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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA - UNICURITIBA
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA
PEDRO AUGUSTO CRUZ PORTO
A CONTRIBUIÇÃO DO COOPERATIVISMO POPULAR PARA CONSTRUÇÃO DE
NOVAS PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O
DESENVOLVIMENTO SOCIAL
CURITIBA
2016
PEDRO AUGUSTO CRUZ PORTO
A CONTRIBUIÇÃO DO COOPERATIVISMO POPULAR PARA CONSTRUÇÃO DE
NOVAS PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O
DESENVOLVIMENTO SOCIAL
Dissertação apresentada como exigência para obtenção do título de Mestre em Direito, no Programa de Mestrado do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA.
Orientadora: Professora Dra. Sandra Mara Maciel-Lima
Co-orientador: Professor Doutor Paulo Ricardo Opuszka
CURITIBA
2016
PEDRO AUGUSTO CRUZ PORTO
A CONTRIBUIÇÃO DO COOPERATIVISMO POPULAR PARA CONSTRUÇÃO DE
NOVAS PERSPECTIVAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O
DESENVOLVIMENTO SOCIAL
Dissertação apresentada como exigência para obtenção do título de Mestre em
Direito, no Programa de Mestrado do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA,
pela Banca Examinadora formada pelos professores:
________________________________________ Professora Doutora Sandra Mara Maciel-Lima
Orientadora
_________________________________________ Professor Doutor Paulo Ricardo Opuszka
Membro Interno
_________________________________________ Professor Doutor José Antonio Peres Gediel
Membro Externo
Curitiba, junho de 2016.
Dedico este trabalho aos meus amados
pais, Antonio Augusto Ferreira Porto e
Maria Cristina Cruz Porto.
AGRADECIMENTOS
Um projeto de qualificação pessoal como a conclusão de um Programa de
Mestrado, exige daquele que se lança a esse desafio o auxílio das pessoas que o
cercam. Não comungo com a opinião de que o processo de feitura e escrita de uma
dissertação de mestrado se trata de um trabalho solitário, pelo contrário, o apoio das
pessoas que te cercam se revela fundamental, e, certamente, sem essas pessoas, a
realização deste feito se tornaria impossível. E é por isso que devemos agradecer a
todas elas.
Início agradecendo a todo o corpo docente do Programa de Mestrado em
Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA,
mas principalmente, agradeço aqueles mestres com os quais tive o prazer de
desfrutar do compartilhamento de seus ensinamentos: São eles: Professor Dr.
Daniel Ferreira; Professor Doutor José Edmilson; Professor Doutor Mateus
Bertoncini; Professor Doutor Fernando Knoerr; Professor Doutor Marcos Alves;
Professor Doutor Miguel Kfouri e ao Professor Doutor Francisco Cardozo de Oliveira.
Agradeço em especial à Coordenadora e Professora Doutora Viviane Coelho
de Séllos-Knoerr, que ao longo do programa de Mestrado se mostrou não somente
uma coordenadora e professora, mas uma pessoa capaz de auxiliar a todos aqueles
que integram o corpo discente do programa, sempre pró ativa, recebendo a todos
com respeito e carinho em seu escritório. Registro aqui a admiração que carregarei
pela senhora ao longo de minha vida acadêmica.
Também merece destaque o auxílio dado pela Professora Doutora Sandra
Mara Maciel de Lima, que com muita paciência aceitou de última hora o encargo de
orientadora deste trabalho, com valorosas contribuições no âmbito da metodologia
da pesquisa. Igualmente agradeço ao Professor Doutor José Antonio Peres Gediel
pela contribuições e importante participação na banca de defesa.
Maior destaque reservo ao meu amigo e orientador da vida acadêmica
Professor Doutor Paulo Ricardo Opuszka. O destino quis que nos cruzássemos
novamente, haja vista que o primeiro encontro acadêmico ocorreu no ano de 2004,
quando ainda estava no primeiro ano do curso de Direito. Quem diria que
caminharíamos tão longe? Registro aqui a profunda admiração e respeito que tenho
pela sua pessoa. Aquele que me proporcionou a felicidade de ministrar minhas
primeiras aulas na graduação e que com muita paciência e dedicação mostrou-me o
caminho para a finalização deste trabalho. A você, Paulo, só me resta agradecer de
coração tudo que fez por mim.
Agradeço também aquelas que integram o corpo administrativo desse
programa de Mestrado, nas pessoas da Josilene, Joice e Anna, as quais não medem
esforços para auxiliar a todos.
A todos os meus colegas do programa de mestrado. Mas em especial aqueles
que me propiciaram o compartilhamento da alegria e do sofrimento da imensa
quantidade de leitura de textos e realização de fichamentos, registro meu carinho
aos colegas e amigos Tatiana Denczuk, Fernando Sobrinho e Eduardo Tesserolli,
Rafael Lima Torres e Priscila Carvalho. Agradeço também ao meu amigo e colega
de escritório, Gláucio Josafat Bordun, pelas risadas e descontração no dia a dia,
sem esses momentos de alegria, a tarefa de conclusão deste trabalho ficaria ainda
mais difícil.
A Nicole, pelo seu companheirismo no tempo em que esteve ao meu lado,
todo o período que passamos juntos certamente ficará guardado em meu coração e
minha memória por toda a vida.
Palavras não bastariam para agradecer aos meus pais, Antonio Augusto
Ferreira Porto e Maria Cristina Cruz Porto, a vocês eu devo tudo que fui, sou e serei.
De vocês extraí os conhecimentos necessários para vencer as batalhas da vida, me
ensinaram os mais valorosos princípios éticos e morais os quais carregarei comigo
por todo o sempre.
Ao meu irmão Antonio Augusto Cruz Porto, maior incentivador e referência de
minha carreira acadêmica, pessoa na qual tenho o prazer de conviver diariamente
no âmbito profissional e acadêmico e de quem extraio os maiores conselhos. Muito
obrigado por existir.
A minha irmã Paula Cruz Porto Spada, a ti agradeço por tudo, desde as
palavras de carinho que sempre me direciona ao apoio incondicional das decisões
que tomo em minha vida. Agradeço também pela tua existência.
Aos meus sobrinhos Arthur e Victor, essas duas pequenas jóias que mesmo
não tendo a real dimensão do que isso significa, proporcionam-me a alegria
instantânea e espontânea por tão somente estarem ao meu lado.
Aos coordenadores, colegas e alunos da Universidade Tuiuti do Paraná, por
confiarem no meu trabalho e me propiciarem a realização profissional, estampada no
meu sorriso todos os dias que ingresso na sala de aula para lecionar.
“Você é livre para fazer suas escolhas,
mas prisioneiro de suas consequências”.
Pablo Neruda
RESUMO
O presente trabalho pretende demonstrar de que maneira o cooperativismo, a cooperação e a economia solidária, podem ser fundamentais para contribuir com a construção de políticas públicas com o objetivo de gerar desenvolvimento social. A partir da apresentação de conceitos sobre cada um desses modelos, procurar-se-á mostrar como cada um deles funciona, apresentando suas características históricas e teóricas, e ainda assim, buscando o elo doutrinário entre esses modelos com a teoria das políticas públicas e desenvolvimento social, demonstrando assim, a possibilidade de aplica-los na busca pela melhoria do bem estar da sociedade nos períodos de crise econômica como a que se vive hoje no Brasil. Ainda, o trabalho abordará a forma como o cooperativismo empresarial foi inserido no mercado, desvirtuando-se dos ideais cooperativistas tradicionais. Palavras-chave: Cooperativismo; Cooperação; Economia Solidária; Políticas Públicas; Desenvolvimento Social.
ABSTRACT
The present work intends to demonstrate how the cooperative, cooperation and solidarity economy, can be critical to contribute to the construction of public policies in order to generate social development. From the presentation of concepts about each of these institutes, will seek to show how each of them works, with its historical and theoretical characteristics, and still seeking doctrinal link between these institutes to the theory of public policy and development social, thus demonstrating the ability to apply them in the pursuit of improving the well being of society in times of economic crisis. Still , the work will address how the business cooperativism was inserted into the market, distorting the ideals - traditional cooperative. KEYWORDS: Cooperativism; Cooperation; Solidarity Economy; Public Policy; Social Development.
LISTA DE SIGLAS
ACI - Aliança Cooperativa Internacional
CF - Constituição Federal
SICREDI - Sistema de crédito cooperativo
OCB - Organização das Cooperativas do Brasil
OCEPAR - Organização das Cooperativas do Estado do Paraná
RPPS - Regime Próprio de Previdência Social
RGPS - Regime Geral de Previdência Social
BNH - Banco Nacional De Habitação
SINPAS - Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social
IAP’S - Instituto de Pensão e Aposentadoria
LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social
CLT - Consolidação das Leis Do Trabalho
CEPAL - Comissão de Estudos Econômicos para América Latina e Caribe
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 - NÚMERO DE COOPERADOS POR RAMO NO BRASIL.....................25
FIGURA 2 - NÚMERO DE EMPREGADOS POR RAMO COOPERATIVISTA NO
BRASIL......................................................................................................................26
FIGURA 3 - EMPREENDIMENTOS PARTICIPANTE DA FEICOOP.......................54
LISTA DE TABELA
TABELA 1 ..........................................................................................................
TABELA 2...........................................................................................................
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................................... 9
ABSTRACT ......................................................................................................................... 10
LISTA DE SIGLAS .............................................................................................................. 11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES .................................................................................................. 12
LISTA DE TABELA ............................................................................................................. 13
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 15
CAPÍTULO I – COOPERATIVISMO, COOPERAÇÃO E ECONOMIA SOLIDÁRIA:
ASPECTOS RELEVANTES PARA O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL .... 17
SEÇÃO 1. COOPERATIVISMO: VERTENTES E RAÍZES DE UM MOVIMENTO SOLIDÁRIO
E COM VISTAS À EMANCIPAÇÃO ..................................................................................... 17
SEÇÃO 2 – COOPERAÇÃO: O MOVIMENTO DA ORDEM CAPITALISTA
TRANSPASSANDO A ORGANIZAÇÃO COLETIVA DO TRABALHO ...................................... 33
SEÇÃO 3 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: A TENTATIVA DA CONSTRUÇÃO DO TRABALHO E
RENDA NO DESEMPREGO ESTRUTURAL ................................................................................ 40
CAPÍTULO II – POLÍTICAS PÚBLICAS E O SEU PAPEL NA SOCIEDADE BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA: POSSIBILIDADES E LIMITES PARA PROTEÇÃO DO TRABALHO
............................................................................................................................................ 55
SEÇÃO 1 – UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO ESTATAL – DA TEORIA DO ESTADO
PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL.... 55
SEÇÃO 2 - A CONDIÇÃO DE SUBDESENVOLVIMENTO DA AMÉRICA LATINA ................ 61
SEÇÃO 3 – A INVESTIDA NEOLIBERAL E O ASSENTO DO DIREITO PRIVADO
MODERNO NA ORGANIZAÇÃO COOPERATIVA: LEI 5.764/71 E O EMPRESARIAMENTO
DO COOPERATIVISMO. .................................................................................................................. 67
CAPÍTULO III – COOPERATIVISMO POPULAR, POLÍTICAS PÚBLICAS E
DESENVOLVIMENTO SOCIAL ...................................................................................................... 88
SEÇÃO 1 – A SELETIVIDADE DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL BRASILEIRO ................ 88
SEÇÃO 2 – A REFLEXÃO CONTEMPORÂNEA DA SUSTENTABILIDADE E O
DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL .................................................................................. 97
SEÇÃO 3 - DESENVOLVIMENTO SOCIAL A PARTIR DO COOPERATIVISMO POPULAR E
O CONSUMO COOPERATIVO ......................................................................................... 103
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 112
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 114
15
INTRODUÇÃO
Ao longo das últimas décadas, nosso país tem vivenciado as mais diferentes
situações sociais e econômicas.
Viemos de um período de auspiciosidade econômica entre os anos de 2005 à
2010 e agora vivemos um momento economicamente complicado frente à economia
globalizada.
Este fato contribui para a reação em cadeia de inúmeros problemas sociais e
econômicos que se originam a partir dos períodos de crises, alimentando ainda mais
as dificuldades que o Estado possui para fazer com que seus projetos e programas
sejam aplicados e surtam seus efeitos almejados na prática.
Esses programas e projetos que o parágrafo anterior se refere, são as
chamadas políticas públicas. Quase sempre, são idealizadas e criadas na tentativa
de fazer com o Estado atinja os anseios de determinadas camadas da sociedade,
que por motivos alheios a sua vontade, são desprovidos de recursos econômicos
satisfatórios.
O trabalho a seguir desenvolvido possui o escopo de demonstrar como o
Cooperativismo, a cooperação e a Economia Solidária, podem ser importantes
fontes para construção de políticas públicas com o escopo final de promoção do
desenvolvimento social.
Na falta do Estado, mesmo que de forma não proposital, esses modelos
(institutos) acima descritos mostram ser uma importante fonte de inclusão social,
geradora de trabalho imbuída do espírito solidário, ao passo que a partir disso,
torna-se também uma respeitável fonte de renda para os seus trabalhadores.
Para tanto, a metodologia empregada é pautada no método monográfico, ao
passo que se utilizou de pesquisas bibliográficas e documentais, colhidas de
inúmeros livros publicados na área pesquisada, artigos colhidos de revistas
científicas, bem como de outros vários textos extraídos da internet.
Com o objetivo de desenvolver o texto e permitir que as ideais centrais sejam
melhor apresentadas, a dissertação será dividida, a princípio, em três capítulos,
sendo que cada capítulo será subdividido em 3 seções.
16
Na primeira seção do capítulo um, será abordado o tema do cooperativismo, a
maneira como surgiu, seus maiores expoentes, a forma como é aplicado,
demonstrando a sua importância como fonte de desenvolvimento. Na seção 2, irá se
tratar acerca da cooperação, explicando o quão importante esse princípio pode ser
considerado quando aplicado de uma maneira justa, com vistas à promoção do
desenvolvimento social. Já na última seção do primeiro capítulo, passará da
economia solidária e de como esse instituto pode ser de fundamental importância
para superação dos períodos de crises econômicas, tratando, inclusive, de como a
economia pode auxiliar no combate ao fenômeno do desemprego estrutural, por
exemplo.
No segundo capítulo deste trabalho, o tema que passará a ser discutido são
as políticas públicas. Para tanto, o capítulo também será subdividido em três seções.
Na primeira, irá se falar a respeito do conceito de políticas públicas e da maneira
como o estado atua para concretização desses programas. Na seção número dois,
será abordado tema de fundamental importância para compreensão da forma como
a economia latina americana foi concebida, a partir dos teóricos Raúl Prebisch e
Celso Furtado, da CEPAL, procurar-se-á demonstrar a condição de
subdesenvolvimento dos países latino americanos a partir da teoria de Centro e
Periferia e a maneira proposta por Celso Furtado para superação dessa condição.
No final do segundo capítulo, irá se apresentar a maneira como o Direito Privado
Moderno, a partir do empresariado, pode influenciar e modificar a forma de como de
atuação das cooperativas, atendendo a um regramento empresarial e voltado ao
mercado.
Por fim, no terceiro capítulo, o qual também será subdividido em outras três
seções, o tema tratado envolverá o desenvolvimento social. Na seção um, será
apresentado a forma como elas surgiram e são aplicadas no nosso país,
apresentando as suas fases desde o seu surgimento em meados dos anos 30 até
sua concretização e aplicação no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Na seção 2, será discorrido sobre o tema do desenvolvimento social sustentável,
partindo-se da premissa da sustentabilidade ambiental e sua importância para o
desenvolvimento conscientizado e justo. Por fim, na última seção deste trabalho,
tratar-se-á sobre a forma como o cooperativismo popular e o consumo cooperativo
podem auxiliar de forma substancial para a concretização do desenvolvimento social
sustentável.
17
CAPÍTULO I – COOPERATIVISMO, COOPERAÇÃO E ECONOMIA SOLIDÁRIA:
ASPECTOS RELEVANTES PARA O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E
SOCIAL
SEÇÃO 1. COOPERATIVISMO: VERTENTES E RAÍZES DE UM MOVIMENTO
SOLIDÁRIO E COM VISTAS À EMANCIPAÇÃO
Inicialmente, buscando sanar a origem dos primeiros passos do
cooperativismo, ficará bastante clara a importância desse instituto para a promoção
do desenvolvimento humano e, por consequência, do desenvolvimento social e
econômico que é capaz de impulsionar.
Segundo parte da doutrina, a primeira cooperativa de consumo a ser fundada
foi à Cooperativa de Rochdale. Este modelo nasceu a partir da construção e
consolidação de ideais utópicos1 até então tratados tão somente por estudiosos da
época, a exemplo de Robert Owen e Karl Marx, mas seguramente, se pode afirmar,
que Rochdale foi a primeira grande cooperativa a se estabelecer e aplicar as ideias
trazidas pelas teorias até então denominado utópicas, eis que por muitos eram
pensamentos inaplicáveis à vida prática.
A cooperativa de Rochdale é a mais conhecida de toda doutrina, seja pelo
fato de ter sido a primeira grande cooperativa a se firmar frente ao ávido mercado
capitalista que começava a se impor na Europa no século XIX, ou seja pela maneira
como surgiu.
A cooperativa surgiu definitivamente no ano de 1844, mais especificamente
na data de 21/12/1844, no entanto, suas ideias já eram discutidas desde o ano de
ano anterior quando a partir de um movimento em conjunto de um grupo de
trabalhadores conhecidos como os “Pioneiros de Rochdale” buscavam melhores
condições de trabalho e remuneração.
Nas palavras de Nami.
1 A partir da exposição do movimento e das ideias de alguns dos expoentes do socialismo utópico, parte-se para um resgate histórico da cooperativa de Rochdale, considerada como expoente e matriz simbólico e discursivo, para a prática e doutrinas legitimadoras da vertente cooeperativa tradicional. VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha Véras. Cooperativismo: Nova abordagem sócio jurídica. 6ª reimpressão. Editora: Juruá. Curitiba, 2011. p. 69.
18
Um grupo de operários tecelões (27 homens eu uma mulher), sob influência de intelectuais socialistas, defende fundar uma cooperativa de consumo denominada Rochdale Society of Equitable Pionners, iniciada em dezembro de 1843. Os seus fundadores economizaram durante um ano, integralizan-do uma libra esterlina cada um e somente iniciou suas atividades em dezembro de 1844, na cidade de Rochdale, no condado de Lancashire, Inglaterra.2
Registre-se o fato3 de que a indústria inglesa na época crescia de modo
avassalador, principalmente a indústria de tecidos, movida ao pagamento de baixos
salários aos empregados, alta produtividade e grandes lucros obtidos4. Foi quando
os trabalhadores reivindicaram melhorias, fosse através do aumento dos seus
vencimentos ou através da distribuição dos lucros das empresas, requerimento que
foi prontamente negado pelos industriais à época.
Tal fato fez com que os trabalhadores criassem sua própria alternativa de
crescimento. Inicialmente, um grupo de 28 trabalhadores juntou-se com o intuito
principal de criar um grande armazém que possibilitasse o armazenamento de
comida e produtos para o próprio consumo cooperativo. Posteriormente, criou-se um
projeto que possibilitasse o constante abastecimento deste armazém, bem como a
criação e constituição de bases de uma nova sociedade, agora conhecida como
Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale.5
O sucesso do surgimento da cooperativa se mostrava promissor, haja vista
que em pouco tempo após o seu surgimento o número de sócios aumentou de 28
para 140 pessoas, aumentando consideravelmente com o passar dos anos.
Neste sentido necessário destacar as palavras de Schneider, “o crescimento
de Rochdale foi bastante expressivo na Europa, iniciada em 1844 com 28 sócios; em
1848, contava com 140 membros, 1849 passou a ter 390, enquanto o capital da
2 NAMI, Marcio Roberto Palhares. Viabilidade das Cooperativas Abertas: Um estudo de caso da Cooperativa de crédito Mendes Ltda. 1ª ed. Editora: Publit Soluções Editoriais. Rio de Janeiro, 2009. p. 37 3 (...) quando a indústria de flanelas atingiu o seu apogeu na cidade inglesa de Rochdale, na Inglaterra. Em face, ao excelente momento vivido, por esta indústria, os empregados resolveram reivindicar um aumento devido aos baixos salários, à alta produtividade e os lucros obtidos pela empresa naquele momento. Todavia, os tecelões não conseguiram o aumento e passaram a pensar em alguma forma de obter uma melhoria salarial, por conta própria. Idem. 4 NAMI, Marcio Roberto Palhares. Viabilidade das Cooperativas Abertas: Um estudo de caso da Cooperativa de crédito Mendes Ltda. 1ª ed. Editora: Publit Soluções Editoriais. Rio de Janeiro, 2009. p. 67 5 NAMI, Marcio Roberto Palhares. Viabilidade das Cooperativas Abertas: Um estudo de caso da Cooperativa de crédito Mendes Ltda. 1ª ed. Editora: Publit Soluções Editoriais. Rio de Janeiro, 2009. p. 37
19
cooperativa subia de 30 libras para 1.194 libras. Entre os anos de 1848 a 1854 a
cooperativa crescera a uma razão de 740%”.6
Apesar de todo o sucesso com o surgimento da cooperativa de Rochdale, Rui
Namorado faz um alerta. Para ele, nem tudo são flores e o que mais deve ser levado
em conta é a persistência e necessidade que os operários sofreram que fizeram à
cooperativa prosperar, em suas palavras.
Assim, quando, em 1844, um grupo de operários tecelões de Rochdale se reuniu para constituir a Cooperativa dos Pioneiros de Rochdale, tinha atrás de si um longo período de dinamismo social que, no campo cooperativo, se manifestou através de uma impetuosa natalidade e de uma não menos forte mortalidade cooperativa. Foi dessa experiência, mas também do modo como os pioneiros sentiam as seqüelas do capitalismo emergente, da necessidade de lhes resistirem, da ambição irreprimível de sonharem para além dele, que resultaram as regras que identificam a sua invenção cooperativa. Não foi, portanto, a imaginação privilegiada de um pequeno grupo que gerou, como artefacto de gênio, um conjunto pragmático de regras que viria a revelar-se fecundo e futurante. Sem retirar o mérito à reflexão dos pioneiros, ela alimentou-se de um abundante leque de experiências, a partir de um ponto de vista bem determinado, o ponto de vista dos operários de Rochdale, um ponto de vista inserido no movimento operário.7
Independente das condições que fizeram a cooperativa de Rochdale surgir e
se firmar, o seu sucesso como alternativa de fonte de trabalho, consumo e
desenvolvimento era promissor.
Inclusive, pode-se afirmar que a concretização desse ideal utópico, qual seja
Cooperativa de Rochdale foi fruto do capitalismo do século XIX8.
Neste sentido, os ensinamentos de Watkins.
São crises provocadas pela revolução industrial, sob a férula capitalista, na situação e nas condições de vida dos operários e dos camponeses, conjugadas com as conseqüências dos problemas endêmicos da pobreza e
6 SCHNEIDER, José Odelso. Democracia – participação e autonomia cooperativa. Editora: UNISINOS. São Leopoldo, 1991. p. 38 7 NAMORADO, Rui. Cooperativismo – História e Horizontes. OFICINA DO CES. Oficina n° 278. Editora: Centro de Estudos Sociais, 2007. p. 7 8 O movimento cooperativo é uma das maneiras de o movimento operário ser conseqüência do capitalismo, ou, por outras palavras, as cooperativas surgem como resposta às dificuldades causadas na vida amplos sectores da sociedade, nas primeiras décadas do século XIX, pela evolução do capitalismo. NAMORADO, Rui. O mistério do cooperativismo: da cooperação ao movimento cooperativo. Editora: Almedina. Coimbra, 2013. p. 48/49
20
da insegurança, que conduziram a uma procura permanente de remédios e à adoção, no fim das contas, da fórmula cooperativa.9
Parece claro que o ideal cooperativo se fortalece nos momentos de maior
dificuldade. Nesse caso, quando os operários se viram acuados frente ao
crescimento industrial da época, necessariamente tiveram que criar alternativas que
propiciassem uma fonte alternativa de sustento e certamente, Rochdale foi uma
delas, tornando-se um modelo10 a ser seguido.
Fato é que este modelo foi ganhando corpo ao longo do tempo, tornando-se
cada vez mais forte e mais acessível a outros grupos operários que em virtude de
Rochdale ter se solidificado como uma cooperativa próspera tinha, portanto, um
modelo a ser copiado11, haja vista as inúmeras cooperativas que surgiram ao longo
dos anos.
Registra-se o fato de que os primeiros princípios do cooperativismo também
tiveram origem em Rochdale.
Segundo Opuszka e Quintanilha.
Os primeiros princípios do cooperativismo vieram de Rochdale e eram eles: adesão livre ou porta aberta; gestão democrática; juros módicos ao capital; retorno proporcional às operações; transações a dinheiro ou vendas à vista; neutralidade política ou religiosa; desenvolvimento do ensino.12
No entanto, importante frisar que a cooperativa de Rochdale não serviu de
base teórica para construção do pensamento das pequenas cooperativas de
produção, por exemplo.
Essas são capitaneadas e vinculadas ao pensamento socialista utópico
francês. Mais especificamente de Charles Fourier e Joseph Proudhon.
9 Rui Namorado, NAMORADO, p. 49 apud, Willian Pascoe Watkins, 2013. 10 E em apoio desta ideia parece militar a própria relevância universal dos princípios de Rochdale, sinal da hegemonia de um setor do movimento cooperativo cuja inserção no movimento operário não oferece dúvidas o que, não apagando diferenças, especificidades e mutações, representa a espinha dorsal de uma identidade. Idem. p.50 11 As primeiras iniciativas cooperativistas no Brasil surgiram pouco tempo depois que o movimento despertou no mundo. Passados menos de 50 anos da criação da primeira cooperativa, na Inglaterra, em 1844, os brasileiros registram formalmente a sua pioneira. Evolução do cooperativismo no Brasil: DENACOOP em ação/Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Brasília: MAPA, 2006. p. 16 12 OPUSZKA, Paulo Ricardo. Cooperativismo popular: os limites da organização coletiva do trabalho a partir da experiência da pesca artesanal do extremo sul do Brasil. 249 fls. Tese de doutorado – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010. p. 20
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São esses pensadores que que influenciam o ideal utópico de criação das
pequenas cooperativas de produção, sendo que em alguns momentos, entram em
debate fervoroso contrapondo os ideiais Owenistas e Marxisistas.
O cooperativismo para Charles Fourier, possui sustentação nas liberdades
individuais, bem como o combate ao lucro e a concorrência. Nas palavras de
Florentino Carvalho Pinto:
O pensamento do socialismo utópico encontrado em François Marie Charles Fourier 13 representa mais uma expressão em defesa das liberdades individuais, organização dos trabalhadores, combate ao lucro e a concorrência. Foi contemporâneo de Robert Owen, a quem critica em suas abordagens, chegando a taxar as associações owenianas de fanáticas e desprezíveis. As obras de Fourier contemporizam princípios teóricos e doutrinários de liberdade, do associativismo universal e voluntário, chegando a criar as organizações falansteristas7.Os conceitos apresentados por Fourier, sobre as questões da estrutura da produção e a organização social do trabalho existente, vão de encontro às idéias liberais mais agressivamente do que os conceitos de Owen. É um crítico mordaz e, por vezes, bastante exato. Fourier deixa bem claro que “o obstáculo oposto ao livre curso das paixões reside, na instituição da propriedade privada. Essa instituição torna o meio social e econômico anárquico e atomizado.14
Mas não apenas Fourier tecia críticas ao modo como Karl Marx falava a
respeito do pensamento utópico francês. O pensamento de Martin Bubber, citado
por Francisco Quintanilha, também não estava alinhado com Marx, vejamos:
[...] Os sistemas – entre os quais são incluídos os de Saint Simon, Fourier e Owen (no projeto de Marx eram citados também Cabet, Weitling e até mesmo Babeuf como autores de sistema semelhantes – são considerados frutos de uma época em que a indústria e, portanto, também o proletariado, ainda não se haviam desenvolvido, Foi a impossibilidade de compreender e dominar o problema do proletariado que deu azo ao aparecimento desses sistemas, que só poderiam ser imaginários, fantásticos e utópicos e que, no fundo, propunham a abolição de uma diferença de classes que estava apenas começando a processar-se de que, um dia, iria provocar a transformação geral da sociedade(...) Esses teóricos são utopistas; devem procurar a ciência em seu espírito, pois ainda não chegaram ao ponto de poder compreender os fatos que se desenrolam ante seus olhos e converter-se em porta vozes.15
13 François Marie Charles Fourier (1772-1837) nasceu em Besanço (França), filho de um negociante de tecidos. Autodidata, deixou vários manuscritos importantes, em particular, O Discurso Preliminar, alguns foram publicados pelo jornal La Phalange. Suas obras principais foram: Théorie des 4 mouvements, 1848; Théorie de l’Unité Universelle, 1822; Le Nouveale Monde Industrial et Socitaire, 1820; La Fause Industre, 1835-1836. (DRIMER, 1977). 14 PINTO, Florentino Carvalho. Uma história do Cooperativismo sob a perspectiva utópica. ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 1, n. 1, p. 61-75, junho/dezembro, 2009. 15 BUBBER, Martin NETO. p. 42-43 apud Francisco Quintanilha, VÉRAS NETO, 2011.
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Segundo Quintanilha, a crítica de Marx ocorria porque “os projetos utópicos
eram resultantes da própria incapacidade de estes socialistas, pequenos burgueses,
compreenderem a sociedade industrial moderna, num dos seus aspectos essenciais,
o do surgimento do proletariado fabril”16.
