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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO LEONARDO VIEIRA DE ÁVILA ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E A ASSIMETRIA INFORMACIONAL: A tutela da boa-fé objetiva e seus deveres colaterais à luz da experiência consumerista. CURITIBA, 2011.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO

LEONARDO VIEIRA DE ÁVILA

ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E A ASSIME TRIA

INFORMACIONAL: A tutela da boa-fé objetiva e seus deveres colaterais à luz da

experiência consumerista.

CURITIBA, 2011.

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LEONARDO VIEIRA DE ÁVILA

ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E A ASSIME TRIA

INFORMACIONAL: A tutela da boa-fé objetiva e seus deveres colaterais à luz da

experiência consumerista.

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Professor Doutor Carlyle Popp.

CURITIBA, 2011.

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LEONARDO VIEIRA DE ÁVILA

ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL E A ASSIME TRIA

INFORMACIONAL: A tutela da boa-fé objetiva e seus deveres colaterais à luz da

experiência consumerista.

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Curitiba.

Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

Presidente: ___________________________________

Professor Doutor ....

Orientador

___________________________________

Membro Interno ....

___________________________________

Membro Externo ....

Curitiba, 30 de Novembro de 2011.

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Dedico este trabalho aos meus pais que são a razão e o alimento da minha força de vontade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, fonte da vida e das instituições terrenas.

Aos meus pais, por serem a matriz de toda a educação, carinho, respeito e exemplo de

conduta que temos na vida.

Aos professores, coordenadores e funcionários do UNICURITIBA , pela dedicação

com que fazem do ensino jurídico uma lição de vida.

Aos orientadores desta pesquisa, Professor Doutor Carlyle Popp e Professor

Doutor Fábio Leandro Tokars, pela paciência e profissionalismo com que me instruíram

nas questões mais e menos complexas deste trabalho, essencialmente, mestres no contexto

literal da palavra.

A equipe de Ávila, Meurer & Morais Filho Associados, por toda a paciência e

profissionalismo que tiveram para entender minhas tantas ausências no período do Mestrado.

Aos meus colegas de magistério superior na graduação e pós-graduação da

UNIVALI e respectivos coordenadores, pela oportunidade de aliar os conhecimentos

teóricos recebidos no mestrado com a essencial prática de sala de aula.

Aos amigos de uma vida e os do mestrado também pelos momentos maravilhosos

que foram divididos no curso desta pesquisa.

Enfim, agradeço a todos que diretamente ou indiretamente, expressa ou tacitamente

contribuíram para a conclusão deste trabalho, sem a qual, por óbvio, não me seria possível

nesta data fazer estes cumprimentos

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“O ensino, como a justiça, como a administração, prospera e vive muito mais realmente da verdade e moralidade, com que se pratica, do que das grandes inovações e belas reformas que se lhe consagrem”.

Rui Barbosa

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RESUMO

Trata-se de pesquisa realizada junto ao programa de Mestrado do UNICURITIBA com o

objetivo de investigar as dificuldades encontradas pelo empresariado brasileiro quando da

celebração e concretização da alienação do estabelecimento empresarial, também conhecido

como contrato de trespasse. Tem-se que o grande temor daquele que adquirente o

estabelecimento comercial tem referência com a dimensão das responsabilidades que estará

assumindo e mais, se as responsabilidades objeto da assunção não irão além daquelas

essencialmente declaradas. Noutras palavras o objeto da pesquisa é o combate a assimetria

informacional no contrato de trespasse, ou seja, a omissão de informações importantes

daquele que vende para com aquele que compra o estabelecimento comercial, gerando

assunção de responsabilidades além do que aquilo que se poderia imaginar. Reconhecendo tal

problema nos contratos de trespasse, passou-se a analisar o Direito do Consumidor e a sua

tutela no tocante a assimetria informacional nas relações de consumo. Chegando-se no final

da pesquisa em conclusões de que se faz necessário tutelar a assimetria nos contratos

interempresariais também e que o rol protetivo do Código de Defesa do Consumidor,

especialmente no tocante a vulnerabilidade e boa-fé objetiva podem ser extensivamente

reconhecidos também no trespasse.

Palavras-chave: Trespasse, Boa-fé objetiva, Vulnerabilidade, Assimetria de Informações.

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ABSTRACT

It is research conducted by the Master's program UNICURITIBA with the objective of

investigating the difficulties faced by Brazilian business when concluding the sale and

delivery of the business establishment, also known as contract of trespass. It has been the

great fear that the merchant acquirer that has reference to the size of which will be assuming

responsibilities and more, if the object of responsibility beyond that assumption will not

essentially declared. In other words the object of research is to combat information

asymmetry in the contract of conveyance, the omission of important information that it sells

to the one who buys a business, generating assumption of responsibilities in addition to what

one might imagine. Recognizing this problem in takeover contracts, we started to analyze the

Consumer Law and its responsibility in regard to information asymmetry in consumer

relations. Arriving at the end of the research findings that it is necessary to protect the

asymmetry in interenterprise contracts and also that the protective role of the Consumer

Protection Code, especially regarding the vulnerability and objective good faith can also be

widely recognized in goodwill

Key word: Goodwill, Objective good faith, Information Asymmetry.

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SUMÁRIO

2 A ALIENAÇÃO DO ESTABALECIMENTO EMPRESARIAL: CONCE ITOS, REQUISITOS E PECULIARIDADES.................................................................................14

2.1. CONCEITO DE ESTABELECIMENTO .........................................................................14

2.2 OS ELEMENTOS FORMADORES DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL .......17

2.3 NATUREZA JURÍDICA DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL.........................24

2.4 CONTRATO DE TRESPASSE EMPRESARIAL: DEFINIÇÕES E REQUISITOS .......30

2.5 EFICÁCIA DA ALIENAÇÃO...........................................................................................34

2.6 A AVERBAÇÃO DO CONTRATO DE TRESPASSE NA JUNTA COMERCIAL........38

2.7 SUCESSÃO EMPRESARIAL...........................................................................................41

2.8 O PROBLEMA DA ASSIMETRIA INFORMACIONAL NOS CONTRATOS DE TRESPASSE ............................................................................................................................47

3 – DO SISTEMA DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: DEFINIÇÕES, REQUISITOS E APLIC AÇÃO EM SITUAÇÕES PRÁTICAS......................................................................................................53

3.1 A EVOLUÇÃO DO MERCADO DE CONSUMO E A NOVA REALIDADE CONSUMERISTA ...................................................................................................................54

3.1.1 O surgimento da tutela ao consumidor e suas consequências práticas ....................57

3.2 DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR ....................................................................................58

3.3 DEFINIÇÃO DE FORNECEDOR.....................................................................................62

3.4 ATIVIDADE E RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO ................................................63

3.5 RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO .......................65

3.6 RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO.......................68

3.7 PROTEÇÃO CONTRATUAL...........................................................................................72

3.8 DA APLICAÇÃO PRÁTICA DOS POSTULADOS DE BOA-FÉ OBJETIVA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NAS LINHAS MAIS COMPLEXAS.............76

3.8.1 Argumentos contrários: inexistência de cláusula contratual obrigacional, ou existência de cláusula expressa que exima a instituição financeira da responsabilidade 76

3.8.1.1 Do fato da instituição financeira não ser fornecedora do produto ........................79

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3.8.1.2 Da ausência de interesse na fiscalização da construção ..........................................82

3.8.2 Argumentos Favoráveis ................................................................................................84

3.8.2.1 Abusividade da cláusula que exime a instituição financeira de responsabilidade por vício redibitório................................................................................................................85

3.8.2.2 Publicidade..................................................................................................................89

3.8.2.3 Interesse na fiscalização da construção para que o imóvel possa servir de garantia idônea do contrato...................................................................................................91

3.8.2.4 Da omissão da instituição financeira perante o descumprimento do cronograma físico-financeiro da construção..............................................................................................93

3.8.2.5 Da aferição de lucro como causa de responsabilização...........................................95

3.9 A TUTELA PENAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR ................................................97

3.10 DEVERES IMPOSTOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO E SUAS BENESSES.........98

4 O DEVER DE BOA-FÉ (OBJETIVA) NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS .........101

4.1 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: ORIGEM E CARACTERÍSTICAS ENQUANTO CONTEXTO DAS RELAÇÕES COMERCIAIS ...........................................102

4.1.1 A origem do Estado Democrático de Direito.............................................................103

4.1.2 Características .............................................................................................................104

4.2 A BOA-FÉ (OBJETIVA) ENQUANTO INSTITUTO CATEGÓRICO DE ORIENTAÇÃO DA CONDUTA HUMANA........................................................................107

4.2.1 A teoria da confiança como elemento a gerar expectativas exigíveis......................108

4.2.2 A boa-fé subjetiva e seus contornos teóricos.............................................................112

4.2.3 A boa-fé objetiva no Estado Democrático de Direito verificado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.............................................................................114

4.2.3.1 O alcance do dever de boa-fé objetiva nos contratos empresariais .....................123

4.2.3.2 A extensão do dever de boa-fé objetiva nos contratos empresariais....................125

4.2.3.3 O princípio de boa-fé objetiva e a assimetria de informações..............................127

4.2.3.4 A (in) observância da boa-fé objetiva e o abuso de direito ...................................131

4.3 A OCULTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, O DANO E A RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE DE MÁ-FÉ......................................................................................................132

4.3.1 A teoria do crime no ordenamento jurídico pátrio ..................................................135

4.3.2 O crime de Estelionato e sua tutela............................................................................137

4.3.3 A possível classificação criminal da (in)observância da boa-fé objetiva ................139

4.4 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS CONTRATOS EMPRESARIAIS................................................................................................................................................143

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CONCLUSÃO.......................................................................................................................146

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................152

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1 INTRODUÇÃO Reputa-se de extrema importância tratar nesta seara introdutória da pesquisa acerca das razões

que conduziram a análise da temática assimetria informacional nos contratos de alienação do

estabelecimento empresarial, também conhecido como contrato de trespasse.

Com efeito, a atividade empresarial é a mola propulsora da economia brasileira,

gerando riquezas e movimentando diuturnamente as instituições financeiras, administrativas e

políticas, razão pela qual o estudo desta atividade complexa e altamente dinâmica é sempre de

extrema importância para o desenvolvimento social sustentável.

Dentro dos diversos aspectos da atividade empresarial do nosso cotidiano, a alienação

do estabelecimento comercial ou trespasse, tem se mostrado ao mesmo tempo em que uma

operação importante para a evolução e sustentabilidade empresarial, também complicada em

face dos temores relacionados com a assunção de responsabilidade pelos adquirentes não

declaradas pelos alienantes.

Com efeito, imperioso reconhecer que as operações de trespasse têm um problema de

assimetria informacional que necessita ser mais bem tutelado, a fim de permitir que o

mercado acredite na credibilidade destas operações que são importantes métodos para a

manutenção, sustentabilidade e evolução da atividade empresarial.

Analisando o contexto histórico do ordenamento jurídico brasileiro, especialmente a

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, constatou-se uma preocupação do

constituinte brasileiro com a tutela das relações de consumo e também com a proteção

daquele que entendeu o legislador ser a parte mais frágil da relação, ou seja, o consumidor.

Tanto que dois anos mais tarde, em 1990, entrou em vigor o Código de Defesa do

Consumidor, com um arcabouço magnífico de tutelas para minorar os efeitos da assimetria

informacional nas relações entre consumidores e fornecedores de produtos ou serviços.

Contam os mais antigos, inclusive, que na entrada em vigor do Sistema de Proteção e Defesa

do Consumidor, os fornecedores afirmavam desesperados que nunca iriam conseguir atender

a todas as exigências da nova lei, assim como os efeitos do neo-regramento seriam maléficos

à economia, eis que gerariam o encerramento da atividade de muitas empresas e o

encarecimento dos produtos e serviços disponibilizados ao mercado de consumo.

Passados mais de vinte anos da entrada em vigor do Código de Defesa do

Consumidor, o que se visualiza é um contexto completamente diferente daquele que se tinha

até 1990. Efetivamente, hoje o consumidor é respeitado e possui muita força perante os seus

fornecedores tanto extra como judicialmente.

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Diante destes reconhecimentos, primeiramente da assimetria informacional nos

contratos de trespasse e depois da tutela da mesma questão informacional nas relações de

consumo, passou-se ao longo dos três capítulos desta pesquisa a traçar um paralelo entre a

operação de alienação do estabelecimento comercial com as operações de compra e venda de

produtos e serviços no mercado de consumo em busca de uma conclusão que pudesse

aproximá-las.

No segundo capítulo tratou-se da operação de trespasse, seu conceito, características,

extensões, responsabilidades, requisitos e o problema da assimetria informacional nos seus

contratos, quando os adquirentes acabam tendo que assumir dívidas além das declaradas pelo

alienante em decorrência do instituto da sucessão empresarial.

No terceiro capítulo buscou-se traçar a evolução histórica do Sistema de Proteção do

Consumidor em território brasileiro, as definições de consumidor, fornecedor, relação de

consumo. Tratou-se também da defesa do consumidor nos casos de acidente de consumo e

defeito do produto ou serviço prestado, finalizando com a aplicação das tutelas de defesa do

consumidor nas relações mais complexas, tal qual a relacionada com a responsabilização da

instituição financeira por vícios decorrentes da construção quando participante do fomento

financeira e das etapas da obra.

No quarto e último capítulo fez-se um análise das possíveis tutelas aplicáveis à

operação de alienação do estabelecimento comercial em decorrência do Sistema de Proteção e

Defesa do Consumidor, assim como da tutela penal encontrada no artigo 171 do Código Penal

Brasileiro aplicada ao alienante que se omite em relação ao dever de boa-fé objetiva no

contrato de trespasse.

Com efeito, toda a discussão trazida nestes três capítulos tem como tema de fundo o

princípio da boa-fé objetiva e da confiança, seus contornos e extensões, emanando efeitos nas

condutas humanas em todos os seus aspectos, desde a relação interpessoal como a

interempresarial.

Sendo esta a síntese do necessário para dar um panorama daquilo que será tratado

nesta pesquisa, convida-se o leitor a continuar com a leitura e compartilhar daquilo que foi

objeto de algumas horas de dedicação e esforço do autor desta obra em busca de dar uma

contribuição, ainda que de forma tímida, para a evolução da ciência do Direito.

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2 A ALIENAÇÃO DO ESTABALECIMENTO EMPRESARIAL: CONCE ITOS,

REQUISITOS E PECULIARIDADES

Em se tratando da atividade comercial como o desempenho de importante função a

que o Estado deve promover especial atenção, por se tratar de atividade intimamente ligada ao

funcionamento da economia entendida como um todo, destaca-se nesta pesquisa o ponto da

atividade comercial em que ocorre a transferência da titularidade, com o intuito de possibilitar

a continuidade do desenvolver das atividades comerciais, dos bens de determinado

estabelecimento comercial12.

Trata-se, pois, de atividade interessante ao Estado, à sociedade e, consequentemente,

à economia, visto que se trata de uma continuidade das atividade desenvolvidas com o intuito

de gerar riquezas. Neste sentido, a perpetuidade do estabelecimento comercial, enquanto

organização dos meios de produção destinado a obtenção do lucro3, acaba por contribuir

diretamente com o todo social, ao passo que gera riquezas e cumpre a sua função social de

atividade econômica4.

Assim, o estudo delineado nos parágrafos que seguem dispõe acerca do contrato de

trespasse, as definições que circundam tal ajuste e as condições necessárias para que tal

contratação se verifique, bem como uma análise crítica dos princípios constitucionais que

reservam ligação com o tema.

2.1. CONCEITO DE ESTABELECIMENTO

Para tornar possível o exercício da atividade empresarial, se faz necessário o uso e

utilização de determinados bens por parte do empresário, que de forma organizada compõe

estabelecimento empresarial5. Dentro da legislação vigente, encontra-se o conceito e a

regulamentação do estabelecimento empresarial no art. 1.142 do Código Civil, in verbis6:

“Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para

1 FOGIONI, Paula. A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2009, p. 128. 2 TEDESCHI, Sérgio Henrique. Contrato de Trespasse de Estabelecimento Empresarial e sua Efetividade

Social. Curitiba: Juruá, 2010, p. 59. 3 Idem, p. 21. 4 Idem, p. 97-99. 5 FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I : O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 124. 6 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 27 mar. 2010.

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exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.

Em consonância com o dispositivo legal abordado, destaca-se que não basta se obter

um complexo de bens para caracterizar o estabelecimento empresarial, ou seja, é necessário

que este seja exclusivamente destinado a exercer a atividade de empresa, caso contrário esse

complexo de bens define-se apenas como fundo de negócio7.

Este fundo de negócio se inicia quando o empresário ou sociedade empresaria reúne

o conjunto de bens necessários para que a atividade de empresa possa ser exercida. Já o seu

encerramento ou término se dará quando passar a não existirem mais os bens essenciais para o

funcionamento do estabelecimento empresarial8.

O estabelecimento empresarial trata-se do meio pelo qual o empresário exerce a

atividade de empresa, tendo como uma de suas características mais importantes o fato de este

ser o principal instrumento de atividade do empresário, haja vista que o estabelecimento é a

base física da empresa, constituindo-se pleno instrumento da atividade empresarial9.

Além disso, este complexo de bens necessários para que se tenha caracterizado o

estabelecimento empresarial, conforme dispõe o Código Civil, não figura como único

requisito, incluindo-se a este conjunto também as atividades desenvolvidas no

estabelecimento, como a administração e o exercício da empresa, assim como sua equipe de

funcionários10.

Entretanto, cabe mencionar que o conceito de estabelecimento empresarial e de

empresa não devem ser confundidos, uma vez que a empresa é considerada apenas como uma

universalidade de direito11, enquanto o estabelecimento encontra-se na condição de

instrumento necessário para o exercício de atividades econômicas pelo empresário ou pela

sociedade empresária12.

Neste momento, torna-se relevante mencionar o conceito de empresário previsto no

Código Civil de 2002, em seu artigo 966, esclarecendo que não há nenhum elo entre os

conceitos de estabelecimento empresarial, empresa e empresário, a saber:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade

7 FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 124. 8 TOKARS, Fábio. Estabelecimento empresarial. São Paulo: Ltr, 2006, p. 46-49. 9 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 270. 10 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1037. 11 VENOSA, Silvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 10. ed. São Paulo:

Atlas, 2010, p. 35. 12 ALMEIDA, Amador Paes. Manual das Sociedades Comerciais: Direito de Empresa. 16.. ed. São Paulo:

Saraiva, 2007, p. 19.

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econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo Único: Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. (BRASIL. Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 27/12/2010).

Não somente torna-se relevante ressaltar a falta de ligação entre os conceitos acima

mencionados, como também é de grande importância enfatizar que, tanto o empresário, como

pessoa física e a figura da empresa ou da sociedade empresária possuem patrimônios

distintos13.

Esta separação entre os bens do empresário titular do estabelecimento e da empresa

ou da sociedade empresária ocorre pelo fato de que, não necessariamente os bens que

compõem o patrimônio particular do empresário, precisam ser os bens componentes do

patrimônio do estabelecimento empresarial14.

Tal confusão pode ocorrer devido ao fato de que o empresário dispõe de bens que

não precisamente se comunicam com os bens pertencentes ao estabelecimento empresarial.

Ou seja, podem existir bens que constem no ativo do empresário, mas que não fazem parte do

complexo de bens para o exercício da empresa15, como no caso das sociedades por quotas de

responsabilidade limitada em que o patrimônio pessoal dos sócios não será atingido por

obrigações contraídas pela sociedade, salvo nos limites do capital social que se comprometeu

a integralizar e eventualmente ainda não tenha feito.

Ante as distinções acima destacadas acerca da empresa ou sociedade empresária,

bem como da figura do empresário, percebe-se que a formação do estabelecimento é de certa

forma inerente a vontade do empresário ou da sociedade empresária, tendo em vista

determinadas características de sua formação, bem como do seu funcionamento16.

Esta proximidade caracterizada no âmbito do processo de formação do

estabelecimento empresarial ocorre, pois se trata de um complexo de bens de diversas

naturezas, que possibilitam o exercício da atividade empresarial, podendo ser alienado de

maneira independente da empresa, uma vez que o estabelecimento é objeto e não sujeito de

direitos17.

13MAMEDE, Gladston. Empresa e Atuação Empresarial, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 201. 14Idem, p. 201. 15Idem, p. 201. 16COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa, 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009,

p.56- 57. 17Idem, p.56- 57.

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Destarte, torna-se possível compreender que o estabelecimento empresarial, tendo

como objeto formador o seu complexo de bens, juntamente com a equipe que labora para o

funcionamento deste, bem como com sua direção, fazem com que se obtenha o conjunto que,

por fim, resulta no exercício pleno da empresa, ou seja, faz com que esta tenha como principal

objetivo prestar bens ou serviços ao seu conjunto de clientes18.

Imperioso mencionar que todos estes componentes do estabelecimento empresarial,

quais sejam, seus bens corpóreos e incorpóreos, seus funcionários e sua equipe, bem como a

pessoa responsável pela atividade de empresa, ou seja, o empresário, apesar de estarem

reunidos a um objetivo de igual fim, encontram-se distintos uns dos outros, tendo suas

funções pré-estabelecidas para o exercício da empresa19.

Por fim, compreende-se que o denominado estabelecimento empresarial resume-se

ao conjunto de bens corpóreos e incorpóreos necessários para que o empresário ou a

sociedade empresária possa exercer suas atividades, não tendo este nenhuma ligação com os

conceitos de empresário e de empresa20.

2.2 OS ELEMENTOS FORMADORES DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Neste momento, torna-se de suma importância ressaltar que, por ser o

estabelecimento empresarial um conjunto de diversos e variados bens que possibilitam seu

funcionamento, bem como o exercício da atividade de empresa pelo empresário ou pela

sociedade empresária, este nos remete a ideia de universalidade21.

Este caráter de universalidade atribuído ao estabelecimento empresarial ocorre

devido ao seu leque de componentes que, não se resumem apenas em bens. Conta-se

igualmente para sua formação, as pessoas que trabalham para que o estabelecimento

funcione22.

Dentre os diversos componentes do estabelecimento empresarial, encontraram-se

duas grandes classificações para seus bens, quais sejam, bens corpóreos e bens incorpóreos23.

Os elementos constituídos nestes conjuntos, sejam eles de qualquer das duas categorias,

18ALMEIDA, Amador Paes. Manual das Sociedades Comerciais: Direito de Empresa, 16. ed. São Paulo:

Saraiva, 2007, p. 19. 19Idem, p. 23. 20VENOSA, Silvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 10. ed. São Paulo:

Atlas, 2010, p. 33-35. 21RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1039. 22POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 41. 23REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 282.

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possuem um valor econômico individual, valor este que agrega-se ao patrimônio do

estabelecimento24.

Os bens classificados como corpóreos podem ser definidos como aqueles que se tem

acesso físico, por exemplo, as mercadorias, as máquinas utilizadas para a produção de

produtos, o imóvel onde o estabelecimento se encontra25 juntamente com seus móveis

componentes e que sejam utilizados neste, bem como seus veículos e todos os equipamentos

eletrônicos26.

Já os bens definidos como incorpóreos tratam-se daqueles que não ocupam parte do

mundo físico, diferente dos corpóreos que são bens materiais, ou seja, não são bens que se

pode ter acesso através do tato, baseando-se estes em bens que estão na consciência das

pessoas, ou seja, os bens denominados de imateriais27.

São exemplos de bens incorpóreos os direitos inerentes ao estabelecimento

empresarial, a sua marca, o direito ao ponto,28 como também os segredos profissionais e os

contratos elaborados pelo estabelecimento.29 Entram também na classificação dos bens

imateriais ou incorpóreos o ponto empresarial, os desenhos industriais,30 o aviamento e a

clientela31.

Estes bens corpóreos e incorpóreos acima definidos e classificados possuem

características que os tornam semelhantes ao conceito de coisa. Isto ocorre pelo fato de estes

bens estarem disponíveis para a utilização do empresário ou da sociedade empresaria,

expressando valor econômico e sendo regidos pelas normas do direito vigente32.

Não somente a classificação genérica dos bens que compõem o estabelecimento é

suficiente para compreender sua formação e seu funcionamento, sendo necessária uma análise

mais profunda acerca de seus elementos formadores. Para tanto, inicia-se a referida análise

pelo elemento denominado de ponto comercial, ou seja, o local onde o estabelecimento se

24MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial – Empresa Comercial, Empresários individuais,

Microempresas, Sociedades Empresárias, Fundo de Comércio. 31. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 413.

25 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 282. 26 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1039. 27 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 284. 28COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa, 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009,

p. 57. 29 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1039. 30VENOSA, Silvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 10. ed. São Paulo:

Atlas, 2010, p. 34. 31POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 54. 32FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 137.

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encontra33.

O ponto comercial tem extrema relevância para o bom desempenho da atividade

empresarial, uma vez que este serve como referência para a clientela, ou seja, é para onde esta

se desloca quando tem o interesse de obter os serviços ou produtos da empresa34.

É no elemento denominado de ponto comercial que irá ser exercida a atividade de

empresa, é nele que o público irá à procura dos produtos ou serviços oferecidos pela empresa.

Desta forma, dependendo da atividade a ser explorada, o ponto comercial torna-se critério de

máxima relevância dentro das prioridades do estabelecimento empresarial35.

Não obstante, o ponto comercial pode ser definido como um bem incorpóreo,

componente do estabelecimento empresarial, uma vez que este muitas vezes é fruto de um

contrato de locação comercial. Logo, este elemento definido como ponto comercial encontra-

se distinto do imóvel onde se situa a empresa, pois o estabelecimento é de propriedade do

empresário ou da sociedade empresária36.

Apenas a título de complementação, convêm destacar que a conceituação feita acerca

do ponto comercial pode englobar também o mundo virtual, ou seja, na internet o ponto

comercial também pode existir, uma vez que diversas empresas possuem sites e oferecem

seus serviços online, realizando desta forma inúmeros negócios não somente dentro do país,

mas também no mundo37.

Ademais, torna-se crucial para o sucesso na atividade a ser realizada pelo empresário

ou pela sociedade empresária, a divulgação feita acerca dos produtos ou serviços oferecidos,

de modo que a publicidade é uma parceria de sucesso para se obter excelentes resultados38.

Todo o complexo de bens que formam o estabelecimento empresarial, conforme

visto outrora, faz com que a empresa gere resultados econômicos, resultados estes que

permitem o estabelecimento dotar-se de mais um elemento componente, o aviamento, ou

também chamado atualmente de goodwill39.

Além dos componentes do estabelecimento empresarial já vistos, ou seja, seu

33FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 139. 34 Idem, p. 139. 35MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial – Empresa Comercial, Empresários individuais,

Microempresas, Sociedades Empresárias, Fundo de Comércio. 31. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 418.

36REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 284. 37MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial – Empresa Comercial, Empresários individuais,

Microempresas, Sociedades Empresárias, Fundo de Comércio. 31. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 419.

38Idem, p. 419. 39VENOSA, Silvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 10. ed. São Paulo:

Atlas, 2010, p. 34

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conjunto de bens ou sua equipe técnica que labora para fazer com que o estabelecimento

funcione, há de se ressaltar a necessidade da existência de um objetivo central, ou seja, um

objetivo pessoal vindo do empresário em alcançar determinada meta com o negócio, noutras

palavras, o objetivo em gerar lucro40.

Destarte, trata-se o aviamento desta capacidade do estabelecimento de gerar

economia e lucratividade.41 Assim, entende-se por aviamento o conjunto de fatores que

tornam possível o bom desempenho do estabelecimento empresarial e a geração de lucros.

São exemplos de aviamento a sua localização, uma boa equipe de funcionários, bem como um

bom nome comercial, dentre outros fatores42.

Este elemento do estabelecimento denominado de aviamento é de grande relevância

principalmente quando se fala em alienação ou negociação, pois, quanto maior o aviamento

de uma empresa mais bem vista esta se tornará e mais esta valerá, uma vez que, por ser

elemento do estabelecimento, este tem valor patrimonial agregado em si43.

Desta forma, quando o estabelecimento empresarial encontrar-se em fase de

negociação, como, por exemplo, de alienação, este deverá ser analisado economicamente não

somente pelo seu conjunto de bens, mas também pela sua capacidade de gerar lucro, de modo

que o aviamento é um sobrevalor atribuído ao estabelecimento44.

Ressalta-se mais que o aviamento não se trata de algo individualizado do

estabelecimento, ou seja, por tratar-se de uma qualidade do estabelecimento, este não pode ser

objeto de negociação separadamente do estabelecimento empresarial. Logo, se a empresa

eventualmente for desfeita, o aviamento irá se perder com ela45.

Integra também o estabelecimento empresarial o conjunto de clientes, as pessoas que

utilizam e adquirem os serviços ou bens oferecidos pela empresa, denominado de clientela.46

Entretanto, cabe mencionar que a clientela não se trata de um bem material, sendo esta apenas

uma espécie de ligação entre os clientes e a empresa, fazendo com que estes adquiram seus

40POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 7. 41 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007, p. 1040. 42MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial – Empresa Comercial, Empresários individuais,

Microempresas, Sociedades Empresárias, Fundo de Comércio. 31. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007, p. 446.

43RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007, p. 1040. 44POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 7. 45MAMEDE, Gladston. Empresa e Atuação Empresarial, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 209. 46RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1037.

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serviços47.

Esta clientela resume-se a um conjunto de clientes que constantemente usufruem dos

serviços prestados pelo estabelecimento ou que adquirem bens oferecidos por este, mediante

uma relação de lealdade ou apenas pela qualidade dos serviços prestados. Neste momento,

torna-se relevante diferenciar a clientela do que se chama popularmente de freguesia48.

Diferente da lealdade existente no conjunto de clientes denominado de clientela, na

freguesia não se observa a mesma característica, uma vez que as pessoas que adquirem os

bens ou se utilizam dos serviços assim o fazem por razões alheias a qualidade do

estabelecimento, sendo apenas uma cultura geográfica, por exemplo, ao passo que, ocorrendo

a troca do estabelecimento, a freguesia passará a freqüentar o novo normalmente49.

Ademais, a freguesia é composta pelo grupo de pessoas que freqüenta o

estabelecimento empresarial habitualmente. Verifica-se ainda a necessidade de haver um bom

aviamento no estabelecimento para que este possua determinada freguesia. Deste modo,

mesmo não tendo como característica a lealdade dos clientes, a freguesia também é um fator

de grande relevância para o bom desempenho do estabelecimento empresarial50.

Por oportuno, torna-se de suma importância não confundir os conceitos de clientela e

aviamento. Isto ocorre, pois nenhum destes existem sem a presença do estabelecimento, logo,

não são integrantes individuais deste, dependendo diretamente do estabelecimento para

existirem. A ligação que ocorre entre estes dois elementos surge pelo fato de um beneficiar o

outro, assim, quanto melhor o aviamento, melhor a clientela, e vice-versa51.

Referente a proteção legal da clientela, não há previsão direta para sua defesa, sendo

protegida somente pelo artigo 52, §3º da Lei 8.245 de 1991, in verbis:

Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se: [...] §3.º O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com a mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar.( BRASIL,1991. Lei nº 8.245 de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos

47FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O

estabelecimento Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 131. 48 Idem, p. 131. 49 Idem, p. 131. 50MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial – Empresa Comercial, Empresários individuais,

Microempresas, Sociedades Empresárias, Fundo de Comércio. 31. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 447.

51FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento Empresarial, As Sociedades, 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 130-131.

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a elas pertinentes. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8245.htm> Acesso em 18/02/2011)

Destarte, conclui-se que o aviamento, bem como a clientela não são bens materiais

componentes do estabelecimento empresarial, ao passo que apenas agregam valor para fins de

negociação. São definidos como fatores de suma importância para o bom funcionamento do

estabelecimento, mas que não tem individualidade, fato este que os tornam dependentes do

funcionamento da empresa52.

Não somente como valor agregado ao estabelecimento, como é o caso do aviamento

e da clientela, o nome empresarial configura-se como elemento do estabelecimento. Este

nome empresarial, também denominado de sinal distintivo, tem como escopo identificar o

estabelecimento, seus produtos e os serviços por ele prestados53.

O elemento do estabelecimento denominado de nome empresarial é de grande

relevância para o exercício da atividade pelo empresário ou pela sociedade empresária, uma

vez que é a partir do nome empresarial que o titular do estabelecimento é identificado54.

É por meio desta identificação do titular do estabelecimento empresarial, ou seja, a

partir do nome empresarial atribuído ao estabelecimento, que este tem o marco inicial do seu

rol de obrigações, direitos e deveres resultantes da atividade por ele exercida55.

Dentro da legislação vigente, quanto ao nome empresarial atribuído ao

estabelecimento, cabe mencionar que este encontra proteção legal na CRFB/88, fazendo parte

do estabelecimento56. É a disciplina do art. 5º, inciso XXIX da CRFB/88, in verbis:

XXIX. a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresa e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país;( BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm > Acesso em: 24/08/ 2010.

Além do nome empresarial, é de salutar importância tratar sobre a existência de

outros fatores que auxiliam na identificação da empresa, quais sejam, os sinais e as expressões

de propaganda, bem como o título do estabelecimento. Estes dois elementos resumem-se em

52VENOSA, Silvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 10. ed. São Paulo:

Atlas, 2010, p. 34. 53FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 104. 54TOKARS, Fábio. Estabelecimento empresarial. São Paulo: Ltr, 2006, p. 69. 55Ibdi, p. 69. 56FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 141.

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anúncios, propagandas, gravuras ou expressões que auxiliam na divulgação do próprio

estabelecimento e de seus produtos ou serviços57.

Acerca das criações intelectuais da empresa e das expressões ou sinais de

propaganda do estabelecimento, tem-se a idéia de que, o primeiro trata-se das criações

produzidas pela empresa, bem como seus desenhos industriais. Já o segundo, define-se como

um atrativo para a clientela, ou seja, a utilização de sinais para chamar a atenção do

consumidor em relação a determinado bem ou serviço58.

Já o título do estabelecimento empresarial não pode ser confundido com o nome

empresarial, uma vez que se tem como título apenas uma indicação da empresa, sendo de sua

propriedade outro nome. Traz-se como exemplo a ideia de uma grande empresa que possua

diversos estabelecimentos, assim, não necessariamente estes tenham que ter o mesmo nome

da empresa59.

Compreende-se por título do estabelecimento uma espécie de nome fantasia que é

atribuído ao estabelecimento empresarial que serve para que este se torne de conhecimento

geral. Este título atribuído ao estabelecimento faz também parte de seus elementos, sendo

assim, gera valor patrimonial ao estabelecimento60.

Este título desempenha grande papel no funcionamento e desenvolvimento do

estabelecimento empresarial, uma vez que serve para tornar a atividade exercida ou o serviço

prestado de conhecimento do público.61 Porém, cabe mencionar que o título, por ser elemento

componente do estabelecimento empresarial, poderá também ser sujeito de negociações62.

Por oportuno, cabe ressaltar que a Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996, que regula a

propriedade industrial, não dispõe acerca do registro do título do estabelecimento63, de modo

que o título do estabelecimento encontra proteção somente no Código Civil em seu artigo

186, bem como no artigo 195 do Código de Propriedade Industrial64.

O artigo 186 do Código Civil vigente, bem como o artigo 195 do Código de

57POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 53. 58FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 146-147. 59Idem, p. 143. 60MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial – Empresa Comercial, Empresários individuais,

Microempresas, Sociedades Empresárias, Fundo de Comércio. 31. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 426.

61Idem, p. 427. 62MAMEDE, Gladston. Empresa e Atuação Empresarial, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 220. 63REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 270-290. 64NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006, p. 81.

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Propriedade Industrial65 estabelecem, respectivamente:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 195. Comete crime em concorrência desleal quem: [...] V – usa, indevidamente, o nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com estas referências. (BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 27/12/2010).

Waldo Fazzio Junior remete claramente a ideia de distinção entre o nome atribuído

ao estabelecimento empresarial e a sociedade empresária. Em sua obra o autor menciona o

exemplo de um estabelecimento empresarial denominado de Casa Portuguesa, porém, que é

de propriedade do empresário Manuel Madeira & Cia66.

Nesse rumo, destaca-se que o uso do nome somente terá término com o

encerramento da atividade empresarial, podendo este também ser cancelado mediante

solicitação feita ao Registro Público de Empresas Mercantis. Por conseguinte, ressalta-se que

o referido registro é resultante da tutela que dá a proteção jurídica ao nome empresarial67.

Ainda encontram-se como elementos do estabelecimento e consequentemente de

proteção legal, as marcas de produtos e serviços, bem como as criações intelectuais da

empresa68. Tem-se como a ideia de marca um símbolo que faça com que aquele

estabelecimento seja diferente dos demais69.

Por fim, conclui-se que todos estes elementos componentes do estabelecimento

empresarial reunidos tem o objetivo de tornar possível a atividade de empresa, destinando-se

a gerar resultados favoráveis e condições de permanência em exercício70.

2.3 NATUREZA JURÍDICA DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Por ser um elemento componente da empresa e não um ente individualizado desta,

65BRASIL. Lei 9.279 de 14 de janeiro de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm> Acesso em: 30 jan. 2010. 66FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 143. 67Idem, p. 143. 68Idem, p. 143-146. 69FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 144. 70Idem, p. 33-34.

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destaca-se a carência de independência jurídica atribuída ao estabelecimento empresarial, uma

vez tratar-se de uma agregação feita ao patrimônio da empresa ou da sociedade empresária71.

Compreende-se que o estabelecimento empresarial não possui personalidade jurídica

própria, sendo que esta característica pertence à empresa, porém, esta falta de personalidade

faz com que as negociações envolvendo o estabelecimento, tais como alienação, locação,

dentre outras, poderão somente ser efetuadas mediante a figura da empresa72.

Logo, torna-se possível a negociação de um ou mais estabelecimentos empresariais

por parte da empresa, sendo que se tornam objetos de negociação juntamente com o

estabelecimento todos os elementos pertencentes deste já vistos anteriormente, quais sejam, o

ponto comercial, o aviamento, os bens corpóreos e incorpóreos, dentre outros como os débitos

e créditos existentes73.

Nesse sentido, como o estabelecimento trata-se de um complexo de bens com a

finalidade de uma atividade organizada de empresa, verifica-se que este apesar de não possuir

autonomia perante a empresa, igualmente, não possui caráter singular, vez que é composto de

diversos bens de diferentes naturezas e elementos suficientes para atribuir-lhe o caráter de

universalidade74.

Esta proximidade entre obrigações e bens, bem como direitos e deveres oriundos do

estabelecimento empresarial não se configuram como uma entidade isolada, devendo ser

analisada como um ente universal75. Tal definição encontra-se respaldada pela legislação

vigente, especificadamente no Código Civil, em seu artigo 90, in verbis:

Art. 90. Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária. Parágrafo Único. Os bens que foram essa universalidade podem ser objetos de relação jurídica própria. (BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 15/08/2010)

Maria Helena Diniz remete a ideia de que a universalidade de fato pode ser vista

como um conjunto de bens, que de forma organizada visa determinado fim, sendo que estes

71RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1037. 72VENOSA, Silvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 10. ed. São Paulo:

Atlas, 2010, p. 35. 73Idem, p. 35. 74FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 133. 75Idem, p. 133.

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reunidos tem um objetivo como ideal, qual seja, a atividade de empresa76.

Assim, entende-se claramente que mesmo sendo necessário um conjunto de bens

reunidos para que o estabelecimento empresarial funcione, nada impede que eles possam ser

objetos de negociação jurídica de forma individual, uma vez que cada um possui específica

função, bem como valor patrimonial agregado em si77.

Apesar de os bens componentes do estabelecimento empresarial possuírem caráter

individual, bem como valor econômico próprio, esta característica do estabelecimento, de ser

dotado de caráter de uma universalidade de fato, não impede que seus elementos sejam

objetos de negociação separadamente, ou seja, seus elementos podem ser sujeitos em qualquer

espécie de transação78.

Fábio Ulhoa Coelho é enfático em mencionar que, realmente os bens componentes

do estabelecimento empresarial podem ser objetos de negociações jurídicas, porém, tais

negócios jurídicos devem ser efetuados com cautela, para que não se tenha diminuído o valor

econômico do estabelecimento79.

Nesse rumo, compreende-se que a utilização de todos ou de grande parte dos

elementos componentes do estabelecimento empresarial pode gerar prejuízos a este,

resultando até na perda do estabelecimento, uma vez que este deixará de ser uma estrutura

organizada e componente de um complexo de bens destinados a atividade de empresa80.

O Código Civil vigente, em seu artigo 1.143 nos remete claramente a ideia da

conceituação acima exposta, restando cristalina a possibilidade de o estabelecimento

empresarial ser objeto de relações jurídicas. Note-se:81

“1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direito e de negócios jurídicos,

translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com sua natureza”.

Em consonância com o artigo acima exposto, Maria Helena Diniz leciona que o

estabelecimento empresarial possui a possibilidade de ser objeto de relações jurídicas devido

a sua universalidade de fato, haja vista que o estabelecimento incorpora bens de diversas

naturezas tendo o escopo de viabilizar a atividade de empresa82.

76DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 136. 77Idem, p. 136. 78FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 133. 79COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa, 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009,

p.56-57. 80Idem, p.56-57. 81BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 08/2010. 82DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 770-771.

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Gladston Mamede leciona que, os negócios jurídicos chamados de translativos são

aqueles em que se tem como escopo efetuar a transmissão de determinado direito, tendo como

exemplo a sucessão resultante do empresário que apenas possui um herdeiro, que deverá

tomar todas as providências nos órgãos competentes para tomar propriedade do

estabelecimento ou efetuar a transição que achar conveniente83.

Ainda na visão do mesmo autor, os negócios jurídicos denominados de constitutivos,

compreendem os que têm como constituição o próprio estabelecimento empresarial, tendo

como limite a estes negócios os ditames da legislação vigente, bem como a natureza jurídica

do estabelecimento empresarial84.

Nesse rumo, compreende-se que esta organização de bens componentes do

estabelecimento empresarial ocorre devido a iniciativa do empresário ou da sociedade

empresária, não sendo este resultado de lei85.

