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i CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO MARCO ANTONIO LORGA ASPECTOS DA FUNÇÃO SOCIAL NO ÂMBITO JURÍDICO CONSTITUCIONAL DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NO BRASIL CURITIBA 2014

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Page 1: CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS … · Empresarial e Cidadania, na linha de pesquisa Atividade Empresarial e Constituição: Inclusão e Sustentabilidade. Minha eterna

i

CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO

MARCO ANTONIO LORGA

ASPECTOS DA FUNÇÃO SOCIAL NO ÂMBITO JURÍDICO CONSTITUCIONAL

DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NO BRASIL

CURITIBA

2014

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ii

MARCO ANTONIO LORGA

ASPECTOS DA FUNÇÃO SOCIAL NO ÂMBITO JURÍDICO CONSTITUCIONAL

DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NO BRASIL

Dissertação apresentada como requisito à

obtenção de grau mestre no Programa de

Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do

Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA.

Orientador: Prof. Paulo Ricardo Opuszka, Dr.

CURITIBA

2014

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MARCO ANTONIO LORGA

ASPECTOS DA FUNÇÃO SOCIAL NO ÂMBITO JURÍDICO CONSTITUCIONAL

DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE NO BRASIL

Dissertação apresentada como requisito à obtenção de grau mestre no Programa

de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba

– UNICURITIBA, pela seguinte banca examinadora:

Orientador: Prof. Dr. Paulo Ricardo Opuszka UNICURITIBA - Centro Universitário Curitiba Prof. Dr. Luiz Eduardo Gunther UNICURITIBA - Centro Universitário Curitiba Prof. Dr. Antoninho Caron UNIFAE – Centro Universitário Franciscano

Curitiba, 04 de Abril de 2014.

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iv

À Poliana, minha esposa, pelo nosso Amor.

À Yasmin e Ana Carolina, minhas filhas, frutos desse Amor.

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v

AGRADECIMENTOS

Este estudo somente foi possível pela contribuição significativa, direta ou

indireta, de pessoas iluminadas pelo saber e de instituições que ao longo da

realização do meu mestrado, apoiaram todo o percurso, com vista ao objetivo: a

conclusão.

A UNICURITIBA – Centro Universitário de Curitiba e a FAPEMAT –

Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de Mato Grosso criaram condições

acadêmica e econômica para o desenvolvimento do conhecimento, gerando a

oportunidade da minha participação no programa de Mestrado em Direito

Empresarial e Cidadania, na linha de pesquisa Atividade Empresarial e

Constituição: Inclusão e Sustentabilidade.

Minha eterna gratidão ao corpo de professores do Mestrado da

UNICURITIBA, que não mediram esforços e dedicação para tornarem possível a

realização desse sonho e a construção do meu conhecimento. Faço questão de

citá-los nominalmente: Prof. Dr. Daniel Ferreira, Prof. Dr. Demetrius Nichele

Macei, Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat, Prof. Dr. Fábio André Guaragni, Prof. Dr.

Fenando Gustavo Knoerr, Prof. Dr. Francisco Cardozo Oliveira, Prof. José

Edmilson de Souza Lima, Prof. Dr. Luiz Eduardo Gunther, Prof. Dr. Marcos Alves

da Silva, Prof. Dr. Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini, Prof. Dr. Miguel

Kfouri Neto, Prof. Dra. Sandra Mara Maciel de Lima, Prof. Dr. Sandro Mansur

Gibran e Prof. Dra. Elizabeth Acciolly Rodrigues da Costa.

Em especial, à Coordenadora do Programa de Mestrado, Professora

Doutora Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr, e ao meu orientador, Professor Doutor

Paulo Ricardo Opuszka, que merecem minha admiração e consideração, por

ultrapassarem, em muito, o simples relacionamento de acadêmico, chegando aos

patamares da amizade fraternal.

A todos os meus colegas do Curso de Mestrado, heróis da resistência, pela

alegria, motivação, fraternidade e solidariedade, que permitiram inesquecíveis

momentos de trocas de experiências, conhecimento e aprendizado.

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vi

"Acreditamos saber que existe uma saída, mas não

sabemos onde está. Não havendo ninguém do lado de

fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la por

nós mesmos. O que o labirinto ensina não é onde está

a saída, mas quais são os caminhos que não levam a

lugar algum".

Norberto Bobbio

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“[...] surge outra reflexão, corroborada a do poeta:

nosso assombro reflete-se naquilo que não

compreendemos. E o que se desconhece gera mistério,

o medo e o medo, a humildade. E a humildade nos faz

pensar em nossa condição, que solidariza todos os que

habitam sob o ilimitado espaço entre o infinito e a

Terra: nosso limite. Mas se o medo, o mistério, a

humanidade, o ilimitado, nos gera o limite, a impotência

diante do que se desconhece também gera a

esperança. E a esperança nos faz voltar, todos os dias,

e tentar outra vez.”

Paulo Ricado Opuszka

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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS................................................................................................................................................................ ix

LISTA DE QUADROS........................................................................................................................................................... xi

LISTA DE GRÁFICOS.......................................................................................................................................................... xii

LISTA DE FIGURAS............................................................................................................................................................. xiii

RESUMO............................................................................................................................................................................... xiv

ABSTRACT........................................................................................................................................................................... xv

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................................................... 16

Capítulo I – ASPECTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DESENVOLVIDAS PELO ESTADO.............................................. 27

Seção I - VERTENTES HISTÓRICAS................................................................................................................................... 27

Seção II - ORDEM ECONOMICA BRASILEIRA E A CRISE ECONÔMICA MUNDIAL 2008-2009...................................... 40

Capítulo II – ASPECTO DA ATIVIDADE DE FOMENTO DO ESTADO.............................................................................. 69

Seção I – FUNÇÃO SOCIAL, RESPONSABILIDADE SOCIAL E FILANTROPIA DA EMPRESA........................................ 69

Seção II - O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O LIMITE À ATIVIDADE DE FOMENTO........................................................ 86

Capitulo III – ASPECTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOCIAIS DO EMPRESÁRIO........................................... 107

Seção I - A DIGNIDADADE DA PESSOA HUMANA DO EMPRESÁRIO DA MPE ............................................................. 107

Seção II – MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL: SUA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA................................................. 123

Capitulo IV – ASPECTO DOS DIREITOS À ATIVIDADE ECONÔMICA FAVORECIDA E DIFERENCIADA.................... 139

Seção I – ORDENAMENTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL: ESTRUTURA, VALORES E PRINCÍPIOS........................... 139

Seção II – O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O TRATAMENTO DIFERENCIADO................................ 144

CONCLUSÃO....................................................................................................................................................................... 154

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................................................... 166

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LISTA DE SIGLAS

A.P.L. - Arranjos Produtivos Locais

ABDI - Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CC – Código Civil

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CF – Constituição Federal

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNDI - Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial

CODEFAT – Conselho Deliberativo do Fundo de Assistência ao Trabalho

CREDIAMIGO - Programa de Microcrédito Produtivo Orientado

FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador

FINAME - Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos

FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos

FNDCT - Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia

GTP-APL - Grupo de Trabalho Permanente dos Arranjos Produtivos Locais

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IEL – Instituto Evaldo Lodi

INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial

LC – Lei Complementar

MCTI - Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação

MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

MEI - Microempreendedor Individual

MPE – Micro e Pequena Empresa

MTE - Ministério de Trabalho e Emprego

ONG – Organização não Governamentais

OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

P&D – Pesquisa e desenvolvimento

PACTI – Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação

PCONE - Programa de Crédito Orientado aos Novos Empreendedores

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x

PDP - Política de Desenvolvimento Produtivo

PINTEC – Pesquisa de Inovação

PITCE – Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior

PNMPO – Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado

PRIME – Primeira Empresa Inovadora

PROGER – Programa de Geração de Emprego e Renda

RAIS - Relação Anual de Informações Sociais

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SIBRATEC – Sistema Brasileiro de Tecnologia

SMPE – Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República

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xi

LISTA DE QUADROS

1- Estrutura Produtiva, Número de Estabelecimentos por Tamanho,

Grandes Setores e Empregos Formas – 2010................................................. 28

2- Empresas que Introduziram Inovações por Tamanho, 1998-2008

(em percentuais)............................................................................................... 31

3- Desembolsos do BNDES por Tamanho de Empresa e Pessoas

Físicas............................................................................................................... 37

4- Empresas que Receberam Apoio Público para suas Atividades

Inovadoras, por tipo de programa, segundo faixa de pessoa

ocupada, 2006 a 2008...................................................................................... 44

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LISTA DE GRÁFICOS

1- Subvenção Econômica: Distribuição dos Números de Projetos Apoiados

por Tamanho de empresa, 2006-2009 (em percentuais)................................. 45

2- Volume de Crédito no Brasil, segundo fontes, Programas e Tamanho de

Empresa Beneficiada, Valores Correntes – Números Índice (2002 =100)........49

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LISTA DE FIGURAS

1- Armazém e Pequenos Vendedores (RUGENDAS, 1998) ................................19

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RESUMO

Este estudo pretende contribuir para a compreensão e o conhecimento do

importante papel funcional social, no âmbito jurídico constitucional da

Microempresa e Pequena Empresa, na sociedade brasileira. Identificou-se como

o problema central de nossa pesquisa: Quais os aspectos da função social, no

âmbito jurídico constitucional inerente às Microempresas e Empresas de Pequeno

Porte, na sociedade brasileira? Para atender ao objetivo geral traçado,

apresentaram-se os aspectos: das políticas públicas desenvolvidas pelo Estado,

da atividade de fomento do Estado, dos direitos fundamentais e sociais do

empresário, e do direito à atividade econômica favorecida e diferenciada. Investir

na microempresa e empresa de pequeno porte é gerar distribuição de riquezas,

disponibilizar postos de trabalho, melhorar a qualidade de vida das regiões que a

sediam, promover a sustentabilidade e inclusão social. Subsidiar o segmento é a

forma mais nítida de um Estado Democrático cumprir com a efetivação da função

social, em todas as suas dimensões. Se onde está nosso tesouro deve estar

nosso coração, a micro e pequena empresa brasileira, enquanto celeiro de

empreendedores e mola propulsora da economia e da sociedade, é com certeza,

nosso maior tesouro, e nela que deve estar nossa atenção e o nosso coração.

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ABSTRACT

This study aims to contribute to the understanding and knowledge of

important functional role in the social constitutional legal framework of Micro and

Small Enterprises in Brazilian society. It was identified as the central problem of

our research: What aspects of the social function inherent in the constitutional

legal framework the Micro and Small Enterprises in Brazilian society? To meet the

overall objective set presented aspects: public policies developed by the State, the

activity of promoting, the rule of fundamental and social rights of the entrepreneur,

and the right to favored and differentiated economic activity. Investing in

microenterprise and small business is to generate the distribution of wealth,

provide jobs, improve the quality of life of the headquarter regions, promote

sustainability and social inclusion. Subsidize the segment is the clearest form of a

democratic state meet effecting social function in all its dimensions. If our treasure

where our heart should be, the micro and small Brazilian company, while barn

entrepreneurs and driving force of the economy and society is, of course, our

greatest treasure, and it should be our attention and our hearts.

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INTRODUÇÃO

A importância de se identificar a funcionalidade da micro e pequena

empresa no Brasil, em seus aspectos sociais, econômicos e jurídicos, remete-nos

ao interesse do estudo proposto.

Um dos fatores que contribuíram para a escolha do tema foi a formação

acadêmica deste pesquisador, nos cursos de graduação em Direito e

Administração de Empresas e a experiência profissional, na área jurídica e

empresarial. Isso possibilitou uma pesquisa com uma visão multidisciplinar que o

tema proposto exige.

A pesquisa escolhida teve identidade com o tema geral do programa de

mestrado proposto, Direito Empresarial e Cidadania, e está desenvolvida na

segunda linha de pesquisa: ATIVIDADE EMPRESARIAL E CONSTITUIÇÃO:

Inclusão e Sustentabilidade.

Este estudo pretende contribuir para a compreensão e o conhecimento do

importante papel funcional e social, no âmbito jurídico-constitucional da

microempresa e Pequena Empresa, na sociedade brasileira, apresentando

aspectos como: das políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, da atividade de

fomento do Estado, dos direitos fundamentais e sociais do empresário, do direito

à atividade econômica favorecida e diferenciada.

O tema proposto, “Aspectos da Função Social no Âmbito Jurídico

Constitucional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte no Brasil”, irá

focar seu estudo no fenômeno da sustentabilidade e inclusão social, como modelo

de conduta, frente à sua contribuição, na atividade empresarial brasileira das

microempresas e Empresas de Pequeno Porte, com foco no Princípio

Constitucional Implícito da Função Social, previsto nos artigos 170, IX e 179 da

CF.

Identificou-se como o problema central de nossa pesquisa: quais os

aspectos da função social, no âmbito jurídico constitucional, inerente às

microempresas e Empresas de Pequeno Porte, na sociedade brasileira?

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A ideia de função, do latim fungere (desempenhar), associada à obra de

Émile Durkheim, tem um papel importantíssimo no Funcionalismo, modelando o

desenvolvimento de toda a Análise Funcional, sendo basicamente, enquanto

ramo das Ciências Sociais, o estudo das funções e suas consequências para a

sociedade como um todo. (MORRISON, 2006)

A ideia popular de função social tem relação com evento, ocasião,

obrigação e responsabilidade, não sendo esse o significado para nossa pesquisa.

No Conceito de Thomas Ford Hoult, entende-se por Função Social, como

“a contribuição que um fenômeno provê a um sistema maior do que aquele ao

qual o fenômeno faz parte.” (HOULT, 1969, p. 139). O termo que aqui se

apresenta sociologicamente exprime a ideia de sociedade, vista como um

organismo vivo, onde cada parte tem uma função.

A Análise Funcional pretendida na pesquisa buscará estudar as

contribuições feitas “para e pela” micro e pequena empresa, enquanto fenômeno

socioeconômico, com referência aos sistemas sociais e jurídicos, dos quais fazem

parte.

O objetivo geral desta pesquisa de dissertação é dar condições para a

compreensão dos aspectos do fenômeno da “função social”, frente à atividade

empresarial da microempresa e da empresa de pequeno porte brasileira, focado

nos princípios constitucionais, explícitos e implícitos na nossa Carta Magna.

Para alcançar o objetivo geral de nossa pesquisa, pretende-se conhecer

os aspectos funcionais e sociais, no âmbito jurídico constitucional inerente à

microempresa e empresa de pequeno porte, na sociedade brasileira, e, para que

esse seja devidamente alcançado, os seguintes objetivos específicos se fazem

necessários: descrever o processo histórico de formação da micro e pequena

empresa e da cultura empreendedora, na pequena empresa no Brasil; examinar

as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado; analisar a atividade de fomento

do Estado; identificar os direitos fundamentais e sociais do empresário da MPE e

demonstrar a efetividade do direito à atividade econômica favorecida e

diferenciada na estrutura de valores, princípios e normas do ordenamento jurídico

brasileiro.

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No Capítulo I – Aspecto das Políticas Públicas Desenvolvidas pelo

Estado, buscou-se, na primeira seção, descrever e trazer uma reflexão ao estudo

da gênese histórica da micro e pequena empresa, como poderoso instrumento

social do Estado, como também sobre o desenvolvimento da cultura

empreendedora da pequena empresa no Brasil. Na segunda seção, apresentou-

se uma visão ampla da micro e pequena empresa no Brasil, com dados

econômicos, as políticas públicas desenvolvidas e marco regulatório legal

atualmente no Brasil, com o lapso temporal do segundo mandato do presidente

Luís Inácio Lula da Silva (2007 a 2010) e o início da gestão da presidente Dilma

Rousseff, em 2011, e uma análise, ainda que superficial, dos mecanismos de

incentivos que potencializaram a estabilidade, durante o período da crise

financeira internacional de 2008 e 2009.

No Capítulo II – Aspecto da Atividade de Fomento do Estado, pretendeu-

-se, na primeira seção, desenvolver sobre a Teoria da Função Social da Empresa,

sua formação constitucional por meio do princípio constitucional da função social

da propriedade, a atividade empresarial e seu caráter finalístico de

complementariedade às garantias dos direitos fundamentais, a relação com o

Código Civil de 2002 e dos princípios do direito da propriedade. Ainda, analisou-

-se o conceito de Responsabilidade Social da Empresa, sua distinção com a

Função Social da Empresa e Filantropia Empresarial, demonstrando os limítrofes

entre esses institutos. Na segunda seção, analisou-se a importância econômica

do instituto do “fomento”, como instrumento de política pública do Estado, com

vista à igualdade entre os portes das empresas e de estímulo ao

empreendedorismo no Brasil, sendo necessário manter-se o foco da preocupação

na atividade estatal de fomento às micro e pequenas empresas, dando-se ênfase

à necessária observância do regime jurídico administrativo e a sua dimensão de

sujeição ao princípio da isonomia.

No Capítulo III – Aspecto dos Direitos Fundamentais e Sociais do

Empresário, analisou-se, na primeira seção, a aplicabilidade do princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana, na perspectiva do empresário da

MPE, no desenvolvimento da sua atividade empresarial. Na segunda seção,

buscou-se apresentar a estrutura do novo mercado de trabalho, descrevendo, de

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forma sucinta, as transformações do fenômeno da globalização, como se

desenvolveu o novo sistema de produção e a influência exercida, resultando no

surgimento do novo trabalho autônomo dependente. Estudou-se a dependência

econômica do “Microempreendedor Individual” em relação ao tomador de

serviços, o enfretamento que o Direito deve buscar para essa nova realidade que

se apresenta e o estudo da teoria da parassubordinação. E por derradeiro,

apresentou-se a teoria da parassubordinação no Brasil e a viabilidade da sua

aplicação, segundo os princípios constitucionais da Justiça Social, da Proteção ao

Trabalho e da Dignidade da Pessoa Humana.

No Capítulo IV – Aspecto do Direito à Atividade Econômica Favorecida e

Diferenciada, na primeira seção, buscou-se desenvolver a análise funcional da

estrutura, dos valores e dos princípios, no nosso ordenamento jurídico

constitucional. Na segunda seção, analisou-se o princípio constitucional tributário

da capacidade contributiva, como limitador de poder de tributar do Estado, cujo

dever de observação e efetividade é tanto do legislador como do aplicador da

norma tributária, e a sua relação com o princípio constitucional do tratamento

diferenciado, dispensado à micro e pequena empresa, como valores da liberdade

e igualdade, fixados na Constituição Federal.

Feito a sistematização de abordagem da nossa pesquisa, buscaram-se

quatro hipóteses de solução dos seguintes problemas: o aspecto das políticas

públicas desenvolvidas pelo Estado, através da atividade de fomento às micro e

pequenas empresas, que podem ser uma estratégia de promover a diminuição

dos efeitos da crise econômica e a possibilidade de retomada do crescimento; o

aspecto da atividade de fomento pelo Estado é discriminatória na sua essência,

mas não ofende ao princípio da isonomia quando oferecidas com a observância

de critérios objetivos, razoáveis e proporcionais aos motivos ensejadores; o

aspecto dos direitos fundamentais e sociais é aplicável ao empresário da micro e

pequena empresa, à medida que o valor social do trabalho e da livre iniciativa

coexistem com o princípio da dignidade da pessoa humana; e o aspecto do direito

à atividade econômica favorecida e diferenciada, que demonstram efetividade na

estrutura de valores, princípios e normas do ordenamento jurídico brasileiro.

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20

Para o desenvolvimento da pesquisa de dissertação, utilizou-se o método

de natureza exploratória, tendo por objetivo proporcionar a familiaridade com o

problema e torná-lo mais explícito, sendo possível, no futuro, a construção de

novas hipóteses.

Nesse sentido, assumiu-se a forma de pesquisa bibliográfica de

abordagem qualitativa, buscando, como fontes, livros de leitura corrente, como

obras literárias, doutrinárias e de divulgação, livros de referência informativa e

remissiva e publicações periódicas em revisas jurídicas especializadas, sempre

com foco no universo a ser estudado: as microempresas e empresas de pequeno

porte no Brasil. A coleta de dados foi através de levantamento bibliográfico, em

fontes como bibliotecas convencionais, em base de dados e com sistemas de

busca.

Utilizou-se na pesquisa o método epistêmico funcional e humanístico,

propostos por Norberto Bobbio e Boaventura de Sousa Santos. Analisou-se a

função das sanções positivas, desenvolvida por Norberto Bobbio, como método

indutivo do Estado para atingir seus objetivos sociais e da possível, ou não,

função social da micro e pequena empresa, na sociedade brasileira. Não se

deixou de considerar, também, o método epistêmico humanístico de Boaventura

de Sousa Santos para a pesquisa jurídica, pois se buscou uma nova concepção

de conhecimento jurídico mais humanizado, onde o senso comum é esclarecido e

a ciência deve ser prudente, para uma vida decente.

Antes de perscrutarmos sobre o tema principal de nossa dissertação, faz-

-se necessária a compreensão do que vem a ser a função social de uma

microempresa e empresa de pequeno porte, para delimitar e organizar o horizonte

do estudo, apresentando as teorias existentes e os seus enfoques.

Com o advento do Código Civil de 2002, arraigou-se a ideia de que a

empresa, além de visar ao lucro, possui eminente papel socioeconômico, frente à

sociedade.

A empresa, na concepção de Asquini (conceito poliédrico), ao ser

constituída, por meio do affectio societatis (elemento subjetivo), de forma

organizada (elemento funcional), em torno de um estabelecimento comercial

(elemento patrimonial), produzindo riquezas, gerando empregos, arrecadando

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tributos e movimentando a economia (compra e vende de bens e prestação de

serviços), cumpre o seu desiderato capitalista, qual seja, auferir o lucro.

(ASQUINI, 1996)

No entanto, o capital deve coexistir com o trabalho, e não com ele gerar

conflitos. Por isso, a microempresa e empresa de pequeno porte atingem sua

função social quando, além dos elementos empresariais, acima expostos, observa

os interesses da coletividade, tais como, a solidariedade (CF/88, art. 3°, inc. I), a

justiça social (CF/88, art. 170, caput), a livre iniciativa (CF/88, art. 170, caput e art.

1°, inc. IV), a busca do pleno emprego (CF/88, art. 170, inc. VIII), a redução das

desigualdades sociais (CF/88, art. 170, inc. VII), o valor social do trabalho (CF/88,

art. 1°, inc. IV), a dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1°, inc. III),

preservação do meio ambiente (CDC, art. 51, inc. XIV), dentre outros princípios

constitucionais.

Portanto, pode-se dizer que é legítimo o interesse individual do

empresário da MPE em auferir os lucros de sua atividade, desde que não

prejudique os interesses da coletividade, de forma a garantir a dignidade das

gerações futuras.

A função social da microempresa e empresa de pequeno porte, vale

ressaltar, não se limita ao exercício da atividade empresarial; muito pelo contrário,

ela se coaduna na busca do desenvolvimento social e econômico; por isso,

compreende-se que a empresa atua para atender não somente os interesses dos

sócios, mas também de toda a coletividade.

Por função, no direito, compreende-se por um poder de agir sobre a

esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio

titular, e nesse sentido, em se tratando de bens de produção, o poder-dever do

proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da

coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração

empresarial, em poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa para a

realização dos interesses coletivos. (COMPARATO, Função Social da

Propriedade dos Bens de Produção, 1986)

O empresário da MPE, ao possuir, produzir, agir, pensar, comercializar,

promover, movimentar, e todos os outros verbos que resultem em ação e

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transformação, produz, indiscutivelmente, resultados para si e para toda

sociedade. Ao empregar com dignidade, recolher tributos, comercializar produtos

e serviços com zelo, confiança e respeito ao meio ambiente e ao consumidor, a

micro e pequena empresa está cumprindo algumas das suas funções sociais.

A noção jurídica, então, é que a função social da micro e pequena

empresa é buscar a finalidade capitalista do lucro, porém, sem se esquecer das

responsabilidades que farão com que a sua existência resulte em

desenvolvimento social, cultural, econômico, ambiental e outros mais. O lucro é o

objetivo empresarial, mas nunca o fim em si mesmo, pois, para alcançá-lo, existe

a produção de diversos fatos jurídicos que se somam em benefício da sociedade

que a circunda.

Dessa análise do exposto até o momento, foi possível, previamente,

concluir que a microempresa e empresa de pequeno porte deve se atentar para

os resultados da sua atividade empresarial, e não só para o próprio interesse

capitalista, cumprindo, assim, a chamada função social. Porém, no que se refere

à microempresa e empresa de pequeno porte, quais seriam os aspectos dessa

sua função social?

Conforme se pretende demonstrar nesta pesquisa, preliminarmente, é

possível verificar que a função social é atributo imanente e intrínseco na

microempresa e empresa de pequeno porte, tendo em vista as especificidades do

segmento e o caráter social de suas atividades, principalmente quando se leva

em conta o município ou região em que estão suas sedes.

Contudo, a política econômica e de fomento adotada na atualidade,

voltada muito mais à macroeconomia, sufoca as microempresas e empresas de

pequeno porte que não têm outra solução senão o encerramento de suas

atividades, diante da descomunal concorrência com as grandes empresas. Assim

agindo, o Estado vai de encontro com a sua função administrativa de fomento ao

desenvolvimento (função promocional de Norberto Bobbio), que deveria ser

melhor observada, haja vista que constitui objetivo fundamental da República

Federativa do Brasil, conforme artigo 3º, inciso II, da C.F./88.

Nesse sentido, o Estado brasileiro vem, claramente, pautando uma

agenda na macroeconômica, que prioriza questões relacionadas às políticas fiscal

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e monetária, não deixando de manter sua importância para o nosso país, mas não

podem ser os únicos fatores determinantes para a retomada do crescimento de

longo prazo.

O Estado, ao não fomentar a microempresa e empresa de pequeno porte,

deixa-as à mercê da economia e da desproporcional concorrência dos

conglomerados, isso sem contar com a voracidade do Fisco, contribuindo para o

insucesso do segmento e, por conseguinte, descumprindo com os ditames da

Justiça Social, de observância obrigatória por um Estado Democrático, na defesa

dos direitos fundamentais dos cidadãos.

A microempresa e empresa de pequeno porte, como manifestação

econômica característica das classes econômicas menos favorecidas, adquire

importância ímpar, no atual cenário econômico, de modo que, ao fortalecer o

segmento, estar-se-ia alcançando o efetivo desenvolvimento socioeconômico.

Daí, a precípua importância do segmento, no desenvolvimento de regiões

menos desenvolvidas, principalmente quando se leva em conta que as

microempresas e empresas de pequeno porte são o destino de milhares de

recém-formados de nossas Universidades, bem como de outros que migram para

o segmento, por visualizar uma maior disponibilidade de riquezas e a

possibilidade de desenvolver o seu próprio negócio.

Em nosso país, as microempresas e empresas de pequeno porte também

são criadas por trabalhadores excluídos do mercado, que empreendem no

mercado de serviços e de produção artesanal, com pouca ou quase nenhuma

tecnologia e formalidade, nas atividades administrativas. Estes representam

pequenos capitais responsáveis pela colocação de considerável parcela da mão

de obra que poderiam ser em número bem maior, se o Estado brasileiro

efetivasse o que determina a Carta Magna, qual seja, o combate ao desemprego,

de tratamento diferenciado aos empregados de empresas de menor porte, com

normas trabalhistas mais simplificadas, sem que isso representasse a perdas dos

direitos socais dos trabalhadores que nelas laborassem.

Por tudo isso, é razoável, previamente, analisar-se que, a atividade de

fomento pelo Estado brasileiro à microempresa e empresa de pequeno porte é

um, se não o maior, dos fatores condicionantes ao processo de desenvolvimento

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do nosso país com um efeito eminentemente marcante, no processo de

desenvolvimento socioeconômico sustentável, nas regiões menos favorecidas e

de inclusão social.

Se não bastasse, o atributo empreendedor do empresário da MPE é

extraordinário, por demonstrar que, na atual "sociedade do conhecimento" na qual

se convive, tem a capacidade de reagir rapidamente, no contexto de mudanças

constantes, onde o fazer é sinônimo de aprender.

Dentre as contribuições trazidas pelas microempresas e empresas de

pequeno porte, o que vem a ressaltar ainda mais a importância do segmento, nas

regiões onde estão instaladas e, por conseguinte, a sua função social, é a

presença marcante que possui, em diferentes cadeias produtivas, na forma de

fornecedores terceirizados de grandes empreendimentos produtores de bens

intermediários e finais, além de atuar como fornecedores de pequenos lotes, em

nichos de mercado ou em mercados especializados.

O número de microempresas e empresas de pequeno porte está

diretamente relacionado ao desenvolvimento social e econômico de uma

comunidade, devendo existir um ambiente propício, não só de crescimento, como

também de desenvolvimento empreendedor.

Vale ressaltar, também, que as microempresas e empresas de pequeno

porte têm o fato de serem instrumentos da livre iniciativa e da democracia.

Qualquer cidadão, desde que em um ambiente socioeconômico favorável, pode

criar seu pequeno negócio e trabalhar para sua subsistência, consolidando,

assim, mais um dos elementos do princípio de uma Ordem Econômica Digna,

prevista no artigo 170, caput, da Constituição Federal.

Por tudo isso, é necessário que se mantenha, de maneira efetiva, um

tratamento diferenciado à micro e pequena empresa, com o objetivo não só de

lhes dar condições para competir no mercado, como também de garantir o

desenvolvimento socioeconômico regional, a inclusão social, cumprindo, assim,

da melhor maneira possível, a "Justiça Social", além do que, constitui direito e

garantia fundamental do empresário da MPE, delimitando, a atuação do Poder

Estatal.