Proudhon, seguindo a mesma linha de raciocínio de Charles Fourier, defende
o modelo de liberdade do associado, condenando o modelo associativo, em
detrimento do trabalho livre. É o que afirma Florentino Carvalho Pinto, vejamos:
Proudhon condena o socialismo associativo quando este procura substituir o trabalho livre pelo trabalho associado. Os homens são atraídos e se associam em razão da complementaridade de suas contribuições. Quanto ao socialismo industrialista, é condenável pela sua proposta de ação radical e a eliminação da propriedade privada dos meios de produção, propondo, inclusive, a organização autoritária e hierarquizada, negando todo princípio de liberdade. Segundo ele, em suas críticas ao socialismo, diz que: “o princípio do equilíbrio de troca com justiça, característica da equidade recíproca, equivaleria à mutualidade”. Esse interesse mutualista modificará a ordem social. Inspiradas nas idéias do proudhonismo e com características liberais começam a surgir às primeiras manifestações de criação de numerosas associações cooperativas na Europa, particularmente na Alemanha, a partir de 1850. O princípio mutualista defendido por Proudhon, assegurará o equilíbrio de forças econômicas e assim, modificará a fundo a ordem social, aprofundando a mutualidade na mais vasta concepção social, da seguinte forma: serviço por serviço, produto por produto, crédito por crédito, caução por caução, garantia por garantia, etc. As concepções mutualistas imbuídas dos princípios de justiça com liberdade e equidade, assentaram as bases do cooperativismo moderno de crédito e a economia solidária.17
E é inspirado nesse pensamento de Produhon que inúmeras sociedades cooperativas começam a surgir na Alemanha em meados do século XIX, imbuídos do espírito mutualista, pautados nos princípios da justiça de liberdade, conforme aponta Florentino.
Inspiradas nas idéias do proudhonismo e com características liberais começam a surgir às primeiras manifestações de criação de numerosas associações cooperativas na Europa, particularmente na Alemanha, a partir de 1850. O princípio mutualista defendido por Proudhon, assegurará o equilíbrio de forças econômicas e assim, modificará a fundo a ordem social, aprofundando a mutualidade na mais vasta concepção social, da seguinte
16 VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha, Cooperativismo: Nova abordagem sócio jurídica. 6ª reimpressão. Editora: Juruá. Curitiba, 2011.p.42 17 PINTO, Florentino Carvalho. Uma história do Cooperativismo sob a perspectiva utópica. ReAC – Revista de Ad ministração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 1, n. 1, p. 61-75, junho/dezembro, 2009
23
forma: serviço por serviço, produto por produto, crédito por crédito, caução por caução, garantia por garantia, etc. As concepções mutualistas imbuídas dos princípios de justiça com liberdade e equidade, assentaram as bases do cooperativismo moderno de crédito e a economia solidária.18
Mais uma vez a crítica de Karl Marx recaía sobre Proudhon. Segundo Marx, a
teoria Proudhonista era pouco palpável e sem fundamentação científica, citando
Bubber, Quintanilha afirma:
Ainda de acordo com o mesmo Martin Bubber, Marx qualificou estas doutrinas de secretas e sem uma fundamentação científica palpável. “...Marx qualificou-as de doutrina secreta formada por uma mescla de socialismo ou comunismo franco-inglês e filosofia alemã, à qual ele opunha a compreensão científica da sociedade burguesa como única base teórica sustentável.19
Entretanto, Quintanilha aduz que essa discussão entre as teorias utópicas e
científicas, possuíam um cunho mais político do que efetivamente no campo da
cientificidade, vejamos:
Porém, na visão de Martin Bubber, esta abordagem de Marx, acerca de Proudhon, deve ser vista num contexto de luta política dentro da internacional comunista, daí a opinião de MARX e ENGELS, ao longo do tempo, ter variado das mais severas críticas, até a elogios eloquentes, devido à existência de uma suposta doutrina científica construída, por Proudhon.20
Feita esta breve análise, no que diz respeito a influência do socialismo utópico
francês sobre o surgimento das cooperativas, passemos a falar um pouco sobre o
surgimento deste movimento no Brasil.
Conforme já afirmado, o movimento cooperativo expandiu-se aceleradamente
e em pouco tempo saiu da Europa e chegou ao Brasil no final do século XIX21.
18 PINTO, Florentino Carvalho. Uma história do Cooperativismo sob a perspectiva utópica. ReAC – Revista de Administração e Contabilidade. Faculdade Anísio Teixeira (FAT), Feira de Santana-Ba, v. 1, n. 1, p. 61-75, junho/dezembro, 2009 19 VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha Véras. Cooperativismo: Nova abordagem sócio jurídica. 6ª reimpressão. Editora: Juruá. Curitiba, 2011. p. 44 20 VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha Véras. Cooperativismo: Nova abordagem sócio jurídica. 6ª reimpressão. Editora: Juruá. Curitiba, 2011. p. 44 21 Portanto, foi no início dos anos 1900 que o cooperativismo começou a se delinear no Brasil, influenciado pela religiosidade e pelo pensamento político dos imigrantes. O movimento seguiu principalmente o chamado “modelo alemão”, que defendia a educação cooperativista para estimular a solidariedade entre as pessoas, a união de todo o sistema na defesa dos interesses comuns e a distinção entre o cooperativismo e a economia de mercado, sendo o primeiro marcado pelo
24
Em terras brasileiras, o movimento cooperativista foi altamente influenciado
por estímulos de algumas classes trabalhadoras, tais como a classe de
funcionalismo público, operários, profissionais liberais e até militares.
O ano de 1889 foi marcante, haja vista o surgimento da primeira cooperativa
de consumo registrada no Brasil. Na cidade de Outro Preto (MG), foi criada a
Sociedade Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto, que
coincidentemente, assim como em Rochdale a primeira cooperativa do Brasil
também tinha como escopo principal o consumo dos seus sócios (cooperadores).
Foi também nessa época que começaram a surgir no Brasil às primeiras
doutrinas a respeito do tema e nesse sentido importante destacar para fins de
conhecimento trechos dos escritos de Raimundo Silva cujos originais são datados do
ano de 1928 e se encontram disponíveis para consulta na rede.
Os nossos pequenos agricultores, industriaes e commerciantes devem,
antes de fazerem parte de qualquer sociedade cooperativa ou que se rotule
com esta denominação, procurar estudar e conhecer os principaes pontos
que caracterisam as sociedades cooperativas em geral, taes como: - o que
se permitte e o que não se permitte na indivisibilidade do capital, quando se
pode fazer transferências de acções, QUAL NÚMERO DE VOTOS A QUE
TEM DIREITO CADA SOCIO, o que se comprehende por egualdade de
direitos e de deveres entre os mesmos, que o número de sócios é ilimitado,
que é absolutamente prohibido qualquer transações aleatória, que o capital
é a variaval, que há entre sócios plena liberdade de pensamento, que se
deve Haber ampla fiscalisação tanto da parte dos sócios como dos
governos, SOBERANIA DE ASSEMBLEA DOS SOCIOS SOB O REGIMEM
DO VOTO SINGULAR ou per capita, contabilidade efficiente,
indispensabilidade do Conselho Administrativo, auctonomia do capital
collectivo quando aos sócios, residência dos sócios nas circunscripções em
que funcciona a sociedade, predomínio de empréstimos menores com
longos prazos a juros baixos, etc.22
Também no início do século XX, no Rio Grande do Sul, especificamente na
região de Nova Petrópolis, surgiu no ano de 1902 a cooperativa de crédito mais
antiga do Brasil e até hoje em funcionamento, conhecida por todos hoje como
comprometimento com a justiça social. Evolução do cooperativismo no Brasil: DENACOOP em ação/Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Brasília: MAPA, 2006. p. 16 22 SILVA, Raimundo Fernandes da. A singularidade do voto na sociedade cooperativa. Editora: Art. Grapf E. A. Artifices, 1928. P.5
25
SICREDI23, cuja tradição como cooperativa, ideologicamente falando é, até certo
ponto, criticada por alguns.
A partir de então, inúmeras outras cooperativas começaram a surgir pelo
Brasil a fora, principalmente no setor agropecuário, mas não somente nele, diversos
outros grupos de trabalhadores procuravam melhorar suas condições através das
cooperativas.
E é neste sentido que Francisco Quintanilha Véras Neto, refere-se as
cooperativas de trabalho quando no ano 1932 começam a se consolidar, sendo
estão reguladas pelo Decreto 22.239, de 19 de dezembro de 1932, no governo de
Getúlio Vargas, cujo artigo 24 foi assim redigido24.
Art. 24. São cooperativas de trabalho aquelas que, constituidas entre operarios de uma determinada profissão ou oficio, ou de oficios varios de uma mesma classe, – teem como finalidade primordial melhorar os salarios e as condições do trabalho pessoal de seus associados, e, dispensando a intervenção de um patrão ou emprezario, se propõem contratar e executar obras, tarefas, trabalhos ou serviços, publicos ou particulares, coletivamente
por todos os por grupos de alguns25.
Note-se que estamos vivendo um novo período. O início da década de 30 é
marcado pelo começo da Era Vargas, precursora do Estado Desenvolvimentista. O
Estado passa por um processo quase que revolucionário, de estruturação de sua
indústria, criação de estatais, autarquias e empresas públicas. É o Estado tentando
promover o bem estar social.
Segundo Quintanilha, a partir desse momento, o Estado passa a reconhecer o
cooperativismo, regulamentando-o, através de leis e decretos, vejamos:
A partir deste novo contexto histórico demarcado pela revolução de 1930, a legislação passa a ter uma função basicamente política, consolidando como sua consequência direta, a intervenção do Estado na estrutura fundiária
23 A cooperativa mais antiga ainda em funcionamento no Brasil é do ramo de crédito. Em 1902, ela foi idealizada pelo padre jesuíta suíço Theodor Amstad, grande conhecedor do sistema cooperativo europeu. Era formada por colonos de origem alemã que habitavam Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul. A organização nasceu com o nome de Sociedade Cooperativa Caixa de Economia e Empréstimos de Nova Petrópolis e desde 1992 adota a denominação Sicredi Pioneira, pois integra o Sistema de Crédito Cooperativo (Sicredi). DENACOOP em ação/Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Brasília: MAPA, 2006. p. 16 24 VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha Véras. Cooperativismo: Nova abordagem sócio jurídica. 6ª reimpressão. Editora: Juruá. Curitiba, 2011. p. 103 25 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D22239impressao.htm. Acessado em 22/02/2016.
26
brasileira, objetivando neutralizar o poder político e econômico dos grandes latifundiários manipuladores da Velha República (política do café com leite – garantidoras da hegemonia de São Paulo e de Minas Gerais). O estímulo ao cooperativismo objetivava principalmente garantir o surgimento de uma camada de pequenos proprietários; o Estado reconhecia formalmente o cooperativismo através dos mecanismos jurídicos representados pelo novo aparato legal, racionalmente elaborado a partir do governo Vargas A partir das novas premissas legais, várias cooperativas buscaram assim a sua regularização jurídica, mesmo após o fracasso das primeiras experiências cooperativas no início do século, crendo na nova estrutural legal e no incentivo governamental constituído na Era Vargas. A criação de cooperativas foi estimulada, principalmente a daquelas cooperativas formadas por colonos nos Estados do sul brasileiro, com mais ênfase, no estado do Rio Grande do Sul.26
É perceptível, portanto, o crescimento desta modalidade, no entanto, em que
pese à criação e consolidação de novas cooperativas o movimento ainda era
desconhecido por boa parte da população. Não havia divulgação a respeito do tema,
material didático informativo, o que de certo modo, travava um crescimento ainda
mais próspero movimento cooperativo.
Foi então que no ano de 1969, especificamente no dia 02/12/1969, foi criada
a “Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) com a tarefa de representar e
defender os interesses do cooperativismo no Brasil, sendo registrada em cartório um
ano após sua criação sendo caracterizada como Sociedade civil, sem fins lucrativos,
com neutralidade política e religiosa”.27
Dois anos depois, em 1971, criou-se a lei que até hoje vigora no país, a lei n°
5764/7128. Não significa que até então não houvesse nenhuma regulamentação a
respeito do tema, no entanto, as diretrizes eram realizadas através de decretos.
Já no ano de 1995, fator que ganhou destaque no âmbito das cooperativas
brasileiras foi o fato do brasileiro Roberto Rodrigues, ex presidente da Organização
das Cooperativas Brasileiras ser eleito o primeiro integrante de fora da Europa a
presidir a (ACI) Aliança Cooperativista Internacional, o que trouxe ainda mais
notoriedade e desenvolvimento para o cooperativismo no Brasil.
26 VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha Véras. Cooperativismo: Nova abordagem sócio jurídica. 6ª reimpressão. Editora: Juruá. Curitiba, 2011. p. 104 27 Movimento livre da influência do Estado. Disponível em < http://www.ocb.org.br/site/cooperativismo/evolucao_no_brasil.asp> Acessado em 17/02/2015.
28 (...) veio a lei 5674 de 16.12.1971 revogar toda a legislação anterior. Mesmo que editada também no regime militar, ela completou “bodas de prata” e é a reguladora do sistema cooperativo brasileiro em nossos dias. CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo brasileiro. 2ª reimpressão. Editora: Juruá. Curitiba, 2012. p. 47
27
Ainda assim, cumpre destacar o fato de que o cooperativismo ingressa neste
novo século como sistema consolidado e com capacidade de crescimento cada vez
maior, tornando-se indispensável para o desenvolvimento econômico e social no
Brasil.
Para ilustrar, importante destacar através dos quadros abaixo que o número
de cooperados no Brasil já ultrapassa o montante de 10.000.000 (dez milhões) de
pessoas, enquanto as cooperativas geram trabalho para mais 296.000 (duzentos e
noventa e seis mil) pessoas, fator que corrobora com o argumento acima expendido,
vejamos:
Figura 1:
Fonte: OCB29
Número de cooperados por ramo no Brasil – 2011
29 ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS. Panorama do cooperativismo brasileiro – ano 2011. Disponível em http://www.ocb.org.br/gerenciador/ba/arquivos/panorama_do_cooperativismo_brasileiro___2011.pdf. Acesso em 18/02/2015.
28
Figura 2:
Fonte: OCB30
Número de empregados por ramo cooperativista no Brasil – 2011
Para que se possa esclarecer qualquer dúvida acerca do seja efetivamente o
cooperativismo, importante conceituá-lo.
Para tanto, a priori, se faz necessário trazer ao conhecimento do leitor o
conceito de cooperativa, para que então se possa elucidar o que efetivamente seja o
cooperativismo.
30 ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS. Panorama do cooperativismo brasileiro – ano 2011. Disponível em http://www.ocb.org.br/gerenciador/ba/arquivos/panorama_do_cooperativismo_brasileiro___2011.pdf. Acesso em 18/02/2015.
29
Segundo a ACI (Aliança Cooperativa Internacional), cooperativa é “uma
associação autônoma de pessoas que se unem voluntariamente para satisfazer as
aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de
uma empresa de propriedade coletiva e democraticamente gerida”31.
Já o cooperativismo é definido como um movimento econômico e social que a
partir de um ideal humanitário de cooperação entre seres humanos, propicia a sua
prática.
O sindicato e organização das Cooperativas do Estado do Amapá
disponibiliza interessante conceito acerca do que efetivamente seja o
cooperativismo, vejamos.
Vem da palavra cooperação e é uma doutrina cultural e sócio-econômica que consagra os princípios fundamentais de liberdade humana, apoiada por um sistema de educação e participação permanente. O Cooperativismo surgiu como forma de organização social para a solução de problemas econômicos. Nasceu no mesmo contexto e na mesma época do Comunismo e do Sindicalismo, que tinham objetivos semelhantes, mas propostas distintas. O Comunismo propunha a estatização dos meios de produção para aniquilar o Sistema Capitalista. O Sindicalismo incentivava a organização dos trabalhadores em defesa dos seus interesses, diante das empresas capitalistas. O Cooperativismo optou pela organização autogestionada de pessoas para a solução de problemas específicos. Depois de um século de experiências, constata-se o fracasso do Comunismo, o enfraquecimento do Sindicalismo e o fortalecimento do Cooperativismo, já implantado em todos os países e em todos os setores da economia.
Após o estabelecimento dos conceitos, passa-se a tratar do tema.
Mesmo que se esteja em pleno século XXI, o movimento cooperativista se
apresenta como uma importante fonte alternativa de desenvolvimento e possui
fundamental importância nos dias de hoje, simplesmente pelo fato de possuir
características únicas, qual seja a de ser “uma organização capaz de mudar
comportamentos, atuar com outra racionalidade, e condicionar novos hábitos, ações
posturas e regras” 32 , mostrando, portanto, que o cooperativismo é capaz de
fomentar perspectivas de mudanças para os seus sócios e também cooperadores.
31 SINDICATO E ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Disponível em <http://www.ocergs.coop.br/index.php/cooperativismo/conceitos-principios> Acessado em 21/02/2015 32 GIANEZINI, Miguel Angelo. O cooperativismo e seu papel no processo de Desenvolvimento local: a experiência das cooperativas agrícolas no médio norte de Mato Grosso. Economia Solidária e ação cooperativa. São Leopoldo, 2010, v. 5, n. 1, p.37-50.
30
Outro importante fator que contribui para a que o movimento cooperativista se
estabeleça como fonte de desenvolvimento é a maneira como trata os seus
cooperados, baseando-se na liberdade e igualdade entre os sócios.
Por outro lado e levando-se em consideração a perspectiva contemporânea
de Amartya Sen, constitui-se como fonte indispensável para o desenvolvimento
humano a liberdade do indivíduo, afirmando o seguinte. “As liberdades não são
apenas os fins primordiais do desenvolvimento, mas também os meios principais”33.
Amartya Sen em sua obra Desenvolvimento como Liberdade, destaca o fator
desenvolvimento a partir da liberdade do ser humano, ou seja, o ser humano livre.
Sen afirma que a esperança de ser alguém efetivamente livre é fator preponderante
para a conquista do desenvolvimento, aduzindo e afirmando que “o objetivo do
desenvolvimento relaciona-se à avaliação das liberdades reais desfrutadas pelas
pessoas”. 34 Para Sen, “o indivíduo é livre para empenhar-se por seus próprios
interesses, sem nenhum impedimento”.35
Portanto, quando se trata do tema desenvolvimento social, não se pode
atrelar esse pensamento tão somente a melhorias de condições financeiras
(aumento de PIB etc.) e culturais. Pensar assim é pensar pequeno nos dias de hoje.
Veja bem, não está aqui a se afirmar que eles não sejam importantes indicadores de
crescimento econômico, ocorre que quando se trata da questão do desenvolvimento
social, outros fatores importantes também devem ser levados em consideração, tais
como saúde, educação, construção de cidadania etc.36
Segundo o entendimento de Boaventura Santos, o desenvolvimento
econômico e social para que possa ser alcançado em sua plenitude deve estar
intimamente ligado a valores que exaltem a “condição humana de igualdade,
equidade e cidadania, com a inclusão dos setores marginalizados na produção e
repartição dos resultados do desenvolvimento”37.
Em suas palavras.
33 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Traduzido por Laura Teixeira Motta. São Paulo. Ed. Companhia das Letras, 2000. P.25 34Idem. 35SEN, Amartya Kumar. Sobre ética e economia. Traduzido por Laura Teixeira Motta. São Paulo. Ed. Companhia das Letras, 1999. P.72 36 GIANEZINI, Miguel Angelo. O cooperativismo e seu papel no processo de Desenvolvimento local: a experiência das cooperativas agrícolas no médio norte de Mato Grosso. Economia Solidária e ação cooperativa. São Leopoldo, 2010, v. 5, n. 1, p.37-50 37 GIANEZINI, Miguel Angelo. O cooperativismo e seu papel no processo de Desenvolvimento local: a experiência das cooperativas agrícolas no médio norte de Mato Grosso. Economia Solidária e ação cooperativa. São Leopoldo, 2010, v. 5, n. 1, p.37-50
31
Cabe destacar que esta teoria não rejeita a idéia de crescimento econômico,
maslhe impõe limites, subordinando-o a imperativos não econômicos. Seu
caráter coletivo fortalece processos de construção de poder comunitário
cujos efeitos deiniciativas econômicas populares podem contrariar as
causas estruturais da marginalização e atingir a esfera política.38
Conforme afirmado anteriormente, o cooperativismo possui essa
característica agregadora.
Tomando-se como exemplo uma cooperativa de consumo, facilmente se
visualizará esta perspectiva de desenvolvimento, onde o “lucro” é extraído do próprio
trabalho do cooperado, passando a largos passos do sistema brutal de obtenção de
lucros das empresas capitalistas que diminuem seus custos com o pagamento de
baixos salários para os seus empregados, por exemplo.
Neste sentido são os ensinamentos de Leitão.
Em uma cooperativa de consumo o lucro origina-se da participação dos associados, ou seja, dos usuários. Isso ocorre porque, sendo a cooperativa uma organização que visa exclusivamente a fornecer serviços a seus associados a preço de custo, as diferenças entre o custo efetivo desses serviços e os ganhos obtidos pela cooperativa na comercialização agrícola, por exemplo, “retornam” para cada associado. Obviamente que esse retorno é proporcional ao volume de negócios de cada associado. A cooperativa não lucra em cima do associado, ela é apenas um instrumento para os
associados, estes sim, lucrarem.39
Ou seja, como possibilidade de nova visão ou uma nova ideia a prática do
cooperativismo candidata-se como um importante instrumento que pode condicionar
para aqueles que dele participam melhores condições de competição no mercado e,
por consequência disto, condições de se desenvolver econômica e socialmente.
Aqueles que participam e conjuntamente e trabalham em prol de uma
sociedade cooperativa de consumo, produção ou popular certamente estarão
revertendo isso em seu favor.
38 SANTOS, Boaventura. (org). 2002. Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. p. 44-57 39 RIOS, Gilvando Sá Leitão. O que é cooperativismo. Coleção primeiros passos. 2ª ed. São Paulo, 2007. p.18
32
A condição de igualdade e liberdade das cooperativas propicia isso. Por
exemplo, numa sociedade cooperativa de consumo, os cooperados não são apenas
co-proprietários, ao mesmo tempo são também usuários e fregueses.
Tal fato faz com que aquele cooperado que em nada contribui para a
cooperativa, não permite que dela extraia seus benefícios. Neste sentido.
Qualquer benefício econômico direito que resulte de negócios da cooperativa, em forma de um superávit comercial, é dividido entre os associados, não na proporção de seus títulos de capital social, mas na porção de uso dos serviços comuns. Assim, em uma cooperativa de consumo, quanto maior for o volume de compras de determinado associados, maior será sua participação na distribuição do excedente pela cooperativa. Um associado que não tenha feito nenhuma compra no
período de um ano, também nada receberá, naturalmente.40
Tomando por base esses ensinamentos, se pode afirmar um dos caminhos
para o sucesso do desenvolvimento reside na descoberta de um método que se
possam eliminar alguns problemas de estrutura (social, cultural), passando a
alimentar a transmissão do conhecimento econômico. Para tanto, se faz necessário
um impulso que seja capaz de resolver esses problemas estruturais e também capaz
de transmitir novas formas de conhecimento, se mostrando imprescindível que se
repense o modelo jurídico de propulsão econômico atualmente utilizado.41
Talvez o cooperativismo seja um desses caminhos, haja vista seu ser um
projeto pautado, via de regra, em movimentos sociais que possuem como principal
escopo a emancipação dos seus trabalhadores sendo, portanto, uma alternativa ao
modo de produção capitalista42.
Entretanto, cumpre registrar que o cooperativismo se insere na ordem
capitalista, em especial o europeu que serviu de base para o modelo brasileiro e que
de todo modo, chegou ao Brasil por influência da imigração alemã, italiana, polonesa
e ucraniana.
40 RIOS, Gilvando Sá Leitão. O que é cooperativismo. Coleção primeiros passos. 2ª ed. São Paulo, 2007. p.19 41 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. São Paulo. Ed. Malheiros, 2002. P. 38 42 OPUSZKA, Paulo Ricardo. Cooperativismo popular: os limites da organização coletiva do trabalho a partir da experiência da pesca artesanal do extremo sul do Brasil. 249 fls. Tese de doutorado – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010. p. 234
33
SEÇÃO 2 – COOPERAÇÃO: O MOVIMENTO DA ORDEM CAPITALISTA
TRANSPASSANDO A ORGANIZAÇÃO COLETIVA DO TRABALHO
O mecanismo básico da ordem capitalista é sem dúvidas a cooperação. E é
por esse motivo que a intenção dessa seção é explicar que o mecanismo chave da
ordem capitalista que se apresenta hoje é esse instituto.
Para tanto, cumpre-se observar que a chave para o sucesso do
desenvolvimento reside na descoberta de um método que se possam extirpar os
defeitos estruturais, passando a alimentar a transmissão do conhecimento
econômico. Assim, se faz necessário um impulso que seja capaz de resolver esses
problemas estruturais e também capaz de transmitir novas formas de conhecimento,
se mostrando imprescindível que se repense o modelo jurídico de propulsão
econômico atualmente utilizado43.
Voltando a falar de Amartya Sen, eis que sem dúvida é um dos autores que
promovem essa nova visão contemporânea, haja a desvinculação da promoção do
desenvolvimento econômico e social das bases estruturais já existentes e
comprovadamente fracassadas, tratando a questão do desenvolvimento a partir da
figura do ser humano livre. Para Sen, “o indivíduo é livre para empenhar-se por seus
próprios interesses, sem nenhum impedimento”.44
Ainda, quando pensamos em desenvolvimento, logo nos vem à mente algo
cujo intuito é a melhora. Segundo Salomão Filho, existem três princípios que
norteiam o empenho desenvolvimentista, na sua consecução instrumental. São eles:
(i) o princípio redistributivo; (ii) o da diluição dos centros de poder econômico e, por
último; (iii) o princípio da cooperação. Todos os princípios elencados no artigo 170
da Constituição Federal, de alguma forma contribuem para uma melhor
compreensão do conhecimento econômico. Atuam como opções econômicas
basilares para a sociedade, dentre as quais deve haver por parte do aplicador uma
43 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. São Paulo. Ed. Malheiros, 2002. P. 38 44SEN, Amartya Kumar. Sobre ética e economia. Traduzido por Laura Teixeira Motta. São Paulo. Ed. Companhia das Letras, 1999. P.72
34
escolha, devendo-se considerar a sua real necessidade de aplicação e levando-se
em conta os aspectos históricos e necessidades sociais. A identificação desses
princípios, não é tarefa fácil, pois todos possuem determinada importância para a
chamada difusão do conhecimento. No entanto, partindo da premissa de que
estamos a falar dos três princípios desenvolvimentistas, ou aqueles que seriam
considerados os mais importantes dentre os previstos no artigo 170, quais sejam os
previstos nos incisos VII (redistribuição), IV e V (difusão do conhecimento), bem
como artigo 114, § 2° (cooperação), sendo este último o que será abordado neste
estudo.45
Quando se fala em cooperação, a primeira ideia que vem à mente é a de
contribuição, ou de ajuda mútua. E na verdade, dentre aqueles princípios
desenvolvimentistas abordados acima, o princípio da cooperação é o único que
permite ao agente econômico efetuar a comparação entre escolhas sociais e
individuais, eis que os demais permitem aos agentes econômicos tão somente a
escolha livre, não restando à opção da escolha social.
A cooperação é uma forma alternativa de pensar o desenvolvimento, ela
extrai do ser humano a forma egoísta de pensar o futuro e o crescimento, abre
novas portas para o desenvolvimento econômico e social.
Para que soluções cooperativas atinjam o sucesso, se faz necessário atender
a três condições mínimas: um pequeno número de participantes, existência de
informação sobre o comportamento dos demais e existência de relação continuado
entre os agentes. Bem da verdade, a cooperação deveria ser inerente ao ser
humano, mas não é. Aliás, ultimamente é algo que pouco se vê, diante da nossa
sociedade globalizada e individualista46.
Neste sentido, Salomão Filho afirma.
Em primeiro lugar, como já se viu, a cooperação, diversamente do comportamento individual, não aparece naturalmente na sociedade. Não há nessa afirmação qualquer concepção hobbesiana da natureza humana, mas, simplesmente, o reconhecimento de que existem condicionantes sociais a dificultar seu comportamento. Esse condicionante é, basicamente, o receio do comportamento estratégico da contraparte. Se assim é, e essa parece ser uma presunção no mínimo razoável, então basta ao direito criar
45SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. São Paulo. Ed. Malheiros, 2002. p. 38 a 40. 46 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. São Paulo. Ed. Malheiros, 2002. p. 51 e 52.
35
as condições para que desapareça esse receio para que a cooperação encontre campo fértil.47
Uma pena, eis que a história demonstra que esse instituto, quando bem
aplicado, tende a dar certo, uma vez que traz consigo uma maior ligação e
cumprimento voluntário de seus cooperadores, quase sem intervenção de terceiros.
Um exemplo histórico e bem sucedido é o crescimento do comércio na
Europa medieval, quando através da restauração da confiança entre indivíduos
tornou possível o crescimento econômico à época, isso em virtude da criação de
regramentos de condutas criados e aos quais todos deveriam submeter-se.
O ideal de cooperação é realmente este, baseado na confiança. Conforme
afirmado anteriormente, a cooperação infelizmente não é algo que seja inerente ao
comportamento individual do homem e deve ser construído com o auxilio de outras
condicionantes. O direito é uma delas e exerce papel fundamental para o impulso à
cooperação.
No entanto, quando utilizada de forma indevida o direito a reprime
severamente. O direito não reconhece a cooperação como um sendo algo absoluto,
pelo simples fato de algumas vezes não ser utilizada como forma de difusão do
conhecimento social, como deveria ser, mas sim como uma forma obter indevida
vantagem, como no exemplo dos cartéis de posto de gasolina, por exemplo.48
O papel fundamental do direito para a afirmação da cooperação é o de regular
suas ações, assemelhando-se do método utilizado nos idos tempos da Europa
Medieval, só que agora através de um instituto chamado de auto-regulação.
Conforme dito acima, naquela época o que se fez foi criar regras sob as quais todos
deveriam se submeter. Agora não é diferente. Através da auto regulação, os
cooperadores se auto gerenciam, criam suas próprias regras e alicerçam-se sobre
elas. Importante frisar que para haver qualquer problema durante o cumprimento
dessas regras elas devem obrigatoriamente ser pré acordadas, pois nesse caso
ninguém poderá afirmar que não tinha conhecimento sobre determinado regramento.
Neste sentido, interessante trazer novamente o conhecimento o pensamento
de Salomão Filho.
47 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. São Paulo. Ed. Malheiros, 2002. p. 53. 48 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. São Paulo. Ed. Malheiros, 2002. p. 53.