O conjunto de bens reunidos pela vontade única do empresário ou sociedade

empresária possui um valor atribuído, ou seja, quando estes bens são reunidos para que se

possa exercer a atividade de empresa, geram automaticamente um valor patrimonial sobre

seus elementos formadores86.

Logo, a universalidade de direito não se encaixa no conceito de estabelecimento

empresarial atual no Brasil, uma vez que esta forma-se somente através de determinação

legal.87 Esta universalidade de direito, diferente da universalidade de fato que é constituída de

bens de diversa natureza, constitui-se apenas de bens de um mesmo segmento, ou seja, de

uma mesma espécie88.

Para compreender a definição desta universalidade de direito, cumpre analisar o que

a legislação vigente aborda acerca do tema:89

“Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de

uma pessoa, dotada de valor econômico”.

Vera Helena de Mello Franco é enfática em mencionar que o caráter de

universalidade de direito não é atribuído ao estabelecimento empresarial pelo fato deste

resultar do que é expressamente previsto na lei, diferentemente da universalidade de fato que

83MAMEDE, Gladston. Empresa e Atuação Empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 205. 84Idem, p. 205-206. 85REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 270-276. 86Idem, p. 102. 87Idem, p. 271. 88VENOSA, Silvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 10. ed. São Paulo:

Atlas, 2010, p. 35 89BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 08/08/2010.

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depende exclusivamente de quem exerce a atividade de empresa90.

Dentro da esfera da natureza jurídica do estabelecimento empresarial, cabe

mencionar ainda a possibilidade de pluralidade dentro desta unidade. Noutras palavras, torna-

se possível a existência de vários estabelecimentos empresariais, sendo que estes serão

autônomos, não interferindo um no funcionamento e rendimento econômico do outro91.

Esta possibilidade oferecida ao empresário ou a sociedade empresária de se compor

de mais de um estabelecimento empresarial é corriqueira quando se fala em empresas com

bom desempenho econômico, ou seja, aquelas que geram capacidade de lucro capaz de

possibilitar a existência de outros estabelecimentos92.

Conforme já mencionado alhures, é comum existir mais de um estabelecimento

empresarial quando a empresa tem um bom desempenho econômico ou um grande porte. A

propósito, relevante se mostra adentrar novamente na seara dos conceitos de estabelecimento

empresarial e de empresário93.

Quando se tem mais de um estabelecimento empresarial é importante se ter em

mente a distinção entre os conceitos de estabelecimento e empresário que, conforme visto

outrora, em nada se assemelham. O empresário que figura como sujeito de direito é único e

indivisível, já o estabelecimento pode ser dividido, uma vez que é apenas objeto de direito,

dando assim, margem ao surgimento de vários estabelecimentos empresariais94.

Cabe ressaltar que estes demais estabelecimentos existentes possuem independência

relativa, uma vez que possuem administração própria, bem como do ponto de vista econômico

cada estabelecimento possui autonomia de produção, ou seja, os resultados de um

estabelecimento não influência nos outros95.

Com efeito, trata-se de filiais, sucursais e agências. Nesta situação, tem-se como base

que, o estabelecimento principal, ou seja, aquele que será classificado como matriz é aquele

onde se encontra a diretoria da empresa ou da sociedade empresaria, sendo este o lugar de

onde emanam as regras que regem o funcionamento destes estabelecimentos96.

Ainda dentro da seara da natureza jurídica do estabelecimento empresarial é

90FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 133. 91Idem, p. 134. 92Idem, p. 134. 93POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais.

São Paulo: Manole, 2006, p. 45. 94Idem, p. 45 95FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial I – O empresário e seus auxiliares, O estabelecimento

Empresarial, As Sociedades. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 134. 96REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 277.

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oportuno ressaltar a existência de diversas teorias acerca do tema. Assim, cabe se fazer uma

análise do entendimento doutrinário, que atualmente, se depara com as chamadas teorias

imaterialistas, baseando-se esta no fato do estabelecimento ser um bem distinto dos que o

compõem97.

Rubens Requião é enfático ao mencionar que o estabelecimento faz parte de uma

categoria de bens móveis, superior ao complexo de bens que o engloba, desta forma, o

estabelecimento deve ser encarado como um bem incorpóreo, composto de diversos bens

individuais, que não se unem, sendo estes utilizados no estabelecimento por iniciativa do

empresário98.

Nesse rumo, ressalta-se a teoria acerca do estabelecimento empresarial. Tal teoria

foi elaborada por volta de 1900, sendo esta desenvolvida pelo Direito Francês, que não era tão

distinto ao instituto brasileiro, uma vez que na época regia o Decreto nº 24.150/34, ou

também conhecido como Lei de Luvas99.

O citado instituto não regia apenas um aspecto específico do estabelecimento

empresarial, mas sim de todos os seus componentes. Porém, a chamada Lei de Luvas foi

revogada pela chamada Lei do Inquilinato, mas pelo que parece a nova legislação resolveu

não aderir a expressão estabelecimento empresarial e continua utilizando a antiga

terminologia de fundo de comércio100.

Há ainda os que defendem as teorias ditas como otimistas, sendo que nesta linha

observa-se o fato de o estabelecimento empresarial ser uma pluralidade, inexistindo a unidade

do estabelecimento, bem como do seu conjunto de bens necessários para o bom

funcionamento do estabelecimento, quais sejam, corpóreos e incorpóreos101.

Não obstante as diversas teorias que envolvem o estabelecimento empresarial já

apresentadas, também se encontra na disciplina do direito empresarial as teorias definidas

como universalistas, sendo esta subdividida entre as chamadas de universalidade de fato ou de

direito102.

Com o advento do Código Civil de 2002, passou-se a utilizar como base o

fundamento de que o estabelecimento empresarial é dotado de uma universalidade de fato,

97NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006, p. 70. 98REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 276. 99POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 22. 100 Idem, p. 22-23. 101NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006, p. 70. 102Idem, p. 70.

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instituída por força de seu artigo 90, uma vez que a formação do estabelecimento ocorre pela

união de bens singulares que se destinam ao mesmo fim e que podem ser objeto de

negociações jurídicas103.

Ante todas as teorias aqui expostas, de forma sucinta, compreende-se que todas, de

alguma forma, contribuíram para os conceitos que se tem hoje acerca do tema que envolve o

presente trabalho, bem como contribuíram para que o legislador dedicasse uma parte do

Código Civil para estabelecer as regras e procedimentos legais do estabelecimento

empresarial, ainda que o tema mereça melhor debate e desenvolvimento, especialmente no

tocante a materialização pré e pós-contratual da alienação do estabelecimento comercial104.

2.4 CONTRATO DE TRESPASSE EMPRESARIAL: DEFINIÇÕES E REQUISITOS

Na seara da definição e características do estabelecimento empresarial encontradas

no Código Civil, percebe-se claramente a possibilidade deste ser objeto de negócios jurídicos,

não somente por ser o estabelecimento detentor de direitos e obrigações, mas também pelo

fato de que não haveria sentido manter a atividade de empresa, senão com o escopo de obter

lucro105.

Em virtude das diversas características do estabelecimento empresarial, seu conjunto

de bens e o fato de cada um de seus elementos possuírem valor econômico único, é que

unidos formam o patrimônio do estabelecimento, tornando possível que o estabelecimento

seja objeto de negociação inter vivos, ou até mesmo causa mortis106.

Esta possibilidade de negócio jurídico efetuado inter vivos ou causa mortis atribuída

ao estabelecimento funda-se na ideia de que, independente do motivo que leve a sua

alienação, esta terá como conseqüência a transferência da titularidade do estabelecimento para

um novo adquirente107.

Encontra-se no Código Civil vigente, previsão legal para a possibilidade de o

estabelecimento empresarial ser objeto de negócio jurídico em seu artigo 1.143, a constar

que:108

103 BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 18/o2/2011. 104 Idem, p. 133. 105 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1041-1042. 106 POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 107-109. 107 Idem, p. 108-109. 108 BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 15 nov. 2010.

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“Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios

jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza”.

Diante do artigo de lei acima mencionado, verifica-se a possibilidade de alienação,

cessão, dentre outros negócios jurídicos envolvendo o estabelecimento empresarial, ao passo

que tais procedimentos serão capitaneados pelo empresário ou pela sociedade empresária que

titulariza a propriedade do estabelecimento109.

Não obstante, com o advento do Código Civil de 2002 e a sua parte dedicada ao

estabelecimento empresarial, constata-se que é no seu procedimento de alienação que se

encontram diversos requisitos estabelecidos em lei, para fins de garantir a eficácia do contrato

que rege a negociação jurídica110.

Tendo em vista as previsões legais em nosso sistema legislativo, a alienação do

estabelecimento empresarial não obriga necessariamente a lavratura de instrumento solene.

Como os demais bens móveis, para que este possa ter sua propriedade transmitida a outrem,

necessita apenas de simples instrumento público ou particular111.

O procedimento de alienação do estabelecimento empresarial deve ser feito mediante

contrato. O contrato de alienação do estabelecimento denomina-se trespasse. Assim, torna-se

imprescindível asseverar que o objetivo do referido contrato é fazer com que o

estabelecimento passe a integrar o patrimônio do adquirente, deixando de integrar o

patrimônio do alienante112.

Destaca-se o fato de que é mais adequado se falar em contrato de trespasse do que de

cessão ou venda, uma vez que estas últimas hipóteses podem não abranger a totalidade do

negócio, baseando-se o contrato de trespasse na transferência do estabelecimento empresarial

juntamente com seus débitos e créditos, a fim de possibilitar a continuidade de seu

exercício113.

Conforme visto outrora, o estabelecimento é formado por um conjunto de bens

denominados de corpóreos e incorpóreos. Igualmente, dotado de direitos, deveres e

obrigações, assim, ao se alienar o estabelecimento empresarial, todo conjunto que faz com

que exista o estabelecimento também é alienado, de modo que os elementos de forma

109 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 116. 110 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa, 21. ed. São Paulo: Saraiva,

2009, p.57. 111 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 278. 112 VENOSA, Silvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 10. ed. São Paulo:

Atlas, 2010, p. 37. 113 POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 115.

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separada não constituem a figura do estabelecimento114.

Acerca do tema aqui abordado, Marino Luiz Postiglione leciona que esta

transferência de todos os bens que compõem o estabelecimento empresarial denomina-se

transferência global, ao passo que nesta modalidade devem estar presentes na negociação

todos os elementos que fazem com que o estabelecimento funcione115.

Em consonância com a conceituação acima exposta, mostra-se possível concluir que,

para que haja a transferência de bens do alienante para o adquirente por meio de um contrato

de trespasse, necessário se faz que os bens objeto da transferência sirvam para que o

estabelecimento funcione, ou seja, que sejam bens essenciais para o funcionamento do

estabelecimento empresarial116.

Por se tratar o estabelecimento empresarial de um complexo de bens, frisa-se que

cada um destes componentes possui valor econômico agregado ao patrimônio do

estabelecimento. Destaca-se que, determinados elementos não podem ser desconstituídos do

estabelecimento, uma vez que a falta destes impossibilitaria o exercício da atividade de

empresa117.

O nome ou título do estabelecimento, o ramo de atividade exercida ou o serviço

prestado são exemplos de elementos indispensáveis para o perfeito exercício do

estabelecimento empresarial, ou seja, sem esses elementos estariam desconstituídas as

principais características formadoras do estabelecimento empresarial118.

Nesse sentido, analisando a conceituação do contrato de trespasse, observa-se que

este se baseia na transferência do estabelecimento empresarial mediante valor econômico,

caracterizando assim sucessão jurídica, visto que diante da relação entre as partes, há a

transferência do negócio de uma pessoa para outra e a permanência do exercício da

atividade119.

Compreende-se então, que o contrato de trespasse baseia-se no contrato responsável

pela alienação do estabelecimento empresarial, e ainda, que neste contrato não se torna objeto

de negociação jurídica somente o estabelecimento, mas também seu conjunto de bens e

114 NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006, p. 80. 115 POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 112-113. 116 Idem, p. 111-113. 117 POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 112-113. 118 Idem, p. 112-113. 119 MAMEDE, Gladston. Empresa e Atuação Empresarial, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 211.

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valores, que unidos fazem com que a atividade empresarial possa ser exercida120.

Diante da conceituação cristalina acerca do estabelecimento empresarial e seus

elementos, bem como o contrato responsável por sua alienação, torna-se de grande relevância

fazer uma análise dos elementos que não englobam o contrato de trespasse, ou seja, os

elementos componentes do estabelecimento que não se transferem mediante contrato121.

Preliminarmente, cabe ressaltar que não se inclui na alienação do estabelecimento o

chamado nome empresarial, uma vez que este corresponde a razão social ou a firma da

sociedade empresária. Torna-se objeto de negociação juntamente com o estabelecimento

empresarial somente o título do estabelecimento122.

Nesse sentido, destaca-se o artigo 1.164 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.164. O nome empresarial não pode ser objeto de alienação. [...] Parágrafo único. O adquirente de estabelecimento, por ato entre vivos, pode, se o contrato permitir, usar o nome do alienante, procedido com seu próprio, com a qualificação de sucessor. (BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 04/02/2011).

Este nome empresarial atribuído ao estabelecimento possui como característica

principal o fato de ser um objeto personalíssimo, ou seja, o nome empresarial integra a

personalidade do empresário ou da sociedade empresária, fato este que não o torna passível de

alienação123.

Com a alienação do estabelecimento empresarial e a conseqüente transferência de

sua titularidade, destaca-se que não há como incluir na referida transação a clientela. Apesar

de ser fator de grande importância para o bom desempenho da atividade exercida ou serviço

prestado pelo estabelecimento, não é possível que se transfira tal elemento124.

Apesar de ser um dos elementos do conjunto de bens do estabelecimento, a clientela

ou a freguesia não se transfere juntamente com o negócio jurídico efetuado pelas partes, uma

vez que se trata de caráter pessoal dos clientes do estabelecimento, não sendo possível

garantir que a clientela continuará a mesma após a alienação do estabelecimento125.

120 POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 115. 121 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1042. 122 Idem, p. 1042. 123 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 782. 124 POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 119. 125 Idem, p. 119.

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Nota-se que apesar de todos os elementos formadores do estabelecimento

empresarial possuírem valor econômico individual, nem todos são passíveis de transferência

mediante a alienação do estabelecimento para outro empresário ou sociedade empresária,

tendo em vista o caráter pessoal, como já estabelecido outrora126.

Ademais, conforme dispõe o Código Civil de 2002, para que o negócio jurídico

resultante da alienação do estabelecimento empresarial produza efeitos perante terceiros, este

deverá proceder mediante arquivamento do trespasse na Junta Comercial; publicação na

imprensa oficial; e a anuência de todos os seus credores127.

Nesse sentido, mostra-se importante destacar novamente que a alienação do

estabelecimento empresarial não se confunde com outros dois institutos jurídicos que visam a

transferência da empresa, quais sejam, a cessão de quotas individuais da sociedade limitada e

a alienação de controle de sociedade anônima128.

Nos dois institutos jurídicos mencionados acima, diferente do procedimento da

alienação do estabelecimento empresarial em que há a mudança do titular, não se observa o

mesmo procedimento, ou seja, independentemente da transação feita, continuará o

estabelecimento pertencendo ao mesmo empresário ou sociedade empresária, entretanto com

alteração do conjunto societário129.

Por oportuno, resta clarividente a necessidade do contrato de alienação do

estabelecimento empresarial obedecer todas as determinações legais previstas no Código

Civil, uma vez que a falta de quaisquer requisitos exigidos pode acarretar na ineficácia do

contrato havido entre as partes130.

2.5 EFICÁCIA DA ALIENAÇÃO

Dentro do leque patrimonial do empresário, encontra-se o estabelecimento

empresarial, sendo este uma garantia de seus credores. Para que a alienação do

estabelecimento empresarial produza efeitos perante terceiros, imperioso atender a

determinados requisitos impostos pela legislação vigente131.

126 POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 119. 127 VENOSA, Silvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 10. ed. São Paulo:

Atlas, 2010, p. 36. 128 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de Direito Comercial. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 116-117. 129 Idem, p. 116-117. 130 ULHOA COELHO, Fábio. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa, 21. ed. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 58. 131 Idem, p. 58.

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Além das previsões existentes no artigo 1.144 do Código Civil, encontram-se no

mesmo instituto outros requisitos que garantem a eficácia do contrato de trespasse. Ressalta-

se que, caso haja o descumprimento de alguma destas etapas, ou até mesmo que seja ignorada

quaisquer delas, o negócio jurídico pode perder sua eficácia132.

Nesse rumo, se passa a análise do artigo 1.145 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.145 Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação. (BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em :<http:/www.planalto.gov.br/civil_03/LEIS/2002/L10406.htm>Acesso:15/11/2010).

Em consonância com o artigo supracitado, resta evidenciado que o legislador

condicionou a eficácia do contrato de trespasse do estabelecimento empresarial a

determinados requisitos previstos no artigo de lei aqui abordado, dos quais merece especial

destaque a questão da anuência de todos os credores do estabelecimento, ou o pagamento

destes, quando não restarem mais bens suficientes para garantia133.

No tocante ao exposto até o momento, Fábio Ulhoa Coelho, no que diz respeito a

interpretação do artigo 1.145 do Código Civil, adverte que o procedimento da anuência dos

credores do estabelecimento empresarial, como requisito essencial para a eficácia do

trespasse, é dividido em duas possibilidades, quais sejam: a tácita e a expressa134.

Ainda no pensamento de COELHO, destaca-se que a anuência dos credores será

expressa quando o empresário obtiver a concordância de seus credores por escrito. Já a

presunção, ou seja, a forma determinada como tácita ocorre quando os credores não se

manifestam até trinta dias após a notificação enviada pelo empresário135.

Tal previsão contida no artigo 1.145 do Código Civil tem caráter preventivo, visando

evitar que o empresário titular do estabelecimento empresarial objeto do negócio jurídico

proceda de forma contrária ou omissiva em relação aos ditames da legislação vigente, o que

poderá, inclusive, acarretar na decretação de sua falência136.

Este estado de falência que pode ser decretado ao estabelecimento empresarial

132 ULHOA COELHO, Fábio. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa, 21. ed. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 58. 133 VENOSA, Silvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial . 10. ed. São Paulo:

Atlas, 2010, p. 36. 134 ULHOA COELHO, Fabio. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa, 21. ed. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 58. 135 Idem, p. 58 136 Idem, p. 58.

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encontra-se regulamentado pela Lei nº 11.101/2005, ou Lei de Falências. Na referida lei

encontram-se previsões acerca das situações em que poderá ser decretada a falência do

devedor que transfere o estabelecimento sem preencher os requisitos legais, dentre outras

previsões relacionadas a matéria aqui estudada137.

Maria Helena Diniz é enfática ao lecionar que cabe ao adquirente obter meios que

comprovem o estabelecido no artigo 1.145 do Código Civil, ou seja, deve o novo adquirente

procurar saber se houve a anuência de todos os credores do estabelecimento empresarial, bem

como se certificar da condição de solvência do alienante138.

Tais meios de comprovação da solvência do alienante e da anuência de todos os

credores do estabelecimento é de suma importância para a correta efetivação do negócio

jurídico, pois sem estes procedimentos averiguados, poderá o adquirente perder para a massa

falida o estabelecimento empresarial objeto da alienação, o que por muitas vezes não está em

consonância com o princípio da boa-fé139.

Com efeito, toda a responsabilidade pela eficácia da negociação fica a cargo do

Adquirente, que por sua vez pode encontrar limitação da assimetria informacional da

negociação para clarificar e diminuir os riscos da negociação. As previsões contidas no artigo

1.145 aqui analisado servem para evitar que o contrato de trespasse do estabelecimento

empresarial se torne ineficaz perante os credores, pois ocorrendo a ineficácia do referido

contrato, nasce aos credores do estabelecimento empresarial a possibilidade dos credores

requererem o pagamento de seus créditos em face do empresário ou da sociedade empresária

titular do estabelecimento empresarial, noutras palavras, o novo adquirente140.

Não se pode deixar de tratar da exceção em relação aos requisitos do artigo 1.145 do

Código Civil. Exemplo desta exceção é a questão da dispensa da anuência dos credores nos

casos em que o empresário ou a sociedade empresária possuírem bens para solver o passivo

em seu patrimônio141.

Em consonância com a matéria aqui exposta, cabe se fazer uma análise na Lei nº,

11.101 de 09/02/2005, também conhecida como Lei de Falências, que em seu artigo 94, inciso

137 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falências Comentada: Lei

11.101/2005 comentário artigo por artigo. 6. ed. ver. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 215-221.

138 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.772. 139 Idem, p.772. 140 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.772 141 COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa, 21. ed. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 58.

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III, alínea c, determina:142

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que: III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial: c) transfere o estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo.

Ante a legislação supracitada, verifica-se que o procedimento da anuência de todos

os credores do estabelecimento empresarial não somente figura como requisito para eficácia

do contrato de trespasse, como também a sua falta pode levar a sociedade empresária ou o

empresário titular do estabelecimento ao estado de falência143.

Desse modo, percebe-se que os requisitos impostos no artigo 1.145 do Código Civil

tornam-se de maior relevância para o futuro adquirente do que para o alienante, uma vez que

ocorrendo o disposto no artigo 129, inciso VI da Lei de Falências poderá ser reivindicado o

estabelecimento empresarial em face do novo adquirente144.

Sob este prisma, destaca-se o artigo 129, inciso VI da Lei de Falências, que

estabelece:145

“Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores: [...] VI – a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos;”

Conforme dispõe a legislação de falências supracitada, compreende-se claramente

que, sendo decretada a falência do titular ou alienante do estabelecimento empresarial, o

contrato de trespasse automaticamente passa a ser ineficaz, destarte, não tendo validade

142 BRASIL. Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do

empresário e da sociedade empresária. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm> Acesso em: 15/11/2010.

143 COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa, 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 58-59.

144 Idem, p. 58-59. 145 BRASIL. Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do

empresário e da sociedade empresária. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm> Acesso em: 15/11/2010.

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alguma perante terceiros, bem como não gerando efeitos a transferência de sua titularidade.146

Para corroborar o entendimento, se analisa jurisprudência extraída do Tribunal de

Justiça do Estado do Paraná147:

[...]4. Requisitos de eficácia da alienação Trespasse. O art. 1.144 do Código Civil de 2002, exige a averbação do trespasse no Registro Público de Empresas Mercantis, bem como sua publicação na imprensa oficial, visando dar ciência aos interessados, em especial, aos eventuais credores do alienante. Assim, o trespasse somente será válido e eficaz, produzindo efeitos perante terceiros, após arquivo e devida publicação. Busca-se com estas exigências, coibir transferências fraudulentas de patrimônio, que tenham por objetivo, a frustração do adimplemento de eventual credor.

No mesmo sentido, faz-se menção a julgado do Tribunal de Justiça do Distrito

Federal, onde se assevera que não é suficiente para se provar a alienação do estabelecimento

comercial a simples averbação do contrato de trespasse na Junta Comercial, sendo necessário

que todos os requisitos previstos no artigo 1.444 do Código Civil estejam presentes148.

Vale dizer que, os dispositivos legais aqui mencionados, exigências e formalidades

para que o contrato de trespasse produza efeitos perante terceiros tem caráter eminentemente

cautelar, com fins a evitar a fraude ou a própria ineficácia do contrato149.

2.6 A AVERBAÇÃO DO CONTRATO DE TRESPASSE NA JUNTA COMERCIAL

No procedimento de alienação do estabelecimento empresarial mediante contrato de

trespasse, verifica-se a necessidade de sua averbação no órgão competente, neste caso,

denominado de Junta Comercial. Tal procedimento é também requisito essencial para garantir

a eficácia do negócio jurídico e sua validade entre as partes150.

A averbação do trespasse não se trata apenas de procedimento corriqueiro advindo de

146 POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 124. 147 PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Recurso de Apelação Cível n 0052667-9. Comarca de

Curitiba. Julgamento: 03/12/2008. Relator: Jurandyr Souza Junior.Disponível em: <http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/VisualizaAcordao.asp?Processo=5260&Fase=&Cod=129&Linha=13&Texto=Acórdão>. Acesso em: 30/04/ 2011.

148 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Recurso de Apelação Cível nº 0 5441-58.2005.087.0001. Julgamento em 06/09/2006. Relator: Cruz Macedo. Ementa: CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. SUCESSÃO EMPRESARIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. EXTINÇÃO. Disponível em: < http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?DOCNUM=2&PGATU=1&l=20&ID=62232,53435,12792&MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=INTER>. Acesso em: 21/05/2011.

149 COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 58-59.

150 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1042.

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costumes, mas sim matéria reguladora prevista no Código Civil, em seu artigo 1.144, in

verbis151:

“Art. 1.144 O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento

do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da

inscrição do empresário, ou da sociedade empresariam no Registro Público de Empresas

Mercantis, e de publicado na imprensa oficial”.

Conforme doutrina de Silvio de Salvo Venosa, dividem-se os procedimentos

previstos no artigo 1.144 do Código Civil em material e formal. Trata-se do procedimento

formal a publicação em imprensa oficial, bem como o arquivamento do trespasse na Junta

Comercial. Já o procedimento definido como material se resume em comunicar os credores

sobre a alienação do estabelecimento152.

Durante o exercício da empresa, torna-se de grande relevância manter a publicidade

de todos os seus atos praticados153, fato este que torna a averbação do contrato de trespasse

essencial ao negócio jurídico efetuado entre o alienante e o novo adquirente, uma vez que a

transferência do estabelecimento se torna pública154.

Com o caráter de publicidade agregado a averbação do contrato de trespasse na Junta

Comercial, faz-se com que qualquer pessoa tenha acesso aos dados da empresa, uma vez que

é de competência das Juntas Comerciais fornecer dados a quem quer que seja sem a

necessidade de justificativa ou explicação acerca do interesse155.

Esta publicidade atribuída a quaisquer atos praticados pelo empresário ou pela

sociedade empresária titular do estabelecimento empresarial deverá ser efetuado no local onde

o estabelecimento empresarial tem suas obrigações, direitos e deveres.156 Segundo as

observações apontadas, cabe destacar o artigo 1.152 do Código Civil, que estabelece157:

Art. 1.152. Cabe ao órgão incumbido do registro verificar a regularidade das publicações determinadas em lei, de acordo com o disposto nos parágrafos deste artigo. [...] §1º Salvo exceção expressa, as publicações ordenadas neste livro serão feitas no órgão oficial da União ou do Estado, conforme o local da sede do empresário ou da

151 BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 15/11/2010. 152 VENOSA, Silvio de Salvo; RODRIGUES, Claudia. Direito Civil: Direito Empresarial , 10. ed. São Paulo:

Atlas, 2010, p. 36. 153 Idem, p. 37. 154 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1043. 155 Idem, p. 1043. 156 Idem, p. 1043. 157 BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 02/02/2011.

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sociedade, e em jornal de grande publicação.

E dentro desse contexto, afirma Maria Helena Diniz que tal procedimento, previsto

no artigo de lei supracitado, faz com que se tenha presunção de legalidade dos atos praticados,

transparecendo a sua veracidade, bem como fazendo com que o registro produza efeito

perante terceiros, assim como dispõe o artigo 1.154 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.154. O ato sujeito a registro, ressalvadas disposições especiais da lei, não pode, antes do cumprimento das respectivas formalidades, ser oposto a terceiro, salvo prova de que este o conhecia. Parágrafo único. O terceiro não pode alegar ignorância, desde que cumpridas as referidas formalidades. (BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 05/01/2011).

Após a efetuação de todas as etapas necessárias para a eficácia do contrato de

trespasse, principalmente após a publicação feita em diário oficial, conclui-se que

determinado ato praticado pelo estabelecimento é de conhecimento de qualquer pessoa, ou

seja, não tendo o negócio jurídico celebrado caráter pessoal ou restrito a terceiros158.

Consoante o caráter de publicidade do contrato de trespasse celebrado entre o

adquirente e o alienante, presume-se ser de conhecimento de qualquer cidadão o negócio

jurídico celebrado, fato este que torna totalmente acessível a averiguação da real publicação

do trespasse no diário oficial, logo, procedimento de interesse do adquirente e terceiros

interessados159.

Ainda na seara do procedimento de averbação do contrato de trespasse na Junta

Comercial, verifica-se no regramento do Código Civil previsão acerca de tal matéria não

somente no dispositivo acima citado, mas como também no Capítulo I, Título IV, note-se160:

Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e as sociedades simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer as normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária. (BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 08/02/2011).

158 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 778. 159 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1043. 160 BRASIL. 2002. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 08 fev. 2011.

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Adentrando no contexto da legislação acima exarada, frisa-se que este procedimento

de registro da sociedade empresária, bem como do empresário é de suma importância, uma

vez que é o marco inicial da personalidade jurídica da empresa161.

Nota-se ainda que o referido procedimento não somente possibilita a atividade de

empresa, como também serve de cadastro de todos os atos praticados, dando assim,

publicidade aos mesmos162.

A falta de averbação do contrato de trespasse junto ao órgão competente, qual seja, a

Junta Comercial, faz com que careça o contrato de um dos requisitos impostos pela legislação

para que a sua eficácia163.

Assim, com os procedimentos de publicidade dos atos, averbação na Junta

Comercial, bem como publicação em diário oficial, mostra-se claro o acesso de qualquer

cidadão aos atos praticados pela empresa, afastando a possibilidade do não conhecimento dos

fatos por terceiros164.

2.7 SUCESSÃO EMPRESARIAL

Após os procedimentos de transferência do estabelecimento empresarial do alienante

para o novo adquirente, bem como após o cumprimento de todas as exigências previstas no

Código Civil vigente, resta caracterizada a sucessão empresarial.165

Esta sucessão empresarial advinda do contrato de trespasse caracteriza-se no

momento em que o estabelecimento deixa de pertencer ao patrimônio de determinado

empresário individual ou sociedade empresária e passa a fazer parte do patrimônio de

outrem166.

Como é sabido, o patrimônio do devedor é garantia de seus credores, conforme

dispõe o Código de Processo Civil, em seu artigo 659. Tal fato faz com que, via de regra, os

credores do estabelecimento empresarial alienado não tenham com o que se preocupar, uma

vez que havendo inadimplência por parte do alienante seu patrimônio irá satisfazer as

dívidas167.

Depois de ocorrida a sucessão empresarial, com a transferência de titularidade do 161 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 775. 162 Idem, p. 775. 163 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 775. 164 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007, p. 1043. 165 POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São

Paulo: Manole, 2006, p. 121. 166 Idem, p. 121. 167 Idem, p. 121.

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estabelecimento, torna-se de suma relevância que tenha sido efetuado com máxima cautela

todos os requisitos impostos pela legislação acerca da correta notificação dos credores do

estabelecimento, conforme dispõe o artigo 1.145 do Código Civil168.

Tal fato vem à tona, uma vez que o novo adquirente do estabelecimento torna-se

responsável por todo seu ativo e passivo, desde que totalmente regularizados, bem como o

alienante fica pelo período de um ano responsável solidariamente pelos créditos vencidos e

vincendos, contados a partir da publicação oficial do trespasse e da data do vencimento de tais

créditos169.

Em consonância com o exposto, note-se a redação do artigo 1.146 do Código Civil,

que estabelece170:

Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regulamente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação e, quanto aos outros, da data do vencimento.( BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 25/01/2011).

Ante a legislação exarada, se analisa julgado extraído do Tribunal de Justiça do

Estado de Santa Catarina171:

Ocorrida a alienação ou trespasse do estabelecimento, o seu adquirente sucederá o

passivo do alienante, logo terá responsabilidade pelo pagamento dos débitos pendentes,

anteriores à transferência, ligados àquele estabelecimento. O passivo escriturado do alienante

- em dissonância com os princípios de que se valeu o legislador para criar a obrigação da

anuência dos credores para eficácia do ato - transfere-se ao adquirente do estabelecimento

empresarial. Continua o alienante responsável por esse passivo, durante certo prazo (1 ano,

contado da publicação do contrato de alienação, para as obrigações vencidas antes do

negócio; e contado da data de vencimento, para as demais). Na hipótese de transferência do

estabelecimento, portanto, o adquirente será sucessor do alienante, podendo os credores deste

168 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 772-773. 169 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 772-773. 170 BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 25/01/2011. 171 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Recurso de Apelação Cível nº 2004.021631-9.

Julgamento: Relator: Desembargador Luiz Cesar Medeiros. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6711108/apelacao-civel-ac-216319-sc-2004021631-9-tjsc/inteiro-teor>. Ementa: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE TERCEIRO – SUCESSÃO DE EMPRESAS – OCORRRÊNCIA – RESPONSABILIDADE DA EMBARGANTE PELOS DÉBITOS DA EMPRESA EXECUTADA – CC/02, ART. 1.146. Acesso em: 20/05/2011.

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demandar aquele para cobrança dos seus créditos.

Sob este prisma, ressalta-se que, caso existam dívidas que não estejam

contabilizadas, conforme prevê o artigo 1.146, será o adquirente isento de tal

responsabilidade, uma vez que ocorrendo tal fato, resta evidente a intenção fraudulenta e de

má-fé do alienante, sendo sua a total responsabilidade pelos referidos débitos172.

No tocante a esta espécie de responsabilidade adquirida pelo novo titular do

estabelecimento empresarial, ressalta-se que não necessariamente se resume a pessoa física do

empresário ou sociedade empresária do novo adquirente, mas sim representa que o

estabelecimento em si é responsável pelas obrigações, débitos e créditos existentes,

independente de seu titular173.

Em sentido amplo, denota-se que por ser do estabelecimento empresarial a

responsabilidade pelos débitos e obrigações, não se pode falar aqui em solidariedade passiva

entre o novo adquirente e o alienante, uma vez que não há vínculo entre a pessoa do antigo e

atual titular do estabelecimento, logo, não há vínculo subjetivo entre as partes envolvidas no

negócio jurídico174.

No entanto, em razão do disposto no artigo 1.146 do Código Civil, anteriormente

estudado, há de se admitir a existência de um vínculo aqui caracterizado como objetivo entre

o alienante e o novo adquirente do estabelecimento empresarial, tendo em vista a

responsabilidade que reside no estabelecimento.175

Gladston Mamede, acerca da matéria aqui abordada, leciona que o artigo de lei acima

destacado, nos remete a ideia da existência de uma espécie de solidariedade subjetiva entre as

partes do negócio jurídico envolvendo o estabelecimento, sendo que contabilizadas as

obrigações, estas serão transferidas para o novo adquirente junto com o estabelecimento pelo

prazo de um ano176.

Vale dizer que, ante a legislação exposta, resta cristalino o entendimento até aqui

exposto, no sentido de que após o prazo de um ano estabelecido pelo artigo de lei do qual se

fez menção, somente será responsável pelo ativo e passivo do estabelecimento empresarial o

adquirente177.

Em virtude da necessidade de se efetuar a notificação de todos os credores do

estabelecimento empresarial, torna-se perceptível a preocupação do legislador em não

172 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1044-1045. 173 MAMEDE, Gladston. Empresa e Atuação Empresarial, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 213-214. 174 Idem, p. 213-214. 175 Idem, p. 213-214. 176 Idem, p. 213-214. 177 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 772-773.

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prejudicar financeiramente nenhum terceiro interessado, logo, procedimento indispensável

para evitar quaisquer tentativas de fraudes ou omissões de dívidas por parte do alienante178.

Ainda na seara da sucessão empresarial, é oportuno reforçar que, como uma das

conseqüências da alienação do estabelecimento empresarial e sua transferência de titularidade,

torna-se o novo adquirente não somente o novo titular do estabelecimento, como também o

único responsável pelos contratos envolvendo o funcionamento do estabelecimento179.

Tal procedimento de transferência ocorre primeiramente por não haver cláusula em

desfavor de determinada disposição contida no contrato de trespasse. Essa substituição e

conseqüente transferência dos contratos do alienante para o novo adquirente envolve todos os

pactos que fazem com que o estabelecimento funcione180.

Nesse sentido, cabe mencionar o artigo 1.148 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.148. Salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.( BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 25/01/2011).

Nota-se no dispositivo de lei acima destacado a utilização da expressão sub-rogação,

que aqui se faz necessário esclarecer. Juridicamente a sub-rogação nada mais é do que a

transferência de uma pessoa para outra em relação a determinada relação jurídica.181 No caso

em tela, ocorre a sub-rogação dos contratos do estabelecimento do alienante para o novo

adquirente182.

No âmbito do direito empresarial, esta sub-rogação ocorrida entre as partes

envolvidas no contrato de trespasse do estabelecimento empresarial, não é mera formalidade.

Quando há a transferência dos contratos necessários a exploração do estabelecimento,

transferem-se também as responsabilidades destes contratos ao adquirente183.

Conforme a redação citada percebe-se que somente não serão de responsabilidade do

novo adquirente do estabelecimento empresarial os contratos que tiverem caráter pessoal.

Destarte, entende-se como contratos que tornam possível a atividade de empresa pelo

178 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1044-1045. 179 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 773-774. 180 MAMEDE, Gladston. Empresa e Atuação Empresarial, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 215. 181 Idem, p. 215. 182 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 280-281. 183 MAMEDE, Gladston. Empresa e Atuação Empresarial, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 215.

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estabelecimento os de compra e venda de produtos, contratos de prestação de serviços, dentre

outros184.

Estes contratos que se sub-rogam para o novo adquirente do estabelecimento

empresarial resumem-se nos contratos que tornam possível que se explore a atividade

desenvolvida pelo estabelecimento, sendo que sem tais contratos firmados, o estabelecimento

perderia o foco de suas atividades exercidas ou serviços prestados, tendo prejudicado seu

funcionamento185.

Logo, torna-se o novo adquirente do estabelecimento empresarial sub-rogado no que

diz respeito aos contratos, negociações que envolvem o funcionamento do estabelecimento

empresarial, como também seus ativos e passivos, na atividade a ser desenvolvida e nos

serviços prestados pelo estabelecimento, somente com a exceção dos contratos de caráter

pessoal186.

Além dos requisitos impostos pela legislação já vistos, verifica-se ainda previsão

legal para que, ao se efetuar a venda de um estabelecimento empresarial, o alienante, caso

haja silêncio do contrato, não possa estabelecer concorrência com o adquirente pelo prazo de

cinco anos. Tal previsão encontra-se no artigo 1.147 do Código Civil, vale mencionar187:

“Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência”. [...] Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.

Como é cediço, quando se aliena o estabelecimento empresarial, juntamente com este

está sua clientela e aviamento. Logo, ocorre tal restrição legal, uma vez que seria injusto que o

alienante abrisse concorrência com o adquirente do estabelecimento objeto do negócio

jurídico, dando assim ensejo a um enriquecimento indevido ou sem causa188.

Tal procedimento, previsto no artigo de lei acima mencionado somente não terá

aplicabilidade no negócio jurídico se houver previsão expressa no contrato de trespasse, ou

seja, é necessário que o novo adquirente do estabelecimento autorize expressamente a prática

184 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 774. 185 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 280-281. 186 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1044-1045. 187 BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 05 jan. 2011. 188 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 123.

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da mesma atividade e na mesma região pelo alienante189.

Para corroborar o entendimento aqui deduzido, cabe analisar o julgado extraído do

Tribunal de Justiça do estado de São Paulo:

a regra inscrita no 1.147 do CC, por sua vez, dispõe, no dizer de MARCELO FORTES BARBOSA FILHO, ilustre membro desta Câmara, que, não havendo autorização expressa, a proibição do alienante do estabelecimento não poder fazer concorrência ao adquirente “está subentendida, ostentando caráter geral e vigorando por um prazo certo, de cinco anos contados da celebração de contratos onerosos ou gratuitos resultantes na transferência de titularidade de um estabelecimento, de trespasse ou de doação. A regra possui, contudo, natureza dispositiva e as partes negociais (alienante e adquirente) podem dispensar, limitar ou ampliar a interdição legal, mediante cláusula inserida no instrumento contratual elaborado, cuja averbação está prevista no art. 1.144” (cf. Código civil comentado. Coord. Min. Cezar Peluso. 4ª Ed, São Paulo/Barueri: Ed. Manole, 2010, p. 1.103).( SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 990.10.397183-3. Comarca de Santos. Julgamento: 27/10/2010. Relator: Theodureto Camargo. Disponível em: < https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=4785931&vlCaptcha=emywT>. Acesso em: 07/05/2011).

Ante o julgado acima exposto, parecer por demais clara a aplicabilidade do artigo

1.147 do Código Civil nos contratos de trespasse envolvendo o estabelecimento empresarial,

ficando defeso ao alienante estabelecer concorrência com o novo adquirente do

estabelecimento pelo prazo de cinco anos, salvo disposição expressa no contrato190.

Após efetuada a transferência do estabelecimento do alienante para o novo

adquirente, percebe-se que não somente é transferida a titularidade do estabelecimento, como

também o seu conjunto de bens e créditos, conforme dispõe o artigo 1.149 do Código Civil,

segundo consta191:

“1.149. A cessão dos créditos referentes ao estabelecimento transferido produzirá

efeito em relação aos respectivos devedores, desde o momento da publicação da transferência,

mas o devedor ficará exonerado se de boa-fé pagar o cedente”.

Com o procedimento de alienação do estabelecimento empresarial a outrem, verifica-

se a transferência de determinado conjunto de bens e de sua titularidade, fato este que faz com

que haja transferência também dos créditos devidamente contabilizados que constem no ativo

da empresa192.

Entretanto, essa transferência de créditos do estabelecimento somente irá produzir

algum efeito em relação aos devedores, a partir do momento em que tal ato for publicado.

189 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1047. 190 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1047. 191 BRASIL, 2002.. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Instituiu o Código Civil. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm> Acesso em: 08/02/2011. 192 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 774.

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Porém, destaca-se que o devedor que, de boa fé, efetuar o pagamento ao novo adquirente,

ficará exonerado da obrigação193.

Ante a matéria abordada no presente capítulo, fica evidenciada a exigência legal no

que tange ao contrato de trespasse envolvendo o estabelecimento empresarial. Na legislação

vigente encontram-se diversos requisitos para que se efetue o contrato de trespasse, sendo que

tais requisitos são de suma importância, uma vez que não cumpridos, deixam de tornar o

contrato de trespasse eficaz194.

