brasileira”, a

LDB 9394/96 “fundamenta as subseqüentes ações dos governamentais no

âmbito educacional, como os Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino

Médio, PCNEM e as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.”

(Ibid)

Pode-se destacar, resumedamente, os grandes eixos da lei 9394/96, de

acordo com CARNEIRO, Moaci Alves:

“I) Conceito abrangente de educação; II) vinculação da educação com o mundo do trabalho e com as diferentes práticas sociais; III) padrões mínimos de qualidade do ensino; IV) pluralidade de formas de acesso aos diversos níveis de ensino, como forma de ensejar o cumprimento da obrigatoriedade de ensino; V) avaliação da qualidade do ensino pelo poder público VI) definição das responsabilidades da união, dos Estados, dos Municípios, das Escolas e dos docentes; VII) configuração dos sistemas federal, estaduais e municipais do ensino; VIII) mapa conceitual preciso da educação escolar e de educação básica; IX) requisito de relação adequada entre o número de alunos e o professor, a carga horária e as condições materiais da escola; X) construção da identidade do ensino médio; XI) resgate da natureza e da finalidade da educação profissional; XII) precisão conceitual para os elementos de despesas no âmbito da manutenção e do desenvolvimento do ensino; XIII) fortalecimento das fontes e dos canais de financiamento da educação, incluída a fixação dos prazos de repasses de recursos para Estados e Municípios; XIV) reconfiguração de toda a base curricular tanto da educação básica como um todo, como do ensino médio em particular. Neste caso, ganha relevãncia a educação tecnológica básica.” (CARNEIRO, Moaci alves, 2009. p.14)

3.3- LDB9394/96: um mosaico de disciplinas e conteúdos

Se a sociedade brasileira é dividida em classes com interesses não

apenas diferentes, mas antagônicos, próprios da estrutura dessa sociedade, o

embate social que ocorre na base material se reflete no Congresso Nacional,

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local por excelência de articulação política e de incorporação das lutas sociais,

para onde convergem os conflitos decorrentes dos interesses contraditórios da

sociedade, para onde são remetidos documentos divergentes, por grupos ou

segmentos de classe, que requerem soluções próprias sobre antagonismos

que atravessam a sociedade em direção contrária.

No processo das elaborações das Leis de Diretrizes e Bases (LDB) da

educação nacional a correlação de forças contraditórias da sociedade

manifesta-se e se expressa nas posições tomadas pelos partidos políticos,

presentes no Parlamento, nos diferentes momentos, como será constatado

adiante, na atual LDB.

A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96), no

Artigo 26°, que versa sobre currículos, determina que estes devem ter uma

base nacional comum e outra diversificada, adaptada às características sociais,

culturais e econômicas da clientela. Cabe à União estabelecer as diretrizes

gerais do ensino e, aos estados e municípios, definir os currículos mínimos, de

acordo com as especificidades locais.

“A LDB não define, então, um rol de conteúdos mínimos obrigatórios. Apenas estabelece que o currículo deve contemplar o estudo da língua portuguesa, da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural, bem como da realidade social e política. Prevê também o ensino da arte, da educação física e de uma língua moderna estrangeira, a partir da 5ª série. À luz desse arcabouço legal, a tendência de criar conteúdos obrigatórios começa a despertar preocupação e questionamentos.” (AVANCINI, Marta. Avalanche disciplinar. http://revistaeducacao.uol.com.br/revista.asp, acessado em 25/02/2010

Além das mudanças de conteúdo ao longo das LDBs, pode-se

perceber uma grande tendência em criar conteúdos obrigatórios nesta última,

9394/96.

