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CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
Trabalho de Conclusão de Curso
AVALIAÇÃO DE FATORES SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS
QUE CONTRIBUEM PARA O PROCESSO DE ABORTAMENTO EM 30 MULHERES
ATENDIDAS NO SERVIÇO DE OBSTETRÍCIA DE UMA UNIDADE DE SAÚDE DE NÍVEL
TERCIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Por:
Elaine Cristina de Jesus
Rio de Janeiro Junho de 2009
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CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
Trabalho de Conclusão de Curso
AVALIAÇÃO DE FATORES SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS
QUE CONTRIBUEM PARA O PROCESSO DE ABORTAMENTO EM TRINTA MULHERES
ATENDIDAS NO SERVIÇO DE OBSTETRÍCIA DE UMA UNIDADE DE SAÚDE DE NÍVEL
TERCIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Trabalho acadêmico apresentado ao Curso de Serviço Social da UNISUAM, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Bacharel em Serviço Social. Por: Elaine Cristina de Jesus Professor (a) Orientador (a): Luzia Magalhães Cardoso
Rio de Janeiro Junho de 2009
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FICHA CADASTRAL
Nome do Aluno: Elaine Cristina de Jesus Matrícula: 05202328 E-mail: [email protected]
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ELAINE CRISTINA DE JESUS
AVALIAÇÃO DE FATORES SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS
QUE CONTRIBUEM PARA O PROCESSO DE ABORTAMENTO EM TRINTA MULHERES
ATENDIDAS NO SERVIÇO DE OBSTETRÍCIA DE UMA UNIDADE DE SAÚDE DE NÍVEL
TERCIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Banca Examinadora composta para a defesa de Monografia para obtenção do grau
de Bacharel em Serviço Social.
APROVADA em:___________de___________de___________
Professor
Orientador:___________________________________________________
Professor
Convidado:___________________________________________________
Professor
Convidado:___________________________________________________
Convidada:___________________________________________________
Rio de Janeiro Junho de 2009
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DECLARAÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Eu,_________________________________________________________
________________________,regularmente matriculado (a) no Curso de Serviço
Social da UNISUAM – Centro Universitário Augusto Motta, matrícula nº 05202328,
declaro para os devidos fins que o trabalho monográfico intitulado
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
____________________________________________________e apresentado à
Coordenação do Curso como exigência para conclusão do Curso de Serviço Social,
foi elaborado a partir de levantamento bibliográfico e pesquisa de campo por mim
realizado, sob a orientação do(a) professor(a)
______________________________________________.
Rio de Janeiro
Junho de 2009
________________________________________
Elaine Cristina de Jesus
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ATA DE MONOGRAFIA DO CURSO DE GRADUAÇÃO
Às_______horas do dia _______de _______________de________na sala
número______ desta instituição, foi apresentada a Monografia intitulada: Avaliação
de Fatores Sociais, Econômicos e Culturais, que contribuem para o processo de
abortamento em 30 mulheres atendidas no Serviço de Obstetrícia de uma unidade
de Saúde de Nível Terciário do Estado do Rio de Janeiro.
Por ______________________________________________, aluno (a) do Curso de
Graduação em Serviço Social, tendo como Banca Examinadora os professores e
convidados abaixo relacionados:
1) Professor (a) Orientador (a): Luzia Magalhães Cardoso, Mestre em Serviço
Social pela PUC/RJ.
Nota: _______
2) Professor: Douglas Ribeiro Barros, doutorando em Serviço Social pela UERJ.
Nota: _______
3) Professor Convidado: Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos, doutorado em Saúde
Pública pela Fundação Oswaldo (2007), nota: _______
4) Convidada: Mírian Moura Constantin, Assistente Social do HGB/MS.
Nota: _______
Totalizando _____________ pontos, resultando no grau____________sendo (a) o
aluno (a) ( ) Aprovada ( ) Reprovado (a)
ASSINATURA DA ATA PELA BANCA EXAMINADORA
1)________________________________________________________________
2)________________________________________________________________
3)________________________________________________________________
4)________________________________________________________________________
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DEDICATÓRIA
“Ofereço este momento tão especial que estou vivendo ao meu cônjuge
Welton Gonçalves Messias, ao meu filho Wesley de Jesus Messias, e à minha mãe
Rogéria da Conceição de Jesus, pela paciência e incentivo a mim dedicados, por
toda ocasião oportuna que não pude estar presente e, principalmente, pela
compreensão demonstrada durante essa minha trajetória acadêmica”.
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AGRADECIMENTOS
Consagro está vitória a “Deus” que nesta minha caminhada esteve presente,
agradeço a Ele por ter conseguido vencer mais esta luta, como esta escrito:
“E eis que estou contigo, e te guardarei por onde quer
que fores, (...) não te deixarei, até que te haja feito o que te
tenho dito”. (Gênesis, 28.15).
Manifesto plena gratidão a “Luzia Magalhães Cardoso”, por sua dedicação e
apoio permanente, obrigada por não ter desistido de mim.
“Que as bençãos de Deus te alcancem aonde quer
que você esteja”.
Agradeço a duas pessoas especiais na minha vida, que neste momento de
construção teórica me deram força e apoio emocional.
“Wellington Cosme de Jesus e a Edneide Andrade de
Freitas”.
Ofereço este trabalho também a todos os meus “familiares”, em especial a
minha vó “Nazira Silva da Conceição”, e aos meus verdadeiros “amigos”.
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RESUMO
O trabalho resulta de pesquisa intitulada “Fatores sociais, econômicos e
culturais presentes em situações de abortos em mulheres atendidas no Serviço de
Obstetrícia, em uma maternidade de alta complexidade, realizada no período de
outubro de 2008 a abril de 2009”. Surge a partir da inserção da autora como
estagiária de Serviço Social. Trata-se de um estudo de caso, realizado por meio de
entrevista semi-estruturada com 30 mulheres, cujos dados foram analisados à luz do
materialismo dialético, associando a metodologia qualitativa a quantitativa. Traça
uma breve história da Política de Saúde brasileira e aponta o debate acerca da
relação do aborto com a morte materna e as discussões na Política de Saúde da
mulher. Apresenta alguns fatores presentes no processo de abortamento,
desvelando a realidade e o tipo de rede de apoio em que a mulher, protagonista
dessa história, se encontra inserida.
Palavras-chave: Saúde, Mulher e Aborto
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SUMÁRIO Ficha Cadastral--------------------------------------------------------------------------------- 03 Folha de Aprovação-------------------------------------------------------------------------- 04 Declaração de Responsabilidade--------------------------------------------------------- 05 Ata de Monografia do Curso de Graduação------------------------------------------- 06 Dedicatória-------------------------------------------------------------------------------------- 07 Agradecimentos------------------------------------------------------------------------------- 08 Resumo------------------------------------------------------------------------------------------ 09 Lista de Gráfico--------------------------------------------------------------------------------- 11 Introdução---------------------------------------------------------------------------------------- 12 CAPÍTULO I – Política de Saúde Pública no Brasil ---------------------------------- 17 1.1 - A Política de Saúde brasileira antes da década de 30 ----------------------- 17 1.2 - A intervenção do Estado após a década de 30 -------------------------------- 19 1.3 - A Saúde como Direito de Cidadania ------------------------------------------------ 21 1.4 - A Política de Saúde nos anos 90 – Privilegiamento do Setor Privado -- 23 1.5 - A Política de Saúde nos anos 2000 – Sucateamento e Fundações ----- 25
CAPÍTULO II – Política de saúde da mulher ------------------------------------------- 30 2.1 - O debate sobre o conceito de gênero e sexualidade -------------------------- 30 2.2 - Maternidade e Planejamento Familiar --------------------------------------------- 32 2.3 - Aborto e Índices no Brasil ------------------------------------------------------------- 36
2.3.1 - Aborto e Morte Materna -------------------------------------------------------- 39 2.3.2 - Legalização em debate --------------------------------------------------------- 42
CAPÍTULO III – Fatores Sociais, Econômicos e Culturais das mulheres em situação de aborto: um estudo de caso -------------------------------------------------------------- 45 3.1 - Família e rede de proteção ----------------------------------------------------------- 45 3.2 - Trabalho e renda ------------------------------------------------------------------------ 53 3.3 - Condição de Moradia ------------------------------------------------------------------ 56 3.4 - Saúde e Autocuidado ------------------------------------------------------------------ 58 3.4.1 - Gravidez, pré-natal e aborto --------------------------------------------------- 61
Conclusão---------------------------------------------------------------------------------------- 63 Bibliografia---------------------------------------------------------------------------------------- 66
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1................................................................................................P. 46
Gráfico 2................................................................................................P. 47
Gráfico 3................................................................................................P. 48
Gráfico 4................................................................................................P. 49
Gráfico 5................................................................................................P. 50
Gráfico 6................................................................................................P. 51
Gráfico 7................................................................................................P. 52
Gráfico 8................................................................................................P. 53
Gráfico 9................................................................................................P. 54
Gráfico 10..............................................................................................P. 55
Gráfico 11..............................................................................................P. 56
Gráfico 12..............................................................................................P. 57
Gráfico 13..............................................................................................P. 58
Gráfico 14..............................................................................................P. 59
Gráfico 15..............................................................................................P. 60
Gráfico 16..............................................................................................P. 60
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INTRODUÇÃO
Trata-se de um estudo destinado a orientar o processo de construção de
Trabalho de Conclusão de Curso para a obtenção do título de bacharel em Serviço
Social, e surgiu a partir de minha inserção como estagiária na unidade hospitalar.
Eu tive a possibilidade de relacionar as categorias teóricas à prática
profissional e, ao analisar criticamente a realidade, senti a necessidade de conhecer
os fatores sociais, econômicos e culturais presentes nas situações de aborto das
mulheres.
Participei também da coleta de dados do projeto de pesquisa que vem sendo
desenvolvido pelas assistentes sociais supervisores, no Serviço de Obstetrícia,
dentro da metodologia de Pesquisa-Ação. Tal estudo objetiva investigar os fatores
sociais, econômicos e culturais presentes e/ou determinantes do agravamento da
Morbidade Obstétrica Aguda (MOAG)1 e da Morte Materna2.
A partir dessa experiência, recortei o meu objeto de estudo, considerando que
poderei contribuir para uma melhor compreensão do fenômeno aborto, bem como
para a avaliação da política de saúde da mulher.
Esse estudo é também complementar à pesquisa realizada pelas assistentes
sociais citadas, visto que nela os pesquisadores objetivam identificar os fatores que
contribuem para o óbito da mulher no período gravídicopuerperal, investigando
também as Morbidades Obstétricas Agudas Graves (MOAG), que são quadros
clínicos agudos, agravados no período da maternidade, quase levando a mulher ao
óbito, e o aborto é uma das principais causas da morte materna.
Percebi aí a importância da minha pesquisa, visto que no recorte de meu
estudo priorizei as situações de abortamento, contribuindo também para descortinar
os determinantes da morte materna.
1 Cardoso et al (2007: 2). Morbidade Obstétrica Aguda Grave (MOAG) são “eventos mórbidos graves que ocorrem na gestação, parto ou puerpério, com potencial de ocasionar o óbito (...)”. 2 Morte Materna é definida como a morte de uma mulher durante a gestação, até quarenta e dois dias após o termino da gestação, independente da duração ou da localização da gravidez, que não seja por causas acidentais ou incidentais. (Ministério da Saúde, 2002).
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Esta pesquisa se propõe a identificar os fatores sociais, econômicos e
culturais que contribuíram para o processo de abortamento de trinta mulheres
atendidas em uma Maternidade de Alta Complexidade e utilizou o mesmo
instrumento e variáveis que estão sendo investigadas no estudo de Morbidades
Obstétricas Agudas Graves e na Morte Materna3, com a devida autorização dos
responsáveis pelo estudo.
Trata-se de uma pesquisa quantitativa com abordagem qualitativa. Contudo, o
cálculo da amostragem necessitava do número de abortamentos atendidos na
unidade de saúde e essa informação não é assim registrada. A estatística do Serviço
é baseada nos procedimentos, como os de curetagens. Ao ser informada, por uma
das profissionais de saúde, que o procedimento de curetagem é devido,
principalmente, aos processos de abortamento, verifiquei no relatório estatístico da
unidade que o total de curetagens realizadas durante o ano de 2008, foi de 822
procedimentos, calculamos que a média de curetagens no mês foi de 68,5.