Por fim, é cristalina a intenção do legislador em proteger as partes envolvidas no

negócio jurídico quando há a alienação do estabelecimento empresarial. Essa proteção existe e

faz com que as partes do contrato possam recorrer ao poder judiciário em casos de fraudes,

descumprimentos de contratos ou até mesmo quando verificar-se a ineficácia do trespasse,

noutras palavras, quando não cumpridas as exigências previstas no Código Civil.195

2.8 O PROBLEMA DA ASSIMETRIA INFORMACIONAL NOS CONTRATOS DE

TRESPASSE

Com base nos estudos realizados, é possível afirmar que a empresa, hodiernamente,

desenvolve atividade dinâmica em relação ao próprio Estado e às pessoas, conforme aludido.

Este entendimento permite que se chegue ao consenso de que a empresa está, a todo o tempo,

a se inter-relacionar com os demais agentes econômicos, ao passo que tudo quanto for lesivo à

sua atividade merece ser meticulosamente averiguado, sob pena de se desestruturar a própria

economia.

Assim entendido, uma questão que merece especial destaque na presente empreitada

é a assimetria de informações196 entre alienante e adquirente do estabelecimento comercial,

quando da negociação do estabelecimento comercial. Conforme aludido anteriormente, esta

situação pode ensejar um vício à formalização do contrato, porém, devido à importância que

193 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 281. 194 Idem, p. 278-282. 195 COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de empresa, 21. ed. São Paulo: Editora

Saraiva, 2009, p. 58-59. 196 Cabe destacar que: “[...] a assimetria das informações poderá resultar em desigualdade entre as partes, tal

como ocorre, por exemplo, na situação exemplificada por George Akerlof, que comentou exemplos da venda de veículos usados. Akerlof aponta que, nessa operação de venda de um veículo usado, o vendedor, na condição de proprietário por um longe tempo, possui mais informações a respeito do veículo do que o comprador, que possui pouco contato com o veículo. Assim, a igualdade material das partes ficaria comprometida porque ‘em regra, quem vende sabe das vicissitudes de seu bem, em detrimento de quem compra, que adquire a coisa baseando-se, em suma, na sua aparência’”. LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de conduta. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2011, p. 176-177.

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aqui representa, trata-se com especial atenção a fim de bem compreender a maneira como

pode macular as negociações.

Neste sentido, a assimetria de informações ocorre nas ocasiões em que um dos polos

da negociação encontra-se com menor coeficiente de informações sobre o objeto de sua

contratação, ou seja, uma das partes, notadamente a prevalência do alienante sobre o

adquirente neste aspecto, tem ciência sobre fatos e condições que não estão presentes no

conhecimento da outra, podendo, deste modo, vir a influir nas obrigações que tais sujeitos

virão a assumir reciprocamente197.

Destarte, cumpre ressaltar que, para que as atividades comerciais se desenvolvam

com plenitude de faculdade, de modo que possam progredir e gerar crescimento econômico, o

Estado, na qualidade de ente maior e, em especial, de regulador da economia198, deve garantir

a existência de um efetivo âmbito jurídico que confira aos empresários, aqui destacados por

serem objetos do presente estudo, a segurança jurídica para que possam assumir obrigações e

ter a certeza de que serão protegidos quanto a intempéries absurdos que vão de encontro ao

objeto da contratação e possibilite a realização das expectativas legítimas199.

Como se pode observar, a segurança jurídica de que depende o mercado200 para se

desenvolver está diretamente ligado às expectativas do agente, ou seja, o que tal sujeito espera

que venha a lhe ocorrer, caso se verifique a perfectibilizaçao da pretensa contratação.

Deste modo, a assimetria de informações é justamente o contraposto da simetria de

informações, seria redundante mencionar tal colocação, não fosse tamanha a relevância que

tal disposição contém, frente às consequencias que decorrem da sua existência. Conforme

observado na doutrina transcrita, depreende-se, em contrariu sensu, que a simetria de

informações é a justa posição de igualdade de saberes que há entre negociantes entre o objeto

de contratação e os aspectos que giram em torno das previsíveis201 alternâncias de rumos.

197 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010, p. 140 198 Principalmente após o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, quando o Estado

brasileiro passou a ostentar caráter de protecionismo para com seus administrados. Tal abordagem será melhor elaborada no capítulo a tratar especificamente da boa-fé objetiva nesta mesma oportunidade.

199 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p.237

200 Aqui se pretende atribuir à palavra Mercado o sentido de conjunto de relações econômicas da sociedade contemporânea.

201 Neste sentido, extrai-se da doutrina que: “No mundo real, as partes não conseguem prever todas as contingências futuras no momento que se vinculam ao contrato. Sempre faltarão dados sobre a outra contratante, sobre os possíveis desdobramentos do ambiente institucional, sobre o porvir. As empresas não são capazes de prever todos os eventos futuros que poderão se verificar no curso da relação, não são capazes de adquirir e processar todas as informações relevantes para delinear planos de ação adequados, não são capazes de descrever em um contrato todas as possíveis eventualidades de forma tão clara e não ambígua”.

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Em que pese a elevada notoriedade que se atribui ao disposto acima, Paula A.

Forgioni202, ao discorrer sobre a contratação entre empresários defende que há possibilidade

de que a assimetria de informações ocorra nos casos de contrato entre empresários, haja vista

que são concorrentes e, presumidamente, não hipossuficientes em relação à contraparte.

No entanto, a posição que maior relevância, ao que consta, para a assimilação de

conteúdos na presente discussão volta-se para o fato de que não há, no contrato de trespasse,

conforme observado nas linhas acima, uma concorrência entre empresários, sendo que é,

inclusive, no silencio da convenção, vedado gerar concorrência para com o adquirente após a

formalização do aludido ajuste por um período de cinco anos203.

Logo, se não está presente o requisito da concorrência, utilizado para justificar a

presença da assimetria de informações, se percebe que não há fundamento capaz de dar

guarida à alegação de que há um dever recíproco de levantar informações sobre o que se está

a contratar. A atividade comercial, como bem observado, é naturalmente complexa, inviável,

portanto, de absorção, por sujeito alienígena ao cotidiano empresarial.

Em verdade, se verificada a simetria de informações entre empresários durante as

negociações acerca do contrato de trespasse, tal contrato deverá ser analisado e executado nos

exatos termos em que foi estabelecido. Isto porque as situações previstas em contrato restaram

convencionadas em oportunidade na qual ambas as partes tiveram conhecimento de todas as

circunstâncias que poderiam vir a influir nas tratativas204.

Por outro lado, a assimetria de informações, conforme artigo 147 do Código Civil205

vigente é causa de defeito do negócio jurídico, uma vez que a declaração de vontade que a

parte desfavorecida de informações prestou, encontra-se eivada de vício de consentimento206.

Acrescida, ainda, da inobservância do princípio do boa-fé objetiva, que impõe ao contratante

o dever de informar, esclarecer tudo quanto for possível acerca do objeto de contratação.

(FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 66)

202 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 103.

203 O artigo 1147 da Lei 10.406 de 2002 é que fez tal previsão, dispondo literalmente acerca de tal situação, conforme aludido nas linhas acima.

204 TEDESCHI, Sérgio Henrique. Contrato de Trespasse de Estabelecimento Empresarial e sua Efetividade Social. Curitiba: Juruá, 2010, p. 95.

205 “Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”. BRASIL, 2002. Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/ 2002/L10406.htm>. Acesso em 14/11/2011.

206 TEDESCHI, Sérgio Henrique. Contrato de Trespasse de Estabelecimento Empresarial e sua Efetividade Social. Curitiba: Juruá, 2010, p. 95

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O contrato de trespasse, de acordo com o transcrito nas linhas acima, transfere

também as obrigações que o estabelecimento empresarial do alienante continha ao tempo da

transação. Deste modo, em se verificando a superveniência de fatos, decorrentes da assimetria

informacional que se operou durante a contratação, que vierem a onerar o adquirente,

invariavelmente resultarão na constatação do vício de consentimento supramencionado, assim

entendido porquanto se imputará ao sujeito uma obrigação a que não deu causa e que não

consentiu, apenas lhe é imputada por uma situação decorrente da falta de conhecimento de

determinada realidade207.

A tutela à assimetria de informações aqui defendida ainda se presta de especial

relevância porquanto evita que sobrevenha à contratação já formalizada e em vias de

execução, ou até mesmo a execução, quando de tratar dos reflexos por vindouros,

desagradáveis fatos novos que desequilibrem a relação inicialmente acordada entre os

indivíduos, o que poderia, inclusive, relativizar a segurança jurídica, fundamental à perfeita

atividade da economia208.

Interessante ressaltar que a legislação pertinente, no que se refere especialmente aos

contratos de trespasse, não estabelece mecanismos que proteção ao adquirente de um

estabelecimento comercial. É evidente a proteção aos interesses dos credores de tal

estabelecimento, o que, segundo a doutrina, desestimula a ocorrência deste tipo de contratação

que é extremamente interessante à economia209.

O relativo esquecimento que se observa em relação aos contratos entre empresários,

e aí se inclui o contrato de trespasse, decorre, segundo aponta Paula Castello Miguel, da

ausência de princípios voltados para o direito comercial, em si. A constante evolução do

mercado, que se altera de acordo com tendências e rumos e que pode se alterar de acordo com

simples projeção econômica impede que a legislação, da maneira como é empregada, voltada

207 TEDESCHI, Sérgio Henrique. Contrato de Trespasse de Estabelecimento Empresarial e sua Efetividade

Social. Curitiba: Juruá, 2010, p. 97. 208 Idem, p. 94. 209 Nesse sentido: “Deveria haver o incentivo legal para que a operação em comento fosse segura também para as

partes contratantes, para que se desenvolvesse a atividade econômica em nosso país. Mas, da forma como está regulada a questão, tem-se a impressão de que o legislador entendeu a referida operação como nociva para a economia e procurou desestimular a sua realização. Tal operação deveria ser estimulada, para que toda a economia e a sociedade ganhassem com a sua realização, preservando-se a empresa e garantido-se ao empreendedor a exploração da atividade economicamente organizada”. TEDESCHI, Sérgio Henrique. Contrato de Trespasse de Estabelecimento Empresarial e sua Efetividade Social. Curitiba: Juruá, 2010, p. 98.

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exclusivamente para pontuar determinada matéria, solucione os conflitos resultantes de tal

progresso210.

De toda sorte, há, reconhecidamente, princípios constantes na própria CRFB/88 e no

Código Civil de 2002 que se aplicam à matéria, tais como o princípio da função social do

contrato e princípio da boa-fé objetiva, que serão analisados a seguir, porém, são maculados

pelo pensamento liberal que impunha aos contratantes a não intervenção do Estado, o que

ainda hoje está presente, frente à ausência de regra específica a disciplinar tal situação.

Deste especial enfoque liberal que se constitui nos contratos entre empresários,

resulta o entendimento de que tais estão, presumidamente, em pé de igualdade. Assim, por

serem partes idênticas, no que tange à sua capacidade, o tratamento dispensado a estes é de

que não há hipossuficiência entre uns e outros211.

Esta concepção genuinamente liberal dos contratos empresariais, tido como atividade

a enaltecer os princípios econômicos que unicamente estão a serviço da persecução do lucro e

interesses das grandes potências econômicas, acabou por aniquilar qualquer tipo de

construção que deseje sobre as relações entre empresários, diferente do que ocorreu no direito

do consumidor, cabendo-lhes, tão somente, a perpetuação dos ideais liberais numa incessante

vinculação da atividade comercial ao sentido de concentração do poder econômico.

Certamente, esta presunção de igualdade entre comerciantes não mais se adéqua à

realidade vivenciada na economia hodierna, ao passo que análise do contexto visualizado é

mister para que se opte ou não pelo entendimento de igualdade212.

A vulnerabilidade do empresário é de tamanha plausibilidade que se encontra

posições doutrinárias a defender uma interpretação protecionista, diferente da ocorrida no

direito do consumidor, das cláusulas contratuais, posto que há dissonância entre condições de

um e outro. Assim, se estaria a partir da igualdade formal que assola os contratos

empresariais, e se chegaria mais próximo de uma igualdade material, conforme prescreve a

boa interpretação dos dispositivos constitucionais213.

210 MIGUEL, Paula Castello. Contratos Entre Empresas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.

99. 211 FOGIONI, Paula. A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 139. 212 Acerca desta temática, Paula A. Forgioni acrescenta que “o direito comercial deverá, por um lado, lidar com

as necessidades econômicas derivadas da nova dinâmica marcada pelos grupos empresariais mas, de outro, impedir que o movimento concentracionista acabe por gerar disfunções sistêmicas, prejudiciais ao bom fluxo de relações econômicas, incluindo prejuízos causados aos consumidores e aos agentes econômicos em posição de sujeição ao poder dos agentes “fortes””. (FOGIONI, Paula. A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 162).

213 MIGUEL, Paula Castello. Contrato Entre Empresas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 131.

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Partindo deste entendimento, será possível alcançar o entendimento de que

determinadas disposições protecionistas inerentes às relações de consumo poder vir a ser

utilizadas nas contratações entre empresários; postura a ser analisada no capítulo que cuida da

aplicação da boa-fé objetiva.

Devido a isto, a assimetria de informações nos contratos de trespasse não é aceitável,

ao passo que o ordenamento jurídico, no que diz respeito aos contratos entre empresários,

além de visualizar que não se está a defender a concorrência empresarial, deve reconhecer as

novas faces da economia para regular tais situações, a exemplo do ocorrido com o direito do

consumidor, sob pena de perpetuar um estado de defasagem normativa que venha a concorrer

em desfavor dos ideais do Estado e da economia.

No capítulo que virá a seguir será possível visualizar a evolução que tiveram as

relações de consumo, no que se refere ao tratamento que passaram a ter após a positivação de

legislações que preservam a boa-fé objetiva naquelas relações. Cabe destacar inicialmente, a

fim de relacionar ao tema por ora em análise, que as relações de consumo, assim como se

observa nos contratos entre empresários atualmente, reservavam também aspectos de

assimetria de informação, o que gerava enorme prejuízo aos consumidores, tanto que se

presenciou a criação de nova tutela a direito consumerista, experiência positiva que pode ter

aproveitamento, guardadas as respectivas peculiaridades, nos contratos firmados entre

empresários.

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3 – DO SISTEMA DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR NAS

RELAÇÕES DE CONSUMO: DEFINIÇÕES, REQUISITOS E APLIC AÇÃO EM

SITUAÇÕES PRÁTICAS

Dando seguimento ao presente trabalho cumpre analisar o direito consumerista, ante

a sua eminente natureza de realização contratual em que se verifica a movimentação

econômica dos fatores de produção que impulsionam o Estado verificado hodiernamente,

enquanto ente jurídico voltado à persecução do bem comum214.

Diferentemente da espécie de contrato analisada anteriormente, o contrato

identificado nas relações de consumo sofre forte influência, e isto se deve à sua própria

natureza, das transformações pelas quais passaram a economia. Logo, a tutela aos direitos do

consumidor cresceu de importância porquanto este segmento do direito revelou ser grande

instrumento de transformação social do quadro econômico em uma sociedade capitalista

movida, eminentemente, pelo consumo215.

Assim, com a edição do Código de Defesa do Consumidor, passou-se a tutelar as

relações de consumo, isto por emergir como fundamental para a configuração da segurança

jurídica, enquanto condição fática necessária para o perfeito desenvolver da economia, a criar

um ambiente que estimule as operações de compra e venda de produtos e serviços de forma

coerente e organizada.

Neste sentido, conhecer as razões que ensejaram o surgimento de tal regramento é de

fundamental importância neste ponto, tendo em vista que serão identificadas, ao final, as

paridades de situações que justificaram a proteção do consumidor em relação às situações

ocorridas quando da assimetria de informações no contrato de trespasse.

Para tanto, nota-se a necessidade de um recorte na evolução do direito consumerista,

a fim de não estender demais discussões, porquanto ser de simples compreensão a sua

verificação e seus respectivos fundamentos.

214 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 259. 215 EFING, Antônio Carlos. Fundamento do Direito nas Relações de Consumo. 2. ed. rev. atual. Curitiba:

Juruá, 2004, p. 21.

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3.1 A EVOLUÇÃO DO MERCADO DE CONSUMO E A NOVA REALIDADE

CONSUMERISTA

Neste ponto, necessário se faz estudar e compreender a sistemática de proteção dos

direitos do consumidor em seus aspectos gerais, de modo que, para a facilitação do estudo,

torna-se imperioso tomar por inicio a sua evolução histórica.

Na história mundial sempre foi possível perceber a presença de preocupação com

relação aos direitos oriundos das relações de consumo. Nota-se que, o Código de Hamurabi,

da antiga Mesopotâmia, um dos mais antigos conjuntos de leis escritas, com mais de quatro

mil anos de história, disciplinava em um dos seus artigos que “se um construtor edificou uma

casa para um Awilum, mas não reforçou seu trabalho, e a casa que construiu caiu e causou a

morte do dono da casa, esse construtor será morto” 216 .

Do mesmo modo “o cirurgião que operasse alguém com bisturi de bronze e lhe

causasse a morte por imperícia não apenas era condenado a indenizar a família da vítima,

como também lhe era imposta a pena capital, conforme a Lei n° 235” 217 .

A gravidade das reprimendas atribuídas aos infratores de tais normas determinantes

de conduta do prestador de serviços não é aceitável aos parâmetros que hoje se percebe,

porém, é possível notar que já era presente, no pensamento de antigas civilizações, a

preocupação e garantir que tais relações não viessem a prejudicar o tomador de tal ocupação.

Os fatos expostos acima, ainda que representem um marco inicial, ao que se tem

registro, de uma primitiva forma de proteção do consumidor, não têm ligação direta com o

surgimento do direito do consumidor que se observa hodiernamente.

Importante anotar que a globalização, aliada às novas fontes de riquezas, bem como a

explosão industrial e comercial, ainda que relativamente recentes se comparadas com a

história antiga, impulsionaram e ordenaram a difusão dos conceitos relacionados ao tema,

tornando-os parte do cotidiano e do interesse da população brasileira em geral, mesmo que

tardiamente218. É o que se obtém na doutrina:

anote-se essa observação: nos Estados Unidos, que hodiernamente é o país que domina o planeta do ponto de vista do capitalismo contemporâneo, que capitaneia o

216WIKIPEDIA. Código de hamurabi. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/códigode_Hamurabi>.

Acesso em 08/04/2011. 217FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso Fundamental de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2007,

p. 04. 218KARKOTLI, Gilson. Direito Difuso, Responsabilidade Social à luz dos Princípios do Código de Defesa do

Consumidor. Curitiba: Camões, 2008, p.03.

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controle econômico mundial (cujo modelo de controle tem agora o nome de globalização), a proteção ao consumidor havia começado em 1890 com a Lei Shermann, que é a Lei Antitruste americana. Isto é, exatamente um século antes do nosso Código de Defesa do Consumidor, numa sociedade que se construía como sociedade capitalista de massa, já existia uma lei de proteção ao consumidor. (NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 02)

Em verdade, a regulamentação das atividades ligadas aos contratos de consumo teve

forte crescimento após a revolução industrial e o surgimento de um novo modelo econômico

que pauta sua projeção justamente sobre o consumo, qual seja, o capitalismo219.

No que se refere ao ordenamento jurídico pátrio, é possível constatar a existência de

legislações, ainda na época em que este país era apenas uma colônia de Portugal, é o que se

depreende do ensinamento de Efing, a ressaltar que:

podem-se citar duas normas que impressionavam pelo rigorismo e desproporção da pena. Lê-se no Título LVII que ‘se alguma pessoa falsificar alguma mercadoria, assi como cêra, ou outra qualquer, se a falsidade, que nella fizer, valer hum marco de prata, morra por isso’. O Título LVIII fala que ‘ toda pessoa que medir ou pesar com medidas, ou falsos pesos, se a falsidade, que nisso fizer, valer um marco de prata, morra por isso’. Constata-se que pelo menos a coação psicológica sobre o fornecedor exercia prevenção para as condutas prejudiciais ao consumidor, além de assumir os interesses desta tutela na formação de tipos penais. (EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo. 2. ed. ver. atual. Curitiba: Juruá, 2004, p. 22)

Como se pode observar, havia, naquele tempo, tutela às negociações que se

prestassem em meio àquela sociedade; não há como negar o exagero da sanção imposta ao

infrator de tal norma, porém, destaca-se apenas a proteção que já se fazia presente.

Sem embargos, nos idos do século XVII havia o interesse de punir os infratores em

conformidade com os documentos guardados no Arquivo Histórico de Salvador, no Estado da

Bahia, em que se tinha previsão, por exemplo, de multas que seriam aplicadas a quem

vendesse mercadorias acima das tabelas de preços fixadas na época. Isso valia, inclusive, para

a venda de mercadorias como peixe, pastel, especiarias, manufaturados, grãos, entre outros220.

Note-se:

219 EFING, Antônio Carlos. Fundamento do Direito nas Relações de Consumo. 2. ed. rev. atual. Curitiba:

Juruá, 2004, p. 21-22. 220 EFING, Antônio Carlos. Fundamento do Direito nas Relações de Consumo. 2. ed. rev. atual. Curitiba:

Juruá, 2004, p. 06.

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em relação ao direito civil, pressupõe-se uma série de condições para contratar, que não vigem para relação de consumo. No entanto, durante praticamente todo o século XX no Brasil, acabamos aplicando às relações de consumo a lei civil para resolver os problemas que iam surgindo e, por isso, o fizemos de forma equivocada. Esses equívocos remanesceram na nossa formação jurídica, ficaram na nossa memória influindo na maneira como nós enxergamos as relações de consumo, e, atualmente, temos toda sorte de dificuldade para interpretar e compreender um texto que é bastante enxuto, curto, que diz respeito a um novo corte feito no sistema jurídico, e que regula especificamente as relações que envolvem os consumidores e os fornecedores. (NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 02)

Demais diplomas legais sucederam a colocação supramencionada, em se tratando de

legislação nacional destinada à proteção de valores ligados ao consumo, porém tratava-se

apenas de leis esparsas, não configurando um sistema único. Tal fato alterou-se,

vagarosamente, ao passo que se passou a reconhecer a importância que a segurança nas

relações de consumo significa para a sociedade, por se tratar, genuinamente de economia de

consumo221.

O grande e indiscutível marco que representou a consagração dos direitos do

consumidor no Brasil foi a CRFB/88 que trata da matéria do Direito do Consumidor,

inicialmente no artigo 5º, inciso XXXII, em que se é possível identificar o dever do Estado de

proteger o consumidor.

Verifica-se também tutela constitucional ao direito consumerista no artigo 150, §5°,

no sentido de que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos

acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”, e ainda, no art. 173, §4°

determinando que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos

mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”222 .

O eminente enfoque social223 trazido ao Estado pela CRFB/88 contemplou também a

direito de proteção ao consumidor, uma vez que este é presumidamente a parte

hipossuficiente da relação que se estabelece para com o fornecedor. A positivação do dever de

proteção ao consumidor designou-se de tal forma que, agora, está a figurar como um direito

fundamental do indivíduo224.

221 FORGIONI, Paula. A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 134. 222BRASIL, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em 11/04/2011. 223A inclinação do Estado Democrático de Direito à persecução do bem comum, da justiça social é patente da

CRFB/88, porém, a questão será aprofundada no próximo capítulo. 224Isto porque está previsto no artigo 5º, inciso XXXII, em que estão previstos os direitos e garantias

fundamentais.

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3.1.1 O surgimento da tutela ao consumidor e suas consequências práticas

Anteriormente ao advento da CRFB/88, as relações de consumo regravam-se

segundo os ditames do Código Civil. Com efeito, durante todo o século XX, seguindo as

fortes influências do Direito Civil europeu.

Assim, com o advento do CRFB/88, a especial tutela conferida aos direitos do

consumidor deu-se porque, conforme aludido anteriormente, em meio a um sistema

capitalista, a preservação dos interesses do consumidor, enquanto sujeito a dar impulso à

economia, é interesse do Estado, que visa dar segurança aos atos de consumo praticados em

seu seio para bem impulsionar o crescimento econômico225.

Para bem atender o mandamento constitucional que determinou a proteção do

consumidor, foi instituída, na data de 11 de Setembro de 1990, a Lei de número 8.078 a criar

o CDC – Código de Defesa do Consumidor, diploma legal enfático a atribuir uma série de

direito e garantias ao consumidor como forma de protegê-lo, consoante mandamento

constitucional226.

Sem embargos, nota-se que a presença do consumidor é constante em todos os

períodos em que se verificou a presença de comércio e, conforme aludido nas linhas acima,

alguns mecanismos chegaram a ser criados para se dar certa margem de segurança às relações

de comércio existentes. No entanto, a grande novidade trazida ao campo das legislações pelo

CDC foi o reconhecimento da vulnerabilidade que há entre o indivíduo e a empresa com

quem está a contratar227. Deste modo, restou reconhecido que o consumidor é parte vulnerável

ao seu fornecedor porquanto estar submisso à contratação da contraparte228.

Neste sentido, se observa a lição de Efing a dispor que:

com a edição do Código de Defesa do Consumidor, todas as questões que dizem respeito a relações de consumo receberam tratamento inovador. Aliás, as normas no CDC, de interesse social, afetam, de modo direto e positivo, todos os membros da sociedade consumidora, protegendo-os, ou, o que é o mesmo, defendendo-os contra o produto ou serviço que lhes causem danos. (EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo. 2. ed. ver. atual. Curitiba: Juruá, 2004, p. 24)

225 FORGIONI, Paula. A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 220. 226 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 263. 227 FORGIONI, Paula. A Evolução do Direito Comercial Brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 133. 228 EFING, Antônio Carlos. Fundamento do Direito nas Relações de Consumo. 2. ed. rev. atual. Curitiba:

Juruá, 2004, p. 105.

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Assim, é possível assimilar o entendimento de que o código de defesa do

consumidor, enquanto previsão constitucional, veio para vedar o uso de práticas abusivas que

contrariem o objetivo do Estado nas relações de consumo, qual seja, a harmonização de

interesses229.

Identificadas, brevemente, as origens da proteção jurídica conferida ao consumidor e

os reflexos que tal legislação trouxe ao direito, passa-se, agora, a analisar o CDC

pontualmente, sobre suas definições, a doutrina e o entendimento jurisprudencial acerca deste

tema.

3.2 DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR

A relação de consumo é composta por dois sujeitos, cada um com suas

características, definições, conceitos, que por questão didática devem ser estudados

isoladamente, quais sejam o consumidor e o fornecedor.

A doutrina, ao longo da evolução do entendimento relativo ao Direito do

Consumidor, explica o conceito deste por três correntes, quais sejam: a da teoria finalista, da

teoria maximalista, e ainda, a da teoria finalista temperada ou finalista aprofundada.

A primeira delas, a teoria finalista, é aquela adotada pelo Código de Defesa do

Consumidor Brasileiro, que conceitua o consumidor simplesmente como o destinatário final

do produto ou serviço, deixando de lado outros aspectos relevantes, não somente para o

entendimento e aprendizado do Direito do Consumidor, mas também, para que o direito deste

possa ser amplamente resguardado230:

para a corrente finalista, o consumidor é aquele que retira definitivamente de circulação o produto ou serviço do mercado. Assim, o consumidor adquire o produto ou utiliza serviço para suprir uma necessidade ou satisfação eminentemente pessoal ou privada, e não para o desenvolvimento de uma outra atividade de cunho empresarial ou profissional. Para os seguidores desta doutrina, a intenção do legislador ao outorgar o Código de Defesa do Consumidor estava em tutelar, de maneira especial, determinado grupo da sociedade mais vulnerável e, em alguns casos, hipossuficientes.( DENSA, Roberta. Direito do Consumidor: De acordo com as Leis n° 11.785/08 e 11.800/08 e com o Decreto n° 6.523/08 (serviço de atendimento telefônico aos consumidores). 5. ed.São Paulo: Atlas, 2009, p.09).

229 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 902. 230GAMA, Hélio Zagheto. Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense,

2006, p.09-10.

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O conceito legal do consumidor se encontra disposto no próprio Código de Defesa do

Consumidor, que no art. 2° afirma que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que

adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” 231. Neste norte, em uma

primeira análise, o comerciante não pode ser classificado como um consumidor, haja vista que

não é o destinatário final do produto ou serviço, mas sim, um intermediário232.

Entende-se por destinatário final aquele que adquire o bem ou contrata o serviço para

uso próprio, privado, individual, ou até mesmo para terceiros, com a condição de que o uso do

terceiro não seja gozado mediante remuneração. Desta forma, o intermediário não se inclui

em tal definição, visto que a relação de consumo se encerra no consumidor.

Mostra-se cabível, entretanto, que a mesma pessoa, seja ela jurídica ou física,

apresente características de consumidor e intermediário simultaneamente, como por exemplo,

no caso das montadoras de automóveis “ que adquirem produtos para montagem e revenda

(autopeças) ao mesmo tempo em que adquirem produtos ou serviços para consumo final

(material de escritório, alimentação)” 233. Cumpre analisar:

o CDC resolveu definir consumidor. Sabe-se que a opção do legislador por definir os conceitos em vez de deixar tal tarefa à doutrina ou à jurisprudência pode gerar problemas na interpretação, especialmente porque corre o risco de delimitar o sentido do termo. No caso da Lei n. 8.078/90, as definições foram bem elaboradas. É verdade que no caso do conceito de “consumidor” restam alguns obstáculos a serem superados[...](RIZZATTO, Nunes. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 87) (grifos no original).

O Código de Defesa do Consumidor, ao conceituar legalmente consumidor, leva em

consideração apenas o caráter econômico, ou seja, o define apenas como aquele que contrata

o serviço ou adquire o bem na condição de destinatário econômico final, subtraindo desta

análise a natureza sociológica, psicológica, filosófica e administrativa, por meio de uma

conceituação rasa e seca234. Consoante entendimento doutrinário:

[…] do ponto de vista psicológico, considera-se consumidor o sujeito o sujeito sobre o qual se estudam as reações a fim de individualizar os critérios para a produção e as motivações internas que o levam ao consumo. Nesse aspecto, pois, indaga-se das

231BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 11/07/2011. 232KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor: Contratos, Responsabilidade civil e

Defesa do Consumidor em Juízo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 34. 233ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006. p. 40. 234 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. 8. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 27-28.

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circunstâncias subjetivas que levam determinado indivíduo ou grupo de indivíduos a ter preferência por este ou aquele tipo de produto ou serviço, preocupando-se com esse aspecto a ciência do marketing e a publicidade, assumindo especial interesse, quando se trata, principalmente, dos devastadores efeitos desta última, se enganosa ou tendenciosa, diante de modernas e sofisticadas técnicas de comunicação social.

(FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso Fundamental de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2007, p. 25).

Ao se analisar o ponto de vista sociológico da conceituação, se percebe que é

“aquele indivíduo que frui ou se utiliza de bens e serviços e pertence a uma determinada

categoria ou classe social” 235. Destaca-se:

em termos de considerações de ordem literária e filosófica, o vocábulo consumidor é saturado de valores ideológicos mais evidentes. Com efeito, o termo é quase sempre associado à denominada sociedade de consumo ou consumismo. Nesses casos, o chamado homem consumidor torna-se o protótipo do indivíduo, condenado a viver numa sociedade opressora, voltada exclusivamente para produção e distribuição de todos os valores com que lhe acena a sociedade produtora-consumista, eis que fundada na inexorável e mecânica aquisição pelo consenso posto, de modo a até criar, muitas das vezes, necessidades artificiais. (FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso Fundamental de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2007, p. 25)

No aspecto imposto pela óptica administrativa, o consumidor é aquela parte do ser

humano motivado pelo consumo de produtos e serviços, que se atêm ao nome da marca de

determinado produto, ao nome do estabelecimento comercial e sua localização. Aos olhos da

administração, portanto, “o consumidor é um ser social” 236.

A segunda das teorias reconhecidas doutrinariamente é a Maximalista, segundo a

qual o consumidor é a pessoa, física ou jurídica, que ocupe a posição de vulnerabilidade na

relação mercadológica. Ou seja, a pessoa que não detêm a tecnologia ou habilidade para

produção de determinado produto ou prestação de determinado serviço, tendo que submeter-

se ao poder e preço daquele que o possui237.

segundo a doutrina maximalista, para ser considerado consumidor basta que este utilize ou adquira produto ou serviço na condição de destinatário final, não interessando o uso particular ou profissional do bem. Dessa forma, somente não será consumidor quem adquirir ou utilizar produto ou serviço que participe diretamente do processo de produção, transformação, montagem, beneficiamento ou revenda. […] É necessário analisar, portanto, a simples retirada do bem do mercado de

235GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. 8. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 27. 236 KARKOTLI, Gilson. Direito Difuso, Responsabilidade Social à luz dos Princípios do Código de Defesa do

Consumidor. Curitiba: Camões, 2008 p.33. 237GAMA, Hélio Zagheto. Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense,

2006, p.10.

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consumo, ou seja, o ato objetivo, sem se importar com o sujeito que adquiriu o bem, podendo ser profissional ou não. Desta feita, segundo a doutrina maximalista, a pessoa jurídica que exerce atividade econômica será consumidora sempre que o bem ou serviço for adquirido ou utilizado para destinação final mas nunca será consumidora quando da aquisição de matéria prima necessária ao desenvolvimento de sua atividade. (DENSA, Roberta. Direito do Consumidor: De acordo com as Leis n° 11.785/08 e 11.800/08 e com o Decreto n° 6.523/08 (serviço de atendimento telefônico aos consumidores). 5. ed.São Paulo: Atlas, 2009, p.09).

Por fim, a teoria finalista temperada ou aprofundada aduz que “é possível considerar

destinatário final de um produto se, mesmo utilizado para fins profissionais ou econômicos,

houver vulnerabilidade do adquirente naquela relação” . O exemplo apresentado pela

doutrina é a do taxista que adquire um veículo com o objetivo de utilizado na sua atividade

econômica, ou seja, não sendo o destinatário final do produto, porém tão vulnerável quanto

aquele que adquire um veículo para uso próprio, particular ou familiar238.

Para que se possa compreender a teoria finalista temperada é necessário entender um

dos princípios que regem as relações de consumo, qual seja, o princípio protecionista ou da

vulnerabilidade, em que se percebe:

é facilmente reconhecível que o consumidor é a parte mais fraca na relação de consumo. A começar pela própria definição de que consumidores são os que não dispõem de controle sobre bens de produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares destes. Para satisfazer suas necessidades de consumo, é inevitável que ele compareça ao mercado e, nessas ocasiões, submeta-se às condições que lhe são impostas pela outra parte, o fornecedor. […] Hoje há consenso universal acerca da vulnerabilidade do consumidor. Não se questiona mais sobre esse ponto. (ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 24-25).

Tal regramento tem previsão legal no inciso I, do art. 4°, Código de Defesa do

Consumidor:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; […] (BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 11/07/2011).

238 DENSA, Roberta. Direito do Consumidor: De acordo com as Leis n° 11.785/08 e 11.800/08 e com o

Decreto n° 6.523/08 (serviço de atendimento telefônico aos consumidores). 5. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.09.

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Em outros termos, o princípio da vulnerabilidade do consumidor resolve que as

normas do Código de Defesa do Consumidor são destinadas à proteção da parte vulnerável da

relação de consumo, tendo como objetivo primordial promover a igualdade entre as partes

nela envolvidas239.

3.3 DEFINIÇÃO DE FORNECEDOR

Com efeito, a partir do estudo do primeiro sujeito da relação de consumo (o

consumidor), se torna possível a compreensão e análise do segundo sujeito, qual seja, o

fornecedor; que ao contrario do estudo anterior, é muito mais simples de se compreender, pois

seu conceito “não é debatido com frequência pelos autores, talvez devido ao vasto leque de

atividades econômicas e da amplitude da área de prestação de serviço.240.

O Código de Defesa do Consumidor, no art. 3°, traz um conceito bastante amplo de

fornecedor, no seguinte sentido:

fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 16/07/2011)

A definição de fornecedor esgota as possibilidades de responsabilização por vícios

havidos em produtos ou serviços, respondendo não somente quem o produz ou fabrica, mas

também quem distribui e quem vende. Ou seja, é considerado fornecedor tanto o fabricante

originário quanto o intermediário ou comerciante, desde que tais pessoas físicas ou jurídicas,

o façam de maneira habitual, profissionalmente ou como atividade principal remunerada241.

É de considerável relevância evidenciar, desde já, o mandamento legal do art. 18 do

Código de Defesa do Consumidor, que dispõe:

os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente,

239 LEITE, Roberto Basilone. Introdução ao Direito do Consumidor: Os Direitos do Consumidor e a

Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: LTr, 2002, p. 69. 240 ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006, p. 42. 241 Idem, p. 43.

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da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. (BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 11/07/2011).

Tamanha vastidão na conceituação legal de fornecedor possibilita a fixação da

responsabilidade solidária nas relações consumidoras, dando obrigações a todos os co-

responsáveis pela produção, distribuição e manejo de produtos, assim como pela prestação de

serviços, em face de vícios ou defeitos destes242.

é fornecedor quem tenha a atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição, ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. O Código elenca como Fornecedor toda pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira e até os entes despersonalizados que mantenham as atividades de fornecer bens ou serviços. Como entes despersonalizados há as sociedades de fato existentes entre as pessoas, quando envolvidas em atividades de fornecimentos. Aquela pessoa que eventualmente venda um bem ou preste um serviço, sem caráter de habitualidade, não é fornecedora e os negócios feitos com ela não são abrangidos pelas proteções ensejadas pelo CDC. (GAMA, Hélio Zagheto. Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p 39)

Fica mais prático explicar o conceito de fornecedor apresentando as hipóteses em

que uma pessoa, seja física ou jurídica, não será considerada fornecedora. Desta feita, uma

empresa do ramo de prestação de serviço de limpeza, por exemplo, que pretende renovar frota

de veículos e por os usados à venda não poderá ser considerada fornecedora, uma vez que por

mais que tal negociação seja realizada mediante remuneração, a comercialização de veículos

não é a atividade principal de referida pessoa jurídica.

3.4 ATIVIDADE E RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

O vocábulo relação provém do latim relatio onis, que significa “ação de dar em

retorno, ato de pagar um favor com outro favor, o qual deriva do verbo latino referre,

‘restituir, repor, trazer de novo, reproduzir, repetir” ; enquanto a palavra consumo deriva do

“latim consumer, comer, consumir, gastar’, o qual, por sua vez, deriva do latim sumere,

‘sumere, tomar’, de onde resultou o verbo português, sumir” 243.

Conforme anteriormente apontado, são sujeitos da relação de consumo o fornecedor

e o consumidor. Superada a conceituação e análise das características próprias de cada um

242 LEITE, Roberto Basilone. Introdução ao Direito do Consumidor: Os Direitos do Consumidor e a

Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: LTr, 2002, p. 69. 243 Idem, p. 53-54.

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deles, cabível o prosseguimento da análise dos demais elementos de forma breve, até porque

mais descomplicados na sua conceituação, quais sejam: o produto ou serviço e a

contraprestação pecuniária.

Ao conceito de produto não adere nenhuma dificuldade de definição, podendo

também ser lido como bem ou coisa, que tanto pode ser móvel ou imóvel, material ou

imaterial, tendo como mesmo entendimento atinente ao Direito Civil, além de durável ou não

durável.

Para esta última diferenciação é necessário um estudo mais aprofundado, visto que se

trata de definições e conceitos pertencentes ao próprio Direito do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor, não obstante conceituar produto como sendo

“qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” (art. 3°, §1°, do CDC), ainda

classifica-o com relação à sua durabilidade, nos incisos I e II do art. 26, quando se refere à

decadência e prescrição do direito de reclamar pelos vícios aparentes e de fácil constatação244.

Sendo assim, tem-se por produto durável o produto que não se acaba com o uso.

Aquele produto que deve ser utilizado por muito tempo sem que se desgaste. Para tal

conceituação leva-se em conta a durabilidade do referido produto, ao passo que se mostra

imperioso frisar que nenhum bem é eterno e o seu desgaste natural não poderá ser encarado

como um vício, a menos que seu fabricante ou fornecedor tenha estabelecido certo prazo de

funcionamento e o referido produto não tenha resistido245.

Por outro lado, o produto considerado não durável é, como se pode presumir, aquele

que tem duração curta, tomado por base o critério da vida útil. Exemplo disso são as bebidas,

os alimentos, cosméticos, remédios, entre outros, que de igual sorte, embora não consumidos,

se dissipam em breve interstício246.

O conceito de serviço, por sua vez, está explícito no parágrafo segundo do art. 3° do

Código de Defesa do Consumidor, sendo “qualquer atividade fornecida no mercado de

consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e

securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” 247.

244BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 20/07/2011. 245 RIZZATTO, Nunes. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

105-106. 246 Idem, p. 108. 247BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 20/07/2011.

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nos termos do Código de Defesa do Consumidor, serviço é toda atividade desenvolvida em favor do consumidor. Preferiu o legislador esclarecer que as atividades bancárias, financeiras, de crédito e securitárias estariam também inclusas no rol de serviços, para que não houvesse dúvida quanto à incidência do microssistema para estas atividades. (DENSA, Roberta. Direito do Consumidor: De acordo com as Leis n° 11.785/08 e 11.800/08 e com o Decreto n° 6.523/08 (serviço de atendimento telefônico aos consumidores). 5. ed.São Paulo: Atlas, 2009, p. 20).

Superadas as considerações quanto às conceituações dos elementos das relações

negociais de consumo, torna-se possível afirmar que estas são as relações estabelecidas ou

que podem se estabelecer entre o fornecedor, que oferta produtos ou serviços a um

consumidor, obrigando-se este último sujeito ao pagamento da contraprestação pactuada248.

Neste sentido, a fim de bem analisar as relações que se desenvolvem entre

consumidor e fornecedor, direciona-se o estudo agora para a identificação das

responsabilidades decorrentes do negócio firmado entre estes.

3.5 RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

É evidente que o consumidor ao adquirir um produto ou contratar determinado

serviço o faz como meio de satisfazer suas necessidades, nutrindo a expectativa de que estes

funcionem convenientemente, ou que determinem o efeito esperado.