36
Finalmente, e não menos importante, é preciso reconhecer o valor jurídico da cooperação e daí tirar conseqüências. A própria teoria econômica (teoria dos jogos) chega a essa conclusão, ainda que por vias tortas. Para os teóricos dos jogos cooperativos a típica estratégia, que pode levar a confusão, requer que não se faça muitas elucubrações sobre a racionalidade ou a justificativa do comportamento da contraparte. O comportamento deve ser, o mais possível, simples e compreensível aos demais, para que possa criar um ambiente cooperativo. Não se pode, portanto, confiar muito em regulações complexas do ponto de vista teórico, que procurem atuar complexas teorias econômicas. Teorias mais simples, baseadas em valores e comportamentos éticos claramente identificáveis, têm muito maior probabilidade de levar a um ambiente de cooperação entre regulador e regulado.49
Ou seja, o papel regulador do direito possui extrema importância na
cooperação, mas deve ser feito de forma simples e objetiva, tornando-se regra
perfeitamente entendível a todos os envolvidos.
Traçando um paralelo com a análise econômica do direito, podemos fazer
menção ao instituto da cooperação como algo benéfico para as pessoas. Roberto
Axelrod, analisa os benefícios desta prática a partir da teoria dos jogos, mais
especificamente com o afamado Dilema do prisioneiro. Para tanto, é de suma
importância que se trace uma definição acerca do tema.
O dilema do prisioneiro foi criado na década de 50 (cinqüenta), durante a
elaboração da já conhecida teoria dos jogos50, quando os estudiosos americanos
Merril Flood e Melvin Dresher produziam seus estudos na RAND Corporation no
estado americano da Califórnia, sendo aperfeiçoado ao longo dos anos
subsequentes por inúmeros estudiosos.
Em termos práticos, entretanto, a utilização deste dilema já ocorria nos
campos da 1ª Guerra Mundial, quando então alguns soldados britânicos avistavam
invasores alemães nas trincheiras ao alcance de seus fuzis, e nada faziam,
aplicando, então, a política de “Viva e deixe viver”, nas palavras de Dugdale.
49 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. São Paulo. Ed. Malheiros, 2002. p.56 50Na essência, a teoria dos jogos reconhece que a conduta a ser adotada por um sujeito, em face de certo conflito em face de terceiros, é fortemente influenciada pelas expectativas relacionadas à conduta alheia. Uma pessoa adota suas decisões não apenas como uma solução puramente pessoal. Toma em vista o conjunto de ações e reações pessoais e do outro, tal como os possíveis resultados que poderão ser obtidos a partir da conjugação desses fatores. A teoria dos jogos alicerça-se na concepção de que a decisão adotada individualmente é produto de uma avaliação racional acerca da obtenção da melhor relação custo-benefício possível – o que não significa assumir que se trata de uma estimativa puramente econômica. A natureza do custo ou do benefício depende das circunstâncias e o que o sujeito sempre pretende é obter a maior vantagem possível a partir das escolhas realizadas. JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo. Ed. Dialética. 2002. P. 48
37
Surpreso ao observar os soldados alemães andando no território próximo ao alcance dos fuzis atrás de sua própria linha. Nossos homens nem pareciam notar. Pessoalmente decidi acabar com aquela situação quando assumíssemos, pois não deveriam ser permitidas. Evidentemente, eles não sabiam que a guerra já havia começado e os dois lados acreditavam na política do “Viva e deixe viver”.51
Definitivamente, a cooperação pode surgir nos lugares e ocasiões menos
esperadas.
Na Análise Econômica do Direito, cuja metáfora é o dilema do prisioneiro52, a
dúvida consiste na escolha de cooperação (ou não) feita por indivíduos em situações
específicas, geralmente envolvendo assimetria de informações.
A exemplificação do dilema é feita a partir da situação de duas pessoas que
são detidas em virtude da suspeita de praticar um determinado delito. Algumas
situações podem surgir a partir disso. Imagine-se que ambos os indivíduos se
encontram incomunicáveis, que a autoridade policial não dispusesse de provas
contundentes acerca dos delitos imputados, e que ambos tivessem informações
acerca do delito cometido pelo outro bastantes para a condenação. Neste quadro, se
cada um, diante da autoridade policial, dissesse algo completamente divergente do
outro, fornecendo as informações de que a autoridade policial necessitaria. A
posição de cada um deles poderia se tornar mais gravosa. No entanto, ao contrário
seria se ambos colaborassem um com o outro.
Apresentando uma posição avessa a doutrina cooperativista tradicional,
importante frisar, Marçal Justen Filho exemplifica esta situação do dilema do
prisioneiro, conforme abaixo.
51 DUGDALE, G. Langemarck and Cambrai. Shrewsbury, U.K. Wilding and Son. 1932. P.94 52 Os americanos Douglas G. Baird, Robert H. Gertner e Randal C. Picker, autores do livro Game Theoryandthe Law, publicado pela primeira vez em 1994 pela revista da Universidade de Harvard, afirmam que o dilema do prisioneiro é um dos primeiros modelos teóricos sobre o qual se estruturou a teoria dos jogos. Sua estrutura é bastante simples. Imaginem-se dois prisioneiros, a serem interrogados pela prática do mesmo crime, e suponha-se que a cada um deles é dito que se, se confessar e delatar o outro, será perdoado e o outro terá pena máxima, enquanto que se ambos confessarem e delatarem, ambos terão a pena básica do crime. Por outro lado, se nenhum dos dois confessar, serão aplicadas penas de 5 anos para cada um, relativa ao crime mais simples. O comportamento estratégico individual de cada um leva a ambos jogadores a confessarem. Essa é, seguramente, a melhor estratégia individual, pois qualquer que seja o comportamento do outro jogador, o comportamento mais conveniente será sempre confessar. O que ocorre é que, nesse caso, as estratégias individuais representam para os prisioneiros uma opção pior que o comportamento que visa a maximização da utilidade coletiva (que ocorreria se nenhum dos dois confessasse).D.Baird, C. Gertner, R. Pickner. Game Theory and the Law. Library of Congress Cataloging-in Publication Data. First Harvard University Press Paperback Edition, 1998, Third Printing. p. 48
38
Imagine-se que os dois criminosos estão incomunicáveis entre si e a
autoridade policial propõe a cada qual um acordo. Consiste em confessar a
prática do crime e atribuí-la à responsabilidade do outro. Em tal hipótese, o
sujeito será liberado (inclusive no tocante à infração de trânsito) e o
cúmplice será condenado a dez anos de prisão. Mas essa oferta apenas
pode ser mantida caso o outro cúmplice não aceite idêntica proposta. Se
ambos confessarem, serão condenados cada qual a cinco anos de prisão.
Se nenhum dos dois confessarem, será impossível promover a condenação
de qualquer deles pelo crime, mas haverá uma punição muito severa pela
infração de trânsito. Serão condenados ambos a um ano de prisão.53
Ou seja, o dilema do prisioneiro reflete o verdadeiro espírito da necessidade
de cooperação, eis que o pensamento individualista num primeiro momento pode
parecer mais vantajoso, no entanto, ao passo que você analisa as escolhas, percebe
que a colaboração entre si é a melhor delas, haja vista que o egoísmo de ambos
pode refletir numa pena muito mais severa para cada um dos indivíduos.
Robert Axelrod é mais enfático e afirma que o dilema do prisioneiro consiste
em duas escolhas, cooperar ou desertar. Sendo que cada um dos “jogadores”
deverá fazer as suas escolhas sem que o seu adversário tenha qualquer ciência. O
interessante é que não importa o que o outro indivíduo faça a deserção sempre será
mais vantajosa, salvo se ambos desertarem. Ou seja, se ambos desertarem, sairão
mais prejudicados do que se tivessem optado pela cooperação. A racionalidade
individual leva a resultado pior para ambos. “Daí o dilema”.54
Interessante o pensamento esboçado por Axelrod. Se o pensamento
individualista via de regra será mais vantajoso, porque então cooperar? É ai que
está à chave da questão. A cooperação tem como escopo retirar essa máxima do
pensamento individualista, baseando-se numa relação de colaboração entre um o u
mais indivíduos no sentido de buscar um objetivo comum.
No entanto, ainda segundo Axelrod existem quatro sugestões básicas para
que a aplicação do dilema seja efetiva, são elas: (i) Não sentir inveja;(ii) Não ser o
primeiro a desertar; (iii) retribuir tanto a cooperação quanto a deserção e, por fim;(iv)
não ser “esperto demais”.
A primeira das sugestões consiste no simples motivo de que a inveja ao outro
em nada resulta, uma vez que o seu sucesso é praticamente conseqüência do
53 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo. Ed. Dialética. 2002. P. 48 54AXELROD, Robert. A evolução da cooperação. Traduzido por Jusella Santos. São Paulo. Ed. Leopardo, 2010. P. 7 e 9
39
sucesso de seu oponente. Na segunda, a deserção também não levará o individuo a
lugar algum, haja vista que certamente provocará a retaliação do seu oponente. Na
terceira delas, segundo o autor acima destacado, segue-se a política do “olho por
olho”, fazendo com que as pessoas tenham as mesmas atitudes, via de regra, com o
escopo de retaliar o outro. Por fim, mas não menos importante, não tente ser esperto
demais, pois você pode gerar desconfiança dos demais e, por consequência,
retaliações.55
Seguindo-se as sugestões acima se vê sentido em cooperar, em colaborar
uns com os outros.
Não se pode negar que a influência deste dilema sobre o conceito que se
deve ter sobre a cooperação é avassaladora, uma vez que dele se extrai a
importante ideia de que a atuação em conjunto pode ser mais vantajosa do que a
atuação individual, conforme acima explicitado.
Diante dos argumentos expostos, se torna inegável, portanto, que a
cooperação se mostra como via alternativa para o desenvolvimento econômico.
Diante de um mundo cada vez mais globalizado, sociedades periféricas necessitam
de fontes alternativas de desenvolvimento e a cooperação, conforme já sustentado,
mostra-se bastante eficaz quando sensibilizada com a realidade local.
No entanto, na ordem capitalista na qual a sociedade está inserida nos dias
de hoje, o que é solidário e coletivo se transforma em individual.
55SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. São Paulo. Ed. Malheiros, 2002. p.104, 116.
40
SEÇÃO 3 – ECONOMIA SOLIDÁRIA: A TENTATIVA DA CONSTRUÇÃO DO
TRABALHO E RENDA NO DESEMPREGO ESTRUTURAL
Os momentos de crise econômica geram problemas estruturais na
sociedade que são bastante alarmantes. O desemprego estrutural é um deles.
O desemprego estrutural ocorre quando num determinado momento de
crise, há um problema deficitário de ofertas de emprego no mercado, ou seja, o
número de vagas ofertadas pelo mercado não supre, em nenhuma hipótese, a
demanda que a classe trabalhadora exige. O que de certo modo, acaba por agravar
ainda mais o cenário de crise econômica vivido por determinado país ou região.
Segundo parte da doutrina, a evolução conceitual do desemprego estrutural
originou-se há muitos anos atrás, quando a tecnologia passou a substituir o
operariado, fazendo com que muitas pessoas perdessem seus empregos para dar
lugar as máquinas, cada vez mais avançadas e produtivas.
Para Jeremy Rifkin.
O ritmo acelerado da automação está levando a economia global rapidamente para a era da fábrica sem trabalhadores. Entre 1981 e 1991, mas de 1,8 milhão de empregos na área industrial desapareceram nos Estados Unidos. Na Alemanha, os fabricantes demitiram trabalhadores ainda mais rapidamente, e eliminaram mais de 500 mil empregos apenas em um período de 12 meses, entre 1992 e 1993. o declínio dos empregos no setor da produção fez parte de uma tendência de longo prazo que foi crescentemetne substituindo seres humanos por máquinas no local de trabalho. Na década de 50, 33% de todos os trabalhadores nos Estados Unidos estavam empregados no setor industrial. Nos anos 60, o número dos empregados nesse setor caiu para 30% e, na década de 80, para 20%. Atualmente, menos de 17% da força de trabalho está empregada no setor industrial.56
Todavia, a proposta a se apresentar aqui é a de visualizar na Economia
Solidária, uma possível saída para esse problema, tendo em vista sua capacidade
de gerar, ou ao menos tentar construir trabalho e renda neste alarmante cenário.
56 RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o contínuo crescimento do desemprego em todo o mundo. São Paulo, SP: M. Books, 2004. P. 8
41
E para que se possa entender o seu surgimento57 no Brasil é preciso ter a
consciência de que o movimento simplesmente não emergiu do nada, como se fosse
uma resposta mágica contra as mazelas da sociedade. Alguns acreditam que o
movimento já existia e obteve vida própria em virtude de algum interesse especifico,
qual seja o de atender uma parte político-ideológica da sociedade. Mas na verdade,
o instituto da economia solidária já era praticado através do cooperativismo,
economia popular, economia informal, autogestão etc., só não possuía nomenclatura
específica.
Ocorre que parte da doutrina que se debruça sobre o tema, afirma que uma
das maiores deficiências dos termos economia informal e popular é que eles são
modelos com problemas de definição estrutural e mal conceituados, ao passo que se
tentou criar um novo campo para uma nova construção teórica e ideológica, surgindo
aí o termo economia solidária
Isabelle Guérin, afirma que o conceito de economia solidária foi sendo
construído ao longo do tempo, empiricamente, através das experiências dos que
dela participam, vejamos o que diz a autora.
A economia solidária foi progressivamente definida de um modo empírico, a
partir das práticas dos atores. Em seu sentido mais amplo, ela agrupa o conjunto das
iniciativas econômicas privadas (isto é, autônomas em relação ao Estado) que
apostam mais no interesse coletivo e na solidariedade que na busca do lucro.58
No Brasil, um dos primeiros autores a definir um conceito aproximado acerca
do tema Economia e solidariedade foi o chileno Luiz Razeto, que em 1993 afirmou
que a economia solidária é
57 Para encontrar as origens da economia solidária no Brasil, podemos partir do quadro das condições socioeconômicas e políticas das últimas décadas, podemos falar dos embates da sociedade civil frente à crise e ao desemprego estrutural, do terreno onde vão brotar as experiências de economia solidária ou podemos fazer o caminho no sentido contrário. Partir do que temos hoje no campo da economia solidária e voltar para trás para ver em que condições, onde, por que e como os passos foram dados. Os dois procedimentos têm suas vantagens e inconvenientes, o melhor então é mesclá-los. (...) No Brasil, para a economia solidária tornar-se uma problemática, ela teve que aparecer como um setor próprio e digno de interesse específico. Essa decisão é, a nosso ver, de ordem teórico-político-ideológica. O que hoje é denominado de economia solidária ficou por décadas imerso, e ainda o é em muitos casos, no que a literatura científica chama de autogestão, cooperativismo, economia informal ou economia popular. Uma prova disto é a polêmica, ainda existente, a respeito do atributo popular acrescido à economia solidária ou ao cooperativismo, denominados então de economia popular solidária, ou cooperativismo popular. LECHAT, Noelle Marie Paule. Economia Solidária. Volume 1. P.10. Disponível em < http://www.uff.br/incubadoraecosol/docs/ecosolv1.pdf> Acessado em 09/03/2015. 58 GUÉRIN, Isabella. As mulheres e a economia solidária. Traduzido por Nicolás Nyimi Campanário. Ed. Loyola. São Paulo, 2005. P. 13
42
[...] uma formulação teórica de nível científico, elaborada a partir e para dar conta de conjuntos significativos de experiências econômicas (...), que compartilham alguns traços constitutivos e essenciais de solidariedade, mutualismo, cooperação e autogestão comunitária, que definem uma racionalidade especial, diferente de outras racionalidades econômicas.59
O que o autor procurou explanar não se trata de uma definição exata, eis que
é muito difícil se conceituar com precisão cirúrgica, tendo em vista a complexidade
do tema, no entanto, Razeto procurou esboçar que a partir de determinadas
experiências dos ramos da solidariedade, cooperação e da autogestão comunitária é
possível se aproximar de um pensamento acerca do que possa se tratar
efetivamente a economia solidária, corroborando, portanto, com o pensamento de
Isabelle Guérin, pois a princípio, o conceito de Economia Solidária deve ser extraído
do dia-a-dia.
Fato é que se for pensar radicalmente, chega-se a conclusão de que os ideais
da economia solidária nasceram lá atrás, desde a época do socialismo utópico de
Robert Owen e Charles Fourrier, que certamente foram os dois maiores
protagonistas dos movimentos sociais e políticos na Inglaterra do século XIX, tendo
o cooperativismo recebido destes autores sua fonte de inspiração inicial.60
No entanto, o foco neste capítulo não é dissertar a respeito da origem
histórica, mas sim priorizar a maneira como a economia solidária se reinventou61 e
foi introduzida no Brasil, já no final do século XX.
No século XX, a economia solidária surgiu como fonte alternativa de produção
de trabalho. Em virtude das grandes crises econômicas que assolaram o final da
década62 de 80 e início da década 90, inúmeras foram às empresas que tiverem seu
59 RAZETO, L. Economia de solidariedade e organização popular. In: GADOTTI, M. e GUTIERREZ F. (Orgs). Educação comunitária e economia popular. São Paulo: Cortez, 1993. p. 40 60 SINGER, Paul. Introdução a economia solidária. 1ª Ed. 5ª reimpressão. São Paulo. Editora: Perseu Abramo, 2012. P. 38 61 A reinvenção da economia solidária é tão recente que se torna arriscado projetar a sua tendência de crescimento acelerado para o futuro. Em grande medida, as empresas solidárias são resultados diretos de falências de firmas capitalistas, da subutilização do solo por latifundiários (o que permite, no Brasil, exigir sua expropriação para fins de reforma agrária) e do desemprego em massa. Pode-se projetar a vasta crise do trabalho que atingiu a maioria dos países nos anos 80 e 90 do século XX para as próximas décadas? SINGER, Paul. Introdução a economia solidária. 1ª Ed. 5ª reimpressão. São Paulo. Editora: Perseu Abramo, 2012. P. 113 62 Um momento importante, levantado por Paul Singer sobre a retomada da Economia Solidária nos anos 80 e 90, com a crise do emprego ou com o desemprego estrutural, foi a criação, em 1994, durante a realização do 1º Encontro dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão, da ANTEAG – Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária. Surge a associação, segundo Singer, para assessoria aos empreendimentos solidários da época, ajudando-
43
fim nesse período, deixando a mercê do mercado de trabalho um grande número de
trabalhadores que se viram abruptamente desamparados.
Nesse sentido, uma nova concepção de trabalho necessitava emergir, um
método que fosse capaz de ser solidário com aqueles que não tinham posição no
mercado capital, um método que fizesse prevalecer práticas cotidianas baseadas na
produção solidária e que ao mesmo estabelecesse uma cultura de trabalho capaz de
suprir a necessidade dessas pessoas.
Lia Tiriba, classifica essa nova concepção como “um conjunto de práticas,
valores e conhecimentos que se materializam no processo de trabalho propriamente
dito, conjunto esse que se plasma não só nas relações de mercado, como também
nas relações de convivência internas e externas ao empreendimento63”.
Já Paul Singer, um dos maiores defensores deste modelo de produção de
trabalho classifica a economia solidária como uma possível saída ao tradicional
mercado capitalista, em suas palavras, “um modo de produção e distribuição
alternativo ao capitalismo64”.
Na verdade, Paul Singer explica o porquê de acredita nesse modo alternativo
de produção de trabalho, pois para ele a economia solidária baseia-se em alguns
princípios básicos que são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito
à liberdade individual. Mostrando-se completamente o oposto do mercado capitalista
que para Singer é dominada pela classe proprietária possuidora do capital e
dominadora da classe trabalhadora, que vende sua força de trabalho, o que para ele
acaba resultando numa competição dura e desigual65.
É fácil a percepção de que o entendimento de Singer acerca do tema não é
apenas econômico, mas também político e ideológico. Para aqueles que estudam o
tema, a defesa da positividade da economia solidária é baseada numa construção
ideológica e militante de que este modelo se trata de uma nova concepção de
mudança da sociedade e não somente uma mera discussão de que tal modelo é
ruim e esse é bom, ou seja, se deve ir além da discussão política ou econômica,
os na luta dos trabalhadores pela preservação dos seus postos de trabalho e ao mesmo tempo pelo fim da subordinação ao capital. OPUSZKA, Paulo Ricardo. Cooperativismo popular: os limites da organização coletiva do trabalho a partir da experiência da pesca artesanal do extremo sul do Brasil. 249 fls. Tese de doutorado – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010. p. 41 63 TIRIBA, Lia Vargas. O trabalho no olho da rua: fronteiras da economia popular e da economia informal. Proposta/Fase, n° 97, jul./ago. 2003. p. 38-49 64 SINGER, Paul. Introdução a economia solidária. 1ª Ed. 5ª reimpressão. São Paulo. Editora: Perseu Abramo, 2012. P. 113 65 Ibidem. P. 10
44
para compreendê-la se deve ir mais fundo e Jean-Louis Laville, sociólogo e
economista francês, corrobora com essa opinião, afirmando o seguinte, “o projeto de
uma economia solidária só será perceptível através desta dupla inscrição na esfera
política e na esfera econômica”66.
No entanto, o fato deste projeto possuir forte conotação ideológica acaba se
tornando alvo fácil das críticas pesadas a respeito do tema. É o que faz Carlos
Montaño, ao apresentar o livro do autor Henrique Wellen “Para a crítica da economia
solidária”. Em suas palavras.
A chamada “Economia Solidária” não tem raízes nem semelhanças na Economia política dos ingleses do século XVIII e XIX. Estes tinham um certo viés critico, uma perspectiva integral da realidade capitalista foi fundamental para que Marx desenvolvesse sua Crítica da Economia Política. Contrariamente, a chamada “Economia Solidária” se pretende hoje ilusoriamente uma saída não capitalista ao mercado capitalista, sem apresentar uma análise crítica dos fundamentos da sociedade nem uma perspectiva integral do sistema capitalista. Sua pobreza teórica, no entanto, não diz respeito ao significativo papel político, ideológico e até econômico que apresenta nos dias atuais, gerando força de trabalho barata para o capital em reestruturação, deslocando o foco da luta política de setores da classe trabalhadora, e criando a fantasia ideológica de estar inserida num processo de transformação da realidade, supostamente “minando” o capitalismo aos poucos.67
No entanto, mesmo nas críticas é possível visualizar o lado positivo deste
modelo, haja vista que mesmo o autor que tece duras críticas ao modelo da
Economia Solidária, registra a importância econômica que o modelo detém.
Fato é que efetivamente acredita-se que esse modelo pode dar certo se
aplicado da maneira correta, em razão da sua importante fonte de geração de
trabalho e renda para os trabalhadores, consolidando-se no Brasil como importante
modelo alternativo de economia em momentos de crises econômicas avassaladoras,
como a que se vive nos dias de hoje.
Essa prática, denominada Economia Solidária, é pautada e alguns princípios,
que de certa forma, norteiam e orientam aqueles que dela extraem seus benefícios.
É desses princípios que vamos falar a partir de agora.
66 LAVILLE, Jean-Louis. Avec Mauss e Polanyi. Vers une théorie de l´économie plurielle. Revue du M.A.U.S.S.L´Alter-Economie. Quelle “autre mondialisation”? Paris: La Découverte-M.A.U.S.S. N° 21, Premier Semestre, 2003. p. 237-249. Citado por Anne Marie Wautier em: O trabalho Solidário: Impactos e Desafios. Disponível em < http://wp.ufpel.edu.br/trabalho/files/2013/10/trabalhosolidario.pdf>. Acessado em 09/03/2015 67 WELLEN, Henrique. Para a crítica a economia solidária. 1ª Ed. Editora: Outras Expressões. São Paulo, 2012. P. 10
45
Importante destacarmos que um sistema jamais pode ser regrado tão
somente por princípios ou regras, nesse sentido afirma.
Um sistema só de regras geraria um ordenamento rígido e fechado, exigindo uma quantidade absurda de comandos para atender às necessidades naturalmente dinâmicas da sociedade - problema que não passou desapercebido a Canotilho. Por sua vez - assevera o mencionado constitucionalista -, um ordenamento jurídico exclusivamente principiológico produziria insegurança, haja vista o elevado grau de abstração dos princípios, voltados de modo secundário à prescrição de comportamentos.68
Por outro lado, não há como se pensar na existência de um sistema
organizado sem o regramento exarado pelos princípios e normas.
Neste sentido, ninguém melhor que (SILVA, 1994), para classificar e
conceituar os temas.
Vejamos.
A palavra princípio é equívoca. Aparece com sentidos diversos. Apresenta a acepção de começo, de início. Norma de princípio (ou disposição de princípio), significa norma que contém o início ou esquema de um órgão, entidade ou de programa, como são as normas de princípio institutivo e as de princípio programático.
Não é nesse sentido que se acha a palavra
princípios da expressão princípios fundamentais do Título I da Constituição. Aí exprime a noção de «mandamento nuclear de um sistema. As normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagens ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeterem-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem. Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais. Mas, como disseram os mesmos autores, os princípios, que começam por ser à base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização constitucional.69
Ou seja, para José Afonso da Silva, o princípio constitui preceito básico de
uma organização constitucional, tamanha sua importância.
Partindo desta premissa, passará a se tratar neste momento dos princípios
que servem de alicerce para construção do modelo da economia solidária.
68 BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes. Princípios de Direito Administrativo Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. P. 78 69 SILVA, Josá Afonso da. Os princípios constitucionais fundamentais. Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Brasília, v. 6, n. 4, p. 17-22, out./dez. 1994
46
A economia solidária possui como base estrutural para construção de sua
ideologia quatro princípios básicos, são eles. Autogestão, Cooperação,
Solidariedade e a Democracia. Para Novaes, o que se vê na Economia Solidária é a
junção e defesa da combinação entre “autogestão da produção e a competição no
mercado, cooperação e competição, eficiência da cooperativa e anarquia da
produção70.
No entanto, não se deve permanecer engessado no que diz respeito a se
conceituar tais princípios, não se pode, nem deve, extrair deles um conceito básico,
sendo necessária a compreensão da sua extensão e importância.
Quando tratamos do princípio da autogestão, a primeira ideia que vem a
mente é que se trata de uma espécie de auto governabilidade, o que não é de todo
errado. Mas é preciso ir além.
Apenas a título de contribuição histórica71, cumpre informar que a autogestão
foi um grande problema para as cooperativas européias do final do século XIX, uma
vez que estas não admitiam a aplicação desta ideologia, degenerando, portanto, as
formas de aplicação da Economia Solidária.
Hoje, a autogestão é uma das experiências de maior desafio para aqueles
que participam do projeto da economia solidária, uma vez que vivência de
subordinação laboral está enraizada na cultura do brasileiro, o que acaba tornando a
efetiva aplicação deste princípio um pouco mais tortuosa.
Paul Singer afirma que o princípio da autogestão possui grande potencial
educativo, em virtude das experiências que dela se extrai. Nela é possível moldar
determinado indivíduo, desde que este esteja disposto a cooperar com o próximo,
tendo como diretriz valores e crenças ideológicas72.
70 NOVAES, H. T. Qual autogestão? Revista da Sociedade Brasileira de Economia Politica. v. 18, p. 70-95, 2008 71 No caso específico da economia solidária, um momento crucial de degeneração foi a recusa das grandes e poderosas cooperativas de consumo européias, no fim do século XIX, de adotar a autogestão nos estabelecimentos fabris e comerciais que iam criando. O mesmo foi feito pelas grandes cooperativas agrícolas, na Europa e América do Norte e mais tarde nos demais continentes. O que chocou as lideranças históricas do cooperativismo, principalmente de extração socialista cristã, que davamprioridade às cooperativas de produção autogeridas como meio de libertação da classe operária. Seguiu-se uma polêmica na qual se formulou a teoria de que cooperativas de produção não tinham condições de se desenvolver no seio do capitalismo. SINGER, Paul. Economia Solidária: um modo de produção e distribuição. Disponível em < https://financassolidarias.files.wordpress.com/2012/10/economia-solidc3a1ria-paul-singer.pdf>. Acessado em 10/03/2015. 72 SINGER, Paul. Economia solidária: um modo de produção e distribuição. In: SINGER, Paul; SOUZA, André R. (orgs.). A Economia Solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000. p.11-28
47
Já para Elei Chavier Martins, autogestão é classificada como “um modelo de
gestão alternativa, que penetra nos campos das práticas sociais e políticas, frente a
uma estrutura social, político e econômica sustentada na exploração, na alienação e
na desigualdade de classes”73. E mais, afirma ainda que a “autogestão constitui um
movimento que, a partir do trabalho, visa a construção de relações democráticas
entre as pessoas, resgatando e valorizando a dimensão humana daqueles que
convivem para produzir”74.
Ou seja, a autogestão possui característica formadora do indivíduo, tendo
como principal função adequar a pessoas a nova realidade, pautada na
solidariedade e união entre pessoas.
Se assim for, o primeiro passo para o empreendimento solidário prosperar
terá sido dado e a partir daí as coisas tendem a dar certo.
Outro importante princípio característico da economia solidária é o da
cooperação, já tratado neste capítulo, mas que merece destaque por ser de
fundamental importância para a economia solidária.
Para Salomão Filho, a cooperação deveria ser intrínseca ao indivíduo, mas
sabemos que não é. E mais, nos dias de hoje é algo que pouco se vê, pois estamos
de frente com um mercado ávido, globalizado e cada vez mais individualista75.
A cooperação possui como principal escopo a contribuição para um processo
de interação social dentre aqueles que do projeto de economia solidária participam,
faz com que exista uma constante busca por um objetivo comum através de ações
compartilhadas, pois ao final, o benefício será repartido entre todos.
Historicamente, segundo Scheneider, a importância da cooperação como um
processo sistemático, tem origem a partir da metade do séc. XVIII, vejamos.