Considerando que a coleta dos dados de meu estudo durou três meses, projetando
a mesma proporção para 2009, teríamos 204,9 procedimentos de curetagem durante
o período de nossa coleta de dados. Assim, consideramos ter atingido,
aproximadamente, cerca de 14,6% do total dos casos ocorridos no período .
Os objetivos tendem a desvelar a realidade social e econômica da mulher em
situação de abortamento; entendendo como a cultura contribui para a prática do
aborto; identificando os fatores que expõem à mulher a gravidez indesejada; e por
último analisar o tipo de rede de apoio em que a mulher, protagonista dessa história,
se encontra inserida.
Com relação ao delineamento do estudo e ao ambiente em que ocorreu a
coleta e a análise dos dados, este se funda no desenvolvimento da pesquisa com
ênfase no estudo de caso, o qual estabeleceu uma pesquisa ampla e detalhada do
objeto a ser investigado, dando marcos de maior profundidade ao estudo.
Trata-se também de uma pesquisa explicativa por se centrar na identificação
dos fatores que determinam e/ou contribui para ocorrência do aborto, assim, a
3 Cardoso et al. (op. cit).
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realidade vivida pelas mulheres inseridas em nosso universo poderá ser
compreendida e relacionada ao fenômeno aborto.
Segundo Gil (1994: 46),
“Pode-se dizer que o conhecimento científico está assentado
nos resultados oferecidos pelos estudos explicativos(...) uma
pesquisa explicativa pode ser a continuação de outra descritiva,
posto que a identificação dos fatores que determinam um
fenômeno exige que este esteja suficientemente descrito e
detalhado”.
O referente estudo foi realizado no período de outubro de 2008 a abril de
2009, num estudo prospectivo, por meio de entrevistas estruturadas que, segundo
GIL (op. cit:117), “A entrevista estruturada desenvolve-se a partir de uma relação fixa de
perguntas, cuja ordem e redação permanece invariável para todos os entrevistados (...)”.
Trata-se de formulário com perguntas fechadas e abertas e foi aplicado
individualmente durante o período de Janeiro de 2009 a Abril de 2009.
O tratamento dos dados foi realizado utilizando-se o método quantitativo e
qualitativo, considerando ser um complementar ao outro. Segundo Minayo
(2007:22):
“Os dois tipos de abordagem e os dados dela advindos, porém,
não são incompatíveis. Entre eles há uma oposição complementar
que, quando bem trabalhada teórica e praticamente, produz
riqueza de informações, aprofundamento e maior fidedignidade
interpretativa”.
A interpretação dos dados foi norteada pela corrente teórica embasada no
materialismo histórico, a partir de Marx (1974), tendo como método a dialética.
Segundo Gil. (op. cit.: 32),
“A dialética, enquanto metodologia, é compreendida de
maneira diversa, segundo os autores. É possível, porém,
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identificar alguns princípios que são comuns a toda abordagem
dialética”:
Princípio da unidade e luta dos contrários. Todos os objetos e
fenômenos apresentam aspectos contraditórios, que são
organicamente unidos e constituem a indissolúvel unidade dos
opostos (...).
Princípio da transformação das mudanças quantitativas em
qualitativas. Quantidade e qualidade são características imanentes
a todos os objetos e fenômenos, e estão inter-relacionadas. (...).
Princípio da negação da negação. O desenvolvimento processa-se
em espiral, com a repetição em estágios superiores de certos
aspectos e traços dos estágios inferiores (...).
Destes princípios deriva uma conclusão metodológica: para
conhecer realmente um objeto é preciso estudá-lo em todos os
seus aspectos, em todas as suas relações e todas as suas
conexões”. (GIL, Idem : 32).
Para Marx,
“O conceito de método distingue-se radicalmente da concepção
que o considera como um conjunto de procedimentos ou passos
aprioristicamente selecionados pelo investigador para buscar a
confirmação ou negação das hipóteses que traz consigo. O
método é, antes de mais nada, entendido como um instrumento
de mediação entre o homem que quer conhecer e o objeto
desconhecido, como parte do real a ser investigado”. (Marx, in:
Bezerra, disponível em:
http://webmail.profunisuam.com.br/luziamagFHTMIV. Acesso em:
30 de set. 2008).
A análise do estudo tem como principais categorias analíticas a saúde, a
mulher, e o aborto, que serão discutidas inicialmente interrelacionadas à Política de
Saúde. A ampliação da discussão tem por objetivo geral de investigação os fatores
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sociais, econômicos e culturais presentes nas situações de aborto em mulheres
atendidas no Serviço Hospitalar.
Esse estudo poderá contribuir para desvelar os fatores que levam a mulher a
abortar, e colaborar para uma melhor compreensão dessa prática, podendo propiciar
alicerces para uma ação profissional diferenciada junto a essas mulheres.
A realização desta pesquisa viabiliza informações para avaliar as políticas
sociais e apontar para novas propostas que possam diminuir os índices da morte
materna, principalmente os relacionados à prática de aborto, bem como pode
apontar mudanças no planejamento de políticas, relacionado aos fatores sociais,
econômicos e culturais presentes em situação de aborto4. Entendo que os
resultados dessa pesquisa podem possibilitar a reflexão sobre a presença desses
fatores nas situações de abortamento, levando a possibilidade de traçar novas
propostas para a política de saúde da mulher.
A organização desse estudo apresenta-se da seguinte forma: o capítulo I
discute a Política de Saúde Pública no Brasil; o capítulo II trata da Política de saúde
da mulher; o capítulo III analisa os fatores sociais, econômicos e culturais das
mulheres em situação de abortamento. Por fim, apresentamos as conclusões.
4 O aborto inseguro acomete com mais freqüência mulheres jovens, de baixa escolaridade e em situação econômica precária (dados do Ministério da Saúde). A Organização Mundial de Saúde define aborto inseguro como um procedimento para interromper uma gestação indesejada, feito tanto por pessoa sem a qualificação necessária ou em um ambiente que não cumpre com os mínimos requisitos médicos, ou ambas as coisas.
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CAPITULO I
Política de Saúde Pública no Brasil
1.1 - A Política de Saúde brasileira antes da década de 30
Ao abordar o tema da Saúde Pública no Brasil tentei compreender como se
desenvolveu a história dessa política, dentro de uma concepção de como a
população do período era tratada e de como se dava a intervenção por parte do
Estado na questão da saúde.
O movimento histórico da Política de Saúde ocorreu a partir da necessidade
de direcionar os habitantes para integrar o corpo de trabalhadores da época, além
do fato de que a precariedade nas condições de vida da população propiciava
doenças e quase sempre resultavam em morte. Tal fato se refletia diretamente na
economia do país, que era gerada pela produção e pela exportação de café,
mantidos por pequenos grupos que dominavam e detinham o poder na época. O
capital que era gerado por esta linha de produção somente era investido nas
grandes cidades como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, assim
favorecendo a industrialização. (Filho, 2008).
Ao mesmo tempo em que se expandiam as atividades comerciais ocorriam o
aumento da população, acentuando ainda mais a desigualdade entre as duas
principais classes sociais. Muitas pessoas residiam em cortiços, sem saneamento
básico. As ruas eram sujas, o que contribuía para a proliferação de ratos com
também de doenças como a peste negra, hanseníase, malária, peste bubônica,
tuberculose, varíola, febre amarela etc.
As campanhas sanitárias tiveram início a partir da intervenção do então
médico sanitarista Oswaldo Cruz, que ficou com a incumbência de combater as
epidemias que assolavam grande parte da população da época. As moléstias se
disseminavam entre as camadas mais pobres e chegou a atingir até mesmo as
classes mais abastadas. Contudo, as campanhas não foram facilmente aceitas pela
população. De acordo com Filho, (op. cit.: 27), “O povo, assustado, reagiu contra o
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programa de vacinação em massa não só porque nunca tinha passado por um processo
semelhante, mas também por desconhecer a composição e qualidade do material (...)”.
Com a obrigatoriedade das vacinas sancionada por uma lei do Estado, as
Brigadas Sanitárias foram criadas para pulverizar as áreas mais afetadas e para
entrarem nas casas das pessoas para realizar a vacinação, mesmo sem o
consentimento delas, para isso usavam de força policial, autoritária e violenta.
Ao resistir à imunização obrigatória, o povo se uniu e realizou um movimento
contrário a essa imposição do governo, provocando a revolta. Eclodia uma série de
manifestações populares dando início à conhecida “Revolta da Vacina”, que
protagonizou a morte de vários manifestantes ao entrarem em combate com a força
policial. Entretanto, com a prisão dos líderes do movimento popular, a Revolta foi
controlada pelas forças do governo, mas o movimento surtiu efeito na lei, que foi
revogada, tornando-se não mais obrigatória a vacinação de combate à varíola entre
os indivíduos.
A Reforma Carlos Chagas ocorreu em 1923, como tentativa de ampliar o
atendimento aos serviços de saúde. Em substituição à antiga Diretoria Geral de
Saúde Pública – DGSP, responsável pelos serviços sanitários terrestres, marítimos,
fluvial e por parte da medicina que estudava as medidas preventivas contra
enfermidade rural, criou-se então o Departamento Nacional de Saúde Pública –
DNSP.
Nesse ano foi também sancionada a Lei Eloy Chaves que foi o embrião da
Previdência Social no Brasil, fato esta lei que deu origem às CAP’s - Caixas de
Aposentadorias e Pensões para os trabalhadores das empresas ferroviárias e sendo
estas ampliadas progressivamente aos empregados de empresas portuárias, de
serviços de telégrafos, de água e energia, entre outras.
Bravo, (2001: 3) afirma que as CAP’s “eram financiadas pela União, pelas
empresas empregadoras e pelos empregados”. Contudo, ao aprofundar o estudo
percebi que Filho (idem: 33) e Cardoso et al (1992: 5) analisam diferente,
compreendendo que as Caixas de Aposentadorias e Pensões eram financiadas
mediante dedução mensal, através de “(...) recursos provenientes de desconto em folha
19
salarial dos empregados 3% e um percentual 1% da renda bruta de cada empresa”, sem a
participação do Estado.
Por meio de contribuições, os segurados obtinham o direito à aposentadoria
por invalidez, aposentadoria ordinária, a pensão por morte e a assistência médica.
Após a Lei Eloy Chaves, que foi o marco da Seguridade Social, foram criadas
diversas outras CAP’s, e ao ser ampliado esse modelo de aposentadoria Na década
de 30 esse modelo é ampliado, incluindo todos os trabalhadores por categoria
profissional, criando-se Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP’s), entidades de
proteção social para diversas categorias profissionais em âmbito nacional.
A saúde no Brasil não era compreendida como um dever do Estado e sim
como um dever do cidadão. O Estado através de uma intervenção repressiva coibia
a sociedade para que esta participasse das campanhas sanitárias. Em virtude do
crescimento econômico, essencial ao desenvolvimento do país, o Estado passou a
se preocupar, embora minimamente, com as condições de saúde da população, pois
esta integrava a mão de obra comercial e internacional, para não haver prejuízos no
comércio internacional, e melhorar a imagem do país.
1.2 - A intervenção do Estado após a década de 30
Ao iniciar a década de 30, fazia-se necessário uma maior intervenção do
Estado na nova ordem societária, intervindo na questão social, como questão
política, visto a necessidade de mão de obra para a industrialização.
Para Bravo (op. cit.), a política de saúde nessa época era estruturada e
compreendida como saúde pública e como medicina previdenciária. A primeira com
condições mínimas para atender a população, e a segunda também entendida como
previdenciária, que a partir da criação dos IAP’s, pretendeu inserir um número maior
de trabalhadores.
O modelo campanhista de saúde pública pôde ser destacado a partir de
algumas alternativas adotadas pelo governo como a Criação do Ministério de
20
Educação e Saúde com dois Departamentos Nacionais, em 1930; a transformação
do Departamento Nacional de Saúde em Departamento Nacional de Saúde e
Assistência Médico Social, em 1934; e a reorganização do Ministério da Educação e
Saúde, em 1941.
Ao ter início uma nova fase de medicina previdenciária, com a criação dos
IAP’s, o modelo previdenciário se subordinou ao Estado ocorrendo uma
centralização da gestão dos institutos no governo federal, retirando o controle dos
trabalhadores. Assim, mesmo com o aumento dos segurados, limitavam-se os
gastos com assistência médica, utilizando-se dos recursos obtidos na expansão de
indústrias de base e energia, destacando a criação do Conselho Nacional do
Petróleo, Companhias Siderúrgicas, Vale do Rio Doce e Hidrelétricas. (Cordeiro,
1991; Cardoso et al, op. cit.).