Estas inserções de conteúdo, entretanto, segundo alguns especialistas,

como é o caso do professor Francisco Cordão, membro da Câmara de

Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), são contrários ao

que dispõe a própria LDB, pois o professor:

“...considera que a criação de conteúdos obrigatórios "contradiz em todos os aspectos a LDB". "A LDB fala em objetivos, não aprofunda a definição de conteúdos nem de carga horária", afirma. Seguindo esse espírito, continua Cordão, o CNE (órgão responsável pela definição

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das normas e pela supervisão) não define currículos, somente as diretrizes curriculares - ou seja, as orientações gerais. "A escola deve ter a liberdade de construir o seu currículo de acordo com a sua realidade." (Ibid)

Como exemplo, de tantas inclusões, pode-se citar que:

“entre setembro de 2007 e agosto de 2008, foram sancionadas quatro leis que alteraram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Em comum, três delas introduziram a obrigatoriedade de determinadas disciplinas ou componentes curriculares na educação básica.”(BARBÁRA,Silvia.http://www.fepesp.org.br/revista_corpo2.asp?id=289&moda=013&contexto=&area=. Acessado em 02/03/2010.

Como algumas das mudanças para exemplificar a inclusão desenfreada

de disciplinas convém constatar que:

“o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei, aprovada pelo Congresso Nacional, que torna obrigatório o ensino de música na Educação Básica. Antes disso, filosofia, sociologia e história e cultura africana já haviam sido incorporadas ao rol de conteúdos que devem ser ministrados aos alunos do ensino fundamental ou médio.” (AVANCINI, Marta. Avalanche disciplinar. http://revistaeducacao.uol.com.br/revista.asp, acessado em 25/02/2010)

Continuando a compor a lógica de inserção de disciplinas que instituem a sua obrigatoriedade como componente curricular na educação básica:

“Em setembro de 2007, a Lei 11.525 determinou que o “currículo do ensino fundamental inclua, obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das crianças e dos adolescentes”. Em março de 2008, a Lei 11.645 tornou obrigatória a “temática (?) indígena” no ensino médio e fundamental. Em junho do mesmo ano, a Lei 11.684 transformou a Filosofia e a Sociologia em “disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio”. (http://www.sinprosp.org.br/reportagens_entrevistas.asp?especial=209&materia=452: acessado em 01/02/2010).

Esta política de agregação de novas disciplinas obrigatórias não é um

fenômeno novo e resulta de lacunas da própria lei, bem como do interesse de

diversos grupos que se estabeleceram no Congresso durante a tramitação da

LDB, como será visto nos parágrafos abaixo.

Por força de um grande lobby, o ensino religioso acabou entrando como

“disciplina no horário normal das aulas de ensino fundamental das escolas

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públicas, mas com matrícula facultativa” (art. 33; Redação dada pela Lei nº

9.475, de 22.7.1997). Também foi incluído no texto o “domínio dos

conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da

cidadania” (art 36, §1º, III; Incluído pela Lei nº 11.684, de 2008).

Em 1997, por conta da vinda do Papa ao Brasil, foi excluída a garantia

de que o ensino religioso seria realizado “sem ônus para os cofres públicos”.

O Conselho Federal de Educação Física atuou fortemente para tornar a

Educação Física componente curricular “obrigatório” (em 2001) e suprimir o

seu caráter facultativo aos alunos do curso noturno (2003).

Os exemplo de inclusão de disciplinas por simples “afinidade”,

“marketing”, etc, eleitas por justificações desprovidas de fundamentos

pedagógicos são inúmeros:

O governador Garotinho insere no currículo do estado do Rio de Janeiro

o ensino religioso.

Com as Olimpíadas de 2016, o prefeito Eduardo Paes anunciou a

inclusão da língua inglesa aos alunos da rede pública municipal desde o ensino

infantil.

Em fevereiro de 2008, foi apresentado o projeto de lei 2.742, que não só

introduz a educação para o trânsito na educação básica, como determina, no

Ensino Médio, o conteúdo programático da nova disciplina.

Em 2010, as 25.389 escolas de Ensino Médio de todo o país terão o

desafio de cumprir, no prazo de cinco anos, a Lei 11.161/05, que determina a

oferta do ensino de língua espanhola para todos os estudantes. A disciplina

deverá entrar na grade curricular de forma optativa para que o aluno decida se

fará ou não o idioma.