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Todavia, não se deve esquecer de que, muito embora não contribuam

tanto para os cofres públicos, as microempresas e empresas de pequeno porte

possuem o afã de promover o desenvolvimento mais desconcentrado e equitativo,

nas regiões menos desenvolvidas, bem como, promover a sustentabilidade e

inclusão social.

Portanto, pode-se concluir que as microempresas e empresas de

pequeno porte servem de parâmetro para se aferir o desenvolvimento social e

econômico de uma comunidade, ressaltando ainda mais o seu papel na economia

e sociedade, fato que deve ser observado pelo Estado, na implementação de

suas políticas públicas, de forma a garantir o desenvolvimento socioeconômico

sustentável, sob pena de ofensa aos princípios fundamentais, sociais e

econômicos da Constituição Federal de 1988.

O atual tratamento jurídico diferenciado dispensado às microempresa e

empresa de pequeno porte não é capaz de alterar a realidade do segmento.

Essas vivem num mundo próprio, onde os empreendedores da pequena empresa

se apresentam, na maioria das vezes, como uma espécie "sui generis" de

trabalhador, ou seja, têm a necessidade de intervir, no processo produtivo, com

sua própria força de trabalho.

Tal fato, quando deparado com a atual e voraz conjuntura econômica, é

um fator negativo para esse segmento empresarial, além do que, contribui para a

formação de uma cultura empreendedora brasileira frontalmente incongruente

com a enorme gama de tributos e leis existentes hoje em dia, o que requer uma

constante atualização e estudo por parte dos empresários.

Em síntese, foi possível se verificar, como marco teórico da investigação

para essa pesquisa, que o constituinte inquinado pelos novos rumos trazidos por

nossa Constituição Cidadã, achou por bem garantir à microempresa e empresa

de pequeno porte em razão da relevância socioeconômica que apresentam, um

tratamento jurídico diferenciado, consignado sob duas formas: a primeira, como

norma-princípio disposta no artigo 170, inciso IX, da C.F./88 e a segunda, como

norma constitucional programática, disposta no artigo 179 da C.F./88; que as

microempresas e empresas de pequeno porte dependem desses discrímens

legais que lhes são concedidas, para terem condições de concorrer com as

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médias e grandes empresas, tendo o Estado, ciente de sua função administrativa

de fomento ao desenvolvimento e tendo em vista os ditames da Justiça Social e

os princípios norteadores da Ordem Econômica, a obrigação de lhes assegurar tal

tratamento; que o instituto do tratamento Jurídico Diferenciado pode ser incluído

dentre os direitos e garantias fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal,

de forma a delimitar a atuação do Poder Estatal; e que as políticas públicas

adotadas têm avançado, mas não na velocidade que exige a importância do

segmento empresarial das microempresas e empresas de pequeno porte, o que

é justificável, em parte, porque as grandes empresas são capazes de

proporcionar uma maior abertura econômica internacional para o Governo.

Nesse sentido, acredita-se que investir na microempresa e empresa de

pequeno porte é gerar distribuição de riquezas, disponibilizar postos de trabalho,

melhorar a qualidade de vida das regiões que a sediam, promover a

sustentabilidade e inclusão social. Subsidiar o segmento é a forma mais nítida de

um Estado Democrático cumprir com a efetivação da função social, em todas as

suas dimensões.

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Capítulo I

ASPECTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DESENVOLVIDAS PELO ESTADO

Seção I – Vertentes Históricas

As micro e pequenas empresas possuem um papel social, desde os

primórdios do capitalismo, quando mesmo ainda sem possuir a configuração

moderna que se conhece, já funcionavam de forma organizada, nas oficinas dos

artesãos, como instrumento de manutenção e sobrevivência das famílias e

daqueles que ali desempenhavam suas atividades. Atualmente, pode-se

identificar essa mesma ligação profunda com a Família, como meio de

subsistência, e porque não dizer, da busca pela sobrevivência com dignidade.

O núcleo central de qualquer Sociedade é reconhecidamente a Família e

é nela que um Estado constituído deve focar seus fundamentos, atenção, política,

objetivos e proteção. As micro e pequenas empresas possuem o papel

fundamental para a estabilidade social e econômica das Famílias em uma

Sociedade. Essas são instrumentos impulsionadores de desenvolvimento social,

da promoção da dignidade às pessoas, redução de desigualdades e fonte à busca

do pleno emprego.

Não foi por acaso que a nossa Carta Magna de 1988, ao estabelecer os

princípios gerais da atividade econômica, reconheceu, no seu artigo 170, inciso

IX, a necessidade de dar ao segmento um tratamento favorecido, que foi, sem

dúvida, um anseio da Sociedade Brasileira atendido pelo nosso Legislador

Constitucional em 1995, com a Emenda Constitucional nº6.

Porém, observa-se que esse anseio da Sociedade vem sendo atendido a

conta-gotas pelo Estado, havendo interpretações que o “tratamento favorecido”

exposto na Constituição Federal, como norma programática, é somente

organizacional e tributário, desejando-se de lado aspectos estruturantes,

funcionais e sociais das micro e pequenas empresas. Com certeza, a Sociedade

brasileira espera por muito mais.

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Em 2006, com a Lei Complementar nº 123, Estatuto Nacional da micro e

pequena empresa, houve um reconhecido avanço legislativo no tratamento a esse

segmento, porém muito longe de ser considerado um microssistema jurídico,

como reconhecidamente é o Código de Defesa do Consumidor, Consolidação das

Leis do Trabalho e o Estatuto da Criança e do Adolescente, no nosso

ordenamento jurídico, quanto ao tratamento dos hipossuficientes.

Cotidianamente, fala-se, nos meios de comunicação, com menção às

micros e Pequenas Empresas, sobre esse “Pequeno-Gigante” do capitalismo,

onde seus números impressionam, principalmente quando se trata de geração de

empregos, mas pouco se faz para efetivar a evolução desse sistema legislativo

que se apresenta.

Por certo, existem interesses políticos antagônicos ao estímulo do

segmento, por vários motivos, mas, primordialmente, concorrenciais das grandes

empresas, que não necessitam de nenhum estímulo ou favorecimento, e mesmo

assim, são as maiores beneficiadas, quando impõem sacrifícios à Sociedade, em

troca da instalação de suas plantas empresárias, em determinadas localidades do

país.

Não se pretende deixar aqui, de se reconhecer, também, a função social

que estas grandes empresas exercem, mas não se pode utilizar desse motivo

para arraigar mais lucros sobre o sacrifício social imposto, através de benefícios

fiscais e outras vantagens. A fatura que essas grandes empresas apresentam à

sociedade é infinitamente mais cara que os estímulos pretendidos pela Sociedade

às micro e pequenas empresas.

A função social que uma grande empresa apresenta à Sociedade tem

uma única via: a geração de postos de trabalho e arrecadação de tributos. As

micro e pequenas empresas possuem, na sua função social, outros aspectos de

caráter relevante, inerente somente a elas. Um aspecto inerente às micro e

pequenas empresas que podemos destacar e identificar é quando essas se

posicionam no polo passivo da sua relação com a Sociedade, funcionando como

instrumento fomentador de empregos e renda, para desenvolver a oportunidade

ao empreendedorismo, ao investimento, à inovação, à dignidade e à cidadania

das pessoas desempregadas e aos jovens empreendedores.

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Essa é a razão por que o Estado Democrático de Direito Brasileiro deve

reconhecer serem as micro e pequenas empresas instrumento social fundamental

para cumprir seu objetivo Constitucional de construir uma sociedade livre, justa e

solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, erradicando a pobreza e a

marginalização, através da redução das desigualdades sociais e regionais.

O objetivo, nesta seção, é descrever e trazer uma reflexão ao estudo da

gênese histórica das micro e pequenas empresas como poderoso instrumento

social do Estado e a sobre o desenvolvimento da cultura empreendedora da

pequena empresa no Brasil.

As micro e pequenas empresas não constituem um fenômeno novo no

mundo e menos ainda em nosso país; muito pelo contrário, sempre foram parte

fundamental e preponderante da atividade econômica do Estado. Porém, somente

há algumas poucas décadas, houve particular atenção das Nações pela

regulamentação específica destinada a promovê-la.

Pode-se dizer que a gênese das micro e pequenas empresas segue,

paralelamente, a evolução do sistema capitalista. Nos séculos XII e XIII,

desenvolveram-se, na Europa, cidades que possuíam nítido caráter econômico.

Nessas, as atividades eram representadas por pequenas oficinas, tratando-se de

pequenos produtores autônomos, que se organizavam, através do artesão que

trabalhava com seus familiares ou com um número reduzido de companheiros e

aprendizes, esses últimos considerados como pessoas da família.

Nesse ambiente, que tinha como base a instituição familiar todos viviam

dos rendimentos de seu trabalho, não havendo significativas diferenças sociais.

Havia uma escala hierárquica de desenvolvimento e aprendizagem. Os

aprendizes, após um período de prática e ensinamentos, eram promovidos a

companheiros, e esses, ao fim da aprendizagem, ascendiam à categoria de

mestres. Todos os rendimentos eram provenientes do próprio trabalho, com o

objetivo único de satisfazer as necessidades do agregado familiar. (AVELÃS

NUNES, Os Sistemas Econômicos - Gênese e Evolução do Capitalismo, 2009,

pp. 114 - 115)

Entretanto, na Europa do século XVI, alterava-se esta situação das

cidades e, consequentemente, dos artesãos. A abertura de pontes e estradas

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promovidas pelos reis para derrubada às últimas manifestações feudais

facilitaram as comunicações e o trânsito de pessoas, e, como consequência,

estabeleceu um distanciamento entre a zona de troca do mercado com os

consumidores. Como esses artesãos não tinham como vender suas mercadorias,

cada vez mais distantes dos mercados consumidores, passaram a fornecer seus

produtos a uma nova classe econômica, o comerciante, perdendo o controle do

produto do seu trabalho e não dispondo dos meios de produção, uma vez que

deixaram de conhecer o mercado e passaram a depender das matérias primas

fornecidas pelo comerciante ou patrão.

Talvez se possa considerar esta a primeira manifestação histórica da

hipossuficiência da micro e pequena empresa, em relação ao desenvolvimento de

um novo sistema social, que possuiu outros desdobramentos, no modo de

produção, como o surgimento das manufaturas, do trabalho assalariado, da

classe burguesa, a formação dos Estados modernos da Europa e o início das

viagens marítimas dos navegadores ao serviço de Portugal e da Espanha,

iniciadora do regime de exploração econômica dos territórios coloniais.

Para a compreensão do processo histórico desse segmento naquele

momento, é importante um corte metodológico, para a análise da transição da

formação do sistema jurídico pluralista para o monista, vigente até o século XIX,

pois nesse período, evidenciam-se as transformações sociais, culturais e políticas

por que passa a sociedade burguesa, seguidas das mudanças dos paradigmas

dominantes nas ciências e suas crises.

Na Europa, o pluralismo jurídico tem sua origem no Império Romano, uma

vez que esses não impuseram seu Direito às populações conquistadas,

permitindo, assim, certa liberdade para as jurisdições locais.

Os romanos utilizavam, além das fontes jurídicas provenientes do Estado,

também fontes do direito consuetudinário. Havia duas fontes jurídicas, no direito

romano: uma que representava o Direito elaborado pelo Estado, e outra que

representava o costume e a compreensão da população.

Na idade média, temos o fenômeno do pluralismo de jurisdições onde,

nenhum grupo detinha o controle sobre os aspectos da vida civil. Em Portugal,

nesse período histórico, podem-se identificar quatro sistemas jurídicos: (a)

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comunitário-concelhio, representado pelas comunidades camponesas que se

manteve nas zonas de fronteira, depois oficializado, fundiu-se com o segundo

sistema, (b) senhorial, que se originava do poder dos senhores sobre a sua casa,

que julgava vassalos e oficiais do senhor, (c) eclesiástico, que se forma no

momento histórico de ressurgimento do direito canônico, e (d) régio que julgava

dentro dos costumes, para eliminar os que não eram razoáveis.

A Igreja tem forte influência no sistema pluralista na Idade Média, já que

centralizava e sistematizava as informações acerca do conteúdo do Direito e do

conhecimento nas Universidades. Mesmo que o termo ius positivum surja nesse

período, o Direito Natural decorria de grande influência da Igreja, considerado

como proveniente da vontade divina extraída do Velho Testamento. (OPUSZKA,

2006, p. 9)

O Pensador Santo Tomás de Aquino, teólogo italiano da ordem

dominicana e jurista da Universidade de Sorbonne, busca unificar as

manifestações do Direito, sob a hegemonia da Igreja Católica.

“Em primeiro lugar, teoriza sobre as expressões do Direito existente, lex aeterna, lex naturalis, lex humana e lex divina. A segunda e a terceira correspondiam à distinção entre os direitos positivo e natural, sendo que a lex humana derivada da natural. Pela supremacia do poder da Igreja afirmava-se que o direito natural era emanado por algo ou alguém muito além dos homens: o próprio Deus.” (OPUSZKA, 2006, p. 10)

O monismo jurídico identifica-se no momento do Estado Absolutista

associado à doutrina jusnaturalista nos séculos XVI e XVII, onde os soberanos

fundavam-se na racionalidade de sua irrestrita dominação, sob a égide do Direito

Natural, subordinando a produção jurídica à tutela daquele que exercia o poder

político. Direito Natural Tomista: a razão de o soberano ser o único capaz de

entender os desígnios de Deus.

O auge da convergência entre o ordenamento jurídico e o poder estatal,

formando a transição do Estado de Natural para o Estado Civil, concretiza-se na

teoria de Hobbes, expressada na sua obra Leviatã.

Na concepção de Hobbes, o legislador era o único soberano e aquele que

produzia a lei. O Estado prescrevia e ordenava a observância de regras

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denominadas leis, sendo que o soberano era o único legislador e ninguém, além

dele, poderia revogá-las. As leis da natureza não eram leis, pois somente o

Estado podia efetivá-las em lei, que passavam a ser ordens do soberano e leis

civis, que obrigava os homens a obedecê-las. (HOBBES, 1979, pp. 161-164)

O Costume e a organização social que surgiram na Europa, a partir do

século XVII, com influência mundializada, traz, na sua concepção, a carga de

transformações profundas e marcantes, no âmbito do pensamento jurídico

ocidental.

Os fundamentos da hegemonia social burguesa têm suas bases

econômica, ideológica, política e filosófica institucionalizada por uma organização

estatal de poder, cuja racionalização se concentra no monopólio da soberania, na

centralização, na burocracia administrativa e na secularização. A Burguesia

necessitava de uma autoridade central forte que protegesse seus patrimônios e

favorecesse ao seu progresso material, privilegiando essa classe como

dominante. (WOLKMER, 1984, p. 89)

A Revolução Francesa materializa plenamente a concepção de Estado-

-Nação, enquanto expressão da burguesia capitalista. De acordo com esse

ideário, o verdadeiro sujeito de direito não é mais o soberano, mas a nação

soberana. Dessa nova concepção do monismo jurídico depreende-se o seu

segundo momento, que perpassa da Revolução Francesa até as principais

codificações do século XIX. Trata-se de um momento histórico de destaque, na

definição ideológica e política da classe da burguesa capitalista e a solidificação

da legalidade estatal no ocidente.

O monismo jurídico, nesse segundo momento, no final do século XIX, era

representado na Dogmática Jurídica pelo positivismo de Von Jhering, na Europa,

e pelo utilitarismo positivista de John Austin, na tradição do Common Law.

O terceiro momento do monismo jurídico é representado em outras duas

etapas. A primeira etapa abrange os anos 1920 e 1930 e a Segunda, os anos

1950 e 1960. Nessas etapas, o foco era a legalidade dogmática com pretensões

claras de cientificidade: a expansão do intervencionismo estatal, na esfera do

trabalho e da produção, a transição do capitalismo industrial para o capitalismo

monopolista “organizado”, a preocupação de se programar políticas sociais no

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contexto de práticas keynesianas distributivas, o Estatismo jurídico ocidental da

Escola de Viena, representando a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen.

O quarto momento do monismo jurídico está situado após o ano 1960,

sendo marcado pelo surgimento de novas diretrizes do Capitalismo Avançado,

focado na reordenação estrutural e na globalização do capital aliada à debilitação

política do “Bem-estar social”.

Feito esse corte metodológico, importante destacar que todos esses

momentos históricos da transformação do monismo jurídico influenciaram

diretamente o Brasil, por estar ligado à sua própria existência como Colônia de

Portugal.

No Brasil Colônia, as micro e pequenas empresas e a atividade produtiva

Colonial, no Século XVI, possuem uma relação muito próxima. Há evidências

apontadas por documentos e relatos que sua origem estava ligada à agricultura e

às indústrias brasileiras, nas cidades de São Vicente e Santos, no Estado de São

Paulo, pelo fato da economia do açúcar apoiar-se em parte pelo abastecimento

de pequenas propriedades, no litoral paulista. (SOUZA, MACHADO, & OLIVEIRA,

2007, pp. 53-65)

Nesse período Colonial no Brasil, podiam-se distinguir dois setores bem

diferentes na produção. O primeiro setor estava voltado aos produtos de

exportação, primordialmente açucareira, e o segundo setor, às atividades

acessórias ou secundárias, como pequenas unidades, nas quais o proprietário

trabalhava com o objetivo de abastecimento das vilas que vão surgindo aos

poucos no litoral brasileiro.

Esses “empresários” brasileiros do segundo setor eram formados na sua

maioria, por indígenas que passaram a produzir alimentos, em troca de objetos e

mercadorias que tanto prezavam, e, posteriormente, com a mestiçagem,

constituíram os “caboclos”, que formaram uma classe média entre os grandes

proprietários e os escravos, na estrutura da sociedade brasileira da época.

(PRADO JÚNIOR, 1945, pp. 41-42).

No Brasil do século XVIII, as micro e pequenas empresas, impulsionadas

pela demanda inglesa da cultura do algodão promovida pela Revolução Industrial,

desenvolveram, na região nordestina, vários pequenos empreendimentos. Com a

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decadência da agricultura da cana-de-açúcar, o Governo Português incentivou os

pequenos agricultores e os pequenos escravistas a migrarem para a produção de

algodão, sendo positiva a resposta na época, gerando uma nova onda de

desenvolvimento em várias cidades onde o algodão era processado. (AMARAL,

1958, p. 106)

No início do Século XIX, excluir a chegada da família Real ao Rio de

Janeiro oportunizou a criação de um verdadeiro “sistema de abastecimento de

alimentos”, que, por sua vez, teve um grande papel na ligação entre diversas

regiões do Brasil, tendo como principais atores roceiros, sitiantes, agricultores,

artesãos, “oficiais mecânicos” e “caixeiros viajantes”, e assim, o Brasil, mesmo

antes de sua afirmação como nação independente, já usufruía da força propulsora

de um conjunto considerável de micro e pequenas empresas, como se pode

verificar no relato da figura da época abaixo: Figura 1 - Armazém e Pequenos

Vendedores (RUGENDAS, 1998)

Nesse período Colonial, com a abertura dos portos para as nações,

amigas em 1808, as atividades comerciais eram disciplinadas pelas leis

portuguesas, a Lei da Boa Razão, que previa que, em caso de lacuna, deveriam

ser aplicadas, para dirimir os conflitos de natureza comercial, as leis das nações

cristãs, iluminadas e polidas, e, por esse motivo, os Códigos Comerciais da

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França e da Espanha eram muito utilizados, demonstrando-se, nessa primeira

fase do direito comercial brasileiro, uma disciplina legal bastante confusa.

O Código Comercial Brasileiro, lei nº556, de 25 de junho de 1850, que

adotou a teoria francesa dos atos do comércio, teve sua base nos Códigos de

Comércio Português e Espanhol, vislumbrando a identificação de traços de

segregação aos empresários das pequenas empresas, em razão do seu artigo 4º,

que previa que somente os comerciantes matriculados em alguns dos Tribunais

de Comércio do Império poderiam usufruir dos privilégios previstos naquele

instrumento jurídico.

No Código Comercial Francês de 1807, o termo “empresa” surgiu no meio

jurídico, onde consideravam, como tal, a locação de serviços ou como

organização de capital e trabalho para finalidades previstas nos seus artigos 632

e 633.

Com a promulgação do Código Civil Italiano em 1942, nos artigos 2.082 e

2.195, houve a unificação na recém-criada Teoria dos Atos do Comércio com o

direito dos particulares, disciplinando a matéria civil quanto à empresa, portanto,

mudando o núcleo conceitual do Direito Comercial para a Teoria da Empresa.

Aqui foram várias as dificuldades encontradas na definição da comercialidade das

relações jurídicas e a adoção da Teoria da Empresa.

No Brasil, recentemente, nos últimos 40 anos de transição entre a

presença da Teoria dos Atos do Comércio consolidados pelos antigos institutos

do Código Comercial e da Lei de Falência e a Teoria da Empresa, prestigiada

pela doutrina, Jurisprudência e em importantes leis comerciais como a Lei das

Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404, de 15/12/1976), Lei de Registro Público de

Empresas (Lei nº 8.934, de 18/11/1994), Lei de Defesa da Livre Concorrência (Lei

nº8.884, de 20/07/1994 , revogada pela Lei nº12.529, de 30/11/2011), Lei da

Propriedade Industrial (Lei nº 9.279, de 14/05/1996), e o lançamento do Estatuto

da microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei nº9.841, de 05/10/1999,

revogada pela Lei Complementar nº123/2006), finalmente, foi superada com o

surgimento do Código Civil brasileiro de 2002.

As micro e pequenas empresas são responsáveis por 60% dos empregos

gerados no Brasil, ou seja, 56,4 milhões de empregos possuem o fantástico

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número de 99% das empresas do país, ou seja, 5,7 milhões de micro e pequenas

empresas têm 20% na participação do PIB brasileiro, ou seja, R$700 bilhões de

reais, até o último levantamento realizado pelo SEBRAE de fevereiro/2012. Esse

é o “Pequeno-Gigante” brasileiro. (SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro

e Pequenas Empresas, 2012)

Mesmo com números tão expressivos, o Estado brasileiro não tem

exercido a contento a sua função administrativa de fomento ao desenvolvimento

da micro e pequena empresa, o que deveria ser melhor observado, haja vista que

constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, conforme artigo

3º, inciso II, da C.F./88, garantindo o desenvolvimento nacional. Nas palavras de

Gladston Mamede:

“Todos conhecemos histórias de grandes empresários que começaram com uma pequena loja, uma fabriqueta de fundo de quintal, um único ônibus ou caminhão. São incontáveis. Em todas essas histórias, a percepção de que é preciso haver políticas que compensem os desníveis oferecidos pelo reconhecimento dos direitos hereditários, facultando às pessoas, naturais ou morais, ascenderem socialmente por sua competência, apesar da resistência dos que já estão estabelecidos e, por certo, resistem a dividir seu poder e sua riqueza com outros. Uma simples política de justiça distributiva que, sim, poderia ser definida como aristotélica” (MAMEDE, 2007)

As micro e pequenas empresas, como manifestação econômica

característica das classes econômicas menos favorecidas, adquirem importância

fundamental, no atual cenário econômico, de modo que fortalecê-las, estar-se-ia

alcançando o efetivo desenvolvimento socioeconômico. O Estado não

fomentando, deixa-as à mingua, na aventura da economia desproporcional e da

concorrência das grandes empresas, isso sem contar a voracidade do Fisco,

contribuindo para o insucesso e, por consequência, descumprindo com os

ditames da Justiça Social, de observância obrigatória por um Estado Democrático

na defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Esta é a importância da micro e pequenas empresas, no

desenvolvimento de regiões menos desenvolvidas, com pouca sustentabilidade e

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inclusão social, principalmente quando se leva em conta que para elas são o

destino de milhares de recém-formados de nossas Universidades, bem como de

desempregados que migram para o segmento, por visualizar uma melhor

oportunidade de vida e a possibilidade de desenvolver o seu próprio negócio.

Nesse contexto, o fomento às micro e pequenas empresas é um dos

fatores condicionantes ao processo de desenvolvimento, sustentabilidade e

inclusão social, com um efeito eminentemente marcante nas regiões menos

favorecidas do Brasil.

Dentre as contribuições trazidas pelas micro e pequenas empresas, há a

presença fundamental, em várias cadeias produtivas. Muitas delas têm um papel

marcante na forma de fornecedores terceirizados de grandes empreendimentos,

bem como no fornecimento de pequenos lotes, em nichos de mercado ou em

mercados especializados.

Além disso, essas possuem uma capacidade excepcional para acelerar o

crescimento econômico, tanto no mercado interno como para o mercado externo,

promovendo um modelo de desenvolvimento desconcentrado e mais igualitário

nas regiões menos desenvolvidas do nosso país, o que só vem a ressaltar a

função social que representam.

Não se pode esquecer que as micro e pequenas empresas têm o fato de

serem instrumentos da livre iniciativa e da democracia. O sonho de ser

empresário, dono do seu próprio negócio, possibilita a qualquer cidadão, desde

que em um ambiente socioeconômico favorável, poder criar seu micro ou

pequeno negócio e trabalhar para sua subsistência, consolidando, assim, mais

um dos elementos do princípio de uma Ordem Econômica digna, artigo 170,

caput, da C.F./88.

Por tudo isso, justifica-se a manutenção, a complementação e evolução

de políticas dos poderes constituídos, para tornarem verdadeiramente efetivo o

tratamento favorecido e diferenciado às micro e pequenas empresas brasileiras,

com o objetivo não só de lhes dar condições para competir no mercado, como

também de garantir o desenvolvimento socioeconômico regional, a

sustentabilidade e inclusão social, cumprindo, assim, da melhor maneira possível,

a "Justiça Social".

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Contudo, segundo pesquisa realizada pelo SEBRAE – Serviço Brasileiro

de Apoio às micro e pequenas empresas - , as taxas de mortalidade das micro e

pequenas empresas são preocupantes. Revela a pesquisa que 50% das

empresas encerram as suas atividades com até 02 anos de existência, 56,4%

com até 03 anos e 60,0% com até 04 anos.

Isso se deve, em grande parte, à política econômica brasileira adotada

atualmente, voltada muito mais à macroeconomia, tendo como resultado a asfixia

das micro e pequenas empresas, diante da descomunal, desigual e covarde

concorrência com as grandes empresas, que não têm outra solução senão o

encerramento de suas atividades. (SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às

Micro e Pequenas Empresas, 2012)

O atual tratamento jurídico dispensado às micro e pequenas empresas

não é capaz de alterar a realidade do segmento, uma vez que essas vivem num

mundo próprio, onde os micro e pequenos empresariados apresentam-se, na

maioria das vezes, como uma espécie "sui generis" de trabalhador, ou seja, têm a

necessidade de intervir no processo produtivo, com sua própria força de trabalho.

Não há dúvidas quanto aos fatores negativos que se apresentam na voraz

conjuntura econômica, em nosso país. A enorme quantidade de tributos e leis

existentes atualmente requer uma constante atualização e estudo por parte dos

empresários da MPE, colaborando para a não formação e desestímulo à cultura

empreendedora brasileira. Aliás, quanto a essa cultura empreendedora brasileira

à qual se refere, vale aqui fazer um mea culpa dos próprios empresários. Quem

explica esse fenômeno é José Dornelas:

“Com o constante aumento do desemprego, muitos ex- -funcionários de empresas têm se jogado, sem qualquer preparo, na aventura de montar um negócio próprio, com o sonho de independência financeira, de liberdade e de ficar rico. A história tem mostrado que uma pequena parcela desses mesmos aventureiros, também chamados de empreendedores, são os grandes responsáveis pelo desenvolvimento econômico e crescimento do país. Porém, a grande maioria encontra uma nova decepção, quando opta pelo negócio próprio e acaba conhecendo uma realidade cruel, a qual mostra quão vil é o mercado com aqueles que não estão preparados. (DORNELAS, 2012)

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Investir na microempresa e empresa de pequeno porte é gerar

distribuição de riquezas, disponibilizar postos de trabalho, melhorar a qualidade

de vida das regiões que a sediam, promover a sustentabilidade e inclusão social.

Subsidiar o segmento não tem significado de prejuízo ao erário público,

muito pelo contrário, aqui é a forma mais nítida do Estado cumprir a sua função e

gerar desenvolvimento e a inclusão social. Por isso, merece, do Estado Brasileiro,

uma melhor atenção para esse segmento, promovendo programas de estímulos e

favorecimento com maior intensidade e eficácia, e é isso que se analisará na

próxima seção sobre as políticas públicas desenvolvidas na ordem social

econômica brasileira, nos últimos governos.

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Seção II – A ORDEM SOCIAL ECONÔMICA BRASILEIRA E A CRISE

ECONÔMICA MUNDIAL 2008-2009

As micro e pequenas empresas possuem, no contexto econômico e

social brasileiro, uma posição de destaque, justificado pela participação do

número de pessoas e empreendimentos envolvidos nesse segmento. Alguns

números estatísticos que se apresentará a seguir corroboram com essa

afirmação.

O crescimento desse segmento e a sua importância para as economias

no mundo tem sido alvo de estudos científicos desse fenômeno por muitas

disciplinas, como a Sociologia, a Economia, a Administração de Empresas e o

próprio Direito.

Esta seção procura privilegiar a multidisciplinariedade que a pesquisa

desse tema exige. Tem-se como objetivo apresentar uma visão ampla das micro

e pequenas empresas no Brasil com dados econômicos e as políticas públicas

desenvolvidas, na atualidade, pelo Estado.