Todas as iniciativas de cooperação existentes antes do séc. XIX caracterizaram-se por uma cooperação informal e assistemática, como as
73 MARTINS. Elei Chavier; SGUAREZI, Sandro Benedito; LUCONI JUNIOR, Wilson. Processos grupais e autogestão: uma análise acerca dos empreendimentos associativistas na Gleba Triângulo em Tangará da Serra – MT. In: Zart, Luiz Laudemir et al. (orgs.) Educação e socioeconomia solidária – processos organizacionais socioeconômicos na economia solidária. Cáceres, MT: Unemat, 2009, p. 68. (Série sociedade solidária, v.3) 74 MARTINS. Elei Chavier; SGUAREZI, Sandro Benedito; LUCONI JUNIOR, Wilson. Processos grupais e autogestão: uma análise acerca dos empreendimentos associativistas na Gleba Triângulo em Tangará da Serra – MT. In: Zart, Luiz Laudemir et al. (orgs.) Educação e socioeconomia solidária – processos organizacionais socioeconômicos na economia solidária. Cáceres, MT: Unemat, 2009, p. 68. (Série sociedade solidária, v.3) 75 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. São Paulo. Ed. Malheiros, 2002. pág. 51/52
48
formas de ajuda mútua existentes entre a população rural de vários países. Apenas algumas experiências de exploração coletiva rural, levadas a efeito por grupos religiosos, as “guildas dos comerciantes” e as “corporações de ofício” da Idade Média e dos inícios da Idade Moderna, junto à escassa população urbana até então, revestiam-se de um caráter mais formal. A cooperação mais sistemática, que se daria dentro de certos parâmetros axiológicos e metodológicos, com a pretensão de instaurar um novo sistema econômico e social fundado na cooperação, teria lugar apenas a partir da segunda metade do séc. XVIII. Esse novo modelo conceitual foi construído e aperfeiçoado na vivência concreta e inspirado nas orientações e doutrinas defendidas pelos “precursores do cooperativismo”, que se situam desde meados do século XVIII até a fundação da cooperativa matriz de Rochdale, em 1844, na Inglaterra.76
Ou seja, o ideal sistemático de cooperação nasce da união de pessoas com
um propósito único, qual seja o de sobreviver aos malefícios que o assédio da
produção industrial em larga escala produzia sobre os operários ingleses no final do
século XIX.
A importância do ideal de cooperação é infinita e permite a propagação do
conhecimento econômico, uma vez que a partir dela é possível se fazer
comparações de utilidade social e individual, possibilitando às pessoas o
conhecimento de mais uma alternativa de comportamento social, qual seja, o
baseado na ajuda mútua77.
Sendo compreendida pelas pessoas a importância do princípio da cooperação
entre si, o segundo e largo passo para que a prosperidade do empreendimento
solidário seja alcançada, certamente terá sido dado.
O terceiro princípio abordado é o da solidariedade que para Pedro Buck
Avelino é
Atuar humano, de origem no sentimento de semelhança, cuja finalidade objetiva é possibilitar a vida em sociedade, mediante respeito aos terceiros, tratando-os como se familiares fossem; e cuja finalidade subjetiva é se auto realizar, por meio da ajuda ao próximo.78
O respeito ao princípio da solidariedade pressupõe um vivenciar harmonioso
entre as pessoas, imprescindível para que qualquer modelo de economia solidária
siga adiante.
76 SCHENEIDER, José Odelso. Democracia, participação e autonomia cooperativa. 2.ª edição. São Leopoldo: Unisinos, 1999, p. 33 77 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. São Paulo. Ed. Malheiros, 2002. P. 56 78 AVELINO, Pedro Buck. Princípio da solidariedade: imbricações históricas e sua inserção na constituição de 1988. Revista de Direito Constitucional e Internacional. n 53, out/dez. São Paulo: RT, 2005. P. 250
49
Para Amélia do Carmo Sampaio Rossi, a solidariedade é
É a idéia de ajuda mútua, de união de esforços, que permeia todas as relações cooperativistas. Conforme já se ressaltou em capítulo próprio, a solidariedade implica a possibilidade da percepção do outro, no senso ético de responsabilização por ele, e, assim, a superação da visão individualista do ser. O cooperativismo só pode se desenvolver positivamente baseado no valor da solidariedade. Se acima se afirmou que a prática cooperativa ajuda a formar o indivíduo em uma vivência democrática, não seria incorreto afirmar também que a vivência cooperativa estimula o desenvolvimento do sentimento de solidariedade entre os cooperados. A idéia básica da cooperação é atuação em conjunto, cooperar. 79
Ressalta-se, compreender a importância do princípio da solidariedade
significa entender que há de se ter certa preocupação com a contribuição para
resolução de problemas da coletividade80.
Por fim, mas não menos importante, há de se discorrer acerca do relevante
papel do princípio da democracia frente aos empreendimentos solidários.
Há de se entender que em qualquer empreendimento solidário é necessária a
existência de uma condição de igualdade, onde haja direitos iguais para todos que
deste modelo participam.
É a democracia participativa que visa garantir esses direitos.
Tomando-se uma cooperativa como exemplo, sabe-se que nela há de existir a
garantia da democracia participativa, sob pena do empreendimento ruir caso não
seja afiançado esse direito.
Paul Singer aduz que uma forma organizacional de qualquer cooperativa
“permite e compele o diretamente interessado a participar nas discussões e
negociações de seu interesse”81, garantindo a ele uma participação em grau de
igualdade com qualquer outro participante.
Outro ponto de fundamental importância democrática é que em qualquer
empreendimento solidário pautado na igualdade e solidariedade, em especial as
sociedades cooperativas é que diferentemente de qualquer outra sociedade
empresarial, não é sequer levado em consideração o capital social de qualquer
pessoa, haja vista todos serem considerados iguais, importando tão somente a
79 ROSSI, Amélia do Carmos Sampaio. Cooperativismo a luz dos princípios constitucionais. 1ª ed./3ª reimpr./Curitiba: Juruá, 2011. P. 141 80 Ibidem. p.142 81 SINGER, Paul. Uma utopia militante: repensando o socialismo. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1999. P. 130
50
pessoa em si, bem como no quanto ela se encontra disposta em contribuir
solidariamente para o empreendimento, ou seja, no empreendimento solidário,
prevalece aquilo que determinada pessoa é como ser humano e não o quanto ela
tem no bolso.82
Havendo a garantia e respeito a estes princípios aqui tratados, a chance de
qualquer empreendimento pautado na economia solidária vir dar certo é grande.
Sem contar o fato de que o artigo 170 da nossa Carta magna de 1988 prevê
em seu caput a efetiva valorização ao trabalho humano. A teor do artigo, veja-se,
“artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios”.
O empreendimento solidário quando consolidado, mostra-se como um
importante vetor para o cumprimento da valorização do trabalho humano. Quando
acima tratamos do principio da solidariedade, não se tratou e o explicou em vão. O
principio da solidariedade aplicada nos empreendimentos solidários, são a defesa da
valorização do trabalhador. O empreendimento solidário possui essa conotação
agregadora possibilitando que o trabalho daquelas pessoas seja efetivamente
valorizado e certamente não se está a falar aqui de valorização pecuniária, quando
abordamos o tema o tratamos como a valorização da pessoa, garantindo a ela sua
dignidade.
Neste sentido, Rossi afirma.
Isto posto, não demais reafirmar que o cooperativismo, como umas das alternativas que se estabelecem, atualmente, para dar possibilidade de inclusão social e econômica, de resgate da cidadania às pessoas colocadas à margem dos sistema econômico vigente, só pode trazer resultados positivos neste sentido, se os seus valores e princípios forem adotados internamente, como que inseridos na consciência dos cooperados, e passem a fazer efetivamente parte da pratica cooperativa83.
Não foi a toa que o constituinte de 1988 procurou garantir a dignidade dos
trabalhadores e quando o fez, foi pensando nos erros do passado, para que estes
não se repetissem na atualidade.
82 CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo brasileiro. 2ª reimpressão. Editora: Juruá. Curitiba, 2012. P.60 83 ROSSI, Amélia do Carmos Sampaio. Cooperativismo a luz dos princípios constitucionais. 1ª ed./3ª reimpr./Curitiba: Juruá, 2011. P. 75
51
A concepção de economia solidária se solidificou no final da década de 80 e
inicio da década de 90, conforme já afirmado na seção anterior, introduzida
efetivamente com o propósito de garantir a estas pessoas não abarcadas e
resguardadas pelas Constituição Federal, sabe se lá por que.
Fato é que o modelo se mostra definitivamente um defensor dos direitos
daquelas pessoas que enxergam na economia solidária um futuro próspero,
conforme prevê a CF de 1988, sem contar o fato de que o modelo também e muito
para o efetivo cumprimento da redução das desigualdades sociais e regionais,
também previstos no artigo 170 da CF, mas isso será abordado na próxima seção.
E é pautando-se nestes princípios e valores que se visualiza na economia
solidária uma das possíveis saídas para esse problema que assola as sociedades
em geral. Não no sentido de resolver o problema da falta de emprego, como se num
passe de mágicas o problema do desemprego no país estivesse resolvido com a
criação de empreendimentos solidários. Mas na perspectiva de melhora na condição
de cidadão daqueles que participam dessas iniciativas.
A economia solidária, conforme já esboçado anteriormente, possui
características únicas e que a diferem dos empreendimentos do mercado capitalista
em geral.
Qualquer empreendimento pautado na economia solidária deve atender a
determinados requisitos que por si só, e diante de suas características agregadoras,
impulsionam as pessoas para que estas atuem de maneira diferenciada, com olhar
mais humano e solidário.
O participante deste modelo, conforme demonstrado anteriormente produz e
trabalha de maneira igualitária ao seu semelhante, possibilitando que no futuro
ambos colham os frutos dos seus esforços conjuntamente.
Na verdade, a economia solidária procura alterar o papel do trabalhador no
cenário da economia, passando a ser ele o “ator” principal, sendo que iniciativas
coletivas como estas acabam gerando novas perspectivas no mercado economia.
Além do que, a expectativa de crescimento do empreendimento solidário, sem
dúvida alguma, também acaba gerando desenvolvimento social e econômico para
determinada região de atuação.
Alias, tanto é verdade que a visualização de crescimento dos
empreendimentos solidários pelo Brasil afora é indiscutível, em números de 2007,
52
existiam no Brasil mais de 21.857 empreendimentos solidários, divididos de maneira
variada através da sua forma de estabelecimento jurídico.
Vejamos.
Tabela 1 – Tabela informando o número de empreendimentos solidários no Brasil
FONTE: SIES - Sistema Nacional de informações em Economia Solidária
Tabela 2 – Tabela demonstrando a quantidade de empreendimentos solidários por
regiões.
FONTE: SIES – Sistema Nacional de informações em Economia Solidária
Ao se analisar friamente os números, é fácil a percepção de que a quantidade
de empreendimentos solidários no Brasil é deveras significante.
53
Se a análise for feita de região por região, notar-se-á que o Nordeste é a que
possui o maior número de empreendimentos solidários, totalizando em no ano de
2007, 9.498 empreendimentos solidários, ou seja, 43,5% de todos os
empreendimentos registrados no Brasil.
Todos sabem que a região Nordeste é uma das mais pobres do país, se não
for à maior, o que talvez justifique um maior número de empreendimentos solidários,
haja vista que certamente as pessoas visualizaram na economia solidária uma saída
para geração de trabalho e renda em virtude da inexistência de desenvolvimento
econômico e social.
Mais uma vez verifica-se a importância da existência deste modelo no Brasil.
Ademais, o artigo 170 da Constituição Federal, em seu inciso VII, aduz que
um dos princípios formadores da ordem econômica nacional é constante busca pela
redução das desigualdades sociais e regionais.
O que significa que toda e qualquer atividade estatal ou particular, deve se
encontrar em perfeito compasso com a realização de políticas públicas que
favoreçam o efetivo cumprimento a este princípio.
Conforme demonstrado acima, o empreendimento solidário se mostra
ferramenta indispensável para concretização da redução das desigualdades sociais
e regionais, contribuindo das mais diversas formas, seja através da redução da
pobreza local, seja através da aglutinação de fonte de trabalho em áreas rurais ou
distantes dos grandes centros, possibilitando a essas pessoas melhorias na sua
condição econômica e social, estando em perfeita consonância com os preceitos
fundamentais exarados na carta magna.
Ainda, podemos trazer ao conhecimento do leitor, outros dados importantes
de comprovação do crescimento desta nova economia, diz respeito ao elevado
aumento de municípios e empreendimentos participante da FEICOOP que em 1994
tinha a participação de 27 empreendimento, 13 municípios e a visitação de 4 mil
pessoas. Já em 2011, teve a participação 800 empreendimentos, 435 municípios e a
participação de mais 240 mil pessoas em visitas durante a realização da feira.
Vejamos.
54
Figura 3:
FONTE: Maiquel Rosauro, assessor de Imprensa da 18ª Feicoop e 7ª Feira de Economia
Solidária do Mercosul.
Empreendimentos participante da FEICOOP
E é por ser comprovadamente essa fonte alternativa de desenvolvimento
regional, que se vislumbra na economia solidária um importante papel para formação
e criação de um novo cidadão, que se preocupe com o próximo, em ser solidário,
humano, mas ao mesmo tempo se preocupe com o desenvolvimento econômico do
empreendimento, por que sabe que a consequência será positiva.
Entretanto, há que se ter em mente que a economia solidária é um discurso.
Por vezes as políticas públicas, bem como os agentes econômicos tentam apropriar-
se do mesmo ou coloniza-lo. Umas das tarefas da administração pública ou da
sociedade civil, é saber diferenciar a legitimidade dos empreendimentos
denominados como pertencentes da economia solidária.
55
CAPÍTULO II – POLÍTICAS PÚBLICAS E O SEU PAPEL NA SOCIEDADE
BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA: POSSIBILIDADES E LIMITES PARA
PROTEÇÃO DO TRABALHO
SEÇÃO 1 – UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO ESTATAL – DA TEORIA DO
ESTADO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTEGRAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO SOCIAL
Entretanto, cumpre observar que as crises advindas de períodos anteriores,
faz com que o Estado necessite tomar a frente e passe a intervir com o escopo de
promover ou ao menos tentar promover o desenvolvimento através de programas e
políticas públicas em prol do todo.
Para tanto, o cerne da discussão do presente capítulo ficará limitado à
tentativa de demonstrar o quão importante são essas práticas tomadas como
importante pelo Estado fazendo com que haja a inserção de determinada camada da
sociedade brasileira dentro de uma condição mínima de sobrevivência.
Mas todo e qualquer tema relacionado à conceituação e aplicação desse
modelo (políticas públicas), onde num primeiro momento, tem-se a ideia de que é
dever do Estado criá-las e aplicá-las, está e se mantém em evidência nos debates
acadêmicos e doutrinários nos últimos anos.
A Política pública não nasce por acaso, ao passo sua existência se dá em
virtude de uma efetiva necessidade demandada pela sociedade, ao passo que o
governo, através de estudos, demonstra a real necessidade de sua criação e
posterior aplicação na sua agenda de governo.
Políticas públicas são aquelas atividades desenvolvidas pelo Estado que,
através de um conjunto de ações capitaneadas pelo agente público, que de certo
modo, ajudam a promover o bem estar da sociedade como um todo, podendo existir
ações conjuntas no ramo da educação, saúde, lazer, cultura, etc.
56
Ou seja, pode-se considerar política pública qualquer ato praticado pelo
governo, desde que sua atenção esteja voltada para os fins públicos.
No livro Direitos Humanos e Políticas Públicas 84 , faz-se referência a um
conceito sobre o tema, citando Bonetti, o livro traz a ideia de política pública como
fator resultante de um jogo de poder, estabelecido por grupos econômicos e
políticos, classe sociais etc, vejamos:
[...] Referimo-nos aqui ao Estado, na perspectiva de Boneti, como sendo uma instituição não neutra. Ou seja, perpassada por valores ideológicos, éticos e culturais que apresenta, organiza, institucionaliza um conjunto de regras, normas e leis de interesse social. (...) Na perspectiva do mesmo autor, as políticas públicas como sendo as ações derivadas de um processo de construção social. Ou seja, as ações “resultantes da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder, constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes sociais e organizações da sociedade civil”. Essas relações vão determinar um conjunto de ações que serão atribuídas ao Estado. O que provoca o direcionamento ou redirecionamento de investimentos e de intervenção administrativa na realidade social.85
Ou seja, de acordo com o afirmado acima, a aplicação das políticas públicas
por parte do Estado pode ser, até certo ponto manipulada, de acordo com os
interesses de determinadas camadas sociais.
Por outro lado, as politicas públicas possuem fundamental importância para o
desenvolvimento de certas regiões, seja no âmbito social ou econômico.
Todavia, é muito difícil extrair desta categoria um conceito preciso acerca do
que efetivamente seja o seu real significado, haja vista sua vasta abrangência e
aplicação, o que torna o conceito lato sensu expressado no inicio do texto um pouco
confuso, uma vez que abarcaria uma gama enorme de possibilidades de encaixe.
Importante conceituação advém da opinião do Professor Carvalho Filho,
vejamos:
[...] diretrizes, estratégias, prioridades e ações que constituem as metas perseguidas pelos órgãos públicos, em resposta às demandas políticas, sociais e econômicas e para atender aos anseios oriundos das coletividades. [...] Diretrizes são os pontos básicos dos quais se originara a atuação dos órgãos; estratégias correspondem ao modus faciendi, isto é, aos meios mais convenientes e adequados para a consecução das metas; prioridades
84 Silva, Eduardo Faria; Gediel, José Antonio Peres; Trauczynski, Silvia Cristina. Direitos Humanos e Políticas Públicas. Curitiba. Universidade Positivo. 2014, P. 337 85 Silva, Eduardo Faria; Gediel, José Antonio Peres; Trauczynski, Silvia Cristina. Direitos Humanos e Políticas Públicas. Curitiba. Universidade Positivo. 2014, P. 337
57
são as metas obtidas mediante processo de opção ou escolha, cuja execução antecederá à exigida para outros objetivos; e ações constituem a efetiva atuação dos órgãos para alcançar seus fins. As metas constituem os objetivos a serem alcançados: decorrem, na verdade, das propostas que nortearam a fiação das diretrizes. Por fim, temos os elementos mobilizadores, ou seja, as causas responsáveis pelas políticas públicas. De um lado, as demandas sociais, políticas e econômicas, representando os fatos que, em determinado lugar e tempo, rendem ensejo à perseguição de metas especificas. De outro, os anseios das coletividades, que é o que resulta das vontades coletivas, vale dizer, os resultados que, efetivamente, podem causar satisfação às pessoas em geral.86
O mesmo autor aduz categoricamente que as políticas públicas possuem
caráter administrativo, portanto, sua execução deve ser manejada através de
instrumentos característicos, por consequência, finalizada pela administração
publica. Em suas palavras. “As políticas públicas refletem atividade de caráter
administrativo, exigindo-se que suas metas só possam ser alcançadas através de
diversos instrumentos, quase sempre manejáveis pelos órgãos da Administração
Pública”.87
Mas o que o isso quer dizer?
Objetivamente falando, o professor Carvalho Filho aduz que não é a simples
execução de atos com o intuito de atender os anseios da sociedade. Na verdade, é
mais complexo. Para que o poder público possa cumprir efetivamente todas as
exigências que emanam da sociedade em geral, se faz necessário a criação de um
planejamento estratégico para que esses possam ser executados com primor pelos
órgãos públicos. O poder público não pode se dar ao luxo de errar sempre, para
tanto, o tiro deve ser certeiro, estudado, planejado e bem executado, sob pena de
onerar ainda mais o estado88.
Portanto, para que possamos expressar uma conceituação mais precisa
acerca do tema, se mostra relevante trazermos à baila a opinião de Dallari Bucci.
86 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Políticas Públicas e pretensões judiciais determinativas. In: FORTINI, Cristiana; ESTEVES, Julio Cezar dos Santos; DIAS, Maria Tereza Fonseca. Políticas Públicas: possibilidades e limites. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 110/111 87 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Políticas Públicas e pretensões judiciais determinativas. In: FORTINI, Cristiana; ESTEVES, Julio Cezar dos Santos; DIAS, Maria Tereza Fonseca. Políticas Públicas: possibilidades e limites. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 121. 88 MACIEL, Larissa Barreto. A ação de descumprimento de preceito fundamental como forma de judicialização das políticas públicas. In: PAMPLONA, Danielle Anne. Políticas Públicas: Elementos para alcance do desenvolvimento sustentável. P. 232
58
Política Pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários a sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento de determinados resultados.89
Nota-se, prima facie, que não é tão fácil encontrar um conceito único,
singular, a respeito das políticas públicas. Corroborando com esta afirmação,
Schmidt traz ao conhecimento do leitor uma gama de conceitos sucintos,
reproduzindo a opinião de inúmeros autores sobre o tema, vejamos.
Linn: uma política é um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Lasswell: decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz. Heclo: uma política é o curso de uma ação ou inação (não ação), mais do que ações ou decisões específicas.90 Dye: política pública é tudo aquilo que os governos decidem fazer ou fazer.
Complementando, o autor ainda faz referencia a conceituação extraída de um
documento produzido pelo Ministério da Saúde.
Políticas públicas configuram decisões de caráter geral que apontam rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, reduzindo os efeitos da descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população e aos formadores de opinião as intenções do governo no planejamento de programas, projetos e atividades.91
89 BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de políticas públicas em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 39. 90 SCHMIDT, João Pedro. Para entender as políticas públicas: aspectos conceituais e metodológicos. In: Direitos Sociais e políticas públicas. T. 8, p. 2307. 91 SCHMIDT, João Pedro. Para entender as políticas públicas: aspectos conceituais e metodológicos. In: Direitos Sociais e políticas públicas. T. 8, p. 2307.
59
Adiante, Phillip Gil França entende que para que a política pública atinja o seu
real objetivo, qual seja o de alcançar a meta anteriormente proposta, se faz
estritamente necessário que haja o efetivo cumprimento de 4 (quatro) fatores
bastante claros. São eles, a concatenação de esforços, definição de um objetivo,
planejamento de ações para dar efetividade ao objetivo predeterminado e, por fim,
emprego sinérgico de mecanismos de concretização da adequada gestão pública.
França (2015) os explica categoricamente. Vejamos.
ii) Concatenação de esforços: para se imaginar a implantação de políticas públicas (por intermédio de uma eficiente gestão pública), parte-se, logicamente, da harmonização de esforços (materiais e imateriais) previamente debatidos e escolhidos como os melhores para a viabilização do objetivo a ser buscado. ii) Definição de um objetivo: o desiderato de determinada política pública deve ser claro, factível e determinado. iii) Planejamento de ações para dar efetividade ao objetivo predeterminado: trata-se da ideia de feixe de atos administrativos voltados ao atendimento de um determinado interesse público[2], como políticas públicas, mediante o exercício do dever do Estado de proteger e promover o cidadão. iv) Emprego sinérgico de mecanismos de concretização da adequada gestão pública: A preocupação sistêmica e o emprego de atos administrativos de Estado (e não de governo), conforme uma interpretação sistemática do direito, precisam ser verificados para a concretização de uma adequada gestão pública.92
Havendo o estrito cumprimento desses fatores elencados pelo autor, a
tendência é que o emprego da política pública seja certeiro e com menor
probabilidade de erro por parte do administrador público.
Dessa forma, percebe-se tamanha importância do referido instituto para a
promoção do bem estar social, bem como do desenvolvimento social e econômico
do país.
Mas fica a pergunta.
E quando o Estado, mesmo que tente, não consegue atingir a determinadas
regiões do país com suas ações de políticas públicas voltadas a atender
determinada camada da população.
Aqueles mais vulneráveis, que necessitam da intervenção do Estado para que
possam atingir uma condição mínima de vivência não podem ser.
92 FRANÇA, Philip Gil. Políticas Públicas, Escolhas Administrativas e a Adequada Gestão Estatal. Acessado em 07/11/2015. Disponível em <http://emporiododireito.com.br/politicas-publicas-escolhas-administrativas-e-a-adequada-gestao-estatal-por-phillip-gil-franca/>
60
A proposta do presente trabalho é exatamente essa. Provar a importância que
os modelos do Cooperativismo, economia solidária ou até as ações pautadas no
principio da cooperação possuem.
Inclusive, muitas vezes assumindo o papel do Estado na promoção do
desenvolvimento regional.
Desde que não haja o desvirtuamento da condição de cooperação mútua,
esses modelos tem se mostrado extremamente relevantes para o desenvolvimento
de determinadas regiões do país. Quando não tomados pela ganância, fazendo com
que muitas vezes o espírito cooperativista seja transformado numa forma de
capitalização monetária, através da transformação de cooperativas em empresas,
inclusive com possibilidade de disputar seu lugar no mercado como empresas de
fato, os institutos pautados nos princípios máximos da solidariedade, cooperação,
democracia e autogestão certamente são uma importante fonte de esperança para o
desenvolvimento social e econômico do nosso país.
Notem, não se está aqui sugerindo a substituição do Estado. Muito pelo
contrário, o papel do Estado é de suma importância e diria que é essencial para o
bom cumprimento da política pública. Mas ao mesmo tempo, há de se reconhecer
que o Estado não pode, muitas vezes, estar em todos os lugares e ao mesmo
tempo, o que requer o surgimento de alternativas que se mostrem capazes de
atender aos anseios da sociedade como um todo.
Reflexo disso, é que o Estado nos períodos de crise é substancialmente
transformado de Estado interventor para Estado garantidor.
61
SEÇÃO 2 - A CONDIÇÃO DE SUBDESENVOLVIMENTO DA AMÉRICA LATINA
Quando pensamos em desenvolvimento econômico no Brasil e na América
Latina, impossível desvincular-se da escola cepalina de Economia.
A Cepal é um órgão que surgiu em meados da década quarenta, quando o
mundo vivia um período sombrio e de pouca auspiciosidade econômica, cujo
principal escopo era propiciar o desenvolvimento econômico da América Latina e
região a partir de um pensamento uníssono.
Para melhor exemplificar sua função, importante destacar trecho de sua
própria página na rede mundial de computadores, vejamos:
A Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) foi estabelecida pela resolução 106 (VI) do Conselho Econômico e Social, de 25 de fevereiro de 1948, e começou a funcionar nesse mesmo ano. Mediante a resolução 1984/67, de 27 de julho de 1984, o Conselho decidiu que a Comissão passaria a se chamar Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.A CEPAL é uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas e sua sede está em Santiago do Chile. Foi fundada para contribuir ao desenvolvimento econômico da América Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua promoção e reforçar as relações econômicas dos países entre si e com as outras nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho foi ampliado aos países do Caribe e se incorporou o objetivo de promover o desenvolvimento social. A CEPAL tem duas sedes sub-regionais, uma para a sub-região da América Central, situada na cidade do México, e a outra para a sub-região do Caribe, em Port of Spain, estabelecidas em junho de 1951 e dezembro de 1966, respectivamente. Além disso, tem escritórios nacionais em Buenos Aires, Brasília, Montevidéu e Bogotá e um escritório de ligação em Washington, D.C. A secretaria da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL): Presta serviços substantivos de secretaria e documentação à Comissão e a seus órgãos subsidiários; Realiza estudos, pesquisas e outras atividades de apoio em conformidade com o mandato da Comissão; Promove o desenvolvimento econômico e social mediante a cooperação e a integração no âmbito regional e sub-regional; Recolhe, organiza, interpreta e difunde informações e dados relativos ao desenvolvimento econômico e social da região; Presta serviços de assessoramento aos governos a pedido deles e planeja, organiza e executa programas de cooperação técnica; Planeja e promove atividades e projetos de cooperação técnica de alcance regional e sub-regional levando em conta as necessidades e prioridades da região e
62
cumpre a função de organismo de execução desses projetos; Organiza conferências e reuniões de grupos intergovernamentais e peritos e patrocina cursos de capacitação, simpósios e seminários; Contribui a que se leve em conta a perspectiva regional a respeito dos problemas mundiais e nos fóruns internacionais e propõe questões de interesse mundial nos planos regional e sub-regional; Coordena as atividades da CEPAL com os dois principais departamentos e escritórios da Sede das Nações Unidas, os organismos especializados e as organizações intergovernamentais a fim de evitar duplicações e obter complementaridade no intercâmbio de informações. 93
Seu principal autor, o economista Raúl Prebisch, nascido e criado na
Argentina, tinha como maior sonho, propiciar o desenvolvimento econômico e
uníssono da América Latina, a partir do estabelecimento de um conceito, conhecido
por todos como Centro e Periferia.
Prebisch foi um dos maiores economistas da América Latina, tido como um
dos grandes gênios de sua área, seja pela sua capacidade de impressionar os
outros, pela sua destreza e inteligência, ou seja pela criação de sua teoria, que se
mostrou capaz de impressionar até mesmo a mais alta cúpula dos economistas do
mundo, quando discursou na convenção de Havana em 1949.
Edgar J. Dosman, autor americano e escritor de sua biografia, faz questão de
ressaltar esse ponto na obra “Raúl Prebisch – A construção da América Latina e do
terceiro mundo”, vejamos:
Dizer que a apresentação de Prebisch em Havana em 1949 eletrizou a plateia é diminuir seu impacto. Surgindo como uma figura misteriosa, ele criou uma tensão quase insuportável quando prolongou seu silêncio antes de começar um discurso em tom baixo e voz profunda, sem ler. Os delegados vivenciaram coletivamente uma experiência inesperada e hipnótica. Prebisch apresentou conceitos econômicos complexos sem cair no jargão, envolvendo a plateia enquanto desenvolvia o tema da independência regional. Ninguém ficou impassível. Seu manifesto abalou os representantes mais graduados dos Estados Unidos e da ONU, que perceberam sua força. O marco estruturalista apresentava uma nova abordagem ao desenvolvimento, Os especialistas perceberam que um novo debate havia sido lançado.94
93 http://www.cepal.org/pt-br/about. Acessado em 22/03/2016 94 DOSMAN, Edgar J. Raul Prebisch – A construção da América Latina e Caribe. Tradução de Teresa Dias Carneiro, César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado, 2011. Sinopse.
63
O pensamento desenvolvido por Prebisch, conforme dito acima, chamou a
atenção de todos pela sua densidade teórica e capacidade de transformação de
toda uma região do globo.
Centro e periferia é um conceito desenvolvido com o objetivo de demonstrar a
capacidade que os países tinham de se desenvolver à sua maneira.
Nas palavras de Joaquim Miguel Couto.