Como foi visto, a falta de uma discussão mais séria sobre os currículos

na educação básica abriu espaço para que interesses particulares

pressionassem por alterações pontuais na Lei. Aos poucos, a LDB foi sendo

gradualmente remendada, transformando-se numa colcha de retalhos

desconexa.

As mudanças não se limitaram a incluir como “obrigatórios” apenas

alguns componentes curriculares e/ou disciplinas, mas conferiram tratamentos

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diferentes a eles, de acordo com a capacidade de pressão dos grupos

diretamente interessados.

Todo esse conjunto de mudanças são medidas pontuais que não

observam o currículo escolar integralmente, nem a sua importância estratégica

para um projeto de nação. Elas estão sendo adotadas de acordo com

interesses específicos de grupos com maior capacidade de pressão, sejam

eles “progressistas” ou “conservadores”.

3.4 - PCN e o Ensino Médio

Em 1999, o PCNEM surge como conseqüência da LDB/96 numa

proposta que visava unir qualidade de ensino e formação de cidadãos aptos ao

novo mundo do trabalho globalizado, com a organização do ensino voltado

para o desenvolvimento de competências e habilidades nos estudantes.

“Competências e habilidades” foram introduzidas como novos paradigmas

educacionais e assumiram papel central para discussão da proposta,

principalmente entre os professores. O currículo por competências é um

formato integrado, onde as competências não estão intimamente ligadas a um

conteúdo específico, mas sim a um conjunto de conteúdos, advindos de

disciplinas diversas.

Após a publicação do PCNEM+, surgiu, em 2002, com foco no ensino

médio, um novo documento: o PCNEM com orientações complementares ao

PCNEM, trazendo as competências e habilidades recontextualizadas, ou seja,

com esquemas de propostas para o desenvolvimento de conceitos em sala de

aula. Apresentado em volumes específicos para as três grandes áreas, o

PCNEM+ de certa forma complementava o PCNEM, trazendo os pressupostos

teóricos da proposta geral para um nível mais concreto, com uma sugestão

para organização curricular, o que os professores, de modo geral, buscavam,

com algum grau de definição, para organizar suas aulas em termos de

conteúdos curriculares.

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Em 2004, foi lançado um novo documento para substituir o PCNEM: as

Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio que trata de alguns

pontos controversos da proposta de 1999, como a idéia de todos os problemas

educacionais são resolvidos com reforma curricular e a falta de explicitação de

orientações para aplicação dos conceitos de habilidades e competências na

sala de aula. Assim, esse novo documento, com vigência atual, coloca em foco

mudanças para a reorganização curricular, como a priorização da diversidade

cultural dentro da escola, utilizando-se do currículo como complemento às

políticas sócio-culturais; as mudanças no enfoque da avaliação (passando de

quantitativa para qualitativa) e o estímulo à formação continuada de

professores e gestores, dentre outros aspectos.

Na realidade, este e outros documentos formulados pelo Ministério da

Educação para produzir uma reforma no Ensino Médio expressam, em última

instância sentidos políticos, afinal,

“ O estabelecimento de referenciais nacionais vem associado a todo um conjunto de ações previstas no projeto Escola Jovem financiado em grande medida pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID, 1999) _, bem como à produção de diferentes discursos. Foram organizadas ações visando à expansão expansão de vagas nas escolas; à estruturação de sistemas de avaliação (Exame nacional do Ensino Médio – ENEM); à criação de programas de formação continuada de docentes e gestores de escolas, assim como de programas de educação à distância e melhoria da infra-estrutura.” (LOPES, 2008 p.93)

As Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio “... mesmo

não sendo uma produção exclusiva do Estado ... é apresentado como a carta

de intenções governamentais para o nível médio de ensino, configura um

discurso que projeta identidades pedagógicas e orienta a produção do

conhecimento”. (Ibid)

Os PCNEM propõe que:

“ a educação agora é para a vida, [...] o conhecimento escolar será contexttualizado e fará sentido para o aluno. A interdisciplinariedade vai aproximar as disciplinas. O raciocínio a a capacidade de aprender serão mais importantes do que a memorização.” (PCNEM APUD Ibid, p.94)

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Esta mudança de concepçaõ curricular, que incorpora discursos já

legitimados pelo meio pedagógico, como a questão da integração curricular e a

importãncia de trazer o ensino associado às vivências dos alunos pode ser

entendida como uma estratégia positiva , visto que, como citado nos próprios

PCNEM “ Tínhamos um ensino sem vida, fragmentado e baseado no acúmulo

de informações.”