Apresentar-se-ão alguns aspectos que se acredita serem cruciais para o

foco das discussões sobre a política pública voltada ao desenvolvimento do

segmento, como os programas e instrumentos de adequação, as condições de

aplicação e coordenação, a institucionalidade, e o ambiente macroeconômico,

legal e regulatório aplicado.

No final do século XX, percebeu-se que os Governos no Mundo

apresentaram singular interesse para o segmento das micro e pequenas

empresas. Isso é interpretado pela presença crescente, nesse período, de

formulações de políticas públicas atentas às potencialidades e contribuições

desse segmento aos aspectos social e econômico. Vários países vislumbraram,

então, a importância da representatividade das micro e pequenas empresas

como instrumentos de estabilidade social e desenvolvimento econômico,

justificando o esforço em desenhar novas políticas de estímulo.

A política pública para as micro e pequenas empresas diminui o seu foco

nas grandes corporações e se passam a buscar ações permanentes dos

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Governos, produzindo marcos institucionais dentro da estrutura executiva da

administração pública. Tem-se, como exemplo claro dessa tendência mundial, os

tratamentos coletivos de apoios às atividades segmentadas que promovem fluxo

de conhecimentos produtivos e mobilização de A.P.L. - Arranjos Produtivos

Locais, no Brasil, ou os Clusters como denominado, na Itália, compreendendo a

união de micro e pequenos negócios, podendo ser rural ou urbano, de atividades

comuns com o objetivo de desenvolvimento segmentado, troca de experiências e

fortalecimento concorrencial de mercado.

No Brasil, em consonância com essa nova ordem mundial, é observada a

evolução das análises e das ações políticas que orbitam em dois eixos principais:

a busca de associar desenvolvimento com a modernização da estrutura produtiva,

ou seja, a criação e difusão de novas tecnologias, sistema e formatos

organizacionais, e por conseguinte, a busca da potencialização e contribuição

com o desenvolvimento social e econômico. Esse último eixo, como se destacará

adiante, exerceu um grande peso na minimização dos efeitos da crise econômica

de 2008, resultado das diminuições das desigualdades regionais e da inclusão de

segmentos sociais antes marginalizados.

Pretende-se, nesta seção, analisar o lapso temporal, no segundo

mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva, nos anos de 2007 a 2010 e o

início da gestão da presidente Dilma Rousseff, com mandato a partir de janeiro de

2011. Situou-se esse período, por ser caracterizado por uma forte criação de

novos mecanismos de fomento e instrumentos de redução à miséria, bem como,

por uma evolução positiva nos números indicadores relacionados ao desempenho

das micro e pequenas empresas, consequência de uma ativa formulação, novas

políticas públicas voltadas ao social e o bem-estar da população. Mesmo assim,

compreendeu-se que há um longo caminho a percorrer nas políticas públicas de

estímulo à micro e pequena empresa no Brasil.

Existem três critérios para a definição da microempresa e da empresa de

pequeno porte no Brasil. O primeiro critério encontra-se na legislação, Lei

Complementar 123/2006, também conhecido como o Estatuto Nacional da

microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, que utiliza a classificação de

tamanho da empresa, pelo faturamento anual da empresa. Nesse critério, para

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ser microempresa deve possuir um faturamento anual até R$240.000,00 e para

ser empresa de pequeno porte um faturamento anual, no intervalo entre

R$240.000,00 até R$2.400.000,00. Uma nova categoria foi introduzida, em 2008,

na nossa legislação, que alterou a LC 123/2006, com a edição da Lei

Complementar 128/2008, criando o MEI - microempreendedor Individual, pessoa

que trabalha por conta própria e que obtenha uma receita anual de até

R$36.000,00 reais. (Lei Complementar 123/2006)

O segundo critério encontra-se no método utilizado tradicionalmente pelo

SEBRAE – Serviço de Apoio às micro e pequenas empresas - , que utiliza a

classificação de tamanho da empresa pelo número de empregos gerados pela

empresa e da atividade desenvolvida. Nesse critério, para ser microempresa na

Indústria e Construção Civil, até 19 empregados, e no Comércio e Serviços, até

09 empregados. Para ser Empresa de Pequeno Porte, na Indústria e Construção

Civil, de 20 a 29 empregados, e no Comércio e Serviços, de 10 a 49 empregados.

(SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, 2012)

Esse critério, agora pouco utilizado, é criticado, pela sua subjetividade e

alto grau de indefinição, pois alguns segmentos podem atingir faturamentos

altíssimos com poucos colaboradores, bem como, o inverso pode ocorrer. Além

disso, seria um desestímulo à geração de novos postos de trabalho, já que quanto

menor o número de colaboradores maior o estímulo da renúncia fiscal e grau de

tratamento favorecido.

O terceiro critério é utilizado pelo principal fomentador financeiro para

micro e pequenas empresas nos últimos anos, o BNDES, que utiliza uma

classificação diferente, em números de faturamento anual, muito superior aos

estabelecidos pela Lei Complementar 123/2006. Segundo esse critério, para ser

microempresa deve possuir um faturamento anual de até R$2.400.000,00 e para

ser Empresa de Pequeno Porte, um faturamento anual no intervalo entre

R$2.400.000,00 até R$16.000.000,00. (BNDES – Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social)

Essa falta de uniformização pode trazer distorções, quando comparados

os números estatísticos de fontes diferentes, ensejando cautela ao pesquisador,

quando na consolidação de resultados, pois distintamente podem-se classificar os

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critérios como legal ou tributário, estabelecido pela LC 123/2006, como de

empresarial, estabelecido pelo SEBRAE e como financeiro estabelecido pelo

BNDES.

As micro e pequenas empresas possuem uma participação significativa

na economia brasileira. Segundo dados oficiais do Ministério de Trabalho e

Emprego – MTE da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS, no ano de

2010, havia 3,4 milhões de estabelecimentos no Brasil, sendo desse total 97,5%

são micro e pequenas empresas que contribuíram com 40,4% dos empregos

formais e aproximadamente 40% da remuneração da economia, como segue o

quadro abaixo:

# Quadro 1 #

ESTRUTURA PRODUTIVA, NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS POR TAMANHO, GRANDES SETORES E EMPREGOS FORMAIS - 2010

Tamanho micro Pequena Subtotal Média Grande Subtotal

Estabelecimentos

Indústria 290.480 50.078 340.558 10.693 2.180 353.432

Construção Civil 140.303 17.148 157.451 3.715 500 161.666

Comércio 1.183.519 164.624 1.348.143 12.257 7.046 1.367.446

Serviço 976.840 173.174 1.150.014 20.753 25.355 1.196.122

Agronegócios 315.849 7.727 323.576 1.046 161 324.783

Total 2.906.991 412.751 3.319.712 48.464 35.242 3.403.448

Percentual (%) 85,4 12,1 97,5 1,4 1,0 100,0

Empregos Formais Nº (31 de dezembro) %

8.303.800

18,8

9.497.906

21,6

17.801.706

40,4

5.388.442

12,2

20.878.207

47,4

44.068.355

100,0

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego / Relação Anual de Informações Sociais (MTE/RAIS2010)

A importância desse segmento aumenta na economia brasileira, à medida

que se confirma uma alta taxa de crescimento que há nos últimos anos. Entre

1996 e 2001, aumentaram seu número em 60%, sendo a média da taxa anual de

crescimento anual das micro e pequenas empresas no restante da década que

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seguiu nos anos dois mil foi de 40% anual. (SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio

às Micro e Pequenas Empresas, 2012)

Uma das características marcantes da micro e pequena empresa é a sua

atuação em segmentos que contém baixa tecnologia e a presença de

trabalhadores com baixa qualificação profissional. Grande parte dessas empresas

se limita a atuação no mercado local ou regional que tem pouca exigência na

qualidade dos serviços e dos produtos.

No entanto, essa situação não deprecia a importante atuação e

contribuição das micro e pequenas empresas na economia brasileira, pelo

contrário, em muitas atividades consideradas necessárias de conhecimento

técnico e científico, como marketing e publicidade, veterinária, arquitetura,

desenvolvimento de softwares e informática têm demonstrado grande dinamismo

e atuação. São serviços que a carga de conhecimento técnico e científico tem

uma forte presença pessoal e qualificada. Nesse sentido, apresenta-se um

mercado de excelentes oportunidades de negócios aos empreendedores recém-

-formados de nossas Universidades que estão preparados para desabrochar seus

conhecimentos, nas novas tecnologias.

Uma das grandes preocupações demonstradas nas políticas públicas na

atualidade está caracterizada pela alta informalidade no Brasil. Essa preocupação

se evidencia na Lei Complementar 128/2008, que criou regras extremamente

facilitadoras, favorecidas e diferenciadas ao micro Empreendedor Individual –

MEI. Existe certa dificuldade em obter estatísticas precisas sobre a real dimensão

desse fenômeno da informalidade, no Brasil; em um estudo relativamente recente

do SEBRAE, em 2005 sinalizou a existência de aproximadamente 20 milhões de

micro e pequenas empresas informais, envolvendo cerca de 60 milhões de

pessoas. (SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas,

2012).

Esses dados revelam que grande parte das micro e pequenas empresas

têm sérias dificuldades de entrar no mercado formal, quanto mais, se manter no

mercado e expandir suas atividades. Isso é fruto ainda de uma deficiência nas

políticas públicas, voltadas ao desenvolvimento do segmento. Uma investigação

realizada pelo SEBRAE revelou que no ano de 2002, somente 50,6% das micro e

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pequenas empresas sobreviveram no primeiro ano de sua existência. A mesma

investigação observou que a taxa de sobrevivência nos próximos anos tinha um

aumento significativo, atingindo o expressivo número de 78%, no ano de 2005. A

partir desses dados, pode-se concluir que diversos fatores de ordem

macroeconômicos e políticas públicas com foco na micro e pequena empresa

têm que ser desenvolvidos, para melhorar as condições das atividades desse

segmento.

Um dos focos atuais de políticas públicas no Brasil é a melhoria da

atividade inovadora nas micro e pequenas empresas. Com o apoio do MCTI -

Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação através do FINEP, o IBGE realizou

uma sólida base estatística, para análise da atividade inovadora, no Brasil. A

quarta e mais recente edição estuda o período de investigação entre os anos

2006 a 2008. Os dados para o período evidenciam que a maior parte das

inovações se concentra em produtos e processos novos para a empresa, mas já

existentes no mercado, envolvendo menores custos e riscos. Também apresenta

um número considerável de empresas com até 29 colaboradores que introduziram

produtos (3,6%) e processos (2,0%) novos no mercado brasileiro.

No caso das pequenas empresas, que compreendem a categoria de 30 a

99 colaboradores, esses percentuais são próximo da microempresa, 4,1% e

1,9%, enquanto o distanciamento para as Grandes Empresas é visível, esses são

de 27,1% e 18,8%. Esta análise demonstra a dificuldade da micro e pequena

empresa enquanto a sua atividade de inovação, não por falta de criatividade ou

capacidade empresarial e muito mais porque esse segmento, na sua maior

parcela, caracteriza-se pela atuação em setores tradicionais, porém, um terço se

revela ativo em processos inovadores, apresentando ao mercado várias

novidades. Vejamos o quadro a seguir:

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# Quadro 02 #

EMPRESAS QUE INTRODUZIRAM INOVAÇÕES POR TAMANHO, 1998-2008 (Em percentuais)

1998-2000

2001-2003

2003-2005

2006 -

2008

Número de Pessoas

Taxa de

Inovação

Taxa de Inovação

Produto Novo

por Empresa

Produto Novo

por Mercado

Processo por

Empresa

Processo novo por Mercado

10 a 29 25,3 30,4 29,8 37,4 20,2 3,6 29,6 2,0

30 a 99 37,6 34,5 35,8 37,6 19,6 4,1 30,7 1,9

100 a 499 51, 44,9 58,3 45,1 23,1 7,5 35,2 3,7

500 ou mais 75,6 72,6 79,6 71,7 40,6 27,1 56,0 18,8

Total 31,5 33,3 34,4 38,6 20,6 4,4 30,8 2,4

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Indústria, Pesquisa de Inovação Tecnológica, 2008, 2005, 2003 e 2000

Antoninho Caron, na sua tese de Doutorado apresentada à Universidade

Federal de Santa Catariana, com tema: Inovações Tecnológicas nas Pequenas e

Médias Empresas Industriais em Tempos de Globalização: o caso do Paraná,

identifica a necessidade do estímulo à inovação para as micro e pequenas

empresas no Brasil; a razão da sua importância, na análise do autor, é no sentido

de oportunizar e promover a igualdade e o desenvolvimento econômico e social

da Nação. São as considerações do autor:

“É indispensável a introdução de novas tecnologias, novos produtos, novos serviços, novas formas de organização e a conquista de novos mercados. Os novos desafios que se apresentam, para o Brasil, são de ampliar o contingente de pessoal qualificado para criar a massa crítica necessária para um novo processo de desenvolvimento econômico e social. É necessário importar tecnologias, incorporar tecnologias, gerar tecnologias e irradiar tecnologias. O caminho é gerar conhecimento, inovar e competir. As fronteiras do conhecimento são continuamente deslocadas para diante e as novas tecnologias são portadoras de maior densidade de conhecimento científico e

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pessoal qualificado. É preciso transformar conhecimentos em inovação e a inovação em participação de mercado e lucro. A participação no mercado, o lucro, o aumento da produção em emprego e renda, em eqüidade social, em desenvolvimento econômico e social nacional.” (CARON, 2003, p. 173)

Pelos aspectos estatísticos apresentados, pode-se concluir que a

situação de tensão que vive a micro e pequena empresa no Brasil não é nada

fácil, em relação à concorrência com as empresas de maior porte. Essa situação

estabelece uma convocação imediata ao Estado brasileiro para cumprir o seu

importante papel de estabelecer igualdade, através de políticas públicas positivas

que fomentem e promovam o desenvolvimento social e econômico desse

importante segmento.

Pretende-se, neste momento, demonstrar os instrumentos utilizados na

atualidade pelo Estado brasileiro para estimular o desenvolvimento das micro e

pequenas empresas. Esses instrumentos são um conjunto de iniciativas e

programas governamentais de apoio e fomento voltados para o financiamento de

capital de trabalho e de investimentos, incentivo à inovação e estímulo na criação

e no fortalecimento de micro e pequenas empresas de base tecnológica.

O Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por meio do Plano

de Ação em Ciência e Tecnologia e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior (MDIC), por meio do programa Política de Desenvolvimento

Produtivo (PDP), têm esse objetivo de atingir o desenvolvimento das micro e

pequenas empresas.

De certa maneira, observam-se avanços, com iniciativas que caminham

em sentido correto, mas que necessitam crescer, buscando a dinamização do

conjunto do segmento e ampliar seu campo de atuação. Em especial, no que se

refere ao incentivo da inovação, está-se, ainda, engatinhando para um

entendimento maior sobre a inovação, que está restrita somente na tecnologia de

ponta, em segmentos de conhecimento intensivo.

Uma visão geral das políticas e instrumentos para o financiamento das

micro e pequenas empresas brasileiras é importante, porque o sistema financeiro

tem desenvolvido uma gama de linhas de crédito voltada ao micro e pequeno

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negócio, ainda que, analisou-se, não seja suficiente para atender a demanda de

financiamento, comparada com as experiências de outros países.

Na década de noventa, os bancos públicos e as agências de

desenvolvimento possuíam diversas linhas de crédito para o financiamento da

produção, capital de trabalho, equipamentos, exportações e desenvolvimento de

capacidades tecnológicas, porém sem distinção de porte, no qual, também

podiam ser utilizadas pelas micro e pequenas empresas.

A grande dificuldade foi o acesso a esses financiamentos que

normalmente ofereciam muitos obstáculos burocráticos, exigindo uma

organização acima da capacidade dessas empresas. Isso contribuiu ao relativo

fracasso dos programas de financiamento para esse segmento.

As dificuldades que as micro e pequenas empresas enfrentavam eram

muitas, mas pode-se destaquem-se duas, que tradicionalmente ainda existem. A

primeira é adequar-se às exigências para concessão dos créditos que estavam

concebidos, com foco em empresas de maior porte e a segunda, o conflito entre a

lógica comercial e a política inerente sobre as atividades desenvolvidas pelas

Instituições Financeiras Públicas, causado por uma crescente exigência de que os

Bancos de Desenvolvimento deveriam converter recursos públicos para micro e

pequenas empresas, sendo que esses tinham suas características específicas e

operações não estruturadas para atendê-las.

Pode-se citar, como exemplo, o BNDES, que tradicionalmente converte

recursos ao financiamento de projetos de grande porte e impactos econômicos.

Ainda que tenha priorizado linhas de crédito voltas para o segmento de pequeno

porte, desde os anos sessenta, os recursos eram disponibilizados através de uma

rede de agentes financeiros credenciados, que não se interessam em trabalhar

com o segmento, por acreditarem que possuíam uma baixa taxa de retorno

comparada ao risco da inadimplência. Na década de noventa, implementaram-se

novas linhas de crédito e o aumento dos recursos para atender a demanda das

micro e pequenas empresas, mas os resultados continuaram aquém do desejado,

devido, principalmente, ao modelo de operação dos créditos.

Outras Instituições Financeiras Públicas também ofereceram linhas de

crédito para micro e pequenas empresas, como o Banco do Brasil e Caixa

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Econômica Federal, com o objetivo de desenvolvimento regional e local, nas

regiões menos favorecidas.

Além disso, linhas de créditos tradicionais, voltadas aos pequenos

produtores, formais e informais, colocaram-se em marcha, por meio dos

programas de microcrédito específicos para pequenos produtores informais, que

operavam em uma estrutura familiar. Mesmo assim, as micro e pequenas

empresas sofriam com a burocracia que incluía várias fases de trâmite necessário

para operacionalizar a solicitação do crédito e as garantias exigidas.

Ainda, os bancos de desenvolvimento enfrentavam muitas dificuldades de

adaptação, nos seus processos operacionais, pois, tradicionalmente, eram

orientados para a atenção às empresas de grande porte.

Entre muitas das razões pela insuficiência na iniciativa implementadas no

Brasil na década de noventa, destacam-se: (i) as dificuldades na convergência de

políticas macro e micro econômicas; (ii) o uso de instrumentos inadequados para

a promoção das micro e pequenas empresas, que, na sua grande parte, eram

inspirados em instrumentos e exigências adequadas às empresas de grande

porte e (iii) a falta de prática da maioria dos agentes financeiros em atender os

empresários da MPE e as atividades associativas.

O tratamento favorecido às micro e pequenas empresas começou a

sofrer transformações, após o ano de 2003, e se observou uma considerável

melhoria nas políticas públicas que envolviam o acesso ao crédito estabelecido no

Plano Plurianual de 2004-2007, com destaque, a participação das principais

instituições bancárias, públicas e privadas no Grupo de Trabalho Permanente dos

Arranjos Produtivos Locais (GTP-APL) e a implementação de linhas de crédito

específicas para financiar os Arranjos Produtivos Locais – APL. Esse foi o

reconhecimento de que o financiamento das micro e pequenas empresas,

incluídas nos APLs, implicou em menos riscos e melhores oportunidades.

Durante a Gestão do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, o BNDES teve

grande participação na execução das políticas públicas voltadas à micro e

pequena empresa. Desde 2003, o banco buscou ampliar progressivamente seu

campo de atuação, dando ênfase ao desenvolvimento das micro e pequenas

empresas.

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As operações de financiamento para o segmento de micro e pequeno

porte empresarial se efetivam por intermédio de instituições financeiras

credenciadas, que são responsáveis pela análise, pelo estabelecimento de

garantias e aprovação do crédito. Têm-se, como principais agentes credenciados,

os bancos comerciais que possuem um grande acesso a esse público.

Um instrumento interessante e inovador é o Cartão BNDES, criado em

2003, que teve uma excelente aceitação pela micro e pequena empresa. Este

cartão oferece um crédito automático pré-aprovado para financiar investimentos

produtivos, com taxa de juros a 1% ao mês. Há mais de 120 mil produtos que

podem ser adquiridos pelo cartão, como máquinas, veículos, peças,

equipamentos de informática e software, equipamentos e material de construção,

que tenham a fabricação total ou parcial no Brasil.

No ano de 2009, introduziu-se uma inovação no Cartão BNDES, ao se

estabelecer a possibilidade de financiar a compra de transferência tecnológica de

serviços técnicos especializados em eficiência energética e impacto ambiental,

desenho e criação de protótipos, soluções técnicas de alta complexidade,

melhoria de qualidade de produto e processo de software. No primeiro ano de

efetivação, foram certificados 79 prestadores de serviços de inovação e

realizaram-se 62 operações de financiamento á inovação. (BNDES – Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)

O maior volume de desembolsos concedidos à micro e pequena

empresa, pelas informações do próprio banco, dão-se por meio do Fundo de

Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos – FINAME. Trata-se

de um dos instrumentos mais tradicionais de financiamento de bens de capital

que, quando orientado para a microempresa, pequena empresa e média

empresa que representou 65% dos desembolsos do BNDES para o segmento.

Não há dados fornecidos pelo BNDES que particularizem a participação somente

da micro e pequena empresa, fato que dificulta para uma melhor análise da

participação do segmento.

Outra importante ação do BNDES é o Programa de microcrédito,

instituído em 1996, que tem como objetivo promover a economia popular, por

intermédio da oferta de recursos ao microempreendedor formal ou informal. O

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desembolso do banco com este programa tem apresentado alguma oscilação

positiva, nos últimos anos. Depois de 23,4 milhões de reais aplicados em 2008 e

19,5 milhões, em 2009, observou-se um significativo crescimento, em 2010, com

um total de 58,1 milhões.

A criação do Fundo de Garantia para Investimentos, em 2009, para micro

e pequenas empresas, com a finalidade de reduzir o risco de financiamento

repassado pelo BNDES, também foi uma das medidas do Governo Federal a

diminuir os efeitos da crise financeira internacional e estimular o crédito.

O BNDES tem atuado significativamente como instrumento de políticas

públicas voltadas ao desenvolvimento das micro e pequenas empresas. Em

2010, o desembolso de recursos chegou a 45,7 milhões de reais, o que resulta

num aumento de mais de 90%, em relação ao ano anterior, considerando-se que,

somente nas micro e pequenas empresas, o incremento foi de mais de 100%,

através de 417 mil operações de financiamento.

No entanto, os dados revelam que o BNDES não tem atingido o objetivo

de superar seu foco tradicional de emprestar recursos para as grandes empresas

e projetos de investimentos de grande porte. Isso fica claro, ao analisarmos a

participação relativa dos recursos destinados para micro e pequenas empresas e

o total de desembolsos. Mesmo que, em 2010, se tenha registrado o percentual

mais alto dos últimos anos, 27,1%, este não supera o registrado em 2003 e 2004.

Esta questão é preocupante e fica mais evidente, quando se considera

que a classificação de empresas por tamanho aplicado pelo BNDES é distinta da

costumeiramente empregada. Como já apresentado, a classificação para as

empresas consideradas pequenas pelo BNDES seriam, na realidade, médias

empresas, considerando a classificação da LC 123/2006. As estatísticas

disponibilizadas pelo Banco apresentam somente os desembolsos para aquelas

que consideram micro e pequenas empresas, o que inviabiliza uma leitura mais

precisa dos dados, pois muitas das Médias Empresas estão incluídas na

estatística de desembolso, como se fossem micro e pequenas empresas.

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# Quadro 03 # DESEMBOLSOS DO BNDES POR TAMANHO DE EMPRESA E PESSOAS

FÍSICAS Discriminação 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

micro e Pequena 2441 3439 3234 4014 6049 6049 9126 11620 23698

Média 2368 2613 2993 3768 4087 6079 8505 7247 13535

Subtotal 4808 6052 6227 7782 8108 12127 17631 18866 37233

Pessoa Física 3529 3972 6351 3880 3010 3939 4215 5053 8440

Subtotal MePE + Médiaᵃ

8337 10023 12578 11662 11117 16067 21846 23919 45673

Total de desembolsos 37419 33534 39834 46980 51318 64892 90878 137400 168400

Total % 22,3% 29,9% 31,6% 24,8% 21,7% 24,8% 24,0% 17,4% 27,1%

Fonte: http://www.bndes.gov.br

O PROGER – Programa de Geração de Emprego e Renda, criado pelo

Ministério do Trabalho e Emprego - MTE e o Conselho Deliberativo do Fundo de

Assistência ao Trabalho – CODEFAT são linhas oferecidas pelo BNDES. O

objetivo desse fundo é financiar projetos de investimentos de micro e pequenas

empresas, que apresentem a geração de empregos e renda. Há possibilidade de

destinar os recursos tanto para o Capital de Giro como para Investimentos. As

empresas podem obter financiamento de até 80% do valor do projeto, no

montante máximo não superior a 50 mil reais.

Além do BNDES, outros bancos públicos também têm desenvolvido linhas

de créditos voltadas às necessidades da micro e pequena empresa, em destaque

o Banco da Amazônia, Banco do Nordeste do Brasil, Banco do Brasil, e a Caixa

Econômica Federal.

O governo brasileiro, em 1999, criou a política de microcrédito, com o

objetivo de ampliar o acesso ao financiamento para microempreendedores

formais e informais. A Lei 9.790/1999 determinou que as seguintes organizações

sem finalidades lucrativa pudessem oferecer o microcrédito: Organizações não

Governamentais – ONG, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público -

OSCIP e Sociedades de Crédito ao microempreendedor, sendo reguladas pelo

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Banco Central. Destaca-se que as essas instituições não lhes é permitida a

capitação de recurso no mercado e dependem de recursos do BNDES e recursos

públicos de âmbito municipal ou estatual. O ponto atrativo do microcrédito é o

baixo custo do crédito e os pequenos montantes que podem ser emprestados, em

média, de até 50 mil reais.

O Decreto 3.103/2003 também contribuiu para o microcrédito no Brasil.

Com o objetivo de ampliação desse instrumento, na busca de estimular a oferta

de serviços bancários para a população de baixa renda, criaram-se as contas

simplificadas e o estímulo às agências de microcrédito e cooperativas de crédito.

Indicou-se aos Bancos Privados e Públicos emprestar 2% dos saldos captados

em contas correntes para as operações de crédito de pequeno volume, com juros

limitados a, no máximo, 2% ao mês, porém, observou-se uma baixa participação

dos bancos privados, que justificam ser o risco maior que os juros limitados.

O PORTOSOL é uma experiência pioneira e interessante de

microcrédito, criada no ano de 1996, em Porto Alegre. É uma instituição

comunitária de crédito que apoia com financiamentos de fácil acesso de R$200,00

a R$15.000,00 o desenvolvimento de empresários da MPE e pessoas que

trabalham na informalidade. O êxito dessa iniciativa foi tão positivo que se chegou

a mais de 130 milhões de reais financiados pelo microcrédito.

Outra iniciativa positiva é o Programa de microcrédito Produtivo

Orientado – CREDIAMIGO, do Banco do Nordeste do Brasil, voltado às micro e

pequenas empresas. O destaque ao êxito desse programa é a metodologia de

aval solidário, no qual um grupo de pessoas garante, simultânea e

espontaneamente, a responsabilidade conjunta pelo pagamento dos

financiamentos. O banco oferece a orientação de melhor gestão dos recursos e a

abertura e manutenção das contas bancárias é sem custo ao integrante

correntista. Os volumes financiados variam de R$100,00 a R$6.000,00, podem

chegar até R$15.000,00. Esse programa já superou o total financiados de 2

milhões de reais, em 2010.

No ano de 2005, foi instituído o Programa Nacional de microcrédito

Produtivo Orientado – PNMPO, com o objetivo de incentivar a atividade produtiva

e a geração de emprego e renda, bem como oferecer apoio técnico às instituições

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de microcrédito produtivo. No início do programa, o valor máximo ao ano, para

acesso ao programa, era de 60.000 reais; após 2008, foi aumentado para 120.000

reais. O Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Fazenda, Ministério do

Desenvolvimento Social e o Ministério de Combate a Fome compõem o Comitê

Interministerial do PNMPO, demonstrada a sua importância como Politica Pública,

no cenário Nacional.

O objetivo de consolidação do PNMPO buscou a aproximação entre as

instituições financeiras comerciais e instituições de microcrédito, através da

aquisição de carteira e vinculação de outros serviços financeiros para concessão

de créditos. Estabeleceu-se um marco legal, com o regramento para repasse de

recursos do banco (depósitos especiais e FAT – Fundo de Amparo ao

Trabalhador) para instituições de microcrédito produtivo. Infelizmente, estas

mudanças tiveram poucos efeitos, reflexo de uma tímida articulação do sistema

bancário comercial e do sistema de microcrédito.

O SEBRAE tem sua parcela de contribuição, no efetivo no fortalecimento

de diferentes instrumentos de crédito. Com o Programa de Crédito Orientado aos

Novos Empreendedores (PCONE), que oferecem-se linhas de financiamento para

o empreendedor da pequena empresa, que deseja iniciar um negócio, ou para

que tenham um ano de existência na atividade. O objetivo central do SEBRAE é a

orientação ao empresário da MPE, na elaboração do plano de negócio, prestando

assessoria técnica e análise do perfil do empresário. Os programas de incentivo

ao cooperativismo de crédito e apoio ao segmento de microcrédito buscam

promover o desenvolvimento das modalidades de crédito existentes no mercado,

além de ações de assessoria e capacitação empresarial.