Em 1966, acontece a união dos IAP’s, dando origem ao Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS) e essa unificação se deu atendendo a dois momentos
importantes: o Estado passou a assumir a responsabilidade pela organização das
políticas de saúde, representando a total centralização do poder estatal; e a retirada
dos trabalhadores, extinguindo autoritariamente a sua participação política.
A expansão física do setor hospitalar privado se beneficiou através dos
recursos subsidiados pela previdência que ao invés de expandir a rede pública
realizou convênios e contratos de serviços com o setor privado.
A configuração do complexo médico industrial tornou-se evidente com a
adesão entre hospitais de cunho privado de pequeno e médio porte, com a medicina
de grupo, e com os serviços do sistema público, ocasionando uma maior
concentração deste setor. De acordo com Cordeiro (op. cit.:26) essa centralização
tornar-se-ia “o principal mecanismo de financiamento para o setor, (...) substituindo aos
poucos a previdência social”.
21
1.3 - A Saúde com Direito de Cidadania
A VIII Conferência Nacional de Saúde – VIII CNS, realizada em 1986, em
Brasília, ampliou o debate por ser a primeira Conferência aberta à sociedade civil. A
Conferência contou com a participação de algumas instituições que atuavam no
setor, representantes dos grupos políticos e da sociedade civil. Contudo, objetivando
boicotar a Conferência, os representantes dos grupos de setores privados não
participaram da mesma, por perceberem que as propostas eram favoráveis a um
modelo de saúde estatizante, o que contribuiu para dificultar a implementação das
propostas da Conferência, pois o projeto se confrontava com as forças resistentes
representadas em âmbito estatal. (Cardoso et al, idem).
Assim, um dos argumentos fundamental era o da necessidade de conquistar
bases de apoio para a aprovação das medidas estabelecidas e conquistadas na
Conferência, que objetivavam a reorganização dos serviços que se destinavam ao
atendimento e à melhoria das condições de vida da população. Cordeiro (idem: 92)
ressalta:
“Foi sob forte pressão intra-institucional e das entidades de
saúde coletiva que se logrou a constituição da Comissão Nacional
de Reforma Sanitária que desenvolveria o detalhamento das
recomendações da Conferência Nacional de Saúde”.
A VIII Conferência incorporou como um de seus principais lemas a
compreensão de saúde como “Direito de todos os cidadãos brasileiros e Dever do
Estado”, que resultou na implementação do Sistema Unificado e Descentralizado de
Saúde (SUDS). O que se propunha com a criação dos sistemas unificados e
descentralizados de saúde era a integração de todos os serviços de saúde públicos
e privados. Este sistema se constituiria por uma rede hierarquizada, por nível de
complexidade das unidades e regionalizada, conforme as especialidades de saúde,
com a participação da comunidade. Essa descentralização da administração pública
compreenderia um conjunto de diretrizes antes aplicadas pelas (AIS)5. Com o
5 Na análise de Cordeiro, (1991: 31). “Foi proposta a organização de uma rede ambulatorial única constituída pelos ambulatórios públicos e privados”. “A proposta operacional foi concretizada no
22
aperfeiçoamento das Ações Integradas de Saúde ocorreu a descentralização das
ações do INAMPS. Esse processo de descentralização implicou em diminuir o poder
administrativo do INAMPS, redefinindo as competências e as funções orçamentárias
para a União, os Estados e os Municípios.
A partir da promulgação da Constituição de 1988, a saúde deixou de ser
percebida como ausência de doença e entendida como resultante das condições
materiais de vida.
As competências do Sistema Único de Saúde (SUS) puderam ser definidas
através de uma ação descentralizadora, com o advento da Lei Orgânica da Saúde
(Lei nº 8.080 de 1990) que sustentava o referido Sistema, norteando o mesmo com
seus princípios da Universalidade, Integralidade e Eqüidade. Segundo o Art. 198 da
Constituição:
“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único,
organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I-
descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II- atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III-
participação da comunidade”. (Constituição da República
Federativa do Brasil, 1988).
Sendo assim, tornou-se uma prioridade do governo a garantia de direitos,
entre os quais se incluíam os direitos sexuais e os direitos reprodutivos para a
implementação de políticas que visassem o planejamento familiar. Nesse sentido, o
Estado assumiu o compromisso de basear, nesses direitos, todas as políticas e
programas direcionados à população.
Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS), posteriormente denominado Ações Integradas de Saúde (AIS), a ser executado de forma tripartite pelo MPAS / INAMPS, Ministério da Saúde e Secretaria de Estado”. Para Filho, as AIS mantinham a proposta de “reorganizar de forma racional as atividades de proteção e tratamento da saúde individual e coletiva, evitar as fraudes e lutar contra o monopólio das empresas particulares de saúde”. (2008: 61).
23
1.4 - A Política de Saúde nos anos 90: Privilegiamento do Setor Privado
As conquistas adquiridas através da Constituição Federal de 1988
começavam a ser desconstruídas na década de 90, (Bravo, idem), e os movimentos
populares contribuíam para o retorno das eleições diretas.
Após 20 anos de regime militar foi eleito um novo presidente da República. O
ideário do novo governo era manter uma política neoliberal com uma ação de retirar
das mãos do Estado o papel de interventor das políticas sociais. Sendo assim,
ocorria o retorno da centralização administrativa e o reforço à privatização dos
setores públicos, como, por exemplo, a restrição do repasse de verbas públicas e a
limitação dos investimentos no âmbito da saúde. A população sofria sem
atendimento médico adequado, e era constatado o péssimo desempenho das
funções hospitalares. Assim, verificava-se o aumento do índice de doenças
contagiosas, como surtos de dengue, cólera, e tuberculose, tais enfermidades já
eram consideradas como epidemias evitáveis.
Era executado pelo governo um plano de recessão política salarial atingindo
a massa trabalhadora, e as manifestações da questão social se expressavam com a
precarização do trabalho, o desemprego, o aumento do trabalho infantil, crescimento
do número de crianças e os adolescentes em situação de rua, e outras questões
relativas ao processo de exclusão social. Entretanto, apesar da Constituição Federal
de 1988, o combate à pobreza ficou focalizado e restrito a programas6 de
solidariedade e filantropização, tais programas foram criados como estratégia de
governo para a redução dos gastos, transferindo para a sociedade as tarefas de
enfrentamento a pobreza e a exclusão social, reduzindo os direitos sociais
garantidos na Constituição. (Cardoso et aL, ibidem).
6 Exemplos: o PACS / Programa Agente Comunitário de Saúde (Lei 10.507 de 2002). Este desenvolve “atividades de prevenção das doenças e promoção da saúde, através de visitas domiciliares e de ações educativas individuais e coletivas nos domicílios e na comunidade”. E o PSF / Programa de Saúde da Família, “estimula a participação e o controle social das atividades, a adoção de instrumentos de acompanhamento e avaliação dos resultados e o cadastramento das famílias, com visitas aos domicílios”, sob a Portaria nº 1.886 de 1997, do Ministro do Estado da Saúde que aprova as normas e diretrizes dos programas.
24
O projeto neoliberal7 instalado no país redireciona a intervenção do Estado
em relação à questão social8. O pensamento neoliberal tinha como principais metas
a defesa da economia de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre esta
economia, para alcançar este objetivo foram redefinidos os papéis do Estado, com
ênfase na privatização de instituições públicas.
Nessa conjuntura, dando ênfase ao seu modelo de trazer para o setor privado
a direção dos serviços públicos, as autoridades do governo tentavam inviabilizar a
realização da IX CNS, visando manter a desregulamentação da economia. Porém,
não obtiveram grandes resultados, devido a grande participação dos grupos
organizados que representaram a sociedade civil.
Em seu Relatório Final, a IX Conferência “indicou um caminho a ser seguido
no sentido de se superar a crise que, apesar da nova legislação já em vigor, atingia
a saúde”. (Nascimento, in: http://www.universidadesaudavel.com.br/IX%20CNS.pdf .
Acesso em 12 de dez. de 2008). Esta abordou como temas principais à organização
da Conferência, a implementação do SUS, o controle social do Sistema, a
democratização das informações, e o financiamento. Em seus debates foram
aprovadas algumas propostas deliberativas de grande peso na ação da Conferência,
essenciais para a implantação do SUS, dentre elas, compreendem-se a extinção:
“Do INAMPS e da Fundação Nacional de Saúde, com o
repasse imediato de suas unidades, rede física, equipamentos,
serviços e recursos humanos, para os estados e municípios
implantando-se a estrutura organizacional descentralizada do
SUS”. (op. Cit: in:
http://www.universidadesaudavel.com.br/IX%20CNS.pdf).
7 Para Netto, a ideologia neoliberal compreende a uma concepção de homem, (considerado atomisticamente como possessivo, competitivo e calculista), uma concepção de sociedade, (tomada como agregado fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados). Fundada na idéia da natural e necessária desigualdade entre os homens e uma noção rasteira da liberdade (vista como função da liberdade de mercado). (2007: 226). 8 “A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão” (Carvalho e Iamamoto, 1996: 77).
25
Percebe-se então, a partir do exposto que existiam dois projetos em disputa
para o direcionamento da política de saúde: um idealizado na década de 80 e
reforçado na Constituição de 1988, o Projeto da Reforma Sanitária; e o outro,
articulado ao Mercado, incentivando a privatização dos serviços, tendo obtido
supremacia na década de 90.
O primeiro projeto tornava explícito o dever do Estado em relação à saúde e
ao direito de todos os cidadãos, sendo construído a partir de lutas dos grupos
organizados de saúde e através dos movimentos populares; o segundo justificava-se
por uma política de ajuste, de ampliação do setor privado e a garantia mínima do
Estado no atendimento aos serviços da área de saúde. (Bravo, idem; Cordeiro,
ibidem; Cardoso et al, idem).
1.5 - A Política de Saúde nos anos 2000: Sucateamento/Fundações
Com a expectativa de um novo governo, considerava-se que as medidas a
serem seguidas em relação à política de saúde desse prosseguimento ao Projeto da
Reforma Sanitária, porém, não houve o resgate das propostas sanitárias.
Segundo Bravo (idem), atualmente percebe-se que a nova gestão direciona
as suas ações centralizadas entre os dois projetos exposto, em alguns momentos
busca fortificar o primeiro projeto e em outros conserva a mesma forma política
sustentada pela administração pública anterior, dando ênfase a um regime de
focalização, de precarização e terceirização dos serviços de saúde.
O atual governo mantém as políticas sociais fragmentadas, diminuindo os
gastos com a saúde e realizando cortes no financiamento, a lógica das políticas de
saúde se pauta em uma saúde pública mínima contradizendo os direitos
conquistados pelos grupos organizados da sociedade brasileira, de um sistema
único regionalizado, hierarquizado e descentralizado.
26
As propostas de governo evidenciam alguns pontos que têm relação com os
dois projetos em disputa: ao traçar os aspectos que foram introduzidos pelo governo
e, os que estão dando seqüência à política de saúde vinculada ao mercado.
Para Bravo (idem), tais conclusões podem ser analisadas como aspectos de
“inovação e de continuidade” da política de saúde de 1990, expressos como:
“O retorno da concepção de Reforma Sanitária, a escolha de
profissionais comprometidos com a luta pela Reforma Sanitária, as
alterações na estrutura organizativa do Ministério da Saúde, a
convocação da 12ª CNS, a participação do ministro nas reuniões do
Conselho Nacional de Saúde, e a escolha do representante da CUT
para assumir a secretaria executiva do CNS”. (Bravo, idem: 16).
Cabe ressaltar que algumas ações foram reorganizadas pelo atual governo
com a tentativa de retomar as diretrizes propostas pelo Projeto de Reforma Sanitária
construído na década de 80, e totalmente esquecido em 90, quando preponderou o
projeto da saúde vinculada ao mercado.
Nesse período a composição do governo ocorreu com a inserção de
profissionais comprometidos com a Reforma Sanitária, ocupando cargos do segundo
escalão do Ministério. Foram apresentadas alterações na estrutura do Ministério da
Saúde, sendo criadas a Secretaria de Gestão do Trabalho em Saúde9, a Secretaria
de Atenção a Saúde10, e a Secretaria de Gestão Participativa11. Entretanto, o desafio
a ser enfrentado pela nova gestão na questão saúde não foi equacionado de modo a
encontrar uma solução para os problemas vividos pela população.