Da explicação dada por Prebisch, pode-se considerar que o centro e a periferia eram o resultado histórico da maneira como se propagou o progresso técnico na economia mundial, dando lugar às estruturas produtivas diferentes tanto no centro como na periferia, além de funções também diferentes no sistema econômico mundial (Floto, 1989). Para justificar a industrialização da América Latina, que já vinha se realizando desde a grande depressão dos anos 1930, Prebisch questiona a validade da divisão internacional do trabalho. Segundo esta, o progresso técnico dos centros se distribuiria para a periferia pela baixa nos preços dos produtos manufaturados (em razão do aumento de sua produtividade). Desta maneira, os produtos primários da periferia, de menor produtividade, teriam um maior poder de compra, conforme evoluísse a técnica nos centros, não cabendo a industrialização da periferia do sistema. Prebisch desmente este pressuposto da distribuição do progresso técnico, afirmando que desde o final do século XIX, os preços dos produtos primários vêm se deteriorando em relação aos preços dos produtos manufaturados dos centros. Ou seja, por não terem sido repassados os aumentos de produtividade na baixa dos preços, o progresso técnico tem se concentrado nos centros.95
Bercovici também ressalta que a Escola de economia da CEPAL, exerceu
maior influência na política econômica brasileira. Não descartando, obviamente, a
importância de outros grandes autores, no entanto, deixa claro que no Brasil, a
escola cepalina foi quem teorizou a maneira com que o Estado construiu seu
pensamento desenvolvimentista, em suas palavras:
Apesar das influências de Perroux, Myrdal e Hirschman, a teoria que fundamentou, efetivamente, a política brasileira de desenvolvimento foi a teoria do subdesenvolvimento da CEPAL (Comisión Económica para América Latina). A influência do pensamento da CEPAL no debate político brasileiro foi enorme entre 1949 e 1964. As teses da CEPAL tiveram grande receptividade, pois davam fundamentação científica para a tradição intervencionista e industrialista existente no Brasil desde 1930. Especialmente a partir do segundo Governo Vargas (1951-1954), a doutrina formulada pela CEPAL passou a ser vista como útil e importante para a reelaboração e fundamentação das políticas econômicas e da concepção
95 COUTO, Joaquim Miguel. O pensamento desenvolvimentista de Raúl Prebisch. Revista Econ. soc. vol.16 no.1 Campinas Apr. 2007.
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de desenvolvimento, entendimento consolidado com a criação do Grupo Misto CEPAL-BNDE. A concepção do Estado como promotor do desenvolvimento, coordenado por meio do planejamento, dando ênfase à integração do mercado interno e à internalização dos centros de decisão econômica, bem como o reformismo social, característicos do discurso cepalino, foram plenamente incorporados pelos nacional desenvolvimentistas brasileiros. Com o desenvolvimentismo, o Estado evoluiu de mero prestador de serviços para agente responsável pela transformação das estruturas econômicas, promovendo industrialização. Além disto, incorpora-se o Estado ao pensamento social reformador.96
Segundo o pensamento construído por Raúl Prebisch, na CEPAL, as políticas
de desenvolvimento na América Latina e região, deveria se dar forma diferente.
Segundo ele, problema diferentes engendram resoluções distintas. Não adiantando
simplesmente se aplicar determinada teoria econômica dos países centrais, por
exemplo. A América Latina deveria pensar os seus problemas a partir dela mesma.
Nas palavras de Gilberto Bercovici:
Para a CEPAL, a política de desenvolvimento deve ser fundamentada em uma interpretação autêntica da realidade latino americana, não podendo se limitar a copiar modelo externos. O estruturalismo busca destacar a importância dos “parâmetros não econômicos” – ou seja, devem-se compreender as estruturas sociais para entender o comportamento das variáveis econômicas, especialmente nas economias subdesenvolvidas.97
E essa concepção é dada pelo conceito de Centro e Periferia, já tratado
anteriormente. Para Bercovici, a principal diferença entre os países do centro para
os países da região periférica do globo, se dá na maneira como se desenvolvem e
diversificam sua economia. Segundo ele, os países das regiões centrais se
diferenciavam exatamente por possuir uma “economia diversificada e homogênea”,
enquanto que os países periféricos detinham uma economia “especializada e
heterogênea”.98
E através dessa conceituação bastante particular e aplicável aos países
periféricos, incluindo-se entre eles o Brasil, é que devesse reconhecer que a CEPAL
foi de suma importância para o desenvolvimento econômico e industrial na região.
96 BERCOVICI, Gilberto. Desenvolvimento, Estado e Administração Pública. In: CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, José Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batisita dos. P. 669 97 BERCOVICI, Gilberto. Desenvolvimento, Estado e Administração Pública. In: CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, José Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batisita dos. P. 670 98 Idem.
65
Desenvolvimento este, que é de suma importância para a concretização dos anseios
da sociedade em geral, é o Estado promovendo o bem-estar social.
Outro autor que exerce bastante influência neste pensamento é o brasileiro
Celso Furtado.
Furtado é considerado um dos maiores, senão o maior, economista brasileiro
de todos os tempos. Paraibano, formado em direito, inicia sua aventura ao ser
convocado para servir o exército brasileiro e ingressar na Força Expedicionária
Brasileira.
Vai para Itália, servindo o na Toscana, aliado ao junto ao exército norte
americano, motivo pelo qual recebe no ano de 1946 o prêmio Franklin Roosevelt, do
instituto Brasil-Estados Unidos. Viaja para França e se inscreve no programa de
Doutorado em economia da Universidade de Paris-Soubonne, onde obtém o título
de Doutor em Economia. Após, é convidado para integrar a CEPAL e é nomeado
Diretor da Divisão de Desenvolvimento por Raúl Prebisch no ano de 1950.99
Como ninguém, Furtado estuda a condição de subdesenvolvimento da
América Latina e por consequência disso, do Brasil.
Para ele, o modelo estrutural econômico do Brasil não se encaixa em
nenhuma teoria clássica já existente até então, o que o faz repensar e escrever
sobre o tema, entendendo haver uma característica única no modo de se pensar a
economia no Brasil.
Em sua afamada obra, Desenvolvimento e subdesenvolvimento, afirma o
seguinte.
A industrialização ocorrida no Brasil no decurso dos último decênios apresenta características próprias, que devem ser tidas em conta se quisermos equacionar com justeza os problemas que enfrenta o país na fase atual. Observamos de início que o primeiro movimento industrial a firmar-se, no primeiro quartel do século, teve lugar na região de grande imigração europeia recente, ou seja, a região cafeicultora de São Paulo. Assim como, na agricultura, os europeus exigiram salários monetários e condições mínimas de existência bem superiores às que prevaleceriam num país formado na escola do escravismo, na indústria ocorreu algo parecido, aqueles que iam trabalhar nas manufaturas eram indivíduos com alguma experiência nesse setor em seu país de origem, e os salários tenderam a fixar-se em funções das codições de vida a que estavam habituados. Dessa forma, a industrialização não resultou de um recrutamento de mão de obra
99 NOGUEIRA, Hilda Maria Brzezinski da Cunha. Desenvolvimento Brasileiro e o Trabalho na Economia Globalizada. In: OPUSZKA, Paulo Ricardo. PORTO, Pedro Augusto Cruz. Reflexões da Economia Política para um direito econômico brasileiro. Instituto Memória. Curitiba, 2015. P. 74-92.
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das atividades agrícolas ou artesanais preexistentes. Daí que tenha existido, desde o começo, uma acentuada disparidade entre os salários reais daqueles que encontravam ocupação nas manufaturas nascentes e a massa de trabalhadores rurais no país, em particular das demais áreas não beneficiadas pelo influxo imigratório de fins do século XIX e começos do atual.100
Ou seja, extrai-se desse pensamento que o custo social se torna muito alto,
ao passo que o desenvolvimento industrial vai avançando no Brasil, o que acaba
gerando uma série de injustiças sociais, em troca de uma alta taxa de lucro por parte
dos empresários, que por outro lado pouco se importa com aqueles que produzem.
Portanto, para Celso Furtado, a forma de se desvencilhar dessa eterna
característica social/econômica de subdesenvolvimento, seria aplicar na pratica a
teoria keynesiana, qual seja a de ser o Estado o promovedor do bem estar social,
garantindo a expansão do capitalismo, no entanto, com a garantia do trabalho e com
a aplicação de políticas públicas nas demais áreas que são de suma importância
para o desenvolvimento econômico e social101.
O que não pode é deixar nas mãos do empresariado e do mercado a
responsabilidade de ser justo. O empresário dificilmente irá pensar dessa maneira,
preocupando-se com a promoção do bem estar coletivo, mas obviamente se
preocupará na forma de obtenção de maiores lucros e vantagens para sua empresa.
No entanto, não é o que se vê, dada a caracterização empresarial que a lei
fornece as próprias cooperativas, descaracterizando-as do seu papel inicial e teórico.
100 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro. Editora. Contraponto, 2009. P. 223-224 101 NOGUEIRA, Hilda Maria Brzezinski da Cunha. Desenvolvimento Brasileiro e o Trabalho na Economia Globalizada. In: OPUSZKA, Paulo Ricardo. PORTO, Pedro Augusto Cruz. Reflexões da Economia Política para um direito econômico brasileiro. Instituto Memória. Curitiba, 2015. P. 74-92.
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SEÇÃO 3 – A INVESTIDA NEOLIBERAL E O ASSENTO DO DIREITO PRIVADO
MODERNO NA ORGANIZAÇÃO COOPERATIVA: LEI 5.764/71 E O
EMPRESARIAMENTO DO COOPERATIVISMO.
No Brasil, se nota com o surgimento da Lei 5.764/71 uma certa
descaracterização do propósito inicial das cooperativas, tal qual já debatido e
explicitado no início deste trabalho.
Há, sem dúvidas, um desvirtuamento do proposito teórico das sociedades
cooperativas, transformando-as em espécies de empresas, firmas, cuja única
intenção é não recolher encargos trabalhistas e fazer valer os direitos dos
trabalhadores.
Nota-se que nas cidades ou grandes centros, as cooperativas são
praticamente inexistentes, não possuem força nas grandes cidades.
Enquanto que no âmbito rural, a situação é ainda mais crítica, pois é onde
reside o tal desvirtuamento abordado logo acima. As grandes cooperativas que
surgiram nas zonas rurais são nada mais, nada menos do que grandes empresas,
cujo faturamento chega a ser astronômico. Um exemplo disso é a COAMO, que no
ano de 2015 teve um faturamento anual na casa dos R$ 10,5 BILHÕES de reais102.
Ou seja, as cooperativas no campo, no jargão popular, é terra de ninguém.
São empresas, travestidas de cooperativas. As quais deveriam ser inseridas,
inclusive no direito comercial, no direito privado moderno etc.
Para tanto, importante falarmos a respeito da figura da empresa e do
empresário. 102COAMO, Coamo tem Receitas de R$ 10,6 bilhões e sobras de R$ 320 milhões. Disponível em: < www.coamo.com.br/?p=YWxyb3RsaXMvYW16dG9sc2kvbGVyYWNhaUB6aHo/YWQ9MTQ2, >. Acesso em 02/06/2016.
68
Do ponto de vista cronológico, a compreensão do direito privado brasileiro
volta-se normalmente ao estudo das fontes e das raízes estruturais que serviram de
apoio construtivo do direito civil, remontando a análise acerca dos pressupostos
estruturais de sua formação a uma tradição romano-germânica103. Por outro lado,
para o ordenamento jurídico interno, o direito comercial formalmente posto apenas
surge de maneira mais estruturada com a edição, em 1850, do Código Comercial,
ainda parcialmente em vigor, cuja fonte genealógica é o Código de Napoleão de
1808. É como se houvesse um hiato gigantesco entre as duas linhagens privadas,
de modo que, de um lado, o milenar direito romano serve de base ao direito civil
tradicional, mas, de outro, o direito comercial formal alinhou sua genética a uma
estrutura muito mais breve em termos temporais.
O fato é que o direito privado, especialmente depois da separação
napoleônica, serviu-se de cuidar de dois ramos diferentes. De um canto se
estabeleceu um conjunto de regras e de princípios hábeis a regular a vida da
sociedade civil (nascimento, morte, casamento, ausência, bens, negócios jurídicos,
etc.); do outro lado da sala foram alocadas as atividades dos comerciantes, adstritas
materialmente ao chamado ato de comércio, quando, então, se identificava a pessoa
que estaria submetida àquele complexo normativo comercial.
Em sentido técnico-jurídico, Paula Forgioni fornece a ideia do estudo do
direito comercial em três vertentes divisórias: (i) direito comercial como ciência; (ii)
direito comercial como nível do todo social, dimensão da realidade; e (iii) direito
comercial como conjunto de regras e de princípios que disciplinam a atividade
mercantil104.
Fran Martins, por sua vez, identifica no surgimento da classe de
intermediários um fator consequencial ao aparecimento da moeda, o que, à sua
visão, deu origem a uma específica atividade de mercadores ou comerciantes com
objetivo lucrativo 105 . Surgiu, pois, uma categoria de pessoas cuja ação não se
103 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à Teoria Geral do Direito Privado. São Paulo: RT, 2008. p. 183. 104 FORGIONI. Paula A. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. 2 Ed, São Paulo: RT, 2012. p. 15. 105 “Essa atividade consistia no fato de adquirirem tais pessoas quantidade de mercadoria, bens que poderiam ser utilizados pelos vários grupos sociais, as mais diversas, a fim de serem trocadas essas mercadorias por moedas com pessoas que delas necessitavam. Essa operação, que se denomina venda para aquele que dispõe do estoque de mercadorias, e compra pelos que delas necessitam e as trocam por moedas e dinheiro (hoje se entende por venda apenas a troca de mercadoria por dinheiro, sendo a permuta de uma mercadoria por outra chamada simplesmente de troca), facilitou grandemente, como é óbvio, a circulação das mercadorias. E à atividade consistente em por em
69
adstringia propriamente à produção ou ao consumo de bens e serviços, senão
justamente à intercessão entre esses dois paralelos. Assim, “a evolução do
comércio, a partir da eclosão das cidades medievais e da burguesia, revela um
inegável e natural paralelismo com a do Direito Comercial”106, na medida em que na
intermediação da troca de bens já se pode “identificar uma atividade profissional
organizada promotora da circulação de bens, com fito de lucro”107.
É no século XVI, de maneira geral, que costumeiramente se entende como a
época de surgimento mais efetivo de um corpo de regramentos destinados mais
propriamente ao cuidado com o comércio e seus agentes (basicamente concebido
em usos e costumes), aplainando de certa forma algumas deficiências das relações
comerciais: “em um ambiente jurídico tão avesso às regras do jogo mercantil, foram
os comerciantes levados a um forte movimento de união, através das organizações
de classe que os romanos já conheciam em fases embrionárias – os colégios”108.
Fenômeno que se repetiu em boa parte da Europa Ocidental, “as corporações de
mercadores obtêm grande sucesso e poderes políticos, a ponto de conquistarem a
autonomia para alguns centros comerciais, de que se citam como exemplo as
poderosas cidades italianas de Veneza, Florença, Gênova, Amalfi e outras” 109 .
Buscava-se segurança e previsibilidade nas relações comerciais e, fora do eixo do
poder feudal, as corporações de ofício surgem como primeiros centros de
regramento comercial.
Explica Gladston Mamede que, “a atenção social voltou-se para o campo,
onde a divisão da propriedade rural em grandes estruturas políticas caracterizou o
Feudalismo”110, de sorte que “ para a mútua proteção, artesãos e comerciantes
organizaram-se em corporações de ofício e essas, por seu turno, tomaram para si a
função de regulamentar a atividade mercantil, o que fizeram por meio de
consolidações de costumes, também chamadas de consuetudos”111, conformando a
origem medieva do Direito Mercantil. A citar Waldirio Bulgarelli, são exemplos
circulação as mercadorias, adotando esse mecanismo, se deu o nome de comércio, tendo como figuras centrais as pessoas que servem de intermediários entre os produtores e consumidores, isto é, pessoas que adquirem dos produtores aquilo de que eles dispõem e colocam esses bens à disposição dos consumidores, trocando-os sempre por dinheiro”. MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 6. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1977. p. 04. 106 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 03. 107 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 03. 108 REQUIÃO, Rubens. Op. Cit., p. 09. 109 Ibidem, p. 10. 110 MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 02. 111 Idem.
70
dessas normas: o Consulato del Mare (Espanha, século X), as Consuetudines
(Gênova, 1056), o Constitutum usus (Pisa, 1161), o Liber consuetudinum (Milão,
1216), as decisões da Rota Genovesa sobre comércio marítimo, o Capitulare
Nauticum (Veneza, 1255), a Tabula Amalfitana, também chamada de Capitula et
Ordinationes Curiae Maritimae Nobilis Civitatis Amalphe (Amalfi, século XIII),
Ordinamenta er Consuetudo Maris Edita per Consules Civitatis Trani (Trani, século
XIV) e Guidon de le Mer (Rouen, século XVI)112.
É chamado esse período de subjetivista “porque sua aplicação e
conceituação se dão a partir daqueles que são associados a uma corporação de
ofício e para eles, ou seja, é comerciante aquele que é associado a uma corporação
de ofício”113, conforme assinala Marcia Malmann Lippert.
Não alheio ao crescente exercício desta atividade voltada fundamentalmente
à interconexão de agentes produtores e agentes consumidores, o Estado então
nascente passa paulatinamente a interferir no âmbito dessas atividades, inicialmente
intuindo precipuamente a arrecadação tributária, porém, em fases pósteras, com
mais “intensidade, não apenas regulando atividades comerciais com, também,
estabelecendo normas limitativas ou mesmo impeditivas dessas atividades”114.
Assim, a elevação profusa e difusa das relações comerciais, dotadas não
mais apenas de caráter regionalizado, mas aprofundando-se além-mar, bem como a
amplitude e a complexidade cada vez mais acentuadas dos bens econômicos
objetos das trocas entre comerciantes e consumidores, fez com que imperasse
maior e mais acurada atenção de um Estado ainda embrionário, mas que já antevia
nos chamados atos de comércio a inevitabilidade de sua atuação. Eis que “com
surgimento dos Estados nacionais, aquele direito comercial consuetudinário, nascido
da prática mercantil e apartado de um Estado soberano, acabou ganhando do
próprio Estado sua legitimidade, que verificou importância de se dar a maior
segurança possível às relações mercantis como forma de propiciar o
desenvolvimento econômico e preservar os interesses sociais”115.
112 BULGARELLI, Waldirio. Direito Comercial. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 29-33. 113 LIPPERT, Marcia Malmann. A empresa no Código Civil: elemento de unificação no Direito Privado. São Paulo: RT, 2003. p. 45. 114 MARTINS, Fran. Op. Cit., p. 06. 115 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; BERTOLDI, Marcelo. Op. Cit., p. 28.
71
Advém, assim, um sistema pautado na objetividade, ou ecleticidade com
tendência ao objetivismo, como adverte Rubens Requião116, deslocando o eixo de
imanização do Direito Comercial da pessoa do comerciante ao objeto do comércio,
arrimado no Sistema Francês da Teoria dos Atos de Comércio117, do qual resulta o
Código Mercantil napoleônico de 1807/1808 e o brasileiro de 1850.
No entanto, por faltar-lhe um elemento interno identificador e unificador118,
sobretudo a partir da crescente evolução comercial desenvolvida nos séculos XIX e
XX, a Teoria dos Atos de Comércio falhava em apresentar claramente um apanhado
capaz de abarcar e enredar as diversas espécies de atividades econômicas
mercantis constantemente desempenhadas em uma sociedade que evoluía com viés
largamente voltado ao capitalismo mercantil.
Até o ano de 2002, momento de publicação do Código Civil brasileiro, no qual
se inseriu parte do regramento jurídico a respeito das relações empresariais, vigorou
no ordenamento jurídico pátrio a teoria dos atos de comércio, encampada pelo
Código Comercial de 1850, não propriamente em seu corpo de preceitos, mas em
regulamento apartado119.
Na evolução do conceito em paralelo à própria evolução da sociedade e dos
atos comerciais desenvolvidos em um ambiente sociocultural multifacetário, a
concepção de empresa e de intersecção com o Direito Comercial se amplia, na
esteira do captado por Requião: “Esse conceito estreito de empresa
necessariamente teria de evoluir, diante da grande organização capitalista do
comércio dos tempos modernos. Por empresa comercial passou-se a compreender
não a cadeia de atos de comércio isolados, mas a organização dos fatores de
produção, para a criação ou oferta de bens ou de serviços em massa”120.
116 REQUIÃO, Rubens. Op. Cit., p. 12. 117 O Código de Savary, de 1673, assim chamado por causa do comerciante Jacques Savary, talvez seja o primeiro sistema codificado regente de atividades comerciais, defluindo dele o pioneirismo na fase objetivista. 118 “A teoria dos atos de comércio resume-se, rigorosamente falando, a uma relação de atividades econômicas, sem que entre elas se possa encontrar qualquer elemento interno de ligação, o que acarreta indefinições no tocante à natureza mercantil de algumas delas”. COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 16. 119 Assinala Marcia Lippert: “A definição dos atos de comércio nunca esteve no corpo do Código, senão em um regulamento à parte, de n. 737, também do ano de 1850”. LIPPERT, Marcia Malmann. Op. Cit., p. 56. 120 REQUIÃO, Rubens. Op. Cit., p. 14.
72
Não havia, de como há muito já criticava João Eunápio Borges 121, como
aplicar a teoria dos atos de comércio (fechada por natureza) a toda gama de
relações sociais passíveis de inclusão no âmbito do direito comercial. Era preciso
evoluir e adaptar os conceitos, os institutos e as finalidades deste ramo do direito a
uma nova realidade social, crescente em diversidade e complexidade. Não bastava
inserir o direito comercial a partir do sujeito (fase subjetiva) ou do objeto (fase
objetiva) porque se inferiu que o seu verdadeiro significado estava na empresa e no
que ela traz, intrínseca e extrinsecamente, como consequências positivas a toda
sociedade. Embora a doutrina e a jurisprudência não estivessem paradas na teoria
dos atos de comércio, o legislador (algumas esparsas já vinham se adaptando)
demorou cento e cinquenta anos para promover a adaptação legislativa formal122.
Percebeu-se, então, que é a atividade empresarial (e não somente o sujeito
de direito, o empresário propriamente dito), em todas as suas variações e
funcionalidades, que se constitui o instrumento imprescindível à geração e à
circulação de riqueza em qualquer sociedade. Ela (a empresa) é, em verdade, a
mola que impulsiona o desenvolvimento social, econômico e tecnológico, permitindo
a criação de postos de trabalho e incentivando o empreendedorismo em prol de
novos e melhores anseios sociais, além de afigurar-se relevante meio de
arrecadação de tributos para a construção e manutenção das políticas públicas do
Estado.
O empresário, o sujeito exercente da atividade, é o articulador que reúne,
organiza e administra essa cadeia de produção e de circulação de riquezas,
ultrapassando o mero conceito de comerciante como intermediador de trocas. Nesse
sentido, o Código Civil de 2002, no artigo 966, alberga essa idealização dinâmica da
empresa e considera como empresário a pessoa, natural ou jurídica, que exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para produção ou circulação de
bens ou de serviços (ou seja: o empresário exerce a empresa).
A empresa, pois, passa encomendar noções mais subjetivas e indiretas,
indicando ser sinônimo de atividade econômica exercida de profissionalmente e de
maneira organizada, com objetivo de produzir ou circular bens ou serviços. Este é,
assim, o moderno matiz da concepção empresarial, transmudando da impregnação
121 BORGES. João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. Forense: Rio de Janeiro, 1971. p. 103. 122 COELHO, Fabio Ulhoa. Op. Cit., p. 25.
73
objetiva de atos de comércio para flexibilizar e dinamizar a ideia de empresa,
concedendo contornos ligados à atividade empresarial - e não à pessoa do
empresário ou aos atos de comércio por ele exercidos -, convertendo-se assim no
perfil funcional inspirado no Código Italiano de 1942. O empresário, por sua vez, é
“partícipe de todo o fluxo da circulação de riquezas, desde a produção até o último
dos atos em que aquela se desdobra”123.
É que o exercício da empresa, concebida no plano legislativo como “atividade
econômica”, viabiliza que pessoas criem, modifiquem e inovem em suas práticas
comerciais ou industriais, interagindo insumos, processos e conhecimento para
potencializar o crescimento econômico dos países, das pessoas e da própria
atividade em si, permitindo que a sociedade se desenvolva harmonicamente em
busca de maior bem-estar coletivo.
Portanto, o Código Civil de 2002, na unificação parcial e relativa do direito
privado, inseriu o Livro de Direito da Empresa e, no artigo 966, encampou a redação
do Código Civil Italiano, conceituando o empresário como aquele que exerce
profissionalmente atividade economia organizada para produção ou circulação de
bens ou de serviços. Implicitamente, ainda, estabeleceu o conceito de empresa
dentro do perfil funcional de Alberto Asquini: empresa é atividade econômica e
empresário é quem a exerce, profissional e organizadamente124.
É possível diagnosticar o seguinte espectro de elementos intrínsecos ao
direito empresarial: (i) a empresa é a própria atividade econômica organizada
desenvolvida pelo empresário ou pela sociedade empresária; (ii) o empresário é o
sujeito de direito, pessoa natural ou jurídica, exercente da atividade; (iii) o
estabelecimento empresarial é complexo de bens organizado, para o exercício de
empresa, por empresário ou por sociedade empresária e, assim, não se restringe ao
local de exercício da atividade, que basicamente é o ponto comercial, podendo, no
entanto, revelar-se este (o ponto) inserido naquele (estabelecimento); e (iv) o
patrimônio (ativo civil) da sociedade ou do empresário se perfaz de todos os bens
123 GONÇALVES NETO, Alfredo Assis. Direito de Empresa. 4. ed. São Paulo: Rt, 2012. p. 75. 124 “Para Asquini (1943), não se deve pressupor que o fenômeno econômico poliédrico necessariamente ingresse no direito por um esquema unitário, tal como ocorre na ciência econômica. Ele divisa, por conseguinte, quatro perfis da empresa: subjetivo, funcional, patrimonial (objetivo) e corporativo. (...). Como atividade econômica, profissional e organizada, a empresa tem estatuto jurídico próprio, que possibilidade seu tratamento com abstração até mesmo do empresário”. COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit., p. 196.
74
imateriais e materiais vinculados ou não ao desenvolvimento da atividade, no que,
portanto, se difere do estabelecimento empresarial.
O desenvolvimento profissional dessa atividade econômica organizada para
produção ou circulação de bens ou de serviços impõe a reunião de uma série de
fatores pelo empresário, desde a escolha do ponto comercial e a organização dos
bens necessários ao seu desempenho, passando pela análise de viabilidade de
mercado até a potencial lucratividade do empreendimento a ser inaugurado.
Sob esse ponto de vista, na contemporânea conotação de empresa, Gladston
Mamede assevera que “não é a produção e circulação onerosa de bens ou a
prestação de serviços que dá a caracterização da empresa, embora seja um dos
seus elementos componentes” 125 , mas as perspectivas estáticas e dinâmicas
advindas da análise do termo. Adverte, pois:
Na empresa, essa produção, circulação ou prestação se conformam numa
arquitetura maior, definida em termos conceituais (perspectiva estática) e
práticos (perspectiva dinâmica), que e o empreendimento não eventual,
desenvolvido para que sejam auferidas vantagens pecuniárias (ou
traduzíveis em pecúnia), a bem de seu titular: o empresário ou a sociedade
empresária, ainda que, nesta última hipótese, esteja implícita a ideia da
distribuição das vantagens, a título de lucro, entre sócios ou acionistas126.
Esse processo de interconexão de atividades econômicas é composto de
múltiplos fatores, positivos e negativos. Um deles é o risco127. Toda empresa guarda
um dinamismo intrínseco e se sujeita a fatores variáveis, externos ou internos, que
podem desencadear o insucesso da operação ou do empreendimento. Este risco de
frustração tem de ser medido pela sociedade a ponto de não serem criados
mecanismos a tal ponto severos que inibam a criação de novas atividades
empresariais - já que o insucesso previsto tenderia a gerar tanto prejuízo ao 125 MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro: empresa e atuação empresarial. v. 1. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 205. 126 MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro: empresa e atuação empresarial. v. 1. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 205. 127 Romano Cristiano escreveu interessante obra justamente com base nessa ideia central, a saber: “se é verdade que a palavra ‘empresa’ não se refere a todos os tipos de atividade humana (existem com efeito inúmeras atividades que não fazem, por certo, surgir nenhum tipo de empresa), também não pode haver dúvida a respeito do seguinte: em sentido geral, a característica fundamental (portanto - note-se - não única) de toda e qualquer empresa é a existência de atividade contendo risco em grau relevante. Melhor dizendo: onde há empresa há risco; ou, caso se prefira: havendo empresa, ela só é tal porque nela há risco; risco de dano notável ou de perda de algo importante”. CRISTIANO, Romano. Empresa é risco: como interpretar a nova definição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 94
75
empreendedor que o inibiria de tentar/arriscar -, bem como a permitir certa
segurança jurídica e satisfação econômica às pessoas que interagem com a
empresa, pois do contrário não haveria processos de criação e difusão de relações
interempresariais - já que a previsão de não recebimento dos créditos no caso de
falência faria como que não houvesse impulsionamento da atividade por
fornecedores, instituições financeiras, consumidores, etc.
Tem-se que essa ideia também vem muito bem definida a partir da Lei
11.101/2005 (Lei de Recuperação e Falência). Há, pois, a tradução de uma
separação abstrata e terminológica entre empresa e empresário, a permitir que
ambos se conectem no plano prático, mas se desconectem no plano jurídico-
econômico, significando, em termos claros, que o processo de recuperação judicial e
extrajudicial se volta à empresa (atividade) e o processo falimentar se dirige ao
empresário128.
Em outros termos: busca-se recuperar a atividade econômica como fonte
produtora de riqueza 129 (não necessariamente monetária, mas também riqueza
social-coletiva130) e, caso não seja possível, admite-se a falência do empresário ou
da sociedade empresária (o sujeito de direito, portanto) como forma de equalizar e
ordenar a satisfação dos credores por intermédio de seu patrimônio remanescente e
com base no princípio universal da par conditio creditorum131.
128 Faz-se referência aos artigos 1º e 47 da Lei 11.101/2005, cujas redações esclarecem: “Art. 1º: Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor”. “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” (destacou-se). 129 Ressalta-se a advertência de Monica Gusmão: “A empresa, como atividade econômica, deve ser preservada por ser fonte geradora de empregos, tributos etc. É fator determinante do equilíbrio social, econômico e político. Entendemos que o princípio da preservação das empresas não deve ser aplicado de forma absoluta. Preserva-se o que pode ser preservado; caso contrário, relativiza-se o princípio a fim de se evitar que a continuação da empresa, ao invés de segurança implique desequilíbrio e desestabilização social”. GUSMÃO, Mônica. Direito Empresarial. 4. ed. Rio de
Janeiro: Impetus, 2005. p. 06.