Em 2006, um estudo realizado pelo Banco Central do Brasil estimou que,

naquele ano, houvesse aproximadamente 220 operadores de microcrédito,

representados pela ONGs, no universo de 87%. Na posição geográfica brasileira,

71% estavam situadas na região sudeste, 5%, na região nordeste, 18%, na região

sul e 6%, nas regiões norte e centro do país. Recentes dados de 2011 do PNMPO

indicam a existência de 338 instituições de microcrédito produtivo habilitadas.

Interessante salientar que a taxa de inadimplência do microcrédito no Brasil é

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baixíssima: aproximadamente de 4% contra 20% de empréstimos comerciais

normais das instituições bancárias comerciais.

O microcrédito, como instrumento de política pública voltada ao

desenvolvimento socioeconômico e estímulo ao empreendedorismo no Brasil, tem

alguns desafios para sua expansão; destaquem-se alguns pontos como: (i)

atingimento nas comunidades localizadas no interior e norte do país; (ii)

dificuldades de lideranças locais com conhecimentos sobre a existência do

microcrédito; (ii) escassez de recurso, primordialmente de instituições que estão

em seus estágios iniciais; (iii) baixa participação do capital privado; (iv) poucas

pessoas qualificadas na atividade de gestão; (v) restrições técnicas e

institucionais das OGNs; (vi) dificuldade de determinação do tamanho do

mercado; (vii) dificuldades de acesso a assistência técnica e assessoramento.

Os desafios para o aumento do microcrédito no Brasil são enormes,

assim como, a ampliação das políticas públicas voltadas ao estímulo das micro e

pequenas empresas. Nos últimos anos, deve-se considerar que tem havido um

crescente volume de recursos voltados ao crédito desse segmento. Isso se deve

ao significativo incremento de volume de crédito no Brasil, no cenário de

estabilidade e crescimento econômico e as políticas macroeconômicas e de

crédito adotadas.

Como se verá mais adiante, os mecanismos de incentivos

potencializaram a estabilidade, durante o período da crise financeira internacional

de 2008 e 2009. A percepção de que questões como a dificuldade de acesso ao

crédito pelas micro e pequenas empresas não foram por todo resolvidas. Além

disso, fatores relacionados ao contexto de política macroeconômica são

historicamente fatores que criam obstáculos de acesso das micro e pequenas

empresas ao crédito e contribuem ao aumento do spread bancário, que pode ser

reduzido.

A Lei Complementar 123/2006, com a simplificação dos procedimentos

para a arrecadação de tributos e a das exigências quanto à manutenção dos

registros contábeis, tem colaborado para ampliar a base de empreendimentos

aptos para receber o financiamento. Os esforços de capacitação empresarial pelo

SEBRAE e do IEL podem ser motivos de um menor risco, na avaliação do crédito.

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A dificuldade de oferecer garantias reais pode ser reduzida com a consolidação

de fundos garantidores de créditos para micro e pequenas empresas. Os fatores

de custo financeiro podem ser mitigados, à medida que a taxa de juros pode ser

fixa. E, finalmente, mecanismos que oferecem crédito pré-aprovado, como o

Cartão BNDES, são alternativas de simplificação de procedimentos burocráticos,

na concessão de crédito à micro e pequena empresa de recursos provenientes do

Governo Federal.

Ao se analisar-se que existem diferentes iniciativas de políticas públicas

orientadas ao financiamento das micro e pequenas empresas, percebe-se que o

Brasil está avançando na direção correta. O desenvolvimento de algumas

iniciativas recentes somente se poderá verificar sua efetividade, no decurso dos

anos. Ademais, muitos autores e organizações representativas concordam em

que existem muitos desafios a serem transpostos, especialmente quando se

tratam de uma redução das assimetrias da informação entre instituições

financeiras e empreendedores da pequena empresa, a redução dos riscos das

operações de crédito e a redução dos custos de concessão de crédito. (COSTA F.

N., 2010)

A Lei 10.973 de 02/12/2004, Lei da Inovação, busca regular e promover

uma maior interação entre as empresas e centros de investigação, facilitando a

utilização de laboratórios públicos e serviços tecnológicos pelas empresas. Esta

Lei regulamenta a criação de empresas de base tecnológica por investimentos de

instituições públicas, como também estabelece a subvenção econômica para

projetos inovadores das empresas. Este novo marco regulatório legal prevê a

criação de novas instituições para coordenar e reforçar a articulação entre as

políticas governamentais e estratégias empresarias, tais como o Conselho

Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) e a Agência Brasileira de

Desenvolvimento Industrial (ABDI), bem como, a reestruturação do Instituto

Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e a regulamentação da Lei de

Biossegurança. Isso tudo vem a colaborar e contribuir para um ambiente mais

propício para desenvolvimento tecnológico das empresas brasileiras e nelas

incluídas as micro e pequenas empresas.

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O Governo brasileiro também desenvolveu outro instrumento para

fortalecer o financiamento, com o objetivo de estimular a inovação nas micro e

pequenas empresas, criando fundos setoriais especiais. O Fundo Nacional de

Ciência e Tecnologia (FNDCT) é administrado pelo FINEP, em conjunto com o

CNPQ; desde 1999 até 2010, foram criados 18 fundos setoriais especiais

direcionados especificamente para micro e pequenas empresas, com gestão

compartilhada entre governo, indústria e instituições acadêmicas, em várias áreas

de interesse.

O modelo de gestão compartilhada de fundos setoriais criado no governo

Lula, tem o objetivo de promover ações transversais, não incluídas em setores já

beneficiados por fundos de ciência e tecnologia existentes. Essas ações

transversais são projetos estratégicos que utilizam 50% dos recursos de fundos

setoriais para promoção de Arranjos Produtivos Locais, empresas incubadoras,

parques tecnológicos e para financiar iniciativas que promovam a inovação da

indústria.

Outro marco regulatório legal importante para apoio à inovação industrial

das micro e pequenas empresas é a Lei 11.196/2005, conhecida como a “Lei do

Bem”, que estabeleceu deduções fiscais para projetos de investigação e

desenvolvimento, reduzindo impostos de importação para a aquisição de

máquinas e equipamentos, com a subvenção de até 60% dos saldos investidos

diretamente na atividade inovadora das empresas. Esse mecanismo favorece

micro e pequenas empresas, na possibilidade de que grandes empresas poderem

deduzir seus impostos fiscais, investindo nas micro e pequenas empresas que se

dedicam ao desenvolvimento tecnológico. O objetivo primordial desse instrumento

é incentivar a colaboração tecnológica entre as empresas de diferentes portes.

As transformações institucionais e com a crescente relevância dada ao

papel da tecnologia e inovação na competitividade da indústria brasileira, nos

últimos anos, criaram-se diversos programas e instrumentos. Muitos desses se

apresentam em programas de política recente, como PITCE e PACTI, e podem

situar-se, para efeitos desta análise, em três partes: fomento das atividades

inovadoras, empresas emergentes e capitais de risco, e parques tecnológicos e

incubadoras.

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A política nacional de ciência tecnologia e inovação é ampla e envolve

diferentes Ministérios e Órgãos Federais, que realizam ações em áreas definidas.

No que diz respeito à atividade de fomento das atividades inovadoras em

empresas, pode-se destacar a FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos,

vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e o BNDES, vinculado

ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Uma das ações interessantes do FINEP é o programa “Juro Zero”, criado

em 2004, com o objetivo de estimular o desenvolvimento das micro e pequenas

empresas Inovadoras, nos aspectos gerenciais, comerciais, de processos ou

produtos e serviços, viabilizando o acesso ao crédito. Busca, também, superar as

dificuldades que enfrentam as micro e pequenas empresas de acesso ao crédito

quanto as garantias reais. Beneficiam-se empresas desse segmento inovadoras,

vinculadas aos setores de semicondutores, software, bens de capital, fármacos e

medicamentos, biotecnologia, nanotecnologia e biomassa, que necessitem de

financiamento de R$100.000,00 a R$900.000,00 sem juros, somente incidindo a

correção monetária pelo INPC e as garantias são compostas em 20%, por aval

pessoal dos sócios da empresa ou de terceiros, 30%, pelo fundo de reserva e

50%, pelo fundo de garantia de crédito.

O Programa “Juro Zero” tem enfrentado dificuldades de implementação,

funcionando somente em alguns Estados do país. Sua principal dificuldade tem

sido a falta de disposição dos governos estaduais e outras organizações para

destinar recursos para construção dos fundos de garantia, previstos pelo

programa, que devem prover 50% das garantias. A limitada cobertura se

manifesta nos números entre 2007 e 2010, onde haviam sido beneficiados 47

projetos. (RESENDE, 2010)

São inúmeros os programas de fomentos voltados para inovação, porém,

na mesma proporção, são enormes as dificuldades de implementação, pelo

motivo de falhas no processo de divulgação e a na falta de articulação entre

governos federal, estaduais e municipais. Através da Investigação sobre Inovação

e Tecnologia (PINTEC), pode-se analisar o impacto das iniciativas de políticas de

fomento à inovação.

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Esses dados apresentados no próximo quadro se referem ao número de

empresas inovadoras que se beneficiaram de distintos modelos de fomento.

Ainda que os dados sejam restritos às empresas que inovaram, representam uma

boa amostra, principalmente se levarmos em conta que a PINTEC também

considera as inovações que são novas só para a própria empresa. Esses dados

se referem ao período de 2006 e 2008, infelizmente não refletindo os resultados

mais recentes, como os programas do BNDES Capital Inovador e Inovação

Tecnológica de 2008, o SIBRATEC criado em 2007, mas em consolidação e os

programas PRIME de 2009 e Pappe Integração de 2010 pela FINEP.

# Quadro 04 # EMPRESAS QUE RECEBERAM APOIO PÚBLICO PARA SUAS ATIVIDADES INOVADORAS,

POR TIPO DE PROGRAMA, SEGUNDO FAIXA DE PESSOA OCUPADO, 2006 A 2008 Atividade Selecionadas de Indústria e Serviços

Incentivo Fiscal

Financiamento

Total Total P&D Lei da Informática

Subvenção Econômica

Projetos de P&D e Inovação Tecnológica Sem aliança com Universidades

Projetos de P&D e Inovação Tecnológica Sem aliança com Universidades

Para Compra de Máquinas e equipamentos usados para inovar

Outros programas de apoio

10 a 29 25842 21,4 0,5 1,9 0,6 1,4 0,7 12,8 7,1

30 a 99 10513 22,1 0,6 1,3 0,4 0,9 0,9 15,1 6,9

100 a 499 3612 24,2 2,2 2,0 1,2 1,2 1,6 14,1 8,2

500 e mais 1295 36,5 16,4 3,6 4,6 5,2 4,8 11,4 9,4

Total 41262 22,3 1,2 1,8 0,8 1,4 0,9 13,5 7,2

Fonte: IBGE, Pesquisa Brasileira de Inovação Tecnológica – PINTEC 2008

Observa-se que os distintos programas de inovação apresentados na

investigação resultaram muito menos relevantes para micro e pequenas

empresas. O foco em inovação incrementada e atualização tecnológica refletem a

importância maior das linhas de financiamento dirigidas para aquisição de

máquinas e equipamentos. Infelizmente, a investigação apresenta inclinação a

favor das atividades inovadoras consideradas de maior conteúdo tecnológico e

mais próximas das barreiras tecnológicas. Entretanto, os programas relacionados

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com P&D são enumerados, os conjuntos de programas que podem ser mais

relevantes para micro e pequenas empresas se mostram agrupados, dificultando

a nossa análise.

Os dados mostram que os principais beneficiários das políticas de

fomento à inovação foram, em números relativos, as grandes empresas.

Aproximadamente, 36,5% das grandes empresas inovadoras foram favorecidas

com alguma iniciativa, enquanto que o percentual foi de 22,1% para as Pequenas

empresas e 21,4% para o setor formado por microempresas. O baixo impacto

sobre as micro e pequenas empresas resulta mais evidente, se considerarmos

que o número de empresas que receberam apoio foi de 7.866, que representa

0,87% das mais de 900.000 empresas industriais brasileiras. Esta situação se

expressa, em taxas de inovação mais elevadas nas grandes de 71,7% e médias

de 45,1% do que nas Pequenas de 37,6% e nas microempresas de 37,4%.

A política pública brasileira de ciência, tecnologia e inovação têm

representado algum resultado no esforço de superar a tendência de estimular a

grande empresa em maior conteúdo tecnológico. Um exemplo disso encontrou-se

nos dados referentes a projetos apoiados pela subvenção econômica, com

recursos na ordem de 360 milhões de reais para 2009 e 500 milhões de reais

para 2010. Como se apresenta no gráfico a seguir, os esforços para ampliar a

participação das micro e pequenas empresas têm produzido algum efeito, ainda

tímido, mas chegando aos 81%, no ano de 2009.

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# Gráfico 1 #

Subvenção Econômica: Distribuição dos Números de Projetos Apoiados

por Tamanho de empresa, 2006-2009 (em percentuais)

Fonte: MCT, 2010

Nas contribuições trazidas por Antoninho Caron, na sua pesquisa sobre

Inovação nas micro e pequenas empresas, constatou-se que os empresários

inovam, por sua própria conta e risco, estimulados pela concorrência e

fornecedores, com o objetivo de maiores lucros. Esses empresários da MPE

agem sozinhos, por desconhecimento dos instrumentos e mecanismos do

governo que os apoiem. Utilizam do seu tirocínio comercial, capacidade e

competência e não acreditam que as instituições (Universidades e Centros de

Pesquisa) ou governo possam ajudar, mas estão propensos a aceitar a ajuda

desses. (CARON, 2003, p. 358)

Em verdade, o que se observa sobre a base dos tipos de instrumentos

criados é uma gradual ampliação do que se considera inovação, avançando mais

no tradicional fomento a empresas inovadoras de base tecnológica, que

compreendem somente uma pequena fração do universo das micro e pequenas

empresas no Brasil. Inciativas recentes, como o financiamento de serviços de

consultoria, capacitação, fomento a cooperação e o apoio do SIBRATEC, que

busca resolver também os problemas tecnológicos mais básicos e pertinentes à

Grande Média Pequena e Micro

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ampliação do universo de micro e pequenas empresas, merecem consolidar-se

em larga escala. Esse processo é desenvolvido fundamentalmente pelas

iniciativas do SEBRAE, o SENAI e IEL que têm grande capilaridade e

conhecimento das realidades regionais e produtivas específicas das micro e

pequenas empresas. (SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas

Empresas, 2012)

Os impactos da crise financeira internacional se fizeram sentir de forma

mais intensa nas economias dos países desenvolvidos, gerando uma significativa

diminuição, na demanda por importações, bem como uma redução da oferta

crédito, nos mercados internacionais. Este impacto afetou mais as médias e

grandes empresas brasileiras que micro e pequenas. São as grandes empresas

que possuem significativamente maior parte das exportações e as que podem

acessar recursos, no mercado financeiro internacional, que eram mais fáceis,

antes da crise financeira internacional de 2008 e 2009.

As micro e pequenas empresas brasileiras reúnem uma série de

características e condições que as tornaram menos suscetíveis aos efeitos da

crise. Essas empresas têm menos flexibilidade para ajustar-se a variações da

demanda, pela redução da mão de obra, ainda, é reduzido o número de

exportação, focando no seu mercado interno. O modelo de desenvolvimento

aplicado nos últimos anos priorizou o aumento do ingresso dos setores de menor

renda, o que justificou a incorporação de novos segmentos ao mercado

consumidor e uma significativa expansão do consumo das classes mais baixas,

mercados com maior participação relativa de micro e pequenas empresas, e

finalmente, há que demonstrar que essas empresas dificilmente demandam ao

mercado financeiro internacional, dependendo, para esse efeito do mercado de

crédito doméstico.

A orientação ao mercado interno e a maior participação nos mercados de

segmento popular, coincidem com o padrão de desenvolvimentos dos últimos

anos. Em referencia ao crédito, verificou-se um importante esforço pelo Governo

Federal, na ampliação das linhas e volume de recursos, à disposição das micro e

pequenas empresas, permitindo um cenário prévio favorável, somado ao conjunto

de iniciativas de política que contribuíram para o impacto da crise fosse

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relativamente menor sobre este setor empresarial. Na época, foram muitos os

artigos e declarações na imprensa, que qualificaram as micro e pequenas

empresas como o “porto seguro”, diante da crise, ou como foco prioritário para a

superação desta.

Isso não significa que as micro e pequenas empresas estão imunes à

conjuntura mundial. Essas se viram afetadas por uma relativa redução da

demanda do mercado interno e por uma menor oferta de crédito, sobretudo no

que se refere às linhas convencionais dos bancos comerciais. A queda do

faturamento terminou por gerar uma maior demanda por crédito imediato, que, por

sua vez o mercado não supria.

À medida que o crédito no mercado internacional se restringia, as

empresas de grande porte encaminhavam sua demanda ao mercado financeiro

doméstico, provocando maior “competência”, pelos recursos disponíveis. No final

do ano 2008 e no primeiro trimestre de 2009, o volume de operações de crédito

para pessoas jurídicas por montantes de até 100.000 reais permaneceu quase

sem demanda, no país. Os empréstimos bancários por montantes entre 100.000 e

10 milhões de reais mostraram um baixa de 4,4% e, ao contrário, as operações

de montante de 10 milhões de reais cresceram 5,4%. (SEBRAE - Serviço

Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, 2012)

Várias medidas foram formuladas pelo Governo Federal para minimizar

os impactos econômicos. Essas medidas priorizavam áreas com grande efeito

multiplicador sobre os segmentos produtivos de grande potencial para geração de

empregos que se pode sintetizar nos seguintes pontos: (i) a manutenção do PAC

– Programa de Aceleração do Crescimento; (ii) Programa “Minha Casa Minha

Vida”; (iii) Programa de Sustentabilidade de Investimentos; (iv) Fomento ao

Crédito para micro e pequenas empresas e (v) Iniciativas de caráter temporal.

Nessa última medida emergencial, o BNDES teve um papel fundamental na

manutenção da economia, promovendo o rebaixamento das taxas de juros e

dando manutenção aos investimentos.

Os resultados atingidos pelas medidas aplicadas tiveram uma

repercussão positiva. No período mais grave da crise, no final de 2008, a

disponibilidade de recursos para micro e pequenas empresas mostra uma

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tendência de aumento, ainda que em índices menores que nos anos anteriores e

posteriores à crise.

O gráfico seguinte representa a evolução do volume de crédito no Brasil,

destinado a pessoas jurídicas.

# Gráfico 2 #

Volume de Crédito no Brasil, segundo fontes, Programas e Tamanho de

Empresa Beneficiada, Valores Correntes – Números Índice (2002 =100)

Fonte: Banco Central do Brasil, BNDES e BND

Observa-se que o volume global de crédito oriundo de fontes domésticas,

ou mesmo que os desembolsos do BNDES mantiveram uma trajetória de

BNB Crediamigo

BNDES MPES

BNDES Total

Total de Créditos PJ – recursos externos

Total de Crédito PJ – Recursos domésticos

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crescimento ao longo da crise, contrastando a significativa redução de

disponibilidade de recursos, no mercado internacional. Os dados disponíveis para

o principal programa de microcrédito do país e desembolso do BNDES para

micro e pequenas empresas mostram um crescimento ainda mais expressivo.

Interessante notar que, justamente em 2008, observa-se uma tendência de

incremento nos desembolsos para micro e pequenas empresas, superior ao

aumento de volume global de crédito para pessoas jurídicas. Isso sugere que as

iniciativas descritas anteriormente, especialmente da ampliação do volume de

crédito disponível, para constituição de fundos de garantias, a disseminação do

Cartão BNDES e os incentivos tributários, lograram efeitos positivos e concretos.

Pode-se concluir que a estratégia para promover uma diminuição dos

efeitos da crise e a rápido recomeço do crescimento foi obtida através do fomento

para micro e pequenas empresas, o conjunto de iniciativas implementadas antes

da crise e as medidas específicas adotadas, que resultaram eficazes, para

dinamizar nossa economia. As perspectivas recentes da estratégia de política

pública de governo da presidente Dilma Rousseff indicam um aprofundamento

nessa tendência, com a centralidade nas micro e pequenas empresas e a ênfase

no desenvolvimento, através da inclusão, produtiva.

Deve-se considerar, ainda, que a formulação e implementação de

políticas para desenvolver a Atividade de Fomento às micro e pequenas

empresas no Brasil é uma experiência recente. Durante o século XX, a

industrialização esteve fortemente baseada no Fomento do Estado ao

desenvolvimento da estrutura produtiva das grandes empresas. As iniciativas de

fomento ao universo das empresas de menor porte constituíam um tema de

menor agenda, no Governo Brasileiro.

Podem-se destacar dois marcos institucionais e legais importantes que

provocaram o início de um processo de construção à atividade de fomento das

micro e pequenas empresas. O primeiro foi a criação, na década de setenta, de

um Centro de Negócios para as micro e pequenas empresas, que resultou depois

no Serviço de Apoio às micro e pequenas empresas – SEBRAE e o segundo foi a

criação, na década de noventa, da primeira legislação específica para o setor, a

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Lei 9.317/1996 – Lei das micro e pequenas empresas e a Lei 9.841/1999 -

Estatuto das micro e pequenas empresas.

Estas legislações possuíam, no seu cerne, a Atividade Fomentadora do

Estado Brasileiro às micro e pequenas empresas, em cumprimento à

determinação no texto constitucional de 1988 dos artigos 149, 170, IX e 179.

Porém, o reconhecimento dos mecanismos de políticas e instrumentos

ocorreu de forma muito lenta, causados por um período marcado por uma forte

orientação de políticas macroeconômicas, em detrimento de políticas industriais e

tecnológicas, que dificultou a implementação de políticas de fomento das micro e

pequenas empresas.

As ausências dessas políticas são resultado de uma grande dificuldade

para incluir questões de fomento, destinado a essa classe empresarial de menor

porte, na planificação do Governo e também no âmbito de prioridades

governamentais. Isso ocorria a tal ponto que as micro e pequenas empresas não

eram um tema relevante da agenda governamental e as políticas de apoio

ocorriam fora do governo federal, com as atividades do SEBRAE e das

administrações estaduais e municipais.

Apesar de, naquele momento histórico, as políticas de fomento não serem

consideradas, na agenda governamental, na esfera executiva do governo federal,

havia visíveis ações e esforços de alguns ministérios. Porém, não havia

efetividade na aplicação das políticas, porque as iniciativas colidiam com os

objetivos das políticas macroeconômicas desenvolvidas nos anos noventa.

Nesse cenário, os empresários das pequenas empresas tinham enormes

dificuldades para financiar seus negócios e muitos optavam por fechar seus

estabelecimentos e trabalhar na informalidade. As restrições de ordem

macroeconômica contribuíram para neutralizar os esforços de uma

implementação de políticas industriais e tecnológicas, bem como, a reformulação

de linhas de financiamento voltadas para as micro e pequenas empresas.

Nesse período, caracterizou-se uma relativa ausência de consenso, na

formulação de políticas públicas, com vistas à prioridade do fomento, que deveria

ser dada para estas questões. O governo federal, sobretudo, priorizava as

políticas de estabilização monetária, desestatização, a privatização, a

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desregulamentação da economia, seguindo os preceitos neoliberais dos anos

noventa.

Ao final dessa década, como não poderia ser diferente, as reformas

geraram impactos negativos sobre diversos segmentos econômicos e, em

especial, nas micro e pequenas empresas. Muitas ações buscaram mitigar esses

efeitos danosos, como ações para aumentar o nível de produção e emprego,

eliminar o déficit da balança comercial e intensificação do ritmo das inovações

tecnológicas.

Estas iniciativas foram de curta duração, pois as restrições

macroeconômicas tinham uma fraca articulação entre os distintos programas e os

organismos responsáveis pela sua execução.

A partir do primeiro Governo Lula (2003-2006), o cenário modifica-se e se

introduz importantes inciativas de fomento às micro e pequenas empresas.

Observa-se que, pela primeira vez, a política de fomento às micro e pequenas

empresas passa a ser parte da estratégia mais ampla do Estado brasileiro,

buscando ampliar o fomento da competitividade da estrutura produtiva e o

desenvolvimento regional do país.

A Lei Complementar 123/2006, que instituiu o Estatuto Nacional da

Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, muitas outras inciativas foram

consolidadas e ampliadas, ao longo do segundo Governo Lula (2007-2010),

período que se apresentou propício para impulsionar o plano de políticas

industriais e de inovação, com uma perspectiva de desenvolvimento a longo

prazo.

As perspectivas do governo Dilma, na atual gestão, em grande parte,

apresenta-se como uma extensão das diretrizes gerais que já vinham guiando a

gestão do Governo Lula. Enfatiza-se, cada vez mais, a relevância das micro e

pequenas empresas, não só como geradoras de empregos e renda, mas também

como elementos dinâmicos de desenvolvimento do sistema produtivo, seja nas

atividades tradicionais, como em áreas intensivas no conhecimento e alto

conteúdo tecnológico.

Nesse último tempo, não se têm indicado rumos muito diferentes, na

política de fomento para as micro e pequenas empresas. A opção tem sido a

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consolidação e ampliação das atividades fomentadoras com êxito recentes. Desta

forma, observa-se um contínuo esforço para estender a participação das micro e

pequenas empresas, como beneficiárias de linhas de financiamento, incentivos a

inovação, programas de capacitação e de fomento as exportações.

Um critério central do atual programa de governo é dar continuidade ao

projeto de desenvolvimento que assegure um grande e sustentável

desenvolvimento, na transformação produtiva do Brasil. Nesse contexto, as micro

e pequenas empresas sobressaem, como elemento impulsionador da economia.

Tanto assim, que as diretrizes gerais destacam a importância de conciliar

desenvolvimento das grandes e médias empresas com das micro e pequenas

empresas e de fomentar o espírito empresarial.

A referência atribuída às micro e pequenas empresas traz consigo a

discussão a respeito da necessidade de promover mudanças, no marco

institucional de apoio. A criação em 01 de abril de 2013, da Secretaria de Estado

que possui status de ministério e ligada à Presidência de República

exclusivamente dedicada às micro e pequenas empresas para a Atividade de

Fomento Estatal no cumprimento das políticas públicas, SMPE – Secretaria da

Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, teve como primeiro a

assumir a pasta, o Ministro Guilherme Afif Domingos.

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Capítulo II

ASPECTO DA ATIVIDADE DE FOMENTO DO ESTADO

Seção I – FUNÇÃO SOCIAL, RESPONSABILIDADE SOCIAL E FILANTROPIA

DA EMPRESA

As relações econômicas, políticas, empresariais, culturais e sociais tem

sido objeto de constante observação pelos pesquisadores do direito. São diversas

as perspectivas que têm levado o estudioso do direito a interagir com outras

áreas, como a Sociologia, Filosofia, Economia, Administração de Empresas, em

busca de explicações de comportamentos e fenômenos sociais complexos.

A atividade empresarial tem despertado especial interesse dos

pesquisadores, como objeto de estudo, principalmente como meio de

desenvolvimento das sociedades atuais. A nossa Constituição Federal tem

garantido valores individuais e sociais aos cidadãos, que por sua vez tem sido um

enorme desafio ao Estado a sua consecução pela busca de meios que garantam

a atividade empresarial privada, nos limites do interesse coletivo e do bem social.

A função social das empresas não se limita ao exercício da atividade

empresarial; pelo contrário, com ela se coaduna na busca do desenvolvimento

sustentável e da inclusão social. Nos ensinamentos de Eros Roberto Grau, pode-

-se observar que:

"[...] o princípio da função social da propriedade impõe ao

proprietário, ou quem detenha o controle da empresa, o

dever de exercê-lo, em benefício de outrem, e não apenas

de não o exercer, em prejuízo de outrem." (GRAU, 2010, p.

250)

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Nessa mesma linha de pensamento, Fábio Konder Comparato, consagra

o princípio constitucional implícito da função social da empresa extraído do

princípio constitucional da propriedade, no artigo 5º, XXIII da CF/88, combinado

com o artigo 170, III, da CF/88.

Na perspectiva de que a empresa possui uma função social, surge, na

atualidade, a evolução desse conceito: a responsabilidade social da empresa, que

significa algo a mais que a empresa cumprir rigorosamente as suas obrigações

legais. Para que uma empresa consiga atingir esse plus, deve compatibilizar os

seus interesses com aqueles que ela se relaciona na sociedade e oferecer para

esse público aquilo que ultrapassa as fronteiras do direito positivado, como a ética

e moral, suas relações e atuações.

Surge, então, como tema central desta seção, a pergunta: em que medida

se poderá diferenciar o conceito de Função Social, de Responsabilidade Social e

de Filantropia na empresa da atualidade? É um questionamento, como se esses

instrumentos sociais da empresa fossem todos reflexos de ações positivas,

representando um todo, da função social da empresa, perante uma sociedade,

seria demasiado simplório, motivo pelo qual o tema exige uma análise mais

aprofundada sobre a distinção dos institutos mais profundada.

Buscou-se desenvolver, sobre a Teoria da Função Social da Empresa,

sua formação constitucional, por meio do princípio constitucional da função social

da propriedade, a atividade empresarial e seu caráter finalístico de

complementariedade às garantias dos direitos fundamentais, a relação com o

Código Civil de 2002 e dos princípios do direito da propriedade, e analisou-se o

conceito de Responsabilidade Social da Empresa, sua distinção com a Função

Social da Empresa e Filantropia Empresarial.

Pretende-se apresentar, nesta seção, considerações sobre a

diferenciação entre os conceitos: Função Social, Responsabilidade Social e

Filantropia da empresa, demonstrando os limítrofes entre os institutos.

Três obras exerceram um caráter significativo e marcante nas

transformações conceituais da Sociedade da Modernidade: Investigação sobre a

natureza e as causas da riqueza das nações, em 1776, do filósofo e economista

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escocês Adam Smith; O Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, e

a Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII.