Com relação aos aspectos de continuidade do novo governo, Bravo assim os
descreve:
“A ênfase na focalização, sendo destacada a centralidade do
programa saúde da família, na precarização e na terceirização,
9 A função dessa Secretaria é de dar condição física, subsidiando recursos humanos para o SUS, com a regulamentação profissional e do mercado de trabalho na área. 10 A Secretaria de Atenção a Saúde unificou as ações de atenção básica, ambulatorial e hospitalar. 11 Esta desempenha o fortalecimento do controle social, a organização das conferências, e estabelece a comunicação do ministério da saúde com outros níveis de governo e com a sociedade.
27
refere-se à ampliação da contratação de agentes comunitários de
saúde”. (Bravo, idem: 18)
No que se refere à focalização dos programas implantados pelo governo, este
somente objetivava a extensão de cobertura para as camadas em estado de
pobreza, não sendo alterado a organização do programa de saúde para toda a
população como rege os princípios constitucionais. Contudo, no tocante a
precarização e à terceirização atribui-se à forma de contratação e de seleção
temporária dos trabalhadores da saúde, pois muitos têm contratos temporários,
apesar da reivindicação da regulamentação profissional. A ênfase das ações
governamentais está em programas focalizados, e o governo persiste em ampliar as
contratações e em inserir novas categorias para atuarem como auxiliar e técnico de
saneamento, agente de vigilância sanitária, e agentes de saúde mental, estas sem a
regulamentação da profissão.
Sendo antecipada em um ano, para que suas propostas pudessem orientar as
ações do governo, a XII Conferência Nacional de Saúde foi realizada em dezembro
de 2003. Essa Conferência teve como objetivo principal a reafirmação do direito a
saúde e do dever do Estado em garantir a universalização da saúde. Os temas
fundamentais foram divididos em “eixos temáticos”, sendo eles: direito à saúde; a
seguridade social e a saúde; a intersetorialidade das ações de saúde; as três
esferas de governo e a construção do SUS; a organização da atenção à saúde;
controle social e gestão participativa; o trabalho na saúde; ciência e tecnologia e a
saúde; o financiamento da saúde; e comunicação e informação em saúde.
(Ministério da Saúde, 2003, in: www.saude.gov.br . Acesso em 20 de jan. de 2009).
Muitas expectativas foram geradas em torno da convocação dessa
Conferência, esperava-se que esta fosse um marco para as questões vinculadas à
saúde, um mecanismo de viabilização democrático da política. Entretanto, tal fato
não se procedeu, a XII Conferência Nacional de Saúde não teve manifestações tão
significativas quanto as da VIII Conferência, ocorrida em 1986.
Prevendo mudanças, a gestão da saúde pública do período tentou concretizar
a implantação de um novo modelo para a saúde brasileira apoiado pelo Ministro da
Saúde José Gomes Temporão.
28
O projeto das Fundações Estatais de Direito Privado, o projeto (PLP 92 /
2007) avança no Congresso e nos estados, sendo aprovado na Câmara dos
Deputados no ano passado pelas comissões: do Trabalho, Administração e Serviço
Público, e a de Constituição e Justiça.
Segundo Machado (2009), este projeto já está sendo executado em cinco
estados: no Acre, a fundação vai monopolizar principalmente a rede de média e alta
complexidade; na Bahia, a fundação materializa-se na estratégia Saúde da Família,
além disso, mas duas fundações estão sendo previstas, a empresa pública de
medicamentos, Bahia Farma, fechada em 1999, e a outra fundação incorporariam a
área hospitalar do Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus; em Pernambuco, a
Lei que cria as fundações de nº 126 de 29 de agosto de 2008, foi aprovada sem
passar pela comissão legislativa, em menos de 12 horas; no Rio de Janeiro, sob o
regimento da Lei Complementar de nº 118, de 29 de novembro de 2007, esta define
a atividade de saúde como área de atuação estatal sujeita a desempenho por
fundação pública e a Lei Ordinária 5.164, de 17 de dezembro de 2007, autoriza a
criação de três fundações estatais, a dos hospitais gerais de urgência, a dos
institutos de saúde e a da central estadual de transplante e determina que 24
hospitais podem ser incorporados; em Sergipe, já foram autorizadas três fundações,
a Fundação de Saúde Parreiras Horta, Lei 6.346/08, a Fundação Estadual de
Saúde, Lei 6.347/08, e a Fundação Hospitalar de Saúde Lei 6.348/08.
A implementação das Organizações Estatais de Direito Privado expressa
claramente a defesa da privatização dos órgãos públicos, a perda dos direitos
conquistados através de lutas, tornando-se inconstitucional ao desrespeitar os
princípios que norteiam o SUS. Estas retiram do Estado à responsabilidade de
prover a saúde pública. “A questão do desfinanciamento é a mais séria, pois está
diretamente articulado ao gasto social do governo e é a determinante para a manutenção da
política focal, de precarização e terceirização dos recursos humanos”. (Bravo, idem: 19).
O novo modelo de gestão do governo de diminuir o financiamento das
políticas do SUS mostra que as grandes questões do Sistema Único não estão
sendo enfrentadas, a prioridade está sendo em dar continuidade a políticas
neoliberais, que tem por objetivo ofertar serviços que ofereçam mínimos para
atender às necessidades de saúde da população.
29
Ao se estabelecer os modelos estatais nos estados, não está sendo cumprida
a nossa Constituição, negligenciando a saúde, em defesa de uma política
econômica restrita e de acordo político.
30
CAPÍTULO II
Política de Saúde da Mulher
2.1 - O debate sobre o conceito de gênero e sexualidade
Para se entender a definição do termo gênero faz-se necessário a
compreensão que cada indivíduo na sociedade possui em relação ao conjunto de
significados atribuídos à diferença sexual, visto que, atualmente não se pode mais
ter a percepção da diferença entre homem e mulher somente por suas
peculiaridades biológicas.
Houve uma época em que a sexualidade, associada aos homens, era
discutida separadamente da saúde reprodutiva, esta ligada à mulher. Por volta do
século XVII, foram estabelecidos preceitos pela medicina grega, que postulava a
existência de um único sexo, para macho e fêmea. O homem representava a
perfeição da espécie humana, e as mulheres teriam o sexo invertido para não causar
dano a gestação. Somente no século XIX, começava-se a especular a existência de
dois sexos e as diferenças entre os corpos masculinos e femininos. Esta análise se
procedeu por consequências das mudanças sociais que atingiram todo o mundo a
partir da Revolução Francesa que proclamou o princípio da igualdade, não podendo
existir incongruências entre os indivíduos (Villela, 2001).
Assim, as diferenças naturais entre homens e mulheres passaram a ser
estudadas pela ciência médica da época, e a idéia de um único sexo deixou de
existir. No entanto, o papel da mulher na sociedade era compreendido somente
dentro de uma visão de mãe, no pleno exercício da maternidade, responsável pela
criação e pela educação da prole, dando subsídios ao cuidado da saúde dos filhos e
dos demais componentes familiares. Nesse sentido, a compreensão da saúde da
mulher e de seu papel na sociedade estaria subordinada ao papel de reprodutora da
espécie.
Segundo Villela, (op. cit.: 146), cogitava-se a idéia de que “as mulheres teriam
um papel tão decisivo na reprodução biológica que a própria natureza teria moldado estes
31
seres especialmente para o desempenho desta função”. Esta idéia deixa subentendido
que os homens, por não terem sido moldados pela natureza, poderiam
desempenhar todas as demais funções necessárias à reprodução do ser humano,
tais como a questão econômica, social e cultural.
No final do século XIX e no decorrer do século XX, foram caracterizadas as
atribuições da mulher como tendo virtudes, em razões que seguiam a ordem regular
das coisas, sem a intervenção do ser humano, de procedência natural. Tais
atribuições revelavam, de fato, um processo de opressão e subordinação da mulher
em relação ao homem. É nesse contexto que surgiu o conceito de “gênero”, que
percebe o homem e a mulher a partir das relações socialmente produzidas, sendo
delineados também pelas percepções de cada um com o mundo e em seu processo
das interpretações culturais. (Villela, idem)
Para Saffioti,
“Não se trata de perceber apenas corpos que entram em
relação com outro. É a totalidade formada pelo corpo, pelo intelecto,
pela emoção, pelo caráter do EU, que entra em relação com o outro.
Cada ser humano é a história de suas relações sociais, perpassadas
por antagonismos e contradições de gênero, classe, (...)”. (Saffioti:
1992: 210).
O desenvolvimento da hierarquia de gênero se deu através das “teóricas do
feminismo” sob a ótica de compreender e dar respostas às questões relacionadas à
situação de desigualdades entre os sexos. As militantes do movimento feminista
sentiram a necessidade de produzirem materiais científicos para a construção de
novas modalidades que pudessem intervir na realidade vivida pelo masculino e o
feminino, visto que a relação entre a categoria de gênero compõe-se a partir da
organização social da identidade e das subjetividades femininas e não somente das
atitudes patriarcais e machistas. (Villela, ibidem).
O debate sobre as relações entre homens e mulheres teve no início um
discurso voltado para a questão da reprodução biológica, porém com o crescimento
32
da população, e os avanços tecnológicos da época, tais como a concepção e a
contracepção, esses fatos deram uma outra lógica à discussão, que tomou caminhos
distintos para novas articulações sobre o entendimento do conceito de gênero.
Assim, o predomínio anterior das explicações biológicas foi sendo substituído
por uma construção social da identidade feminina, sendo uma das principais
bandeiras do movimento feminista o lema “Nosso corpo nos Pertence”, apontando a
necessidade de apropriação do próprio corpo, para que as mulheres conquistem sua
autonomia, e afirmando a importância das questões de saúde. (Giffin, 1991).
Para Oliveira, (in: Ávila, 2005: 134), dois conceitos foram postos pelas
feministas: a “autonomia” e a “heteronomia”. A autonomia, “significando tomar para si
o destino de suas próprias vidas” no sentido da heteronomia, “utilizada para deslocar suas
referencias de atuação da dependência de um outro masculino”. Esses dois conceitos
também deram novo significado ao conceito de gênero, tornando atual a bandeira de
luta “nosso corpo nos pertence”.
Com as proposições das feministas no cenário sobre as questões
relacionadas à autonomia da mulher, o movimento imprimiu suas ações
progressistas e democráticas, com orientação voltada para o coletivo, e para os
problemas das mulheres de todas as camadas sociais. Apesar de o Movimento
Feminista ter sido acusado, pelos os meios de comunicação em geral, de “alienado”
dos problemas nacionais, com preocupações burguesas, na verdade, o movimento
feminista era de reflexão e ação. Os grupos lutavam contra a desigualdade entre
gênero, negando haver uma hierarquia, incluindo em suas discussões assuntos
sobre sexualidade; direitos reprodutivos; planejamento familiar; aborto; e orientação
sexual. (Blay, in: Lago, 1999).
2.2 - Maternidade e Planejamento Familiar
No Brasil, o processo de abertura política abre espaço para os novos atores
de movimentos sociais se destacarem no cenário político, pela democratização do
país, fortalecendo as discussões sobre os direitos sociais.
33
Nesse contexto, o Estado começa a absorver de forma lenta e gradual as
reivindicações do movimento de mulheres. As feministas começavam a ter maior
participação na elaboração de políticas públicas sobre a saúde da mulher e tornava-
se mais intensos os debates acerca da metodologia adotada nos programas de
planejamento familiar, por ser esta entendida como um planejamento do governo
para controlar a concepção das mulheres por meio de medicamentos e esterilização,
de modo a reduzir a propensão de gestação de mulheres das camadas mais pobres.
(Mesquita, 2008).
Aquino (in: Lago, 1999); Mesquita (op. cit) e Pereira (2008) concordam ao
analisarem que as feministas se recusaram a participar do controle de natalidade
imposto através do planejamento familiar, implantado no país por entidades
privadas12, muitas ligadas a instituições internacionais. Neste cenário atuavam
grupos de cunho antinatalistas intitulados como controlistas, e esses grupos
discursavam sobre o controle da natalidade, viabilizando políticas de controle
populacional, para a diminuição da taxa de fecundidade no país. Tais entidades
eram alvos de críticas por parte do movimento feminista, por realizarem
esterilizações sem qualquer tipo de controle e por distribuírem anticoncepcionais
com forte dosagem hormonal, cujos efeitos causavam danos à saúde da mulher.