Por outro prisma, também se mostra claro que os fornecedores tendem a produzir

produtos ou prestar serviços que se adéquam às expectativas do consumo, sendo eles seguros,

eficientes e em perfeito estado de funcionamento, evitando, na medida do possível, inserir

produtos defeituosos no mercado. Não obstante, é inevitável que certos produtos defeituosos

sejam enraizados no mercado, assim como, que serviços podem ser prestados de maneira

deficitária249.

assim, uma das características das sociedades em massa é a produção em série (massificada). Em produções seriadas é impossível assegurar como resultado final que o produto ou o serviço não terá vício/defeito. Para que a produção em série conseguisse um resultado isento de vício/defeito, seria preciso que o fornecedor elevasse seu custo a níveis altíssimos, o que inviabilizaria o preço final do produto e do serviço e desqualificaria a principal característica da produção em série, que é a ampla oferta para um número enorme de consumidores. (RIZZATTO, Nunes. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 153).

248GAMA, Hélio Zagheto. Curso de Direito do Consumidor. 3. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense,

2006, p. 32. 249ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 58.

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O legislador não deixa arestas acerca da responsabilidade do fornecedor decorrente

do fato do produto ou serviço (acidentes de consumo), cunhando uma espécie de

responsabilidade objetiva250. Indispensável a análise da norma:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação. § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/07/2011.)

Não satisfeito e de forma muito responsável o legislador fez questão de incluir no rol

dos responsáveis pelo fato do produto e do serviço, o próprio fornecedor intermediário

incumbido da comercialização do produto.

Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso. (BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 20/07/2011).

250 QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço: Código de

Defesa do Consumidor Lei 8.078, de 11.09.1990. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 44.

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67

Necessário ainda ponderar que nos casos em que o comerciante arque com a

indenização, este tem direito de se ver ressarcido pelo fornecedor fabricante, caso reste

caracterizado que a culpa do dano tenha sido desse251.

Diante de tais dispositivos legais, apoia-se o ideal de que a “responsabilidade pelo

fato do produto ou serviço decorre de um defeito capaz de frustrar a legítima expectativa do

consumidor quanto a sua utilização ou fruição”, pouco importando se tal responsabilidade

decorre de um contrato ou da violação de direitos, assim como independendo da existência de

culpa.

Noutras palavras, há responsabilidade objetiva do fornecedor, seja ele o fabricante ou

o comerciante, de modo que o ônus da prova é justamente dele, ou seja, deverá provar a

inexistência do dano causado pelo produto252. O que é amplamente reconhecido pela doutrina:

subjacente ao tema cumpre verificar que ao dever geral de não causar prejuízo a outrem […] correspondeu o dever especial de não colocar no mercado produtos e serviços que possam acarretar riscos à saúde e segurança dos consumidores (CDC, art. 8°). Esse último dispositivo, aliás, impõe ao fornecedor, em correspondência simétrica com os direitos básicos dos consumidores, os seguintes deveres: a) não colocar no mercado produtos e serviços que impliquem riscos à saúde e segurança, exceto os havidos normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição; e b) dar informações necessárias e adequadas a respeito do funcionamento e da potencialidade danosa. […] Da infringência desses deveres surge a responsabilidade civil do fornecedor, com a consequente obrigação de indenizar consumidores e vítimas em face dos defeitos apresentados por produtos e serviços. (ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 59-60).

Considerando a importância da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço,

justamente por salvaguardar a segurança, a saúde e a satisfação das necessidades do

consumidor, o legislador foi prudente em tornar saliente e expressa a responsabilização

objetiva do fornecedor, seja ele o fabricante ou o comerciante, quando ocorridas as hipóteses

elencadas, não deixando, todavia, de estabelecer expressamente as situações que os

desobrigarão253.

251 DENSA, Roberta. Direito do Consumidor: De acordo com as Leis n° 11.785/08 e 11.800/08 e com o

Decreto n° 6.523/08 (serviço de atendimento telefônico aos consumidores). ). 5. ed.São Paulo: Atlas, 2009, p. 54.

252 REIS, Henrique Marcello dos; REIS, Claudia Nunes Pascon dos. Resumo Jurídico de Direito do Consumidor. 2 ed. vol. 6. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 35.

253 QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço: Código de Defesa do Consumidor Lei 8.078, de 11.09.1990. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 44-45.

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3.6 RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO

O legislador do Código de Defesa do Consumidor estabeleceu, em seções distintas, a

responsabilidade em decorrência do fato do produto e do serviço e a responsabilidade pelo

vício do produto e do serviço. Diante desta sua pretensão, estas duas espécies de

responsabilidade são regidas por conceitos e diretrizes próprias. “Enquanto a primeira há a

potencialidade danosa, na segunda esta inexiste, verificando-se apenas anomalias que afetam

a funcionalidade do produto e do serviço” 254.

No que concerne à responsabilidade derivada do vício do produto e do serviço, para

sua compreensão mister se faz necessária a diferenciação de vício e defeito.

O conceito legal de vício por quantidade está disposto no caput do art. 18 do Código

de Defesa do Consumidor, onde também se prevê a responsabilização solidária entre os

fornecedores de produtos duráveis ou não, em decorrência de tais vícios.

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. (BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 25/07/2011).

Já os vícios por qualidade são conceituados pelo art. 19 da mesma Lei, que dispõe:

Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - o abatimento proporcional do preço; II - complementação do peso ou medida; III - a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; IV - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos. § 1° Aplica-se a este artigo o disposto no § 4° do artigo anterior. § 2° O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais. (BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 25/07/2011).

254 ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006, p. 67.

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Sobre o vício redibitório e a sua reparação, o Código Civil de 2002, no art. 441 expõe

que “a coisa recebida em virtude de contrato cumulativo pode ser enjeitada por vícios ou

defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o

valor” 255.

Noutras palavras, pode-se apontar como exemplos disso o produto que não funciona

corretamente, como o liquidificador que não gira a hélice; uma televisão sem áudio; ou até

mesmo um automóvel que apaga o motor vez por outra. Diminuem o valor do produto, por

exemplo, um risco no automóvel novo, ou até mesmo uma simples mancha em determinada

roupa. Com relação às informações, uma embalagem informa ter determinada quantidade do

produto, mas contêm quantidade menor; por exemplo, um saco de açúcar de 5 quilos

contendo apenas 4,5 quilos. O vício também diz respeito ao serviço prestado, quando

apresenta resultado insuficiente ou inadequado, por exemplo, o carpete que descola

rapidamente após a colocação256.

poderíamos, ainda, lembrar que o fornecedor tem que garantir adequação dos bens e serviços que oferece ao consumidor, devendo os mesmos satisfazer as expectativas daquele que deles se serve, sendo essa garantia uma obrigação de resultado, não de meio, daí mais um importante para se fixar a responsabilidade, que não foi dita pelo legislador como objetiva, como sendo derivada de culpa presumida. (QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço: Código de Defesa do Consumidor Lei 8.078, de 11.09.1990. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 48)

Portanto, no momento em que é apontado o vício do produto ou do serviço, por força

dos artigos 18 e 19 do Código de Defesa do Consumidor, são solidariamente coobrigados

todos os fornecedores envolvidos, seja o fabricante ou o intermediário. Tais artigos preveem

expressamente essa solidariedade na responsabilidade civil pelo vício do produto e do serviço,

tendo o consumidor o direito de propor ação de reparação contra um fornecedor ou contra

todos os envolvidos na cadeira produtiva e comercial257. Não é outro o posicionamento da

doutrina:

255 BRASIL, 2002. Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002,Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/ 2002/L10406.htm>. Acesso em 20/04/2011. 256 RIZZATTO, Nunes. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. reform. São Paulo: Saraiva,

2005, p. 217. 257 DENSA, Roberta. Direito do Consumidor: De acordo com as Leis n° 11.785/08 e 11.800/08 e com o

Decreto n° 6.523/08 (serviço de atendimento telefônico aos consumidores). 5. ed.São Paulo: Atlas, 2009, p.76.

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Verificado o defeito oculto, o consumidor inicialmente, deve pleitear ao fornecedor que o repare no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do §1° do art. 18. Não sendo o defeito sanado no prazo de 30 (trinta) dias, aí sim, abrem-se para o consumidor as opções indicadas no próprio parágrafo: I – a substituição do produto por outro da mesma esécie em perfeitas condições de uso; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço. Tem-se que o consumidor não pode exercer essas opções tão logo constate o defeito. O fornecedor pode exigir que, primeiro, o consumidor lhe conceda o prazo legal de 30 (trinta) dias para sanar o defeito. Somente a partir de então, em não sendo atendido ou não sendo o defeito sanado, é que se abrem para o consumidor as alternativas indicadas. O consumidor também poderá fazer uso imediato das alternativas do §1° se fizer prova do disposto no §3° do mesmo art. 18. (KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor: Contratos, Responsabilidade civil e Defesa do Consumidor em Juízo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 194).

O consumidor pode exigir as opções legais previstas no §1° do art. 18 do Código de

Defesa do Consumidor, conforme citado, após a negativa de solução do problema no prazo

estabelecido de trinta dias ou quando “a substituição das partes viciadas puder comprometer

a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto

essencial” 258.

O parágrafo terceiro do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor resguarda o

direito do consumidor quanto à possibilidade da reparação causar um grave prejuízo material.

Exemplo disso é um automóvel com um vício oculto no motor. Desta forma, o motor pode ser

trocado, o que torna o estado físico do automóvel perfeito, porém acarretará numa

depreciação de seu valor. Constata-se, porém, uma lacuna na Lei no que diz respeito à

responsabilização civil pelo vício do produto ou serviço, visto que classifica como solidária a

responsabilidade nesse caso, obrigando também o comerciante por tal reparação. O

comerciante, no caso em tela, em tese, não teria qualquer culpa pelo vício havido no motor do

automóvel vendido, porém é da mesma forma responsável pela reparação. Isso porque, o

artigo 18 do Código Civil em momento algum condiciona a responsabilização pela culpa, mas

sim pelo risco da atividade empresarial259.

A doutrina soluciona tal lacuna classificando a responsabilidade como solidária

passiva, sendo que o fornecedor que ressarciu o prejuízo ao consumidor pode intentar ação

regressiva contra os demais fornecedores260.

258BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 24/07/2011. 259 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor: Contratos, Responsabilidade civil e

Defesa do Consumidor em Juízo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 194. 260 REIS, Henrique Marcello dos; REIS, Claudia Nunes Pascon dos. Resumo Jurídico de Direito do

Consumidor. 2 ed. vol. 6. São Paulo: Quartier Latin, 2005.. p. 47.

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Outra falha do legislador foi com relação à expressa disposição das espécies de

responsabilidade (objetiva ou solidária) pelo vício do produto ou do serviço, dando lastro à

várias discussões doutrinárias a respeito de tal classificação.

Houve certa vacilação do legislador, já que todo o microssistema e sua principiologia lhe dava suporte, para que ousasse criar outro caso de responsabilidade objetiva expressa, também ao tratar da responsabilidade pelo vício do produto. Controvérsias a respeito têm se formado e se alongarão, congregando doutrinadores de peso, que se manifestam em sentidos diversos. Para Maria Helena Diniz e Antônio Herman de Vasconcellos Benjamin a responsabilidade, nesse caso, é subjetiva; por outro lado, Nelson Nery Junior e José Aguiar Dias asseguram tratar-se de responsabilidade objetiva. (QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço: Código de Defesa do Consumidor Lei 8.078, de 11.09.1990. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 45). Há muito tempo, entre nós, a responsabilidade subjetiva tem sido acolhida pelo direito brasileiro, como regra, sendo certo, porém, que dadas as peculiaridades das situações no mundo em que hoje vivemos, a responsabilidade objetiva tem sido prestigiada com a opção da lei, que a acolhe, expressamente, cada vez mais, dadas as mutações nas circunstâncias do viver hodierno. (DINIZ, Maria Helena apud QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço: Código de Defesa do Consumidor Lei 8.078, de 11.09.1990. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 44).

As disposições legais que tangem a responsabilidade civil do fornecedor pelo vício

do produto ou do serviço ainda vêm expressas nos artigos 20 e 21 do mesmo diploma legal:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço. § 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor. § 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade. Art. 21. No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor. (BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 24/07/2011).

Conforme se pode captar da simples leitura dos artigos citados, em nenhum momento

faz-se menção à necessidade de comprovação da culpa. Porém, em proveito do consumidor,

depreende-se da leitura da lei n. 8.078/90 que o disposto no inciso VIII do art. 6°, com relação

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à inversão do ônus da prova, que mesmo que teoricamente o consumidor seja prejudicado

com a não classificação expressa da responsabilidade como objetiva, ainda assim percebe-se a

vantagem do fato de que incumbe ao fornecedor a comprovação da inexistência de sua culpa,

ou até mesmo, a comprovação de alguma das excludentes de responsabilidade261.

3.7 PROTEÇÃO CONTRATUAL

Inicialmente, não há como se falar em contrato e proteção contratual sem estudar os

institutos da autonomia privada e o princípio chamado pacta sunt servanda.

A autonomia privada por si só engloba outros princípios, como o da igualdade, da

obrigatoriedade e do consentimento, prezando pelo fato de que as partes não só conheçam

todo o conteúdo do contrato que estão firmando, mas também tenham livre autonomia para

modificar as cláusulas em prol da igualdade e da proporcionalidade das obrigações262.

Os ensinamentos mais tradicionais sobre o direito contratual e obrigacional falam

sobre o princípio do pacta sunt servanda, no sentido de que o estipulado se torna Lei entre as

partes contratantes263.

Acontece que a Lei 8.078/90, ao reconhecer o contrato elaborado unilateralmente, o

conhecido contrato de adesão, ou até mesmo os recentes contratos em matéria de relação de

consumo firmados verbalmente, por meio de contato telefônico; reduz toda a autonomia

privada à simples autonomia de escolher, aceitar ou não, os termos pactuados, flexibilizando

pois, radicalmente o princípio do pacta sunt servanda, no sentido de que a própria Lei

reconhece a vulnerabilidade do consumidor em relação ao fornecedor e possibilita a

modificação das cláusulas que estabelecem prestações desproporcionais264. Vale notar:

ora, diante da sociedade de consumo, em que os contratos de adesão é que cedem lugar aos tradicionais contratos longamente examinados e pontuados, já que se destinam ao escoamento da produção em massa de bens e à prestação igualmente em larga escala de serviços, não se poderá certamente falar de liberdade de contratar em toda a sua plenitude.265 (FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso Fundamental de Direito do Consumidor, São Paulo: Atlas, 2007, p. 173).

261 FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso Fundamental de Direito do Consumidor, São Paulo: Atlas, 2007,

p. 148-149. 262 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 193-

194. 263 FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso Fundamental de Direito do Consumidor, São Paulo: Atlas, 2007,

p. 172. 264 RIZZATTO, Nunes. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

517. 265 FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso Fundamental de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2007,

p. 173.

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Percebe-se que, atualmente, tais ensinamentos apenas vigem plenamente nas relações

obrigacionais na órbita privatista, sejam elas de consumo ou não266.

Dito isso, cabe aqui manifestação acerca do importante princípio da boa-fé objetiva e

subjetiva, que serão objeto de aprofundamento mais à frente, da possibilidade de rediscussão

do contrato por onerosidade excessiva, além é claro de uma breve explanação acerca das

práticas abusivas previstas no Código de Defesa do Consumidor, assim como sobre a

penalização decorrente da cobrança indevida, políticas que essencialmente melhoraram as

relações de direito privado existentes entre fornecedores e consumidores, pelo

reconhecimento da necessidade de se tutelar a assimetria informacional neste seguimento

contratual.

Sendo assim, a abordagem do princípio da boa-fé subjetiva à luz do Direito do

Consumidor, significa o reconhecimento da falta de informação por parte do consumidor de

fato que viola, modifica ou impede seu direito. “É, pois, a falsa crença acerca de uma

situação pela qual o detentor do direito acredita na sua legitimidade porque desconhece a

verdadeira situação” 267.

Por outro lado, o princípio da boa-fé objetiva é uma espécie de padrão

comportamental dos contratantes que devem trilhar no caminho da lealdade, confiança mútua,

honestidade e transparência, bem como deve se fazer presente em todas as fases da relação

contratual, ou seja, tanto nas negociações preliminares, quanto na efetiva firmação do

contrato, assim como na fase pós- contratual. Tudo isso, em busca de estabelecimento de um

equilíbrio de posições na relação de consumo268.

o CDC exige que os agentes da relação de consumo, fornecedor e consumidor, estejam predispostos a atuar com honestidade e firmeza de propósito, sem espertezas ou expedientes para impingir prejuízos ao outro. A boa-fé, ao lado da equidade, conduz à paz social e à harmonia entre as partes, permitindo que o mercado flua com regularidade e sem percalços, tanto na fase pré-contratual como no momento de sua execução. O princípio da boa-fé em matéria contratual reflete na tutela civil do consumidor, protegendo-o da publicidade enganosa e das práticas comerciais, quando ainda não contratou, além de permitir o arrependimento (art. 49), mesmo depois de efetivada a contratação. (ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 107-108)

266 RIZZATTO, Nunes. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.

517. 267 Idem, p. 521. 268 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor: Contratos, Responsabilidade civil e

Defesa do Consumidor em Juízo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 112-113.

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Em decorrência do princípio da boa-fé, do equilíbrio contratual e da vulnerabilidade

do consumidor na relação de consumo, capitulados nos art. 4°, incisos I e III do Código de

defesa do Consumidor269, surge o direito de rever determinadas cláusulas do contrato já

firmado que disponham sobre obrigações desproporcionais, assim como por motivo de “fatos

supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” .270 Ainda que, em razão do princípio

da conservação do contrato, a declaração da “nulidade de uma cláusula contratual não

poderá contaminar todo o pacto” 271.

Frise-se, que tais fatos havidos no decorrer ou após o contrato não dependem de

previsão. Ou seja, a revisão contratual decorrente de fatos posteriores à negociação e a

contratação que tornem a prestação excessivamente onerosa “independentemente de ter

havido ou não precisão ou possibilidade de previsão dos acontecimentos” 272.

“A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações

desproporcionais ou a sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem

excessivamente onerosas”: essa é a letra a Lei, no inciso V do art. 6°, artigo esse que versa

sobre os direitos básicos do consumidor (entre eles a vida, a saúde, segurança, informação,

além de proteção contra a publicidade enganosa)273.

Noutras palavras, as cláusulas contratuais podem ser modificadas quando forem

consideradas abusivas e elencadas no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, não

significando, necessariamente, que em decorrência desta desobediência o contrato será

resolvido.274 Isso porque, de acordo com o parágrafo segundo do artigo suso aludido, “a

nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua

269 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos

consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; […] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção

do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores

270 RIZZATTO, Nunes. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 518.

271 REIS, Henrique Marcello dos; REIS, Claudia Nunes Pascon dos. Resumo Jurídico de Direito do Consumidor. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005. vol 6. p. 86.

272 RIZZATTO, Nunes. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 127.

273 BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 24/07/2011.

274 RIZZATTO, Nunes. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 126.

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ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”,

conforme já dito alhures275.

Dando prosseguimento à análise da proteção contratual no Direito Consumidor,

imperioso tratar acerca das práticas abusivas.

O art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, após alterações acarretadas pela

introdução das Leis 8.884/94, 9.008/95 e 9.870/99, apresenta, exemplificativamente, atitudes

consideradas abusivas, que são explicitamente vedadas ao fornecedor de produtos e serviços.

Sendo assim, o artigo apontado não exaure as circunstâncias ou atitudes tomadas pelos

fornecedores que podem ser consideradas abusivas, logo, o seu rol não é taxativo276.

Tangem interesses referentes ao presente trabalho as disposições legais contidas,

especialmente, nos incisos V e XII do referido artigo, “exigir do consumidor vantagem

manifestamente excessiva” e “deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua

obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério” 277,

respectivamente.

Importante atentar para a possibilidade de, em razão de vício redibitório, alterar-se

ou resolver-se contratos de compra e venda. Este é o caso, por exemplo, de alguém que

adquire um imóvel para sua própria residência, mediante financiamento, em que dois

contratos são firmados simultaneamente, o da compra e venda e o de financiamento; porém

após certo tempo é verificada a ocorrência de vício redibitório. A questão é discutida

doutrinariamente:

em razão da rede de contratos estabelecida entre o consumidor, a instituição financeira e a construtora, a eficácia do poder de redibir o constro de compra e venda seria comunicável ao contrato de financiamento, possibilitando ao consumidor o desfazimento de ambos pela mesma causa, em razão de uma para-eficácia entre esses contratos.(LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes constratuais no mercado habitacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.197)

Conclui-se, com base no estudado até agora sobre a proteção contratual, que a

legislação atinente criou instrumentos hábeis à preservação do equilíbrio entre as partes

(fornecedor e consumidor), zelando principalmente pelo interesse do consumidor, que é,

segundo própria disposição prescrita em lei, considerado a parte vulnerável e frágil da relação

275 BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 24/07/2011. 276 RIZZATTO, Nunes. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. reform. São Paulo: Saraiva,

2005, p. 472. 277 BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 24/07/2011.

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de consumo. Com efeito, reconhecidos com base na existência de assimetria de informações

nas relações de consumo anteriormente a entrada em vigor do Código de Defesa do

Consumidor.

3.8 DA APLICAÇÃO PRÁTICA DOS POSTULADOS DE BOA-FÉ OBJETIVA DO

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NAS LINHAS MAIS COMPLEXAS

A análise acerca das expectativas geradas no consumidor que se ligam à observação

dos deveres decorrentes da boa-fé, no que tange às relações contratuais não formalmente

institucionalizadas, porém, determinantes para convicção do ajuste entre as partes, se justifica

porquanto leva em consideração a confiança e a segurança jurídica, tão preservadas pelo

sistema de normas pertinentes.

Ademais, a apreciação das normas de defesa do consumidor de forma extensiva aos

contratos coligados, ou seja, aqueles que não foram objeto do pacto inicial entre consumidor e

fornecedor, deixa claro que a tutela da boa-fé pode ser utilizada de forma ampla como

instrumento de fomento à atividade econômica, bem como credibilidade das relações de

mercado.

Com efeito, ao aceitar a responsabilização da instituição financeira por vícios ocultos

decorrentes da construção com base na teoria da confiança como dever colateral de boa-fé

objetiva, abre-se um importante caminho para a discussão e fundamentação acerca da criação

de um sistema protetivo aos contratos de alienação de estabelecimento empresarial, ou seja,

contratos de trespasse, de modo que, assim como aqueles as relações de consumo são

imprescindíveis para o movimento econômico, igualmente assim o são estes.

Assim, com o intuito de bem demonstrar a aplicação dos postulados que se está a

discutir, elenca-se, aqui, alguns argumentos que sustentam e também que não aceitam a

ocorrência e reconhecimento da responsabilidade da instituição financeira que garante a

conclusão de imóvel, perante a ocorrência de vício redibitório, tudo acompanhado do

correlato entendimento jurisprudencial dos Tribunais Brasileiros.

3.8.1 Argumentos contrários: inexistência de cláusula contratual obrigacional, ou

existência de cláusula expressa que exima a instituição financeira da responsabilidade

Como bem exposto anteriormente, o estudo sobre a responsabilidade atribuída à

determinada instituição financeira fundada sobre os deveres colaterais de boa-fé guarda

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refinada ligação ao postulado na presente pesquisa, logo, entender quais os argumentos

contrários e favoráveis a este assunto, é mister porquanto elucidativos dos critérios da sua

aplicação.

É sabido quanto às classificações da responsabilidade civil sobre aquela que deriva

de uma obrigação contratual. Ou seja, que tem por origem um contrato ou negócio jurídico

existente preteritamente ao dano278, que é acarretado pela falta de adimplemento ou mora no

cumprimento de determinada obrigação explícita no contrato firmado, devidamente

submetido ao crivo da liberdade de vontade das partes no momento de sua

perfectibilização279.

Sendo assim, os Tribunais Regionais Federais, no que tange à inexistência de

cláusula obrigacional ou existência de cláusula que exime de responsabilidade a instituição

financeira, têm se posicionado da seguinte maneira:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CEF NÃO RECONHECIDA. MERA MEDIÇÃO DA OBRA PARA LIBERAÇÃO DO FINACIAMENTO PARA CONSTRUÇÃO. MÚTUO. VÍCIO MATERIAL OU FORMAL NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE PLANILHA DE EVOLUÇÃO DA DÍVIDA. IMPROCEDÊNCIA. [...] 2. "Se não há lei, nem expressa disposição contratual atribuindo à Caixa Econômica Federal o dever jurídico de responder pela segurança e solidez da construção financiada, não há como presumir uma solidariedade. A fiscalização exercida pelo agente financeiro se restringe à verificação do andamento da obra para fins de liberação de parcela do crédito financiado à construtora, conforme evolução das etapas de cumprimento da construção. Os aspectos estruturais da edificação são de responsabilidade de quem os executa, no caso, a construtora.” […](BRASIL. Tribunal Regional Federal (1° Região). Apelação Cível 2001.01.00.032911-3/MG. Quinta Turma, Relator: Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Julgado em 19/01/2011, Publicado em 28/01/2011) (grifei)

A jurisprudência supramencionada traduz o entendimento majoritário dos Tribunais

Regionais Federais, no sentido de que o agente financeiro não é responsável solidário civil por

vícios na construção, já que não há qualquer disposição contratual conferindo a este

responsabilidades. Logo, tem-se que a fiscalização do agente financeiro “limita-se ao mero

278 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 08. 279DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Responsabilidade civil.22. ed. São Paulo: Saraiva,

2008, p. 127.

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acompanhamento da execução em relação ao cronograma físico-financeiro e orçamentário”;

além do fato de que não há Lei ou disposição contratual com relação à responsabilização280.

No mesmo sentido, porém não apontando a inexistência de cláusula expressa

atribuindo a responsabilidade ao agente financeiro por vício na construção, e sim a existência

de mecanismo contratual desobrigando este de eventual responsabilidade, colaciona-se a

seguinte jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4° Região:

SFH. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. ILEGITIMIDADE. CEF. A Caixa Econômica Federal não é parte legítima para figurar no pólo passivo de demanda redibitória, não respondendo por vícios na construção de imóvel financiado com recursos do Sistema Financeiro da Habitação, nos casos em que o contrato exclui expressamente a responsabilidade da instituição financeira pela qualidade da obra. (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (4° Região). Apelação Cível 5004285-66.2010.404.7108/RS, Terceira Turma, Relator: Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Julgado em 07/12/2010, Publicado em 07/12/2010).

Ainda, no mesmo sentido, depreende-se da jurisprudência a limitação da

responsabilidade da instituição financeira ao contrato de mútuo, por expressa isenção disposta

em cláusula contratual:

SFH. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL INICIADA APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE CARÊNCIA DE AÇÃO. CDC. MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULAS. SACRE. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ANATOCISMO. EQUIVALÊNCIA SALARIAL. VEDAÇÃO EXPRESSA NO CONTRATO. 1. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de revisão das cláusulas do contrato de mútuo celebrado com a CEF, e extinto o processo, sem resolução de mérito, quanto aos pedidos de indenização por danos morais e de reparos no imóvel objeto do contrato de mútuo.[…] 11. Caso de ilegitimidade passiva das rés quanto ao pedido relacionado aos vícios da construção. A responsabilidade da CEF é limitada ao contrato de mútuo firmado, inexistindo qualquer vínculo obrigacional entre os demandantes e esta ré quanto à existência de vícios da construção. E a hipótese de tais vícios é expressamente excluída da cobertura securitária, como se vê da cláusula décima nona, parágrafo quarto, do contrato de financiamento, corroborada pela cláusula 6.2.6 do contrato de seguro. (fl. 259, sob o título “Riscos Excluídos”). 12. Apelo conhecido e desprovido. (BRASIL. Tribunal Regional Federal-2° Região. Apelação Cível 200751070000686, Sétima Turma Especializada, Relator: Desembargador Federal Jose Antonio Lisboa Neiva, Julgado em 01/12/2010, Publicado em 10/12/2010).

280 BRASIL. Tribunal Regional Federal (1° Região). Apelação Cível 2001.01.00.032911-3/MG, Quinta Turma,

Relator: Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Julgado em 19/01/2011, Publicado em 28/01/2011.

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Verifica-se que segundo os entendimentos citados, o agente financeiro não tem o

dever de fiscalizar a qualidade da obra, o que por si só já justifica a sua desobrigação, ficando

ainda mais clara tal situação quando existente cláusula expressa que desobriga a instituição

financeira por eventuais vícios da obra.

3.8.1.1 Do fato da instituição financeira não ser fornecedora do produto

Outra tese de defesa das instituições financeiras muito bem vista pela jurisprudência,

diz respeito ao fato de que estas não são fornecedoras do produto que tenha apresentado vício.

Aduz-se que os agentes financiadores da compra de um imóvel não fazem parte da cadeia

produtiva daquele bem, nem mesmo agem como intermediadores, visto que a comercialização

não é por eles realizada.

Em outras palavras, significa dizer que a instituição financeira não desenvolve

atividade de “produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,

exportação, distribuição ou comercialização” 281 do imóvel que tenha apresentado vício,

portanto não enquadrando-se como fornecedora pelo conceito legal disposto no artigo 3° do

Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, não sendo o agente financeiro integrante da cadeia produtiva do bem,

nem mesmo intermediador, simplesmente financiador da compra através do crédito; entende-

se não haver possibilidade de aplicação do art. 18 do Código Consumerista, no que diz

respeito à responsabilização solidária entre todos os fornecedores.

Dito isso, colhe-se da jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais:

PROCESSUAL CIVIL. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. MANIFESTA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO AGENTE FINANCEIRO. EXCLUSÃO DA CEF DA LIDE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. [...] 2. A relação obrigacional estabelecida entre a autora e a CEF se refere apenas a contrato de financiamento, não tendo o agente financeiro responsabilidade por eventual vício de construção do imóvel ou desvalorização do bem. 3. A hipótese dos autos trata-se de ilegitimidade da CEF, o que resulta na extinção do processo pelo art. 267, VI, do CPC, e não de parcial procedência como decidiu o Juiz da 2ª Vara de Minas Gerais.[...] (BRASIL. Tribunal Regional Federal (1° Região). Apelação Cível 2002.38.00.007110-8/MG, Quarta Turma Suplementar, Relator: Juiz Federal Grigório Carlos dos Santos, Julgado em 09/08/2011, Publicado em 17/08/2011). (grifei)

281BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 20/07/2011.

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O entendimento referido no citado acórdão vem no sentido de que a responsabilidade

da instituição financeira fica adstrita ao contrato de mútuo, que por sua vez, não prevê sua

responsabilização em decorrência de eventuais defeitos na construção.

Confirmando tal entendimento, o Desembargador Federal João Batista, também do

Tribunal Regional Federal da Primeira Região, proferiu a seguinte decisão:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. SFH. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO E DESVALORIZAÇÃO DO IMÓVEL. AÇÃO PROPOSTA EM FACE DA CONSTRUTORA E DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PEDIDOS SUCESSIVOS DE RESCISÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS CONTRA RÉUS DIVERSOS. IMPOSSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE DA CEF. CONSTRUTORA. PESSOA JURÍDICA PRIVADA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. [...] 4. A relação obrigacional estabelecida entre a autora e a CEF se refere apenas a contrato de mútuo garantido por hipoteca, não tendo o agente financeiro responsabilidade por eventual vício de construção do imóvel ou desvalorização do bem. 5. Incompetência da Justiça Federal para julgar ação em face da construtora. 6. Exclusão da CEF, de ofício, da relação processual. Anulação dos atos decisórios e remessa dos autos para a Justiça Estadual de Minas Gerais (art. 113, §2º, CPC). Prejudicados o recurso adesivo da construtora, as apelações da autora e da CEF e o agravo retido. (grifei) (BRASIL. Tribunal Regional Federal (1° Região). Apelação Cível 2004.33.00.023297-1/BA, Quinta Turma, Relator: Desembargador Federal João Batista Moreira, Julgado em 02/03/2011, Publicado em 21/03/2011).

Nos Tribunais Regionais Federais da Segunda e Terceira Regiões, o entendimento

não é diferente, como depreende-se:

CIVIL. CONTRATO DE MÚTUO HIPOTECÁRIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF POR VÍCIOS ESTRUTURAIS NO IMÓVEL. CDC. SALDO DEVEDOR. TR. ATUALIZAÇÃO MENSAL. SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO SACRE. MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULAS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E CONTRATUAL. TAXA DE JUROS NOMINAL E EFETIVA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ANATOCISMO. 1. No que se refere ao pedido de indenização pelos problemas estruturais do imóvel, agiu com acerto o MM. Juiz a quo ao reconhecer a ilegitimidade passiva da CEF, na medida em que a Caixa Econômica Federal atuou no contrato em exame unicamente com o objetivo de disponibilizar o valor necessário à aquisição do imóvel, não possuindo nenhuma responsabilidade quanto à solidez do bem, já que sequer financiou sua construção. Nessa linha, a relação entre a parte autora e a CEF é tão-somente a de credor e devedor, decorrente do empréstimo concedido. Assim, eventuais vícios do imóvel em nenhum momento eximem a parte autora da continuidade de quitação do mútuo, uma vez que a CEF já lhe disponibilizou a quantia solicitada, de modo que cabe à parte autora adimplir com suas obrigações contratuais. De fato, não há como se onerar a Caixa com a suspensão do pagamento do financiamento se, repita-se, a mesma não guarda qualquer relação com os vícios suscitados na inicial, que, se existentes, são de inteira responsabilidade dos vendedores. [...] (grifei) (BRASIL. Tribunal Regional Federal (2° Região). Apelação

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Cível 2005.51.01.018697-5/RJ, Sétima Turma Especializada, Relator: Desembargador Federal Jose Antonio Lisboa Neiva, Julgado em 04/05/2011, Publicado em 11/05/2011).

E ainda:

[...] Como regra, aquele que empresta dinheiro para a aquisição de um bem ou serviço de terceiros não responde pela qualidade e segurança do produto adquirido, pois é fornecedor exclusivamente do serviço bancário. (grifei)[...] (BRASIL. Tribunal Regional Federal (3° Região). Apelação Cível 200761100100840, Segunda Turma, Relator: Juiz Henrique Herkenhoff, Julgado em 16/03/2010, Publicado em 25/03/2010).

Posicionam-se, portanto, corroborando uns aos outros, no caminho de não reconhecer

a responsabilidade civil da instituição financeira, uma vez que o risco assumido por esta em

negócios jurídicos, que envolve o financiamento de imóveis, apenas diz respeito à própria

alienação. Consideram que independentemente da existência de vício, a instituição financeira

não responde por tal ocorrência, visto que apenas é vinculada ao contrato de financiamento.

Ressalva é necessária se fazer desde já, ainda que seja melhor trabalhada nos tópicos

seguintes, para os casos em que o agente financeiro tenha participado do negócio não

unicamente como fornecedor do serviço bancário, mas também como fornecedor do próprio

bem. Verifica-se isso nos financiamentos feitos mediante o Programa de Arrendamento

Residencial, com fundos do Sistema Financeiro Habitacional ou ainda quando a instituição

financeira financia a própria construção. Nestas hipóteses, à elas são impostas

subsidiariamente a responsabilidade pela qualidade da obra, visto que assumem o controle

técnico da construção. Tal fato é apontado no corpo da mesma jurisprudência citada

anteriormente, conforme segue:

[...] 2. A responsabilidade subsidiária do agente financeiro, todavia, pode excepcionalmente decorrer de expressa previsão legal ou contratual, como também do fato de, pertencendo ao mesmo quadro econômico do fornecedor do bem adquirido com o empréstimo, haver participado de negócio complexo em que, em uma única ocasião, tenham sido fornecidos o produto adquirido e o serviço bancário de financiamento. 3. No Programa de Arrendamento Residencial, a CEF responde subsidiariamente pela segurança, solidez e quaisquer vícios no imóvel, porquanto assume o controle técnico da construção. (BRASIL. Tribunal Regional Federal (3° Região). Apelação Cível 200761100100840, Segunda Turma, Relator: Juiz Henrique Herkenhoff, Julgado em 16/03/2010, Publicado em 25/03/2010).

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Na doutrina encontra-se o entendimento no sentido da classificação das

incorporadoras, construtoras e agentes financeiros como fornecedores de produtos e serviços,

conforme, in verbis:

No mercado imobiliário para consumo, porém, justifica-se a aplicabilidade integral do Código de Defesa do Consumidor a partir da inafastável qualificação das incorporadoras, construtoras e agentes financeiros como fornecedores de produtos e serviços. (LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 178).

Inegavelmente o entendimento majoritário, é no sentido de não considerar o agente

financeiro como sendo fornecedor do imóvel, mas sim apenas como fornecedor do serviço

bancário que compreende o próprio financiamento. Sendo assim, em regra, este somente atua

no negócio jurídico disponibilizando os valores, parcialmente, para a realização da compra do

imóvel pelo adquirente, não aferindo qualquer responsabilidade pela qualidade da construção.

3.8.1.2 Da ausência de interesse na fiscalização da construção

Por fim, ainda em matéria defensiva das instituições financeiras, verifica-se o

entendimento favorável a desobrigá-las de responsabilidade por vícios na construção, em

consequência de seu desinteresse na fiscalização da qualidade da construção.

Em desacordo com o entendimento jurisprudencial anteriormente citado, quando

relacionado ao financiamento realizado por intermédio do Programa de Arrendamento

Residencial com recursos do Sistema Financeiro Habitacional ou ainda quando a instituição

financeira financia a própria construção, encontra-se também na jurisprudência entendimentos

que isentam o agente financeiro de responsabilidade, especialmente por não terem eles o

interesse na fiscalização da qualidade da construção, conforme, in verbis:

[...]1. A solidariedade não se presume, devendo advir de lei ou contrato (CC/2002, art. 265). 2. "Se não há lei, nem expressa disposição contratual atribuindo à Caixa Econômica Federal o dever jurídico de responder pela segurança e solidez da construção financiada, não há como presumir uma solidariedade", bem como se "a fiscalização exercida pelo agente financeiro se restringe à verificação do andamento da obra para fins de liberação de parcela do crédito financiado à construtora, conforme evolução das etapas de cumprimento da construção. Os aspectos estruturais da edificação são de responsabilidade de quem os executa, no caso, a construtora. O agente financeiro não possui ingerência na escolha de materiais ou avaliação do terreno no qual que se pretende erguer a edificação"

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(REsp 1043052/MG, julgado em 08/06/2010, DJe 09/09/2010). (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (1° Região). Apelação Cível 2006.33.00.011712-7/BA, Quinta Turma, Relator: Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Julgado em 15/12/2010, Publicado em 28/01/2011).

Ademais, quando o agente financeiro promove o financiamento da construção, este

se atém ao cronograma físico-financeiro apresentado pelo empreendedor, o qual, por sua vez,

deverá cumpri-lo para receber as parcelas do crédito financiado para a construção. Sendo

assim, a instituição financeira apenas tem o interesse na fiscalização e constatação do

cumprimento do citado cronograma a fim de disponibilizar os valores ao construtor; ao invés

de fiscalizar também a qualidade da obra. A ausência de interesse na fiscalização da qualidade

a exime de responsabilidade em virtude falhas.

É no mesmo sentido o entendimento da Sétima Turma Especializada do Tribunal

Regional Federal da Segunda Região, conforme se percebe da jurisprudência:

SFH. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA CEF PARA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COBERTURA DE SINISTRO. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL DE ENGENHARIA CIVIL. [...]. A CEF fiscaliza a obra para seu exclusivo interesse, quando tem relação de mútuo com a incorporadora, e não no interesse de futuros adquirentes que, eventualmente, serão seus mutuários. Sua fiscalização visa resguardar interesses próprios, de natureza comercial. As características da construção do bem, assim como outros pleitos indenizatórios, devem ser discutidos com a construtora, e não com a Caixa Econômica Federal. 3. Descabe a tese de nulidade do contrato de financiamento em razão dos problemas estruturais do imóvel por falta de amparo legal. […] (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (2° Região). Apelação Cível 200651080010842, Sétima Turma Especializada, Relator: Desembargador Federal Jose Antonio Lisboa Neiva, Julgado em 31/08/2011, Publicado em 09/09/2011).

E ainda, no mesmo sentido:

SFH. VÍCIOS E IRREGULARIDADES NA CONSTRUÇÃO DO EMPREENDIMENTO HABITACIONAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA CEF. EXCLUSÃO DA LIDE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Lide na qual o Condomínio-autor objetiva a condenação da CEF e da construtora a efetivar reparos no imóvel, bem como a reparação por danos materiais e morais. 2. Não há responsabilidade da CEF pelas questões atinentes à construção do empreendimento habitacional. O contrato de mútuo apenas possibilitou a compra do imóvel, escolhido pelos condôminos. A CEF fiscaliza a obra para seu exclusivo interesse, quando tem relação de mútuo com a incorporadora, e não no interesse de futuros adquirentes que, eventualmente, serão seus mutuários. Sua fiscalização visa resguardar interesses próprios, de natureza comercial. As características da construção do bem, assim como outros pleitos indenizatórios, devem ser discutidos com a construtora, e não com a Caixa Econômica Federal. 3. Patente a ilegitimidade passiva ad causam da CEF, não há que se falar em competência da Justiça Federal para julgar a lide. 4. Desistência do apelo do Condomínio homologada. Apelação da CEF conhecida e provida. (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (2° Região). Apelação Cível

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200351010200070, Sétima Turma Especializada, Relator: Desembargador Federal Jose Antonio Lisboa Neiva, Julgado em 04/05/2011, Publicado em 11/05/2011).

Entende-se com base no citado até então, que a instituição financeira fica

desobrigada perante vícios construtivos, especialmente em virtude do fato de que a ela não

incumbe a fiscalização da qualidade da construção, mas sim, apenas no tocante ao

cumprimento do cronograma físico financeiro para efeito de liberação de valores das parcelas

do financiamento. Acontece que tal Inteligência jurisprudencial não é unânime, conforme será

demonstrado nos tópicos seguintes.

3.8.2 Argumentos Favoráveis

Após uma breve contextualização acerca dos entendimentos desfavoráveis à

responsabilização da instituição financeira pelos vícios da construção, imperioso analisar de

forma detida os fundamentos daqueles que aceitam esta modalidade de responsabilidade que

transpõe os limites objetivos dos contratantes e alcança os contratos coligados em busca da

tutela da boa-fé objetiva e seus deveres colaterais.