130 Arnoldo Wald destacou: “A visão realista do mundo contemporâneo considera que não há mais como distinguir o econômico do social, pois ambos os interesses se encontram e se compatibilizam na empresa, núcleo da produção e da criação da riqueza, que deve beneficiar tanto o empresário quanto os empregados e a própria sociedade de consumo. Não há mais dúvida de que são os lucros de hoje que, desde logo, asseguram a sobrevivência da empresa e a melhoria dos salários e que ensejam a criação dos empregos da amanhã”. WALD, Arnoldo. O empresário, a empresa e o Código Civil. In. FRANCIULLI NETO, Domingos. et al. O Novo Código Civil: estudos em homenagem ao Prof. Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003. pp. 838-855. p. 840. 131 Rubens Requião se alinha ao pensamento de que a falência tem como pressuposto fundamental a preservação de interesses supremos da economia nacional, de modo que a par conditio seria um
76
Importe, porém, a advertência de Fábio Ulhoa Coelho: “claro que a autonomia
da empresa frente ao capitalista empreendedor deve ser entendida como mero
expediente técnico-jurídico, não podendo servir para fundamentar visões
irrealistas”132 . Lembra, assim, que “a separação entre empresa e empresário é
apenas um conceito jurídico, destinado a melhor compor os interesses relacionados
com a produção ou circulação de certos bens ou serviços”133. Não deve servir para
abstrações factuais no sentido de permitir ações fraudulentas dos administradores,
tampouco para viabilizar transformar a empresa em um ente dotado de
personalidade jurídica própria. Segue sendo o empresário o sujeito de direito
exercente da empresa e esta (a empresa) a atividade econômica exercida por
aquele, o empresário.
Por tais razões o direito empresarial moderno centra-se na empresa, na fonte
de produção e circulação de riquezas, trasmudando o eixo de atribuição de sentido
ao conjunto de regras e princípios do comerciante (sujeito) para a empresa
(atividade econômica).
A própria Lei 5.764/71, já nasce com esse viés neoliberal, fazendo com que
as cooperativas empresariais se tornem e atuem como empresas de fato. Basta
reparar que as cooperativas não estão inseridas na CLT, por exemplo. A cooperativa
empresarial, no setor rural, por exemplo, acaba por explorar os pequenos produtores
rurais, uma vez que deles compram os seus produtos e repassam em grande escala
para os mercados dos grandes centros etc, não tendo esse produtor garantia
alguma.
Ora, se empresa é “atividade econômica organizada para produção ou
circulação de bens ou de serviços” (artigo 966-CC) e se empresário é quem a exerce
profissional e organizadamente, seria possível dizer que todas as atividades seriam
empresariais? Não. O legislador civilista estabeleceu um critério diferenciador
inverso. Ou seja: descreveu a regra geral no caput e elencou as hipóteses de
desenquadramento no parágrafo único. Explica-se.
elemento relevante, mas adicional e adjacente: “Pensamos, na ordem da análise de Jaeger, que tanto a par conditio creditorum como o saneamento do meio empresarial, constituem elementos que se devem levar em conta para a compreensão da finalidade do instituto falimentar, mas que ambos os princípios não se sobressaem dominadores, mas que se compõem e constituem como elementos imprescindíveis à garantia geral do crédito, que deve ser promovido e assegurado pelo Estado, através da lei”. REQUIÃO, Rubens. Op. Cit., p. 23
132 COELHO, Fabio Ulhoa. Op. Cit., p. 19. 133 Idem.
77
A fim de identificar-se quem é e quem não é empresário do ponto de vista
jurídico-normativo analisam-se, basicamente, quatro fatores: (i) a natureza da
atividade; (ii) a forma de exercício; (iii) a habitualidade do exercício; e (iv) a finalidade
da exploração do objeto134.
Primeiro, é preciso verificar se a atividade está ou não expressamente
excluída do âmbito de incidência do direito empresarial a partir de sua natureza
essencial: por descrição legal, não são consideradas atividades empresariais as
intelectuais, artísticas, científicas ou literárias, exercidas comumente por
profissionais liberais (contadores, dentistas, médicos, advogados), pintores, atores,
músicos, compositores, escritores de obras literárias, audiovisuais ou peças de
teatro, etc. Referidas atividades não estão dentro do eixo de inserção do direito
empresarial e, portanto, quem as exerce (seja pessoa natural ou jurídica) não é
considerada empresária.
Assis Gonçalves trata essas hipóteses dentro de um prisma comum
(simplesmente atividades intelectuais), concluindo: “não é empresário quem exerce
atividade intelectual por qualquer meio, organizadamente ou não, sob forma
empresarial ou não, em caráter profissional ou não, qualquer que seja o volume,
intensidade ou quantidade de sua produção” 135 , na linha do enunciado 193, da
Jornada de Direito Civil.
Segundo, tendo em vista que o empresário é, por essência, um profissional
da área, há de se verificar se aquela específica atividade é realizada de forma
organizada136, mediante articulação direta ou indireta dos fatores de produção e
substanciada na centralização das informações empresariais. Um vendedor de
enciclopédia de que ora vende um Tomo A, ora vende o Tomo J no sinaleiro, de
forma desorientada e desorganizada, não pode ser considerado empresário. Um
134 Para Ricardo Negrão, seguindo num tanto Waldirio Bulgarelli quando comentou o projeto de Sylvio Marcondes, a atividade empresária se distingue por três elementos formados: (i) economicidade, (ii) organização e (iii) profissionalismo. Muito embora o conceito central seja muito similar, procurou-se aqui destacar melhor esses elementos constitutivos da atividade empresarial adicionando um quarto fator à identificação do empresário ponderada por Negrão. Ver, por todos: NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 63. 135 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa. 4. ed. São Paulo: Rt, 2012. p. 76. 136 “A atividade empresarial está um passo adiante em termos de organização, sendo planejada e organizada pelo empresário, que suporta os riscos do negócio, contrata os empregados necessários para o vulto da produção pretendida e planeja a distribuição e veiculação dos produtos ou serviços, com escopo de auferir lucro”. ARAÚJO, Vaneska Donato de. Noções Gerais sobre o Direito Empresarial. In. CAMILLO, Carlos Eduardo Nicoletti. Direito de Empresas. São Paulo: RT, 2008. p. 22.
78
cidadão que, na mudança para outra cidade, vende seus móveis na garagem de
casa, empilhados um sobre o outro e lotados de poeira, também não o faz com a
organização necessária para ingressar no conceito de empresário. O fator
organização vincula-se ao que a doutrina chama de articulação dos fatores de
produção, ou seja, o empresário pensa, projeta, reúne, concatena e aplica, na
práxis, os elementos necessários para o exercício da empresa, normalmente
conjugando o capital, a mão-de-obra, os insumos e a tecnologia indispensáveis para
a exploração e o desenvolvimento da atividade econômica.
Terceiro, o sujeito que exerce a atividade deve fazê-lo com habitualidade e
assiduidade. O rapaz que, em casa, vende um videogame antigo para comprar um
modelo mais novo, embora haja exercido atividade econômica e obtido receita com a
venda, não o faz com a habitualidade necessária para tornar-se um empresário do
ramo de compra e venda deste produto. Esse é o fator profissionalismo, desligado,
portanto, das atividades econômicas exercidas esporadicamente ou como meros
testes de aperfeiçoamento do produto ou de conhecimento do mercado. É, em
suma, a atividade exercida com pessoalidade (embora mediante auxílio de
colaboradores, empregados ou funcionários terceirizados) por aquele que reuniu os
fatores de produção e que, assim, detém o monopólio das informações necessárias
ao exercício da empresa (como prestar o serviço, quais os insumos necessários, as
condições, os riscos e os possíveis defeitos dos produtos fabricados ou vendidos,
etc.).
Por fim, o quarto elemento é o objetivo da exploração do objeto empresarial.
A finalidade pela qual se exerce a atividade é o que difere os objetivos econômicos e
não econômicos. A finalidade econômica é o que, erradamente, se costuma traduzir
como atividade sem fins lucrativos. Toda atividade, seja social, filantrópica,
esportiva, religiosa ou econômica não é edificada para dar prejuízo. O lucro, ou seja,
a diferença resultante da subtração de receitas e despesas é sim elemento
característico de todas as atividades (tanto de associações, quanto de sociedades
simples ou empresárias). O que as difere, em suma, é a destinação desse proveito
(resultado) financeiro. Enquanto nas atividades empresariais (e aqui se incluem as
atividades intelectuais, artísticas, cientificas e literárias) o lucro é repartido entre os
79
sócios ou é incorporado ao patrimônio do empresário, nas atividades não
econômicas (associações137) o lucro é reinvestido na exploração do objeto social.
Sabe-se que a atividade econômica pode ser desempenhada tanto por
empresário individual (em nome próprio e enquanto pessoa natural) ou por pessoa
jurídica (sob a forma de sociedade ou EIRELI). A ideia central é a mesma:
sociedades simples são aquelas que desenvolvem atividades do paragrafo único do
artigo 966-CC, sociedades empresárias têm atividades exercidas na forma do caput
do mesmo artigo; a EIRELI é, por natureza, sempre destinada a realizar atividades
empresariais (artigo 980-A-CC).
É preciso lembrar que o Código Civil estabeleceu alguns outros critérios
objetivos para inclusão ou exclusão de determinado sujeito no âmbito do regime
jurídico empresarial. Trata-se da atividade exercida por Sociedade por Ações (artigo
982), Sociedade Cooperativa (artigo 982) e por rurícolas (artigo 971). Nessas
hipóteses, a própria legislação, expressamente, destacou a forma de constituição da
sociedade ou do empresário individual como critério balizador para estar dentro ou
fora do direito empresarial.
As sociedades por ações, criadas na forma da Lei 6.404/1976, são sempre
empresariais, independentemente do objeto social; as sociedades cooperativas,
instituídas conforme Lei 5.764/1971, serão sempre consideradas sociedades simples
(análogas àquelas do parágrafo do artigo 966-CC)138.
Quanto aos rurícolas139, neles inseridas as atividades ligadas à agricultura e à
pecuária, a legislação deixou-lhes a faculdade de opção. É dizer: caso queiram se
137 Assis Gonçalves traz outra diferença entre associações e sociedades: a pluralidade de sócios. Diz: “é necessário aditar que na associação é inafastável o pressuposto da pluralidade de sócios ou associados, pelo menos para sua constituição – o que, como visto, já não ocorre necessariamente em relação à sociedade, uma vez admitida sua unipessoalidade”. GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 12. 138 Aliás, aqui vale mencionar a crítica de Gladston Mamede: “(...) é de se estranhar a timidez do Código Civil que, embora adotando a Teoria da Empresa, optou por distinguir as atividades negociais em simples e empresárias, perpetuando a velha dicotomia, ainda que em base diversas. Não admira, portanto, que essa distinção encontre dificuldades de verificação na prática, padecendo dos efeitos de uma grande faixa cinzenta na qual é difícil precisar o que é inequivocamente uma empresa (atividade econômica organizada, segundo ao art. 966) do que não o é, merecendo rótulo de atividade simples (...)”. MAMEDE, Gladston. O Código Civil e o Direito Empresarial: análise crítica. In. VENOSA, Silvio de Salvo et al. 10 anos do Código Civil: desafios e perspectivas. São Paulo: RT, 2012. p. 488. 139 O artigo 971-CC denota uma falha técnica ao tratar o rurícola como empresário rural. Se ele somente será empresário se fizer a inscrição dos atos constitutivos na Junta Comercial, não pode ser genericamente tratado de empresário, pois assim somente será depois de registrado; do contrário, não será empresário, mas apenas rurícola.
80
enquadrar na condição de empresários, do ponto de vista jurídico, devem inscrever
seus atos constitutivos perante o órgão de registro do comércio (Junta Comercial –
Lei 8.934/1994) e assim estarão dentro do regime empresarial (podendo inclusive
valer-se da recuperação judicial); caso não façam o registro, a atividade não será
considerada empresarial.
Desde o advento do Código Civil de 2002 se estabeleceu na doutrina a visão
de que a unificação do direito privado havia sido meramente formal e, portanto,
relativa. Ao mesmo tempo em que se trouxe para dentro do sistema normativo civil o
conjunto geral das regras do direito empresarial, manteve-se a dicotomia na prática,
separando-se atividades civis (intelectuais, artísticas, científicas e literárias) das
empresariais.
Apesar de serem organizadas, exercidas profissionalmente e com foco na
produção ou circulação de riqueza, atividades econômicas realizadas por arquitetos,
dentistas, médicos, contadores seguiam fora do âmbito normativo do direito
empresarial (não sujeitas à recuperação e à falência, por exemplo), a não ser que
referidas atividades fossem um mero elemento da empresa. Em regra, manteve-se a
dualidade.
Tal posicionamento, contudo, costumeiramente gerava indagações, como
observado por Rachel Sztajn140:
Qual a razão que informa tal decisão que não prevê a inclusão de tais
profissões no quadro geral da empresa? O que teria levado o legislador
brasileiro a manter tais atividades fora do campo da incidência das normas
empresariais quando inclui no mesmo Livro II a sociedade simples?
Sob o aspecto objetivo, não ha dúvida de que o exercício das atividades relacionadas naquele parágrafo cria riquezas, produz utilidades, ao menos de caráter econômico. Mas dizem alguns, no plano do direito as atividades relacionadas não aparecem como serviços em sentido estrito porque frutos de atividade intelectual, o que é inaceitável, por faltar lógica ao argumento.
Ao desapegar do tradicionalismo e ao se partir da ideia de que “a vontade
realizada do sujeito se manifesta de dois modos tradicionais centrais: no direito civil,
140 SZTAJN, Rachel. Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo, Atlas, 2004.
81
essencialmente, pelos atos; no direito mercantil, pela atividade”141, conforme bem
lembrou Rosa Nery, perceber-se-á o quão inautêntica é a divisão proposta pelo
código civil de 2002, a gerar inclusive extensão confusão mental ao dificultar, a
prática do cotidiano, saber em que medida e sob quais circunstâncias determinada
atividade é ou deixaria de ser submetida ao direito empresarial.
Se, como dito, o cerne do direito empresarial contemporâneo é a atividade,
finte de produção e circulação de riquezas, tanto faz a sua natureza intrínseca; vale,
a bem da verdade, a concepção extrínseca e funcional de seu exercício, como
pretexto a proteger sob as vestes do direito empresarial toda e qualquer fonte de
desenvolvimento econômico e de intercâmbio de prosperidade, independentemente
da essência natural da atividade (se intelectual ou não).
Por conta disso, no projeto recentemente aprovado pela comissão, não há
mais distinção entre atividades empresárias e não empresárias, independentemente
do objeto social ou a forma de explorá-lo. De maneira geral, a sociedade ou o sujeito
natural quedará adstrito às regras do direito empresarial se exercer,
profissionalmente e de forma organizada, atividade econômica para produção ou
circulação de bens ou de serviços.
A iminente edição de um novo código comercial apenas reforça, do ponto de
vista formal, a autonomia material que este ramo possui dentro do ordenamento
jurídico.
É bastante comum, especialmente no meio acadêmico, iniciar-se a explicação
sobre determinado ramo do Direito esclarecendo que a divisão é meramente didática
e elucidativa, já que o Direito, como objeto da ciência jurídica que o estuda e o
descreve, é uno e indivisível por sua própria natureza. É como se estivéssemos a
dizer: o Direito é uma coisa só, mas temos de dividi-lo apenas para facilitar a
compreensão de todos. Essa ideia, quase um dogma no ambiente estudantil, é
aquilo que se costuma tratar de meia-verdade ou de uma verdade aparente: na
casca parece correto, mas quando se aprofunda torna-se uma concepção estranha
– para não dizer equivocada.
É que o Direito, quando da aplicação prática, é efetivamente um todo unitário,
mas por quê? Porque o intérprete, ao buscar compreender todas as vicissitudes de
um determinado caso concreto e, ao tentar transpô-las ao emaranhado de leis,
141 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à Teoria Geral do Direito Privado. São Paulo: RT, 2008. p. 184.
82
resoluções, atos normativos, portarias, decretos executivos, decretos legislativos,
princípios jurídicos, usos e costumes, perceberá que o direito é efetivamente
uniforme enquanto sistema ordenado e, por isso, não poderá selecionar partes
desse todo sem conectá-las com suas demais facetas. A unicidade é diretamente
ligada à impossibilidade de interpretação encaixotada ou segmentada de
determinado fenômeno jurídico a ponto de não se levar em consideração as demais
partes.
O Direito é, sim, um sistema porque é um conjunto institucionalizado (cuja
legitimação deriva de um poder central aceito por todos e que tem a força coativa
como critério identificador) e organizado (concatenado de maneira lógica e
sistemática) de regras e de princípios, aberto em termos cognitivos (dialoga entre si
e com outros sistemas) e fechado em termos operacionais (eis que opera dentro do
binômio legal-ilegal), cujas facetas se imbricam e se conectam direta e indiretamente
sustentados por uma norma de caráter orientador e legitimador (a Constituição
Federal).
E a divisão em ramos/áreas, não é meramente didática. Na aparência, sim,
mas, na essência, não. Embora o Direito seja um todo indivisível, cada área ou
subárea é assim considerada e definida porque guarda certo grau de autonomia
axiológica e dogmática. Não absoluta, já que todas possuem a Constituição como
suporte de validade, mas relativa. E ser relativa não torna a autonomia inexistente,
senão realça o aspecto individualizador e peculiar de cada um desses ramos que se
estuda e se descreve.
O que torna uma área (relativamente) autônoma não é apenas a existência de
uma codificação uniforme e sistemática sobre seu eixo estrutural (código civil, código
penal), porém a existência de princípios, fontes, valores e institutos próprios, os
quais, a despeito dessa certa independência, não deixam de se relacionar com
outros princípios, fontes, valores e institutos jurídicos das demais áreas. Para
elucidar, vale transcrever a crítica de Fábio Ulhoa Coelho:
Cada área dentro do sistema jurídico gravita em torno de um núcleo
axiológico e deontológico próprio, cujas bases lhe dão suporte e direcionamento
prescritivo. Esse núcleo de identidade material conforma as fontes, os institutos
jurídicos, os princípios e os valores estudados e aplicados dentro de cada
subsistema de forma relativamente autônoma e com certo grau de independência
dos demais.
83
É dizer, mais claramente: só há sentido em falar de usos e costumes
comerciais (fontes) falência e recuperação de empresa (institutos), preservação da
empresa (princípios), função social da empresa (valores) se estivermos a tratar de
situações (fatos ou atos) dentro do âmbito do regime jurídico do direito empresarial,
assim como só há sentido falar-se em legítima defesa criminal, princípio do in dubio
pro reo e de inimputabilidade penal se a alocação conceitual vincular-se a
determinadas ocorrências que gerem reflexos mais diretos ao ramo do direito penal
(e não ao direito empresarial, portanto).
Nesse contexto, entende-se haver determinados conteúdos axiológicos que
invariavelmente pertencem a específicas categorias jurídicas e que, em última
análise, lhe dão conformação autônoma das demais áreas (subsistemas142).
É com esse sentido que o Direito Comercial contemporâneo (objeto dessa
rápida resenha), atualmente nominado por muitos de Direito Empresarial - porque o
núcleo de expectativas centra-se na empresa - segue dotado de elevada carga de
autenticidade e organicidade própria, a despeito de sua inserção no âmbito do
Código Civil de 2002. Ainda há destacada dessemelhança entre o Direito Civil e o
Direito Empresarial justamente pelo fato de que sua organização jurídico-normativa
necessita de dinamicidade e informalidade próprias da atividade empresarial, cujo
formalismo do direito civil não consegue suprir.
Nesse contexto, do ponto de vista técnico, a tentativa de reunificação do
Direito Privado mediante inserção do Livro de Direito de Empresa dentro do Código
Civil tem conotação mais formal do que realista. Com efeito, o âmbito das relações
empresariais ainda é diferente do âmbito das relações civis, tanto assim que, como
visto acima, o próprio diploma civilista procurou separar claramente o eixo de
atividades intelectuais do eixo de atividades empresariais (caput e parágrafo do
artigo 966-CC).
142 Ofertando um paradigma teórico a essa ideia, mas sem fragmentar o texto, cita-se a tese do sociólogo alemão Niklas Luhmann, o qual divide a sociedade em fragmentos isolados dotados de uma lógica interna própria, os chamados sistemas sociais, dentro dos quais todos os outros (sub)sistemas se agrupam, cada qual funcionando autonomamente a partir de seus modos de operação peculiares. A autonomia dos sistemas é consequência do fechamento operacional (encerramento operativo) frente aos elementos do ambiente - que faz com que o sistema dependa de sua própria organização para construção, transformação e desenvolvimento -, bem como da delimitação de uma fronteira de diferenciação entre a parte e o todo, factível apenas por meio da autopoiese. LUHMANN, Niklas. Introducción a la teoría de sistemas. Versão espanhola Javier Torres Nafarrate. México: Universidad Ibero Americana, 1996. p. 85.
84
Quer-se com isso afirmar que o direito de empresa guarda autonomia
(relativa, porque nenhum ramo é absolutamente independente do outro) não apenas
porque a Constituição Federal (artigo 22, I) segmentou o direito comercial do direito
civil para fins legislativos, mas, sobretudo, porque a existência de um determinado
ramo dentro da ciência jurídica liga-se à capacidade de extração de um conjunto
orgânico de princípios que a ele pertencem de maneira individualizada, destacando-
o, quanto a essas características peculiares e a todos os seus desdobramentos, dos
demais ramos da mesma ciência jurídica.
Essa autonomia pode ser observada a partir da existência de uma teoria
jurídica própria do direito empresarial (com aspectos epistemológicos diferentes
daqueles sob os quais se fundamenta o direito civil), bem como na verificação de
institutos (falência, recuperação judicial) e princípios (preservação da empresa,
maximização de ativos) que reúnem elevada carga de especialidade porque têm
objeto e objetivos bastante peculiares.
É dizer: o espectro contemporâneo do direito empresarial tem como objeto a
empresa e o empresário, de modo que, em sua realização prática, procura
regulamentar os aspectos formais da atividade econômica empresarial (registro,
capacidade, sociedade); por outro lado, tem como objetivos a finalidade precípua de
preservar a empresa para viabilizar a manutenção da fonte de criação de riqueza,
bem como criar instrumentos de otimização dos ativos empresariais no caso de
insucesso da atividade (mitigando riscos e maximizando recursos) a fim de promover
o melhor desenvolvimento socioeconômico possível.
Essa discussão pode ir além.
Nos dias de hoje, se percebe que o direito está sendo quase que colonizado
pelas teorias da economia, encontrando respaldo na Escola de Chicago e da Análise
Econômica do Direito..
Exemplo disso são as agências reguladoras independentes, modelo brasileiro
adaptado das “independent regulatory comissions” desenvolvidas nos Estados
Unidos da América, são frutos de uma profunda mudança na relação do Estado com
a sociedade no que tange à ordem econômica143. Até o final do Século XIX o Estado
tinha por atribuição, fundamentalmente, a produção do direito e a promoção de
segurança, não se admitindo, pois, sua interferência na economia. Neste modelo o
143 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Direito econômico. São Paulo: MP Editora, 2006, p. 96.
85
mercado era direcionado pelo capitalismo, o que acarretava uma separação entre
Estado e Sociedade, a qual, não podendo prosperar, ensejou o surgimento de um
Estado atuante na seara econômica144.
O Estado passa, então, segundo Cyro Rezende145, a ter um importante papel
na economia (Estado providencialista), intervindo a fim de coibir a luta de classes e a
consequente desestruturação do sistema. A sociedade passa a estruturar-se de
forma que todos se identificam como parte da burguesia, uma classe diversa do
operariado e com padrão de vida superior. Esta intervenção estatal como controle de
conduta, preservando o modo de produção capitalista, foi a primeira forma, ainda
incipiente, das sociais-democracias do século XX, estruturadas para atender o bem-
estar e a justiça social.
O Estado providencialista, contudo, mais do que apenas coibir a luta de
classes, elevou as condições e expectativa de vida da população de forma
expressiva. Segundo Marçal Justen Filho146, tamanho êxito foi, também, o motivo da
derrocada daquele modelo. A multiplicação da população, não acompanhada pelos
instrumentais de financiamento estatal, tornou, pois, inviável a manutenção desta
estrutura de bem-estar social, sendo forçoso o desenvolvimento de um novo modelo
de intervenção do Estado na economia.
Substituiu-se, então, a intervenção direta por uma atuação, baseada no uso
das competências normativas (reguladoras), isto é, limitada a direcionar a atividade
dos agentes econômicos particulares 147 , ressalvados os setores em que os
interesses destes conflitem com o interesse público148.
A intervenção estatal, cujo objetivo no modelo de atuação direta era garantir a
observância do interesse público sobre o privado, notadamente no que concerne à
proteção da economia, passa a preocupar-se com proteção do interesse público
enquanto coexistente de forma pacífica e harmônica com os demais interesses
envolvidos na regulação (privado e coletivo), atuando, pois, de forma isonômica e
imparcial149.
144 GRAU, Eros Roberto. A Ordem econômica na constituição de 1988. 2012, p. 18-19. 145 REZENDE FILHO, Cyro de Barros. História Econômica geral. 9ª Ed. São Paulo: Contexto, 2007, p. 305-306. 146 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 18-19. 147 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Direito econômico. São Paulo: MP Editora, 2006, p. 96-97. 148JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, 4ª. Edição revisada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 565. 149 Ibidem, p. 97.
86
Neste contexto ocorre uma fragmentação das competências normativas e
decisórias do Estado. O modelo piramidal napoleônico, caracterizado por uma
administração concentrada, é substituído por uma “rede governativa”
descentralizada150 a qual, seguindo a tendência iniciada nos Estados Unidos da
América no final do Século XIX, pós new deal151, materializou-se mediante a criação
de agências reguladoras independentes152.
Estas entidades regulatórias, conforme ensina Sérgio Guerra 153 , possuem
natureza jurídica de autarquias especiais 154 , sujeitas a regime próprio e com
autonomia em relação ao Poder Público, tendo por características a independência e
discricionariedade técnica, entre outras, enquanto importantes atributos no
desempenho de suas funções regulatórias com neutralidade e imparcialidade.
Outra importante ferramenta da qual dispõem as agências reguladoras é a
instituição de uma diretoria colegiada, cujos membros, embora não detenham
estabilidade, não podem sofrer exoneração ad nutum. A ausência de estabilidade
dos membros do corpo diretivo da agência reguladora, se por um lado fortalece a
neutralidade destas entidades, promovendo uma habitual rotatividade de seus
membros, igualmente aumenta o risco de uma excessiva proximidade entre estes
órgãos e os agentes econômicos, notadamente no que concerne às informações
privilegiadas que o egresso da diretoria dispõe quando volta a atuar no setor
regulado, o que invariavelmente ocorre dado seu amplo conhecimento técnico.
Neste contexto surge a hipótese da chamada “captura regulatória”, isto é,
quando “a agência perde sua condição de autoridade e passa a produzir atos
150 Ibidem, p. 581. 151 “Para os Estados Unidos, o New Deal significou uma série de medidas intervencionistas, saneadoras umas, incentivadoras outras, definidas por Roosevelt, que governou o país de 1933 a 1945, como reflexo de ‘uma nova concepção dos deveres e das responsabilidades do governo com respeito à economia mundial”. REZENDE FILHO, Cyro de Barros. História econômica geral. 9ª Edição. São Paulo: Contexto, 2007, p. 212. 152 FRANÇA. Phillip Gil. O controle da administração pública: discricionariedade, tutela jurisdicional, regulação econômica e desenvolvimento. 3º Edição revisada e atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 158-159. 153 GUERRA, Sérgio. Agências reguladoras: da organização administrativa piramidal à governança em rede. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 118. 154 “Costuma-se aludir à existência de autarquias especiais. Ainda que a expressão ‘autarquia especial’ comporte inúmeros significados, um núcleo fundamental consiste na ausência de submissão da entidade, no exercício de suas competências, à interferência de outros entes administrativos. A produção dos atos de competência da autarquia não dependem da aprovação prévia ou posterior da Administração direta, tal como não se verifica uma competência de revisão desses atos.”. MASSO, Fabiano Del. Direito Econômico Esquematizado. São Paulo: Método, 2012. p. 102.
87
destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou todos
os seguimentos empresariais regulados”155.
Esta fenômeno, conforme destaca Marçal Justen Filho156, fazendo referência
à obra de Marver Hillel Bernstein157, é inerente ao próprio modelo de regulação por
agências, cuja existência caracteriza-se por três fases: a) fase jovem; b) fase de
maturidade e; c) fase de velhice. No período inicial (fase jovem) as agências
reguladoras são caracterizadas por buscarem vigorosamente atenderem o interesse
público. Após decorrido algum tempo (fase de maturidade), contudo, os integrantes
das agências reguladoras perdem, pouco a pouco, esta capacidade de regulação
voltada, precipuamente, ao interesse público. Isto porque, nesta fase, as agências
passam a depender de forma mais acentuada de informações fornecidas pelos
entes regulados, acarretando uma maior interferência destes nas políticas adotadas
pelas reguladoras, caracterizando, por vezes, a captura das mesmas. Aludida
dependência se intensifica com o passar do tempo de modo que na chamada “fase
de velhice” os entes regulados possuam interferência direta nas decisões tomadas
pelas agências reguladoras.
Caracteriza-se, portanto, uma existência cíclica que, embora iniciada sob o
viés de atender o interesse público e desonerar a máquina Estatal, acaba por,
subvertida, atender aos interesses particulares de determinados entes regulados.
Há que se ter certo cuidado com tudo isso, continuando nessa toada, a justiça
ainda há de se tornar uma verdadeira roleta da sorte, cuja sustentação moral e
teórica será pautada na afamada teoria dos jogos.
155 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladores independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 370. 156 Ibidem, p. 370. 157 BERNSTEIN, Marver Hillel. Regulating Business by Independent Commission. Princeton University Press; Oxford University Press: 1955.
88
CAPÍTULO III – COOPERATIVISMO POPULAR, POLÍTICAS PÚBLICAS E
DESENVOLVIMENTO SOCIAL
SEÇÃO 1 – A SELETIVIDADE DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL BRASILEIRO
Ante a esse problema suscitado na seção anterior é que o Estado se vë
obrigado a tornar as rédeas do desenvolvimento social, se tornando um Estado tutor,
intervencionista e assistencialista.
De início, é de suma importância explicite o que de fato significa a palavra
desenvolvimento.
89
Desenvolvimento é o desencadeamento de um processo de mudanças, que
de certo modo, propiciam melhoria naquilo que está a se desenvolver.