Em oposição aos grupos controlistas, representados pelo governo norte-
americano, por médicos, grandes empresários, e militares, se formaram grupos
anticontrolistas, uma outra vertente, composta por diferentes atores, dentre estes
atores havia membros da igreja católica e do movimento feminista. Contudo, vale
ressaltar que tanto os membros da Igreja Católica quanto os do movimento feminista
tinham uma visão crítica em relação aos representantes controlistas, contudo,
apresentavam ideais diferentes sobre a regulação da fecundidade. A igreja
mantinha o princípio de “paternidade responsável e com a idéia da defesa da vida desde o
momento da concepção”. Já as feministas lutavam pelo princípio da “autonomia”.
(Rocha, in: Ávila, 2005: 140).
12 As que tiveram maior relevância como entidades privadas de cunho controlista foram: a Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar do Brasil – BEMFAM, e o Centro de Pesquisas de Assistência Integrada a Mulher e a Criança – CPAIMC.
34
Com o posicionamento do movimento feminista de resistir às propostas
estabelecidas pelo governo, o grupo começou a pressionar o Estado para dar
existência a uma política de planejamento familiar fundada nos direitos reprodutivos,
pois em grande parte de sua vida, as mulheres ficavam sem assistência à saúde,
esse quadro se alterava apenas no período da gestação. Entretanto, os movimentos
sociais, destacando os feministas, exigiam que as mulheres fossem vistas e tratadas
como pessoas de direitos, como cidadãs na sociedade, e não como potenciais
reprodutores. Dentre outras solicitações, o grupo feminista reivindicava melhores
condições ao atendimento na área da saúde em todos os ciclos de vida da mulher.
A década de 80 teve suma importância para os grupos feministas em relação
à saúde da mulher, evidenciou–se, nesse período, a exigência das feministas pelo
maior controle da mulher e por direitos garantidos em relação ao próprio corpo, ou
seja, a anticoncepção deveria ser integrada a uma política de saúde reprodutiva.
(Mesquita, idem). Contudo, os programas que visavam a execução da Política de
Saúde da Mulher continuavam direcionados para problemas decorrentes da
gestação e do parto.
Por influência do movimento de representantes feministas, teve a
implementação de uma de suas principais conquistas, o “Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher” (PAISM), em 1983, divulgado oficialmente em 1986 pelo
Ministério da Saúde, incorporando uma série de demandas especificas à saúde da
mulher, abordando a saúde da mulher em sua totalidade e em todas as fases de sua
vida, não apenas na fase reprodutiva. Através da execução do PAISM, a aquisição
dos métodos anticoncepcionais passou a ser referenciado pelo Ministério da Saúde.
(Rocha, in: Ávila, op.cit).
As ações do PAISM destinaram-se, prioritariamente, para a promoção da
saúde das mulheres, rompendo com o paradigma materno-infantil. As mulheres
interferiram no planejamento, implantação e acompanhamento deste programa.
O PAISM trouxe a proposta de atenção integral à saúde da mulher e os
serviços atenderiam todas as suas necessidades, em todas as fases de suas vidas.
A questão do controle da fertilidade passou a ser regulada como um direito social, e
a parte mais promissora da proposta do programa era a ênfase na dimensão das
35
ações educativas. Foram elaboradas cartilhas, distribuídas para os serviços de
saúde, com a proposição de difundir uma prática que abrisse caminho para a
autonomia das mulheres. (Aquino, in: Lago, op.cit).
Uma novidade ocorreu com o crescimento e a estruturação das redes de
grupos de mulheres, estes eram organizados segundo os temas de interesses,
assim, surgiram os grupos de saúde e de direitos reprodutivos. As redes se
organizam em níveis nacional e internacional13.
Em 1990, foi realizado o V Encontro Feminista Latino Americano e Caribe, na
Argentina. Este Encontro instaurou uma nova fase para o Movimento Feminista,
sendo a partir deste evento que se iniciou o debate sobre “Conjuntura Política”.
Buscou-se também, estrategicamente, ampliar o número de interlocutores, para que
o Movimento adquirisse maior força política e visibilidade. Este momento se definiu
como o “Feminismo nos anos 90”, provocando uma reformulação nas ações
empregadas pelo Movimento. As bandeiras de lutas, tais como saúde e direitos
reprodutivos, educação, participação política, entre outras, foram transformadas “em
propostas de intervenção nas instâncias de poder capazes de implementá-las”. A autora
justifica esse ato como sendo uma transformação das bandeiras de lutas em
proposição de “Políticas Públicas” (Coelho, in: Lago, op. cit: 149).
O Brasil teve participação em todas as Conferências, como a ECO-1992,
Viena-1993, Cairo-1994 e Beijing-1995. Contudo, grande importância adquiriu a
Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no
Cairo, no ano de 1994. Nessa Conferência ampliou o debate, trazendo a redefinição
de Saúde Reprodutiva como:
“Um estado de completo bem-estar físico, mental e social em
todas as matérias concernentes ao sistema reprodutivo, suas
funções e processos, e não apenas mera ausência de doença ou
enfermidade. A saúde reprodutiva implica, por conseguinte, que a
pessoa possa ter uma vida sexual segura e satisfatória, tendo a
13 A Década das Nações Unidas para a Mulher (1976-1985), foi um incentivo para o movimento de mulheres obter o seu desenvolvimento, as redes ao se articularem no Brasil e no mundo acumularam força política e adquiriu visibilidade, e o movimento foi reconhecido pela ONU, sendo incluído em sua agenda política. (Coelho, in Lago, 1999).
36
capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre quando e
quantas vezes deve fazê-lo”. (In:
http://www.ibam.org.br/parceria21/donald.rtf. Acesso em 13 de
maio de 2009).
Entretanto, mesmo com a compreensão de a Saúde Reprodutiva ter sido um
direito conquistado por lutas, um grande desafio se sustenta hoje: o da
implementação dessas conquistas, pelas autoridades. Para Coelho, (in: Lago,
idem.:151), “enquanto as mulheres não fizerem parte das cúpulas governamentais,
as políticas sociais do estado não atenderam seus interesses”.
Nesse sentido, faz-se necessária uma maior participação de mulheres nas
decisões da esfera governamental, para que estas possam traçar caminhos que
venham ao encontro de suas necessidades, alterando as leis, que intensificam as
desigualdades entre os sexos, dando ênfase à implantação de leis que reforcem a
sua independência.
2.3- Aborto e Índices no Brasil
O termo aborto é uma expressão carregada de tabus e preconceitos, e
compreende vários aspectos, podendo ser debatido no princípio moral, social,
religioso, político e demográfico.
Segundo o Ministério da Saúde, “(...) considera-se abortamento a interrupção da
gravidez até 22 semanas ou, se a idade gestacional for desconhecida, com o produto da
concepção pesando menos de 500 gramas ou medindo menos de 16 cm”. (Ministério da
Saúde, 2001: 147).
Os abortamentos podem ser classificados em ameaça de abortamento,
abortamento completo, inevitável ou incompleto, abortamento retido, infectado, e
habitual, ou ainda como abortamento eletivo, este é previsto por lei. O processo de
abortamento pode acontecer de forma espontânea, sem a interrupção da mulher.
Quando ocorre antes da 20ª semana de gestação, o feto ainda não possui muitas
37
chances de sobreviver fora do útero materno, ocorrendo, em sua grande maioria, no
primeiro trimestre da gestação, podendo acontecer por fatores biológicos,
psicológicos e sociais. (Ministério da Saúde, 2005).
O aborto induzido pode ocorrer devido à inúmeros fatores, como quando
existir malformação congênita, quando a gravidez foi o resultado de um estupro e a
gestante desejar interrompê-la. Há abortos que ocorrem por intervenção médica,
quando não houver outra forma de salvar a vida da gestante, e nos casos de
estupro, quando a mulher abre a ocorrência na Delegacia de Polícia. No primeiro
caso, trata-se de aborto necessário ou terapêutico, e no segundo, pela compreensão
de a concepção ter ocorrido em situação de violência e sem o consentimento da
mulher. Nesse sentido, a tendência à compreensão de aborto provocado se refere
ao praticado pela própria gestante ou por terceiros.
Em nosso país a prática do abortamento provocado é considerado crime
constando como tal no Código Penal de 1940, dispondo em seu artigo 128 a não
punição desse ato, nos casos de aborto necessário e de aborto no caso de gravidez
resultante de estupro, podendo ser realizado de forma legal por médicos. Nos casos
de anencefalia, uma liminar foi concedida pelo Supremo Tribunal Federal,
autorizando a interrupção dessa gestação. A nova redação proposta para o Código
Penal estabelece em seu Inciso III – “há fundada probabilidade, atestada por dois outros
médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais”.
(Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848, 1940; Rocha, 2005).
No Brasil, as taxas de índices de aborto são preocupantes, registra-se
anualmente mais de 1 milhão de abortos, sendo 800 mil realizados através de
procedimentos ilegais. A Conferência realizada no Cairo em 1994, sobre População
e Desenvolvimento, teve seus compromissos reafirmados na realizada em Pequim,
4ª Conferência Mundial sobre as Mulheres, em 1995. Nessa Conferência foi
reconhecido que as medidas de saúde reprodutiva seguras e eficazes reduzem as
mortes e lesões decorrentes de abortos inseguros, se tornando este um grave
problema na esfera da Saúde Pública. (Ministério da Saúde, op. cit: 2005).
Os índices de abortos classificados por provocados demonstram que as
mulheres realizam essa prática em si própria ou autorizam que pessoa sem
38
qualificação específica provoque tais operações. O aborto inseguro ou ilegal é
realizado na clandestinidade, em clínicas privadas ou nas próprias residências, em
qualquer circunstância, utilizando-se, em sua grande maioria, de métodos
extremamente perigosos, ocasionando infecções graves que podem causar a morte
da mulher. Discute-se que esses índices se referem aos abortos provocados por
mulheres de classes populares, visto que os realizados por mulheres com poder
aquisitivo mais elevado ocorrem em clínicas, por profissionais especializados e em
condições seguras, não sendo incluídos nas estatísticas de abortamentos
provocados e, provavelmente, não aumentando os índices de morte materna.
Segundo Prado,
“É extremamente difícil conhecer a situação exata dos abortos
que se praticam no Brasil, (...). Pode-se ter apenas conhecimento do
número de mulheres que chegam de urgência aos hospitais, já em
processo de abortamento, pois aqueles bem sucedidos mantêm-se
no anonimato. É também difícil estabelecer quantos são na
realidade os abortos que têm um desenlace fatal”. (Op. cit: 53).
O Ministério da Saúde produziu a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao
Abortamento, (idem, 2005). Trata-se de um guia para apoiar gestores, serviços e
profissionais de saúde; e introduzir novas abordagens no acolhimento e na atenção
para com as mulheres em processo de abortamento (espontâneo ou induzido), e
que a atenção tardia ao abortamento inseguro e as suas complicações pode
ameaçar a vida, a saúde física e mental das mulheres, buscando, assim, assegurar
a saúde e a vida.
Tal norma pode ser analisada como o reconhecimento do governo brasileiro
acerca da realidade de que o aborto realizado em condições inadequadas é um fator
que causa um grande número de mortes maternas. Nesse sentido, essa norma
consolida-se como um instrumento de ação para produzir resultados práticos que
reflitam respeito à cidadania feminina e expressem os cumprimentos das
Resoluções da Cúpula do Milênio das Nações Unidas, ocorrida em Nova Iorque, em
2000. A Resolução definiu como uma de suas metas a redução dos níveis de
39
mortalidade materna em 75%, até o ano 2015, em relação aos índices da década de
1990. (Ministério da Saúde, ibidem, 2005).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada nove
mulheres interrompe a gravidez, evidenciando que metade dessas gestações não
são desejadas. Essa estimativa revela que o índice de aborto em nosso país é
maior do que os índices em países onde a prática do abortamento é legal e
acessível. No Brasil, os cálculos mostram que o índice de abortamento é de 31%. A
avaliação aponta para uma ocorrência anual de 1,44 milhões de abortamentos no
país, uma taxa de 3,7 abortos por cada grupo de 100 mulheres entre 15 e 49 anos, e
esses números não contemplam os procedimentos de abortos garantidos por Lei.
Entre os países liberalizados o número de morte em decorrência de um abortamento
não é maior do que uma para cada 100 mil procedimentos. (Ministério da Saúde,
idem, 2005).