Sem embargos, tutelar a boa-fé e seus deveres colaterais além da relação contratual

originária é de extrema importância para a justificação do tema de fundo desta pesquisa, uma

vez que, conforme será avaliado no próximo capítulo, os valores sociais que objetivou tutelar

a norma consumerista são muito semelhantes aqueles que se entende defender nos contratos

de trespasse.

Deste modo, a aplicação extensiva dos postulados de proteção e defesa dos

consumidores nas relações de consumo e seus contratos coligados permite a imposição

subsidiária desta inteligência também nos contratos interempresariais em que a concorrência

não seja incita.

Serão abordados, em direta contestação aos argumentos anteriores expostos a

abusividade da cláusula que exime a instituição financeira de responsabilidade por vício

redibitório; a publicidade como causa geradora de credibilidade do negócio; o interesse na

fiscalização da qualidade da construção para que o bem possa servir de garantia idônea no

contrato de financiamento; da omissão da instituição financeira que teve ciência do

descumprimento do cronograma físico-financeiro e orçamentário e não tenha tomado

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qualquer medida cabível; além do fato de que o lucro aferido pelo agente financeiro com o

negócio jurídico o responsabiliza por eventuais vícios redibitórios.

3.8.2.1 Abusividade da cláusula que exime a instituição financeira de responsabilidade

por vício redibitório

Observa-se que o art. 51, I, do Código de Defesa do Consumidor como abusivas, de

pleno direito, aquelas cláusulas relativas ao fornecimento de produtos e serviços que

“impossibilitem, exonerem ou atenuam a responsabilidade do fornecedor por vícios de

qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de

direitos”282. O cerne da questão está relacionado ao reconhecimento ou não da abusividade da

cláusula que exime o agente financeiro de responsabilidade por vícios na construção está,

justamente, na sua classificação ou não como integrante do rol de fornecedores daquele bem.

Conforme se exporá na sequência, tem sido considerado que quando o financiamento

é realizado mediante o Sistema Financeiro Habitacional, por contar com incentivo do poder

público e sendo o agente financeiro delegado deste poder para implantação de programas

habitacionais, além do entendimento doutrinário de que no mercado imobiliário a

incorporadora, construtora e agente financeiro são fornecedores de produtos e serviços283,

verifica-se possível reconhecê-lo como fornecedor.

Segundo abordado alhures, a jurisprudência tem entendimento no sentido de que a

existência de cláusula abonadora de responsabilidade civil por vício da obra é argumento

favorável a desobrigação da instituição financeira.

Com efeito, ainda que lá tenha sido colacionada farta jurisprudência contrária ao

reconhecimento, há que se atentar ao entendimento oposto, que considera nula a cláusula que

isenta a instituição financeira de responsabilidade civil em decorrência de vício da obra (no

caso, vício redibitório), conforme consta:

SFH. VICIO GRAVES NA CONSTRUÇÃO QUE CAUSAM DESABAMENTO TOTAL DA CASA. PRETENSAO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RESPONSABILIDADE SOLIDARIA DO AGENTE FINANCEIRO. INEXISTENCIA DE COISA JULGADA SOBRE QUESTAO RELATIVA A ABUSIVIDADE DE CLAUSULA CONTRATUAL.

282BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 11/07/ 2011. 283 LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes constratuais no mercado habitacional. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2003, p. 178.

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[...] 2. A jurisprudência do TRF/1ª Região é no sentido de considerar o agente financeiro isento de responsabilidade por vícios de construção de imóvel quando a sua fiscalização limita-se ao mero acompanhamento da execução em relação ao cronograma físico-financeiro e orçamentário. 3. O parágrafo 7º da cláusula quarta do contrato de financiamento isenta o agente financeiro de responsabilidade técnica sobre a qualidade e segurança da obra financiada. É nula a cláusula contratual de isenção de responsabilidade quando o agente financeiro, além de fiscalizar o andamento da obra, avalia também a segurança e a qualidade técnica da construção, considerando-a regular. [...] 5. Em face da nulidade da cláusula contratual, reconhece-se a apelada, autora do financiamento para construção de casa própria no âmbito do SFH e credora hipotecária, como responsável solidária pelo desabamento do imóvel. 6. A jurisprudência do eg. STJ tem se orientado no sentido que "a obra mediante financiamento do Sistema Financeiro de Habitação acarreta a solidariedade do agente financeiro pela respectiva solidez e segurança" (AgRg no AG 932.006\SC, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DF de 17.12.2007). 7. "Na verdade, não está diante de um contrato normal, típico, que envolve construção do imóvel, compra e venda e financiamento pela carteira hipotecária. Nestes há uma relação jurídica sem qualquer tipo de incentivo, valendo o trato direto das partes envolvidas no negócio. Nos contratos pelo Sistema Financeiro de Habitação a situação é completamente diversa. Primeiro, existe uma participação incentivada do Poder Público, responsável pelo funcionamento dos programas de habitações populares; segundo, o agente financeiro entra como delegado do órgão central; terceiro, nessa condição o agente financeiro compromete-se a obedecer as regras do Sistema Financeiro da Habitação, ou seja, ele participa como agente descentralizado do órgão público gestor do Sistema; quarto, as regras emanadas do órgão gestor garantem a credibilidade das operações particularmente considerado o interesse público envolvido no negócio de aquisição de casas pela população de baixa renda. […] (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (1° Região). Embargos Infringentes na Apelação Cível 2006.38.07.000387-5/MG, Terceira Seção, Relator: Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Julgado em 31/08/2010, Publicado em 05/10/2010).

Deste modo, se tem que a jurisprudência vem no sentido de não deixar quaisquer

dúvidas de que o agente financeiro é solidariamente responsável pelos eventuais vícios

construtivos, aplicando-se o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor no casos em que o

financiamento é mediante o Sistema Financeiro de Habitação.

CIVIL. SFH. CEF E CAIXA SEGURADORA. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. COBERTURA SECURITÁRIA. VÍCIOS CONSTRUTIVOS EVIDENCIADOS EM LAUDO PERICIAL. DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS. INDENIZAÇÃO FIXADA NO VALOR DO IMÓVEL INTERDITADO. PAGAMENTO DE ALUGUÉIS AO MUTUÁRIO. DANOS MORAIS: MANUTENÇÃO DO VALOR. HONORÁRIOS MANTIDOS. APELOS DESPROVIDOS. [...] 2. No caso concreto, como se trata de demanda relativa a vício de construção de imóvel financiado no âmbito do SFH, a CEF deve responder solidariamente com a Caixa Seguradora. A CEF possui papel fiscalizador, que deve exercer sobre as obras de engenharia civil durante o financiamento da empresa construtora, enquanto que a CAIXA SEGURADORA responde pela cobertura securitária garantida aos mutuários. Precedente desta Relatoria: TRF-5ª R. - AC

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2000.82.00.012239-5 - (348110/PB) - 2ª T. - Rel. Des. Fed. Francisco Barros Dias - DJe 05.08.2009 - p. 120. [...] 5. A 4ª Turma desta Corte já decidiu que "[...]Remansosa é a jurisprudência pátria no sentido de ser aplicável ao contrato em questão, regido pelo Sistema Financeiro da Habitação, as disposições do Código de Defesa do Consumidor . Precedentes: AGRESP 1073311, RESP - 643273. (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (5° Região). Apelação Cível 522909/PE, Segunda Turma, Relator: Desembargador Federal Francisco Barros Dias, Julgado em 12/07/2011, Publicado em 21/07/2011).

E ainda, no mesmo sentido:

SFH - CEF – VÍCIO REDIBITÓRIO – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM I - Os vícios redibitórios são defeitos ocultos existentes na coisa alienada, objeto de contrato comutativo, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminuam o valor. II - Salvo cláusula expressa no contrato, a ignorância de tais vícios pelo alienante não o exime de responsabilidade, podendo o adquirente ingressar com ação para redibir o contrato ou obter abatimento no preço. III – A CEF, como autora do financiamento para aquisição de casa própria no SFH e credora hipotecária, é parte passiva legitimada à ação redibitória promovida pelo adquirente e devedor do mútuo.” IV _ Recurso de apelação provido para determinar a remessa dos autos à Vara de origem para prosseguimento do feito. (BRASIL. Tribunal Regional Federal (2° Região). Apelação Cível 1999.51.01.014371-8/RJ, Terceira Turma, Relator: Desembargador Federal Chalu Barbosa, Julgado em 14/10/2003, Publicado em 07/11/2003).

Destes acórdãos fica reconhecido que o negócio jurídico pactuado por meio de

financiamento com recursos do Sistema Financeiro de Habitação não deve ser encarado como

contrato comum de compra e venda de imóvel, isso porque além de contar com participação e

incentivo do Poder Público e tornar-se a instituição financeira delegada deste Poder para

implantação e manutenção dos programas habitacionais do governo, em tais programas é

garantida a credibilidade e, de certa forma, amenizado o risco do negócio ao comprador; em

primazia à salvaguarda do interesse público que se faz presente.

Diante de tais fatos, é no mesmo sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de

Justiça, que trata como solidária a responsabilidade da instituição financeira por vícios

construtivos quando a obra é financiada mediante o Sistema Financeiro de Habitação,

assevera:

CIVIL E PROCESSUAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE DO AGENTE FINANCEIRO PELOS DEFEITOS DA OBRA FINANCIADA. I. A obra iniciada mediante financiamento do Sistema Financeiro da Habitação acarreta a solidariedade do agente financeiro pela respectiva solidez e segurança. II. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental a que se nega provimento. (grifei). (BRASIL. Superior Tribunal de

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Justiça. Agravo Regimental No Agravo De Instrumento 200701658444, Quarta Turma, Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior, Julgado em 20/11/2007, Publicado em 17/12/2007).

Constata-se que o apontamento da nulidade da cláusula contratual que expressamente

desobriga a instituição financeira se dá a partir da inteligência jurisprudencial do Superior

Tribunal de Justiça que o cunha como responsável solidário perante vícios relativos à solidez

e segurança do imóvel quando a obra é realizada mediante financiamento do Sistema

Financeiro de Habitação, especialmente em virtude da credibilidade que deve ser garantida

por tais programas governamentais.

Acontece que também há entendimento no mesmo sentido, qual seja, conferindo

responsabilidade civil solidária à instituição financeira por vícios construtivos, sem que os

imóveis que apresentaram tais problemas tenham sido construídos mediante financiamento

pelo Sistema Financeiro de Habitação. Nesta jurisprudência verifica-se que,

independentemente do fato de ter sido ou não financiado pelo Sistema Financeiro de

Habitação, a responsabilização da instituição financeira se faz presente. Cumpre analisar:

CIVIL E PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VÍCIOS EM CONSTRUÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. CEF. PRESCRIÇÃO. INEXISTÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR. IMÓVEL. AMEAÇA DE DESMORONAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SEGURADORA. CONSTRUTORA. DANOS MATERIAIS. ALUGUÉIS. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS ADIMPLIDAS. DANOS MORAIS. 1. A responsabilidade pelos danos decorrentes da má construção em imóvel não é exclusiva da construtora, sendo cabível a determinação de que a CEF e a Seguradora também promovam solidariamente o ressarcimento ao adquirente do bem. […] 5. Os laudos do CREA e da própria CEF confirmam que os danos em apreço são decorrentes de vícios de construção, sendo tais fatos incontroversos. 6. Cabe à CEF, à Construtora e à Seguradora arcar pelos prejuízos sofridos pelos autores, no que tange à devolução das parcelas adimplidas e às despesas com aluguéis com a nova moradia provisória. [...]8. Analisando-se as circunstâncias do caso concreto, em que uma família após esforço árduo para adquirir a casa própria é compelida a deixar a sua residência, sob ameaça de desmoronamento, julga-se que a quantia fixada pelo magistrado de 1º grau (R$ 20.000,00) é razoável. 9. Apelação da CEF parcialmente provida apenas para reconhecer a responsabilidade solidária da Caixa Seguradora S/A, ao lado da CEF e da Construtora, em relação a todos os itens constantes na condenação, quais sejam, devolução das parcelas adimplidas, pagamento dos alugueis e dos danos morais. (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (5° Região). Apelação Cível 465126/PE, Segunda Turma, Relator: Desembargador Federal Francisco Barros Dias, Julgado em 14/06/2011, Publicado em 21/06/2011).

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Como resultado dessa análise jurisprudencial, considerando os fatos de que segundo

o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é abusiva a cláusula que expressamente exime

a responsabilidade solidária da instituição financeira quando participante do Sistema

Financeiro de Habitação e da credibilidade do programa governamental.

Assim como o entendimento jurisprudencial admitindo a responsabilidade solidária

independentemente de ter sido ou não realizado através do Sistema; é possível, por analogia,

reconhecer que a cláusula desobrigacional contida no contrato de financiamento é abusiva,

sendo ou não o contrato de mútuo realizado mediante o Sistema Financeiro de Habitação.

3.8.2.2 Publicidade

A questão da publicidade é outro argumento de extrema relevância, tanto nas

relações de consumo como para o tema de fundo desta pesquisa, uma vez que, a teor do artigo

46284 do CDC, ela deve ser positiva no tocante ao conteúdo e à clareza daquilo que está sendo

contratado, bem como confiante no sentido daquilo que transmite ao seu destinatário.

Noutras palavras, a publicidade está ligada ao dever de informação ao consumidor

disposta no inciso III do art. 6 do Código de Defesa do Consumidor e está muito bem regrada

nessa Lei, sendo vedada, inclusive, a publicidade enganosa, nos termos do art. 6°, IV285.

a publicidade hoje trabalha com os elementos da propaganda, uma vez que não apenas está preocupada com a venda de determinado bem ou produto, mas também busca a mudança de conduta que estimulem o consumo; mudanças de condutas essas que passam por um influência cada vez mais crescente no processo de decisão dos consumidores. (HERMAN, Antônio apud KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor: Contratos, Responsabilidade civil e Defesa do Consumidor em Juízo. p. 64)

A publicidade não tem apenas o intuito de informar, mas sim de influenciar o

consumidor a mudar hábitos, ditar comportamentos, apelar à emoção que de certa forma

cegam os consumidores, desligando-os de seu juízo crítico e entregando-se àquilo que é

induzido publicitariamente. Daí tanta importância para todos os regramentos vigentes acerca

284 “Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for

dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”. Disponível em : http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm > Acesso em 14/11/2011.

285 BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 18/08/ 2011.

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da limitação publicitária além da responsabilização que obriga o fornecedor a cumprir o

anunciado286.

É evidente que a publicidade é intencionada na obtenção de lucros, buscando atrair e

manter clientes em potencial, demonstrando que determinado produto é essencial, que

determinado negócio é seguro, sugerindo credibilidade à determinado produto ou negócio,

enfim, convencendo o consumidor a adquirir ou consumir determinado produto287.

A publicidade relacionada à compra de imóveis também segue o mesmo caminho. É

clara a tentativa de influenciar e conquistar novos clientes quando se faz a divulgação sobre a

localização e as características do imóvel que se pretende vender, assim como as facilidades

no pagamento do mesmo, como se pode ver:

nas hipóteses, frequentemente verificáveis no mercado imobiliário para consumo, em que agentes financeiros estabelecem contratualmente controle sobre o progresso (temporal) e sobre os padrões de qualidade da obra – além de publicizar a efetiva participação no empreendimento imobiliário, mediante placas colocadas nos canteiros de obra, informando os consumidores que aquela incorporação está sendo financiada por determinado Banco (a despeito de, assim, cumprirem resoluções do Banco Central) – estabelece-se um explícito vínculo que implicará a responsabilidade pelo fato ou vício do produto, fundado não no art. 12 ou 18 da Lei 8.078/90, mas no parágrafo único do art. 7° da mesma lei [...].(LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes contratuais no mercado habitacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 209-210).

A divulgação da participação de determinada instituição financeira, nos contratos de

compra e venda celebrados pela construtora, a responsabiliza por eventuais vícios redibitórios

de qualidade, visto que, sendo ela controladora inclusive da qualidade do empreendimento foi

omissa ao deixar de exercer o controle.

Além disso, não há dúvidas a respeito da credibilidade que a participação da

instituição financeira gera ao consumidor, sabendo que ela analisa os riscos do mercado e

apenas disponibiliza financiamento àquele que realmente tem capacidade econômica e

financeira para tanto. Sendo assim, o consumidor se sente confiante na perfeita conclusão do

imóvel que está adquirindo, perfeição essa relativa não somente à qualidade, mas também

quanto ao prazo de entrega.

286ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006, p. 83-85. 287DENSA, Roberta. Direito do Consumidor: De acordo com as Leis n° 11.785/08 e 11.800/08 e com o Decreto

n° 6.523/08 (serviço de atendimento telefônico aos consumidores). 5. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 106/107.

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o fornecimento de crédito – considerado como modalidade de fornecimento de serviço – não pode propiciar um resultado danoso para terceiros. […] A participação de sólidas instituições financeiras no mercado imobiliário lança aos consumidores expectativas normativas de que o negócio entabulado é sério e seguro. Essas expectativas são legítimas e, assim sendo – caso frustradas pela falta de cuidado da instituição financeira em controlar a aplicação de recursos -, geram o dever de indenizar. Não se pode esquecer que, no direito do consumidor brasileiro, não apenas os ilícitos em sentido estrito geram dever de indenizar, mas também a frustração das legítimas expectativas. (grifei). (LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes constratuais no mercado habitacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 216).

Em suma, o consumidor é uma vítima da má utilização do crédito fornecido pela

instituição financeira ao construtor, sendo que aquela deveria precaver-se para o correto

emprego do crédito. Sendo assim, por força do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor,

que equipara aos consumidores “todas as vítimas do evento”288; o adquirente do imóvel

parece ter total legitimidade para pleitear a reparação por vícios construtivos não somente

perante o construtor, mas também, por meio de responsabilização solidária, do próprio agente

financeiro289.

3.8.2.3 Interesse na fiscalização da construção para que o imóvel possa servir de

garantia idônea do contrato.

Em um momento anterior da presente dissertação fora abordado que não havia

interesse da instituição em promover a fiscalização da construção do imóvel, visto que seu

único interesse seria o de verificar o cumprimento do cronograma físico-financeiro e

orçamentário, tão somente para fins de liberação das parcelas do financiamento pactuado com

o construtor.

Ocorre que tal assertiva, de igual sorte, não é unânime. A jurisprudência dispõe

também sobre outros entendimentos acerca do interesse do agente financeiro em fiscalizar a

construção do imóvel, conforme consta:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. IMÓVEL CONSTRUÍDO COM FINANCIAMENTO DO SFH. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. CEF. LEGITIMIDADE PASSIVA. AUTOR. HERDEIRO DE MUTUÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RECUPERAÇÃO DO IMÓVEL.

288 BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 18 set. 2011. 289 LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes constratuais no mercado habitacional. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2003, p. 216.

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POSSIBILIDADE TÉCNICA ATESTADA POR LAUDO PERICIAL JUDICIAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. 1. A legitimidade passiva da CEF decorre da sua condição de financiadora da própria construção dos imóveis objeto dos autos, através do SFH, não se sustentando a alegação de que sua fiscalização seria de natureza meramente formal quanto à construção da obra, vez que clarividente o interesse dela na integridade da construção cujo resultado serviria de garantia do próprio financiamento. […] 6. Pelas razões já expostas no parágrafo 1 supra, bem como pela não desincumbência da CEF, quando da fiscalização da construção dos imóveis financiados pelo SFH, de seu dever de verificação da adequação técnica do projeto e da obra executada, é a CEF, sim, responsável solidária pelos danos decorrentes dos vícios de construção constatados, juntamente com a Construtora e a Caixa Seguradora, merecendo, apenas, ser reformada a sentença para que conste da condenação essa solidariedade, que restou omitida, não obstante examinada na fundamentação. (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (5° Região). Apelação Cível 200683000093090, Primeira Turma, Relator: Desembargador Federal Manoel Erhardt, Julgado em 09/06/2011, Publicado em 16/06/2011).

Em citado acórdão inclusive houve a condenação da Caixa Econômica Federal ao

pagamento de danos morais pelo fato de que o autor fora compelido a deixar o imóvel em

virtude dos vícios que se fizeram presentes e obstaram a sua permanência no mesmo, além é

claro da condenação à restituição dos valores pagos no financiamento do imóvel desocupado

por vício na construção; atualizados monetariamente.

Parece ser evidente o interesse da instituição financeira que o imóvel financiado

seja bem construído e esteja à salvo de quaisquer vícios que diminuam seu valor, pelo simples

fato de que este lhe servirá de garantia em caso de eventual inadimplência do adquirente.

Noutras palavras, servindo o imóvel de garantia ao contrato de financiamento é de interesse

do agente financeiro que tal imóvel esteja íntegro e capaz de se constituir garantia idônea ao

contrato. É o que se depreende:

SFH. VÍCIO NO IMÓVEL. REVISÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO. A hipótese vertente não diz respeito à uma relação bancária propriamente dita, mas sim a uma relação estabelecida com uma instituição financeira regida pelo Sistema Financeiro da Habitação, onde a parte autora buscou um financiamento para aquisição da casa própria. Por esta razão, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações de financiamento habitacional não é regra, porquanto o legislador tratou de maneira diferenciada as relações de financiamento para a aquisição da casa própria. Especificamente no que diz respeito à pretensão de revisão do valor da prestação em razão de vício no imóvel, aplicável o art. 27 do CDC. O agente financeiro tem um interesse próprio na fiscalização, o de assegurar que o objeto da garantia do contrato atinja e preserve valor condizente com o que foi financiado. Se, por um lado, a CEF tem o direito de exigir que o imóvel adquira valor suficiente para tornar-se garantia idônea do débito, por outro tem o dever de fiscalizar a obra de tal forma que aos mutuários reste assegurado que o imóvel seja tal que valha efetivamente o preço pago e avaliado para fins de garantia. Imperiosa a presença da CEF. O interesse do agente financeiro na valia do imóvel, na devida aplicação do valor financiado, torna interdependentes o financiamento e

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a construção em si, de forma que fica resguardada sua responsabilidade tanto pela devida aplicação do dinheiro quanto pela correta e digna execução da obra. (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (4° Região). Apelação Cível 200404010422498, Terceira Turma, Relator: Desembargadora Maria Lúcia Luz Leiria, Julgado em 01/12/2009, Publicado em 21/01/2010).

O citado acórdão menciona que, além do interesse da instituição financeira em

fiscalizar a qualidade da construção seu interesse é de assegurar que o bem possa lhe servir

como garantia do contrato, em contrapartida ao dever de assegurar que o adquirente pague o

preço condizente com o bem financiado.

Por fim, da mesma forma que fica evidente ser de interesse do agente financeiro que

o imóvel atinja o valor financiado para que assim possa lhe servir de garantia idônea do

contrato de financiamento, parece ser o entendimento também o entendimento mais acertado

de que isso apenas se aplica à financiamentos decorrentes do Sistema Financeiro

Habitacional.

3.8.2.4 Da omissão da instituição financeira perante o descumprimento do cronograma

físico-financeiro da construção

Com efeito, quando é verificado pelo agente financeiro o descumprimento do

cronograma físico-financeiro e orçamentário da construção, este além de não liberar as

parcelas do financiamento, deve tomar determinadas providências a fim de regularizar o

atraso, exigindo inclusive as correções que se fazem necessárias. Quando ocorre omissão por

parte do agente financeiro e dessa omissão decorre o dano que atinge o mutuário incide

responsabilidade, conforme o entendimento jurisprudencial:

AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. CPC, ART. 557. SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO - SFI. ATRASO NA ENTREGA NA ENTREGA DA OBRA. RESCISÃO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. RESPONSABILIDADE DA CEF. ATRASO - Para o julgamento monocrático nos termos do art. 557, § 1º, do CPC, não há necessidade de a jurisprudência dos Tribunais ser unânime ou de existir súmula dos Tribunais Superiores a respeito. - A CEF é a responsável pelo repasse dos valores financiados diretamente para a vendedora e dessa para a construtora, mediante cumprimento do cronograma de construção. Ao verificar a paralisação da obra, a CEF não agiu conforme o disposto na cláusula vigésima e seguintes do contrato,

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notificando a seguradora sobre a paralisação das obras e assim garantindo o término da construção. - Os mutuários não deram causa a inadimplência ou rescisão contratual, comprovando o pagamento das prestações mensais mesmo após a suspensão do repasse dos valores pela CEF para a construtora. - É patente a responsabilidade da CEF, e ademais, verificada a omissão no tocante a notificação da seguradora, configurou-se a lesão que motivou a rescisão do contrato e criou o nexo de causalidade com os danos sofridos pelos mutuários. - Se a decisão agravada apreciou e decidiu a questão de conformidade com a lei processual, nada autoriza a sua reforma. - Agravo legal desprovido. (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (3° Região). Apelação Cível 200361000373992, Primeira Turma, Relator: Desembargador Juiz José Lunardelli, Julgado em 23/08/2011, Publicado em 02/09/2011).

Considerando que a instituição financeira apenas repassa os valores das parcelas do

financiamento após atestado por engenheiro por ela mesma incumbido a realizar a

fiscalização o devido cumprimento da obrigação; é certo dizer que no momento em que esta

tem ciência do não cumprimento do cronograma físico-financeiro e orçamentário e mesmo

assim repassa os valores, não observando e prezando assim pela qualidade da construção; será

responsabilizada solidariamente por eventuais vícios construtivos, desde que configurado o

dano, o nexo de causalidade e sua omissão.

Salienta-se que o termo omissão não diz respeito unicamente ao fato do agente

financeiro não suspender o repasse das parcelas do financiamento verificado o

descumprimento do cronograma estabelecido pelo próprio construtor, mas também, em outro

sentido, quando mesmo certificado o cumprimento aquele deixa de disponibilizar as parcelas,

obstando sobremaneira o cumprimento da obrigação por parte do construtor.

Colhe-se, portanto, da jurisprudência:

ADMINISTRATIVO E CIVIL. EMBARGOS DO DEVEDOR. SFH. CONTRATO DE MÚTUO PARA A CONSTRUÇÃO DE CASAS POPULARES. CONJUNTO 30 DE SETEMBRO. INEXECUÇÃO DO CONTRATO PELA CEF, QUE INVIABILIZOU A COMERCIALIZAÇÃO DAS UNIDADES HABITAC IONAIS, E TORNOU INEVITÁVEL A INADIMPLÊNCIA DA CONSTRUTORA NO TOCANTE À QUITAÇÃO DO DÉBITO. INAPLICABILIDADE DA EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO EM PROL DO AGENTE FINANCEIRO. INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. 1. Contrato de mútuo para a construção de casas populares, no qual caberia à CEF liberar as parcelas do financiamento, de acordo com o cronograma da obra, devendo a construtora quitar o seu débito mediante a comercialização das unidades habitacionais construídas. 2. Perícia que apurou a liberação do empréstimo em 26 (vinte e seis) parcelas, quase sempre com atraso e abaixo dos valores correspondentes às medições efetuadas, e não em 10 (dez) parcelas, conforme contratado, dando causa ao alongamento do prazo de execução das obras. […] 4. Elevação do preço de venda dos imóveis, inviabilizando a sua comercialização e, conseqüentemente, o pagamento da dívida pela empresa mutuária. 5. Omissão da CEF em efetuar o rateio do preço dos imóveis, impedindo as operações de repasse aos mutuários cadastrados, com base na intempestiva exigência do "habite-se". 6. Inadmissibilidade de valer-se a CEF da exceção do contrato não cumprido, se ela

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própria deixou de honrar os seus compromissos, tornando inevitável o descumprimento das obrigações da construtora. (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (5° Região). Apelação Cível 200205000050488, Quarta Turma, Relator: Desembargador Federal Marcelo Navarro, Julgado em 28/03/2006, Publicado em 13/04/2006).

No caso em tela, a instituição financeira foi omissa primeiramente com relação ao

repasse das parcelas do financiamento, visto que essas se deram com atraso e de forma

diversa da pactuada no contrato entre ela e o construtor. Tal omissão causou prejuízo ao

empreendedor, e além de ter elevado o preço da venda dos imóveis individualizados, ainda

causou o atraso na entrega da obra. Em decorrência disso, ainda os mutuários, ou seja, os

adquirentes dos imóveis individualizados foram prejudicados, em virtude do mútuo ser

condicionado à liberação do “habite-se”.

Em suma, no caso apresentado a omissão do agente financeiro se deu no sentido de

não cumprir o contrato, causando uma série de prejuízos ao construtor e ainda aos adquirentes

dos imóveis individualizados.

Portanto, diante do exposto, pode-se afirmar que a omissão da instituição financeira

quando do cumprimento do cronograma físico-financeiro e orçamentário lhe confere

responsabilidade civil solidária perante vícios construtivos, seja por ter ciência do

descumprimento e mesmo assim disponibilizar as seguintes parcelas, seja pelo não repasse

das parcelas quando verificado o cumprimento da obrigação por parte do construtor.

3.8.2.5 Da aferição de lucro como causa de responsabilização

Por fim, o último ponto a ser abordado é com relação à aferição de lucro como causa

de responsabilização do agente financeiro por vícios na construção. É incontestável que os

negócios jurídicos manejados pelas instituições financeiras lhe geram lucros, especialmente

na área do crédito imobiliário. Nesse sentido, é evidente que esta lucra em todo contrato de

financiamento seja pactuado com o adquirente ou com o construtor do imóvel.

Com base nessas óbvias assertivas, há o entendimento jurisprudencial que toma por

base a aferição de lucro para determinar a responsabilização civil da instituição financeira por

eventuais vícios redibitórios, conforme, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA CEF. AÇÃO QUE PRETENDE A ANULAÇÃO DE

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CONTRATO DE MÚTUO E REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS. DÉBITOS PRETÉRITOS À AQUISIÇÃO DO IMÓVEL. RESPONSABILIDADE DO AGENTE FINANCEIRO PARA FISCALIZAR O EMPREGO DOS RECURSOS DO SFH. DECISÃO REFORMADA. - [...] exsurge a responsabilidade legal, objetiva e solidária de todos aqueles que contribuem para a inserção do produto no mercado, em vista do regime instituído pelo CDC. - Ademais, o SFH utiliza recursos captados do Fundo de Garantia (FGTS) e das Cadernetas de Poupança e destina-os ao fim social da construção da casa própria. Os agentes financeiros são intermediários que operam no sistema e, ao lado do lucro que auferem, assumem também o dever de zelar pela realização do fim social a que se dirige o Sistema, e, nesse diapasão, respondem pela má execução dos contratos que financiam. - Agravo provido. (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (2° Região). Apelação Cível 200802010084247, Sexta Turma Especializada, Relator: Desembargador Federal Renato Cesar Pessanha de Souza, Julgado em 15/12/2008, Publicado em 15/01/2009)

Assim, nota-se que mais uma vez se faz menção à responsabilização em decorrência

do lucro aferido, porém, consubstanciado também no dever de zelar pela boa aplicação e

realização do fim social do Sistema Financeiro de Habitação. Conforma já abordado

anteriormente, o Sistema conta com o incentivo do Poder Público e torna a instituição

financeira delegada deste Poder para implantação e manutenção dos programas habitacionais

do governo, sendo que nesses programas é garantida a credibilidade e, de certa forma,

amenizado o risco do negócio ao comprador; em primazia à salvaguarda do interesse público

que se faz presente.

Fortificando tal entendimento, ainda, relacionado à financiamento realizado mediante

o Sistema Financeiro de Habitação, percebe-se da jurisprudência o seguinte acórdão:

SFH. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. RESPONSABILIDADE DA CEF. DANO MATERIAL E MORAL. CONFIGURADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Se surgiram problemas estruturais no imóvel, resultantes da forma como a obra foi realizada, é clara a responsabilidade daquele que explora a atividade comercial, uma vez que, suportando os lucros, deve, também, suportar os prejuízos. Os créditos referentes ao financiamento do imóvel em foco foram da CEF. 2. O dano material resta caracterizado a partir de uma comprovada diminuição do patrimônio do ofendido, causada por uma conduta ou omissão do agente. 3. Foi juntado aos autos o Alvará de interdição do edifício nas fls. 32. Demonstração do dano provada, devida é a indenização do valor imóvel. 4. Considerando-se as peculiaridades e os aspectos fáticos expressos na sentença, as circunstâncias que envolveram o ocorrido, a extensão do dano, comprovado no processo, a capacidade econômica das partes, bem como os princípios de moderação e razoabilidade, o valor fixado pelo juízo a quo em R$ 10.000,00, a título de indenização por danos morais, mostra-se razoável, e deve ser mantido. 5. O quantum pleiteado pelo particular não condiz com o trabalho empregado no caso sub judice. Sendo assim, mantenho os honorários no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais). 6. Apelações improvidas. (grifei). (BRASIL. Tribunal Regional Federal (5° Região). Apelação Cível 200283000038243, Segunda Turma, Relator: Desembargadora Federal Amanda Lucena, Julgado em 15/07/2008, Publicado em 07/08/2008).

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Neste último acórdão vê-se que o embasamento para a responsabilização do agente

financeiro deu-se pela omissão da instituição financeira no que concerne à fiscalização do

cumprimento do cronograma físico-financeiro e orçamentário (argumento abordado no tópico

anterior), aliado à sua aferição de lucro, entendendo que a responsabilidade civil em virtude

de eventual vício construtivo é a contrapartida da possibilidade de aferição de lucros.

3.9 A TUTELA PENAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR

Como modo de conferir maior aplicabilidade aos seus mandamentos, e com vistas a

evitar a ocorrência de comportamentos incompatíveis com a nova tutela do direito

consumerista, o CDC tratou de criminalizar algumas condutas típicas praticadas Poe

determinados fornecedores, como bem se observa:

selecionou comportamentos censuráveis, entendidos como crimes contra o consumidor que, uma vez considerados graves nas esferas civil e administrativa, foram criminalizados pelo legislador na seara penal enquanto tipos penais especiais; proteção esta que, às vezes, não é só residual. (EFING, Antônio Carlos. Fundamento do Direito nas Relações de Consumo. 2. ed. rev. atual. Curitiba: Juruá, 2004, p. 284).

Em verdade, a previsão de crimes no próprio CDC é mais um reflexo do seu

eminente caráter protecionista. Trata-se pois de uma maneira de prevenir atos que venham a

concorrer em desfavor do bom andamento das relações de consumo.

Os crimes previstos no CDC estão dispostos no “Título II Das Infrações Penais” em

que constam prescritas, do artigo 63 ao 75, as condutas consideradas como ilícitas, e passíveis

de imputação criminal, sem que seja excluída a possibilidade de imputar ao agente as demais

reprimendas que outras normas legais lhe impuserem290.

As condutas tidas como criminosas estão todas ligadas às relações de consumo, como

não poderia deixar de ser, e observam a hipossuficiência do consumidor na relação

estabelecida para o fornecedor não venha a tirar proveito disto. Dentre as condutas tipificadas,

cabe destacar a que, no entendimento aqui delineado, decorre da inobservância do princípio

da boa-fé objetiva e da informação, a saber, o artigo 66, que informa ser crime contra as

relações de consumo:

290 BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor – Nova ed. ver., atual. e ampl. Brasília: Ministério da

Justiça, 2010, p. 42-46.

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fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, segurança, desempenho, durabilidade preço ou garantia de produtos: Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.( BRASIL, 1990. Código de Defesa do Consumidor – Nova ed. ver., atual. e ampl. Brasília: Ministério da Justiça, 2010, p. 43).

Tal escolha se deu com o intuito de conferir especial destaque à falta de informação

de uma das partes (assimetria de informações), na relação de consumo, que ensejou à

criminalização da conduta de quem estabelece relação de consumo.

Assim, depreende-se que o dever de informação, que será debatido no próximo

capítulo, é mais do que um princípio amplo e geral que confere garantias ao consumidor, é

norma positiva que determina ao fornecedor a obrigação de prestar informações corretas, sob

pena de ser enquadrado como um criminoso.

A construção do direito do consumidor vem de longa data, o interesse pela

harmonização das relações de consumo sempre foi uma constante, porém, apenas com o

advento da CRFB/88 foi possível garantir com mais efetividade a proteção jurídica do

consumidor, ao passo que, agora passa a analisar de que maneira o surgimento o CDC e seus

institutos foi favorável às relações de consumo para que, ao final, seja possível apontar os

benefícios alcançados e quais seus fundamentos.

3.10 DEVERES IMPOSTOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO E SUAS BENESSES

De acordo com o observado, o surgimento de estruturas que puderam adequar as

relações de consumo à nova realidade imposta pelas alterações econômicas, bem como pela

CRFB/88, fizeram com que os riscos decorrentes das relações de consumo diminuíssem

consideravelmente. Logo, se obteve aumento na segurança jurídica, tornando o meio

econômico propício à realização de negócios.

Deste modo, não há que se negar quanto à evolução trazida pelo CDC às relações

consumeristas, que, segundo consta, têm se adaptado ao postulado por tal diploma legal.

Logo, o CDC tem o condão de proporcionar à parte vulnerável na contratação a proteção que

lhe é devida, de modo a equilibrar, na medida do possível, as relações existentes entre tais e

evitar que a parte mais fraca, o consumidor, seja prejudicado por sua relativa submissão ao

outro agente291.

291 EFING, Antônio Carlos. Fundamento do Direito nas Relações de Consumo. 2. ed. rev. atual. Curitiba:

Juruá, 2004, p. 38

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Assim, destaca-se, dentre os demais postulados pelas normas protetivas do CDC, o

dever de observar o princípio da boa-fé objetiva, ou seja, o cumprimento de deveres

colaterais, quando da contratação entre os sujeitos, principalmente da parte que detém maior

informações, via de regra o fornecedor, sobre o que se está a traficar. Tal princípio ainda

possibilita suprir as necessidades que se fazem presentes nas situações em que a previsão

contratual não permite o conhecimento de tudo quanto é necessário para que se estabeleça a

relação de consumo, ou seja, exerce função essencial de suplementariedade, sendo que as

partes que devam observância às suas colocações carecem de portar-se honestamente, com

extrema lealdade aos propósitos ajustados e à contraparte292.

De igual maneira, cabe destacar o princípio da informação, outro mecanismo

presente no direito consumerista que vem a colaborar com a perfeita realização do contrato de

consumo, ou seja, concorre para a defesa do consumidor, ao passo que exige a transmissão de

informações integrais e de fácil compreensão a este que, a partir daí, passará a possuir o

conhecimento prévio necessário para que não venha a ter suas expectativas frustradas em

virtude de ter contratado algo que não desejou, ou imaginou ser distinto293.

Sem embargos, a positivação dos direitos do consumidor, enquanto conjunto de

normas à regular as relações de consumo obteve sucesso porquanto seus postulados

encontram-se em plena aceitação e aplicabilidade nos tribunais pátrios, consoante análise

jurisprudencial acima delineada, de modo que uma análise extensiva de seus preceitos se faz

possível, na medida em que as particularidades que originaram tal relação estão também

presentes no objeto em apreço.

Assim, identificado o contrato de trespasse, formulada análise sobre suas

minudências e, coligados os pontos em que é possível uma interpretação extensiva desta

modalidade contratual, tendo conhecimento da proteção que recai sobre as relações de

consumo, passa-se agora a analisar o instituto da boa-fé objetiva, que é comum às duas

situações anteriormente analisadas, para se avaliar a possibilidade de aplicação suplementar

de institutos do CDC não comuns ao contrato de trespasse, ante a idêntica fundamentação

teórica que justifica a existência de tais estruturas nas relações de consumo.

De toda sorte, cumpre frisar que não se pretende aplicar o CDC aos contratos de

trespasse, porém, a experiência positiva com elementos de fixação da conduta humana perante

292 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 214 – 215. 293 EFING, Antônio Carlos. Fundamento do Direito nas Relações de Consumo. 2. ed. rev. atual. Curitiba:

Juruá, 2004, p. 107-108

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terceiros mostrou-se positiva, fazendo jus a pretensão de expandi-la a outros ramos do direito

em que há carência de regulamentação positiva, conforme será aduzido.

Como bem observado, o princípio da boa-fé objetiva é inerente aos tráficos

consumeristas e, ainda, mandamento a ser cumprido no desenvolver dos contratos de

trespasse. Porém, se observou uma peculiar divergência entre estas duas ocorrências, quanto à

sua aplicabilidade e exigência.

Sem embargos, a evolução que se conquistou com o advento da positivação do

princípio da boa-fé objetiva nas relações de consumo e a sua receptividade pela doutrina e

jurisprudência constitui verdadeiro aprimoramento das relações jurídicas entre fornecedor e

consumidor, posto que esta nova abordagem permite uma releitura acerca dos dogmas

centenários oriundos da liberalidade.

Logo, este aprimoramento veio a contribuir com a nova roupagem que adquiriu o

contrato após a instituição da previsão de ser compulsoriamente observada a função social e

honrar os preceitos constitucionais que guarnecem o tema. Isto a criar, indubitavelmente, um

ambiente jurídico favorável à prosperidade das negociações jurídicas, bem como à economia e

sociedade como um todo.

Efetivamente, falar em boa-fé objetiva e reconhecer os seus deveres colaterais em um

contexto jurídico amplo permeia o estudo de uma desigualdade jurídica entre os contratantes,

assim como a tutela daquele considerado mais vulnerável do ponto de vista jurídico, técnico

ou financeiro, conforme preceitua o CDC. Corroborando com o supramencionado:

da desigualdade das partes, da assimetria de informações ou da dependência econômica poderá resultar a vulnerabilidade de uma das partes e , conforme já referido neste trabalho, os deveres de conduta decorrentes da boa-fé objetiva nos contratos empresariais poderão prevalecer diante da necessidade de proteção do equilíbrio e das forças contratuais, a despeito da existência de partes contratantes profissionais voltadas para a obtenção de lucros, já que os traços marcantes da atividade da empresa – profissionalismo, risco e lucros – deverão ser relativizados diante da vulnerabilidade, bem maior a ser protegido. (LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de conduta. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2011, p. 176)

Nota-se que, embora haja presunção de habilidade inerente à atividade empresarial,

por conter o risco como um de seus elementos essenciais, é possível a aplicação dos conceitos

de vulnerabilidade e desigualdade também aos contratos empresariais, por crer que o princípio

da boa-fé objetiva deve ser simetricamente entendido nas duas hipóteses em apreço, nas

relações de consumo e nos contratos de trespasse, passa-se ao seu estudo, bem como dos

desdobramentos possíveis de serem alcançados.