Adam Smith é considerado o pai da economia moderna e o importante

teórico do liberalismo econômico. Sua obra, publicada em 1776, teve como objeto

o aspecto social e procurou demonstrar que a riqueza das nações resultava da

atuação de indivíduos movidos pelo interesse que promoviam o crescimento

econômico e a inovação tecnológica. Acreditava-se que a iniciativa privada

deveria agir livremente, sem a interferência governamental. Essa doutrina exerceu

intensa influência na burguesia, que deseja acabar com o feudalismo e o

mercantilismo, para imperar o Capitalismo Liberal.

Por um bom tempo, a Teoria do Liberalismo, de Adam Smith, influenciou

a Sociedade daquela época, até verificar que não podia a atividade empresarial

ter tamanha liberdade, porque essa mesma liberdade incondicional significava a

desumanização e a exploração antropofágica do homem pelo homem.

Surge O Manifesto Comunista de Marx e Engels, em 1848, em meio à

crise do liberalismo e um grande processo de lutas urbanas e revoluções,

chamado de Primavera dos Povos, que atingiu os principais países da Europa.

Essa obra fez dura crítica à propriedade privada, ao modo de produção capitalista

e à forma como a sociedade se estruturou através dele, definindo o objetivo e os

princípios do socialismo científico.

Em meio a enormes conflitos sociais, em 1891, o Papa Leão XIII lançou a

Encíclica Rerum Novarum (Das Coisas Novas), com o objetivo claro de tratar das

questões levantadas na Revolução Industrial e nas sociedades democráticas no

final do século XIX. Esse documento Papal era uma carta aberta aos bispos,

sobre as condições das classes laborais, buscando o posicionamento

intermediário entre a doutrina liberal e socialista. É considerado o pilar

fundamental da Doutrina Social da Igreja Católica.

A Encíclica tecia fortes críticas à doutrina liberal, pela falta de princípios

éticos e valores morais de uma sociedade laicizada e desumanizada da época,

trazendo consigo princípios de justiça para vida social, econômica e industrial,

como a melhor distribuição de riqueza, à intervenção do Estado, na atividade

econômica, e a caridade do patrão ao empregado.

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Por outro lado, não apoiava a doutrina socialista, acusando-a de injustas

e absurdas às razões aduzidas e defendia os direitos à propriedade privada,

apresentando-se como um direito natural dos indivíduos, resultado do trabalho

humano, devendo ser respeitado por todos. Afirma que homem antecede ao

Estado em valor, dignidade e importância e, por esse motivo, o Estado deveria

propiciar o bem comum do homem e prover os meios para alcançar a felicidade

dele. O Estado deveria existir em função do homem e não o contrário.

(GUNTHER & SANTOS, 2011, p. 180)

A Encíclica Rerum Novarum introduz a ideia de Subsidiariedade do

Estado que influenciou a construção principiológica de várias Constituições

Democráticas, inclusive a nossa, e orientou a respeito da relação entre o Capital e

o Trabalho, apoiando a formação sindical e o salário decente, que era visto como

algo revolucionário, à época. Aparentemente, nem de longe trouxe algo relevante

para a construção de uma teoria da função social da propriedade. (OLIVEIRA O.

B., 2011, pp. 165-166)

Porém, não se pode esquecer que a Encíclica Rerum Novarum foi a base

da Doutrina Social da Igreja Católica, complementada por diversas outras

encíclicas, em especial, a Encíclica Quadragesimo Anno, do Papa Pio XI, em

1931, Mater et Magistra, do Papa João XXIII, em 1961 e Centesimus Annus, do

Papa João Paulo II, em 1991. Papa João XXIII relembra a Radiomensagem do

Papa Pio XII, por ocasião do Pentecostes de 1941, ali reafirmando que:

“o direito de propriedade dos bens é um direito natural; mas, segundo a ordem objetiva estabelecida por Deus, o direito de propriedade é limitado, pois não pode constituir obstáculo a que seja satisfeita a ‘exigência irrevogável de os bens, criados por Deus para todos os homens, estarem equitativamente à disposição de todos, segundo os princípios da justiça e da caridade.’” (WIKIPEDIA, 2013)

A Encíclica Rerum Novarum foi, sem sombras de dúvidas, a precursora

do ideário de justiça social entre empregados e empregadores, para a realização

da busca do bem comum. E não é essa justamente a ideia de Responsabilidade

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Social, a busca do bem comum e da Justiça Social? A Encíclica Divini

Redemptoris de Pio XI em 1937, expressou que:

“[...] há a justiça social que impõe, também, deveres a que nem patrões nem operários se podem furtar. E é precisamente próprio da justiça social exigir dos indivíduos quanto é necessário ao bem comum. Mas, assim como no organismo vivo não se provê ao todo, se não se dá a cada parte e a cada membro tudo quanto necessitam para exercerem as suas funções; assim também se não pode prover ao organismo social e ao bem de toda a sociedade, se não se dá a cada parte e a cada membro, isto é, aos homens dotados da dignidade de pessoa, tudo quanto necessitam para desempenharem as suas funções sociais.” (Papa Pio XI Divini Redemptoris, 2014)

Podemos, então, considerar que a Doutrina Social da Igreja Católica

ganhou notoriedade, influenciando um novo direito positivo mais humanizado na

busca da conformação de novos conceitos sobre a função social da propriedade,

na atualidade.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de

2002, arraigou-se a noção de que a empresa, além de visar ao lucro, possuía

eminente papel socioeconômico frente à sociedade.

A Empresa, no conceito poliédrico da concepção de Asquini, é

constituída, por meio do affectio societatis (elemento subjetivo), de forma

organizada (elemento funcional), em torno de um estabelecimento comercial

(elemento patrimonial), produzindo riquezas, gerando empregos, arrecadando

tributos e movimentando a economia (compra e venda de bens e prestação de

serviços), cumprindo o seu desiderato capitalista, qual seja, auferir lucro e

cumprindo com o seu Objeto Social. (ASQUINI, 1996, p. 110)

No entanto, o capital empresarial coexiste com o trabalho, por vezes,

gerando tensões, mas não devendo produzir conflitos entre si, ao menos é o que

se espera! Por esse motivo, as empresas somente atingem sua função social

quando, além dos elementos empresariais, acima expostos, observam os

interesses da coletividade, tais como, a solidariedade (CF/88, art. 3°, inc. I), a

justiça social (CF/88, art. 170, caput), a livre iniciativa (CF/88, art. 170, caput e art.

1°, inc. IV), a busca do pleno emprego (CF/88, art. 170, inc. VIII), a redução das

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desigualdades sociais (CF/88, art. 170, inc. VII), o valor social do trabalho (CF/88,

art. 1°, inc. IV), a dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1°, inc. III),

preservação do meio ambiente (CDC, art. 51, inc. XIV), dentre outros princípios

constitucionais e legais.

O interesse individual da empresa, quanto ao auferir os lucros de sua

atividade, é legítimo; porém, esse não deve prejudicar os interesses da

coletividade, de forma a garantir a dignidade das gerações futuras. A reflexão

sobre a função social da empresa também passa pela análise da justiça social e

do princípio da dignidade da pessoa humana, da qual desta se deriva.

Francisco Cardoso Oliveira manifesta-se sobre o tema, no sentido de que

o conteúdo finalístico da atividade Empresarial somente pode ser delimitado,

mediante a consideração de elementos concretos da situação de atividade

Empresarial e de exercício do direito de empresa. Analisa que, de qualquer modo,

é possível afirmar que a atividade empresarial, no quadro de princípios reitores da

Constituição de 1988, não pode deixar de pautar-se pelo respeito à dignidade da

pessoa humana e pela busca da justiça social; por isso, o caráter finalístico da

atividade Empresarial, tomado na perspectiva do exercício dos poderes

proprietários, ganha contornos nítidos no quadro pautado pela concretização de

justiça social e de vida digna em sociedade. (OLIVEIRA F. C., 2004, p. 123)

Fábio Konder Comparato, ao consagrar o princípio constitucional implícito

da função social da empresa, extraindo do princípio constitucional da propriedade

no artigo 5º, XXIII da CF/88 e combinando com o artigo 170, III, da CF/88,

concluiu que a empresa atua para atender não somente os interesses dos sócios,

mas também os da coletividade, e que função, em direito, é um poder de agir

sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do

próprio titular, por isso que algumas vezes, interessados no exercício da função

são pessoas indeterminadas e, portanto, não legitimadas a exercer pretensões

pessoais e exclusivas contra o titular do poder, sendo, nessas hipóteses, que se

deve falar em função social ou coletiva. (COMPARATO, Função Social da

propriedade dos bens de produção, 1996, pp. 71-79)

A reflexão sobre a função social da empresa passa pela análise da função

social da propriedade, da qual deriva. A propriedade pode ser estudada

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tradicionalmente sob o aspecto interno, que tem, como conteúdo, a função

econômica, que é composta pelas faculdades de usar, fruir e dispor e o aspecto

externo, que se traduz na faculdade de exclusão das ingerências alheias.

Essa classificação tem origem no feudalismo europeu. Com o sistema

capitalista, essa posição de importância reverteu-se em decorrência da expansão

do comércio, da economia monetária e da concentração das propriedades nas

mãos da burguesia urbana, por força das execuções hipotecárias.

Atualmente, a distinção jurídica entre os bens de consumo e bens de

produção passa a ser orientada pela atividade de produção e distribuição de bens

ou de prestação de serviços e consumo padronizado. Os bens de produção são

móveis e imóveis, (não mais somente a terra como no passado), mas também o

dinheiro (moeda e crédito) que podem ser utilizados no capital produtivo; já os

bens de consumo são as mercadorias, os bens destinados ao mercado, fruto do

capital produtivo.

Os bens de consumo e de produção não se fundam na sua natureza, mas

na sua destinação, pois a função que as coisas exercem na vida social independe

da sua estrutura interna, obedece a um ciclo econômico, que se realiza, não na

necessidade por um só tipo de relação jurídica, mas pela coletividade.

Disso, pode-se concluir que o exercício da atividade empresarial pelo

empresário não tem somente os interesses capitalistas e laborais, mas também

os interesses da coletividade ou sociedade em que ele atua.

Arnaldo Süssekind, em sua obra, ao citar a passagem de Léon Duguit,

manifesta sobre as obrigações de quem detém o capital:

"[...] o possuidor de uma riqueza tem, pelo fato de possuir essa riqueza, uma função social a cumprir; enquanto cumpre essa missão, seus atos de proprietário são protegidos", conclui que "a intervenção dos governantes é legítima para obrigá-lo a cumprir sua função social de proprietário, que consiste em assegurar o emprego das riquezas que possui conforme seu destino". (SUSSEKIND, 1991, p. 133)

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É possível se verificar que a função social é atributo inerente nas

empresas, tendo em vista as especificidades do segmento e o caráter social de

suas atividades, principalmente quando se leva em conta o núcleo local ou região,

onde possuem suas sedes.

A representatividade que a propriedade possui nas relações, em uma

determinada sociedade, seja no aspecto jurídico ou econômico, acaba produzindo

uma atividade funcional, na sua produção de riqueza. A propriedade é avaliada

economicamente dinâmica, quando, pelo valor da sua rentabilidade e bens

corpóreos que possui, gera, como consequência, essa riqueza.

No entanto, são considerados como propriedade estática os bens móveis

e imóveis que compõem o patrimônio da empresa e possuem valor econômico

para avaliação ou alienação da empresa.

Na sua obra, Isabel Vaz se expressa na dinâmica do detentor de um bem

de colocá-lo em movimento, ou seja, retirar o capital da ociosidade, afastar os

bens de produção do estado de improdutividade, possibilitar a geração de novas

riquezas e oferecer sustentação à comunidade. (VAZ, 1992, p. 151)

A empresa é contemplada, quanto a seus bens, com duas dimensões,

uma a estática, representada pelos bens que compreendem a sua propriedade

imobiliária, os créditos e as relações jurídicas derivadas e a outra, a dinâmica,

proveniente das suas atividades econômicas, seja comercial ou industrial que se

destinam a concretizar os mecanismos que geram a circulação, distribuição e

consumo de bens.

Karsten Shmidt, ao interpretar a jurisprudência alemã, explica que, para

se possa atribuir um valor preciso à empresa, seja na hipótese de retirada de

sócios, indenizações ou outra necessidade qualquer, é necessário que, nesta

análise valorativa, sejam tomados em arbitramento, indispensavelmente, os

elementos que a caracterizam como unidade econômica e também jurídica, numa

tentativa de harmonização. Para tanto, a empresa é contemplada em duas

dimensões: estática e dinâmica. O exame estático coloca em ênfase o valor

patrimonial da empresa; enquanto que, de sua analise dinâmica, sobressai o valor

de sua rentabilidade.” (SCHMIDT, 1997, pp. 76-77)

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Nesse sentido, a atividade empresarial tem um compromisso assumido

implicitamente pelo empresário para com a comunidade, na qual desenvolve e

relaciona suas atividades empresariais, de gerar riquezas, produzindo os bens

para troca, venda e, obviamente, dos quais obtenha seus lucros, dentro da ética e

dever moral e regras aceitas pela sociedade..

Ana Frazão de Azevedo Lopes menciona o papel fundamental do

empresário como suporte da atividade empresarial e que, sem ele, muito

provavelmente não existiria; porém, com os limites impostos pela sua

funcionalidade social. Para a autora, a propriedade deixa de ser vista como

instrumento de satisfação egoística de seu titular, para ser analisada num

contexto social:

[...], a discussão que se estabeleceu na Europa a respeito de função social da propriedade já encontra repercussão no Brasil, antes mesmo da Constituição de 1967, Para citar, como exemplo, Eduardo ESPINOLA (1956, p.127), ao ressaltar que o conceito de função social, implícito no direito de propriedade, impunha que este fosse considerado diante da solidariedade social, de forma a ensejar para o proprietário não apenas direitos como também deveres em prol da sociedade.” (LOPES, 2006, p. 122)

O tema “função social” é antigo, como se verificou nas considerações da

autora, e que a discussão ultrapassa os países da Europa, na década de

quarenta, com o Código Italiano.

Fabio Konder Comparato destaca que, na Constituição Italiana, aparece,

indiretamente no seu art. 42, a afirmação da função social do comerciante, do

proprietário e do capitalista, como também a função social da empresa, supondo-

se que já estivesse embrionariamente postulada na contribuição de Courcelle-

Seneuil:

“É livre a iniciativa econômica privada. Não pode, todavia, desenvolver-se em contraste com a utilidade social ou de modo a causar dano à segurança, à liberdade, à dignidade humana. A lei determina os programas e os meios de fiscalização destinados à

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direção e coordenação da atividade econômica, pública e privada, para fins sociais” [...]” (COMPARATO, Função Social da propriedade dos bens de produção, 1996)

Na atualidade, os pontos que se discutem são a boa-fé da propriedade,

da empresa, e do contrato, como matéria que substitui a função social. O Código

Civil de 2002 recepcionou o que remontou mais de 40 anos de discussões sobre

o tema na Europa, surgindo, então, um novo prisma, para o Estudo da “função

social”, com muito mais profundidade. No sistema jurídico brasileiro, busca-se o

seu significado social e a sua exata localização do tema, já que, na compreensão

dos doutrinadores, é admitida a sua presença, em qualquer tipo de propriedade,

para dar o significado funcional e estrutural, que justifique existência material.

Eros Roberto Grau apontou a existência de uma “evolução da

propriedade plena in re potestas para a ideia de propriedade função”, devendo a

propriedade cumprir as suas obrigações de uso, como: ser produtiva, não agredir

o meio ambiente, arrecadar tributos e várias outras atividades, no benefício social.

Destaca o autor que a afetação de certa propriedade pela função social

importa não apenas o rompimento da concepção, tradicional, de que a sua

garantia reside em um direito natural, mas também a conclusão de que, mais do

que meros direitos residuais parcelas daquele que em sua totalidade

contemplava-se no utendi fruendi et abutendi, na plena in re potestas, o que

atualmente vislumbrou-se nas propriedades impregnadas pelo princípio, são

verdadeiras propriedades-função e não apenas, simplesmente, propriedades.

O autor conclui que “[...] o princípio da função social da propriedade,

desta sorte, passa a integrar o conceito jurídico-positivo de propriedade (destas

propriedades), de modo a determinar profundas alterações estruturais na sua

interioridade.” (GRAU, 2010, p. 251)

Observa-se, na atualidade, não mais admitir-se o clássico conceito de

propriedade por Washington de Barros Monteiro, que “[...] o direito de gozar e

dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que delas não se façam uso

proibido pelas leis e regulamentos.” (MONTEIRO, 1989, pp. 88-89)

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Compreende-se, então, que o proprietário não possui mais esse direito

absoluto sobre a sua propriedade e, quando se estuda o tema função social, esse

não é um conceito fechado, pois, para analisá-lo nas suas peculiaridades, o

entendimento de cada estudioso, cada época terá a sua compreensão.

No liberalismo, o direito de propriedade era subjetivo; no estado social,

era princípio e na atualidade, é substituído pelo princípio da boa-fé; porém, de

acordo com a corrente doutrinária, adota-se uma posição interpretativa

diferenciada, nas nuances de formação social e econômica de quem a estuda.

Em passagem, Eros Roberto Grau ensina que, no artigo 5º, inciso XXII e

no artigo 170, III da Carta Magna, não se constitui um instituto jurídico, mas um

conjunto de institutos jurídicos relacionados a distintos tipos de bens, onde a

propriedade não constitui uma instituição única, mas o conjunto de várias

instituições, relacionadas a diversos tipos de bens:

“Não podemos manter a ilusão de que à unicidade do termo – aplicado à referência a situações diversas – corresponde a real unidade de um compacto e íntegro instituto. A propriedade, em verdade, examinada em seus distintos perfis – subjetivo, objetivo, estático, e dinâmico – compreende um conjunto de vários institutos. Temo-la, assim, em inúmeras meras formas, subjetivas e objetivas, conteúdos normativos diversos sendo desenhados para aplicação a cada uma delas, o que importa no reconhecimento, pelo direito positivo, da multiplicidade da propriedade.” (GRAU, 2010, p. 241)

Assim, a limitação ao proprietário de determinadas faculdades, o conjunto

de condições para os exercícios dessas e o dever de exercê-las, leva-se a

considerar que o proprietário está diante de uma redução imposta pelo legislador.

Nesse sentido, a função social não pode ser entendida como sendo

exterior à propriedade e, sim, como elemento integrante à sua estrutura. Em outro

prisma, a função social também não deve ser entendida como assistencialismo ou

utilização racionalizada da propriedade, pois dependem da vontade do

proprietário e da regulação pelo Estado e, sim, como uma utilização honesta,

ética, justificada e justa da propriedade, com o objetivo de produzir bens de

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consumo para o bem-estar e desenvolvimento da sociedade. Ou ainda, a função

social não pode ser entendia como repúdio à propriedade, mas como a própria

razão pela qual o direito de propriedade foi atribuído a determinada pessoa.

Francisco Cardoso Oliveira assevera que:

“[...] é inegável que a atividade Empresarial, que constitui o principal modo de exercício da propriedade privada, incorpora a funcionalização própria do direito de propriedade. Por meio da funcionalização do direito de propriedade se torna teoricamente viável pensar as possibilidades e os limites da atividade Empresarial, no plano da concretização das regras e princípios do ordenamento jurídico. Considerada a funcionalização do direito de propriedade, a empresa está adstrita à observância de atividade econômica finalística.” (OLIVEIRA F. C., 2004, p. 123)

O Direito à propriedade, quando atribuído à determinada pessoa ou

pessoas, essas possuem o direito de usar e gozar de sua posse e domínio, mas,

mediante a um regramento legal, que relativiza esse direito, ficando limitado o seu

uso, em contraposição, ao direito de igualdade e liberdade de outras pessoas.

Essa limitação pode ocorrer por meio de tributos, por interesse do Estado, porém

sempre por meio de regramento imposto pelo legislador.

Delegou-se ao legislador poderes para regulamentar o princípio da função

social, no seu conteúdo, obedecendo a sua própria vontade como controle de

constitucionalidade, já que a lei ordinária deve ser adequada à função social. Por

esse motivo, o legislador deverá sempre buscar o interesse social, fazendo a

norma positivada de forma a assegurar o seu direito de propriedade, porém

visando a sociedade.

Nessa linha de pensamento, Eros Roberto Grau enfatiza que o princípio

da função social da propriedade impõe ao proprietário, ou a quem detém o poder

de controle na empresa, o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não,

apenas, de não o exercer, em prejuízo de outrem. E explica que a função social

da propriedade atua como fonte da imposição de comportamentos positivos ao

detentor do poder, que deflui da propriedade, vinculação inteiramente distinta

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daquela que lhe é imposta, mercê de concreção do poder de polícia. (GRAU,

2010, pp. 250-251)

Sendo assim, a função social da empresa deve ser interpretada e

aplicada em consonância com normas infraconstitucionais, para dar concretude à

finalidade que se pretende, já que princípio apenas possui o condão de

informação, na criação de normas.

A existência de leis voltadas à funcionalidade da atividade da empresa e

da propriedade, com vista aos interesses sociais da coletividade, serve de

referência para a adequação comportamental dos empresários e proprietários

desviantes à correta utilização da empresa e da propriedade, buscando moldar a

realidade social, segundo seus valores e normalidade desejada pela sociedade.

O fato das empresas cumprirem a rigor a sua função social, pagando

tributos, gerando empregos, pagando os salários de seus trabalhadores em dia e

melhorando as condições de trabalho, não é suficiente para atender uma

sociedade que almeja por muito mais da funcionalidade da empresa, na

atualidade, principalmente, na adequação com os seus valores éticos e morais.

Daí, a evolução do conceito para o salto à responsabilidade social da empresa

que se trata a seguir.

Da função social da empresa surge a evolução ao novo conceito: a

responsabilidade social da empresa, onde a empresa não se limita a cumprir ao

determinado pelo legislador, mas busca o plus, que permanece à margem do

direito, como a ética, exigido por uma sociedade global de consumo, que institui

uma nova visão de superação do positivismo e um novo modelo de agir das

empresas.

Sobre essa evolução do conceito de função social, Luiz Zanoti leciona

que quando a empresa cumpre, em termos sociais, apenas o que está previsto no

direito positivado, em seus estritos limites, ela tem uma visão eminentemente

legalista, a que se atribui o nome de função social, mas a efetiva responsabilidade

social se inicia a partir desse marco, podendo a empresa ser considerada

socialmente responsável, quando, além de cumprir rigorosamente todas as

obrigações legais junto aos seus stakeholders, também proporcionar o plus, o

adicional, e oferecer uma cesta variada de benefícios sociais para esse mesmo

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público, que ultrapassa as fronteiras do direito positivado. (ZANOTI, 2009, pp.

328-329)

A ética e a moral ganham destaque, nesse novo conceito da atuação

empresarial. Interessante que esses axiomas parecem ganhar força no meio

empresarial, independente de sanção legal, pois a execução dessas ações

sociais não impõe pena àquela empresa que não as executar, mas, sim, a sua

condenação pela sociedade globalizada consumidora, que determina uma nova

postura da empresa atual.

A responsabilidade social da empresa, para sua efetivação, passa pelo

comportamento ético e moral empresarial, que explica os limites conceituais da

função social da empresa. Nesse sentido, quando a empresa apresenta seu

poder-dever à sociedade contemporânea, além de cumprir com a geração de

empregos, arrecadação de tributos, e elaboração de produtos à população, deve

atender de forma ética e moral as relações com seus funcionários, fornecedores e

consumidores, mesmo que ultrapassem os limites legais exigidos pelo legislador.

O poder da empresa possui uma enorme relevância na sociedade atual, o

que impõe para essa uma contrapartida valorativa, a responsabilidade social. Por

isso, quando se desenvolve o poder empresarial, exige-se necessariamente o

desenvolver, também, da ética e moral, como limite social da atuação

empresarial.

Nesse sentido, pode-se afirmar que as empresas devem estar atentas às

suas responsabilidades econômicas e legais (função social), mas não podem

esquecer-se das suas responsabilidades éticas, morais e sociais

(responsabilidade social).

Mesmo que a sociedade contemporânea possua seu caráter heterogêneo

pelo modo globalizado que se apresenta, valores fundamentais como a ética e

moral são pontos comuns e imprescindíveis para as suas relações sociais.

Existe pela sociedade um reconhecimento de que a ética, cultura e

valores morais são inseparáveis de qualquer noção de responsabilidade social.

Isso justifica a verificação que, nas últimas décadas, há um número crescente de

empresas socialmente responsáveis preocupadas com as suas políticas de

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preservação ambiental, inclusão social, cooperação com o Estado, por meio de

parceria público-privada.

Mas não se pode esquecer que toda conduta social responsável traz

também custos na sua realização e, por consequência, pode-se chegar à falsa

conclusão que a empresa socialmente responsável teria um encargo extra, que

refletiria na diminuição de seus lucros. Então, por que as empresas, em número

cada vez maior, buscam praticar ações socialmente responsáveis?

Por uma simples razão: os investidores estão muito mais propensos a

investir em empresas socialmente responsáveis do que empresas que não

possuem esta prática e os consumidores, cada vez em número maior, procuram

dar preferência por produtos de empresas que possuem suas políticas

ambientais, sociais e éticas bem definidas. Então, ser uma empresa socialmente

responsável é altamente lucrativo, nos dias atuais. Nas considerações dos

autores Mateus Bertoncini e Felippe Abu-Jamra Corrêa sobre o tema:

“[...] a gestão corporativa socialmente responsável não só se alinha aos ditames constitucionais como um todo, como, acima de tudo, pode se transformar em retorno financeiro às empresas, pois, afinal, a sociedade que se mostra imbuída de preceitos éticos certamente optará por produtos ou serviços de uma companhia que compartilhe dos mesmos valores.” (BERTONCINI & CORRÊA, 2012, p. 122)

Assim, é evidente que a empresa da atualidade tem a escolha de ser, ou

não ser, socialmente responsável, desde que atue nos limites legais da sua

função social, mas estará fadada às sanções sociais, que podem ser muito mais

efetivas e conclusivas que as penas legais impostas pelo Estado.

Outro aspecto de destaque para diferenciação é a filantropia empresarial,

que estará, via de regra, vinculada ao preceito religioso e pessoal do empresário,

possuindo caráter esporádico e temporário, enquanto a responsabilidade social,

ter compromissado todos os stakeholders, é uma política perene da empresa.

Luiz Zanoti nos explica que são nítidos os limites entre responsabilidade

social e filantropia social; esta última consiste em um conjunto de ações espaças

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e descontinuadas, de cunho beneficente, assistencialista e paternalista, com a

marca da generosidade, muitas vezes, impulsionadas por convicções de fundo

religioso, bem como, limitam-se a amenizar problemas momentâneos de um

grupo social. Já a responsabilidade social, ao revés, pois, além de disponibilizar

recursos financeiros para aquelas práticas, busca atingir segmentos sobre os

quais a empresa não tem interesse direto ou indireto, primando por auxílios

contínuos e perenes. (ZANOTI, 2009, p. 113)

Percebeu-se que a funcionalidade da empresa não está somente em

gerar empregos, renda e produção, mas também em produzir resultados sociais

efetivos e eficazes, para uma sociedade consciente de seus valores éticos e

morais. Por reconhecer na empresa um papel essencial de repercussão e

consecução desses valores, a sociedade de hoje exige novos conceitos, na

atuação empresarial, que efetivem seus direitos e garantias fundamentais, como

forma de atingir a justiça social e a dignidade humana, por meio da

Responsabilidade Social.

Por todo o exposto, levantou-se, nesta seção, o estudo e a análise do

problema da diferenciação conceitual dos instrumentos sociais: função social,

responsabilidade social e filantropia na empresa da atualidade. A função social

não pode ser entendida como sendo exterior à propriedade e, sim, como

elemento integrante à sua estrutura. Em outro prisma, a função social também

não deve ser entendida como assistencialismo ou utilização racionalizada da

propriedade, elementos que não dependem somente da vontade do proprietário e

da regulação pelo Estado, mas da utilização honesta, ética, justificada e justa da

propriedade, com o objetivo de produzir bens de consumo para o bem-estar e

desenvolvimento da sociedade.

Desta forma, não se pode dizer que esses instrumentos sociais da

empresa seriam todos reflexos de ações positivas, representando um todo da

função social da empresa, perante uma sociedade.

Da análise dos instrumentos sociais da empresa, conclui-se que a

distinção conceitual é de suma importância para a compreensão da

funcionalidade social da empresa, já que essa não está somente para gerar

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empregos, renda e produção, mas para produzir resultados sociais efetivos e

eficazes, para uma sociedade consciente de seus valores éticos e morais.

Por reconhecer na empresa um papel essencial de repercussão e

consecução desses valores, a sociedade de hoje exige novos conceitos, na

atuação empresarial, que efetivem seus direitos e garantias fundamentais como

forma de atingir a justiça social, solidariedade, fraternidade, igualdade e a

dignidade humana.