2.3.1 - Aborto e Morte Materna
A definição do conceito básico da Morte Materna (Óbito Materno) é a morte
de uma mulher durante a gestação até 42 dias após o termino da mesma,
independente da duração ou da localização da gravidez. É causada por qualquer
fator relacionado ou agravado pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a
ela, não sendo classificado como morte materna aquelas provocadas por fatores
acidentais ou incidentais. (Ministério da Saúde, 2007).
No Brasil e em outros países em desenvolvimento, a mortalidade materna é
uma das conseqüências mais graves de violação dos direitos humanos da mulher,
pois mais de 90% dos óbitos poderiam ter sido evitados se as condições de saúde
fossem iguais às dos países desenvolvidos, no entanto constatam-se índices
alarmantes de morte materna. Estudo realizado pela Organização Mundial de Saúde
estimou que em 1990, aproximadamente 585.000 mulheres em todo o mundo
morreram vitimas de complicações ligadas ao ciclo gravídicopurperal, dentre estas
apenas 5% não moravam em países em desenvolvimento.
40
De acordo com o Ministério da Saúde (op. cit, 2007), nas Américas, essa
disparidade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento torna-se ainda mais
evidente quando investigadas as razões da morte materna. Enquanto os países
desenvolvidos como Canadá e Estados Unidos da América apresentam índices de
morte materna com valores relativamente inferiores a nove óbitos maternos para
100.000 nascidos vivos, países da América Latina como, Bolívia, Peru e Haiti
chegam a 200 óbitos. Somando-se em toda a América Latina ocorrem
aproximadamente 28 mil óbitos por morte materna por ano devido a complicações
na gravidez, no parto e no puerpério.
Segundo um estudo coordenado pelo epidemiologista Ruy Laurenti,
investigou-se as mortes de mulheres entre 10 e 49 anos em todas as capitais e no
Distrito Federal, analisando atestados de óbito, laudos de autopsia e entrevistas aos
familiares. Descobrindo que 40% das mortes não refletiam a realidade, pois nem
todas as mortes são registradas como tendo causas relacionadas à gravidez ou ao
parto. Levando o Ministério da Saúde a corrigir as estatísticas. Os números foram
corrigidos em 2001, e por isso, o índice subiu. Em 1990, o número do Brasil era de
48 por 100mil. Em 2001, já havia alcançado 71. No ano de 2005, chegou a 74. A
Organização Mundial de Saúde considera aceitável o índice de 20 mortes maternas
para cada 100 mil nascidos vivos; entre 20 e 49 mortes, o índice é considerado
médio; entre 50 e 149 mortes, considera-se o índice alto e, acima de 150, muito alto.
(Época, 2008; Rede Mulher, 2004).
A problemática da mortalidade materna trata-se de morte anunciada para as
mulheres excluídas, na medida em que ocorrem mais em países pobres e em
desenvolvimento, evidenciando as condições socioeconômicas desfavoráveis de
cada localidade, atingindo especialmente, as mulheres de baixa renda e pouca
escolaridade. A desigualdade social gera disparidades contribuindo para as causas
de morte por mulheres. A principal causa de morte materna é a eclampse,
caracterizada pela hipertensão; em seguida vem a hemorragia, do final de gravidez,
do parto ou do puerpério; a terceira causa são as complicações de aborto; e as
complicações cardíacas; essas são as quatro maiores causas de morte materna no
Brasil.
41
Em 2004, como tentativa de reverter esse quadro o Ministério da Saúde
propôs a adoção do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna Neonatal,
compreendendo que o enfrentamento desse problema demanda o envolvimento de
diferentes atores sociais14, de forma a não somente dar garantias para as políticas
destinadas a morte materna e neonatal, como também para que estas sejam
executadas e possam vir de encontro com as reais necessidades locais da
população. Em seu texto, trata a mortalidade materna no país como um problema
social e político, associando essas causas ao desconhecimento da sua verdadeira
gravidade; e a deficiência da qualidade dos serviços de saúde oferecidos às
mulheres no período de gravidez, aborto ou parto, sendo estas consideradas por
muito tempo uma fatalidade. As políticas públicas para atenção integral à saúde da
mulher é uma das prioridades assumidas em Conferências Internacionais15, pelo
governo brasileiro. (Ministério da Saúde, 2004).
No ano de 2005, em decorrência de medidas de prevenção de morte materna,
registrava-se a implantação de 27 comitês estaduais, 172 regionais, 748 municipais
e 206 hospitalares. Os Comitês de Morte Materna são instituições de caráter social e
político, é um conjunto de órgãos de natureza interinstitucional, multiprofissional e
confidencial, visam analisar todos os óbitos maternos e apontar medidas de
intervenção para a sua redução na região de abrangência, não sendo preciso
aguardar pelo seu resultado final para propor medidas intervencionistas. Este
representa um importante instrumento de acompanhamento e avaliação permanente
das políticas de atenção a saúde da mulher. (Ministério da Saúde, 2007).
Entretanto, apesar de todas as estratégias do governo para avaliar e
acompanhar as políticas de atenção à saúde da mulher, buscando a implementação
de alternativas para a redução da morte materna, evidencia-se o alto índice de
mortalidade materna, contribuindo para a morte de jovens mulheres. Em decorrência
desse fato o Brasil é hoje o primeiro país no mundo a ser levado a júri por caso de
morte materna, devendo ser julgado de forma moral e política, pelo Comitê das
14 Os diferentes atores sociais das Ações Estratégicas para o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal podem ser conferidos no documento realizado pelo Min. da Saúde em Brasília-DF, 2004: pág. 10 a 14. 15 A histórica Conferência do Cairo teve outras iniciativas que deram continuidade à questão da mulher como a CIPD+5, Nova Iorque, 1999, com a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos e com a redução da morte materna e neonatal, como prioridade.
42
Nações Unidas pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Cedaw)16. Um
dos parâmetros para avaliar a qualidade de saúde de um país é o índice de
mortalidade materna, quando muitas mulheres perdem a vida durante a gestação,
parto, ou puerpério, contata-se que o sistema de saúde está funcionando mal,
tornando-se este um drama para a saúde brasileira. (Cardoso, et Alli. Idem; Revista
Época, op. cit).
2.3.2 - Legalização em debate
Ao falar em legalização do aborto ou na sua criminalidade, podemos perceber
a divergência entre alguns atores sociais envolvidos com essa temática. O
movimento feminista não fala em legalização do aborto e sim em sua
descriminalização. A descriminalização do aborto é defendida pelos grupos
feministas como uma questão social e de saúde da mulher. Estes grupos destacam
que a maioria das mortes com abortos clandestinos ocorre nas camadas mais
pobres da população, que não têm acesso às “clínicas” mais sofisticadas. Já os
grupos representados pela igreja são contrários a qualquer manifestação para
legalizar a prática do aborto, justificando que o aborto não é uma questão religiosa,
mas do direito à vida e que a descriminalização não resultará na diminuição de
mortes de mulheres por abortos clandestinos. (Barroso, 1980).
A legalização do aborto foi tema discutido na XIII Conferência Nacional de
Saúde, Brasília - 2007, com o lema “Saúde e qualidade de vida: Políticas de Estado
e Desenvolvimento”, e sendo dividida em três eixos temáticos – Desafios para a
efetivação do direito humano a saúde no século XXI: Estado, sociedade e padrões
de desenvolvimento; Políticas Públicas para a saúde e qualidade de vida: o SUS na
Seguridade Social e o Pacto Pela Saúde; e A participação na efetivação do direito
humano a saúde. O evento toma destaque pelo que rejeitou, e não pelo que
aprovou, a proposta de apoio a descriminalização do aborto acabou sendo rejeitada,
16 Fundado na Assembléia-Geral da ONU de 1979 - e do qual o Brasil passou a ser signatário parcial em 1984 e integral em 1994, o comitê é formado por representantes de 23 países-membros, que devem observar o cumprimento das metas definidas na convenção. Atualmente está representado pela jurista Sílvia Pimentel, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). (Idec, in: http://www.advsaude.com.br/noticias.php?local=1&nid=1261. Acesso em: 27 de maio de 2009).
43
devido a mobilizações dos setores contrários à interrupção da gravidez. A decisão
impôs uma derrota aos defensores da legalização do aborto e ao projeto lei, de
1991, que o ministro da saúde defende sobre a descriminalização do aborto. (Radis,
nº 65, 2008).
Uma pesquisa realizada pela área técnica de Saúde da Mulher do Ministério
da Saúde retrata o aborto no Brasil não somente como uma questão de “Saúde
Pública”, mas também de “Justiça Social”, concluiu os pesquisadores Leila Adessa,
Mario Francisco e Jacques Levin (2008). O abortamento nos países em
desenvolvimento representa um “grave problema de saúde pública e de justiça
social”, envolvendo questões legais, sociais e psicológicas. Um reflexo disso é que,
em países desenvolvidos o número de abortos inseguros é muito menor, em relação
às estimativas dos países em desenvolvimento. Nesse sentido, diante da mesma
ilegalidade do aborto evidencia as diferenças socioeconômicas, culturais e regionais
a essa prática, mulheres com poder aquisitivo têm acesso a métodos e clínicas de
abortamento com mais recursos técnicos e humanos. Já, a grande maioria das
mulheres, recorre a métodos como chás, introdução de objetos no útero etc. ou
ainda recorrendo a pessoas não qualificadas para a intervenção da gestação,
resultando em alto índice de agravos à saúde, que podem causar infecções graves e
irreversíveis lesões, e até mesmo à morte.
A proibição do aborto é uma das maiores polêmicas vivida hoje pela
sociedade, quase 3 mil mulheres estão sendo indiciadas pela justiça brasileira por
terem praticado abortos clandestinos, dessas, 25 já estão cumprindo pena, para
escaparem da exposição de um júri popular, 5 dessas mulheres aceitaram um
acordo processual, submetendo-se a pena alternativa de prestações de serviços à
comunidade, sendo suas rotinas muitas vezes sigilosa e constrangedora, pelo fato
de terem que prestar serviços em creches. Esta é a primeira vez que mulheres,
através de suas fichas cadastrais em clínicas que realizam o aborto ilegal são
acusadas sem ter ocorrido um flagrante policial, tornando-se este o maior inquérito
conjunto que o país já teve contra mulheres que realizaram essa prática. (Época,
2008).
A penalização do aborto ou a sua descriminalização é um assunto que
envolve muitas questões que estão por trás de cada opinião estabelecida pelos
44
grupos religiosos, e pelas questões econômicas e sociais. Nos últimos tempos o
debate sobre a legalização do aborto voltou a ser assunto, nos meios de
comunicação. Como já mencionado o aborto no Brasil é legal apenas para vitimas
de estupros e em risco de vida, e assim mesmo até a 20ª semana.
Por ser o aborto um tema carregado de tabus, mesmo quando realizado com
o aparato da Lei, é alvo de críticas, como o caso ocorrido em Pernambuco, onde
uma “menina de nove anos grávida de quatro meses de gêmeos foi estuprada”, a
instituição referência em atendimento a mulher vitima de violência sexual, o Centro
Integrado de Saúde Amaury de Medeiros – Cisam, em Recife, que realizou em
março deste ano o aborto considerado legal, foi noticiário brasileiro e internacional.
Tal fato evidencia a complexidade do problema, e a necessidade de mais
conhecimento em relação ao assunto, principalmente, por ser esta uma problemática
que atinge populações mais vulneráveis. Faz-se necessária a continuação de
estudos, seminários e debates, que possam proporcionar mais subsídios que
garantam os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, com políticas que
assegurem um planejamento familiar mais eficaz, pois a desinformação e a
cobertura insuficiente de medidas anticoncepcionais resultam em gravidezes
indesejadas
45
CAPÍTULO III
Fatores Sociais, Econômicos e Culturais das mulheres em situação de aborto:
um estudo de caso
3.1 - Família e rede de proteção
A família é considerada uma instituição social, célula básica da sociedade,
cujo papel e características foram se modificando ao longo da história, conservando,
contudo, as funções de procriação, educação moral, afetiva, e de manutenção,
construídos historicamente.
No século XX, o poder e a autoridade paterna foram se diluindo. A família
patriarcal extensa, com conteúdo machista foi se transformando, até o modelo da
família nuclear burguesa. A mulher passa a ocupar outros espaços no núcleo
familiar, como também o seu poder e autoridade têm si modificado. Essas
transformações derivam tanto da inserção da mulher no mercado de trabalho – que
ora contribuindo no orçamento doméstico, ora sendo a principal ou a única
provedora - quanto foi influenciada pelas lutas do movimento feminista. (Gueiros,
2002; Mioto, 1997).