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4 O DEVER DE BOA-FÉ (OBJETIVA) NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

Durante a pesquisa se observou a presença do princípio da boa-fé objetiva, bem

como o princípio da confiança, tanto nos contratos de trespasse, quanto nas relações

contratuais regidas pelo CDC. Assim, por entender que deve haver similitude na aplicação de

tal disposição, se estuda, a partir de agora, o instituto da boa-fé objetiva aplicada aos contratos

empresariais, a fim de se ter conhecimento sobre seu legado e verificar a possibilidade de uma

interpretação extensiva aos contratos de trespasse.

A regulamentação da atividade empresarial no ordenamento jurídico pátrio é de

fundamental importância, porquanto tem como objeto de sua apreciação do desempenho de

agentes econômicos diretamente ligados à atuação do Estado no que diz respeito ao alcance

de seus objetivos. Isto porque a aludida atividade empresarial está diretamente ligada ao

desenvolvimento do próprio Estado, ainda que se trate de uma relação privada294.

O modelo de Estado vigente, qual seja o Estado Democrático de Direito deduzido na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 impõe tal circunstância, uma vez que

prima realização do bem comum295 e preserva valores como o da função social do contrato.

Deste modo, este modelo de Estado, fundado na legalidade296 que lhe é inerente,

atribui, por meio de suas normas, as atitudes que devem ser observadas a fim de que se possa

ter a segurança necessária para o desenvolvimento de uma relação contratual justa.

294 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: efeitos jurídicos das informações,

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 42. 295 O bem comum aqui evidenciado deve ser entendido como aquele magistralmente explicado por Miguel Reale,

um dos autores do anteprojeto do Código Civil Brasileiro, lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, que ao discorrer sobre a Teoria Tridimensional do Direito informa que “Direito é a realização ordenada do bem comum numa estrutura tridimensional bilateral atributiva” e também que “Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores” para ao final pontuar que “Bem comum é ordenação daquilo que cada homem pode realizar sem prejuízo do bem alheio; composição harmônica do bem de cada um com o bem de todos”. (REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5. ed. São Paulo:Saraiva, 1994).

296 Aqui se pretende atribuir o sentido que comporta o princípio da legalidade. Tal princípio é parte indissociável do Estado de Direito e informa que a legalidade deve ser entendida como a obediência obrigatória do Estado às leis, isto porque elas são expressão da vontade geral que é revelada pela opção do legislador. Nesse contexto, Augusto Zimmermann alerta que o princípio da legalidade deve ser entendido sobre uma outra ótica quanto aos administradores, “outrossim, é aquele que submete os organismos que exercitam o poder público do Estado à atuação no âmbito restrito das leis, salvo naqueles casos excepcionais e legalmente preestabelecidos, onde o exercício discricionário é particularmente tolerado. Esta discricionariedade, entretanto, possui necessariamente uma certa conformidade legal, não se confundindo jamais com o tipo de poder arbitrário que estabelece um juízo pessoal da situação”( Curso de Direito Constitucional. -4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 282). Deve-se ainda ressaltar que, quanto aos administrados o princípio da legalidade informa que estes poderão fazer tudo quanto não for proibido em lei.

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4.1 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: ORIGEM E CARACTERÍSTICAS

ENQUANTO CONTEXTO DAS RELAÇÕES COMERCIAIS

As características do Estado Democrático de Direito, previsto constitucionalmente no

artigo 1º deste diploma legal, revelam a persecução dos ideais que fundam os objetivos sociais

em valores humanitários, muitas vezes subjetivos acerca do indivíduo, e avessos ao modelo

econômico verificado.

Neste sentido, não se trata de uma oposição do Estado Democrático de Direito ao

Capitalismo297, até mesmo porque se verifica a atuação de ambos, simultaneamente, na

contemporaneidade. O que se percebe é justamente a imposição de valores do modelo de

Estado que relativizam a forma de aplicação dos ideais econômicos a que se propunha aquela

forma de organização dos meios de produção.

O Estado, enquanto forma jurídica de organização do poder, território e povo,

enquanto ente soberano, teve origem na constante evolução pelas quais passaram os povos

durante o natural e estável desenvolvimento que atinge a humanidade. Logo, em decorrência

desta constante evolução, as pequenas organizações de aldeias e povoados acabaram por

organizar a forma de atuação do poder298.

Entretanto, a verificação do Estado, enquanto ente jurídico organizado não define as

características deste ente soberano. O que vai definir a sua função e os propósitos aos quais se

destina é a organização jurídica que irá estabelecer os parâmetros de conduta para o indivíduo,

enquanto administrado, e demais segmentos sociais que devem obrigatória observância às

normas que lhe são impostas299.

Estudar a origem do Estado enquanto contexto em que se desenvolvem as relações

interpessoais e contratuais revela-se como extensa tarefa a ser embatida, no entanto, não é

objeto desta pesquisa aprofundar-se em temas que abordem tais conteúdos. Assim, se torna

297 Aqui se pretende o entendimento de capitalismo como o modelo econômico de organização dos meios de

produção que guardam ligação com os ideais originários deste. A tendência ao acúmulo de riquezas, a expropriação da força de trabalho e conversão disto em lucro são caracteres descritos inicialmente por Karl Marx (1818 -1883) que vigoram na sociedade hodierna. Ainda hoje “se percebe um mundo pautado pela lógica do consumo, em que a apreensão de bens materiais e a apropriação de riquezas parece se sobrepor ao solidarismo social, o extremado individualismo acaba por sobrepujar a ética, a igualdade e a dignidade, sem pejo e sem limites, tudo para alcançar o ideal colimado, caracterizado pela busca incessante do “ter”, em detrimento do “ser”. (AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e informação: efeitos jurídicos das informações, conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 69.

298 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. – 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 2. 299 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. – 28. Ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2007, p. 125.

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imperioso, para fins de se alcançar uma melhor didática esclarecer, brevemente, a origem do

Estado Democrático de Direito disposto na CRFB/88 e suas características.

4.1.1 A origem do Estado Democrático de Direito

Certamente a origem do Estado Democrático de Direito tem extensas raízes que se

ligam a vários acontecimentos históricos, bem como alternâncias no modo de vida dos grupos

sociais, revoluções e, certamente, vitórias. Entretanto, depreende-se que por ora cumpre

apenas enfatizar os recortes históricos que reservam especial ligação com a temática abordada

a fim de se conferir subsídios para dar encadeamento lógico às alegações porvindouras.

Como se observou nas linhas transcritas anteriormente, o Estado é produto de lenta e

constante evolução dos grupos sociais que acabaram por aperfeiçoar a forma de organização

do poder. Neste sentido, o Estado Democrático de Direito é, essencialmente, um Estado de

Direito, com o qualificativo “democrático” que o designa seu regime de governo.

O Estado de Direito, por sua vez, como bem anota Paulo Bonavides300, diferencia-se

de forma de governo, por isto a ocorrência do complemento “Democrático” evidenciado nas

linhas acima, e de igual maneira não configura-se como uma forma de Estado, isto porque o

Estado, conforme se definiu nas linhas que antecedem, resulta da organização jurídica que

compreende território, população e soberania. Deste modo, ensina o autor supramencionado

que qualificar o Estado como Estado de Direito representa um propósito que, necessariamente

deve ser observado pelos administradores públicos, enquanto depositários do poder que

emana do povo301, de resguardar os objetivos contidos no texto constitucional.

Quanto à origem do Estado de Direito, ainda apoiando-se sobre as lições de Paulo

Bonavides, é possível se chegar à compreensão de que este modelo de Estado teve forte

influência do Liberalismo302, enquanto corrente de pensamento que se opôs ao absolutismo

ocorrido, precipuamente, ao final do século XIX. Esta é a razão do cunho liberal que se

300 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 190. 301 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 1º, parágrafo único: “Todo poder emana do

povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%Cao.htm> com acesso em: 10/09/2011) Em síntese, trata-se, pois, do princípio democrático.

302 O entendimento pretendido para o termo Liberalismo na maneira como é exposto no texto é no sentido explanado por Orlando Gomes, o autor afirma que: “o liberalismo econômico, a ideia basilar de que todos são iguais perante a lei e devem ser igualmente tratados, e a concepção de que o mercado de capitais e o mercado de trabalho devem funcionar livremente em condições, todavia, que favoreçam a dominação de uma classe sobre a economia considerada em seu conjunto permitiram fazer do contrato o instrumento jurídico por excelência da vida econômica” (GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. ver., atual. e aum. por Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 7).

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observa nas práticas políticas e em alguns mandamentos legais existentes no ordenamento

jurídico pátrio.

A ideia de liberalidade, ou seja, não intervenção do Estado, é oriunda deste momento

histórico em que se pretende uma harmonização das relações entre indivíduos dotados de

autonomia absoluta, sem restrições ou imposições por parte da administração pública.

Cabe ainda ressaltar a importante menção trazida por José Afonso da Silva303 a

elucidar importante constatação acerca da nomenclatura atribuída ao Estado de Direito.

Assim, prescreve o aludido doutrinador que denominar um determinado Estado como Estado

de Direito, tão somente, não lhe conferirá a prerrogativa de ser um Estado pautado pela

observância aos preceitos constituídos sob a influência do Direito como norma de Justiça, em

contraposição a desigualdades.

Estado de Direito, semanticamente a falar, na lição supramencionada, pode ser

considerado o Estado que não confira algum direito ao cidadão, ou apenas lhe garanta o

direito de ser considerado escravo, ou inferior a determinado grupo. Neste sentido, caberia

denominar o Estado de Direito contido na CRFB/88 como um “Estado Social304”, posto que

na atual dimensão em que se encontra, o Estado cristalizado no neste diploma legal adquiriu

especiais características de persecução do bem comum e da justiça social, como será

analisado a seguir.

4.1.2 Características

Para se alcançar o entendimento acerca das características do Estado verificado na

CRFB/88 estudou-se suas origens e se pôde constatar que este se originou pautado nos valores

individualistas típicos do modelo econômico vigente. No entanto, o Estado de Direito

303 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores,

2007, p. 114. 304 Extrai-se da doutrina que: “Este novo tipo de Estado assumiu várias denominações, como Estado Social ou

Estado Social de Direito, Estado Intervencionista, Estado Social-Democrático (esta devida a Boulding, como tipo autoritário), Estado Providência, Estado do Bem-Estar Social, ou Welfare State, daí derivando também para Estado do Bem-Etar Social. A expressão Welfare State”foi inicialmente forjada na França (État Providence), durante o Segundo império, por pensadores liberais como Émile Oliver, em busca de um terceiro caminho entre o estatismo e o individualismo. Posteriormente, na Alemanha, o termo Wohlfahrstaat seria mais usado pelos ‘socialistas de cátedra’, notadamente por Alfred Wagner, já com uma conotação mais antiliberal. E, finalmente, o termo Welfare State surgiu nos anos quarenta do século XX na Grá-Bretanha, com relação à análise Keynesiana, tornando-se amplamente difundido tanto nos círculos jornalísticos quanto nos acadêmicos depois da Segunda Guerra Mundial.” (BENITEZ, Gisela Maria Bester. “Quando, por que, em que sentido e em nome de que tipo de empresa o Estado contemporâneo deixa de ser empresário?”. Direito Empresarial e Cidadania. Questões Contemporâneas. Jair Gevaerd e Maria Marília Tonin (orgs.). Curitiba: Juruá Editora. 2004, p. 129-131).

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pretende a atenção do bem comum, entendido como uma situação que busque melhores

condições para todos.

Relativamente ao objeto de estudo, as minudências do Estado Democrático de

Direito que devem ser destacadas são aquelas que elevam o cunho social deste. Assim, o

Estado como ocorre, possui especial características de ser intervencionista, ou seja, ele

abandona o seu caráter de extrema liberalidade, cujas funções são apenas de manutenção da

incolumidade das pessoas e patrimônio, e passa a atuar como organismo regulador da ordem

econômica305.

No entanto, verifica-se presente ainda o cunho liberal das ideias que originaram o

Estado de Direito e isto pode ser observado também na CRFB/88, por conter dispositivos

como os de livre iniciativa e liberdade de contratar. Ocorre que, devido às tendências de

Estado provedor de justiça social, em algumas situações a liberalidade implantada cede lugar

à intervenção para que aqueles valores advenham.

Este movimento de alteração de disposição do Estado que abandona a inércia que lhe

impusera o Liberalismo e passa a atuar de forma positiva, como ente regulador da ordem

econômica ocorre, segundo nos informa João Ricardo Brandão Aguirre306, devido à frustração

da instituição da igualdade formal que não alcança a realidade social. Neste sentido, a

liberalidade extrema acaba por ocasionar desigualdades entre as partes e desvirtua a

autodeterminação307 no momento da contratação.

Assim, devido ao fato de a liberalidade conduzir as relações comerciais a situações

que divergem dos objetivos do Estado de Direito, a administração pública rompe com suas

características iniciais e assume nova posição, agora como ente protetor de uma ordem que

preserva a igualdade material fundado no princípio da dignidade da pessoa humana308.

305 A ordem econômica na Constituição da Rpública Federativa do Brasil está prevista no Título VII deste

diploma em que se tem especial regulamentação acerca das atividades economicas e financeira. 306 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: efeitos jurídicos das informações,

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.48. 307 No ensinamento de Francisco Amaral está presente a ideia de que “do ponto de vista moral tem-se

demonstrado que os princípios da liberdade e da igualdade não se realizam harmonicamente. A igualdade perante a lei é meramente formal; no campo material, vale dizer, no campo das relações sociais e das oportunidades de progresso econômico, as desigualdades são profundas. O exercício da liberdade ontratual, por exemplo, pode levar os segmentos sociais mais carentes de recursos e, por isso mesmo, desprovidos de poder econômico de confronto ou de negociação, a acentuados desníveis econômicos, do que é exemplo a miséria das classes menos favorecidas, o que leva o Estado a intervir para equilibrar o poder das partes contratantes, estabelecendo normas imperativas em matéria de ordem pública ou bons costumes”. (AMARAL, Francisco. Direito Civil : introdução. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 359).

308 No entendimento dado por Gilmar Ferreira Mendes, se observa que: “Como amplamente reconhecido, o princípio da dignidade da pessoa humana impede que o homem seja convertido em objeto dos processos estatais.[…] Assim, tal como a garantia do devido processo legal, o princípio da dignidade da pessoa humana cumpre função subsidiária em relação às garantias constitucionais específicas do processo. Em verdade, a aplicação escorreita ou não dessas garantias é que permite avaliar a real observância dos elementos materiais

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Neste sentido, o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana, como

bem abordado acima, em consonância com Estado de Direito, denota a especial característica

que este tem para com os seus. Trata-se, pois, de um princípio que é inerente ao modelo de

Estado vigente no cenário jurídico pátrio,não podendo dele ser dissociado ou por ele ignorado,

conforme acrescenta a doutrina acima transcrita. Em uma abordagem eminentemente

constitucional, o autor Carlyle Popp, ao tratar acerca do tema, utiliza-se da expressão

“solidariedade” e acrescenta que:

a solidariedade constitucional – aqui vista como conteúdo do princípio da boa-fé e externação da ideia de dignidade da pessoa humana – se constitui em uma determinação superior, de origem constitucional, para um imprescindível abandono da concepção individual e egoísta de contrato, tão própria do Estado Liberal, mas ainda contemporaneamente defendida por aqueles que continuam a confundir liberdade com arbitrariedade, direito com poder. A relação negocial deve, então, ser solidária, onde haja o efetivo adimplemento do dever de cooperação, tudo albergado pela lealdade, enquanto dever anexo. (POPP, Carlyle. Responsabilidade Civil Pré-Negocial: o rompimento das tratativas.Curitiba: Editora Juruá, 2001, p. 217-218).

Importante destacar do trecho acima transcrito a maneira como o autor, a fim de bem

explanar o seu entendimento e demonstrar a evolução do Estado enquanto ente público, faz

uso da palavra “solidariedade”, justamente uma daquelas levantadas com a bandeira do

liberalismo clássico francês que serve de fundamento para a defesa da não intervenção estatal.

Porém, note-se que há presença da qualificadora “constitucional”, tal disposição permite que a

interpretação acerca da conotação que alcançou a solidariedade no Estado de Direito, servindo

como alicerce para a defesa de uma ordem contratual mais justa309 possível.

Uma característica marcante apresentada por Alexandre de Moraes310 acerca do

Estado de Direito é a verificação da ocorrência de um “sistema hierárquico de normas e

garantias legais que preservam a Segurança Jurídica”, entendida como um conjunto de

determinações que preservam a observância dos mandamentos legais existentes como

mecanismo de se ter identificadas as possíveis conseqüências advindas da prática de um ato

previsto. Evitando, assim, que o indivíduo venha a ser lesado pela falta de ineficácia dos

preceitos legais em vigência.

do Estado de Direito e distinguir a civilização da barbárie.” (MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da. (org.). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana – São Paulo : Quartier Latin, 2008. p. 131).

309 O sentido de justiça pretendido aqui é o mesmo indicado pelo princípio da boa-fé objetiva, ou seja, lealdade, reciprocidade de proteção, lisura na contratação comercial, os mesmo objetivos perquiridos pelo Estado de Direito.

310 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 05.

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A ocorrência de Princípios311, como norma legal, é outra marcante qualidade do

Estado de Direito; o entendimento que se tem acerca dos princípios é que estes funcionam,

nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Melo, 1971, como “noção de mandamento nuclear

de um sistema”. Afirmar que trata-se de “mandamento nuclear” implica em considerar que se

está a tratar do cerne que deve orientar as interpretações acerca das disposições legais que

reservam alguma ligação com o direito resguardado.

Assim, se tem que os princípios concentram especial função perante o ordenamento

jurídico em que estão previstos, de modo que a sua observação perante aqueles que estão

sujeitos a tal norma é obrigação que impõe um comportamento adequado, sob pena de se

reduzir a eficácia daqueles e incidir em ação ilícita, ou seja, contrária à legalidade.

Nestas breves considerações se buscou um recorte no cenário estatal em que está

imerso o instituto da Boa-fé objetiva, assim, evidenciados o Estado Democrático de Direito na

CRFB/88, sua origem e as características inerentes a este modelo jurídico de organização do

poder, torna-se factível melhor compreensão das discussões a serem travadas nas linhas que

seguem.

4.2 A BOA-FÉ (OBJETIVA) ENQUANTO INSTITUTO CATEGÓRICO DE ORIENTAÇÃO DA CONDUTA HUMANA

O conjunto de características do Estado de Direito evidenciado nas linhas acima, bem

como a explanação acerca dos objetivos que este ente público se destina, permite a aceitação

da especial regulamentação que existe acerca da liberdade de contratar na CRFB/88 e demais

legislações pertinentes. Deste modo, há previsão de normas e princípios que devem permear a

negociação realizada entre os interessados para que, ao final, o objeto da contratação e seus

reflexos coincidam, no que for possível, com os objetivos do Estado.

Neste sentido, esta nova inclinação do Estado, de compromisso com a função social e

proteção da contratação enquanto atividade ligadas às suas funções, permeia, inclusive, a

legislação vigente. Nota-se, a presença de termos abertos, verdadeiros princípios, a atuar

311 No entendimento de José Eduardo de Souza Pimentel: “Regras e princípios são normas, portanto, e como

tais, formadas por expressões de mandamento, permissão e proibição. São, contudo, de diferentes espécies. Enquanto regras valem ou não para determinadas situações fáticas, conforme a enumeração das hipóteses e cláusulas de exceção, os princípios se relacionam ao caso concreto em razão do valor. MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (org.). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana – São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 638. José Afonso da Silva, por sua vez, afirma que a nomenclaratura “princípio” é equivocada, isto porque, segundo o autor, traz consigo a ideia de início e não compreende a noção que sua significância comporta. (Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 91).

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como mandamento nuclear de um sistema, é o que se depreende da redação do artigo 113312

da Lei 10.406 de 2002, a lei que instituiu o Código Civil, em que se tem que: “Os negócios

jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

Logo se percebe a abertura do termo “boa-fé” que, em si próprio, não comporta uma

possível interpretação taxativa. Porém, conforme ensinamento de Miguel Reale:

em todo o ordenamento jurídico há artigos-chave, isto é, normas fundantes que dão sentido às demais sintetizando diretrizes válidas “para todo o sistema. Nessa ordem de idéias, nenhum dos artigos do novo Código Civil me parece tão rico de consequência como o art. 113, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. (REALE, Miguel. Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003, p.75).

Nota-se a especial adjetivação atribuída ao referido artigo de lei, vale mencionar,

“rico”; isto porque sua redação ampla permite que a lei, enquanto expressão da vontade geral,

alcance as mais diversas variações sociais, ainda que alterações fáticas ocorram, o que não

seria possível de se alcançar com a redação de uma norma objetivamente focada em

regulamentar determinada situação.

Assim, qualquer estudo que pretenda a compreensão acerca do instituto da boa-fé

objetiva instituída no Estado Democrático de Direito vigente deve discorrer antes acerca da

Teoria da Confiança e da Teoria da boa-fé subjetiva, devido especial ligação que tais

correntes doutrinárias guardam para com a vontade declarada, em alguns casos, pelo agente,

bem como pela tênue característica de subjetividade a envolver a ação humana de quem deva

prestar informações tendentes à negociação contratual.

4.2.1 A teoria da confiança como elemento a gerar expectativas exigíveis

A teoria da confiança vem estabelecer que, segundo esclarece João Ricardo Brandão

Aguirre313, aqueles agentes responsáveis por prestarem informações, aconselhar, recomendar

ou, ainda, pelas representações que alegarem como efetivas, devem ter sua conduta

meticulosamente analisada. Isto porque desta investigação será possível apurar quanto à

responsabilidade pela verificação concreta daquelas expectativas criadas para com outrem.

312 BRASIL, 2002. Lei número 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em 13/09/2011. 313 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: efeitos jurídicos das informações,

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

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Segue o autor supramencionado a explicar que, uma vez caracterizada a

responsabilidade do indivíduo que prestou informações, aconselhou, recomendou ou induziu

terceiro à realização de determinado negócio, ao final, frustrado, poderá ser atribuída àquele,

de modo que venha a responder pelos danos causados, inclusive com o dever de indenizar,

segundo a norma de direito.

Assim, se percebe uma especial proteção à confiança, enquanto elemento da

subjetividade humana, que deve ser verificada momento das tratativas, posto que se trata do

momento em que há início das negociações para as partes. Neste ponto é interessante destacar

a doutrina de Carlyle Popp, a transmitir que:

as tratativas se constituem em um ato essencialmente bilateral, visto que sua existência depende do consentimento recíproco das partes. Dito ato consensual tem requisitos semelhantes aos necessários para que ocorra a formação do contrato. A diferença é que, nesta fase, o desejo das partes e iniciar negociações visando a celebração de um negócio futuro, ainda que não tenham a obrigação, pelo menos neste momento inicial, de realizá-lo. É pressuposto da existência de negociações a anuência das partes em iniciá-lo. Tal desejo é um ato essencialmente da vida privada. (POPP, Carlyle. Responsabilidade Civil Pré-Negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Editora Juruá, 2001, p. 222).

Como se percebe, ainda não tenha se estabelecido um contrato formalizado entre as

partes, os elementos que identificam a presença deste se encontram presentes durante a fase

pré-negocial que geram expectativas no agente, o que justifica a especial tutela que o Estado

confere a esta importante etapa do contrato.

Ao tratar da confiança negocial, Priscila David Sansone Tutikian314 afirma que a

ocorrência do princípio da confiança está intimamente ligado à boa-fé, a assegurar que se trata

de institutos precipuamente de caráter subjetivo, mas que prescrevem padrões de

comportamento para os indivíduos sujeitos à vigência de tal norma. A autora aduz que

“iniciando-se, desde já, a análise umbilicalmente relacionada da boa-fé com a confiança

negocial – podendo-se dizer que esta última é um vetor daquela(...)”.

Em sentido análogo ao descrito nas linhas acima, mas com certo aprofundamento,

João Ricardo Brandão Aguirre, aduz que:

assim, ressalta-se a base ético jurídica³ da confiança, posto a complexidade e dinâmica das relações intersubjetivas não serem acompanhadas pelo ordenamento positivo em sua plenitude, tornando imperiosa a proteção das expectativas e permitindo que a convivência social se desenvolva em um terreno pautado pela eticidade, pelo solidarismo e pela tutela da pessoa. (...) Como valor essencial para a

314 TUTIKIAN, Priscila David Sansone. O Silêncio na Formação dos Contratos: proposta, aceitação e

elementos da declaração negocial. Porto alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 132.

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vida em sociedade a confiança representa, também a segurança necessária para o desenvolvimento das relações humanas. Assentadas neste patamar de fidúcia e segurança é que as pessoas se relacionam, tomam decisões, assumem posições jurídicas, investem, enfim, realizam a experiência da vida. (AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: efeitos jurídicos das informações, conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 60).

Dessa forma, ambos os autores supramencionados reconhecem o caráter social que

adquiriram as negociações perante o corpo social. O modelo de Estado vigente e a sua

característica de ente provedor do bem comum, com especial função de garantidor da ordem e

protetor da sociedade como um todo, impõe que as relações desenvolvidas nos limites de sua

jurisdição315 sejam eivadas da garantia da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, a segurança que a norma objetiva imprimir na subjetividade do

indivíduo tem como finalidade a segurança de que depende a relação contratual para a sua

perfeita verificação. Esta segurança é dever do Estado, porquanto a especial proteção

direcionada às relações econômicas.

É possível ainda fazer uso dos ensinamentos de Antônio Manuel da Rocha e

Menezes Cordeiro316 para enfatizar que o princípio da confiança prima pela coerência de

ações, ou seja, a ideia de que o comportamento não pode ser alterado. Ressalta, ainda que não

se está a vincular permanentemente as ações a que se inclinou o informante, mas sim a

possibilidade de exigir do referido agente as situações que, livremente, informou ou declarou.

O que se verificou, pela síntese acima delineada é que há forte rompimento dos

ideais liberalistas, de modo a afastar institutos como o do pacta sunt servanda317, e imprimir

novas categorias de entendimentos ligados à noções tendentes a relativizar a autonomia

absoluta de contratação, como se observa no princípio rebus sic stand bus 318, em

contraposição do exemplo utilizado anteriormente.

315 Ainda que aqui se tenha utilizado o temo “limites de sua jurisdição”, sabe-se que a atividade empresarial, em

se tratando de século XXI, economia global e mídia digital de alta velocidade, desconhece barreiras fronteiriças. Assim, ainda que aceitável a colocação da existência de relações comerciais com agentes de outros países, se preferiu atribuir a imperatividade dos deveres informados pelo princípio da informação apenas à jurisdição pátria para não se criar problemática referente à soberania de outros Estados. Trata-se, portanto, de recorte didático que acondiciona os rumos da pesquisa ao objeto em apreço.

316 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 2001. p. 426.

317 Pacta sunt servanda é expressão alienígena à língua portuguesa, em uma tradução livre poderia se chegar ao entendimento de que “o pacto deve ser cumprido. A autora Paula A. Forgini descreve tal expressão como “a força obrigatória dos contratos viabiliza a existência do mercado, coibindo o oportunismo indesejável das empresas” (FORGINI, Paula A.. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 80.) Como se percebe, tal construção busca fortalecer o mercado, é uma visão eminentemente liberalista, posto que preserva caracteres de extremada subjetividade.

318 Rebus sic stand bus é outra expressão alienígena à língua portuguesa, uma transcrição livre para o idioma Lusitano resultaria no entendimento de que o contrato persiste inalterado enquanto as condições que

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O entendimento transmitido por Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda em apreço

ao princípio da informação é de fundamental importância porquanto demonstra-se completo,

envolvendo todos os elementos que comporta tal mandamento nuclear, a saber:

o que em verdade se passa é todos os homens têm de portar-se com honestidade e lealdade, conforme os usos do tráfico, pois daí resultam relações jurídicas de confiança, e não só relações morais. O contrato não se elabora a súbitas, de modo que só importe a conclusão, e a conclusão mesma supõe que cada figurante conheça o que se vai receber ou o que vai dar. Quem se dirige a outrem, ou invita outrem a oferecer, ou expões ao público, capta a confiança indispensável aos tratos preliminares e à conclusão do contrato. Não há, porém, contrato tácito nem negócio jurídico unilateral, que esteja à base da relação jurídica de confiança. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado do Direito Privado: parte especial. t. I. 4.ed. 2ª Tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1983. p. 321).

Deste modo, tal princípio visa conter o exercício atividades relacionadas à formação

da relação negocial, isto porque se está a tratar da oportunidade em que observa-se o início da

relação contratual, as declarações de vontade que podem vir a ser contaminadas por vícios de

consentimento319 em função de uma incorreta ou falseada informação prestada.

Em consonância com o estudo realizado, Anderson Schreiber320 realiza prudente

análise acerca do foco de atenção do Estado no momento de avaliar as proposições que lhe

são encaminhadas. Neste sentido, o autor afirma que, ante a obrigação de se proteger a

confiança, entendida como princípio, o Estado deixa de analisar tão somente a declaração de

vontade para tomar conhecimento também dos efeitos práticos fonte de sua adoção. Assim, se

percebe que há modificação na abordagem realizada para fins de interpretação das obrigações

assumidas, ou seja, a declaração de vontade perde o seu caráter absoluto e deve ser analisada

em consonância com os propósitos de lealdade, probidade e correção que integram o princípio

da informação.

No entanto, cabe mencionar outro aspecto que se pode deduzir da doutrina transcrita

e vem a fundamentar a existência do princípio da confiança é fato de que informações,

conselhos e recomendações obtidas podem, além de gerar expectativas e posterior frustração,

ensejaram a sua convenção não se alterarem sobremaneira. É previsto, inclusive no ordenamento jurídico pátrio, nos artigos 478 e 317 da Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, e também conhecido como teoria da imprevisão.

319 Extrai-se da doutrina que: “Se o ato jurídico é fundamentalmente um ato de vontade, que para que ele se aperfeiçoe mister se faz que essa vontade se externe livre e consciente. Se tal inocorre, falta o elemento primordial do ato jurídico, que, por conseguinte, é suscetível de ser tornado sem efeito. De fato, se o consentimento, reflexo da manifestação volitiva, vem inquinado de um vício que o macula, a lei, no intuito de proteger quem manifestou, permite-lhe promover a declaração de ineficácia do ato gerado pela anuência defeituosa”.(RODRIGUES, Silvio. Direito Civil : parte geral.34.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 184).

320 SCHREIBER, Anderson. A Proibição de Comportamento Contraditório: Tutela da confiança e venire contra factum proprrium. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 94.

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causar prejuízos decorrentes de outras medidas tomadas no sentido de preparação, adaptação,

elaboração de mecanismos com intuito harmonização dos meios já existentes.

Para se conferir melhor técnica às proposições aqui dispostas, se faz uso do

ensinamento de Priscila David Sansone Tutikian321 que faz importante constatação acerca do

mandamento nuclear em apreço. Afirma a autora que houve, durante certo interstício, certa

confusão entre a confiança negocial, e a doutrina da aparência que, apesar de guardarem

coincidências, são eminentemente institutos diferentes entre si. Aduz, a autora que, a teoria da

aparência foi pioneira em exigir que se fosse atribuído reflexos jurídicos por uma situação

que, fundada na confiança, aparentava conferir direitos. Porém, a teoria da aparência funda-se

na ordem pública ou nas relações sociais.

Deste modo, como bem informa Antônio Junqueira de Azevedo322 o princípio da

informação e a fundamental característica de comprometimento com o social que traz

consigo, denotam uma nova perspectiva para a análise dos negócios jurídicos orientados por

tal princípio. Logo, a leitura que é feita acerca do contrato é no sentido de se auferir não

apenas a vontade do agente, a perseguir sua subjetividade, mas também uma concepção do

contrato como instrumento de transformação do meio social, ao passo que gera reflexos no

seu entorno, razão pela qual o Estado ocupa-se da sua regulamentação.

Assim, descrito o princípio da informação, se passa a analisar, antes de adentrar o

instituto da boa-fé objetiva, a ocorrência da boa-fé subjetiva e as teorias que se fundam na

aplicação deste princípio.

4.2.2 A boa-fé subjetiva e seus contornos teóricos

O instituto da boa-fé é complexo sistema que busca dar diretrizes ao comportamento

humano a fim de estabelecer parâmetros para atividades contratuais e evitar a ocorrência de

situações que vão de encontro aos princípios do Estado de Direito.

No entanto, a boa-fé pode ser classificada de duas formas, a saber, a boa-fé objetiva,

que será analisada à frente, e boa-fé subjetiva. Nesta abordagem, será elucidada a boa-fé

subjetiva, como maneira de se ter conhecimento prévio das lições que giram em torno da boa-

fé objetiva, principal foco neste estudo.

321 TUTIKIAN, Priscila David Sansone. O Silêncio na Formação dos Contratos: proposta, aceitação e

elementos da declaração negocial. Porto alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 133. 322 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Novos estudos e pareceres de direito privado. O direito ontem e hoje.

Crítica ao neopositivismo constitucional e insuficiência dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 11.

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De um modo claro se pode trazer a doutrina de Paula A. Forgini, a esclarecer que

a boa-fé subjetiva é relacionada a um “estado de consciência” ou “convencimento individual de obrar a parte conforme a direito”. Bastante comum em questões possessórias, “diz-se subjetiva justamente porque, para sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antiética à boa-fé está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem”. (FORGINI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 239)

Nesta perspectiva, a boa-fé é entendida como algo que se encontra presente no

agente e se exterioriza pela sinceridade. Este entendimento é presente nas teorias voluntaristas

de entendimento da declaração de vontade.

A doutrina de João Ricardo Brandão Aguirre323 dispõe acerca da boa-fé subjetiva e

informe que o tema é especialmente ligado à teoria voluntarista, que teve como seu precursor

Friedrich Carl Von Savigny (1779 – 1861). Tal teoria foi amplamente utilizada durante o

século XIX fundando seus alicercer na verdade real, esta entendida com a vontade íntima do

agente, e superior à vontade declarada, posto que somente a verdade real, a vontade do sujeito

deve gerar refletos no âmbito do direito.

Por esta via se percebe o sentido contrário ao postulado pelo princípio da informação

anteriormente evidenciado. Isto porque o princípio da informação, conforme exposto, protege

as expectativas criadas em qualquer das partes integrantes da relação contratual.

Em verdade, a teoria da boa-fé subjetiva é resultado do entendimento transmitido

pelo liberalismo que acometera, principalmente, a França e posteriormente teria se expandido

para outras regiões. O fundamento utilizado para justitificar a esta posição repousa sobre o

fato de que o indivíduo deve reger-se sozinho, sem a intervenção do estado.

Uma feliz explicação para as alegações acerca da teoria voluntarista de Friedrich

Carl Von Savigny é proposta por Francisco Amaral324 e transmite a noção de que:

o negócio jurídico é essencialmente vontade, a que deve corresponder exatamente a sua forma de declaração, que é simples instrumento de manifestação dessa vontade. Essa teoria protege naturalmente os interesses do declarante. Por isso, todas as questões acerca da formação ou do conteúdo do ato levam à pesquisa da real intenção do agente. (AMARAL, Francisco. Direito Civil : introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 393).

323 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: efeitos jurídicos das informações,

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.61. 324 AMARAL, Francisco. Direito Civil : introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.393.

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Assim, é considerado como principal elemento a caracterizar a boa-fé subjetiva a

vontade do sujeito, enquanto declarante, e informa que esta vontade individual, dissociada de

todo o qualquer compromisso com a sociedade, seria a principal fonte das obrigações.

Neste sentido, cabe, mais uma vez, trazer o ensinamento de João Ricardo Brandão

Aguirre325 ao estudo; o autor afirma que, em certo tempo, na França a teoria do voluntarismo,

ligada à boa-fé subjetiva, tomou tamanhas proporções que a declaração de vontade do agente

até mesmo sobrepunha-se à lei. Situação a refletir o momento histórico ali verificado, a saber,

o individualismo, reflexo da Revolução Francesa de 1789.

Hodiernamente, a teoria da boa-fé subjetiva cedeu espaço à boa-fé objetiva, isto se

deve a fatores históricos de construções doutrinárias e também à evolução do modelo de

Estado, que abandonou o caráter puramente liberal, conforme aduzido anteriormente, e passa

a buscar um fim social também nas relações contratuais.

Deste modo, passa-se agora ao estudo do instituto da boa-fé objetiva, tendo em vista

a sua especial ocorrência, no ordenamento jurídico pátrio e a especial função desempenhada

por este princípio nos contratos de trespasse.

4.2.3 A boa-fé objetiva no Estado Democrático de Direito verificado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

De acordo com o estudo realizado e os apontamentos dos autores sob os quais se

fundam o entendimento aqui deduzido, o princípio da boa-fé, enquanto mandamento nuclear

que preconiza o entendimento e aplicação acerca liberalidade contratual e sua relativização, é

produto do ideal social que reserva o Estado de Direito. Assim, prima por valores que devem

estar presentes no contratante, impondo-lhe deveres de diligenciar de acordo com a

honestidade que é inerente aos honestos.

Certamente foi a CRFB/88 que conferiu à boa-fé objetiva o seu caráter de princípio

como mandamento nuclear orientador de um sistema lógico de interpretação de normas. Tal

norma veio a conferir pleno respeito e condições de exigibilidade, perante o poder judiciário,

quanto a ações comportamentais que não se incluem, expressamente, nas tratativas negociais.

A primeira norma brasileira a prever a boa-fé na aplicação de relações contratuais foi

uma lei, segundo nos informa Ricardo Lupion326, “no plano infraconstitucional, o Código

325 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: efeitos jurídicos das informações,

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 61. 326 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: Contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 43.

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Comercial de 1850 continha dispositivos legais que reconheciam a boa-fé objetiva como

cláusula geral de interpretação dos contratos firmados pelos então comerciantes”. E possível

perceber que a primeira ocorrência de uma previsão legal no sentido de se proteger a

honestidade, enquanto valor humano, ocorreu mais de um século antes do surgimento da

CRFB/88.

Porém, é patente o entendimento doutrinário no sentido de que, embora haja previsão

normativa, a aplicação deste instituto não desenvolveu-se, de modo a não se verificou eficácia

alguma. Em análise à preteria legislação comercial, Gustavo Tepedino327 não obteve

efetividade enquanto norma que pretendia a regulamentação das relações comerciais. Não

houve a presença de doutrina voltada ao tema e, talvez em decorrência disto, nenhuma

aplicabilidade jurisprudencial.

A evolução e consequente incorporação da boa-fé objetiva ao ordenamento jurídico,

especialmente na CRFB/88, deu-se por influência do desenvolvimento doutrinário em relação

ao tema. O aprimoramento da boa-fé objetiva enquanto sistema a ser aplicado às relações

contratuais, afirma Ricardo Lupion328, adveio dos Estados Unidos da América, onde, em

1981, com a edição de nova legislação civilista prevendo expressamente quanto a este

princípio.

Assim, há que considerar o contexto histórico de desenvolvimento do código

comercial de 1850, para explicar a sua inaplicabilidade. Conforme anotado anteriormente, o

apego ao liberalismo que houvera surgido tempos atrás no velho continente predominava no

entendimento acerca dos contratos firmados. Tal entendimento, ainda hoje é presente na

concepção daqueles defendem o não intervencionismo estatal, porém, verificado o Estado

Social, a posição que prima pela observância da função social do contrato e proteção à

dignidade da pessoa humana prevalece sobre as demais.

Acerca do princípio da boa-fé objetiva na CRFB/88, João Ricardo Brandão Aguirre

aduz que:

com o advento da Constituição de 1988 e a mudança de um paradigma centrado na proteção do patrimônio, essencialmente, para outro em que se privilegia a tutela da pessoa humana, sua existência, dignidade e o pleno desenvolvimento de sua personalidade, operou-se vultuosa reforma em nosso ordenamento jurídico, por meio da inserção de uma base axiológica humanista e destacadamente solidária, pela qual as ações humanas devem pautar-se por um ideal de honradez, eticidade e probidade,

327 TEPEDINO, Gustavo. O Código Civil, os chamados microssistemas e a constituição: premissas para uma

reforma legislativa. Problemas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 10. 328 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: Contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 46-47.

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como contraponto ao exagerado individualismo antanho. (AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 68)

O entendimento que se tem acerca do princípio da boa-fé objetiva é transmitido por

Ricardo Lupion329 a entender que este princípio informa que se trata de determinar que o

agente pratique os atos pautado sempre em valores reconhecidamente sociais que transmitam

ideia de lealdade e lisura. De modo que, assim agindo se garantirá a confiança330 na outra

parte para que a atividade se desenvolva da maneira esperada, sem contrariar as perspectivas

do Estado de Direto.

Deste modo, continua o autor mencionado na parágrafo anterior a ensinar que, uma

vez observado o princípio da boa-fé objetiva, se estará a preservar, de igual modo, além da

confiança na contratação de outrem, a segurança jurídica de que depende a economia para se

desenvolver e progredir naturalmente.

Este posicionamento, de que a boa-fé objetiva funciona como instituto provedor da

segurança jurídica é presente também na doutrina de Paula A. Forgioni331, que em estudo à

boa-fé objetiva destacou que esta, no direito comercial não vem a desempenhar apenas uma

função moral, desconecta da realidade, que busca obstar o funcionamento do mercado. Afirma

a autora que tal princípio possibilita uma maior confiança aos agentes econômicos, isto

porque os riscos são diminuídos e a segurança aumentada, o que invariavelmente fortalece as

relações contratuais.

Neste sentido, é possível observar a boa-fé como elemento cognitivo da conduta do

contratante. Apesar de prescrever, primeiramente um mandamento subjetivo, o princípio da

boa-fé se apresenta como um instituto de não complicada compreensão, posto que se

exterioriza em comportamentos a serem realizados.

Assim, o princípio da boa-fé objetiva deve ser entendido como a necessidade de agir

com constância, sem reservas de informações, conhecimentos ou qualquer outra espécie de

vontade, ato ou omissão que divirja da conduta que se espera de uma pessoa honesta. Como

se nota, há grande carga de subjetividade que paira sobre este entendimento.