Estas mudanças são necessárias sobretudo pelas profundas

transformações nos processos de trabalho, nas interconexões globais, nos

meios de comunicação, que aceleram a troca de informações e idéias, enfim, o

conhecimento é crescente e ilimitado e a escola precisa adaptar-se e adaptar

seu aluno a essas mudanças. Então, o que fazer com esse conhecimento?

Como aproximar este conhecimento da realidade do aluno? Como trabalhá-lo e

ensinar o aluno a aprender de maneira metacognitiva? Estes seriam os pontos

principais dos PCNEM.

Os critérios de seleção das disciplinas para o ensino Médio, entretanto,

como destaca LOPES, não é discutida. Não existe uma argumentação do

porquê elegerem-se três áreas específicas e suas respectivas disciplinas.

As áreas e disciplinas são: Linguagens, códigos e suas tecnologias:

língua portuguesa, língua estrangeira moderna, educação física, arte e

informática. Ciências da natureza, matemática e suas tecnologias: química,

física, biologia e matemática. Ciências humanas e suas tecnologias: história,

geografia, sociologia, antropologia e política e filosofia.

A falta de argumentação nos PCNEM com relação à escolha dos

conteúdos, pois somente o que há é uma explicação do que sejam as áreas

revela a já naturalização dos conteúdos, que são tidos como “meios para

constituição de competências e valores, e não como objetivos de ensino em si

mesmos” ( Brasil, 1999, v. 1, p. 131, APUD LOPES, 2008 p.96). Ou seja, os

conteúdos, já cristalizados como os mais legítimos, dignos do saber, não

carecem de discussão, pois estes são meros meios de alcançar-se tais

competências. Estes conteúdos, que formam a base curricular nacional,

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conforme consta nos PCNEM, seriam resultado de uma seleção e integração

dos conteúdos válidos para o desenvolvimento pessoal e incremento da

participação social.

A mudança curricular, portanto, estaria centrada nos campos

disciplinares, e não nas disciplinas em si. A organização curricular, assim, se

sobrepõe à seleção dos conteúdos, em sintonia com os discursos globais aqui

mencionados.

Com relação ao BID, principal financiador da reforma do Ensino médio,

que participa das orientações dos documentos deste nível de ensino, com a

participação inclusive direta de consultores no MEC, por exemplo, defende a

formação de um indivíduo preparado para entrar no mercado de trabalho e

consciente de seu papel na sociedade.

No que tange à integração curricular, os documentos do BID colocam a

tradicional estrutura como ultrapassada, por apresentar-se de forma dual,

dividida entre o acadêmico e o vocacional. O primeiro prepararia o aluno para a

universidade, conferindo um grau de educação secundária. O segundo estaria

situado nas várias formas de educação profissional/técnico voltadas para

preparar o educando para o mercado de trabalho.

O BID recomenda a existência de um currículo nacional comum com

disciplinas eletivas, ainda que haja uma ressalva com relação a este tipo de

currículo, visto que os alunos não apresentam entre si homogeneidade nos

conhecimentos internalizados.

“No entanto, duas opções permanecem tanto altamente problemáticas. Uma é a alternativa que oferece o mesmo currículo para todos os estudantes. A outra é a alternativa que divide os estudantes, e oferece programas mais fáceis e aplicados para alguns e trajetórias mais acadêmicas para outros.” (CASTRO, Carnoy e Wolff, 2000, p. 17 APUD Ibid, p. 100)

Com relação a esta estrutura curricular, foi aprovada, em 30 de junho de

2009, pelo Conselho Nacional de Educação, a proposta do Ministério da

Educação para apoiar experiências curriculares inovadoras no Ensino Médio.