Neste sentido, importante destacar o ensinamento de Gilberto Bercovici,
vejamos:
A visão estática da economia, predominantemente entre os autores neoclássicos, e sua análise fundada no individualismo metodológico, é abalada, no século XX, com a crescente preocupação em torno da noção de desenvolvimento. Desde a abordagem pioneira de Schumpeter, já em 1911, entende-se desenvolvimento como um processo de mudanças endógenas da vida econômica, que alteram o estado de equilíbrio previamente existente. Com Keynes as mudanças na economia vão ser compreendidas a partir da sua severa crítica, de 1926, aos pressupostos teóricos e metodológicos dos neoclássicos e da sua defesa da expansão da atuação do Estado na economia como meio de evitar o colapso das economia capitalistas.158
Conforme facilmente se nota, Bercovici procura fazer um apanhado histórico,
buscando demonstrar que o desenvolvimento está intimamente ligado a questões
sócio econômicas, que se transformam de dentro para fora, gerando a partir de
então, mudanças no âmbito econômico e social de determinado lugar, região,
pessoa etc.
Em suas palavras:
O desenvolvimento é condição necessária para a realização do bem estar social. O Estado é, através do planejamento, o principal promotor do desenvolvimento. Para desempenhar a função de condutor do desenvolvimento, o Estado deve ter autonomia frente aos grupos sociais, ampliar suas funções e readequar seus órgãos e estrutura. O papel estatal de coordenação da a consciência da dimensão política da superação do subdesenvolvimento – dimensão, esta, explicitada pelos objetivos nacionais e prioridades sociais enfatizados pelo próprio Estado.159
E sem dúvida alguma, as políticas públicas e políticas sociais de
desenvolvimento, são a melhor maneira de exemplificar isso.
No Brasil, as políticas sociais de desenvolvimento surgiram em meados da
década de 30, em meio ao processo de desenvolvimento industrial no primeiro
158 BERCOVICI, Gilberto. Desenvolvimento, Estado e Administração Pública. In: CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, José Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batisita dos. P. 667 159 BERCOVICI, Gilberto. Desenvolvimento, Estado e Administração Pública. In: CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, José Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batisita dos. P. 672
90
governo do então presidente Getúlio Vargas e com surgimento do Estado
Desenvolvimentista.
Segundo parte da doutrina, este surgimento se deu em virtude da criação de
algumas leis cujo o escopo era providenciar o surgimento de órgãos públicos que se
mostrassem capazes de gerenciar as políticas sociais, vejamos:
No âmbito das políticas sociais, é a partir da década de 1930 que se assiste ao surgimento de um conjunto de leis referentes à criação de órgãos de políticas sociais e à garantia de direitos trabalhistas. Por exemplo, na saúde e na educação, registraram-se alguns avanços significativos, com progressiva expansão do potencial de atendimento da rede pública e significativa centralização dos comandos no âmbito executivo federal. Uma das características centrais desse período é que a ação governamental assumiu o objetivo de conciliar uma política de acumulação que não exacerbasse as iniquidades sociais, com uma política voltada para a equidade que, longe de comprometer, até ajuda a acumulação.160
Em que pese ter conseguido um grande avanço neste sentido, o Estado
mostrou-se um tanto quanto ineficiente, no sentido de conseguir expandir o alcance
das políticas sociais como de fato era necessário. A questão de integração dos
trabalhadores é um bom exemplo disso, vejamos:
Em suma, entre 1930 e 1966, não foi firmada uma política social que integrasse os trabalhadores. As tentativas para unificar a gestão e universalizar os direitos sociais para todos os trabalhadores, como os rurais, autônomos e domésticos, foram rechaçadas. Isso se deveu: i) ao temor das burocracias dos IAP’S de perder suas prerrogativas; ii) ao risco de aumento da carga contributiva para os segurados cobertos; e, sobretudo, iii) às tradicionais resistências das elites, em geral, e das agrárias, em particular. Por último, a falta de critério para gerenciar os portfolios e a crescente demanda por benefícios, sobretudo em termos de atendimento médico hospitalar, mostrava que o modelo organizado nos anos 1930 não tinha mais condições de operar. 161
No entanto, a maneira encontrada para que se pudesse suprir, de certo modo,
essa deficiência, não foi a mais adequada, tendo em vista que as classes dos
trabalhadores foram inseridas no cenário político social de uma forma não tão
160 CASTRO, Jorge Abrahão de; RIBEIRO, José Aparecido; CAMPOS, André Gambier; MATIJASCIC, Milko. A CF/88 e as políticas sociais brasileiras. In: A Constituição brasileira revisitada: recuperação histórica e desafios atuais das políticas públicas nas áreas econômica e social. Organizador: José Celso Cardoso Jr. Brasília. Ipea, 2009. P. 58-59 161 CASTRO, Jorge Abrahão de; RIBEIRO, José Aparecido; CAMPOS, André Gambier; MATIJASCIC, Milko. A CF/88 e as políticas sociais brasileiras. In: A Constituição brasileira revisitada: recuperação histórica e desafios atuais das políticas públicas nas áreas econômica e social. Organizador: José Celso Cardoso Jr. Brasília. Ipea, 2009. p. 60
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correta, qual seja, através da cooptação, que não leva em consideração qualquer
método de análise externo para definição de seu grupo.
Vejamos:
O ingresso das classes trabalhadoras no cenário político se fez viável a partir, principalmente, das práticas de cooptação, que foram estabelecidas por meio da incorporação controlada dos setores populares a um sistema econômico que se moderniza, sob o signo da exclusão social e do elitismo político. As políticas sociais daí resultantes ocorrem em uma rede burocrática clientelista que instrumentaliza a cooptação e potencializa a corrupção.162
Buscando exemplificar a evolução cronológica das políticas sociais de
desenvolvimento, num primeiro período, o qual estende-se basicamente entre os
anos 30 e 60, ou seja, durante a consolidação do Estado Desenvolvimentista,
verifica-se que em que pese ter havido uma nobre tentativa do Estado em buscar e
firmar alguns direitos previdenciários e trabalhista, pouco se fez de efetivo no âmbito
de desenvolvimento social e econômico, vejamos:
Ano CARACTERIZAÇÃO SUMÁRIA DA LEGISLAÇÃO Status
1919 Assinatura da Convenção da Organização Internacional do Trabalho sobre acidentes de trabalho – seguro contratados
Vigente
1923 Lei Eloy Chaves, disciplinando regulamentos de aposentadorias e pensões
Ativo até 1966
1931 Criação do Ministério do Trabalhol Vigente até 1967
1940 Criação do Salário Mínimo Vigente
1943 Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) Vigente
1945 Criação do Instituto dos Serviços Sociais do Brasil (ISSB)
Sem efeito até 1988
1947 Proposta de unificação dos Institutos de Aposentadoria e pensão (IAPs)
Retomada em 1957
1952 1° Estatuto consolidado dos servidores públicos Vigente
1953 Extinção das Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) e sua incorporação aos IAPs
Vigente até 1967
1960 Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) Vigente
1960 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Sem efeito
1962 Extinção da idade mínima para aposentadorias por tempo de serviço
Vigente
1963 Determinação da criação do Programa de Assistência do Trabalhador Rural (Prorural)
Sem efeito
162 CASTRO, Jorge Abrahão de; RIBEIRO, José Aparecido; CAMPOS, André Gambier; MATIJASCIC, Milko. A CF/88 e as políticas sociais brasileiras. In: A Constituição brasileira revisitada: recuperação histórica e desafios atuais das políticas públicas nas áreas econômica e social. Organizador: José Celso Cardoso Jr. Brasília. Ipea, 2009. P. 59
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Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social, vários anos.
No entanto, era notável a evolução do Estado brasileiro, principalmente no
quesito de infraestrutura que a muito custo, de certa forma, trouxe alguns benefícios
no que diz respeito a transformações no processo de formação no sistema de
proteção social no país.163
Por outro lado, a Maria da Conceição Tavares afirmava que o motivo da
mudança se dava em virtude da crise populista do início dos anos 60, que segundo
ela
[...] se revelou muito mais aguda que as imediatamente anteriores. Além da crise do governo, deu lugar a uma crise do regime e à ruptura do próprio pacto político que prevalecia desde o pós guerra. O Estado populista, resultante do compromisso da elite modernizante de trinta com os setores populares, rompeu-se com a intervenção militar. O sentido mais amplo que se pode extrair do impulso original do longo processo iniciado em 64 é o da reestruturação do aparelho da intervenção do Estado em todos os seus níveis, do econômico ao político.164
O populismo foi um movimento que ocorreu em praticamente toda América
do Sul, num período pós guerra, onde houve a incorporação da massa, ou seja, dos
populares no processo político capitaneado pelo Estado. O de certo modo, acabou
acarretando uma certa mudança no modelo de aplicação das políticas sociais, sem,
no entanto, abandonar totalmente o modelo anteriormente implantado.
Neste sentido:
Desse momento em diante, ocorre uma reestruturação das políticas sociais, com a expansão do sistema em busca de uma abrangência nacional e, por outro lado, a montagem de um aparelho estatal centralizado. Amplia-se o grau de racionalidade na implementação das políticas sociais, em um movimento expresso pela definição de novas fontes de financiamento e de seus princípios e mecanismos operacionais. No entanto, esse movimento não significou um abandono completo do perfil anterior. Ocorre, isto sim, uma acentuação dos componentes de iniquidade do sistema, a despeito da progressiva incorporação de novos grupos sociais, como forma de legitimação de regime. Destaca-se a completa subordinação da política
163 CASTRO, Jorge Abrahão de; RIBEIRO, José Aparecido; CAMPOS, André Gambier; MATIJASCIC, Milko. A CF/88 e as políticas sociais brasileiras. In: A Constituição brasileira revisitada: recuperação histórica e desafios atuais das políticas públicas nas áreas econômica e social. Organizador: José Celso Cardoso Jr. Brasília. Ipea, 2009. P. 61 164 TAVARES, Maria da Conceição. (org.). Aquarela do Brasil. Rio de Janeiro: Riofundo, 1990. P. 123
93
social aos imperativos da política econômica, fincando a implementação das decisões privativas da burocracia estatal. Por outro lado, o Estado autoritário tendeu a se relacionar com a sociedade civil pela cooptação de indivíduos e interesses privados do sistema, excluindo a representação coletiva na relação entre Estado e sociedade.165
Para tanto, com o objetivo de demonstrar as mudanças e evoluções da
atuação do Estado, conforme acima citado, importante destacar o segundo quadro
evolutivo dos principais marcos das políticas sociais entre os anos de 1964 e 1987.
Ano CARACTERIZAÇÃO SUMÁRIA DA LEGISLAÇÃO Status
1966 Centralização dos IAP’s no Instituto Nacional de previdência social
Vigente no INSS
1966 Extinção da estabilidade no emprego do FGTS Vigente
1967 Criação do Ministério do Trabalho e Previdência Social
Vigente até 1974
1967 Incorporação de acidentes de trabalho ao INPS, extinguindo seguros contratados
Vigente
1970 Criação do Programa de Integração Social (PIS) Vigente
1971 Criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), para atender trabalhadores rurais com benefícios restritos
Vigente até 1988
1972 Permissão do acesso dos empregados domésticos à previdência social
Vigente
1974 Criação do Ministério da Previdência e Assistência Social
Vigente
1977 Criação do Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (Sinpas), especializando ações por função (saúde, previdência, assistência e gestão)
Reformado
1977 Legislação dos fundos de pensão fechados (empresas) e abertos (bancos e seguradoras)
Vigente
1978 Extinção do Instituto de Previdência e Assitência dos Servidores dos Estados (Ipase) e discriminação dos servidores estatutários (Regime Próprio de Previdência Social – RPPS) e não estatutários (Regime Geral de Previdência Social – RGPS)
Vigente até 1988
1982 Criação da contribuição sobre faturamento (atual Contribuição para o financiamento da Seguridade Social – Confins) para financiar ações sociais
Vigente
1986 Criação do seguro desemprego Vigente
1987 Extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH)
FONTE: Anuário Estatístico da Previdência Social, vários anos.
165 CASTRO, Jorge Abrahão de; RIBEIRO, José Aparecido; CAMPOS, André Gambier; MATIJASCIC, Milko. A CF/88 e as políticas sociais brasileiras. In: A Constituição brasileira revisitada: recuperação histórica e desafios atuais das políticas públicas nas áreas econômica e social. Organizador: José Celso Cardoso Jr. Brasília. Ipea, 2009. P. 61
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Nota-se a partir do quadro ilustrativo, que muitas das ações voltadas às
políticas sociais tomadas pelo Estado naquela época, diziam respeito única e
exclusivamente a questões ligadas a previdência social. Tal fato acabou gerando
certo déficit orçamentário, uma vez que acabou onerando demasiadamente o
Estado, vejamos.
Como muitas ações sociais foram incorporadas ao universo previdenciário, houve uma mescla de políticas de caráter contributivo, como as aposentadorias e pensões, como outras de caráter não contributivo, como o atendimento médico e assistencial. Apesar dessas diferenças, a maioria das políticas foi financiada com recursos de folha salarial, que gravava uma parcela restrita da população e tinha um nível de progressividade reduzido. Em outras palavras, o desafio que se colocava para os que desejavam romper a chamada dívida social era encontrar mecanismos estáveis de financiamento que permitissem elevar os valores dos benefícios, a qualidade do atendimento e, em última instância, a própria cidadania, sem sujeitar a política social aos desígnios da política econômica. Isso era essencial para evitar que a discricionariedade para manejar os recursos do orçamento continuasse operando e fosse possível promover a redistribuição de renda e a melhoria da situação social.166
Na Constituição de 1988, de certa forma, houve uma modificação e ampliação
do modus operandi do Estado nas questões ligas as políticas sociais.
Isto porque, a partir da promulgação da Carta Magna, as políticas sociais
passaram a ter uma finalidade bastante peculiar, qual seja a de atender os
interesses da república, conforme preconiza o artigo 3° do texto constitucional, seja
por intermédio da erradicação da pobreza e da marginalização, seja pela busca de
uma sociedade livre e igualitária.167
Vejamos o que diz a Constituição Federal neste sentido.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
166 CASTRO, Jorge Abrahão de; RIBEIRO, José Aparecido; CAMPOS, André Gambier; MATIJASCIC, Milko. A CF/88 e as políticas sociais brasileiras. In: A Constituição brasileira revisitada: recuperação histórica e desafios atuais das políticas públicas nas áreas econômica e social. Organizador: José Celso Cardoso Jr. Brasília. Ipea, 2009. P. 63/64 167 Ibidem. P. 64
95
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.168
Nota-se que o tema ganhou uma nova abordagem, muito mais ampla e cujos
objetivos estão expressamente delineados na Constituição Federal.
Isso fez com que houvesse uma reorganização na maneira como essas
políticas sociais passariam a ser implementadas pelo Estado, vejamos:
A Constituição, refletindo os anseios por maior descentralização, produziu um novo arranjo das relações federativas. A redefinição de funções e de poderes de decisão entre as unidades federadas, que envolveu transferências de recursos da União para estados e municípios, trouxe consequências para a dinâmica do gasto social brasileiro no decorrer dos anos 1990. No tocante às receitas, a Constituição aprofundou o movimento de descentralização que já vinha se configurando desde o início da década de 1980. Redistribuiu competências tributárias entre as esferas governamentais, beneficiando os estados e, principalmente, os municípios, além de ampliar transferências constitucionais, que alteraram a repartição da arrecadação tributária em favor destas esferas. Com isso, aumentava a capacidade de financiamento dos gastos públicos dos entes federados, o que podia significar menor dependência em relação à União na cobertura das políticas sociais. Além disso, a Constituição manteve os percentuais da receita de impostos vinculados à área da educação para estados e municípios.169
Ou seja, a partir de 1988, a ideia de descentralizar a forma de atuação e
aplicação das políticas sociais, foi a melhor maneira encontrada para que houvesse
até certo ponto, a desoneração da União, que passaria a partir de então, a
compartilhar com os estados e municípios, a competência para efetiva aplicação dos
programas sociais planejados para o desenvolvimento nacional.
Assim como feito anteriormente, importante destacar a evolução do quadro de
políticas sociais dos anos 1990 à 2007.
Ano CARACTERIZAÇÃO SUMÁRIA DA LEGISLAÇÃO Status
1989 Criação da contribuição sobre o lucro líquido Vigente
1990 Aprovação da RPPs para todos os servidores Vigente
1991 Aprovação da lei de custeio e da nova lei de benefícios
Vigente em parte
168 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acessado em 10/05/2016. 169 CASTRO, Jorge Abrahão de; RIBEIRO, José Aparecido; CAMPOS, André Gambier; MATIJASCIC, Milko. A CF/88 e as políticas sociais brasileiras. In: A Constituição brasileira revisitada: recuperação histórica e desafios atuais das políticas públicas nas áreas econômica e social. Organizador: José Celso Cardoso Jr. Brasília. Ipea, 2009. P. 63/64
96
1993 Fim da transferência de recursos sobre folha para saúde
Vigente
1993 Criação da Contribuição provisória sobre movimentação financeira (CPMF), para financiar a saúde
Vigente até 2007
1993 Estabelece a norma operacional básica da saúde, dispondo sobre responsabilidade federativas
Alterado em 1996
1994 Revisão constitucional autoriza destinar recursos da Organização Social da Saúde para outros fins
Vigente até 2007
1995 Consolidação da Lei Orgânica de assistência social para idosos e deficientes
Vigente
1996 Estabelecimento nova NOB da saúde, dispondo sobre responsabilidades federativas
1996 Criação do programa de Erradicação do Trabalho infantil
Vigente
1996 Criação do Simples – regime especial de tributação para micro e pequenas empresas
Vigente
1996 Reforma da LDB e criação da FUNDEF Vigente
1998 Aprovação da Emenda Constitucional n° 21 do serviço público
Reformada em 2003
1998 Aprovação da Emenda Constitucional ° 20 da previdência
Vigente em parte
1999 Criação da Legislação do fator previdenciário Vigente
1999 Instauração da contribuição do servidor inativo Vigente até 2004
2000 Aprovação da Emenda Constitucional n° 27, dispondo sobre o financiamento da saúde na federação
Vigente em parte
2001 Criação do bolsa escola, bolsa alimentação, auxílio – gás e agente jovem
Centralizados em 2003
2003 Criação do Bolsa Família e do Fome Zero Vigentes
2003 Aprovação da Emenda Constitucional n° 41, reformando a previdência de servidores estatutários (RPPs)
Vigente em parte
2003 O estatuto do idoso reduz de 67 para 65 anos a concessão de benefícios da Loas
Vigente
2004 Criação do Ministério do desenvolvimento social e combate à fome (MDS), responsável por ações assistenciais
Vigente
2005 Transferência da receita previdenciária para a receita federal
Vigente
2006 Criação da FUNDEB para dar reforço a educação básica
Vigente
2007 Extinção da CPMF, extirpando-a do orçamento da seguridade, e prorrogação da RDU
Vigente
FONTE: Anuário Estatístico da Previdência Social, vários anos.
Nota-se que a partir do desmembramento das competências para ampliação
e aplicação das políticas sociais, a Constituição de 88 permitiu um avanço
significativo do alcance desses programas sociais.
A partir do ano 2003, principalmente, o Governo Lula teve um enfoque
bastante grande nessa questão, unificando e ampliando em largo espaço os
programas sociais ate então existentes.
97
O que fez com seu governo fosse demasiadamente criticado, diante do
caráter assistencialista de seus programas de desenvolvimento social. Uma vez que
não foi capaz de emancipar os beneficiados pelos subsídios, pelo contrário, tornou
essas pessoas cada vez mais dependentes do auxílio do Estado.
E hoje? Para onde caminha o desenvolvimento?
Certamente voltada a questão da sustentabilidade e desenvolvimento social
sustentável.
SEÇÃO 2 – A REFLEXÃO CONTEMPORÂNEA DA SUSTENTABILIDADE E O
DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL
Tema que está sempre em voga é a questão do desenvolvimento sustentável.
A voracidade com que a sociedade anseia por mudanças e melhorias faz com
que muitas vezes o meio ambiente pague um preço muito caro por isso.
Segundo José Henrique Faria,
O conceito de sustentabilidade tem origem em 1987, quando a então presidente da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, G. Harlem Brundtland apresentou para Assembleia Geral da ONU o documento “Nosso Futuro Comum”, que ficou conhecido como Relatório Brundtland. Nesse relatório, o desenvolvimento sustentável foi conceituado como sendo “aquele que atende às necessidades do presente
98
sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades”. Imediatamente, este conceito deu origem ao de Sustainability, que é uma ação em que a elaboração de um produto ou desenvolvimento de um processo não compromete a existência de suas fontes, garantindo a reprodução de seus meios.170
Extrai-se daí algo preocupante. Quando a sociedade começou a atentar-se de
fato com a questão do desenvolvimento sustentável? Obviamente que dentro de um
contexto histórico, 29 anos de debates para algo que é de suma importância para o
planeta como um todo, pode ser considerado algo muito recente, o que se lamenta,
diante da gravidade sustentável na qual se encontra o nosso planeta.
Edis Milaré, afirma com propriedade.
O mero crescimento econômico, calcado na mutilação do mundo natural e na imprevisão das suas funestas consequências – dada a falta de doutrina filosófica e ordenamento jurídico capazes de direcionar corretamente os rumos desse mesmo crescimento -, acabou por criar um antagonismo artificial e totalmente dispensável entre o legítimo desenvolvimento socioeconômico e a preservação da qualidade ambiental.171
Ou seja, Milaré reforça a necessidade da existência de consciência e
preocupação com os rumos do crescimento econômico desapegado as questões
socioambientais.
O desenvolvimento sustentável passou a se preocupar com a maneira com
que a geração de riquezas e bem estar poderia ser promovida sem que houvesse a
degradação do meio ambiente e através de um processo de coesão social.172
Pois bem. Também há de ser levado em consideração que o meio ambiente é
de suma importância para o desenvolvimento econômico da nação, trata-se,
inclusive, de princípio fundamental da ordem econômica, previsto, no inciso VI do
artigo 170 da CF/88, e, portanto, a sua degradação nefasta deve ser abolida,
havendo a necessidade de a sociedade preocupar-se com o desenvolvimento
sustentável, ou seja, desenvolvimento econômico ambiental que não degrade o meio
ambiente de forma a prejudicar as gerações futuras.
170 FARIA, José Henrique de. Por uma teoria crítica da sustentabilidade. In: NEVES, Lafaiete Santos. SUSTENTABILIDADE – Anais de textos selecionados do V seminário sobre sustentabilidade. Curitiba: Juruá, 2011. P. 15-25 171 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 8 ed. Rev., atual. E ampl. São Paulo. Ed: Revista dos Tribunais, 2013. P. 61 172 FARIA, José Henrique de. Por uma teoria crítica da sustentabilidade. In: NEVES, Lafaiete Santos. SUSTENTABILIDADE – Anais de textos selecionados do V seminário sobre sustentabilidade. Curitiba: Juruá, 2011. P. 15-25
99
É de suma importância também, apresentar a forma como a doutrina
conceitua tão importante tema. Conforme já afirmado acima, o debate acerca da
sustentabilidade é bastante recente, no entanto, a doutrina vem se debruçando
sobre o assunto, dada a sua grande importância e, segundo José Henrique de Faria,
o conceito de sustentabilidade comporta sete aspectos fundamentais, são eles:
i) sustentabilidade social: melhoria da qualidade de vida da população,
equidade e na distribuição de renda e de dimuição das diferenças
sociais, com participação e organização popular; ii) sustentabilidade
econômica: públicos e privados, regularização do fluxo desses
investimentos, compatibilidade entre padrões de produção e consumo,
equilíbrio de balanço de pagamento, acesso à ciência e tecnologia; iii)
sustentabilidade ecológica: o uso dos recursos naturais deve minimizar
danos aos sistemas de sustentação da vida: redução dos resíduos
tóxicos e da poluição, reciclagem de materiais e energia, conservação,
proteção ambiental; iv) sustentabilidade cultural: respeito aos
diferentes valores entre os povos e incentivo a processos de mudança
que acolham as especificidades locais; v) sustentabilidade espacial:
equilíbrio entre o rural e o urbano, equilíbrio de migrações,
desconcentração das metrópoles, adoção de praticas agrícolas mais
inteligentes e não agressivas à saúde e ao meio ambiente, manejo
sustentável das florestas e industrialização descentralizada; vi)
sustentabilidade política: no caso do Brasil, a evolução da democracia
representativa para sistemas descentralizados e participativos,
construção de espaços públicos comunitários, maior autonomia dos
governos locais e descentralização da gestão de recursos; vii)
sustentabilidade ambiental: conservação geográfica, equilíbrio de
ecossistemas, erradicação da pobreza e da exclusão, respeito aos
direitos humanos e integração social.
Ou seja, o conceito de sustentabilidade possui várias vertentes, as quais
podem ser aplicadas de variadas formas e em variados âmbitos, sendo que num
contexto geral, todas são de suma importância para o desenvolvimento econômico
sustentável.
Partindo para exemplos práticos, é de suma importância trazer a tona estudos
do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente que apontam que “os países
da Organização de Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) produziram
cerca de 650 milhões de toneladas de resíduos municipais em 2007, crescendo em
torno de 0,5-0,7 por cento ao ano, dos quais de 5 a 15% (quinze por cento) são
100
resíduos eletrônicos”173. Foram feitas observações, ainda, de que o “destino final da
maioria dos resíduos eletrônicos é o mundo em desenvolvimento e que, na escala
global, os países em desenvolvimento podem gerar duas vezes mais resíduos
eletrônicos do que os países desenvolvidos até o ano de 2016”. O Brasil, segundo
aponta o estudo, em 2009 era o sexto país com maior disponibilização de produtos
químicos, atingindo aproximadamente 100 bilhões de reais em vendas174.
Essas circunstâncias, somadas a outras tantas das quais não cabe aqui
narrar, fazem surgir o que é chamado de crise de civilização alertada por Enrique
Leff175 , substanciada em uma crise de valores. É dizer: o conjunto de anseios
socioculturais que move a nossa sociedade, mormente ocidental, é forjado sobre um
relicário de incertezas de futuro e, nesse sentido, o presente é curtido
instantaneamente a partir de pitadas de diversão – e nada melhor para que a
diversão seja efetivamente instantânea do que o consumo impensado e
imediatista.176
O pragmatismo aético do racionalismo econômico que comandou as ações
inventivas do homem e, além disso, direcionou a relação do sujeito com a natureza –
173 STEINER, Achin. GEO 5 Panorama Ambiental Global. Disponível em <http://www.pnuma.org.br/admin/publicacoes/texto/GEO5_RESUMO_FORMULADORES_POLITICAS.pdf>. Acesso em 08.10.2014. 174 “Embora existam políticas de gerenciamento de resíduos em muitos países, sua implementação tem tido resultados variáveis e os informes de dados de resíduos perigosos têm diminuído. Os problemas do gerenciamento de resíduos estão fadados a crescer, já que a reciclagem por si só não os resolverá, e que excedem a capacidade dos países de lidar com eles. A prevenção e a minimização dos resíduos, o reduzir-reutilizar-reciclar e a recuperação de recursos são todos aspectos que requerem atenção. Questões emergentes, como interferentes endócrinos, plásticos no meio ambiente, queima a céu aberto e a fabricação e uso de nano-materiais e nano-químicos em produtos, exigem a adoção de medidas para melhor entendê-los e evitar danos à saúde humana e do meio ambiente.” STEINER, Achin. GEO 5 Panorama Ambiental Global. Disponível em <http://www.pnuma.org.br>. Acesso em 08.10.2014 175 “A racionalidade da modernidade pretende por à prova a realidade, colocando-a fora do mundo que percebemos com os sentidos e de um saber gerado na forja do mundo da vida. O saber ambiental integra o conhecimento racional e o conhecimento sensível, os saberes e os sabores da vida. O saber ambiental prova a realidade com saberes sábios que são saboreados, no sentido da locução italiana asaggiare, que põe à prova a realidade degustando-a, pois se prova para saber o que se pensa, e, se a prova da vida comprova o que se pensa, aquele que prova se torna sábio. Dessa forma, restaura-se a relação entre a vida e o conhecimento.” LEFF, Enrique. Complexidade, racionalidade ambiental e diálogo de saberes. Revista Educação e realidade. n. 34, p. 17-24. set-dez. 2009. p. 17. 176 A obra do ensaísta peruano Mario Vargas Lhosa tece sensíveis críticas ao modelo cultural light vigente na chamada “Civilização do Espetáculo”, que espelha a imagem do panorama sociocultural que estimula o consumismo. Afirma que “a diferença essencial entre a cultura do passado e o entretenimento de hoje é que os produtos daquela pretendiam transcender o tempo presente, durar, continuar vivos nas gerações futuras, ao passo que os produtos deste são fabricados para ser consumidos no momento e desaparecer, tal como biscoitos ou pipoca. ” LHOSA, Mario Vargas. A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. p. 27.
101
problemas que foram acentuados, modernamente, pelos elevados padrões de
consumo ocidentais - ocasionou severos prejuízos não apenas às relações
interpessoais, mas, sobretudo, ao meio ambiente, especialmente verificados com o
excessivo grau de materiais (resíduos sólidos) descartados diariamente por conta do
consumismo em excesso causado pela sociedade. Portanto, a crise ambiental é,
efetivamente e acima de tudo, uma crise da razão humana, do pensamento sobre o
qual se fundam as práticas socioeconômicas e do (baixo) conhecimento interativo e
integrativo entre homem e natureza.177
Parafraseando Leff, a problemática ambiental contemporânea,
no es una catástrofe ecológica ni un simple desequilibrio de la economía. Es el desquiciamiento del mundo al que conduce la cosificación del ser y la sobreexplotación de la naturaleza; es la pérdida del sentido de la existencia que genera el pensamiento racional en su negación de la otredad178.
Emergem, de consequência, novas formas de se pensar o consumo e de se
realizar as possibilidades e as necessidades pessoais de maneiras heterônomas,
não ortodoxas, sustentáveis. Surgem, igualmente, preceitos de cooperação inter-
relacionais a ponto de permitir a sensível minoração dos conflitos entre homem e
natureza sem que a mitigação do consumo implique, necessariamente, o não
atendimento aos anseios básicos dos cidadãos. E o pensamento holístico pode ser a
chave dessa compreensão.