Em lição acerca da boa-fé objetiva, Judith H. Martins-Costa transmite que: 329 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p.50. 330 Deve-se atentar para o princípio da confiança. Aqui poderia ser utilizado o termo segurança, porém se

preferiu o uso de confiança para reiterar as colocações dispostas no segmento que tratou deste princípio, sendo que aquela é decorrente deste.

331 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 237.

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o teor geral desta cooperação intersubjetiva no Direito das Obrigações decorre de a boa-fé de constituir, em sua acepção objetiva, uma norma de conduta que impõe aos participantes da relação obrigacional um agir pautado pela lealdade, pela consideração dos interesses da contraparte. Indica, outrossim, um critério de interpretação dos negócios jurídicos e uma norma impositiva de limites ao exercício de direitos subjetivos e poderes formativos. Em outras palavras, como emanação da confiança no domínio das obrigações, os deveres que decorrem da lealdade e da boa-fé objetiva operam defensiva e ativamente, isto é, impedindo o exercício de pretensões e criando deveres específicos. (MARTINS-COSTA, Judith H. Boa-fé no Direito Privado : sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 1999, p. 33)

Em suma, a boa fé objetiva informa que é dever do indivíduo orientar-se em suas

atitudes como pessoa idônea, de modo que suas ações não venham a lesar outrem em

decorrência de falta de diligencias no sentido de agir com lealdade. Trata-se, pois, de uma

coobrigação assumida pelo sujeito da relação contratual que, necessariamente, refletirá numa

melhor declarada vontade do receptor.

Neste sentido, Ricardo Lupion332 alega, inclusive, que o dever de boa-fé objetiva

comporta até mesmo deveres colaterais aos envolvidos na relação em tal instituto se

desenvolva. Assim, ainda que determinadas atitudes não estejam expressamente previstas

pelas partes, quando da negociação os mesmos devem constatar tais deveres pessoais e agirem

de acordo com a presteza que apregoa a honestidade. Isto porque o caráter de princípio

atribuído à boa-fé qualifica o entendimento acerca deste como mandamento nuclear de um

sistema, a nortear as ações que se desenvolvem.

Ao tratar de tais deveres anexos, decorrentes da observância da boa-fé objetiva, João

Ricardo Brandão Aguirre333, didaticamente, classifica tais deveres conexos em três formas, a

saber, deveres de proteção, entendido como a obrigatoriedade de proteger a outra parte em

sua pessoalidade, bem como o seu patrimônio; deveres de lealdade, expostos como a

honestidade em diligenciar no sentido de se alcançar os objetivos pretendidos pela relação

contratual estabelecida e; deveres de esclarecimento e informação, ou seja, a obrigatoriedade

de se manter a outra parte ciente de todo o complexo de situações que envolve a relação

estabelecida entre tais.

Na doutrina do autor supracitado também se verifica que este estabelece que a boa-fé

objetiva deve ser entendida como um mandamento de caráter aberto, que busca regulamentar

332 LUPION, Ricardo. Boa-fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 50-55. 333 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011 p. 81.

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a conduta ética do indivíduo, com vistas a ressaltar neste sujeito valores como a honestidade,

lealdade, de modo que “a ignorância de vício capaz de invalidá-lo ou até mesmo a intenção de

prejudicar terceiro não afastam a necessidade de se perquirir sobre o comportamento” do

agente durante a práticas negociais, bem como antes e depois de formalizado tal pacto.

Neste sentido, continua a esclarecer o mesmo autor utilizado acima, que a princípio

da boa-fé objetiva caracteriza-se por ser um mandamento constitucional cogente334 que se

coaduna com o postulado do Estado de Direito. Assim, trata-se de um dever geral de conduta

que prima pela lealdade, conforme aduzido, mas com vistas à reciprocidade nas relações

jurídicas. Portanto, tal princípio engloba não só um dever de não prejudicar, mas também a

obrigatoriedade de as partes esforçarem-se em alcançar o objeto do respectivo contrato com

plenitude.

Como bem se nota, aquilo que foi apontado quando se tratou do princípio do

confiança, de ideário voltado para a preservação da segurança jurídica nas relações

comerciais, enquanto valor a ser perquirido pelo comércio, ressurge agora, dentro dos

desígnios da boa-fé objetiva. Nesta esteira, a segurança que vem a fortalecer o mercado de

negócios harmoniza-se com os fins que persegue o Estado de Direito, posto que se trata de

preservar direitos e garantir a não primazia de valores individuais.

Com relação ao dever de reciprocidade intrínseco ao conceito de boa-fé objetiva, se

tem a colaboração de Ricardo Lupion a pontuar que:

pode-se afirmar que a boa-fé objetiva representa o dever de agir de acordo com os padrões socialmente reconhecidos de lisura e lealdade. São esses padrões que traduzem confiança necessária à vida de relação e ao intercâmbio de bens e serviços. Consequentemente é dever de cada parte agir de forma a na defraudar a confiança da contraparte, indispensável para a tutela da segurança jurídica, para a garantia da realização das expectativas legítimas das partes. Quando a lei impõe a quem se obrigou a necessidade de cumprir o compromisso, está apenas protegendo, no interesse geral, a confiança que o credor legitimamente tinha em que o seu interesse particular fosse satisfeito. (LUPION, Ricardo. Boa-fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 50).

Este autor ainda vai lembrar que a boa-fé objetiva, enquanto princípio que determina

a observância de dever colaterais, não expressos na relação jurídica, assim ocorre porque não

é exigível que, durante os acertos, as partes tivessem previsão total de tudo quanto fosse

334 Conforme aduzido anteriormente, princípios formam a base de um mandamento nuclear que orienta um

sistema de interpretação acerca das normas existentes em determinado conjunto de legislação. Cumpre destacar que a previsão de uma norma em lei, tão somente, não garante a sua eficácia, do modo como ocorreu com o princípio da boa-fé em 1850, bem anotado por Ricardo Lupion (2011).

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possível integrar a relação jurídica entre ambos. Deste modo, proteger a relação jurídica entre

as partes, de acordo com valores tidos como corretos, visa a preservação da expectativa social

de não ser surpreendido por um agente que venha a agir ardilosamente e, em se verificando a

ocorrência de tal ruptura, o ordenamento jurídico confere amparo ao prejudicado.

Esta ruptura na ordem do dever mútuo de cooperação intersubjetiva é trabalhada por

Paula A. Forgioni335 que analisa que a boa-fé, por vezes, é deixa de lado, ao passo que a

confiança336 é mitigada. Em se verificando situações desta natureza, a autora afirma que se

está a operar contra o próprio Direito, por isso é natural e esperado que o ordenamento

jurídico crie mecanismos que visem a coerção à obediência de seus mandamentos neste

aspecto. Isto porque o princípio da boa-fé não protege uma parte em detrimento de outra, e

sim protege-se a relação que há entre elas, a relação comercial, contratual ou negocial,

conforme se depreende do posicionamento a apregoar a defesa da segurança jurídica como

finalidade da especial atenção que o Estado tem para com essas relações.

A colaborar com o entendimento aclarado nas linhas acima, João Ricardo Brandão

Aguirre337, em estudo ao tema, irá anotar que, ainda que as partes tenham, na relação que se

estabelece entre elas, interesses particulares que não guardam compromisso com o desejo do

outro, esta condição não lhes coloca em posição antagônica; não há uma disputa em que se

terá um vencedor da relação estabelecida. O princípio da boa-fé, neste sentido, surge como

aparato funcional que atua com vistas a harmonizar interesses que são convergentes entre si.

A realização de uma expectativa legalmente exigível deve gerar igual satisfação na

contraparte, isto porque é uma relação recíproca de obrigações que, além de satisfazer os

interesses pessoais daqueles diretamente envolvidos, ainda desenvolve atividade social338.

Uma posição doutrinária que merece destaque é a defendida por Paula A. Forgioni339

quando faz análise ao resultado da relação entre partes. A autora afirma, sem, de modo algum,

negar a importância que o princípio da boa-fé estabelece, que este mandamento nuclear não

deve servir como proteção excessiva à uma das partes. Como bem se sabe, a atividade

comercial, negocial, contratual, é atividade econômica destinada, por natureza, à conquista do

335 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010,p. 103. 336 Confiança aqui deve ser entendida como aquela a ser protegida pela especial atenção dada às tratativas dada

por Carlyli Popp (Responsabilidade Civil Pré-Negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Editora Juruá, 2001).

337 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011 p. 51.

338 Atividade social neste ponto confunde-se com a função social que deve comportar o contrato empresaria, ou seja, a realização de trabalho, a circulação de riquezas, além de contribuir para desenvolvimento social.

339 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010,p. 103.

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lucro, da rentabilidade340 que o agente almeja no desenvolvimento de sua atividade. Esta

atividade carece, precipuamente, de habilidades para o seu desenvolver, não admitindo-se que

haja protecionismo excessivo.

Em verdade, completa a autora supracitada, o princípio da boa-fé não veda a

superioridade de alcance de resultados de uma parte sobre a outra na relação contratual, isto

porque o sucesso na relação que existe entre ambos não depende deque a boa-fé seja

observada. A realização dos interesses de ambos vai depender da correta aplicação dos meios

que tais agentes possuem.

Assim, ainda na perspectiva de Paula Forgioni, é perfeitamente factível, e portanto,

não passível de reprimenda, que um determinado indivíduo tenha consideráveis ganhos341

com a relação estabelecida, desde que tenha respeitado a honestidade, a lisura e demais

comandos que informa o princípio da boa-fé objetiva. Caso tal situação fosse verificada, se

estaria a desestimular a atividade econômica, o que por certo não é de interesse do Estado,

que deseja ver consolidada relação negocial escorreita, fim social justo, bem comum atendido,

mas também quer que o desenvolvimento econômico ocorra, e para tanto não há que se

estabelecer limites excessivos à superioridade de um sobre outro.

Deste modo, o reconhecimento, por parte do ordenamento jurídico, de que é factível

a conquista de sucesso na relação, independendo de como se desenvolve, em tese, a outra

parte342, é prêmio ao empresário que tem capacidade de organizar seus meio e ordená-los de

modo a conquistar o almejado lucro. Não se está a privilegiar uma parte, mas sim a considerar

sua destreza como sujeito de negócios que supera as dificuldades de desenvolver atividade de

risco343.

Neste sentido, nos contratos empresariais, em que não configura a relação de

consumo descrita no Código de Defesa do Consumidor, a boa-fé objetiva deve ser analisada

340 Tal situação pode ser entendida como reflexo do capitalismo. Logo: Quem escolhe o direito comercial como

sua área de estudo ou trabalho, deve estar disposto a contribuir para que o empresário alcance o objetivo fundamental que o motiva na empresa: o lucro. Sem tal disposição, será melhor – para o estudioso e profissional do direito, para os empresários e para a sociedade – que ele dedique seus esforços a outra das muitas e ricas áreas jurídicas” (ULHOA COELHO, Fábio. Curso de Direito Comercial: direito e empresa. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 27).

341 Segundo a autora: “No processo de interpretação dos contratos mercantis, a BA-fé não pode ser confundida com equidade ou “consumeirismo”, erro em que incidem vários autores não habituados à dinâmica de mercado. (FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 104.

342 Cumpre relembrar que, para todos os efeitos, a boa-fé é sempre entendida como um limite ser observado, sob pena de se cometer um abuso de direito.

343 Ricardo Lupion afirma ser o risco inerente aos contratos empresariais, e acrescenta a especulação, o lucro e o profissionalismo como valores intrínsecos aos referidos negócios. (Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 61).

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com cautela, isto porque o dever de lealdade e honestidade, se verificado na medida em que é

exigível, não pode vir a ser exacerbado em possível revisão das condições que revestem o

contrato entre as partes.

A colaborar com esta posição, se tem a doutrina de Priscila David Sansone

Tutikian344 a elucidar que o Código Civil brasileiro, ao disciplinar a matéria, cuidou para que

fossem recepcionados as duas principais posições presentes na relação contratual entre

empresários, a posição de atividade social e o entendimento de que se trata, também de um

valor econômico. Isto porque não há como se negar a fundamental relevância de uma e de

outra posição para o Estado, enquanto ente que deve conciliar a proteção de seus

administrados, mas também o progresso decorrente da circulação de riquezas.

Logo, de acordo com a doutrina utilizada, se há risco na atividade empresarial, o que

é pacífico no entendimento da doutrina, e se os deveres assumidos pelas partes, além dos

colaterais, que prescreve a respectiva norma de orientação nuclear, foram observados, não há

que se criar novos direitos para se igualar os resultados decorrentes das relações entre as

partes, sob pena de se sacrificar um outro objetivo do Estado, a saber, o desenvolvimento

econômico. A conjunção destes dois ideais reflete na função social do contrato345.

Assim, a boa-fé objetiva, segundo preconiza João Ricardo Brandão Aguirre346, por

conter os referidos deveres de conduta, impor comportamentos positivos e imprimir limites à

subjetividade do agente, comporta a possibilidade de ser classificada de acordo com três

funções básicas desenvolvidas por este princípio. Logo, se percebe a existência da função

interpretativa da boa-fé, esta função caracteriza-se por almejar a ciência dos limites do ajuste

formulado entre as partes no momento de fixação do contrato. Não confunde-se com a teoria

da boa-fé subjetiva, pois não incide na abordagem sobre o estado mental do indivíduo, mas

sim relativamente ao comportamento ético presumível de pessoa honesta.

Seguindo a linha de classificação do autor em destaque nas linhas retro, se identifica

outra modalidade de enquadramento, a função supletiva da boa-fé, é aquela que impõe a

344 TUTIKIAN, Priscila David Sansone. O Silêncio na Formação dos Contratos: proposta, aceitação e

elementos da declaração negocial. Porto alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 143. 345 A função social do contrato é prevista no artigo 421 do Código Civil brasileiro, em que tem: “A liberdade de

contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. (BRASIL, 2002. Lei nº. 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Com acesso em: 04/10/2011. A interpretação deste instituto, conforme orientação da doutrina delineada no corpo da presente pesquisa, informa que deve-se observar não apenas o aspecto financeiro, o aspecto econômico presente nos contratos empresariais, mas também os fins sociais, identificados como aqueles que são perquiridos pelo Estado de Direito, ou seja, a justiça, a igualdade, a honestidade, a erradicação da pobreza, entre outros de análogo cunho social.

346 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011 p.47.

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exigibilidade de deveres anexos aos ajustados no contrato celebrado, conforme aludido

anteriormente, são padrões exigíveis porquanto representam valores consoantes com o objeto

do negócio realizado, antes e após a realização do pacto, com vistas ao alcance dos fins

sociais e econômicos que circundam a relação de ambos. Os deveres anexos, por sua vez,

também comportam singela classificação, a qual restou evidenciada nas linhas que antecedem.

Por fim, o autor irá encerrar a sua classificação com a exposição da função corretiva

da boa-fé, que, segundo relata, serve como instrumento de regulação e coibição da existência

de situações jurídicas incompatíveis com o que apregoa o ordenamento jurídico, tais como a

presença de previsões contratuais em que uma das partes é excessivamente onerada por estar

em posição econômica inferior à outra parte.

Compete ainda destacar o ensinamento de Paula Forgioni347, que, a classificar a boa-

fé objetiva, em sentido análogo ao transcrito acima, identifica três funções deste princípio.

Assim, se pode notar a alegação de que a boa-fé objetiva é (i) pauta de comportamento para

os indivíduos envolvidos na relação contratual, que pode ser comparada à anterior

classificação em que se tinha função supletiva a desempenhar função análoga; (ii) pauta de

interpretação, que sugere o mesmo entendimento da função interpretativa da boa-fé

caracterizada nas linhas retro e; (iii) pauta de integração dos negócios mercantis, uma vez

que se presta a dirimir problemas relativos a incompletude contratual348 e não encontra

correspondência na classificação anterior, configurando não como divergência, mas como

uma abordagem dessemelhante.

Como se pode notar, há pequena variação do entendimento de um e outro autor,

porém, é inegável o sentido de subsidiariedade e informação que adquire o princípio da boa-fé

objetiva, devendo ser considerado para fins de interpretação e solução de divergências que

possam vir a ocorrer na reação contratual.

Deste modo, caracterizada a boa-fé objetiva no Estado de Direito e, especialmente,

na CRFB/88, como normas de conduta que impõem deveres colaterais, e ainda, identificados

os seus limites, se passa a analisar o alcance que este princípio tem nas relações contratuais.

347 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010, p. 109. 348 Por incompletude contratual se deve entender que: “Os contratos de colaboração tendem a não prever a

disciplina de todos os problemas que podem ser enfrentados pelas partes durante o negócio. Retomando o quanto afirmado no ensaio anterior, no momento da celebração é impossível deter todas as informações sobre o negócio e sobre seu contexto, inclusive futuro. Podem ser realizadas previsões, cálculos considerando probabilidades, mas jamais haverá o controle do porvir”. (FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 186). É patente a constatação de tal situação, tendo sido positivado, nos artigo 478 e 317 do Código Civil de 2002, a possibilidade de se revisar contratos quando, sobrevier causas que alterem significativamente a situação originária ao tempo do ajuste.

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4.2.3.1 O alcance do dever de boa-fé objetiva nos contratos empresariais

Conforme anotado nas linhas que antecedem, o princípio da boa-fé objetiva, quando

observado pelos respectivos agentes, não deve servir como fundamento para se anular as

posições ajustadas entre as partes. A boa-fé, neste caso, é princípio indiscutivelmente em

vigor, mas há que se respeitar as peculiaridades que reserva a atividade empresarial para se

garantir a harmonia das ações como um todo.

Assim, em considerando o princípio da boa-fé, em consonância com o princípio da

informação, denota que, da relação que se estabeleça, haja plena sinceridade entre as partes,

que a relação contratual comporte, além dos deveres expressamente dispostos, aqueles que

naturalmente se espera de pessoa honesta, proba com quem se contrate, para se alcançar a

segurança jurídica necessária para o desenvolvimento de atividade empresarial, se apresenta

claro ambiente propício para o desenvolvimento contratual349.

No entanto, como visto anteriormente, tal situação não é garantia de sucesso para

ambas as partes. Os riscos são inerentes à atividade de empresariado, e não devem funcionar

como alicerce para qualquer modalidade de protecionismo que se pretenda.

Neste sentido, a doutrina de Paula Forgioni350 acrescenta que a contratação entre

empresários é permeada por duas colocações centrais que são inerentes à sua natureza, uma

das situações é a prévia noção que, em ocorrendo a contratação, há presente a certeza de

alcance de uma melhor posição que a anterior; a outra colocação central referida é no sentido

de que a contratação se desenvolva de tal modo que desempenhe a função esperada.

Neste contexto de expectativas de empresários há que pontuar a co-existência do

risco empresarial anteriormente mencionado e que, segundo anota Ricado Lupion351, ao lado

da especulação, lucro e profissionalismo, figura como um dos pilares da concepção clara de

comerciante.

No que tange ao alcance do dever de boa-fé objetiva quanto aos contratos mercantis,

é possível fundar pensamento na doutrina que, em decorrência do mencionado princípio, se

obteve a expansão dos deveres contratuais que passaram a conter também deveres colaterais,

o que, invariavelmente, resulta na compreensão de que a prestação obrigacional está voltada

349 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 50. 350 FORGIONI, Paula. Interpretação dos Negócios empresariais. Contratos empresariais: fundamentos e

princípios dos contratos empresariais. Wanderley Fernandes (coord.) São Paulo: Saraiva. 2007, p. 82. 351 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 61.

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para além do objeto principal acordado, relaciona-se, pois, com a maneira como tal obrigação

dever ser adimplida352.

Interessante destacar que os deveres colaterais supramencionados são,

reconhecidamente, outros interesses dos agentes, de modo que, embora não estejam

positivamente ajustados no contrato tais comprometimentos, é dever das partes agirem com

zelo e proteger os interesses da outra parte. Isto se deve ao fato de que, uma vez formalizado

um contrato entre dois ou mais agentes, nasce para ambos a missão de fazer quanto for

possível para haja satisfação das legítimas pretensões desejadas353.

Deste modo, cumpre pontuar que a boa-fé objetiva, quando princípio a ser observado

por determinado indivíduo, irá alcançar relações subjetivas de ordem moral nos

procedimentos que se estabelecerem entre os envolvidos no negócio. A conquista da

confiança, da lealdade e do agir com honestidade de outrem revelam também um caráter ético

da relação estabelecida entre tais354.

Denota-se ainda que a conquista da confiança, conforme aludido nas linhas acima,

por decorrem de um aspecto de ordem moral, não se encerram com a resolução do contrato,

ou sua execução perfeita, refletem, deste modo, para além dos ajustes, além da execução e

persistem mesmo após a ausência de qualquer vínculo positivo de um agente para com o

outro, ou seja, há presença de certo solidarismo social, deveres ligados à fraternidade355.

Depreende-se ainda que, embora não estejam sacramentados em contratos positivos,

os deveres morais supramencionados podem vir a gerar responsabilidade civil quando a

inobservância de seus preceitos causar danos à outra parte. Tal responsabilização repousa

sobre o inegável sentido de obrigatoriedade que a CRFB/88 desejou conferir a tais

comandos356.

Logo se percebe que a boa-fé objetiva impõe um modo determinado de execução das

obrigações assumidas, estejam ou não previstas em contrato, desde que, as não previstas,

sejam moralmente esperadas de pessoa que se porte com honestidade e lealdade ante uma

negociação contratual357.

352 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 56. 353 MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria Geral do Direito Civil . 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.

284. 354 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: Parte especial. 3. ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 321. 355 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011 p.73. 356 Idem, p. 122. 357 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p.56.

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125

É importante frisar que as obrigações supramencionadas não decorrem única e

exclusivamente do contrato formalizado entre as partes, bem como das tratativas, conforme

elucidado nas linhas retro, é o que se tem na doutrina de Carlyle Popp, a saber:

exatamente por ser um princípio geral do direito, a boa-fé não nasce com as tratativas, mas precede-as. Significa dizer que, mesmo sendo amplo o dever de recusa no início da negociações e a possibilidade também ampla de delas sair, principalmente em sua primeira fase, pode haver responsabilidade contratual por comportamento abusivo mesmo antes do início das tratativas. (POPP, Carlyle. Responsabilidade Civil Pré-Negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Editora Juruá, 2001, p. 227).

Assim, a boa-fé estende os deveres do agente, de modo a determinar que a relação

contratual seja enfrentada como um conjunto de obrigações recíprocas decorrentes de um

ajuste que não prevê taxativamente todos estes deveres, mas compele a condutas coercitivas

anexas ditadas pelo dever de honestidade.

Deste modo, identificado o alcance do princípio da boa-fé objetiva que deve coexistir

juntamente com o princípio da confiança, ambos absolutamente vigentes, e, assim, em

conjunto informarem a formação dos contratos mercantis, se passa a analisar até que ponto

tais princípios alcançam a finalidade a que se propõem, enquanto normas orientadoras de

conduta da humana pautada em deveres de lealdade, honestidade e moral

.

4.2.3.2 A extensão do dever de boa-fé objetiva nos contratos empresariais

Como bem se analisou acerca dos deveres de boa-fé objetiva, esta nova modalidade

de interpretação do contrato, que considera também o contexto em que se desenvolve o

negócio jurídico, teve especial atenção no texto da CRFB/88, devido às razões filosóficas

desta carta constitucional, conforme fora aduzido nas linhas que antecedem. No entanto, o

instituto da boa-fé objetiva não surgiu como no ordenamento jurídico pátrio no ano de 1988, é

fruto de construções doutrinárias e correntes de pensamento que originou tal pensamento358.

Assim, por se tratar de norma prevista em texto constitucional, e portanto integrante

da pedra angular de orientação jurídica de todo o ordenamento jurídico pátrio, tal princípio

acaba por irradiar as suas benesses a demais ramos sociais, tais como economia, relações

interpessoais e até mesmo ao Direito.

358 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 68-69.

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O entendimento de que o princípio de boa-fé objetiva, enquanto valor determinante

da conduta a ser designada nos contratos mercantis, se estende para além destes contratos

deve-se ao fato de que a empresa, por ser organização voltada à produção riqueza e interagir

com os demais membros da sociedade civil, figura como um agente econômico dotado de

fundamental importância, posto que desta decorrem inúmeros reflexos no chamado mercado,

ou seja, na economia em que está inserida359.

De igual maneira, o princípio da boa-fé objetiva, se observado por parte dos agentes

econômicos no desenvolver de suas atividades, pode ter seus horizontes consideravelmente

aumentados. Assim, se é verdade que este princípio pretende uma relação mais segura entre as

partes, e se isto é objetivo do Estado de Direito, a honestidade das partes no desenvolver de

suas atividades pode vir a refletir uma diminuição de custos que resultará suas benevolências

também à população. Isto porque a segurança conquistada com o instituto da boa-fé objetiva

diminui as possibilidades de que determinado negócio venha a falhar, resultando numa

relação segura e promissora360.

Além do que foi acima descrito, deve-se ainda creditar valor ao aludido princípio

porque este é capaz de determinar que o agente paute suas ações de acordo com os

mandamentos idtentificados em tal norma, mas que apenas determina a observância da boa

conduta, da honestidade. Deste modo, tal mandamento nuclear orienta a conduta humana nos

atos preparativos, antes a existência de qualquer tipo de contrato, durante a execução do

contrato e, mesmo após a realização do referido objeto, ainda implica deveres ao agente361.

Neste sentido, há que se reconhecer também o caráter pedagógico362 do princípio da

boa-fé objetiva, tal característica é assim denominada porque, a partir da reiterada conduta

honesta, de acordo com o princípio da boa-fé objetiva, de esclarecer tudo quanto for do

interesse da outra parte, acaba por criar no sujeito o costume em diligenciar de maneira

alinhada que vai se disseminar em toda e qualquer atitude que este agente desempenhar363.

A extensão dos benefícios que a observância ao dever de boa-fé pode levar vai além

dos benefícios acima relacionados. De maneira clara, é possível perceber que em contratos em

359 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010, p.24. 360 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010, p.102. 361 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.76-77 362 A palavra “pedagógico” da maneira como é empregada no texto deve ser entendida na sua acepção mais

simples, ou seja, educadora, instrutora, fazendo alusão ao sentido mentor que o princípio contém. 363 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 122

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que as partes tratam-se com lealdade, informando e recebendo informações, tendo plena

ciência sobre tudo o que ocorre em torno do contrato, esta cooperação mútua de deveres

significantes permite também que haja concorrência entre partes, presente, deste modo, mais

um fim a que se destina o Estado364.

Assim, se percebe que o princípio da boa-fé objetiva não fica adstrito à lei ou à

relação que exista entre agentes empresários. Por seu uma prática amplamente difundida no

meio econômico, esta acaba por influir no comportamento das pessoas, mas isto em sentido

positivo, enquanto transmite uma noção de lealdade e honestidade para o indivíduo.

Como bem se analisou, a boa-fé objetiva, enquanto padrão de comportamento

humano tem forte ligação com o princípio da informação, tais mandamentos determinam que

haja uma recíproca troca de elementos a subsidiar a consciência acerca das tratativas, dentro

daquilo que for possível, para que, com a realização do objeto do contrato, ambas as partes

saiam satisfeitas do negócio que acabaram de realizar365.

Apesar da existência de tais institutos, e da inegável relevância que representam para

a sociedade de um modo geral, há a corrente de pensamento que defende uma flexibilização

da imposição de deveres de informação de caráter objetivo. Tais normas fundam suas teorias

sobre as alegações de que há uma dupla responsabilidade de se obter informações acerca do

negocio que estão para tratar, isto porque não configura-se a hipossuficiência de um para com

o outro, como ocorre no caso das relações de consumo366.

4.2.3.3 O princípio de boa-fé objetiva e a assimetria de informações

Tendo por base o complexo de normas e princípios evidenciados nesta pesquisa, bem

como as funções do Estado de Direito que denotam suas características, e os apontamentos

deduzidos com base na doutrina especializada, este trabalho agora passa a discorrer acerca da

falta de informações sobre o que se está a contratar e de que maneira isto pode vir a repercutir

no contrato firmado à luz do que preconiza o princípio da boa-fé objetiva e seus

desdobramentos.

364 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 150. 365 MARTINS-COSTA, Judith H. Boa-Fé no Direito Privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 199. 366 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 155.

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Conforme analisado, o princípio da confiança repousa sobre a crença de que o

individuo com quem se está a contratar presta informações corretas acerca das condições que

são apresentadas as quais servem como elemento determinante para a fixação das condições

em que o contrato irá se desenvolver. Logo, esta confiança, que é resultado da segurança

jurídica e para ele concorre, cria expectativas no indivíduo com quem se está a contratar e,

portanto são consideradas exigíveis tais informações367.

Em verdade, Paula Fogioni sustenta que, a assimetria de informações nos contratos

empresariais é plenamente aceitável; explica que o padrão de informações e capacidade de

diligenciar para tomar conhecimentos de fatos exigível de um empresário é elevado, de modo

que este deverá buscar suas próprias informações para decidir acerca da contratação com o

outro368.

Neste sentido, a troca de informações entre as partes, na tentativa de compor um

quadro de harmonização de interesses recíprocos antes de se ter formalizado um contrato

entre as partes, é de fundamental importância, porquanto pode conter especial atribuição de

definir a contratação ou não do objeto em discussão.369

Assim, ocorre a responsabilização do agente que, devendo obediência obrigatória aos

princípios da boa-fé e da confiança, durante as tratativas esboça determinado

comprometimento, induz o outro indivíduo da relação contratual a crer em determinada

situação, gera expectativa neste e após a formalização se percebe serem incorretas aquelas

noções que serviram de sustentação para a formalização do consentimento. A

responsabilidade, conforme aduzido anteriormente, é atribuída à pessoa, que deve prover o

que foi argüido370.

Isto porque o Estado de Direito previsto na CRFB/88 estabelece uma relação do

princípio da confiança com o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o

solidarismo típico desta forma de Estado que orienta todas as relações que se desenvolvem em

seu seio371.

No entanto, segundo nos informa Ricardo Lupion, em se tratando de contratos

firmados entre empresas, se percebe, em parte da doutrina, uma certa mitigação do dever de

367 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p 58. 368 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010, p. 141 369 Idem, p. 157. 370 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 57-58. 371 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 126.

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informação. Ricardo Lupion372 aduz que, além dos riscos além daqueles inerentes à atividade

empresarial, deve-se considerar também que as empresas têm seus contratos firmados por

dirigentes, gestores e administradores em geral, assim estes comportam dever de diligência no

desenvolvimento de suas atividades. Logo, a responsabilidade pela quantidade e qualidade das

informações que a outra parte contratante tem sobre o negócio é relativizada, posto que, por

não estar presente a hipossuficiência da outra parte, este deve diligenciar para ter a plenitude

das informações necessárias ao bom desempenho de seus negócios373.

Deste modo, decorre do pensamento transcrito nas linhas acima que é presumível que

o agente, enquanto administrador de uma empresa, por se tratar evidentemente de uma

atividade de risco, possui as informações de que precisa para se convencer acerca da

negociação contratual com a outra parte.

De toda sorte, a assimetria de informações374 entre partes para a realização de

negócio jurídico entre ambas não deve confundir-se com a incompletude contratual375 que é

decorrente de uma imprevisibilidade de todos os fatores que podem vir a alterar, de qualquer

modo a relação existente entre tais agentes, ao passo que, a primeira está ligada a uma técnica

ou estratégia de mercado que se funda na ideia de que os agentes econômicos estão em par de

igualdades no que se refere a obrigatoriedade de conseguirem informações relevantes para

ajustarem acordo de vontades.

Assim, se percebe que, enquanto a boa-fé objetiva imprime um dever de agir que

extrapola os limites dos contratos, determina que o agente guie seus atos pautados sob uma

lógica humana, honesta, devendo orientar as ações dos contratantes quando a incompletude

contratual seja observada, está presente, na assimetria de informações uma mitigação do

aludido princípio porque, conforme se percebeu, as partes estão em pé de igualdade, de modo

que a empresa que não comportar tais requisitos deverá suportar o ônus de sua

inferioridade376.

Desta feita, as características do modo de agir da empresa são explanadas por Paula

Forgioni377 a transmitir que, devido à sua natureza de persecução do lucro, do acúmulo de

capital, esta aturará sempre voltada para o atendimento de seus próprios interesses, isto

372 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 142. 373 Idem, p. 142. 374 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010, p. 136-146. 375 Idem. p. 71-73. 376 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010,p. 140. 377 Idem, p. 112.

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porque não é exigível que, em uma sociedade capitalista, o empresário venha a portar-se

como pessoa benevolente; isso não impede que as empresas desenvolvam atos de cooperação,

mas é franco que, em havendo possibilidade de sobrepor seus interesses sobre outrem, cada

qual adotará a postura que mais lhe favorecer.

Ainda que seja aceitável uma tênue relativização do princípio da boa-fé objetiva em

se tratando de contratos mercantis, que deve ser analisado meticulosamente, se observa que

Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, ao discorrer sobre o tema, informa que o

princípio da boa-fé objetiva, no que tange a deveres de esclarecimento, deve necessariamente

impor às partes que reciprocamente troquem informações sobre tudo o quanto importar à

relação contratual entre ambas, desde o momento em que se iniciam as tratativas até a

execução do contrato por elas firmado378.

Merece destaque, ainda, o fato de que a omissão em prestar informações, por parte de

quem tenha o dever de prestar tais esclarecimentos, sobre dado relevante que pode influir no

negócio firmado entre tais, é considerada como contrária aos padrões de conduta do agente

econômico, portanto, um abuso de Direito, que será analisado à frente379.

No entanto, o entendimento de que é aceitável uma assimetria de informações em

meio a uma relação contratual mercantil não é pacífico. Em análise à doutrina de João

Ricardo Brandão Aguirre se percebe que o autor confere especial atenção ao tema, afirmando

inclusive que o próprio Estado utiliza o contrato como instrumento de políticas públicas e se

opõe a situações como a práticas anticoncorrênciais e assimetria de informações380.

Assim, há que analisar cuidadosamente os deveres de informação decorrentes do

princípio da boa-fé objetiva frente à preterida mitigação deste princípio, para que se atente

contra o princípio da confiança, instrumento colaborador para a manutenção da segurança

jurídica381.

Importante elucidar a colocação de que, em se abandonando dos deveres oriundos da

observância da boa-fé, de modo a relativizar princípios de ordem constitucionais, verifica-se a

possibilidade de ocorrência de danos, ao passo que, se tais condutas tornarem-se recorrentes, a

378 MENEZES CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e. A Boa-Fé e a Violação Positiva Contrato. Rio de

Janeiro: Renovar, 2002, p. 603-607. 379 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010, p.141. 380 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p 43. 381 Idem, p. 126 e 127.

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quebra da confiança na pessoa do outro indivíduo pode gerar instabilidade no que tange à

segurança jurídica382.

Como se percebe pela análise das doutrina utilizadas para pesquisa, a questão não

pacífica e, em decorrência disto, passível de mais de uma interpretação que eleve ou restrinja

a não obrigatoriedade do dever de boa-fé objetiva para os agentes, mas sim a aplicação de

todos os seus institutos nos contratos entre empresários.

Neste sentido, por ser o contrato entre as partes uma ordem de cooperação, a

assimetria é aceitável, porquanto não ser factível a imposição de igualdade formal entre

ambas, porém a boa-fé deve ser observada para que a mitigação de tal princípios não venha a

configurar um abuso de direito como será analisado nas linhas a seguir.

4.2.3.4 A (in) observância da boa-fé objetiva e o abuso de direito

Uma vez caracterizada a boa-fé objetiva e seus desdobramentos, cumpre analisar as

questões que se apresentam interessantes nas situações em que o desrespeito ao aludido

princípio é afastado das práticas realizadas por um indivíduo que cede vez a abusos de direito.

Do modo como foi anteriormente analisada, se constatou que, com a contratação

negocial, e até mesmo durante as tratativas, surge para os envolvidos nesta relação uma série

de deveres colaterais que circundam a relação entre tais existente, ainda que não estejam

previstos expressamente383.

Deste modo, o agente deve observância aos preceitos que comporta o princípio da

boa-fé objetiva quando se tratar de negócio jurídico porque a ordem jurídica lhe impõe tal

situação, ao passo que, extrapolar estas limitações legalmente dispostas configura verdadeiro

abuso de direito, devendo ser responsabilizado o agente pelos danos que causar384.

Assim, quando não observadas as diretrizes acima dispostas, conforme prescreve a

boa-fé objetiva, aí se incluem os atos imorais, desleais, ou deixando de prestar informações

necessárias que venham a causar danos, o agente estará a cometer um abuso de direito, posto

que excedeu os limites impostos pela boa-fé385.

O abuso de direito, entendido da forma acima transcrita, é previsto legalmente no

artigo 187 da Lei 10.406 de 2002, em que está caracterizado como um ato ilícito. A

382 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 128. 383 Idem, p. 78. 384 Idem, p. 85. 385 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 84.

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classificação do abuso de direito como um ato ilícito gera, para quem o exerça, a

responsabilidade sob os danos causados, por força de mandamento legal, a saber, o artigo 186

do mesmo diploma legal mencionado nas linhas acima.

De acordo com o entendimento nesta pesquisa delineado, uma vez configurado o

abuso de direito, ainda que não houvesse expressa previsão legal, a responsabilidade do

agente seria imperiosa atitude a ser depreendida, isto porque, de acordo com o que apregoa a

CRFB/88, ações desta natureza não estão comprometidas com o caráter econômico do

contrato, nem tampouco com a sua função social, amplamente defendida na ordem

constitucional386.

Contudo, o que se percebe é que a especial atenção demandada pelo Estado em

tutelar os bons costumes, a moral e à ética dá-se no sentido de que, em se reconhecendo a

impossibilidade de regular todas as situações que uma complexa sociedade contemporânea

complexa comporta, havendo situação em que o indivíduo não tenha suas diretrizes de

conduta prescritas em lei, este passe a guiar-se de acordo com os princípios da lealdade,

moral, honestidade, entre outros decorrentes da boa-fé, que, por se tratarem de previsões

constitucionais, observarão aos objetivos do Estado de Direito387.

De acordo com o tema estudado, ao se lançar um olhar interdisciplinar sobre o objeto

de pesquisa, se verifica que determinadas condutas de agentes que ignoram o princípio da

boa-fé quando da contratação empresarial são passíveis de uma responsabilização penal. A

muita dificuldade em se encontrar construções teóricas acerca desta abordagem, no entanto,

utilizando-se de uma comunicação teórica entre dois ramos do direito permite uma conclusão

lógica, conforme se deduz a seguir.

4.3 A OCULTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, O DANO E A RESPONSABILIDADE PENAL

DO AGENTE DE MÁ-FÉ

Primeiramente cumpre destacar a dificuldade de se atribuir responsabilidade penal ao

agente que, por meio de abuso de direitos, dolosamente vem a causar danos patrimoniais ao

individuo com quem está a contratar. Para que se chegue a tal entendimento se faz mister um

olhar interdisciplinar que considere como ponto comum entre tais disciplinas o especial

386 BRASIL, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Com acesso em: 10/10/2011. 387 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: Efeitos jurídicos das informações

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 84-85.

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caráter protecionista do Estado, consoante caracterização elaborada nesta mesma pesquisa nas

linhas que antecedem.

Assim, o estudo demandado para se realizar a presente pesquisa resultou numa

importante constatação acerca da assimetria de informações negociais na realização do

contrato de trespasse. Verificou-se que a ocultação de informações primordiais, relativas ao

objeto da negociação, pode vir a configurar um ilícito penal, a saber, o estelionato, tipificado

no artigo 171 do Código Penal Brasileiro388. Neste sentido, se buscou no Direito Penal, a

consagrar a interdisciplinaridade inerente ao Direito, a fundamentação teórica que pudesse

subsidiar tal alegação.

Deste modo, o recorte realizado na matéria para restringir a caracterização do delito

de Estelionato apenas aos contratos de trespasse se justifica porque nestes contratos, em

específico, não há que se alegar a concorrência, a lógica de mercado e o modelo econômico

como fundamentos para dar suporte a uma assimetria de informações entre contratantes389,

posto que nesta modalidade de ajuste uma empresa é adquirida por outra390.

Durante toda a pesquisa se buscou evidenciar os caracteres de boa-fé objetiva, bem

como o princípio da confiança, que se liga ao dever de informação transmitida a outrem

durante a formação do contrato, os fundamentos de tal exigência e os desdobramentos

atinentes a tais temas presentes na doutrina contemporânea. Assim, foi possível notar que a

boa-fé objetiva, bem como o princípio da confiança, impõe que o indivíduo deve agir de

forma leal para com quem ele contrate, imputando-lhe, como se observou na doutrina

analisada391, deveres colaterais, ainda não esteja isto expresso na relação contratual.

Deste modo, caracterizou-se o princípio da boa-fé objetiva como uma norma que

prescreve uma série de condutas positivas, ou seja, ela prevê que o agente pratique tais atos

para que se tenha segurança ao contratar, o que vem a fortalecer a economia, posto que o

388 BRASIL, 1940. Decreto-Lei nº. 2.848 de 7 de Dezembro de 1940: Código Penal. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm> Com acesso em: 10/10/2011. 389 Posição esta defendida por Paula Forgioni que afirma haver necessidade de se preservar a concorrência entre

empresários. (Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010)

390 Trespasse, conforme analasida, é o procedimento de alienação do estabelecimento comercial. POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – O estabelecimento e seus aspectos contratuais. São Paulo: Manole, 2006, p. 115.

391 Vale destacar a especial contribuição de João Ricardo Brandão Aguirre para a fundamentação desta pesquisa (Responsabilidade e informação: efeitos jurídicos da informações, conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 73).

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agente terá a garantia de que estão presentes, nas ações do próximo, os deveres da boa-fé

objetiva, típicos de uma pessoa honesta392.

Por outro lado, se encontrou diferente posição doutrinária com relação ao dever de

boa-fé objetiva. Nesta está presente a ideia de que a atividade empresarial é atividade

eminentemente de risco, devendo o administrador da empresa, no desempenho de suas

atividades, diligenciar para que obtenha as reais informações que necessita para a

formalização do contrato mercantil393.