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Trata-se da implementação de diciplinas eletivas, a serem escolhidas pelo

aluno, além de uma maior integração entre as disciplinas ainda fragmentadas.

“...o ministério financiará projetos de escolas públicas que privilegiem, entre outras mudanças, um currículo interdisciplinar e flexível para o ensino médio. A intenção é que a atual estrutura curricular – organizada em disciplinas fragmentadas – seja substituída pela organização dos conteúdos em quatro eixos: trabalho, ciência, tecnologia e cultura, a fim de promover um maior diálogo entre as disciplinas para que os conteúdos ensinados ganhem maior relação com o cotidiano e façam mais sentido para os alunos. Outra mudança a ser estimulada é a flexibilidade do currículo: 20% da grade curricular deve ser escolhida pelo aluno.” www.portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13830:cne-aprova-proposta-de-mudancas-curriculares&catid=211&Itemid=86; acessado em 25/02/2010)

Este mesmo texto prevê, ainda, um aumento da carga horária

mínima do Ensino Médio – de 2,4 mil horas anuais para 3 mil . A leitura

também ganha destaque, devendo perpassar todos os campos do

conhecimento. A participação social dos alunos, além do desenvolvimento de

atividades culturais, esportivas e de preparação para o mundo do trabalho são

outros pontos propostos. A intenção do Mec é acompanhar e avaliar esta

proposta para torná-la uma política universal.

LOPES (2008, p. 102) chama a atenção para esta perspectiva

instrumental de ensino, que direciona a formação do indivíduo do Ensino Médio

para a aquisição de habilidades e o desenvolvimento de competências

importantes para o mercado de trabalho. Nesta visão, a Escola espera formar

um indivíduo multifacetado, já preparado para o universo laboral, sendo capaz

de executar múltiplas funções, ainda que estas não estejam diretamente

ligadas ao seu campo de atuação, adaptando-se perfeitamente às mudanças.

Esta concepção de educação pode contribuir para o reducionismo da mesma à

inserção do aluno no mercado de trabalho e à manutenção da estrutura social.

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CONCLUSÃO

As mudanças legais e as políticas educacionais, as quais norteiam o

sistema educacional _e em especial a LDB e os PCNs_, envolvem uma série

de questões, com as quais se relacionam; como os partidos políticos, a

interferência de organismos internacionais, as questões mercadológicas, a

própria revolução científica e tecnológica e a globalização, em geral, que entre

outros processos, a Escola reflete e ao mesmo tempo injeta da/para sociedade.

O Brasil, como país em desenvolvimento, dependente de outras

nações, e em especial, com a globalização, importa também cultura e modelos

educacionais, submetendo-se a “formar” mão-de-obra” (através da Escola)

para as grandes potências mundiais, que ao injetarem dinheiro na economia

dos mais pobres, na realidade não o fazem por caridade, mas sim para

desenvolver um mercado consumidor e capacitar mão-de-obra barata.

É necessário que a educação brasileira trilhe seus próprios caminhos, o

que já vem acontecendo, como se pode citar o mestre Paulo Freire.

A respeito da “formação” de mão-de-obra, é possível que a Escola

auxilie nesta demanda da sociedade, afinal, as pessoas precisam

desempenhar funções laborais na sociedade para sobreviver.

O primordial é que não se deixe de lado o papel indelegável da Escola:

a instrução. E esta não deve ser reduzida em prol da preparação para o

mercado de trabalho. Há que se formar pessoas, e não máquinas.

Só assim ocorrerá uma efetiva melhoria das condições de vida da

população, com mais acesso à informação, noções dos direitos e deveres e

diminuição das desigualdades sociais.

Ainda que haja determinado “controle” por parte do Estado, através das

políticas educacionais, é preciso refletir a respeito da prática pedagógica,

afinal, professores, alunos e comunidade fazem parte da construção do

currículo, como previsto na própria LDB 9394/96.