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Seção II – O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O LIMITE À ATIVIDADE DE

FOMENTO

A evolução do Estado Moderno, a partir do século XVIII, revela que a

atuação do Estado no domínio econômico se fez de diferentes graus de

intensidade. O primeiro momento caracterizou-se pelo afastamento do Estado da

área econômica, limitando-se a realizar tarefas básicas, como a preservação da

liberdade e da segurança dos cidadãos, o Estado Liberal. Em um segundo

período, observou-se o oposto, um Estado com grande presença e intervenção,

no que diz respeito à exploração direita de atividades econômicas, quanto à

prestação de serviços aos cidadãos, o Estado Social. Em um terceiro momento, o

Estado das últimas décadas do século XX, verificou-se um retraimento da sua

atuação direta na economia, enfraquecendo o modelo de Estado empresário e o

fortalecimento da atividade reguladora, com o objetivo de execução de políticas

públicas. Por óbvio, essa é uma visão simplificada, já que esses fatos não

ocorreram de forma linear e nem exatamente nessa sequência, na formação de

diversos Estados.

O Surgimento do Estado Regulador sobre o Estado Provedor indica

comportamentos em destaque como a desestatização da economia e a

implementação dos programas de privatização, no sentido da transferência para o

setor privado de empresas estatais, por meio de venda de seus ativos em bolsa.

Isso ocorre por uma série de fatores, primordialmente, econômicos, o Estado

deixa a atividade empresarial que desempenhava em vários setores produtivos e

passa a agir de forma indireta, contando com a participação da iniciativa privada,

na busca do bem comum, não alterando a sua marca intervencionista de Estado

Social.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 mostra-se receptível a essas

tendências, abrindo para iniciativa privada e limitando a atuação do Estado na

economia; porém, permanece uma forte presença do Estado, como agente

normativo, regulador e fomentador da atividade econômica. Nas palavras

extraídas da lição de Luís Cabral de Moncada: “... a intervenção do Estado na

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economia foi a via através da qual a noção de Estado de Direito se foi

modificando”. (MONCADA, 2003, p. 28)

Dentre as maneiras de intervenção estatal na ordem econômica, a

atividade de fomento é a que se percebeu haver menor destaque pela doutrina

nacional, em comparação aos outros modos de intervenção estatal. Talvez,

porque a marca da atividade de fomento, pelo seu caráter positivo, não suscite

maiores preocupações, pois é fonte de incentivos, estímulos e benefícios, não de

sanções negativas.

Contudo, não se deve compreender dessa forma, pois a atividade de

fomento não pode afastar as preocupações acerca dos seus limites jurídicos de

sua utilização, ou não, pela Administração Pública, em detrimento da sociedade

ou de particulares não contemplados por tal medida. Para Luís Jordana de Pozas:

“[...] a atividade administrativa de fomento pode ser definida como a ação da Administração com vista a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos ou riquezas dos particulares que satisfaçam necessidades públicas ou consideradas de utilidade coletiva, sem o uso da coação e sem a prestação de serviços públicos, ou, mais concretamente, a atividade administrativa que se destina a satisfazer indiretamente certas necessidades consideradas de caráter público, protegendo ou promovendo as atividades dos participantes, sem empregar a coação.” (POZAS, 1949, p. 44)

Sobre o estudo sistematizado da atividade de fomento como forma de

intervenção estatal, Célia Cunha Mello destaca, em sua obra, que isso somente

ocorreu; a partir do estudo de Luís Jordana de Pozas, em 1949. (MELLO C. C.,

2003, p. 20)

O objetivo desta seção é analisar a importância econômica do instituto

do “fomento”, como instrumento de política pública do Estado, com vista à

igualdade entre os portes das empresas e de estímulo ao empreendedorismo, na

micro e pequena empresa do Brasil.

Para tanto, manter-se o foco da preocupação na atividade estatal de

fomento às micro e pequenas empresas, dando-se ênfase à necessária

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observância do regime jurídico administrativo e a sua dimensão de sujeição ao

princípio da isonomia.

Há três formas distintas para a intervenção estatal na ordem

econômica, a saber: i) por meio da atuação direta do Estado, na prestação de

serviços ou produção de serviços; ii) por meio da edição de normas jurídicas que

disciplinem e limitem a atuação econômica dos particulares, sejam elas gerais e

abstratas, sejam individuais e concretas; iii) por meio da atividade de fomento,

através da qual o ente estatal procura incentivar o comportamento dos

particulares, oferecendo a esses estímulos ou benefícios.

Celso Antônio Bandeira de Mello, quando trata da intervenção estatal

na ordem econômica, faz menção ao poder de polícia como “a atividade

reguladora da ordem econômica”, aos incentivos à iniciativa privada como “os

estímulos com favores fiscais ou financiamentos, até mesmo a fundo perdido” e

quanto à atuação empresarial do Estado, a ação do “Poder Público que propõe-se

a agir como protagonista da exploração econômica”, em suma, a intervenção do

Estado, na atividade econômica, pode ocorrer “disciplinando, fomentando e

assumindo” a atividade empresarial. (MELLO, 2011, p. 810)

Mesma concepção possui Eros Roberto Grau, quando identifica três

maneiras de intervenção do Estado, no domínio econômico: a intervenção por

absorção (em regime de monopólio) ou participação (em regime de competição),

quando o Estado age diretamente na produção de bens e serviços; a intervenção

por direção, quando o estado age na edição de normas de observação obrigatória

por todos os agentes que exerçam certa atividade econômica e a intervenção por

indução, quando o Estado age através de incentivos aos particulares, a atividade

de fomento propriamente dita. (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de

1988, 2010, pp. 146-147)

Em nossa Constituição Federal, essa concepção de intervenção do

Estado, no domínio econômico, é semelhante, bastando analisarmos o artigo 173,

que autoriza a atuação direta do Estado como empresário, em casos

excepcionais, e no artigo 174, que autoriza a atuação indireta do Estado, quando

age como agente normativo e regulador, exercendo as funções de fiscalização,

incentivo e planejamento, com o objetivo de influenciar o comportamento da

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iniciativa privada e dos particulares. Na dicção de Eros Roberto Grau, a

“intervenção indireta se dá sobre o domínio econômico, enquanto a direta se dá

no domínio econômico”. (grifo nosso) (GRAU, A Ordem Econômica na

Constituição de 1988, 2010, p. 147)

Nesse último dispositivo constitucional, objeto desta seção, a atuação

intervencionista do estado no domínio econômico é indireta, através da sua

atividade reguladora ou da atividade fomentadora, caracterizada pelo

comportamento do Estado que “limita-se a condicionar, a partir de fora, a

atividade económica privada, sem que assuma a posição de sujeito económico

activo”. (MONCADA, 2003, p. 43)

O Estado tem, na atividade de fomento, uma importante ferramenta de

desempenho e efetivação das suas políticas públicas, e, por esse motivo, a

atividade de fomento é uma atividade administrativa. Essa atividade administrativa

busca direcionar comportamentos da iniciativa privada por meio da oferta de

estímulos, incentivos e benefícios não os impondo, mas induzindo ao

desempenho de atividades que o Estado tem como necessárias ao interesse

público.

Celso Antônio Bandeira de Mello, em uma brevíssima menção sobre a

atividade de fomento na sua obra, explica-nos que: “o poder Público pode, com

fulcro no art. 149 da Constituição Federal, instituir “contribuições de intervenção

no domínio econômico” e que “esta se exerce ora por meio de incentivos fiscais,

ora por meio de financiamentos.”(MELLO C. B., 2011, p. 827)

A atividade administrativa do fomento tem como característica não o

desempenho direto pelo Estado do que se pretende realizar, e, sim, pela iniciativa

privada que é estimulada a realizá-la; trata-se de uma forma de intervenção

indireta do Estado, na ordem econômica. Nas palavras de Juan Carlos Cassagne:

“[...] La utilización de la técnica de fomento, enunciada como tal a partir del siglo XVIII, implica la aplicación adecuada del princípio de la subsidiariedade, en cuanto el Estado, frente a una situación de insulficiencia, estimula la realización de las actividades faltantes, em lugar de realizarlas por su própria cuenta [...]”. (CASSAGNE, 1987, p. 158)

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Ao particular é livre para aderir ou não à tarefa proposta e desejada

pelo Estado. Isso, porque, através do fomento, o Estado não impõe o dever de

observar certa conduta, mas apenas estimula sua adoção. Se não a aceita, não

cria qualquer vinculação jurídica com o Estado e muito menos qualquer sanção

negativa; porém, quando a aceita, cria o vínculo jurídico, uma obrigação de fazer,

ou melhor, de desempenhá-la nos ditames estabelecidos no planejamento

Estatal, para que possa atingir a fruição dos benefícios, na medida de fomento.

Nos ensinamentos de Diogo Moreira Neto, “não é imposto à sociedade,

o Estado não obriga ninguém, indivíduo ou empresa, valer-se dos instrumentos

jurídicos de incentivo: relaciona-se com o Estado, nesse campo, quem o desejar.”

(MOREIRA NETO, 1990, p. 467)

Na Lei Complementar 123/2006, que institui o “Estatuto Nacional da

microempresa e da Empresa de Pequeno Porte”, no seu artigo 16, pode-se

observar claramente essa condição sobre a adesão voluntária ao regime

diferenciado tributário.

Quando a iniciativa privada “aceita” o fomento proposto pelo Estado,

cria uma vinculação jurídica com a administração, obrigando-se a realizar o

comportamento desejado. Contudo, se aceitou e não o realizou, rompendo o

contrato, sujeitar-se-á às sanções negativas cabíveis. Como averba Eros Roberto

Grau:

“[...] Ao destinatário da norma resta aberta a alternativa de não se deixar por ela seduzir, deixando de aderir à prescrição nela veiculada. Se adesão a ela manifestar, no entanto, resultará juridicamente vinculado por prescrições que correspondem aos benefícios usufruídos em decorrência dessa adesão.” (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 2010, pp. 148-149)

O fomento é um instrumento de grande importância às políticas

públicas do Estado, tendo como destinatário a satisfação do interesse público.

Este é o seu caráter instrumental, como atividade administrativa em espécie, e,

sendo como tal, deve ser prevista em lei e visar à satisfação do interesse público.

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A Administração Pública se submete a um regime jurídico administrativo, quando

utiliza a atividade estatal de fomento. Por esse motivo, devem ser respeitadas as

normas jurídicas que encontram suas bases em dois princípios importantes à

atividade estatal, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello: o princípio da

indisponibilidade do interesse público e o princípio da supremacia do interesse

público.

Assim, a atividade de fomento submete-se a todos os princípios da

administração pública, como da: legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade, eficiência, motivação, da isonomia, da finalidade, da razoabilidade,

da proporcionalidade, do devido processo legal e da ampla defesa, da moralidade

administrativa, do controle judicial dos atos administrativos, da responsabilidade

estatal por atos administrativos, da boa administração e da segurança jurídica.

(MELLO C. B., 2011, pp. 98-126)

Desta feita, as medidas administrativas tomadas obrigatoriamente

devem possuir a chancela legal e a concessão de benefícios, para atender a

finalidade que a lei instituiu, na lição de Gaspar Arino Ortiz:

“[...] Como toda actividad de la Administración, la acción de fomento se halla sometida al principio da legalidad. Sin embargo, históricamente se consideraba una actividad benéfica de los poderes públicos, por lo que no regía el principio de reserva de ley en esta materia. Por el contrario hoy se considera que el otorgamiento de medidas económicas de fomento debe someterse al principio de legalidad (aunque sea difícil en la práctica), con varias peculiaridades”. (ORTIZ, 2004, p. 349)

Por óbvio, um benefício apresentado à iniciativa privada, que não tenha

por finalidade única o atendimento a uma necessidade coletiva, nada justificaria a

atuação da administração pública. Nas palavras Sílvio Luís Ferreira da Rocha, o

fomento legítimo e justificado é aquele que visa a promover ou a estimular

atividades que tendem a favorecer o bem estar geral. Se o interesse geral não é

detectável com clareza, a atividade de fomento apresenta-se como ilegítima,

injustificável e discriminatória. (ROCHA, 2003, p. 31)

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A atividade de fomento não pode ser exercida com o propósito de

beneficiar os amigos e prejudicar os inimigos de quem detém o poder de exercê-

-lo. A este deve a observância da impessoalidade e da igualdade que se espera

dos atos da administração pública.

O Estado recebe poderes para cumprir a sua finalidade ínsita, sendo

que esses poderes têm limites, quanto à sua estruturação funcional dos deveres-

poderes administrativos promocionais, melhor dizendo, “poderes-deveres”, na

lição de Celso Antônio Bandeira de Mello.

Daí, a razão que a atividade de fomento deve ser determinada em lei,

como se preconiza o Estatuto Nacional da microempresa e da Empresa de

Pequeno Porte, na Lei Complementar 123/2006, não se admitindo a estipulação

por regulamento ou ato administrativo; a esse respeito, Hely Lopes Meirelles

assevera que a administração pública só pode ser exercida, na conformidade da

lei, sendo essa uma atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de

comandos complementares à lei:

“[...] A função da atividade administrativa só poderá ser a de agregar à lei nível de concreção; nunca lhe assistirá instaurar originariamente qualquer cerceio a direitos de terceiros. É a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embarque favoritismos, perseguições ou desmandos.” (MEIRELLES, p. 87)

Além dos princípios já citados, outro princípio que se coaduna à

atividade de fomento é o princípio da repartição de riscos. Na interpretação dada

por Sílvio Luís Ferreira da Rocha, esse princípio é que impede considerar a

atividade de fomento como mero ato de liberalidade administrativa, que exonere o

beneficiário de todo risco ou da obrigatoriedade de aportar recursos próprios para

a atividade fomentada. Dessa forma, a atividade promocional empreendida pela

Administração Pública não pode prescindir do investimento de recursos pelos

particulares, em favor da atividade que se quer incentivar ou promover. (ROCHA,

2003, p. 33)

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No momento em que o Estado sinaliza a pretensão de deixar de ser

Estado Provedor para ser Estado Regulador, existe a redescoberta natural da

atividade de fomento; porém não é porque esta atividade administrativa estatal

durante anos foi relegada à segundo plano, que os princípios não devem ser

obedecidos. A indignação de Sílvio Luís Ferreira da Rocha pelo abusos

cometidos: “... há natural redescoberta da atividade de fomento, sem que se dê a

devida conta que esta também deve obedecer aos princípios que regem toda a

atividade administrativa”. (ROCHA, 2003, p. 34)

Como se pode observará adiante, dentre tantas violações pelos

agentes públicos aos princípios ensejadores do regime jurídico administrativo,

uma se destaca: o princípio da isonomia.

A Administração Pública, ao exercer a atividade de fomento, utiliza

diversos meios e formas, que variam de ordenamento jurídico para outro. Esses

diversos meios e formas têm sido objeto de estudo e classificações pela Doutrina.

Os critérios utilizados levam em conta a atuação do Estado sobre a vontade da

iniciativa privada e tipos de vantagens que se outorgam para a promoção ou

proteção das atividades.

O fomento, quanto ao critério forma de atuação do Estado sobre a

vontade da iniciativa privada, pode ser: fomento negativo e fomento positivo. O

primeiro, objetiva a obstaculizar ou desalentar o desenvolvimento pela iniciativa

privada, onerando-a, por meio da tributação excessiva, por considerá-la contrária

ao interesse público; como exemplo clássico, as bebidas e os cigarros. A

segunda, foco de nosso estudo, objetiva o estímulo ou a promoção ao

desenvolvimento, pela inciativa privada, de determinada atividade, subsidiando,

incentivando, oferecendo vantagens, como prestações ou até bens pela

Administração Pública.

Na Lei Complementar 123/2006, na Seção II – Das Vedações ao

Ingresso no Simples Nacional, tem-se um claro exemplo de fomento negativo, ao

excluir seguimentos de atividades empresarial, independente do porte da

empresa.

O autor Celso Antônio Bandeira de Mello utiliza-se, no seu critério de

classificação, os tipos de vantagens que se outorgam para a promoção ou

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proteção das atividades. São eles: i) honoríficos, ii) jurídicos e iii) econômicos. O

Sílvio Luís Ferreira da Rocha critica essa classificação, quando entende que “a

atribuição das vantagens honoríficas e econômicas está prevista em normas,

essa espécie de fomento não deixa de ser jurídica.”, porém não as deixa de

utilizar, na sua obra. (ROCHA, 2003, p. 35)

Meios honoríficos compreendem a atividade administrativa que objetiva

fomentar atividades que a sociedade reconhece como relevante, através de

concessão de títulos, prêmios, condecorações, estimulando a atuação da

iniciativa privada, como destaca Célia Cunha de Mello, ao citar as palavras da

lição de Garrido Falla: “(...) aquellos médios de fomento que tienen su base

fundamental en el sentimiento del honor y la natural tendência humana hacia la

diferenciación y distinción” (MELLO C. C., 2003)

Meios jurídicos compreendem a atividade administrativa que objetiva

fomentar certos indivíduos ou categorias de particulares, concedendo-lhes um

status jurídico excepcional e favorecido. Esses indivíduos ou categorias de

particulares sujeitam-se a um regime jurídico especial, uma vez que a

Administração Pública lhes outorga algum tipo de privilégio. É o caso das micro e

pequenas empresas, nos termos da Lei Complementar 123/2006, o Estatuto

Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, onde há um regime

jurídico privilegiado e favorecido, quanto ao seu tratamento, em comparação às

empresas de porte superior. Na lição de Sílvio Luís Ferreira da Rocha:

“Os meios jurídicos de fomento atuam sobre a condição jurídica dos particulares fomentados e consistem em situações de vantagens ou privilégios desse caráter, que dão lugar a que o particular chegue a beneficiar-se pela utilização ou emprego de meios jurídicos excepcionais”. (ROCHA, 2003, p. 37)

Por derradeiro, os meios econômicos, consistem no objetivo da

administração pública em conceder vantagens de natureza patrimonial à inciativa

privada que exerça atividade que deseja fomentar. Essas vantagens podem ser

reais, fiscais, creditícias e econômicas, no sentido estrito. A primeira, quando a

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Administração Pública cede o uso de bens públicos aos particulares; na segunda,

quando confere isenções, imunidades tributárias, redução de alíquotas, remissão,

anistia, diferimentos e fixação de prazos excepcionais para o recolhimento de

tributos; na terceira, se conferem aos particulares linhas de crédito ou

financiamentos privilegiados ou subsidiados, e por último, quando se conferem

ajuda aos particulares, por meio de subvenções ou auxílios.

Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra, “O Conteúdo Jurídico

do Princípio da Igualdade”, tem motivado inúmeros autores a momentos de

reflexão e análise, correlacionados com diferentes áreas e temas do nosso

ordenamento jurídico. Explica o princípio constitucional da isonomia,

ultrapassando os limites da técnica Aristotélica, nos seus questionamentos: se a

igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais,

“[...] quem são os iguais e quem são os desiguais?”; “[...] qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos diversos?”; “[...] que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos no princípio da isonomia?” (MELLO C. A., 2011, p. 11)

Na busca pela resposta de tais questionamentos, o autor Celso Antônio

Bandeira de Mello estabelece um delineamento lógico para a adequada

interpretação ao princípio da igualdade. Em resumidíssima síntese, sem pretender

distorcer a profundidade do tema estudado pelo autor, a ideia de compatibilidade

do princípio da igualdade com o tratamento desigual deve ser fundado em critério

diferencial que não particularize, de modo absoluto, o indivíduo, que será tratado

de forma peculiar, pois, caso contrário, “corresponderia ou à imposição de um

gravame incidente sobre um só indivíduo ou atribuição de um benefício a uma

única pessoa, sem ensanchar sujeição ou oportunidade aos demais”. (MELLO C.

A., 2011, p. 24)

O autor, na sua análise, ensina que o critério diferencial dever ser

inerente à pessoa, à coisa ou à situação a que se pretende dar um tratamento

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diferenciado, ou seja, “o que autoriza discriminar é a diferença que as coisas

possuam em si e a correlação entre o tratamento desequiparador e os dados

diferenciais radicados nas coisas.” (MELLO C. B., 2011, p. 34).

Sobre essa orientação, o pesquisador poderia chegar a uma conclusão

precipitada de que qualquer traço diferencial poderia ser invocado, com motivo de

ser de um tratamento jurídico desigual. Isso não legitima que tal tratamento

desigual seja válido, à luz do princípio da isonomia.

Para que o tratamento jurídico desigual seja compatível com o princípio

da isonomia, é necessário que seja proveniente uma decorrência lógica do fator

de diferenciação escolhido e exista a promoção de valores protegidos pelo texto

constitucional. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“As discriminações são recebidas como compatíveis com cláusula igualitária apenas e tão somente quando existe um vínculo de correção lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição.” (MELLO C. B. 2011, p. 17)

Por isso, entre o elemento eleito como fator de diferenciação e

tratamento jurídico administrativo deve haver uma correlação lógica, não sendo

possível, com o princípio da igualdade, que a discriminação se realize de forma

fortuita ou arbitrária; pelo contrário, deve se fundar na relação da relação de

pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta. (MELLO C. A., 2011, pp.

38-39)

O Legislador inquinado pelos novos rumos trazidos por nossa

Constituição Federal achou por bem garantir às micro e pequenas empresas, em

razão da relevância socioeconômica que apresenta um tratamento jurídico

diferenciado, consignado sob duas formas: a) norma-princípio (artigo 170, inciso

IX), e b) norma constitucional programática (artigo 179).

As micro e pequenas empresas dependem desses discrímens legais,

que lhe são concedidos para terem condições de concorrer com as médias e

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grandes empresas, tendo o Estado, ciente de sua função administrativa de

fomento ao desenvolvimento e visando os ditames da Justiça Social e os

princípios norteadores da Ordem Econômica, a obrigação de lhes assegurar tal

tratamento.

Seguindo os ensinamentos do autor Celso Antônio Bandeira de Mello

na sua obra, esse tratamento jurídico discriminatório concedido às micro e

pequenas empresas guarda uma lógica com o fator de diferenciação eleito, já que

a compatibilidade com o princípio da isonomia, nesse caso, promove valores

tutelados pela Constituição, que servem de parâmetro para aferir a legitimidade

do regime jurídico diferenciado. No dizer do autor, aqui, o que

“[...] importa, consoante salientado, que haja correlação lógica entre o critério desigualador e a desigualdade de tratamento” [...] “Sobre existir nexo lógico, é mister que este retrate concretamente um bem – e não um desvalor – absorvido no sistema normativo constitucional.” (MELLO C. B., 2011, p. 42)

Desta feita, não há que falar em desigualdade entre as micro e

pequenas empresas, em relação às empresas dos demais portes, pois o

legislador constitucional sabiamente vislumbrou que somente seria possível uma

igualdade entre as empresas, quando o tratamento às primeiras fossem de forma

diferenciada e favorecida.

A Administração Pública, quando na prática da atividade de fomento,

caminha sobre uma linha divisória tênue entre atuar ou não atuar contra o

princípio constitucional da isonomia, entre praticar ou não a Justiça Social, ou

mesmo, entre ultrapassar ou não os limites dos princípios norteadores da Ordem

Econômica.

A Atividade de Fomento oferece um campo vasto e fértil à produção de

desigualdades, marcada pela concessão de benefícios e vantagens aos

particulares que tenham um comportamento dentro do desejado pelo Estado, pois

do contrário, por conta da sua escolha em não desejar o tratamento especial,

pode eventualmente ser prejudicial ao desempenho da sua atividade empresarial.

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Está aí o perigo de o Estado saber utilizar esse importante instrumento

de forma consciente, pois, da mesma forma que pode privilegiar a Justiça Social,

diminuindo as desigualdades, pode produzi-las e potencializá-las, concentrando

as vantagens e os benefícios desproporcionais nas mãos de poucos ou para os

“amigos do rei”. Eros Roberto Grau, sobre o comportamento do Estado, alerta:

“A sedução à adesão ao comportamento sugerido é, todavia, extremamente vigorosa, dado que os agentes econômicos por ela não tangidos passam a ocupar posição desprivilegiada nos mercados. Seus concorrentes gozam, porque aderiram a esse comportamento, de uma situação de donatário de determinado bem (redução ou isenção de tributo, preferência à obtenção de crédito, subsídio, v.g.), o que lhes confere melhores condições de participação naqueles mercados.” (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 2010, p.149)

A atividade de fomento é essencialmente discriminatória, já que propõe

dar vantagens e benefícios a alguns particulares e não a todos, restando o

questionamento: o tratamento discriminatório ofende ao princípio da igualdade?

Haveria desigualdade entre tratamentos diferenciados, considerando o porte das

empresas?

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a Atividade de Fomento, para

compatibilizar-se com o princípio da igualdade, deve ser exercida de forma que as

vantagens e benefícios sejam disponibilizados apenas ao particular que

efetivamente se destacar, sendo possível a todos os que se destacarem pela

prática da atividade tida como necessária ao interesse do Estado e na satisfação

do interesse público, e, além disso, a concessão das vantagens e tratamento

diferenciado, voltado à promoção de valores compatíveis com o texto

constitucional.

Por isso, pode-se dizer que o tratamento diferenciado e favorecido às

micro e pequenas empresas, enquanto norma constitucional prevista no artigo

170, inciso IX, não ofende o princípio da igualdade, quanto ao porte das

empresas.

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O grande risco ao princípio da igualdade são as vantagens e

benefícios, quando distribuídos sem qualquer critério de razoabilidade e

proporcionalidade que justifique o tratamento diferenciado, ou mesmo, exclua,

não sendo possível, a todos os que se destacarem pela prática da atividade, ter o

acesso.

Na primeira situação, os particulares beneficiados são escolhidos, não

porque se distinguem dos demais pela sua atuação numa atividade, cuja

promoção é de interesse coletivo, como definido em lei, mas, sim, porque possui

meios de exercer pressão política ou mesmo pelo simples apadrinhamento

político.

No Estado de Mato Grosso, os incentivos fiscais, quando originalmente

criados na gestão do então Governador Dante de Oliveira, particularizava a

atividade produtiva que o Estado desejava fomentar, como os Programas de

PRÓARROZ, PRÓCAFÉ, PRÓALMAT, PRÓMINERAÇÃO e outros mais. A esse

conjunto de programas fomentadores deu-se o nome “Mato Grosso é Hora de

Investir”. Esses programas partiam da premissa que, identificada uma cadeia

produtiva que o Estado pretendia estimular a sua verticalização, desde a

produção primária até a produção acabada. Para isso, o Estado renunciava parte

significativa da receita tributária (ICMS), na condição de o empresário, na sua

contrapartida ou retribuição, demonstrasse ser, o investimento realizado na

atividade, proporcional à renuncia concedida.

Norberto Bobbio também identifica essa situação de retribuição

empresarial, na sua obra “Dalla Struttura ala funzione”, no trecho que faz

referência:

“[...] às medidas indiretas, ao contrário, o comportamento não desejado ou desejado continua sendo possível, mas se torna mais difícil ou mais fácil, ou então, uma vez praticado, é seguido por medidas que pretendem sua retribuição ou reparação. (BOBBIO, 2007, p. 31)

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Já na gestão seguinte ao governo do Estado de Mato Grosso, o

empresário Blairo Maggi estabeleceu não mais particularizar as atividades

produtivas e estendeu indistintamente a todas as atividades produtivas, inclusive

ao comércio, dando o nome a esse Programa de PRODEIC – Programa de

Desenvolvimento Industrial e Comercial do Estado de Mato Grosso, tendo, como

critério subjetivo, o percentual de renúncia fiscal e a aprovação pelo Conselho de

Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso, composto por políticos e

representantes das Federações de Classes. Verdadeiras fortunas se formaram, à

custa da evasão fiscal legalizada e da desigualdade social, a exemplo, do próprio

Governador, que recebeu merecidamente o prêmio “Motosserra de Ouro” de um

programa nacional de humor e do atual prefeito de Cuiabá, o empresário Mauro

Mendes, que, em pouco mais de cinco anos, partiu de uma atividade empresarial

de serralheria para um patrimônio de milhões de reais e a maior empresa de

metalurgia do Centro Oeste do país. Registre-se: Mauro Mendes foi presidente da

FIEMT – Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso e apadrinhado

político do atual Senador da República Blairo Maggi, como atual prefeito da

Capital do Estado, cidade de Cuiabá.

Por óbvio, o princípio da igualdade, na segunda gestão, passa longe da

sua função constitucional da Justiça Social, comparativamente à primeira gestão.

Enquanto a primeira particularizou, para estimular somente aqueles setores

necessários ao desenvolvimento regional e criou critérios objetivos para a adesão

ao incentivo, a segunda generalizou e criou critérios subjetivos, proporcionando

desigualdades distributivas de renda, social e regional, contribuindo para um

Estado endividado, tanto no aspecto econômico como no social.

Não se ignoram que muitas das subvenções são concedidas às

organizações não governamentais, pela única razão de serem ligadas a grupos

políticos que se encontram no exercício do poder estatal, ou, como se viu no

exemplo apresentado, benefícios fiscais outorgados a setores empresariais, não

porque sejam os mais necessitados ou que gerem empregos e renda, mas,

infelizmente, porque são dotados de maior poderio de influência política.

Essa configuração não é apresentada somente como um problema do

Estado de Mato Grosso, ou Nacional, mas é um fenômeno de preocupação

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Global, nas palavras de Ariño Ortiz analisando a Espanha: “[...] las subvenciones

generan um nuevo caciquismo, practicado com dinero público.” (ORTIZ, 2004, pp.

370-371). O perigo do não controle da atividade de fomento é a instituição do

“Estado de Amiguismo”, onde somente os “amigos do rei” têm acesso ao

banquete.

A segunda situação de risco ao princípio da igualdade é a exclusão de

alguns, em detrimento de outros, da mesma particularização setorial, não sendo

possível o acesso ao fomento para todos os que se destacam pela prática ou

atividade.