O gráfico 1 demonstra tanto o predomínio de família nuclear, nas mulheres
entrevistadas, quanto um percentual importante de mulheres que se responsabilizam
pela prole sozinha, engrossando as estatísticas de famílias incompletas ou
monoparentais.
Nota-se que a tendência da organização das famílias das classes populares é
de não oficializar a união. Observa-se, no mesmo gráfico, que os dados coletados
reafirmam a presença significativa de famílias chefiadas apenas por mulheres,
expressando uma tendência de novos arranjos familiares.
46
Gráfico 1 A pesquisa realizada pela Unicamp (Universidade de Campinas), incluiu
dados significativos em relação ao aumento das famílias chefiadas por mulheres,
denominada de famílias monoparentais, em 1981, era de 16%, já em 1989 registrou-
se 20%, sendo definida como “uma nova família dos tempos modernos”. Esse
aumento em relação aos novos arranjos familiares é uma tendência que se expressa
também atualmente. Contudo, um pequeno índice é composto por famílias
nucleares, esta composição mantém seu percentual até os dias atuais como revela o
gráfico exposto acima. (Cavallieri, in: Debates Sociais, 1997: 31).
Segundo Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios – IBGE, realizada
sobre a temática família e sua configuração na década de 90, esta apresenta
mudanças que se expressam no processo de modernização da sociedade,
demonstrando uma nova expressão demográfica na organização das famílias
brasileiras. A pesquisa mostrou um novo padrão, com a redução da taxa de
fecundidade das mulheres, em comparação aos anos 60, cuja média era de 6,3
filhos, e em 1990, o número de filhos reduziu a 2,5, comprovando as denúncias
realizadas pelo movimento feminista em relação às práticas de esterilizações e
distribuição indiscriminada de pílulas anticoncepcionais. (PNAD-IBGE, in: Mioto,
1997).
Estado Civil
6%
55%
39%
Estado civil casada
Estado civil Solteira
Estado civil vivemaritalmente
47
Essa tendência é um predomínio que se registra também nos dias atuais, o
núcleo familiar tende a uma diminuição em relação ao número de filhos. Em
comparação ao gráfico exposto abaixo, podemos analisar que mais da metade da
composição familiar tem entre 1 a 2 filhos em média, evidenciando o crescimento
proporcional das famílias com menor número de crianças.
Gráfico 2
A família tem muita importância na sociedade, pois é nela que se formam os
laços afetivos, emocionais. É também na família que se reproduz valores morais,
culturais, entre outras construções que se desenvolvem no espaço familiar.
Entretanto, uma grande parcela da família brasileira, constrói seus laços de forma
fragmentada e enfraquecida, pelo fato de muitas vezes não conseguir manter-se em
condições saudáveis para a sua sobrevivência, sendo violado os seus direitos a
alimentação, saúde, saneamento básico, habitação, trabalho, renda, e tantos outros
direitos sociais.
No entanto, apesar dessa desagregação, a família está presente e constitui
um espaço privilegiado de socialização de seus membros. É na família que se
dividem as responsabilidades coletivas, viabilizando estratégias para a sua
sobrevivência.
Composição Familiar
72%
28% composição familiarnúmero de filhos entre 1-2
composição familiarnúmero de filhos entre 3-4
48
Para Kaloustian,
“A família é o espaço indispensável para a garantia da
sobrevivência de desenvolvimento e da proteção integral dos filhos
e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da
forma como vem se estruturando”. (Kaloustiam, 2002: 11).
Esse fato pode também ser observado no gráfico 3, onde independente da
configuração do grupo familiar, não importando se a família se configura de forma
nuclear, extensa ou monoparental, a família se apresenta como um espaço
indispensável para o exercício da sua cidadania de forma a dar subsídios aos seus
componentes, desempenhando papel importante na sua formação.
Gráfico 3
Percebe-se, no gráfico a seguir, a continuidade dessa proteção autônoma das
famílias em relação aos filhos das mulheres atendidas na instituição, independente
Apoio Familiar
67%
33% Apoio familiar recebem
Apoio familiar nãorecebem
49
de sua estrutura e formação familiar, evidencia ser na família o lugar inicial para
propiciar os aportes afetivos e, sobretudo para os bens materiais necessários ao
desenvolvimento e de bem estar de seus membros.
Gráfico 4
Contudo, apesar de a família estar sendo sobrecarregada com os cuidados do
núcleo familiar, a nossa Política Pública de Assistência Social nos garante que “(...) a
proteção social deve garantir as seguintes seguranças: segurança de sobrevivência, de
rendimento e de autonomia; de acolhida; de convívio ou vivência familiar”. (Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2004:31).
Por um lado, no gráfico a seguir, podemos observar, uma redução no
percentual de “filhos de pais diferentes”, caracterizando um tipo de família
denominada recompostas, quando se torna evidente a condição de pais, por
separações ou divorciados. Segundo Dejours (1992: 28), ”os casais são
frequentemente separados, e a estrutura familiar é, as vezes, quebrada”. Por outro lado,
nessa comparação consta ainda um percentual importante de filhos do mesmo
casal.
Supervisão da Prole
40%
36%
24%
Supervisão da Prolecompanheiro
Supervisão da Prole mãe
Supervisão da Proleoutros familiares,incluindo irmão, tias esogra
50
Gráfico 5
De acordo com Yasbek, para o enfrentamento de determinadas expressões
da questão social, constata-se como uma das alternativas do Estado a
responsabilização da família por seus membros, que é uma das estratégias dos
governos para reduzirem sua intervenção no campo social. Contudo, esse fato leva
às famílias a assumirem responsabilidades cada vez mais complexas. (In Gueiros,
2002).
Gueiros (op.cit) ressalta a situação em que vive a população brasileira, em
especial as das camadas mais pauperizadas, que vivem desprotegidas, sem
vínculos empregatícios, morando em habitação pequena, com condições mínimas
de sobrevivência, e sem nenhuma proteção social, classificando essa situação como
“desproteção social”.
A Constituição Federal de 1988 reafirma, no artigo 226, “a família, como base
da sociedade, tendo especial proteção do Estado”. Contudo, ao analisar o gráfico 6
este apresenta a frágil inserção das mulheres em programas de Proteção Social,
demonstrando certa ausência de suporte por parte da esfera pública, visto que 67%
das famílias não estão inseridas em nenhum programa governamental.
Filhos de Pais Diferentes
30%
70%
Filhos de pais diferentessim
Filhos de pais diferentesnão
51
Percebe-se neste gráfico que a mulher pertence a uma família desassistida
pela política oficial do governo e, quando esta assistência existe, é implementada de
forma inadequada, pois não corresponde a real necessidade e demanda, não
possibilitando ao grupo familiar garantir a proteção de seus membros de forma
“integral”.
Gráfico 6
As políticas estabelecidas pelo governo são de cunho focalista, como as
destinados ao idoso, mulheres, outras para criança e adolescente etc. A falta de
comparecimento do poder público em viabilizar políticas públicas de proteção social
para as famílias mais pobres, não atendendo à família em sua totalidade e
especificidade, leva a família se reorganizar, mas que, por si só, não vem
conseguindo dispor dos mínimos sociais para assegurar a proteção integral de seus
membros.17 Cabe ressaltar a necessidade de programas sociais que permitam a
inserção das famílias de forma a exercerem a sua plena cidadania, com o acesso à
educação, saúde e ao trabalho, atribuindo os seus direitos e deveres.
17 A Política Pública de Assistência Social, em seu texto, nos informa que esta política “marca sua especificidade no campo das políticas sociais, pois suas responsabilidades são configuradas com as do Estado, próprias a serem asseguradas aos cidadãos brasileiros. Esta é marcada pelo caráter civilizatório presente na consagração de direitos sociais”. (op. cit.: 32).
Programa Governamental
33%
67%
Programa governamentalinserido sim
Programa governamentalnão inserido
52
Demonstrando a composição das famílias e as necessidades específicas
relacionadas à geração ou a membros necessidades especiais, a pesquisa identifica
20 famílias compostas com crianças; 7 famílias com adolescentes; 1 família com
idoso (considerado acima de 60); e 3 famílias com membros portadores de
deficiência física e/ou crônica. É importante observar que esses dados não são
excludentes, ou seja, há famílias compostas por crianças e adolescentes ou outras
combinações.
Quanto ao perfil das mulheres entrevistadas, observa-se abaixo que o grande
contingente atingido pelos fatores sociais, econômicos e culturais, presentes na
situação de abortamento, compreende a faixa etária entre 23 e 27 anos,
apresentando a prevalência de mulheres em idade fértil.
Gráfico 7
Em relação às mulheres entrevistadas, a maioria se declarou de cor parda,
Percebemos que ao realizar a pergunta sobre a raça, muitas mulheres pareciam
estar constrangidas, pois não mais direcionavam o olhar para o pesquisador. Essa
reação das mulheres aponta para a hipótese de que pode haver um sentimento de
Faixa Etária
3%
27%
41%
23%
3% 3% Faixa Etária 15-17
Faixa Etária 18-22
Faixa Etária 23-27
Faixa Etária 28-32
Faixa Etária 33-38
Faixa Etária maior 39
53
vergonha por serem de etnia negra, talvez pela própria vivência do preconceito
ainda existente em nossa sociedade.
Gráfico 8
3.2 - Trabalho e renda
Para Gallo, (1997: 44), “o trabalho constitui uma dimensão essencialmente
humana e primordial para o homem”, sendo esta uma das principais características que
diferencia o homem de outros animais. Foi pelo trabalho que o homem se afastou do
mundo natural, e se constituiu culturalmente, produzindo bens essenciais para o
nosso consumo.
O trabalho pode ser muitas vezes a realização de uma pessoa, para se
adquirir a cidadania e a dignidade de poder garantir os mínimos sociais como
habitação, lazer, saúde, educação, entre outros. A realidade que é posta hoje difere
do que está garantido nos direitos sociais do artigo 6º de nossa Carta Magna - 1988.
Como analisa Antunes (2000), observaram-se no mundo do trabalho três
momentos: constatou-se uma desproletarização do trabalho, ocorrendo uma
Etnia
63%17%
20%
Etnia parda
Etnia negra
Etnia branca
54
diminuição do trabalho formal; em contraposição, verificou-se um crescimento do
trabalho assalariado, no setor de serviços, empregando um maior contingente de
mulheres, denominado pelo autor como heterogeneização do trabalho; mas tanto
nas outras áreas quanto no setor de serviços ocorre a subproletarização, tornando-
se intenso o trabalho parcial, temporário, precário, terceirizado etc.
Segundo Antunes (op. cit: 53),
“Essa mudança na estrutura produtiva e no mercado de
trabalho possibilitou também a incorporação e o aumento da
exploração da força de trabalho das mulheres em ocupações de
tempo parcial, em trabalhos domésticos (...)”.
Ou seja, a incorporação do trabalho feminino evidencia que essas mulheres,
além de exploradas, em empregos precarizados e de baixa remuneração, não têm
garantida a Proteção Social por meio da Previdência Social, conforme demonstra o
gráfico 9.
Gráfico 9
Trabalho
20%
27%53%
Trabalho Formal
Trabalho Informal
Trabalho Não trabalham
55
Em relação às mulheres entrevistadas, 53% declararam não estar praticando
nenhum tipo de trabalho remunerado, e 27% das mulheres se dedicam a atividades
diversas como cabeleireira, doméstica, atendente, vendedora, camelô, diarista,
acompanhante e manicura, atividades estas que podem levar as mulheres ao
subemprego.
A precarização do trabalho e o desemprego expõem esses grupos a uma
vulnerabilidade social. Para Castel, “(...) a vulnerabilidade social é uma zona
intermediária instável que conjuga a precariedade do trabalho”. (Castel, in:
http://www.cavanis.org.br/dow/geral/historico_social.pdf. Acesso em: 26 de junho de
2009).
Do ponto de vista econômico, podemos observar a renda familiar proporcional
das famílias somando 10% com um percentual de até um salário mínimo, e 40%
desses membros recebem em torno de 1 salário mínimo e meio, e os outros 50%
disseram não saber ou não gostariam de tratar sobre o assunto.