Paul Hawken cita dois dados estatísticos que impressionam. O primeiro revela
o resultado do consumismo exagerado de bens rapidamente descartáveis,
porquanto 99% (noventa e nove por certo) do que geralmente se consome vira lixo
em aproximadamente seis meses. Além disso, acena que, nas últimas três décadas,
um terço dos recursos do Planeta já foram extraídos 179 . Em contrapartida, a
demanda aumentou em grau exponencial, notadamente diante do aumento
177 “Muitos dos problemas com os quais a humanidade se depara hoje em dia são consequência da separação entre a natureza do homem, seu ambiente e as criações da tecnologia científica.” DUBOS, Rene Jules. Um animal tão humano. São Paulo: Melhoramentos, 1974. p. 185. 178 LEFF, Enrique. Racionalidad Ambiental: la reapropriación social de la naturaleza. Ciudad del Mexico: Siglo XXI editores, 2004. prólogo p. ix. 179 Note-se que a obra foi escrita em 1999. De lá para cá, segundo apontam os estudos da ONU, a situação tem caminhado para pior, conforme apontam vários estudos de organismos internacionais. HAWKEN, Paul; LOVINS, Amory; LOVINS, Hunter. Natural Capitalism: creating the next industrial revolution. Little Brown and Company, 1999. p. 04-81.
102
populacional no mundo todo, fazendo com que a projeção de futuro não seja muito
promissora.
Ou seja, é chegada a hora da sociedade se conscientizar que precisa fazer
mais. Não basta apenas pleitear ações governamentais para que o meio ambiente
seja protegido, é necessário ir além. É necessário que cada um de nós coloque a
mão na sua consciência e pense nas consequências dos seus atos.
A partir daí, certamente será possível almejar-se algo melhor e, para tanto,
apresentar-se-á duas formas que demonstram enorme capacidade de
desenvolvimento social sustentável a partir do cooperativismo popular e do consumo
cooperativo. Uma vez que diante da crise de sustentabilidade econômica e social faz
com que o cooperativismo retome sua força.
103
SEÇÃO 3 - DESENVOLVIMENTO SOCIAL A PARTIR DO COOPERATIVISMO
POPULAR E O CONSUMO COOPERATIVO
Hoje em dia, diante do quadro ao qual o mercado está inserido e enraizado na
ordem capitalista, não vemos muitas saídas para que o desenvolvimento social
sustentável seja contemplado e surta os efeitos que realmente sejam necessários
para de certo. No entanto, certamente se visualiza no consumo cooperativo uma
importante fonte de inspiração.
O consumo cooperativo pode se mostrar uma importante alternativa para
proteção do meio ambiente e até mesmo do próprio cidadão, que busca a felicidade
incessante no consumismo que não acaba nunca, gerando, a partir disso, uma crise
ambiental e existencial do ser humano.
Atualmente, a partir dos movimentos de interação e integração econômica
multilaterais, transformou-se a sociedade de produtores de épocas passadas em
uma sociedade puramente de consumidores180. O consumo, assim, conota o vetor-
motriz que comanda as ações humanas e, sobretudo, tornou-se a medida da busca
momentânea da felicidade – embora, de fato, não seja apto per se a gerar felicidade.
No fundo, “a argumentação para o aumento do consumo, em sua reivindicação de
reconhecimento como estrada real rumo à maior felicidade do maior número de
pessoas, não foi provada, muito menos encerrada: ela permanece em aberto”181.
Nesse contexto, adverte Edgar Morin,
[...] o homem produtor está subordinado ao homem consumidor, este ao produto vendido no mercado, e este último a forças libidinais cada vez menos controladas no processo circular no qual se cria um consumidor para o produto e não mais apenas um produto para o consumidor182.
180 “Agora, num cenário exitosamente transformado, de uma sociedade de produtores (com lucros provindo sobretudo da exploração do trabalho assalariado), numa sociedade de consumidores (sendo os lucros oriundos sobretudo da exploração dos desejos de consumo), a filosofia empresarial dominante insiste em que a finalidade do negócio é evitar que as necessidades sejam satisfeitas e evocar, induzir, conjurar e ampliar novas necessidades que clama por satisfação e novos clientes em potencial, induzidos à ação por essas necessidades: em suma, há uma filosofia de afirmar que a função da oferta é criar a demanda. Essa crença se aplica a todos os produtos – sejam eles fábricas ou sociedades financeiras. No que diz respeito à filosofia dos negócios, os empréstimos não são exceção: a oferta de empréstimos deve criar e ampliar a necessidade de empréstimos”. BAUMAN, Zygmunt. Vida a crédito. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 28. 181 BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? p. 173. 182 MORIN, Edgar. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 2005. p. 84.
104
Sucede que, conforme acentuou Emerson Gabardo, “a felicidade, mais do
que um grau de satisfação verificável empiricamente, deve ser um fim estabelecido
por princípio e não por critérios pragmáticos”183.
Com efeito, o grau de felicidade geral de uma nação não se mede por
diretrizes utilitaristas: a maximização da riqueza vertida à potencialização do
consumo, por assim concluir, não denota o aumento proporcional global de
felicidade justamente pela impossibilidade de se aferi-la de maneira empírica.
Em verdade,
[...] enquanto a sociedade de consumo, como nenhuma outra no passado poderia fazer ou mesmo sonhar, sustenta seu argumento na promessa de satisfazer os desejos humanos, a processa de satisfação permanece sedutora apenas enquanto o desejo se mantenha insatisfeito.184
Por conta disso, na perspectiva do autor contemporâneo Edgar Morin, dentro
de uma sociedade diretamente voltada ao consumo e desconectada do meio
ambiente “a elevação dos níveis de vida pode estar ligada à degradação da
qualidade de vida” 185 , de sorte que “o indivíduo pode estar simultaneamente
autônomo e atomizado, rei e objeto, soberano de suas máquinas e
manipulado/dominado por aquilo que domina”186.
Gilberto Dupas escreveu importante obra a fim de desconstruir alguns
axiomas que se alinham ao discurso hegemônico do progresso, destacando vários
argumentos teóricos e exemplos factuais das consequências profundamente
negativas e dos graves riscos que esse processo acarreta quanto à sobrevivência
física e psíquica futura da espécie humana, e aos equilíbrios dos frágeis sistemas
que a suportam187. Vive-se, na realidade, “en la sociedad de la ignorância” citada por
Daniel Innerarity, pois “todos los progresos humanos van acompañados de una
183 GABARDO, Emerson. O jardim e a praça para além do bem e do mal: uma antítese ao critério de subsidiariedade como determinante dos fins do Estado social. Curitiba, 2009. 396 f. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito. p. 315. 184 BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? p. 173. 185 MORIN, Edgar. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 2005. p. 85. 186 MORIN, Edgar. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 2005. p. 85. 187 Destaca o Autor: “A capacidade de produzir mais e melhor não cessa de crescer e assume plenamente a assunção de progresso; mas esse progresso, ato de fé secular, traz também consigo exclusão, concentração de renda e subdesenvolvimento”. DUPAS, Gilberto. O mito do progresso. São Paulo: Editora UNESP, 2006. p. 11.
105
sombra en donde se cultiva el imaginario de los desastres”188. A verdade é que mais
produção e mais consumo não têm correspondido a mais bem-estar coletivo.
Há, pois, um círculo visivelmente vicioso: em busca da felicidade geral
aumenta-se a aquisição individual de bens e, ao não se conseguir alcançá-la,
consome-se exponencialmente mais. E assim se entrelaçam as relações sociais sob
as voltas do consumismo189 desenfreado, cuja principal característica é preencher as
lacunas internas de convivência social pelo modo relativamente mais fácil190 (de
modo que outros fatores de promoção do autoconhecimento e de espiritualidade,
como a religião e a filosofia, deixam de ser instigados).
No Brasil e em outras partes do mundo há ainda outro fator estimulante: nos
últimos anos, como pressuposto da elevação do crescimento econômico e a pretexto
da existência de uma demanda reprimida com desenvolvimento pessoal estancado,
esticou-se a corda do consumo massificado por intermédio da concessão de crédito
direto de instituições financeiras191. Esse elemento adicional traz outro complexo
problema à situação: o endividamento familiar baseado no crédito voltado ao
consumo 192 . Em resumo, salienta a ambientalista Annie Leonard, “os Estados
188 INNERARITY, Daniel. La democracia del conocimiento: por una sociedad inteligente. Barcelona: Paidós, 2011. p. 74. 189 Conforme ponderou o jornalista e ambientalista André Trigueiro, “a doença do consumismo tem nome e preocupa as autoridades na área de saúde no Brasil: chama-se oneomania, ou consumo compulsivo. (...) É gente que usufrui apenas o momento da compra, mas não o produto, que muitas vezes são deixados de lado por não ter nenhuma utilidade. A baixa autoestinma e o sentimento de vazio são constantes. Depois da compra vem a sensação de culpa”. TRIGUEIRO, André. Mundo sustentável 2: novos rumos para um planeta em crise. São Paulo: Globo, 2012. p. 23. 190 A felicidade por intermédio do consumo imediato ou de outras formas de imediatismo (como as relações de curta duração) não será atingida, visto somente pode ser adquirida, segundo o Autor, com persistência, tolerância e continuidade de ação. “O prazer poderá ser comprado, mas a felicidade terá de ser adquirida com esforços. A busca do prazer no imediatismo supõe a fuga do sofrimento que sempre participa da vida humana, quer sob a forma de danos materiais ou psíquicos”. DI BIASE, Walter. O homem, a civilização, a agressividade. Rio de Janeiro: Cátedra, 1977. p. 59-60. 191 “Em fevereiro deste ano [2014], o volume de empréstimos e financiamentos concedidos pelo sistema financeiro foi de R$ 957,6 bilhões, com crescimento de 1,1% em relação a janeiro deste ano e de 27,9% ante fevereiro de 2007. A relação entre o crédito e o Produto Interno Bruto (PIB) chegou a 34,9%, ante 30,9% em fevereiro do ano passado. Os empréstimos para pessoas físicas alcançaram R$ 250,7 bilhões, com crescimento de 25% em 12 meses e de 1,7% na comparação com janeiro deste ano. E a inadimplência manteve-se estável, em 7,1%. Todos os dados são do Banco Central (BC). DUTRA, Luiz Fernando. Endividamento – a sedução do crediário. Disponível em <www.ipea.gov.br>. Acesso em 10.10.2014. 192 Zygmunt Bauman refere-se ao cartão de crédito outorgado a adolescentes e jovens no início da vida econômico-financeira como um “falso alvorecer da liberdade”. Para ilustrar essa realidade, que também é brasileira, conta interessante passagem: “Não faz muito tempo, Siobhan Healey, uma jovem que hoje tem 23 anos, obteve seu primeiro cartão de crédito. Ela o saudou como o amanhecer de sua liberdade, a ser comemorado e festejado todos os anos, como o dia de sua alforria. Daí em
106
Unidos, apesar de consumirem mais energia, papel, minerais e bens manufaturados
que a maioria dos países, obtêm uma pontuação baixa em diversos índices de bem-
estar”193.
Dentro desse panorama, a razão humana da sociedade de consumidores,
dirigida especialmente a colmatar lacunas existenciais por intermédio da gastança
exacerbada, deixa de conhecer e reconhecer a existência de inúmeras maquiagens
mercadológicas vertidas a criar, artificialmente, a necessidade pessoal de aquisição
de todos os produtos postos à disposição, a pretexto de, assim, maximizar o bem-
estar. O mercado, por outro lado, se utiliza dessa baixa percepção da realidade por
meio de inúmeras e astuciosas artimanhas (macetes do mercado, como alerta Annie
Leonard) a fim de potencializar as vendas.
A obsolescência perceptiva e a obsolescência programada são dois dos
exemplos mais característicos: a primeira normalmente detém matiz subjetivo,
notadamente ao se criar, internamente no sujeito, por intermédio de diversos
apliques publicitários, a artificial vontade de substituir o bem antigo (ainda em que
bom estado) por outro supostamente mais moderno; a segunda, de conotação mais
objetiva, é ligada à criação de meios para reduzir a durabilidade útil194 dos produtos
postos no mercado, impondo a compra de outro (não necessariamente mais
moderno do ponto de vista mercadológico).
Desta constatação surge um resultado severamente problemático no contexto
atual: o descarte do lixo gerado pelo excesso de produção de bens de consumo
voltados a solver aquelas necessidades pessoais criadas artificialmente195 (e aqui,
advirta-se, não se está a tratar de bens de primeira ordem existencial, mas de todos
diante, ela se tornava dona de si mesmo, livre para administrar suas finanças pessoais, livre para escolher suas prioridades e compatibilizar seus desejos com as possibilidades reais. Não muito depois desse dia, Siobhan obteve um segundo cartão de crédito para pagar a dívida contraída no primeiro. Não se passou muito tempo para ela compreender o preço que tinha de pagar pela tão festejada ‘liberdade financeira’ - assim que se deu conta de que o segundo cartão não era suficiente para cobrir os juros da dívida acumulada no primeiro. Siobhan então recorreu a um empréstimo bancário para liquidar suas dívidas nos dois cartões, que já alcançavam a soma de 26 mil dólares australianos (cerca de R$ 40.000,00). Mas, seguindo o exemplo de seus amigos, ela pediu um crédito adicional para financiar uma viagem ao exterior - um must para qualquer pessoa de sua idade.” BAUMAN, Zygmunt. 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 63. 193 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 165. 194 A despeito disso, a durabilidade dos materiais do qual são feitos esses produtos não se reduz; ao contrário, o tempo de reabsorção pela natureza é extremamente elevado. 195 “O lixo é, em boa parte, subproduto do consumismo, sendo um tema fundamental a questão de seu destino final, nas megalópoles de nosso tempo.” AZEVEDO, Paulo Faraco de. Ecocivilização: Ambiente e direito no limiar da vida. 2 ed., São Paulo: RT, 2008. p. 113.
107
os outros que não se inserem nesta concepção de promover o mínimo para
sobrevivência), porquanto, obviamente, “a ampliação das necessidades, primárias
ou socialmente induzidas, e a correspondente elevação do consumo, não poderiam
levar a outra consequência senão o aumento dos resíduos”196.
Justamente com base em constatações estarrecedoras como essas que a
advertência de Ignacy Sachs é premente, especialmente a ressaltar a urgência de
encorajar novas possibilidades dualistas (em ambas as vertentes: produtiva e
aquisitiva): “A busca de alternativas de desenvolvimento exige uma reavaliação
simultânea de padrões de consumo e estilos de vida (isto é, o lado da demanda) e
da função produtiva (o lado da oferta), considerados de uma perspectiva ampla, de
modo a incluir, lado a lado, opções tecnológicas e padrões de distribuição especial
das atividades produtivas”197.
Contudo, sopesar as alternativas tão só não basta. As escolhas têm de ser
ambientalmente adequadas e urgem trazer resultados proveitosos do ponto de vista
da redução da degradação ambiental, fundamentalmente pela redução sensata de
consumo e descarte de resíduos sólidos nocivos.
Amartya Sen, quando trata da avaliação consequencial na relação ética e
economia, procura desvincular o consequencialismo das visões utilitaristas. Nesse
sentido, prega a possibilidade de o racionalismo consequencial ser utilizado de
modo proveitoso. Defende, assim, que “a correção das ações seja julgada
inteiramente segundo a bondade das consequências, e isso é uma exigência não
meramente de levar em consideração as consequências, mas de deixar de lado tudo
o mais”198 . Desta forma, especialmente na correlação homem-consumo-resíduo-
natureza, os comportamentos humanos precisam levar em conta, a partir da
mudança de paradigma linear ao não linear, as implicações de suas ações no
contexto socioeconômico atual.
Paul Gilding antevê um lado consequencialista paradoxalmente positivo. No
livro “A Grande Ruptura”, alerta que a economia globalmente lastreada no consumo,
em uma Terra que está efetivamente lotada de pessoas dentro ou ansiosas por
entrar neste sistema de aquisição inveterada de bens, implicará o colapso do modelo
196 LEMOS, Patrícia Fraga Iglesias. Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo. São Paulo: RT, 2011. p. 23. 197 SACHS, Ignacy. Rumo à Ecossocioeconomia: Teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007. p. 135. 198 SEN, Amartya. Sobre Ética e Economia. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 91.
108
racionalista econômico vigente. E isso, a seu ver, não seria de todo negativo, eis que
“se não obtivermos felicidade comprando mais bens materiais, teremos que procurá-
la em outro lugar. Sem a distração da droga emocional do materialismo, olharemos
para relacionamentos, amizade e família. Poderemos nos sentir mais inclinados a
nos envolver em nossas comunidades. Quem sabe, poderemos até olhar para
dentro de nós mesmos e descobrir a fonte da infelicidade que as compras estavam
encobrindo”199. Tal panorama levaria à grande ruptura derivada da conscientização
de nossos insustentáveis hábitos de consumo.
Por isso, “considerando que dispomos de recursos limitados e que a riqueza
não pode crescer significativamente, temos que compartilhar. Precisamos aceitar
que o único caminho razoável para todos é distribuir os recursos que temos de modo
mais igualitário em todo o mundo” 200 . Esse é o imperativo categórico do
comportamento humano em prol da manutenção hígida do Planeta201.
E, nesse viés, avaliar as consequências implica também um esforço prévio,
anteposto ao ato de consumir, relativamente à maneira pela qual a aquisição de
determinado produto pode ser feita, levando em consideração três premissas
primordiais: (i) a necessidade efetiva de adquiri-lo para atender a exigências
primárias do viver; (ii) a possibilidade de solver essas necessidades por outros meios
que não a aquisição daquele específico bem; e (iii) a melhor forma possível de
adquiri-lo, levando-se em conta o menor impacto ambiental possível.
Nesta terceira hipótese é que se insere a ideia do consumo cooperativo. Ele
não visa a sanar o vício do consumismo - pois este sim é um mal imanente - nem
mesmo promover a “grande ruptura” alertada por Gilding; busca, de outra forma,
criar espaços de troca solidária de bens consumíveis observando critérios não
imperiosamente econômicos, ou seja, não necessariamente expressos em valor
monetário.
A noção de cooperação funda-se na realização de ações conjuntas em prol
da consecução de benefícios mútuos. Assim, consumir cooperativamente pressupõe
a adoção de um conjunto de intermediações de trocas de produtos, que, de um lado,
199 GILDING, Paul. A Grande Ruptura: como a crise climática vai acabar com o consumo e criar um novo mundo. Rio de Janeiro: Apicuri, 2014. p. 214. 200 GILDING, Paul. A Grande Ruptura: como a crise climática vai acabar com o consumo e criar um novo mundo. Rio de Janeiro: Apicuri, 2014. p. 230. 201 O imperativo categórico kantiano pressupõe: age somente, segundo uma máxima tal, que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal.
109
não detêm mais utilidade real ao atual titular, mas, de outro, podem ser úteis a
inúmeras pessoas que fazem parte da rede de intercomunicação para permutas.
O consumo cooperativo deita suas raízes históricas no escambo da
Antiguidade, conquanto agora potencializado a partir de incrementos tecnológicos
que o pulverizam e ampliam a possibilidade de sua realização mais difusa. Enquanto
lá se encorajava a permuta do excedente produtivo, aqui se viabiliza a permuta do
excedente já consumido - ou do que já se consumiu e, sem se deteriorar, não se tem
intenção de consumir de novo.
Na sua razão direta, há de pressupor-se a retirada do valor econômico
extrínseco ao bem (não se o monetariza economicamente de modo que o dinheiro
deixa de ser o meio comum da troca202) e a imputabilidade de um valor de utilidade
intrínseco (valor de utilidade real), visando à recolocação do bem em um mercado
paralelo ao sistema ordinário de trocas comerciais, compartilhado apenas por
aqueles que lá inserem outros produtos também desconectados de um valor
econômico externo203.
Visa-se a proclamar uma economia inteligente. Jeremy Rifkin, aliás, avista no
colaboracionismo a criação de novo modelo de sociedade, baseada na ideia do
custo marginal quase zero, sobretudo impulsionada pelos movimentos dinâmicos da
internet. Nesse panorama, “en el procomún colaborativo, los prosumidores
sustituyen a los vendedores y compradores, la libertad de compartir vence a los
derechos de propriedad, el acceso cuenta más que la propriedad, las redes
sustituyen a los mercados y el coste marginal de crear información, generar energía,
manufacturar productos y formar a los estudiantes es casi nulo”204.
Essas redes nas quais ocorrem as trocas foram chamadas por Rachel
Botsman de swap trading. Trata-se de locais virtuais que promovem encontros de
pessoas desconhecidas entre si, viabilizando a verificação e a identificação de
202 Max Weber estudou a história do dinheiro. Afirma que, “sob o ponto de vista da evolução histórica, o dinheiro aparece como criador da propriedade individual, caráter que ostenta desde o princípio; (...). Atualmente, o dinheiro apresenta, sobretudo, duas funções: por um lado, serve como meio legal de pagamento e, por outro, como meio comum de troca.” WEBER, Max. História Geral da Economia. São Paulo, Centauro, 2006. p. 226. 203 Rachel Botsman acentua que as experiências inerentes ao consumo colaborativo assentam-se em quatro princípios básicos, sendo que nenhum é mais importante do que o outro: a massa crítica, a capacidade ociosa, a crença no bem comum e a confiança entre desconhecidos. BOTSMAN, Rachel; ROGERS, Roo. O que é meu é seu: como o consumo colaborativo vai mudar o nosso mundo. Porto Alegre: Bookman, 2011. p. 64. 204 RIFKIN, Jeremy. La sociedad de coste marginal cero: el internet de las cosas, el procomún colaborativo y el eclipse del capitalismo. Buenos Aires: Paidós, 2014. p. 171.
110
interesses comuns (a troca de um produto sem utilidade real ao titular) e diferentes
(cada qual querendo o produto oferecido pelo outro) a fim de possibilitar o
intercâmbio direto e voluntário dos bens, reinserindo os produtos no mercado
sustentável gerador de utilidades coletivas. É a chamada revolução peer-to-peer na
qual o novo sistema de compartilhamento retira o intermediário da troca e esta se
realiza basicamente pelo contato pessoa para pessoa.
Segundo Botsman 205 , há três pontos-chave para o surgimento e o
fortalecimento do consumo cooperativo: (i) a crença renovada na importância da
comunidade; (ii) uma torrente de redes sociais e tecnologias em tempo real;
preocupações ambientais não resolvidas; e (iii) a recessão global que chocou os
comportamentos de consumo.
Por conta disso, o sistema se baseia sob três vértices intercomunicativos: (i)
mercados de redistribuições (no qual o produto usado é retirado de um lugar onde
ele não é necessário e levado para um lugar onde é), alicerçado pela identificação
de cinco “erres”: reduzir, reutilizar, reciclar, reparar e redistribuir, visando ao
prolongamento do ciclo de vida do produto e à redução do lixo; (ii) estilos de vida
cooperativos, no qual as pessoas podem compartilhar recursos entre si (dinheiro,
habilidades e tempo); e (iii) sistema de serviços de produtos, a partir do qual a
pessoa paga pelo benefício que o uso do produto traz sem pagar pelo bem em si206.
Com esta visão, Botsman assenta que a maior mudança não está apenas na
cooperação entre as pessoas, mas diretamente na base em torno da qual se
sustenta o sistema: a confiança, antes depositada na capacidade financeira dos
agentes econômicos, agora é avaliada a partir da reputação nas operações de
trocas de acordo com o rastro de asserção que os sujeitos operadores do sistema de
compartilhamento deixam na web.
Por tais razões, para Rachel Botsman o “consumo colaborativo não é um
nicho de tendência; é uma onda socioeconômica que irá transformar a forma como
as empresas pensam sobre suas proposições e valorizar a forma como as pessoas
cumpram as suas necessidades”207. Utilizando também o uso do automóvel como
metáfora explicativa, Rifkin sustenta a possibilidade de uma sensível transição no
205 BOTSMAN, Rachel; ROGERS, Roo. O que é meu é seu, p. 57-63. 206 As empresas Zipcar e GoGet trabalham com o compartilhamento de carros; há outros exemplos como o uso de uma furadeira ou de qualquer outro produto: quer-se não o bem em si, mas o resultado que ele proporciona ao sujeito. 207 BOTSMAN, Rachel; ROGERS, Roo. Beyond Zipcar: Collaborative consumption. Disponível em <http://www.rachelbotsman.com>. Acesso em 13.10.2014.
111
sistema capitalista exclusivo de propriedade para um sistema inclusivo de
compartilhamento de acessos, de modo que para as futuras gerações do século XXI
“la liberdad se mide más por el aceso a los demás en las redes que por la propriedad
en los mercados. Cuanto más profundas e inclusivas son las relaciones de una
persona, mayor es la liberdad de la que goza”208.
É transformar um sistema linear em um modelo não linear. É fazer com que
os bens de consumo retornem ao encadeamento de trocas sem que sejam
necessariamente descartados como lixo ou enclausurados e amontoados como se
não possuíssem mais nenhum valor de utilidade real. E, por este caminho, o
consumo colaborativo, ao privilegiar o sistema e as redes de inter-relações pessoais,
torna-se uma das opções à crescente demanda por consumo, com o proeminente
diferencial de ser baseado no compartilhamento interpessoal e não na acumulação
individual.
Outra importante fonte de concretização para a busca do desenvolvimento
social sustentável pode ser encontrada no cooperativismo popular.
Isto porque, ao contrário do cooperativismo empresarial, o cooperativismo
popular é ainda fonte de inserção da população pobre, capaz de produzir trabalho e
renda para essa camada da sociedade.
Segundo Opuszka.
Por outro lado, o cooperativismo popular é uma espécie cada vez mais forte no Brasil de política social e, segundo alguns autores (como é o caso de Liana Maria da Frota Carleial, Luis Fiulgueiras e Reinaldo Gonçalves), tem funcionado como mecanismo de controle da população pobre, pois sua volta à atenção do trabalhador para o sucesso ou insucesso do seu empreendimento e organização do trabalho tira o foco da luta de classes.209
Entretanto, infelizmente o cooperativismo empresarial nos dias de hoje não é
mais o mesmo. Conforme já abordado anteriormente, inserido na ordem capitalista
como está posto hoje em dia, ele já não é mais espaço de luta. Desvirtuou-se de
suas raízes históricas e teóricas, inserido num modelo empresarial e de mercado.
O cooperativismo como posto hoje está muito mais próximo do capitalismo e
do mercado do que se gostaria e imaginavam seus teóricos fundadores.
208 RIFKIN, Jeremy. Op. Cit., p. 280. 209 OPUSZKA, Paulo Ricardo. Cooperativismo Popular – Análise Jurídica e Econômica. Juruá. Curitiba, 2012. P. 43
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo do presente trabalho foi o de refletir sobre a capacidade do
cooperativismo em contribuir para o desenvolvimento social dentro da atual
realidade na qual se encontra inserido nos dias de hoje.
Se por um lado, o cooperativismo, a cooperação e a economia solidária,
quando debatidos na seara da teoria mostram-se como excelentes indutores para o
desenvolvimento, quando inseridos no atual cenário capitalista de mercado e
consumo, passam a se moldar a ele.
O trabalho demonstrou a importância que os modelos da economia solidária,
cooperação e o cooperativismo possuem para o desenvolvimento social, por outro,
também descobriu suas deficiências no campo da praticidade.
A cooperação mostrou ser uma importante fonte de desenvolvimento se
aplicada da maneira correta, cumprindo todos os seus requisitos, facilmente se
atingirá os objetos almejados através dela.
A economia solidária também mostrou ser um importante espaço de luta. Um
projeto que pode acomodar e auxiliar as camadas mais pobres da sociedade, que
possui forte vinculação com o cooperativismo popular.
O cooperativismo, aliás, é uma prática secular, conforme apontado lá no
início do trabalho, oriundo de ideais utópicos, entretanto, sua característica foi
desvirtuada ao longo do tempo, principalmente em terras brasileiras.
No entanto, a ordem capitalista mostrou ter força, a ponto de no Brasil,
desvirtuar o propósito inicial do cooperativismo na sua essência, fazendo com que
se tornassem empresas, galgando lucros gigantescos, e pior, travestindo-se de
cooperativas para não recolher encargos trabalhistas dos supostos cooperados.
Como vimos no decorrer do trabalho, a própria lei 5764/71, que trata das
sociedades cooperativas já possui a característica de acomodá-las como empresas.
Mas o cooperativismo ainda tem força, ainda tem lastro para que sua
aplicação se torne proveitosa e produtiva.
Ainda pode ser uma importante fonte de desenvolvimento social,
principalmente quando se trata do cooperativismo popular que conforme aduzido no
corpo do trabalho, se mostra um local para inclusão de determinada camada mais
pobre da sociedade, sendo uma importante fonte de renda e trabalho.
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O desenvolvimento social, também merece importante destaque, uma vez
que da forma aplicado no país não possui grande capacidade de efetivamente fazer
desenvolver.
Mostrou-se que o Estado quando faz, não o faz da maneira correta, tornando-
se ineficiente, uma vez que se torna praticamente um tutor do beneficiado pela
política pública de desenvolvimento social.
As políticas de desenvolvimento social foram evoluindo de maneira gradativa
no Brasil, até que chegamos num ponto em que é preciso avançar mais, fazer mais.
Não bastando o auxílio, mas sim uma ajuda efetiva, que se mostre capaz de
promover a mudança.
Conforme já afirmado, foi o caso do governo Lula, onde se teve um aumento
significativo das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento social e se
gastou muito dinheiro com isso.
No entanto, os beneficiados pelos programas continuam exatamente na
mesma situação em que se encontravam antes.
Isso prova que o Estado foi ineficiente na maneira como aplicou suas práticas
para a promoção do desenvolvimento social.
O Estado mostrou ser ineficaz. Bem verdade, o Estado perdeu uma grande
oportunidade de tirar essas pessoas de vez da linha da pobreza, uma vez que o
método aplicado não foi o correto. O auxílio dados por esses programas mostrou ser
um método paliativo e não definitivo.
No entanto, o que o trabalho procurou demonstrar é que ainda assim, diante
de todos os problemas encontrados em todos os governos pelos quais já passamos,
o cooperativismo, em específico o popular ainda pode ser uma boa saída quando
aplicado da maneira correta, dentro dos seus limites de atuação e tradição,
mostrando que ainda possui o mecanismo de emancipar o trabalhador (cooperado),
fazendo com que o trabalho cooperado se torne para a pessoa uma fonte definitiva
de renda e, assim, gerando desenvolvimento social.
Na prática, o cooperativismo já mostrou ter força. Basta que aqueles que o
praticam, o façam da maneira correta.
Isso nos gera esperança. A esperança da melhora. A esperança de justiça, a
esperança de um povo menos sofrido e com possibilidade almejar um futuro melhor.
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