Isso pode ser identificado na Lei Complementar 123/2006, do Estatuto

Geral da micro e pequena empresa, no seu artigo 17, em alguns incisos, quando

proíbe o acesso ao “Simples Nacional” de certas atividades que exerçam o

transporte intermunicipal e interestadual de passageiros; importadora ou fábrica

de automóveis e motocicletas; atividade de produção ou venda no atacado de

cigarros, cigarrilhas, charutos, filtros para cigarros, armas de fogo, munições e

pólvoras, explosivos e detonantes; bebidas alcoólicas, refrigerantes, inclusive

águas saborizadas gaseificadas, preparações compostas, cervejas sem álcool,

prestadores de serviços de cessão ou locação de mão de obra, atividade de

consultoria, como destaque para nossa análise.

Não desejando, aqui, discutir quanto ao critério imposto pelo Estado

Brasileiro para criar o fator de discriminação dentro da própria lei discriminadora

das micro e pequenas empresas, surpreende-nos outra questão, quanto ao

acesso aos Juizados Especiais dessas empresas descriminadas previsto no

artigo 74. Alguns magistrados impõem a apresentação de Certidão de

Regularidade Fiscal da Receita Federal para acesso a essa Justiça

Especializada. Com todo respeito ao entendimento, parece-me que existe um

equívoco, na interpretação da norma. A condição de estar ou não no regime

especial tributário ou no rol de atividades empresárias discriminadas, ou mesmo,

a inadimplência junto à Receita, não excluem a condição de micro e pequena

empresa prevista no artigo 3º, e, por consequência, o seu direito de acesso a

essa Justiça Especializada.

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Também podem ocorrer outros tratamentos discriminatórios, em

relação à medida do fomento outorgado em critérios lógicos, com base no traço

diferenciado dos beneficiados, mas com ofensa ao princípio da igualdade, em

razão de valores incompatíveis com o texto constitucional. Nas situações de,

concessão de benefícios fiscais para determinado grupo de empresas, que acabe,

por fim, prejudicando a livre concorrência, prevista no artigo 170, IV da

Constituição Federal, ou mesmo, a concessão de financiamentos públicos

subsidiados para fomentar operações societárias, que produzam, como resultado,

a concentração de mercado, prejudicando os consumidores, confrontando o

dispositivo constitucional do Artigo 170, V. Nas conclusões de Celso Antonio

Bandeira de Mello:

“[...] fica sublinhado que não basta a exigência de pressupostos fáticos diversos para que a lei distinga situação sem ofensa à isonomia. Também não é suficiente o poder-se arguir fundamento racional, pois não é qualquer fundamento lógico que autoriza desequilibrar, mas tão-só aquele que se orienta na linha de interesses prestigiados na ordenação jurídica máxima. Fora daí ocorrerá incompatibilidade com o preceito igualitário.” (MELLO C. B., 2011, p. 43)

Isso significa que não basta existir a prática da atividade destacada,

tida como necessária ao interesse do Estado e na satisfação do interesse público,

bem como, previsão constitucional ao favorecimento, mas, também, a

consonância da sua viabilidade com toda a estrutura do ordenamento

constitucional.

A Administração Pública, na margem da sua discricionariedade, possui

o poder de utilizar ou não a Atividade de Fomento, como forma de planejamento e

realização dos seus objetivos propostos pela sua gestão. Celso Antonio Bandeira

de Mello conceitua a discricionariedade como:

“[...] a margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada

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caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente.” (MELLO C. B., 2011, pp. 988-989)

Não é fácil determinar, na discricionariedade do administrador público,

quando há ou não a observância ao princípio da isonomia, porém é possível

estabelecer limites e alguns critérios para sua sujeição, estabelecendo

comportamentos que, caso observado, poderá reduzir bastante os riscos

apontados anteriormente.

Eros Roberto Grau, sobre o planejamento, não o considera como forma

de intervenção estatal, pois entende que verdadeiramente não o é, mas

necessário na identificação do fim que se pretende. Nas palavras do autor:

“[...] note-se que tanto intervenção, no quanto intervenção sobre o domínio econômico, podem ser praticadas ad hoc ou, alternativamente, de modo planejado – mas, simplesmente, um método a qualificá-la, por torná-la sistematicamente racional.” (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 2010, p. 150)

Mesmo havendo ou não o planejamento pela Administração Pública a

realização da intervenção estatal, através das medidas de fomento,

primordialmente, deve ocorrer no privilégio do princípio da razoabilidade e da

transparência. A definição de critérios objetivos e claros a serem cumpridos pelos

interessados a se candidatar ao fomento apresentado pela Administração Pública

é o primeiro passo para a obediência ao princípio da isonomia. A ideia de

fomentar o particular, no exercício de qualquer que seja a atividade, parte do

cumprimento de uma finalidade de interesse geral, específica e determinada. Nos

ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Mello:

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“[...] se fez menção aos elementos básicos que permitem localizar os confins da discricionariedade. São os próprios pressupostos legais justificadores do ato, a finalidade normativa – ainda que expressos mediante conceitos algo imprecisos – e a causa do ato que determinam os limites da discrição.” (MELLO C. B., 2011, p. 989)

A atividade fomentada possui, antes de tudo, uma finalidade que se

deseja alcançar; não pode estar perdida no tempo e no espaço, sem qualquer

objetivo ou causa a ser alcançada. O fim que se destina o fomento também deve

estar vinculado ao interesse geral, pois, se for interesse individual, fere não só o

princípio da isonomia como os próprios da Administração Pública, fixados no

artigo 37 da Carta Magna. Silvio Luís Ferreira Rocha nos explica que: “A atividade

de fomento deve sempre buscar a incentivar ou preservar uma atividade privada

que satisfaça necessariamente um interesse geral. A atividade de fomento que

não persiga um fim de interesse geral, não é lícita.” (ROCHA, 2003, p. 31)

O interesse individual da média e grande empresa, quanto ao auferir os

lucros de sua atividade, é legítimo, porém esse não deve prejudicar os interesses

da coletividade, sucumbidos pela concorrência de mercado. Por este motivo, o

Legislador garantiu às micro e pequenas empresas tratamento diferenciado, como

forma de sobrevivência dessas, no livre mercado, e garantia a dignidade das

gerações futuras, a estabilidade econômica e social.

Os critérios para participação da atividade fomentada pela

Administração Pública devem ser objetivos e serão utilizados para escolha dos

beneficiários. Pelo princípio da isonomia, todos aqueles que atingirem as

condições estabelecidas pela Administração Pública devem ser beneficiados pela

medida fomentadora. Caso isso não seja possível, numa situação de escassez de

recurso, a escolha deverá ser também na objetividade, mas por um processo

competitivo, à luz da Lei 8.666/1993.

A licitação pública também pode ser um forte instrumento de fomento

nas políticas públicas, como o citado pela Mestra Aline Cristina Koladicz, na sua

dissertação de conclusão de curso pela UNICURITIBA, ao relatar o Guia de

Compras Públicas Sustentáveis, promovido pela FGV – Fundação Getúlio Vargas,

para “o atendimento das necessidades por meio de uma compra que ofereça um

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maior número de benefícios ao ambiente e à sociedade”. (KOLADICZ, 2009, pp.

107-108)

Além de tudo já exposto, não se pode esquecer de que, para todos os

atos administrativos, há a exigência da observância ao princípio da isonomia para

viabilizar a atividade administrativa fomentadora. Essa obriga o administrador

público a explicitar suas razões motivadoras de fato e de direito que levaram a

conceder tal vantagem ou benefício a esse ou aquele particular. A motivação

dificulta a concessão de vantagens arbitrárias, sem a razoabilidade e

proporcionalidade.

Enfim, após esse momento de estudo e análise da importância

econômica do instituto do “fomento”, como instrumento de política pública do

Estado, com vista à igualdade entre os portes das empresas e de estímulo ao

micro e pequeno empreendedorismo no Brasil, pode-se considerar que:

O Estado Moderno, a partir do século XVIII, busca atuar, no domínio

econômico, com diferentes graus de intensidade. Na atualidade, o Estado Social

age de forma indireta, demandando a participação da iniciativa privada, na busca

do bem comum. Isso é um campo fértil para a promoção positiva e a prática da

atividade de fomento pelo Estado. No Brasil, a nossa Constituição de 1988

mostra-se receptível a essa tendência.

A atividade de fomento não pode afastar as preocupações acerca dos

limites jurídicos de sua utilização, pois, da mesma forma que pode ser

considerada um importante instrumento para o desenvolvimento de políticas

públicas, também pode produzir desigualdades, quando não observados pelo

administrador público os princípios norteadores da administração pública.

As políticas públicas de fomento têm, como destinatário, o interesse

público, devendo ser previstas em lei, pois do contrário é ilegítima, injustificável e

discriminatória.

O interesse individual da média e grande empresa, quanto ao auferir

lucros de sua atividade, é legítimo, mas esse não deve prejudicar os interesses da

coletividade, pela concorrência desproporcional com as micro e pequenas

empresas. Por esse motivo, justifica o tratamento favorecido e diferenciado à

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sobrevivência dessas no livre mercado, a dignidade das gerações futuras e a

estabilidade econômica e social.

As micro e pequenas empresas dependem da discriminação legal que

lhe são concedidas para terem condições de concorrer com as médias e grandes

empresas, pois, dessa forma, o Estado cumpre, mediante a atividade de fomento,

com o desenvolvimento, nos ditames da Justiça Social.

O tratamento jurídico discriminatório concedido às micro e pequenas

empresas possui lógica, como fator de diferenciação quanto ao porte e

compatibilidade com o princípio da igualdade.

A administração pública, na margem da sua discricionariedade, não

pode perder de vista a observância do princípio da igualdade para viabilizar a

atividade fomentadora, por meio de critérios objetivos, razoáveis e proporcionais

aos motivos ensejadores.

A atividade de fomento é discriminatória na sua essência, porém não

ofende o princípio da isonomia, quando oferecidas, ao particular que se destacar,

sendo possível a todos os que se destacarem, pela prática da atividade tida como

interesse público, bem como, as vantagens e tratamento à promoção de valores

que sejam compatíveis com o texto constitucional.

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Capítulo III

ASPECTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOCIAIS DO EMPRESÁRIO

Seção I – DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DO EMPRESÁRIO DA MPE

O tema central desta seção é analisar o princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana, na perspectiva do empresário da MPE, no

desenvolvimento da sua atividade empresarial, e responder à pergunta: em que

medida se pode considerar a aplicabilidade do princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana, na figura do empresário da MPE?

Considera-se, para desenvolvimento desta seção, a obra do autor Ingo

Wolfgang Sarlet, “Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na

Constituição Federal de 1988”, apresentando aspectos humanísticos, quanto à

atividade empresarial do empresário da MPE.

Busca-se desenvolver um breve comentário sobre a evolução histórica do

direito comercial, suas teorias subjetivas e objetivas e o conceito de empresário

para atingir-se o ponto crucial da nossa proposta, a perspectiva do empresário da

MPE, na atualidade.

Analisa-se o instituto constitucional da dignidade da pessoa humana no

sistema jurídico, na diretriz de que o ser humano deve ser tratado como um fim

em si mesmo, e, por consequência, o princípio da dignidade da pessoa humana

não ser apresentada de forma isolada, mas como uma unidade interdependente

de prerrogativas humanitárias.

E finalmente, busca-se responder ao problema proposto nesta seção,

analisando-se a dignidade da pessoa humana do empresário da MPE,

consubstanciado na atividade empresarial da micro e pequena empresa como

importante instrumento de inclusão social e de dignificação da sociedade.

Inicialmente, tem-se a necessidade de compreender a evolução histórica

do direito comercial, suas teorias subjetivas e objetivas e o conceito de

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empresário, para atingir-se o ponto crucial da proposta pesquisada, a perspectiva

do empresário da MPE, na atualidade.

A gênese do direito comercial encontra-se no resultado da evolução dos

costumes em ambiente corporativo, durante a Idade Média, nas comunas

italianas. Esse direito especializado foi engendrado pelos comerciantes

autonomamente, por meio da pormenorizada regulamentação corporativa, que

possuía o caráter subjetivo do direito comercial, o qual, combinado aos costumes,

formaram o corpus juris, material e internacionalmente semelhante ao direito

italiano, sendo competente a jurisdição consular, quando apenas uma das partes

fosse comerciante, daí, o critério subjetivo. (ASCARELLI, 1999, pp. 237-238)

Sabe-se que, desde a Antiguidade, o comércio era praticado pelos

Fenícios, mercadores à época, porém não se pode afirmar com exatidão a

existência de leis e princípios próprios para a prática da atividade mercantil.

Frederico Viana Rodrigues comenta, sobre esse processo evolutivo:

“[...] o comércio desenvolveu-se em larga escala dentre as

civilizações primitivas, mas, a despeito disso, não se pode afirmar,

pela escassez de elementos históricos, haver nas remotas

sociedades um direito autônomo, com princípios, normas e

institutos sistematizados, voltados à regulamentação da atividade

mercantil.” (RODRIGUES, 2004, p. 15)

Na primeira fase do direito comercial, identificada entre o século XII e

segunda metade do século XVI, surgiram as primeiras normas sobre o mercado e

o câmbio que, a despeito do critério subjetivo utilizado, possuíam valores próprios.

Regras sobre contratos mercantis, representação, auxiliares do comerciante,

pagamentos, cambiais (letra de câmbio), venda, comissão, livros comerciais

falências surgiram nesse período, dando lastro à atividade comercial. Rubens

Requião identifica essa fase, na sua obra:

“É nessa fase histórica que começa a se cristalizar o direito comercial, deduzido das regras corporativas e, sobretudo, dos

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assentos jurisprudenciais das decisões dos cônsules, juízes designados pela corporação, para, em seu âmbito, dirimirem as disputas entre comerciantes. Diante da precariedade do direito comum para assegurar e garantir as relações comerciais, fora do formalismo que o direito romano remanescente impunha, foi necessário, de fato, que os comerciantes organizados criassem entre si um direito costumeiro, aplicado internamente na corporação por juízes eleitos pelas suas assembleias: era o juízo consular, ao qual tanto deve a sistematização das regras do mercado.” (REQUIÃO, 2012, p. 34)

Interessa destacar que a revolução provocada pelo direito comercial

nessa primeira fase foi o rompimento da doutrina contratualista com a teoria

solidificada do direito romano, pois, manter esse sistema jurídico não mais

interessava à nova classe mercantil, que tinha seus fundamentos no princípio da

liberdade comercial, na forma de celebração de seus contratos.

No final do século XVI, a autonomia das corporações não mais constituía

fonte do direito comercial, o que passou a ser o direito comum, assim iniciando a

segunda fase, caraterizada pelos regramentos da autoridade governante e não

mais pelo regramento consuetudinário. Nessa fase, o Estado, incomodado com as

diversas ordens profissionais, buscou a constituir um mercado nacional, relocando

o centro gravitacional do direito comercial da Itália para os Países Baixos, França

e Inglaterra. (ASCARELLI, 1999, p. 240)

O critério identificador do comerciante, bem como a justiça própria,

constituíram elementos especializados para a aplicação do direito comercial,

como parte do direito comum. Nessa fase, ocorreu a evolução da letra de câmbio,

como instrumento do crédito e o desenvolvimento das sociedades anônimas.

A terceira fase do direito comercial é marcada pelo Código de Napoleão,

caracterizado pelo Estado absolutista, na figura do monarca, que submete a seus

súditos, e, por óbvio, a seus comerciantes, a obrigatoriedade de um direito posto,

contrapondo o direito comercial, até então desenvolvido com liberdade.

Na França, o surgimento do Código Civil (1804) e do Código Comercial

(1808) inaugura um sistema jurídico objetivo que independe dos sujeitos e

destinado a disciplinar as relações comerciais.

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Fábio Ulhoa Coelho retrata de forma cristalina essas mudanças ocorridas

no direito comercial, conhecido como a teoria dos atos do comércio.

“No início do século XIX, em França, Napoleão, com a ambição de regular a totalidade das relações sociais, patrocina a edição de dois monumentais diplomas jurídicos: o Código Civil (1804) e o Comercial (1808). Inaugura-se, então, um sistema para disciplinar as atividades dos cidadãos, que repercutirá em todos os países de tradição romana, inclusive o Brasil. De acordo com este sistema, classificavam-se as relações que hoje em dia são chamadas de direito privado em civis e comerciais. Para cada regime, estabeleceram-se regras diferentes sobre contratos, obrigações, prescrição, prerrogativas, prova judiciária e foros. A delimitação do campo de incidência do Código Comercial era feita, no sistema francês, pela teoria dos atos do comércio.” (COELHO F. U., 2011, p. 25)

Esse sistema objetivista tem severas críticas pela doutrina vigente, vez

que entende que os comercialistas não conseguiram definir, de forma satisfatória,

o que sejam eles. Rubens Requião apresenta a sua crítica ao sistema:

“Não é preciso esforço de imaginação para concluir da precariedade científica de um sistema jurídico que não se encontra capacitado, sequer, para definir seu conceito fundamental. Para muitos autores essa dificuldade, senão impossibilidade, resulta diretamente da circunstância de não ser científica a dicotomia do direito privado, e, por isso, a distinção entre atos civis e atos comerciais seria sempre ilógica e não racional.” (REQUIÃO, 2012, p. 37)

A livre concorrência foi traço marcante, no período posterior do direito

comercial, tido como a quarta fase e conhecida como a teoria subjetiva moderna,

ou ainda, a teoria da empresa. Na Itália, depois de editado o Código Civil de

1942, com forte influência fascista, houve a unificação das atividades mercantis e

civis, no entendimento de que não se deveria dividir atos em civis e mercantis.

O Código Civil brasileiro de 2002 adotou a teoria da empresa, influenciada

pelo Direito Civil italiano, passando a configurar o empresário e a sociedade

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empresaria, em substituição ao antigo conceito de comerciante. Essa teoria

adotou, como forma de regulamentação da relação jurídica, não somente os atos

relativos ao direito do comerciante (subjetivo) ou dos atos do comércio (objetivo),

mas regulamenta a forma e a atividade empresarial (subjetiva moderna). Dessa

forma, a teoria adotada contempla o antropocentrismo, pois a pessoa humana do

empresário é a responsável pela atividade da empresa, respondendo por ela e

pelos seus atos, perante os seus sócios e a sociedade.

Rubens Requião explica a relação empresa como entidade jurídica

abstrata e o empresário, ao citar o autor italiano Brunetti:

“É preciso compreender que a empresa, como entidade jurídica, é uma abstração. A muitos tal afirmativa parecerá absurda e incompreensível, dado aquele condicionamento de que a empresa é uma entidade material e visível. Brunetti, professor italiano de alto conceito, chegou à conclusão da abstratividade da empresa, observando que “a empresa, se do lado político-econômico é uma realidade, do jurídico é un’ astrazione, porque, reconhecendo-se como organização de trabalho formada das pessoas e dos bens componentes da azienda, a relação entre a pessoa e os meios de exercício não pode conduzir senão a uma entidade abstrata, devendo-se na verdade ligar à pessoa do titular, isto é, ao empresário.” (REQUIÃO, 2012, p. 85)

Nesse sentido, a empresa somente surge, quando se inicia a atividade,

sob a orientação do empresário, cuja atuação dinamiza a organização,

desenvolvendo a atividade a que se propôs, a qual, por consequência, o levará à

produção de bens ou serviços. É a partir da iniciativa do empresário que se

movimenta a máquina da empresa constituída por ele.

Empresário, então, é conceituado como o profissional que exerce a

atividade econômica organizada, para a produção ou a circulação de bens e

serviços. (Artigo 966 do Código Civil); daí, destacam-se do conceito legal as

noções de profissionalismo, atividade econômica organizada e produção ou

circulação de bens ou serviços.

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A funcionalização dos institutos jurídicos é o resultado acarretado pela

influência que a Constituição Federal possui nos institutos jurídicos. Quem nos

explica sobre esse efeito jurídico é Carlos Alberto Castro e Paulo Nalin:

“A função social da empresa ora é deriva da solidariedade social, ora da denominada funcionalização dos institutos jurídicos do liberalismo (propriedade, família e contrato). [...] E agora que o Direito Civil, por meio do novo Código Civil, efetivamente se abre ao Direito Comercial, indispensável se apontar a funcionalização da empresa, sempre em chave social. A empresa, assim como o contrato e a propriedade, sempre teve suas respectivas funções econômicas em superadas épocas de Estado Liberal. Agora, a tendência constitucional é outra, é pela função social dos institutos jurídicos, do que não escapa a empresa como operadora de um mercado também – socialmente funcionalizado.” (CASTRO & NALIN, 2002, pp. 119-120)

Nesse cenário, o empresário coloca a empresa como instrumento

fundamental para a implementação dos valores individuais e sociais tutelados na

ordem jurídica pelo princípio da dignidade da pessoa humana, base fundamental

que guia não apenas o modo de agir, mas também a relação do homem e

sociedade.

A partir do século XX, a empresa vem assumindo papel fundamental para

o desenvolvimento econômico das nações e a colocação do homem como centro

referencial para o estudo das ciências sociais, o antropocentrismo.

A resposta mundial às atrocidades contra a pessoa humana, durante a

Segunda Guerra Mundial, trouxe a manifesta vontade mundial, na concretização

da dignidade da pessoa humana, como tutela jurisdicional dos Estados e como

princípio metajurídico, possuindo as Constituições das Nações papel fundamental,

como referência de Justiça, posicionando o homem no centro das discussões e

da sua proteção. Ingo Wolfgang Sarlet ensina sobre o papel da constituição

brasileira, nas palavras de Cármen Lúcia Antunes Rocha:

“De qualquer modo, acreditamos – recolhendo aqui a lição de

Cármen Lúcia Antunes Rocha – que a previsão no texto

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constitucional acaba por ser imprescindível, muito embora por si só não tenha o condão de assegurar o devido respeito e proteção à dignidade. Com efeito, diante do compromisso assumido formalmente pelo Constituinte, pelo menos – nas hipóteses de violação dos deveres e direitos decorrentes da dignidade da pessoa – restará uma perspectiva concreta, ainda que mínima, de efetivação por meio dos órgãos jurisdicionais, enquanto e na medida em que se lhes assegurar as condições básicas para o cumprimento de seu desiderado.” (SARLET, 2001, p. 26)

Na diretriz de que o ser humano deve ser tratado como um fim em si

mesmo, o princípio da dignidade da pessoa humana não se apresentada de forma

isolada, mas como uma unidade interdependente de prerrogativas humanitárias.

(SILVA R. P., 2005, p. 240)

O principio da dignidade da pessoa humana está consolidado na nossa

Constituição Federal, no artigo 1º, Inciso III, o que reconhece que o Estado existe

em função e para a pessoa humana, sendo a dignidade o eixo e valor

fundamental de todos os demais princípios constitucionais e dos direitos

fundamentais, civis, econômicos e sociais.

Ingo W. Sarlet destaca que o Constituinte deixou clara e inequivocamente

a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas

embasadoras e informativas, a qualidade de toda a ordem constitucional,

inclusive, das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, que

igualmente integram o núcleo essencial da nossa Constituição formal e material.

(SARLET, 2001, p. 62)

Dessa forma, é nítida a intensão do constituinte de 1988 de construir, pela

razão jurídica, a dignidade da pessoa, como um valor supremo, sendo princípio

fundante da ordem constitucional, como cláusula pétrea, garantindo a sua

imutabilidade futura.

A dignidade busca assegurar o bem-estar de cada indivíduo, através do

desenvolvimento humano, seja individual ou coletivo. É esse bem-estar que

constitui sua finalidade derradeira, e, por esse motivo, articula-se o direito do

desenvolvimento social, como um processo que conduz à ampliação das

possibilidades oferecidas a cada um.

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O Conceito de desenvolvimento social, constituído pelo conjunto de

políticas Estatais voltadas para educação, saúde, habitação, emprego e outras,

manifesta-se como meio a serviço de uma finalidade: o desenvolvimento humano.

Carlyle Pop identifica a concepção de bem-estar coletivo, como

intrínsecos nos princípios constitucionais da justiça social e da liberdade de

inciativa:

“Essa concepção de Justiça Social encontra-se presente quando a Constituição revela seus objetivos fundamentais em seu art. 3º. Nestas finalidades precípuas percebe-se, claramente, a presença da liberdade de iniciativa, pois não se pode negar que construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; bem como promover o bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação, passa por um necessário desenvolvimento econômico, e este somente pode ser alcançado, de forma democrática, através da liberdade de iniciativa.” (POP, 2007, p. 70)

A dignidade da pessoa humana apresenta-se como fundamento, sobre o

qual todo o ordenamento jurídico é consubstanciado, constituindo a forma de

interpretação de todo o sistema, a partir das próprias normas constitucionais.

Na análise de Ingo Wolfgang Sarlet, em um primeiro momento, a

qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a

certeza de que o artigo 1º, inciso III, de nossa Carta Magna não contém apenas

uma declaração de conteúdo ético e moral, mas constitui norma jurídica-

positivada dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e,

como tal, inequivocamente carregado de eficácia, alcançando a condição de valor

jurídico fundamental da comunidade. Considera, ainda, o autor que, neste

contexto, na sua qualidade de princípio fundamental, a dignidade da pessoa

humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a

ordem jurídica constitucional e infraconstitucional, razão pela qual se justifica

plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia

axiológico-valorativa. (SARLET, 2001, pp. 71-72)

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Pode-se perceber nitidamente que o princípio da dignidade da pessoa

humana transcende os seus limites positivados na Carta Magna, apresentando a

sua natureza metajurídica, influenciando os demais princípios e normas jurídicas,

independente da sua posição no ordenamento jurídico. Eros Roberto Grau,

citando a Ronald Dworkin, apresenta o conceito de princípio:

“Dworkin chama de diretrizes as pautas que estabelecem objetivos a serem alcançados, geralmente referidos a algum aspecto econômico, político ou social (ainda que – observa – alguns objetivos sejam negativos, na medida em que definem que determinados aspectos presentes devem ser protegidos contra alterações adversas). Denomina princípios, por outro lado, as pautas que devem ser observadas não porque viabilizem ou assegurem a busca de determinadas situações econômicas, políticas ou sociais que sejam tidas como convenientes, mas, sim, porque a sua observância corresponde a um imperativo de justiça, de honestidade ou de uma dimensão da moral.” (GRAU, 2010, p. 156)

Nesse linear, conclui-se que a violação de um princípio, levado em conta

suas devidas proporções, é muito mais grave do que violar uma norma jurídica.

Desta feita, o princípio da dignidade da pessoa humana, caracterizado pela sua

natureza metajurídica, impõe a desnecessidade de previsão legal para sua

aplicabilidade.

O princípio da dignidade da pessoa humana, como valor-guia no

ordenamento jurídico, sempre observando os direitos fundamentais, tem o

desenvolvimento econômico e social do país consubstanciado a esse valor, de

modo que a tutela à educação, ao trabalho, à saúde, dentre outras garantias da

pessoa humana, também inclui o fomento e o estímulo, nas relações

empresariais, enquanto forma de desenvolvimento da pessoa e da própria

sociedade.

Ainda, é nos artigos 1º, III e 170 da Carta Magna, que se observa a tutela

do valor social da livre inciativa, da livre concorrência e do trabalho digno, sendo

formas de aplicação da dignidade da pessoa humana, no cidadão, inserido no

mercado de trabalho, como empregador, que se busca desenvolver a atividade

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empresarial e tendo como consequência o desenvolvimento da economia naquela

localidade.

Eros Roberto Grau, sobre os princípios enunciados, manifesta que a

ordem econômica tem a finalidade de assegurar a todos uma existência digna,

nos ditames da justiça social, como preceitua o artigo 170, caput da Constituição

Federal, e que, sendo esse um princípio conformador, pelas lições de Canotilho, o

princípio da Justiça Social conforma a concepção da existência digna, cuja

realização é o fim da ordem econômica, que compõe um dos fundamentos da

República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, III da Carga Magna. (GRAU,

2010, pp. 228-229)

Isso justifica a necessidade de o valor-guia da dignidade da pessoa

humana disponibilizar o pleno acesso do empresário da MPE ao mercado

econômico, para o desenvolvimento de uma atividade empresarial lícita, bem

como, a realização de seus direitos individuais e coletivos, para o benefício de

uma sociedade com um todo.

A dignidade da pessoa humana, diretriz do Estado brasileiro e princípio

constitucional impositivo, há de ser tratado com a devida cautela pela sua

atividade econômica que representa, tanto para o empresário da MPE, como para

a sociedade num todo. Ingo Wolfgang Sarlet sustenta:

“Nessa linha de raciocínio, sustenta-se, com razão, que a concretização do programa normativo do princípio da dignidade da pessoa humana incumbe aos órgãos estatais, especialmente, contudo, ao legislador, encarregado de edificar uma ordem jurídica que atenda às exigências do princípio. Em outras palavras – aqui considerando a dignidade como tarefa – o princípio da dignidade da pessoa humana impõe ao Estado, além do dever de respeito e proteção, a obrigação de promover as condições que viabilizem e removam toda sorte de obstáculos que estejam a impedir às pessoas de viverem com dignidade.” (SARLET, 2001, p. 109)

A atividade do empresário da MPE consiste no exercício da livre iniciativa,

por intermédio da sobrevivência, de forma digna, pelo seu trabalho apresentado à

sociedade, devendo ser protegido e valorizado pela ordem jurídica, na mesma

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proporção que vem ocorrendo com os cidadãos empregados. Daí, o esforço do

Estado brasileiro em promover uma legislação específica para a micro e pequena

empresa brasileira, a exemplo da atual Lei Complementar 123/2006 – O Estatuto

Geral da micro e pequena empresa.