Gráfico 10
Renda Familiar
10%
40%
50%
Renda familiar Até 1salário mínimo
Renda familiar Acima de1 salário mínimo
Renda familiar nãoinformado
56
No gráfico 11 observamos que 47% das mulheres entrevistadas possuem o
ensino médio completo, apontando para o fato de para a grande maioria dessas
mulheres o ensino médio não ser suficiente para garantir condições melhores de
vida e nem mesmo para se conseguir um trabalho no mercado formal. Contudo,
evidentemente ao fazer relação com os outros três grupos entrevistados
percebemos que as mulheres com escolaridade de ensino fundamental completo,
fundamental incompleto, e ensino médio incompleto, possuem mais dificuldades em
garantir os mínimos sociais.
Gráfico 11
3.3 - Condição de Moradia
No Brasil, o padrão demográfico passou por um processo de urbanização que
deixou traços marcantes na configuração estrutural de algumas cidades e na vida da
sociedade brasileira. Segundo estudo realizado por Vainer e Smolka (In: Piquet e
Ribeiro, 1991), podemos observar alguns indicadores nessa transição demográfica
que permitem compreender a magnitude desse fenômeno, com o aumento da
expectativa de vida de 43 para 60 anos, no ano de 1940 e 1980; e a taxa de
Escolaridade
10%
30%
47%
13%Escolaridade EnsinoFundamental Completo
Escolaridade EnsinoFundamental Incompleto
Escolaridade EnsinoMédio Completo
Escolaridade EnsinoMédio Incompleto
57
fecundidade diminuiu de 6,6 para 4,35, como já mencionado no texto; ocorrendo no
mesmo período o índice de urbanização se elevou passando de 1/3 para 2/3 da
população; na década de 80 as áreas metropolitanas concentravam 29% e 43% das
populações total e urbana; sendo analisado também pelos pesquisadores o
percentual das atividades realizadas pelas mulheres que alcançou 27% da
População Economicamente Ativa (PEA), entre 1950 e 1980.
O processo de urbanização no país estabeleceu notáveis desigualdades
sociais, que atingiram, principalmente, o enorme contingente da população menos
favorecida. A concentração da renda, a miséria, e o aumento das favelas, e de
doenças infectocontagiosas tornaram ainda mais dramático o período de
modernização, este não introduziu ao mercado parcelas expressivas da população,
aumentando a massa de pessoas que vivem sem as mínimas condições de vida.
Contudo, apesar de o gráfico 12 apresentar que um grande percentual das
mulheres entrevistadas reside em moradias próprias, a vivência da pesquisadora,
associada às informações das entrevistadas também pode apontar que, em sua
maioria, essas casas são de estrutura imprópria para o convívio, com cômodos
extremamente pequenos, e até mesmo com cozinhas e banheiros externos a casa, e
muitas vezes em construção, com infiltrações e sem janelas; demonstrando as
condições precárias de sobrevivência dessas mulheres e de seu núcleo familiar.
Gráfico 12
Condição de Habitação
67%
33%
Moradia própria
Moradia alugada
58
A maior parte das mulheres do grupo investigado reside nos bairros do
município do Rio de Janeiro, na região metropolitana.
Gráfico 13
Esse dado também pode ser justificado pela localização da unidade de saúde
e pela facilidade de seu acesso devido as grandes rodovias que a circundam, como
a Avenida Brasil e a Linha Vermelha.
3.4 - Saúde e Autocuidado
A saúde obteve um grande avanço no sentido da real compreensão do ser
humano quando deixou de ser percebida tão somente como a ausência de sintomas
desagradáveis e passou a ser entendida como o resultado das condições materiais
de vida das pessoas.
Ao tornar-se uma prioridade do Estado, a saúde da mulher passou a ser
garantida através dos direitos reprodutivos e a ser implementadas pelas políticas de
planejamento familiar.
Município
76%
7%
7%
3% 7%Município Rio de Janeiro
Município São João deMeriti
Município Nova Iguaçu
Município Belford Roxo
Município Não informado
59
Podemos perceber, no gráfico abaixo, um alto índice de exames
ginecológicos preventivos, realizados pelas mulheres. Nas entrevistas constatou-se
que as últimas consultas antes da gestação foram no período de abril de 2008 a
janeiro de 2009, conforme demonstra o gráfico.
Gráfico 14
No gráfico 15, evidencia-se uma porcentagem elevada de mulheres que
sofrem com sintomas em relação a sua saúde, e dentre as suas queixas mais
frequentes, as mulheres informaram sentir dor de cabeça, ansiedade, cansaço e
nervosismo.
Ao se falar da doença e do seu sofrimento uma parcela dessas mulheres
“nega” que esteja sentindo algum indício, e logo surge um sinal de “reticência”, como
se estar doente fosse um momento de vergonha e de justificativas, quando se é
mulher não se pode permitir cuidar de sua própria saúde, por causa de sua prole.
Dejours (op. cit.: 30), analisa que “(...) não se trata de evitar a doença, o problema é
domesticá-la, contê-la, controlá-la, viver com ela”. Para não somente se fazer calar os
sintomas, mas para que a doença não afete também o seu ato de laborar.
Habito de fazer o exame preventivo
73%
27%
Habito de fazerpreventivos sim
Habito de fazerpreventivos não
60
Gráfico 15
Em sua maioria, as mulheres não tratam tais sintomas com acompanhamento
profissional, como demonstra o nosso estudo no gráfico 16. Segundo as mulheres,
elas fazem o uso de automedicação, tais como: Dipirona, Novalgina, Paracetamol,
dentre outras medicações informadas.
Gráfico 16
Queixas em relação a saúde
83%
17%
Queixas de saúde sim
Queixas de saúde não
Acompanhamento Profissional
23%
77%
realizaacompanhamentoprofissional- sim
realizaacompanhamentoprofissional- não
61
Para Dejours,
“Para que uma doença seja reconhecida, para que se resigne a
consultar um médico, para que se aceite ir ao hospital, é preciso
que a doença tenha atingido uma gravidade tal que ela impeça a
continuidade seja das atividades domésticas e familiares, no caso
das mulheres”. (idem: 30).
Para um quantitativo de mulheres, quando se percebe vivenciando um
momento de doença, não somente torna-se inviável a continuidade de suas
atividades em seus lares, bem como ameaça à proteção do seu núcleo familiar, e
também as suas atividades profissionais. Muitas mulheres se recusam a realizar um
acompanhamento médico, pelo fato também de ter medo do que possa ser
descoberto ao passar por uma consulta médica. Evidencia-se certo receio que ao
faltar o seu trabalho possam perder a sua oportunidade de emprego. (Dejours,
ibidem).
3.4.1 - Gravidez, pré-natal e aborto
Com a pesquisa pode ser analisado se a última gestação dessas mulheres foi
planejada ou não. O estudo apresenta um total de 90% de mulheres com gravidez
não planejadas e, apesar de 10% das mulheres terem informado o desejo a
gestação, não ficou claro acerca de seu planejamento.
Os métodos contraceptivos utilizados e informados pelas mulheres são: o
hormonal injetável, e o hormonal oral, o método de barreira, o método de billings e a
pílula do dia seguinte. O estudo apresentou também que um percentual de 47% das
mulheres não faz uso de nenhum contraceptivo.
A pesquisa apresenta 67% do total das mulheres entrevistadas com gravidez
anterior com a realização de pré-natal. Com relação aos outros 33%, tratava-se de
uma primeira gestação.
62
Ao serem perguntadas sobre quando ocorreu a identificação da gravidez, um
índice de 47% respondeu não saber da gestação e 53% disseram ter identificado,
mas segundo as justificativas das entrevistadas, “não consegui marcar uma
consulta pré- natal”; “não fui ao médico, pois não conseguia a liberação no
trabalho”; “iniciei o acompanhamento pré-natal em clínicas particulares”; “iniciei o
pré-natal no serviço de saúde pública, aproximadamente com 22 semanas, quando
me senti mal e sofri o aborto”.
Quando foram investigadas as informações que se referiam ao processo de
abortamento, 77% informaram estarem passando pelo primeiro procedimento de
aborto.
63
CONCLUSÃO
Ao analisar os dados expostos percebi a necessidade de uma rede de
proteção mais ampla, não apenas para as mulheres inseridas em nossa pesquisa e
sua família, mas para todas as mulheres das classes populares. Entendo que a
proteção social viabilizadas pelas políticas governamentais muitas vezes é aplicada
de forma inadequada às verdadeiras demandas apresentadas, não atendendo as
famílias em suas especificidades e necessidades.
No Brasil, com o final da década 1980 e início de 1990, passamos a viver
políticas adotas de cunho neoliberal, com o enfraquecimento do Estado em relação
aos gastos sociais. Ao mesmo tempo, verificou-se o crescimento das desigualdades
sociais, atingindo principalmente as parcelas mais empobrecidas e excluindo essas
camadas de viver dignamente dispondo dos bens apontados como direito: a
educação, a saúde, o trabalho, a habitação, o lazer, a segurança, e a previdência
social.
Os programas que visavam à execução da Política de Saúde da Mulher
estavam direcionados para problemas decorrentes da gestação e do parto. Com o
movimento de representantes feministas, teve a elaboração do Programa de
Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Este programa aborda a saúde da
mulher em suas especificidades, pois antes de sua implementação a mulher ficava
sem assistência a sua saúde, esse quadro se alterava apenas nos casos em que as
mulheres se encontravam no período gravídicopuerperal.
Tendo participação em todas as Conferências o Brasil teve a sua política de
saúde da mulher redefinida pela Conferência realizada no Cairo. Contudo, o
entendimento de Saúde Reprodutiva continua sendo um grande desafio para os
nossos governantes realizarem a sua implantação, avaliação e o acompanhamento
dessas políticas públicas, apesar de todas as estratégias de governo, apresenta-se
no nosso país um quadro elevado de mortes maternas.
O aborto é considerado como um dos fenômenos que mais contribui para a
morte materna e, por isso, vem sendo investigado por estudos acadêmicos. No
nosso país o índice de abortamento é preocupante e a sua prática se constitui em
64
crime, salvo nos casos de aborto necessário e de aborto no caso de gravidez
resultante de estupro, podendo ser realizado por vias legais. Atualmente a
criminalização do aborto é uma das maiores polêmica enfrentada pela sociedade
brasileira, evidenciando a complexidade do problema.
A prática do aborto inseguro evidencia as diferenças sociais, econômicas e
culturais das relações estabelecidas na sociedade brasileira.
Há necessidade de mais conhecimento em relação ao tema, principalmente,
por ser a prática de aborto uma problemática que atinge as camadas mais
pauperizadas, tornando-se importante à continuação de discussões em favor desse
fenômeno, assim viabilizando alternativas políticas para o planejamento familiar
garantindo os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Percebeu-se que as mulheres protagonistas dessa história constituem uma
porcentagem importante de um novo modelo de famílias chefiadas por mulheres,
intitulada de famílias monoparentais. Sendo uma tendência à diminuição em relação
ao número de filhos.
Ao analisar como se estrutura a rede de apoio familiar e institucional
constatou-se também um predomínio das mulheres que tem a família como uma
instituição indispensável para o seu desenvolvimento. Assim, ao investigar a
inserção dessas mulheres em programas de assistência do governo, nota-se, um
índice alto de famílias que não estão sendo assistidas pela política pública
governamental. Visto que a renda familiar gira em torno de 1 salário mínimo e meio,
a situação econômica vivida por essa parcela da sociedade é constituída de forma
precarizada não obtendo nem mesmo a Proteção Social, expondo essas mulheres e
o seu núcleo familiar a uma vulnerabilidade social.
O estudo também pode demonstrar a precariedade em relação à habitação
das mulheres entrevistadas, evidenciando a falta de condições mínimas de
sobrevivência.
A família demanda políticas e programas próprios que dêem conta de suas
especificidades. As dificuldades sociais, econômicas e culturais enfrentadas por
65
essa parcela da sociedade devem ser defrontadas com políticas sociais básicas, de
cunho não focalista, e sim integradas e direcionadas à totalidade da família, pois
esta vive um processo de continuas mudanças. Com todas as manifestações da
Questão Social, torna-se inevitável a inclusão das famílias em Políticas Sociais, que
lhe permitam uma inserção Social e de Cidadania.
Nesse sentido, pode-se dizer que o momento que estamos vivendo hoje
regride as conquistas adquiridas no Capítulo II, artigo 6 da Constituição de 1988,
com a relação de um Estado máximo para o capital e mínimo para o trabalhador.
Precisamos de maior democratização e avanços para todas as políticas públicas,
gerando um Estado de Proteção Social na sua amplitude, para tornar realidade o
sonho de uma Saúde Universal, uma Assistência e Previdência integradora, a favor
de um País Justo e Igualitário.
66
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