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A atual Lei de Diretrizes e Bases apresenta pontos bastante positivos, mas

também assume posições contraditórias. Ao mesmo tempo em que abre

espaço para a “inovação”, como na parte diversificada do currículo, a Lei atua

como controladora por outro lado, através das avaliações periódicas em que se

deve alcançar os ditos padrões mínimos de qualidade (condição inclusive

vinculada ao repasse de verbas).

O conjunto de mudanças pontuais da Lei não observam o currículo

escolar integralmente, nem a sua importância estratégica para um projeto de

nação, são intervenções adotadas de acordo com interesses específicos de

grupos com maior capacidade de pressão, sejam eles “progressistas” ou

“conservadores”, o que metaforicamente faz com que a lei pareça “uma colcha

de retalhos desconexa.”

Além disso, pode-se constatar que os políticos responsáveis por

formular as leis são pessoas despreparadas e não envolvidas com a educação.

É preciso que haja uma reforma neste sentido, provendo os cargos com

pessoas competentes para este fim.

Evoluiu-se muito no campo educacional, no Brasil, mas como um

país novo, muito há que se fazer, afinal, do período da LDB/1961 até a

instauração da constituição de 1988, que previu a LDB de 1996, houve um

perío de estagnação em todos os setores do país, inclusive da educação.

Como analisado até aqui, o currículo, de acordo com todo o conjunto

de conhecimento construído em torno do termo, e em especial, a partir da

Teoria Crítica, não pode mais ser concebido pelo docente como uma

construção objetiva, inocente e meramente técnica. Ao atuar em sala de aula o

professor deve ter em mente que aqueles conhecimentos não são somente

objeto da transmissão dos conhecimentos acumulados e validados pela

ciência, são contextualizados e produzem relações de poder da Escola para a

Sociedade, assim como da Sociedade para a Escola.

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“Políticas de currículo: continuidade ou mudança de rumos?” Revista Brasileira de Educação, mai.-ago. 2004b, n. 26, pp. 109-18. http: //www.scielo.br, acessado em: 25/11/2009.

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SANTOMÉ, J. T. Globalização e Interdisciplinaridade. O Currículo Integrado. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1998. SANTOS, Clóvis Roberto dos. Educação Escolar Brasileira: Estrutura, Administração e Legislação. São Paulo: Pioneira, 1999. 2 ed.

http://www.sinprosp.org.br/reportagens_entrevistas.asp?especial=209&materia=452 , acessado em 01/02/2010.

www.portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13830:cne-aprova-proposta-de-mudancas-curriculares&catid=211&Itemid=86, acessado em 25/02/2010.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO.....................................................................................................7

CAPÍTULO I.........................................................................................................9

DIFERENTES CONCEPÇÕES CURRICULARES..............................................9

1.1 - A polissemia da palavra “currículo”...........................................................10

1.2 - As abordagens teóricas da constituição do campo.................................10

1.2.1 - As teorias tradicionais......................................................................11

1.2.2 - As teorias críticas.............................................................................12

1.3 - As concepções de organização curricular..........................................14

1.3.1 - Currículo por competências.............................................................15

1.3.2 – Currículo centrado nas disciplinas de referência............................16

1.3.4- Currículo centrado nas disciplinas ou matérias escolares................17

CAPÍTULO II......................................................................................................19

A TEORIA CRÍTICA E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DO

CURRÍCULO.....................................................................................................19

2.1 – Complexidade do processo de “disciplinarização” do “saber”..................20

2.2 - Currículo e Poder....................................................................................22

2.3 - Currículo e cultura...................................................................................23

2.4 – Currículo e controle do trabalho pedagógico.........................................24

CAPÍTULO III.....................................................................................................26

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MUDAM OS GOVERNOS, MUDAM AS IDÉIAS BASILARES... ......................26

3.1- O campo curricular no Brasil......................................................................27

3.2 - Alguns aspectos relevantes das diretrizes curriculares..........................28

3.3- LDB9394/96: um mosaico de disciplinas e conteúdos...............................33

3.4 - PCN e o Ensino Médio.............................................................................37

CONCLUSÃO....................................................................................................42

ÍNDICE...............................................................................................................47