A posição supramencionada flexibiliza o instituto da boa-fé objetiva porquanto

transfere a responsabilidade de obter informações para o sujeito que está a contratar. O

fundamento para tal entendimento, conforme aduzido se deve ao fato de não haver

hipossuficiência entre as partes. Porém, vale lembrar que o estudo realizado por tal autor

debruçou-se sobre contratos mercantis de um modo geral, sem citar a questão do contrato de

trespasse.

Deste modo, especificamente a raciocinar sobre a incidência das obrigações

decorrentes dos deveres colaterais, impostas pelo princípio da boa-fé objetiva aplicado aos

contratos de trespasse394, se pode perceber que nesta modalidade de contrato empresarial há

que se observar o mencionado princípio e todos os seus desdobramentos, isto porque,

conforme elucidado nas linhas retro, o desenvolvimento de atividade empresarial é complexo

conjunto de relações comerciais, não sendo possível exigir que o indivíduo que estabeleça um

contrato desta natureza tenha prévio conhecimento de tudo quanto poderá vir a ocorrer395.

Assim, considerando que, não é possível, de maneira alguma prever todos os

desdobramentos fáticos possíveis de advir, não se pretende que a pessoa que figure como

alienante em contrato de trespasse esclareça todas as inúmeras possibilidades de futuras

inclinações a que o estabelecimento a ser alienado está sujeito. O que se espera é que o

alienante de um estabelecimento comercial objetivamente observe os deveres de boa-fé,

informando sobre todas as minudências, de seu conhecimento, que circundam o conjunto de

obrigações em que tal estabelecimento está imerso.

392 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010, p. 109. 393 Das obras pesquisadas para se construir o pensamento deduzido nesta pesquisa, Ricardo Lupion foi o autor

que mais dedicou-se a defender tal entendimento (Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: Contornos dogmáticos dos deveres de conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 142).

394 Cabe relembrar a definição de que contrato de trespasse trata-se da alienação do estabelecimento empresarial e seu conjunto de bens e valores, a propiciar que a atividade comercial seja desenvolvida. (POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial – o estabelecimento e seus aspectos contratuais. São Paulo: Manole, 2006, p. 115).

395 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 66.

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A questão central desta temática, e aí reside a possibilidade de imputação do crime

de estelionato ao alienante do estabelecimento comercial, encontra-se pautada naquelas

situações em que a assimetria de informações se dá de forma dolosa, com o intuito de ocultar

determinada condição que, futuramente, pode vir a causar dano ao patrimônio daquele que

compra o estabelecimento empresarial396.

Neste sentido, não há que se falar em mitigação da boa-fé objetiva em razão da

disputa e da concorrência, conforme exposto, que, vale lembrar, é salutar ao comércio e

desejável pelo Estado. Isto porque, ao alienar o estabelecimento, tecnicamente a falar, o

alienante, após a conclusão do negócio, não mais estará a atuar como empresário.

Deste modo, se no momento das tratativas entre as partes, momento este anterior à

celebração do contrato, houve falha do dever objetivo que determina a boa-fé, de esclarecer

tudo quanto interessasse ao comprador, essa conduta foi desejada pelo alienante e,

posteriormente, surgirem fatos novos para o adquirente do estabelecimento comercial, mas

que já existiam à época do contrato de trespasse que vierem a lhe causar danos, entende-se

que poderá estar configurada a tipicidade penal prevista no artigo 171 do Código Penal.

Não se está a discorrer sobre uma teoria que visa incriminar a ausência da verificação

da boa-fé objetiva do alienante do estabelecimento comercial, porém, em se verificando a

relevância que isto tem para com as relações comerciais, há que se estabelecer mecanismos

que impeçam este tipo de fraude para auferir lucro em detrimento de quem desconheça a

realidade do que está a adquirir.

A afirmação transcrita nas linhas acima é fundada na teoria do crime que orienta o

ordenamento jurídico pátrio e na doutrina voltada ao estudo do crime previsto no artigo 171

do Código Penal Brasileiro, conforme se passará a deduzir nas linhas que seguem397.

4.3.1 A teoria do crime no ordenamento jurídico pátrio 396 Colhe-se da doutrina que:”Neste sentido, a boa-fé objetiva consiste, e sua essência, em dever geral de conduta

ética, ressalvando-se, destarte, a correção e a lealdade daquele que praticou o ato jurídico, de modo que a ignorância de vício capaz de invalidá-lo ou até mesmo a intenção de prejudicar terceiro não afastam a necessidade de se perquirir sobre o comportamento adotado antes, durante e depois da celebração do contrato ou da prática de determinado ato. (grifo nosso) (AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: efeitos das informações, conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 70). Importante destacar a expressa disposição no texto em há previsão de prejudicar outrem, requisito necessário para configurar o crime, como será aduzido à frente.

397 BRASIL, 1940. Decreto-Lei nº. 2.848 de 7 de Dezembro de 1940: Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm> Com acesso em: 10/10/2011

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A atuação do sujeito em descordo com o que prescreve as normas penais, e, portanto,

contrária ao bem comum, gera a pretensão punitiva deste agente para o Estado. Porém, para

que seja factível a imputação de uma determinada conduta antijurídica a uma pessoa é

necessário que haja prévia disposição legal determinando a ilicitude do ato398.

O Direito penal pode ser entendido sob duas formas, como um sistema de normas de

caráter penal, a legislação penal; e também como um conjunto de normas que visam propiciar

a inteligência acerca da legislação penal, é chamada de “o saber penal” 399.

Deste modo, o Direito Penal tem por objeto a função de regular a conduta humana

por meio de cominações, exercendo constrangimentos sobre as liberdades individuais,

cerceando a ação do indivíduo que repousa sob seu comando, isto porque uma liberdade

desregrada configura ameaça à segurança jurídica pelo estado perquirida400.

Uma outra abordagem trará a noção de que o Direito Penal surge para a sociedade

como mecanismo de se coibir a prática de ilícitos penais graves, que atingem não apenas

interesses individuais, mas também outros bens jurídicos de valor relevante. Em virtude disto,

o Estado estabelece conjunto de normas e princípios que visam impor que determinado

comportamento seja defeso ao cidadão, garantindo a defesa do bem comum401.

Conforme aduzido, o Direito Penal, a regulamentar a conduta humana, desenvolve

sua função prescrevendo normas às quais são atribuídas severas reprimendas para quem

descumpra tais preceitos. Assim, o direito penal tipifica condutas consideradas lesivas à

sociedade ou a algum bem jurídico que se tenha conferido especial proteção do ordenamento

jurídico, tais fatos típicos são chamados de crime.

Logo, a pessoa que vier a incidir na previsão legal que veda determinada conduta

estará sujeita às sanções que a mesma norma anota em seu preceito secundário402.

No entanto, para que a conduta de determinada pessoa seja considerada antijurídica,

e ainda, suscetível de punição pelas normas penais, é necessário a presença dos requisitos que

caracterizam o crime. A obrigação de se adequar a conduta ao tipo penal, observando os

398 Trata-se, pois, do princípio da Anterioridade. Tal princípio é positivamente previsto no art. 5º, inciso XXXIX

da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 399 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. v. 1:

Parte Geral. 7. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 79. 400 Idem, p. 81. O que o autor transmite ao dispor sobre os constrangimentos guarda relação com o poder de

polícia do Estado, isto porque este estabelece limites, previamente dispostos em lei, sob o fundamento de que tais constrangimentos têm por finalidade alcançar o bem comum. Há necessariamente que estar pautada em lei estes cerceamentos porquanto a expressão legislativa representa a vontade do povo.

401 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. rev. Julio Fabbrini Mirabete. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 23.

402 Preceito secundário é a parte do dispositivo legal que impõe a pena à pessoa que pratique a conduta tipificada no preceito primário, em que está descrito o crime.

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requisitos legais, funciona como verdadeira garantia ao indivíduo, trata-se de segurança

jurídica403.

Os requisitos necessários para que a conduta do agente seja enquadrada como ilícito

penal deve, necessariamente, conter: conduta humana dolosa ou culposa, entendida como

ação ou omissão humana, culposa é a ação em que o agente não tem a intenção de produzir

determinado ato, e dolosa é aquela ação desejada pelo agente, ele age segundo sua própria

razão; o resultado, que caracteriza-se por ser a alteração no mundo exterior, excetuando-se os

crimes de mera conduta ou desobediência404; a relação de causalidade, que vem a ser a

interligação necessária entre a conduta humana e o resultado, o liame, aquilo que une ambos,

e; a tipicidade, que é a adequação dos três primeiros requisitos à norma penal definidora do

ilícito que se pretende coibir405.

Deste modo, restou brevemente esclarecido o Direito Penal, seu objeto e um pequeno

esboço acerca da teoria do crime vigente no ordenamento jurídico pátrio. Este tema é

amplamente debatido na academia; se conta com a presença de inúmeras teses que

disciplinam a matéria, porém, discorrer sobre tais não é objeto desta pesquisa, porquanto se

explica o recorte realizado, a fim de não estender demais delongas, ainda que a matéria seja

de extrema relevância para o Direito e sociedade como um todo.

4.3.2 O crime de Estelionato e sua tutela

A previsão do crime de Estelionato encontra-se positivada no artigo 171 do Decreto-

Lei nº. 2.848 de 7 de Dezembro de 1940, o Código Penal Brasileiro, em que há disposto que é

crime de estelionato “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,

induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio

fraudulento”406, que tem pena que varia de um a cinco anos de reclusão. No mesmo artigo,

ainda se percebe a tipificação de outras condutas, mas que aqui se demonstram

desnecessárias, posto que a relação que se pretende estabelecer com o tema central da

pesquisa está presente no caput do aludido artigo, ora transcrito em sua integralidade.

403 JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. 28. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 154. 404 Crimes de mera conduta ou de simples desobediência: “São assim chamados os delitos de perigo abstrato ou

presumido. A simples desobediência ao comando geral, advinda da prática do fato, enseja a presunção do perigo de dano ao bem jurídico”. (Idem, p. 219).

405 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. rev. Julio Fabbrini Mirabete. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 101-117.

406 BRASIL, 1940. Decreto-Lei nº. 2.848 de 7 de Dezembro de 1940: Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm> Com acesso em: 10/10/2011

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Este crime se encontra disposto no capítulo VI do referido diploma legal, em que se

tem como título “DO ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES” (BRASIL, 1940). Como se

percebe, a tipificação penal em apreço é qualificada como uma fraude, assim merece ser

aprofundada esta parte do estudo para se alcançar o objetivo que é relacionar tal disposição

com o dever objetivo de boa-fé.

Conforme se analisou, a norma jurídica penal busca proteger um bem jurídico

tutelado pelo Estado. Assim, a doutrina de Alberto Silva Franco e Rui Stoco407 vem contribuir

com a presente pesquisa porquanto explica que, em relação ao bem jurídico que o artigo 171

do Código Penal visa proteger, é o patrimônio, que, inclusive, é garantia constitucional

assegurada ao indivíduo. Prosseguem os autores a afirmar que este delito difere-se dos demais

praticados com o patrimônio da pessoa, isto porque, no crime de estelionato, verifica-se a

presença da “sagacidade do sujeito ativo” que seduz a vítima.

De igual maneira, se pode afirmar que o agente que pratica o crime de estelionato

consegue um benefício ou um lucro ilícito, uma vantagem, conforme disposição da norma,

sob a condição de manter a vítima em engano. Logo, a vítima colabora com a empreitada

criminosa do agente porque não tem consciência que está tendo seu patrimônio dilapidado408.

Neste sentido, se percebe ainda o entendimento de que não apenas induzir a vítima

ao erro representa o crime de estelionato, mas também permitir que a vítima continue em

situação de erro na qual acabou por ingressar livremente. Depreende-se, pois, que o agente

tinha conhecimento e o poder de prestar informações à vítima que lhe conferisse inteligência

dos fatos para não mais ter o seu bem jurídico afetado409.

Para bem se constatar a possibilidade aqui levantada, há que se reconhecer que a

análise desse crime vem se adequando às recentes alterações no contexto social verificado.

Assim, as múltiplas faces das relações econômicas oriundas da industrialização dos meios de

produção propiciaram o surgimento de novas modalidades deste crime.

Deste modo, em decorrência da evolução transcrita acima, “surgiram novos ilícitos

patrimoniais, entre os quais os fundados na sagacidade dos que se prevalecem de um prévio

conhecimento do engano e a consequente lesão de interesses de terceiros” 410.

407 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. O Código Penal e sua Interpretação: doutrina e jurisprudência. 8.

ed. ver. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 877. 408 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral e especial. 3. ed. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2007, p. 737. 409 Idem, p. 736. 410 FRANCO Alberto Silva; STOCO Rui apud SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Estelionato praticado por

advogado no exercício da função. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, jan.-fev./2005, n.52, p. 348.

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A colaborar com a tese aqui construída, se encontra o posicionamento doutrinário

firmado no sentido de que o sujeito ativo da prática deste crime pode ser qualquer pessoa

“inclusive o comerciante, praticando atos de comércio que reúnam as características da fraude

penal” 411.

Para caracterização do sujeito como vítima de um ilícito desta natureza é necessário

que tal pessoa esteja envolvida em relação contratual, negócio ou ainda qualquer outra forma

de ajuste possível em que esteja presente a necessidade de dispor do patrimônio próprio para

efetivar a relação obrigacional assumida412.

É interessante destacar ainda que já se tem a previsão legislativa de crimes

praticados por comerciantes, que não o de estelionato, trata-se de crime falimentar, previsto

na Lei 11.101 de 9 de Fevereiro de 2005.

Para o estudo da presente pesquisa, a fim de ter claro o foco de estudo, mais uma vez

realiza-se um recorte na matéria sobre a qual se debruça, porquanto não servir, aqui, os crimes

falimentares, como elemento a caracterizar o estelionato na realização do contrato de

trespasse.

Assim, deve-se ainda fazer importante registro acerca do elemento subjetivo que

permeia esta modalidade criminosa. Por ser um delito praticado contra o patrimônio, para que

ocorra o crime é necessário que esteja presente a vontade de obter lucro, em prejuízo de

outrem, ou seja, o dolo de praticar a conduta413.

Pois bem, identificado o crime de estelionato e aclarada a posição doutrinária no

tocante às suas interpretações que amoldam a tipificação legal à complexa realidade fática,

cumpre a partir de agora, analisar na doutrina civilista relativa à boa-fé objetiva, mais

especificamente, as nuanças que, em apreço conjunto com o que prescreve doutrina penal,

permite o entendimento da incursão em ilícito penal para o agente, no contrato de trespasse,

oculta informações para bem poder realizar o aludido contrato sem ocupar-se com prejuízos

econômicos que o adquirente venha a experimentar.

4.3.3 A possível classificação criminal da (in)observância da boa-fé objetiva

411 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. O Código Penal e sua Interpretação: doutrina e jurisprudência. 8.

ed. ver. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 876. 412 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral e especial. 3. ed. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2007, p. 737. 413 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral e especial. 3. ed. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2007, p. 738-739.

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No que diz respeito à boa-fé objetiva aplicada aos contratos empresariais, não há o

que se discutir acerca de sua vigência, posto que assumiu caráter de mandamento

constitucional com o advento da CRFB/88, o que já foi deduzido nas linhas que antecedem.

Não obstante o fato de ser exigível uma conduta positiva do agente enquanto sujeito

aos mandamentos informados pelo princípio da boa-fé objetiva, se observa que há

possibilidade de que esta pessoa venha a ignorar a boa-fé, a honestidade e a lealdade para com

a sua contraparte e cause-lhe danos materiais, investindo, deste modo, em desfavor do Estado,

da sociedade e dos direito do indivíduo com quem mantém relação mercantil414.

Assim, a tese que defende a posição de que as relações contratuais entre

comerciantes não deve ser regulamentadas pelo Estado funda suas alegações sobre o princípio

da autonomia, ou seja, da liberalidade, sendo que as informações e apontamentos que

decorrem da relação contratual entre ambas as partes não deve ser regrada via legislação.

Porém, a persecução de uma ordem econômica equilibrada é também objetivo constante na

CRFB/88, por isto, a liberalidade para contratar é mitigada e verifica-se a possibilidade de

responsabilizar quem prestou informações falsas, ou aconselhou erroneamente outrem

causando-lhe prejuízo415.

Neste sentido, a intervenção do Estado na economia e, a relacionar com o estudo,

regulando os contratos entre particulares justifica-se uma vez que a liberalidade absoluta

resulta, invariavelmente, na maximização das desigualdades sociais e apropriação das

riquezas por uma pequena parcela da população416.

Como se observa, a liberdade de contratar é garantia presente na CRFB/88, porém,

devido à posição intervencionista que o Estado adota, esta liberdade deixa de ser absoluta,

com o intuito de que o contrato sirva positivamente às partes e à coletividade

simultâneamente417.

O que se percebe é que, concorrentemente à vigência da liberdade para contratar e ao

incentivo do Estado para se verifique a atividade comercial, surge a necessidade de se

observar os limites legais determinados pelo, como não poderia deixar de ser, sistema

414 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: efeitos das informações, conselhos e

recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 120. 415 Idem, 2011, p. 50. 416 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: efeitos das informações, conselhos e

recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 47. 417 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010, p. 83

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jurídico. Logo, se tem que a liberdade de contratar encontra limite na legalidade que deve

revestir todos os atos da empresa418.

Assim, o limite descrito nas linhas acima, no que se liga ao tema em estudo, deve ser

identificado como o dever de lealdade imposto pela boa-fé objetiva, uma vez que tal princípio

define como defeso às partes aqueles comportamentos em que os agentes falseiam a realidade,

como forma de ludibriar a contraparte e obter sucesso na negociação, entendido como

lucro419.

Pode-se ainda observar que há na doutrina, o que não representa um conflito e sim

um ponto de vista com outro foco, a explicação de que o limite que, quando ultrapassado,

determina a verificação de abuso de direito é, essencialmente, a desproporcionalidade entre o

benefício auferido por uma parte e o prejuízo experimentado por outrem420.

Deste modo, a inteligência das proposições acima delineadas por si só traduz o

entendimento de que há responsabilidade do agente, ainda que civil, sobre as informações

prestadas em sede de relação contratual. Portanto, se presente a responsabilidade recaída

sobre a conduta do agente, se denota que sua ação foi tida como ilícita, ainda que seja um

ilícito civil.

E ainda, tal responsabilidade decorre da transposição dos limites que a legalidade,

aliada à boa-fé, impõe ao agente que venha a estabelecer relação contratual com outrem.

Direcionando o foco para a doutrina voltada ao direito penal que comenta o crime de

estelionato, se observa que, ao discorrer sobre o texto legal que descreve este delito, a

previsão qualquer outro meio fraudulento, por ser norma aberta a interpretações, permite que

novas condutas que comportam os elementos do crime sejam tipificadas, como aqueles crimes

decorrentes da recente industrialização dos meios de produção e a complexidade econômica

da sociedade contemporânea421.

Em verdade, uma conduta é considerada típica quando presentes os requisitos legais

de existência do crime. Logo, no caso do crime em apreço, há que se verificar o dolo, a

fraude, o locupletamento injusto, o dano sofrido por outrem e ainda a necessidade de que tal

conduta tenha se dado por meio ardiloso, conforme descrito acima.

418 FORGIONI, Paula. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010, p. 82. 419 LUPION, Ricardo. Boa-Fé Objetiva nos Contratos Empresariais: Contornos dogmáticos dos deveres de

conduta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 53. 420 AGUIRRE, João Ricardo Brandão. Responsabilidade e Informação: efeitos jurídicos das informações,

conselhos e recomendações entre particulares. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 85 421 FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. O Código Penal e sua Interpretação: doutrina e jurisprudência. 8.

ed. ver. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 875-876.

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Neste sentido, a assimetria de informações nos contratos de trespasse, quando

desejada pelo agente que busca auferir maiores rendimentos, implica em infração dos deveres

de boa-fé objetiva, configurando ilícito civil. Porém, para que se justifique a tese aqui

defendida, de que pode vir a decorrer também uma responsabilidade penal na situação

descrita acima, há necessidade de se verificar a presença de ilícito penal.

Como se observa, o que define ou não a criminalidade da conduta é a classificação

desta em ilícito civil ou ilícito penal. Assim, deve-se considerar a seguinte colocação:

tradicionalmente, a doutrina costuma trabalhar com a dicotomia fraude civil – fraude penal. Entretanto, como se analisou acima, em termos técnicos, é mais correto falar em dolo civil/estelionato. [...] há uma identidade perfeita, de modo e de finalidade, entre a fraude que integra o estelionato e o dolo que vicia o contratos de caráter econômico. Uma e outro estão enfeixados num mesmo conceito: malicioso engano, referido a uma locupletação injusta. (FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. O Código Penal e sua Interpretação: doutrina e jurisprudência. 8. ed. ver. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 877).

A doutrina supramencionada volta-se exatamente ao ponto em discussão nesta seção,

e reconhece a possibilidade de consequências penais do ilícito civil, um pouco mais à frente,

assim, com o intuito de preservar a ideia original do autor, optou-se por transcrever in verbis

sua lição, para preservar sua identidade intelectual, a saber:

o critério que nos parece menos precário é o que pode ser assim fixado: há quase sempre fraude penal quando, relativamente idôneo o meio iludente, se descobre, na investigação retrospectiva ao fato, a ideia preconcebida, o propósito ab initio da frustração do equivalente econômico. Tirante a hipótese do ardil grosseiro, a que se tenha rendido por indescupável inadvertência ou omissão de sua habitual prudência [...]. (FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. O Código Penal e sua Interpretação: doutrina e jurisprudência. 8. ed. ver. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 877).

Deste forma, não há que negar uma ligação que pode ser verificada entre a assimetria

de informações no contrato de trespasse, preordenada, com vistas a ocultar situação que,

inalcançável ao intelecto do adquirente, mas sabida pelo alienante, que, se fosse do

conhecimento daquele, poderia restringir a conquista de determinado valor pecuniário por

este.

No entanto a situação acima descrita deve, necessariamente, vir agregada de

prejuízo, dano material, sofrido pelo adquirente. Deste modo, restarão presentes todos os

requisitos imprescindíveis para a caracterização do ilícito penal previsto no artigo 171 do

Código Penal Brasileiro.

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Vale ressaltar ainda que, do modo como foi exposto no terceiro capítulo, a infração

aos deveres de informação previu a criminalização da conduta do agente desinteressado em

promover a simetria garantida à parte vulnerável, portanto, tal entendimento é análogo ao

desenvolvido nesta oportunidade.

Por fim, tendo pleno conhecimento das minudências doutrinárias que circundam o

tema, cumpre reconhecer a especial proteção conferida pelo Estado às relações comerciais

desta natureza e, ainda, a delicada situação que ocorre nos contratos de trespasse que merece

um tratamento jurídico especial, sob pena de não estar garantida a segurança jurídica de que

depende a economia para prosperar.

4.4 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS CONTRATOS EMPRESARIAIS

Sem embargos, o CDC se presta a regular, precipuamente, atividades consumeristas,

sua importância e seus postulados foram identificados nas linhas acima, e transmitem a noção

de uma legislação voltada à proteção da parte hipossuficiente nas relações de consumo que,

via de regra, é o consumidor.

A ideia de hipossuficiência do consumidor, como bem explica Efing422, decorre de

que “a vulnerabilidade se configura pelo simples fato de o cidadão se encontrar na situação de

consumidor, independentemente de grau cultural, econômico, político, jurídico, etc.”. Isto

porque está a mercê do fornecedor, que é quem detém o controle da atividade comercial.

Neste sentido, a tutela dos direitos do consumidor é acostada, principalmente, na

CRFB/88, a qual possui caráter social, garantista, de proteção ao indivíduo, conforme

identificado anteriormente.

Assim, por conter, em sua grande maioria de dispositivos, normas de proteção à

sociedade e ao hipossuficiente, a CRFB/88, eminentemente uma constituição de um Estado

Social, se contrapõe ao liberalismo que, desde sua implementação, nos idos do século XVII,

está ligado à atividade comercial. Naturalmente, a proteção dos empresários acaba por ser

menor, sendo encontrado, apenas, mandamento constitucional amplo para a observância dos

princípios de boa-fé.

A presunção de plena aptidão para o exercício da empresa impede que seja aplicado

qualquer modalidade de protecionismo aos empresários. Tal presunção é presente porque “os

422 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo. 2. ed. ver. atual. Curitiba:

Juruá, 2004, p. 105.

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Commerciantes são, ou sempre se presumem, hábeis, atilados, e perspicazes em seus negócios

[...] não devem ser menos prudentes e circumsprectos em seus tratos423”.

Em decorrência da situação acima transcrita, por muito tempo, não existiu a

possibilidade de se reconhecer disparidades de posições entre empresários, o que vem sendo

desconstruindo, aos poucos, por parte da doutrina que já reconhece a possibilidade de um

empresário ser parte frágil em uma contratação.

Deste modo, é aceitável a colocação de uma possível vulnerabilidade de um

empresário sob três aspectos, a saber, a técnica, jurídica, e socioeconômica. Tal classificação

se dá em relação à natureza da deficiência de aptidão que um empresário tem em relação ao

outro, o que justifica a sua proteção, a fim de que seja garantido o cumprimento da função

social do contrato a resguardar o equilíbrio da relação que se estabelece424.

Desponta como imprescindível colocação a ser pontuada o fato de que tal

protecionismo não seja aceito como regra para contratações entre empresários, no sentido de

que tal proteção não sirva como manto garantidor ao empresário displicente para com suas

relações profissionais. Assim, a hipossuficiencia, caracterização revelada pela vulnerabilidade

em relação à contraparte, se mostra como detalhada situação que merece especial zelo

porquanto deve ser identificada caso a caso, em apreço à realidade dos fatos425.

Após a constatação de que o direito do consumidor se presta a preservar a equidade,

ou seja, o equilíbrio nas relações de consumo, conforme analisado, por meio de ações

protetivas, em razão da hipossuficiencia do consumidor, parece simples alcançar o

entendimento de que, uma vez constatada a vulnerabilidade do empresário em relação a outro

empresário, se faz jus a um tratamento especial, digno de ações protetivas, que preserve a

equidade da relação que se estabeleça entre ambos426.

É presente, ainda, a defesa de que sejam aplicadas, nos casos em que reste constatada

a vulnerabilidade de um empresário, em qualquer dos contratos mercantis, os postulados

defendidos pelo CDC, no sentido de se atender não à relação de consumo em si, mas a

finalidade que moveu o constituinte e, posteriormente, o legislador infraconstitucional, a criar

tais mecanismos de proteção427.

423 SILVA LISBOA, José da (o Visconde de Cairu). Princípios de Direito Mercantil e leis de Marinha. 6. ed.

Rio de Janeiro: Acadêmica, 1874, p. 504. 424 MIGUEL, Paula Castello. Contratos Entre Empresas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.

131-132. 425 Idem, p. 136. 426 MIGUEL, Paula Castello. Contratos Entre Empresas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.

161 427 MIGUEL, Paula Castello. Contratos Entre Empresas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.

146-161.

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Logo, não se compreende como correta a posição que defende a presunção de que os

empresários são plenamente aptos, ao passo que, reconhecer a sua hipossuficiência e aplicar

regras destinadas às relações de consumo acarreta em desestabilização das relações entre

empresários e concorre para o enfraquecimento do comércio, porque “caso haja flexibilização

das cláusulas firmadas em um contrato empresarial, a economia e a sociedade terão uma

perda, sendo que o mercado também sofrerá consequências negativas” 428.

O entendimento mencionado acima prima pelo cumprimento literal do contrato,

legalmente firmado entre as partes, como modo de preservar a incolumidade das relações

entre empresários e fortalecer a segurança jurídica de que depende o comércio para se

desenvolver. No entanto, esta mesma ideia aceita a flexibilização das disposições contratuais

nas situações em que seja gritante a vulnerabilidade de um empresário em relação ao autro429.

Em verdade, no que tange aos contratos de trespasse, pelo entendimento aqui

delineado, a vulnerabilidade da parte contratante, a saber, o adquirente, se faz presente em

função da complexidade de relações que envolvem o estabelecimento comercial e impedem

que se tenha total conhecimento sobre os aspectos que se revelam interessantes à declaração

de vontade à época de formalização do ajuste. Assim, cumpre destacar que:

a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos interempresariais entre desiguais é possível, pois no citado diploma legal estão presentes regras de proteção ao contratante vulnerável, e é a vulnerabilidade que caracteriza a contratação inrempresarial entre desiguais. Haverá apenas a dilatação na aplicação de regras que protegiam um tipo de vulnerável, o consumidor, para proteger, também, o empresário vulnerável. (MIGUEL, Paula Castello. Contratos Entre Empresas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 162)

Com isso, o reconhecimento de que há posição de vulnerabilidade técnica, a saber,

deficiência de informações, do adquirente no contrato de trespasse, justifica a cuidadosa

aplicação de mecanismos que informem a obrigatoriedade do cumprimento dos preceitos

impostos pelo princípio da boa-fé objetiva nestas relações contratuais, como ocorre no

CDC430.

Neste sentido, a leitura que se faz dos dispositivos que têm ligação com uma certa

interpretação extensiva do código de defesa do consumidor é eminentemente constitucional,

428 TEDESCHI, Sérgio Henrique. Contrato de Trespasse de Estabelecimento Empresarial e sua Efetividade

Social. Curitiba: Juruá, 2010, p. 94. 429 Idem, p. 95. 430 MIGUEL, Paula Castello. Contratos Entre Empresas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.

162.

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ao passo que prima pelo cumprimento de postulados como o princípio da boa-fé, a função

social do contrato e a isonomia431.

Assim, não se defende a aplicação integral do CDC aos contratos de trespasse, posto

que, sem dúvidas, não há uma relação de consumo em si. No entanto, a experiência positiva

dos mecanismos trazidos por esta legislação ao ordenamento jurídico pátrio se revela, nas

condições de desigualdades que desejou evitar o legislador constituinte, de modo a preservar a

equidade e o equilíbrio dos negócios jurídicos, de extrema relevância, posto que se está a

cumprir com os objetivos do Estado e contribuindo para um melhor desenvolvimento das

relações entre empresários.

Neste sentido, pontualmente ligando os traços que circundam o estudo desenvolvido

nesta pesquisa, se pode chegar ao consenso de que o dever de informar, decorrente da boa-fé

objetiva, nos contratos de trespasse, é de fundamental importância e, inclusive, passível de ser

analisado em consonância com o disposto no CDC, como a responsabilidade objetiva, que

prima pela idoneidade das relações a garantir a segurança jurídica defendida pelo Estado432.

Cabível, em casos específicos, como os descritos anteriormente, a responsabilização penal do

agente.

CONCLUSÃO

Em estudo realizado nesta pesquisa, para bem se ter o conhecimento dos contornos

científicos que guardam o tema, verificou-se a necessidade de se explorar o Estado de Direito

e suas distinções enquanto contexto atual das relações interpessoais em que se encontram

imersos os contratos mercantis.

431 Idem, p. 138. 432 Idem, p. 162.

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Assim, se pode constatar que o Estado, ente político organizado, formação histórica

de organização do poder que reúne um povo sob determinado território, é resultado de lentas e

constantes evoluções ocorridas durante os séculos que precedem a sociedade civil atual.

Então verificou-se que esta evolução é marcada pela superação de um modelo de

Estado por outro no transcorrer de sua transformação. O Estado pode, ainda, ter sua

disposição de normas fixadas de tal maneira a tornar possível a identificação do modelo de

Estado pelos propósitos a que serve esta organização do poder.

Neste sentido, foi possível conceber que o modelo de Estado encontrado na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é basicamente um Estado de Direito.

Cumpre destacar que este modelo de Estado teve especial influência do liberalismo francês

ocorrido séculos atrás, em que havia o entendimento pela não intervenção do Estado na

economia, justamente por se tratar de um combate ao absolutismo que assolava aquele país.

Desta maneira, brevemente, fica entendido o surgimento do Estado e conclui-se que

este é produto de evolução. Trata-se, pois, de um aprimoramento das relações de poder que

circundam a sociedade, devendo, por este motivo, serem observados os seus preceitos.

No que tange às suas características, restou incontroversamente verificado que o

Estado de Direito constante da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é

eminentemente um estado típico do modelo welfare state, ou seja, um estado garantista. A

persecução do bem comum por todos os segmentos sociais é objetivo a ser cumprido

porquanto ser dever de todos fiscalizar sobre o cumprimento das prerrogativas constitucionais

do Estado.

Esta especial característica do Estado em ser um ente provedor de justiça pública e

ser, eminentemente, garantista, justifica as inserções deste enquanto administrador nas

relações econômicas entre particulares, posto que, como se constatou, a economia livremente

gerida por seus próprios agentes econômicos não seria capaz de se auto-sustentar com o

respeito e a dignidade que toda pessoa humana merece.

Deste modo, compreende-se a regulação das atividades comerciais mercantis. Logo,

cria-se uma estrutura de normas para que tais regulamentações não permitam que as

atividades mercantis venham de encontro ao que preceitua o Estado.

Foi possível concluir ainda que o princípio da boa-fé objetiva funciona como um

mecanismo utilizado pelo Estado que estabelece limites às relações sociais com vistas a criar

condições que propiciem segurança jurídica aos agentes comerciais que em seu seio

estabeleçam relações obrigacionais.

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Este entendimento, de que tal instituto estabelece limites às atividades dos

comerciantes, resultou da pesquisa acerca dos deveres que a boa-fé impõe, sendo que a

observância dos seus preceitos é de tal maneira devida que a sua não ocorrência implica em

responsabilização de quem a ignore.

Em verdade, conclui-se que este é um princípio que rege toda a economia no que

tange aos contratos estabelecidos entre comerciantes, ao passo que propicia um ambiente de

confiança para diminuir os riscos atinentes à atividade empresarial que, diga-se, é de extrema

importância para a economia e o Estado.

Assim, ainda que tenha surgido precipuamente no ordenamento jurídico pátrio de

1850, verificou-se que, em sua pioneira aparição, tal norma na obteve o êxito desejado, ou não

alcançou eficácia. Isto teve especial motivação devido à tendência à liberalidade que, oriunda

do Estado francês, como se disse, de combate ao absolutismo, imperava entre no comércio

daquela época, tendo a declaração de vontade como fonte de todas as obrigações, sobrepondo-

se, inclusive à lei em alguns casos.

Ainda que tenha surgido timidamente no ano de 1850 e não tenha alcançado a

eficácia que uma norma deste porte merecia, como se sabe, por razões políticas da época, o

instituto da boa-fé passou por um estágio em que era tida como boa-fé subjetiva o estado de

consciência do indivíduo no momento da negociação do contrato que pretendia estabelecer.

Logo se remata que a boa-fé subjetiva está intimamente ligada à vontade declarada

pelo agente, porém, esta construção teórica, funda seus apontamentos na própria intenção do

agente que é exteriorizada por aquela, mas é estritamente subjetiva, ligada à consciência.

Em uma próxima análise se identificou a proteção conferia pelo Estado à confiança

negocial. Deste estudo se concluiu que a proteção à confiança dá-se no sentido de que merece

serem resguardadas as expectativas que foram criadas no indivíduo após a prestação de

informações, conselhos ou avisos de um agente para com outro.

A proteção acima descrita, conforme analisado, justifica-se, pois, durante os ajustes

pré-negociais resta estabelecida uma relação entre os indivíduos que se inclinam à regular de

que maneira se dará o negócio entre tais. Deste modo, mais uma vez surge a figura do Estado

garantista que protege a segurança jurídica no seu âmbito, como forma resguardar direitos

legítimos.

Neste sentido, outra importante constatação foi aquela que repousa sobre o princípio

da boa-fé objetiva na contemporaneidade. Se no passado tal princípio não alcançou a devida

eficácia, hodiernamente, após o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, com a sua especial proteção à dignidade da pessoa humana, e a consequente positivação

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do princípio da boa-fé objetiva, operou-se verdadeira inovação do entendimento acerca deste

tema.

Durante a pesquisa foi possível perceber que tal princípio visa proteger as relações

existentes entre particulares, no âmbito de suas inclusões contratuais, mais especificamente

nas relações nogociais mercantis que estes venham a estabelecer uns para com os outros.

Assim, verificou-se que o princípio da boa-fé objetiva impõe para o agente o dever

de se orientar, não somente pelos ajustes firmados no contrato que consolidou para com a sua

contraparte, mas também de acordo com a conduta esperada de um homem probo, correto e

leal ao pacto firmado.

Em verdade, o princípio em apreço se presta, de igual maneira, a nortear as decisões

que devem ser tomadas frente a uma situação não presumida, ao passo que a impossibilidade

de previsão sobre tudo quanto interesse ao negócio exija, do indivíduo, uma ação correta, leal,

honesta para não desequilibrar a relação existente entre tais.

Deste modo, a observância aos deveres de lealdade recíproca implica a obrigação de

atender a deveres colaterais, entendido como incursões em que o agente busca atender o

objeto de contratação que tem para com o outro, mas também proteger seus interesses. Tais

deveres colaterais originam-se com o início das tratativas, em que já está resguardado o

princípio da confiança, e se estende até após a realização do contrato e extinção das

obrigações, posto que se deve ser leal ao indivíduo com quem se manteve relação contratual.

O dever decorrente do princípio da boa-fé objetiva está ligado, ainda, à ideia de

responsabilidade que tem o negociante, cabendo-lhe, portanto, diligenciar para que tudo

quanto interesse à contraparte, no que se refere à contratação seja informado, com vistas a

estabelecer uma simetria de informações, de modo que a contratação entre as partes, ou seja, a

declaração de vontade entre eles não seja viciada por uma falta de informação que venha a

macular o negócio realizado.

Neste sentido, conclui-se que o agente que não observar os deveres impostos pela

boa-fé, no desenvolvimento de suas atividades negociais, estará a cometer um abuso de

direito, em verdade, cometendo ato que torna possível a sua responsabilização ante os

prejuízos suportados por outrem.

Identificou-se, por outro lado, a existência de corrente doutrinária que defende a

mitigação do princípio da boa-fé objetiva no que tange aos contratos realizado entre

empresários, posto que, devido à concorrência inerente à atividade empresarial, seria

responsabilidade do empresário em questão levantar informações acerca dos negócios que se

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pretende realizar. E, ainda, que o risco existente na atividade empresarial não pode ser

anulado por este princípio.

Logo, se abstraiu que, para os que defendem tal posição, o princípio em apreço não

pode servir de protecionismo exacerbado, como ocorre no direito consumerista, isto porque

não há, tecnicamente a falar, uma relação de hipossuficiência entre tais. Afirmam que, se isto

ocorresse, se estaria a privilegiar o empresário desleixado, que não avalia suas atitudes, e, ao

mesmo tempo, a punir os legítimos ganhos que o empresário astucioso alcançaria com sua

inteligentes negociações.

Considerando a posição de parte da doutrina que defende uma certa assimetria de

informações, nos termos propostos acima, conclui-se que tal entendimento não se adéqua aos

contratos de trespasse. Isto porque nos contratos de trespasse, conforme analisado, não está

presente a relação de concorrência, ou de atividade que deva se desenvolver para próxima

continuidade.

Assim, conclui-se que, nos contratos de trespasse, a assimetria de informações é

vedada pelo princípio da boa-fé objetiva, posto que se está a extinguir um estabelecimento

comercial, sendo que a complexidade de relações que circundam tal estabelecimento impede

que o adquirente, exaustivamente, conheça todas as minudências que se ligam ao objeto de

contratação. Sendo vedado ao alienante, por lei, a instituição de novo estabelecimento a

competir no mercado com o alienado.

Por este motivo, o próprio alienante de um estabelecimento comercial deve informar

tudo quanto for necessário e, ainda, observar os deveres colaterais de preservação dos

interesses da contraparte no momento da contratação, sob pena de infringir o disposto no

aludido princípio.

Em verdade, a teoria da imprevisão, que serve aos contratos mercantis para que se

justifique a validade do princípio da boa-fé objetiva, deve, de igual maneira, ser entendida nos

contratos de trespasse, impondo, tanto ao alienante, quanto ao adquirente o dever de

pautarem-se como sujeitos honestos, leais ao propósito de justo contrato entre tais firmado.

Verificou-se ainda a possibilidade de incursão em ilícito penal de Estelionato para o

alienante de estabelecimento comercial que, tendo pleno conhecimento de informações

relevantes, que se ligam ao objeto de contratação, ardilosamente, as oculta para bem poder

perfectibilizar o contrato e auferir bons resultado sem, no entanto, se preocupar com os

prejuízos que o adquirente poderá vir a sofrer.

A incriminação do alienante, no delito de Estelionato, não demanda grande extensão

de definições e entendimentos extensivos, poste que há apenas a adequação da conduta ao tipo

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penal, conforme discorrido, sendo necessários apenas a conduta, o dano, o nexo causalidade e

o tipo penal. De modo que verificou-se a criminalização de conduta análoga no código de

defesa do consumidor, nas situações geradas pela ardilosa ocultação de informações.

Todavia, não se pretende, aqui, transformar o alienante de um estabelecimento

comercial em criminoso, embora haja possibilidade para isto, conforme se destacou acima. O

que se pretende é alertar para a necessidade de se exigir que o princípio da boa-fé objetiva

tenha eficácia plena, devido ao fato de ser um mandamento constitucional, criando

mecanismos para que a mitigação deste princípio, conforme defendido por parte da doutrina,

não justifique a assimetria de informações nos contratos de trespasse, sob pena de se atentar

para com a ordem constitucional e a segurança jurídica amplamente defendida pelo Estado de

Direito.

Conclui-se, portanto, que, uma vez identificadas as situações que fundamentam a

existência de legislação específica a proteger o consumidor, quais sejam, a hipossuficiência, a

vulnerabilidade, a dependência, nas relações contratuais entre empresários, se que justifica,

nestes casos específicos, o amparo do empresário de acordo com o que primam as medidas de

proteção ao consumidor, não no sentifo de se aplicar a norma consumerista aos contratos de

trespasse, mas sim os mecanismos que tiveram experiência positiva de sua utilização, por se

tratar de matéria constitucional a buscar igualdade, justiça, e o equilíbrio nas relações

comerciais.

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Deposite-se na Secretaria do Mestrado.

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Professor (a) Orientador (a) Curitiba, ____/_____/________

Recebido em: _______/________/________

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Secretaria