Na lição de Eros Roberto Grau, o valor social do trabalho e a valorização

do trabalho humano, em sua interação com os demais princípios da Carta Magna,

expressam prevalência dos valores do trabalho, na conformação da ordem

econômica, sendo a sua efetivação prioridade em relação aos outros princípios

econômicos, vejamos:

“Refiro-me, especificamente, a princípios dos quais são concreções as regras contempladas nos arts. 7º e 201 e 202 do texto constitucional e que – mais abertos que outros, positivados, tais quais o da valorização do trabalho humano – apontam no sentido não apenas de criar condições mínimas para que se assegure a dignidade da pessoa humana, mas também aquelas minimamente indispensáveis à construção de uma sociedade de bem-estar.” (GRAU, 2010, pp. 260-261)

Nesse sentido, é o entendimento prevalecente na doutrina que há

supremacia do princípio da dignidade da pessoa humana sobre os demais direitos

fundamentais, consolidados na Carta Magna, como o da livre-iniciativa, da

propriedade privada, da livre concorrência. Isso quer dizer que a tutela da

dignidade da pessoa humana e todos os princípios e valores constitucionais, que

dela derivam, representam a garantia constitucional da busca por uma sociedade

mais justa, livre, solidária e digna, para presentes e futuras gerações.

Após a análise apresentada, não restam dúvidas que o empresário da

MPE consubstanciado na sua micro e pequena empresa, é um importante

instrumento social e de dignificação da sociedade, já que a empresa não é um fim

em si mesma, por mais que busque a organização dos fatores de produção,

capital e trabalho, no exercício da sua atividade econômica, com a finalidade

lucrativa.

A micro e pequena empresa dá sustentabilidade ao mercado,

apresentando uma força econômico-financeira determinada, com grande

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potencialidade de emprego e expansão, influenciando, dessa forma, o local onde

se estabelece. Pensar na micro e pequena empresa do século XXI é demandar

sobre todos os aspectos que circundam a sua atividade finalística, representados

pela sua complexidade, formada, tanto pelos elementos tutelados pelo Direito,

como os elementos externos sociais, econômicos, políticos e globalizados.

Como se verificou, à vista das concepções doutrinárias, (teoria do

comércio e teoria da empresa) é consoante se reconhecer que a micro e pequena

empresa na sua condição de existência, não funciona por si somente. A figura do

empresário da MPE se faz necessária como condição de sua existência, pois sem

ele não há empreendimento ou empresa.

A gestão de determinada micro ou pequena empresa está na função de

uma pessoa ou mais pessoas, quando optam por ingressar na vida empresarial,

por meio da livre iniciativa e do empreendedorismo, e é a esse empresário que

está focada a análise do princípio da dignidade da pessoa humana, consolida na

Constituição Federal para a atividade empresarial na micro e pequena empresa.

Rubens Requião, ao citar Francisco Campos, em sua obra, deixa clara a

dificuldade que existe na doutrina, sobre a interpretação conceitual de empresa, e

apresenta o seu pensamento:

“[...] na economia brasileira, constituída de pequenas empresas,

em que predomina a presença da pessoa do empresário, não se

vê a figura abstrata da empresa, “a organização técnica, a

despersonalização da atividade econômica, que é um elemento

fundamental ou essencial ao conceito de empresa”. Nega o ilustre

professor, dadas as condições de nosso subdesenvolvimento

econômico, maior interesse no equacionamento do problema, pois

“seria, evidentemente, deformar a realidade, principalmente nos

países em desenvolvimento como o nosso, querer calcar sobre as

atividades individuais, de caráter rudimentar e sem nenhuma

organização, o conceito de empresa”. Reconhece, no entanto, que

“ com a tendência de predominarem na vida econômica as

grandes organizações despersonalizadas, devemos forjar outros

conceitos em substituição àqueles que vigoram na época

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individualista e liberal do direito comercial”. Assim o conceito de

empresa, segundo ele, “é destinado a ter um grande futuro”.

(REQUIÃO, 2012, pp. 83-84)

As pessoas que compõem ou administram uma micro ou pequena

empresa não são consideradas empresárias, já que a titularidade dos direitos e

das obrigações inerentes à atividade da empresa não recaem sobre essas, mas

sobre a sociedade empresária.

A doutrina jurídica, de maneira geral, denomina aquele a quem é

conferido o poder de gerir a empresa de “Empresário”, sendo essa a pessoa física

responsável pela administração, criação, gestão e extinção da Empresa, com o

objetivo social de desenvolver determinada atividade econômica, independente do

porte da empresa.

Esclarece-se que essa utilização do termo “empresário” vem causando

certa confusão, tanto na seara jurídica, quanto nas demais áreas de ciências

sociais. Na atualidade, o termo científico “empresária” é a sociedade a quem

compete o desempenho dos atos tendentes ao fim estabelecido no contrato

social.

Nas contribuições trazidas por Antoninho Caron, na banca de qualificação

desta dissertação, observou-se que o empresário da MPE não se identifica com a

denominação “microempresário” ou “pequeno empresário”. Essa denominação

traz um diminutivo na qualidade empresarial, desnecessário e incompatível com a

sua importância social e econômica para o país. Por isso, o administrador ou

gestor dessa sociedade empresária, em nossa concepção, merece a

denominação, aqui adotada como “empresário da MPE”, sem a classificação do

diminutivo que qualifica o tamanho da empresa: micro ou pequeno.

Feitas as devidas considerações sobre a atividade desenvolvida pelo

empresário da MPE e da relevância da micro e pequena empresa, é importante

tratá-los como ponto fulcral para o desenvolvimento da dignificação da pessoa do

empresário da MPE, de acordo com os parâmetros econômicos e sociais que a

sociedade brasileira deseja.

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A própria noção de empresa traz consigo valores sociais, que se

apresentam ao empresário da MPE e à própria sociedade. No conceito social de

empresa, enquanto atividade organizada com a finalidade à produção ou

circulação de bens e serviços, refletem-se os interesses coletivos e transforma o

empresário. Essa transformação dissocia o interesse próprio da persecução do

lucro, do interesse do bem-estar social, incluindo, aqui, o seu próprio bem-estar e

a sua busca pela sua dignidade pessoal, já que ele não é um ser isolado e

também anseia pelos mesmos fundamentos gerais da sociedade em que vive.

Por essa razão, ao se analisar o contexto social e o da dignificação social,

compete identificar que, da mesma forma que um empregado bem qualificado é

fundamental ao sucesso, competitividade e rentabilidade da empresa, o

empresário da MPE tem o papel principal, tanto na existência do pequeno

empreendimento, quanto na executividade do seu objeto social. Da mesma forma

que um empregado tem a sua tutela especial no sistema jurídico, o empresário da

MPE merece ser objeto de proteção jurídica.

Por esse motivo, o Estado tem o dever-poder de tutela constitucional da

micro e pequena empresa, e, principalmente, a proteção do empresário da MPE,

na sua liberdade, na sua livre iniciativa e da sua dignidade como pessoa humana.

É inconcebível não ter a visão da micro e pequena empresa como um

poderosíssimo agente social e de dignificação social, no contexto da economia

globalizada, pois não se pode esquecer que o empresário da MPE, na qualidade

de cidadão, exerce os direitos constitucionais de livre iniciativa, solidariedade e

valor social do seu próprio esforço e trabalho, aliados às de terceiros, e, com isso,

representa a figura central para o desenvolvimento da Economia, da Sociedade e

do Estado.

Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet:

“Nesse contexto, não restam dúvidas de que todos os órgãos, funções e atividades estatais encontram-se vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-se lhe um dever de respeito e proteção, que se exprime tanto na obrigação por parte do Estado de abster-se de ingerências na esfera individual que sejam contrárias à dignidade pessoal, quanto no dever de protegê-la (a dignidade pessoal de todos os indivíduos) contra agressões

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oriundas de terceiros, seja qual for a procedência, vale dizer, inclusive contra agressões oriundas de outros particulares, especialmente – mas não exclusivamente – dos assim denominados poderes sociais (ou privados). Assim, percebe-se, desde logo, que o princípio da dignidade da pessoa humana não apenas impõe um dever de abstenção (respeito), mas também condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a dignidade dos indivíduos.” (SARLET, 2001, pp. 108-109)

A preservação do empresário da MPE depende de uma política Estatal de

valorização do trabalho humano, da proteção à livre inciativa, da tutela da

concorrência, quanto ao porte da empresa, para, assim, se atingir os fins que

demandam a própria Sociedade e o Estado, no princípio metajurídico da

dignidade da pessoa humana. Nos ensinamento de Eros Roberto Grau:

“Indica ainda o texto constitucional, no seu artigo 1º, IV, como

fundamento da República Federativa do Brasil, o valor social do trabalho; de outra parte, no art. 170, caput, afirma dever estar a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano. [...] No quadro da Constituição de 1988, de toda sorte, da interação entre esses dois princípios e dos demais por ela comtemplados – particularmente o que define como fim da ordem econômica (mundo do ser) assegurar a todos existência digna – resulta que valorizar o trabalho humano e tomar como fundamental o valor social do trabalho importa em conferir ao trabalho e seus agentes (os trabalhadores) tratamento peculiar.” (GRAU, 2010, pp. 199-200)

Nesse sentido, é a sociedade civil e o Estado que devem promover

políticas, de mediante programas, de inclusão social ao trabalho, bem como,

assegurar, também, ao empresário da MPE a sua manutenção no mercado

econômico, enquanto gerador de empregos e renda, cumprindo com a sua

finalidade, no exercício de sua atividade, que lhe garante a própria dignidade

humana.

Sendo o empresário da MPE as molas propulsoras de nossa economia

local, regional e global, não se pode desconsiderar a necessidade de se

reconhecer a existência de direitos fundamentais a tais pessoas, e, assim,

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proporcionar um local de destaque, que merece, na construção de uma

Sociedade mais digna e humana.

Da análise da importância econômica do instituto do princípio metajurídico

da dignidade da pessoa humana, na perspectiva do empresário da MPE, pode-se

considerar que é irrefutável a importância das micro e pequenas empresas, e, por

vias de consequência, dos seus empreendedores, na sociedade e no cenário

econômico, urgindo a necessidade de uma tutela específica aos seus direitos e

proteção a sua dignidade.

Sem a atividade do empresário da MPE, não há trabalho, não há micro e

pequena empresa, não há preocupação com dignidade da pessoa humana, no

que se refere a empreendimento. Essa é uma das razões para se afirmar que a

preservação da micro e pequena empresa se impõe, para não se perder a

dignidade da pessoa humana, que reclama, por intermédio da sociedade, por

condições mínimas de existência digna, conforme os ditames da justiça social, da

solidariedade, como finalidade da ordem econômica.

Reconhecer-se que, no âmbito da dignidade da pessoa humana, existe o

exercício da livre iniciativa, praticado pelo empresário da MPE, ao lançar-se na

aventura do mercado econômico, com a sua visão empreendedora, é figurar

como sujeito de direito, responsável pela manutenção e sustentação da economia

da Nação, criando empregos e gerando renda, e, primordialmente, preservando

valores e princípios sociais previstos na nossa Carta Magna e garantindo os

valores da dignidade da pessoa humana.

Desta forma, para que se possa dizer que o valor social do trabalho e da

livre iniciativa coexistem com o princípio da dignidade da pessoa humana, é de

suma importância que se garanta aos empresários da MPE, o direito de exercício

e permanência na sua atividade econômica, pois, somente assim, se atingirá o

objetivo constitucional de proporcionar a construção de uma sociedade livre, justa

e solidária, na busca da redução das desigualdades sociais.

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Seção II – MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL: SUA DEPENDÊNCIA

ECONÔMICA

Quando se leva em conta que o microempreendedorismo Individual, no

Brasil, é o destino de milhares de recém-formados de nossas Universidades, bem

como de desempregados que migram para o segmento, por visualizar uma maior

disponibilidade de riquezas e a possibilidade de desenvolver o seu próprio

negócio, compreende-se o fascínio dessas pessoas por esse segmento.

O atual tratamento jurídico diferenciado, dispensado aos

microempreendedores Individuais, por meio da Lei Complementar 123/2006, não

é capaz de alterar a realidade do segmento. Esses trabalhadores vivem num

mundo próprio, onde o microempreendedor individual se apresenta, na maioria

das vezes, como uma espécie "sui generis" de trabalhador, ou seja, tem a

necessidade de intervir no processo produtivo com sua própria força de trabalho e

depende de uma empresa de maior porte, para sua sobrevivência.

A Globalização é fruto de uma frequente evolução mundial e resultante de

novas técnicas de produção e gestão, que desencadeiam a nova dinâmica do

capital, no mercado mundial. Na atualidade, ela se apresenta muito mais

agressiva, no aspecto da concorrência empresarial e, por consequência, muito

mais exploratória e perversa com o trabalho humano.

A extrema necessidade de gerir o capital, na velocidade que o mercado

exige na atualidade, e organizar os empreendimentos em rede traz à baila uma

nova modalidade de prestador de serviços: o microempreendedor Individual, um

trabalhador legal e formalmente autônomo, mas economicamente dependente.

Essa nova figura de “Empresário” no Brasil é considerada, na doutrina

dos países Europeus, como prestadora de serviços autônomos, economicamente

dependente. O aparecimento dessa nova figura jurídica, intensificada pelos

sistemas empresariais de redes, decorrentes do sistema toyotismo ou ohnista de

gestão do trabalho, manifesta-se, nos países Europeus, na teoria da

parassubordinação, como forma de enfrentar esse problema, decorrente do

surgimento dessa nova categoria economicamente dependente.

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A teoria da parassubordinação tem forte apelo nos países onde a

preocupação com o social tem uma dimensão de grande alcance e, no Brasil,

frente às características e princípios da nossa Constituição Federal, essa

tendência não poderia ser diferente. Os princípios constitucionais da Justiça

Social, da Dignidade da Pessoa Humana, da Igualdade, com foco nos artigos 170,

IX e 179, da Constituição, são fundamento jurídico para uma intepretação

sistematizada, para solução de um problema social que já se apresenta no Brasil:

a dependência subordinada do microempreendedor individual, em relação ao

tomador de serviços, geralmente, uma empresa de maior porte.

Por esse motivo, esta seção levantou o problema da aplicabilidade válida

da teoria da parassubordinação, para o enfrentamento dessa questão

controvertida do trabalhador autônomo, economicamente dependente,

considerado pela Lei Complementar 123/2006, após a sua alteração pela Lei

Complementar 128/2008, com o aparecimento da figura jurídica do

microempreendedor Individual.

A teoria da parassubordinação objetiva o enfrentamento dos impactos da

globalização e da maneira que se apresenta a dinâmica do capital, no mercado de

trabalho, como instrumento de proteção social. Aí, reside a importância do estudo,

já que esse tema é complexo e polêmico, envolto em aspectos, políticos,

ideológicos, laborais e econômicos, diante de conflito de opiniões.

Esta seção apresenta a estrutura do novo mercado de trabalho,

descrevendo, de forma sucinta, as transformações do fenômeno da globalização,

como se desenvolveu o novo sistema de produção e a influência exercida,

resultando no surgimento do novo trabalho autônomo dependente.

Estuda a dependência econômica do microempreendedor individual, em

relação ao tomador de serviços; o enfretamento que o Direito deve buscar para

essa nova realidade que se apresenta; o estudo da teoria da parassubordinação,

sua classificação e a sua caraterização; aborda-se sobre a teoria da

parassubordinação, na Europa, sua origem, no Direito Italiano e sua aplicação no

sistema jurídico Espanhol e Português; e por derradeiro, apresenta a teoria da

parassubordinação, no Brasil, e a viabilidade da sua aplicação segundo os

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princípios constitucionais da Justiça Social, da Proteção ao Trabalho e da

Dignidade da Pessoa Humana.

As transformações históricas, politicas e econômicas, aliadas ao

fenômeno da globalização, ocorridas principalmente, nos séculos XX e XXI,

trazem profundas mutações ao mercado de trabalho. Esse fenômeno não se

traduz apenas como fase do capitalismo, mas, também, como processo, que

tende a afetar, de maneira direta ou indireta, as realidades econômicas, sociais,

culturais e políticas, ao longo do mundo. (DELGADO, 2008, p. 149)

O processo de globalização caracterizou-se pela mundialização do capital

e da economia, juntamente com a evolução da tecnologia, as quais reduzem, por

consequência, os postos de trabalho, gerando o desemprego, em todas as partes

do mundo. Nesse contexto mundial, o capitalismo, impulsionado por uma visão

neoliberalista, apresenta-se numa busca incessante da redução de custos e

maximização dos lucros, utilizando-se, como meio para atingir seus objetivos, a

campanha na redução de direitos trabalhistas, sob o véu chamado flexibilização.

O sistema empresarial brasileiro não está imune a essa tendência; sofre a

concorrência internacional, a entrada de capitais internacionais e de empresas

transnacionais, a divisão internacional do valor desproporcional do trabalho e

sofre com a política típica dos países em desenvolvimento, voltadas ao

clientelismo das demandas de poderosos grupos empresariais internacionais. As

empresas, independente do seu porte, sofrem com essa realidade perversa, e,

para se tornarem competitivas dentro do território brasileiro, reestruturam sua

produção e gestão, que produz sérios impactos, no mercado de trabalho.

A “terceira onda da globalização”, identificada por Avelãs Nunes,

(Neoliberalismo e direito humanos, 2003, p. 80), é fruto do processo de

mundialização das economias, aliado aos capitais e instrumentalização das novas

tecnologias, na informática, nos transportes e microeletrônica.

Ainda, junto com a globalização, caminha, passo a passo, a doutrina

neoliberal, sustentada pelas regras de livre mercado e redução da intervenção

dos Estados no processo empresarial. Dinaura Gomes, em sua obra, destaca que

o neoliberalismo, nas últimas décadas do século XX, buscou a redução do papel

do Estado, sobretudo, na esfera econômica, sendo essa uma teoria globalizante,

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utilizada como paradigma econômico e político, que se traduz como um conjunto

de políticas e processos, que permitem a um número relativamente pequeno de

interesses particulares controlar a maior parte possível da vida social, com o

intuito de alcançar o máximo de benefícios individuais.

Conclui a autora que o neoliberalismo opera como um sistema não

apenas econômico, mas, também, político e cultural, pois a solução dos

problemas referentes à distribuição dos recursos da organização social e da

produção fica submetida à atuação das forças do mercado. (GOMES, 2005)

Os atores sociais, Estado, Mercado e Trabalhadores, passam a sofrer

grande influência das forças empresariais, de forma que os governos passam a

adotar políticas governamentais que traduzem os interesses econômicos, externa

ou internamente, produzindo um único modelo de acúmulo de riquezas e visa

somente o crescimento econômico, sem sobrepesar o cenário social dos

trabalhadores.

Isso está evidente, quando Lei Complementar 128/2008 altera o Estatuto

Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, criando a figura do

microempreendedor individual, sem estabelecer qualquer previsão de proteção

social contra a dependência subordinada, quanto ao tomador da prestação de

serviço.

Um dos motivos que corrompe o poder dos trabalhadores é a

reestruturação das empresas que se adaptam à nova realidade de mercado

globalizado, tanto no ambiente interno quanto externo, intensificando a busca

incessante da redução de custos e sua consequência é a precarização da mão de

obra, através de instrumentos jurídicos, que criam a falsa ilusão, ao trabalhador,

de ser um novo modelo de empresário, sem a devida proteção jurídica, pela sua

hipossuficiência e dependência econômica, em relação aos demais atores do

mercado.

A real conjuntura da economia mundial e brasileira, voltada às

necessidades do momento, cria fórmulas de readaptação, no processo da

organização, ao processo do trabalho: (a) a redução de cargos e funções; (b) a

terceirização trabalhista e (c) o sistema ohnista ou toyotista de produção.

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A introdução de novas tecnologias, como a informatização, a robotização,

a microeletrônica, a automação de processos produtivos, apresentadas na

terceira fase da revolução industrial, tornou o trabalhador multifuncional,

concentrando no seu trabalhado em outras atividades, que eram realizadas por

seus antigos colegas, agora, desempregados. Esse feito é propiciado pela busca

de melhor aproveitamento da mão de obra, menor custo, maior lucratividade,

melhor competitividade, que tem, como resultado, a redução dos cargos e

funções anteriormente oferecidas.

As consequências do desemprego de muitos são, em contrapartida aos

que permaneceram, o aumento das jornadas de trabalho exaustivas, a

necessidade da especialização, qualificação e tecnificação da sua mão de obra e

a redução desproporcional da remuneração do trabalhador, pelo novo encargo da

excessiva responsabilidade assumida.

A segunda onda, nas reformas de gestão, ainda muito discutida entre os

pesquisadores, nos meios acadêmicos, é a terceirização trabalhista, onde os

empregados da prestadora de serviços prestam serviços no ambiente

organizacional, dentro da empresa tomadora. Aqui se tem uma relação tripartite

que envolve a empresa tomadora do serviço, a mão de obra explorada e a

empresa tomadora, que disponibiliza esse trabalhador supostamente qualificado à

empresa tomadora, com o objetivo de redução de custos na produção.

Na análise de Otávio Pinto e Silva, a evolução das formas precárias de

trabalho, presente nos empregos informais, é alocada, com a denominação de

“terceirização”. Identifica-se a redução de trabalhadores formalmente

empregados, como consequência das novas formas de relações laborais: as

cooperativas, o teletrabalho, e o trabalho parassubordinado. (PINTO E SILVA,

2004)

Agora, na terceira grande onda das reformas de gestão, o sistema ohnista

ou toyotista, que faz as grandes empresas abandonar as suas enormes estruturas

verticais de altos custos, transformando-as em empresas enxutas, customizadas

e descentralizadas, sem qualquer prejuízo, na quantidade e na qualidade da sua

produção, subcontratando e transferindo parte da sua linha de produção para

microempresas, Pequenas Empresas e micro Empreendedores Individuais.

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O novo sistema de organização surge no Japão, na empresa Toyota, a

partir das ideias de Taiichi Ohno, em razão das quais, “a fábrica não é mais

aquele complexo enorme: agora, existe uma fábrica mãe, que faz o produto final,

mas não produz todos os componentes desse produto”. (GONÇALVES A. F.,

2007, p. 86)

Assim, o sistema ohnista de produção se legitima como novo conceito de

empresa enxuta e rentável, uma vez que não existem mais estoques de

mercadorias, que passam a ser produzidas com alto grau de especialização,

atendendo somente à demanda de públicos específicos. Esse novo sistema de

produção é fonte de inspiração para parcela significativa das empresas que

pretendem viabilizar a acumulação de capital e flexibilizar os regimes dos

contratos de trabalho.

A sua característica primordial é a redução do aparato produtivo,

consolidado através da imprescindível flexibilização da mão de obra laboral,

disponibilizando essa força de trabalho em função direta das necessidades do

mercado, a partir da utilização de um número mínimo de trabalhadores, e, dessa

forma, ampliando as horas extras, os trabalhadores temporários e a

subcontratação.

Na obra organizada por Ricardo Antunes, as pesquisadoras Elaine

Amorim e Isabela Jinkings identificaram que muitas das empresas subcontratadas

são microempresas criadas por ex-empregados de empresas de maior porte, as

quais optaram pela reestruturação no modelo do sistema ohnista, para atingir

essa finalidade. (ANTUNES, 2006, pp. 337-385)

Esses ex-empregados são persuadidos, por todas as formas, a se

tornarem microempreendedores individuais ou autônomos, prestando serviços em

seus domicílios, para sua antiga empresa, com a promessa de maior ganho

individual e serem “donos do próprio negócio”, atingindo o almejado sonho de ser

“empresário”. Dessa forma, a sua ausência no local de trabalho deixa de ser

elemento de controle e possibilita a informalização na relação de trabalho, a

desagregação do coletivo e surgindo uma nova fórmula de precarização do

trabalho.

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Nas últimas décadas, o modelo ohnista de gestão de trabalho tem

agregado todas as modificações realizadas na nova gestão das empresas e da

sua força de trabalho. Os fatores que configuram esse sistema de gestão visam à

redução de custos, através da descentralização da empresa, da transferência de

uma quantidade de atividades e responsabilidades para um único indivíduo, e, por

resultado, o aumento dos lucros, a redução dos custos e a maximização da

produção.

No Brasil, as confederações patronais representativas da Indústria e do

Comércio retratam o poder econômico, no cenário nacional, e a sua influência,

nas decisões políticas e legislativas. No início de cada mandato presidencial,

algumas dessas instituições elaboram uma carta de intenções, com as suas

perspectivas para o período dessa gestão presidencial e, se atentarmos para as

suas agendas, sempre com destaque à desregulamentação e à flexibilização das

relações laborais.

A criação da figura do microempreendedor individual – MEI em 2008,

incluído na LC 123/2006, teve forte apelo na busca da formalização do trabalho

informal que se alastrava pelo Brasil. De forma irônica, a formalização do trabalho

melhora os indicadores do governo, deixando aqueles trabalhadores de

constarem na lista dos desempregados e, agora, fazendo parte da ilusória lista de

empresários da MPE.

Não se verifica qualquer depreciação no esforço do governo em buscar

alternativas para a formalização de setores menos favorecidos; porém, isso não

pode significar uma nova forma de precarização do trabalho e a diminuição dos

postos de trabalho, em virtude de uma reorganização na estrutura empresarial

que fazem empregados, se tornarem falsos “empresários”, para serem

contratados por essas mesmas empresas de maior porte, submetendo-se ao

poder econômico que essas possuem, sem nenhuma proteção de direitos sociais

ou contratuais, podendo ser rompido os seus contratos de prestação de serviços

a qualquer tempo.

Nessa atual conjuntura é que o direito deve buscar o enfrentamento do

problema, atribuindo uma proteção jurídica mais adequada para os

microempreendedores individuais economicamente dependentes.

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Constata-se, pois, que diversos empregados, encontram-se

marginalizados no mercado de trabalho, retornando ao cenário produtivo, como

microempreendedores individuais e passam a prestar serviços para a sua antiga

empresa. Esses empregados detêm, muitas das vezes, o conhecimento da

produção, com alto grau de especialização que os torna atraentes e capazes de

produzir determinado produto, sem a subordinação direta, que caracteriza o

vínculo empregatício.

O microempreendedor individual atua de forma pessoal e muitas das

vezes, sem empregados, não para um público indeterminado, mas para uma

única empresa ou, no máximo duas, necessitando uma tutela estatal específica

para proteção, uma vez que não se caracteriza no conceito de trabalho

subordinado.

A parassubordinação se trata de uma nova “fattisespecie” que surge das

modernas relações de trabalho, compondo os sistemas de produção, entretanto,

não possuindo qualquer proteção jurídica, no sistema brasileiro, que garanta o

mínimo de dignidade ao trabalhador.

Nessa situação de mercado, o trabalho se apresenta intensificado e

precarizado, e as suas relações jurídicas firmadas não possuem solidez, são

efêmeras, podem ser desfeitas a qualquer momento, sem nenhuma garantia ao

trabalhador parassubordinado. Em verdade, caracteriza-se como uma espécie de

“prestação de serviços” que não implica em qualquer responsabilidade social do

tomador de serviços. Ignacy Sachs identifica bem essa situação, na sua obra:

“[...] pela baixa produtividade do seu trabalho, a buscar a

competitividade por meio de expedientes conhecidos como fatores

de competitividade espúria: baixos salários, ausência de proteção

social, longas jornadas de trabalho, sonegação de impostos,

condições de trabalho insalubres. Em outras palavras, para

enfrentar os rigores do darwinismo social no mercado, eles não

têm outra solução a não ser mergulhar na informalidade. Os

próprios interessados são as primeiras vítimas do trabalho

precário, porém a sociedade toda sai perdendo.” (SACHS, 2008,

p. 145)

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É nesse momento que a teoria da parassubordinação se apresenta como

uma forma jurídica de proteção a esse trabalhador, que presta serviços de forma

direta, pessoal e independente, sem a ingerência da direção do tomador dos

serviços e de forma continuada, porém, que depende economicamente dessa

relação contratual. A dependência econômica se caracteriza pelo fato de receber

do tomador boa parte da sua renda, sem ter liberdade nem tempo para prestar

serviços para outros, utilizando os próprios instrumentos e meios de trabalho.

Esse microempreendedor individual se integra de forma ideológica e

econômica à estrutura necessária da empresa tomadora, de tal forma que sua

sobrevivência se coloca nas mãos dessa organização. A parassubordinação se

aproxima da figura jurídica do trabalhador autônomo, mas é necessária sua

distinção, tendo em vista que o trabalhador autônomo dirige a sua prestação de

serviço, assumindo o risco de sua atividade em si e o seu trabalho não depende

economicamente do tomador do serviço, que busca somente o resultado final,

não a atividade em si.

Dessa forma, não se confunde o trabalho parassubordinado com o

trabalho autônomo, que reside na obrigação de produzir o resultado pretendido

pelo tomador de serviço e, uma vez alcançado, estará extinta sua obrigação e

desfeito o vínculo contratual. No trabalho parassubordinado, é esperada certa

independência, em especial no que tange a sua forma, momento e local da

realização do serviço; porém, esse trabalhador está obrigado a atingir uma série

de resultados consecutivos, coordenados entre si e relacionados a interesses

mais amplos do tomador.

Na parassubordinação, a autonomia é excluída, em decorrência da

fragilidade contratual e da dependência econômica que imperam na contratação

do microempreendedor individual, pois esse coordena a sua atividade em função

das atividades da empresa tomadora. O trabalho continua a ser prestado com

autonomia, mas a sua organização está vinculada a uma diretriz e controle

estabelecida pelo tomador. Embora não exista sujeição às ordens do tomador,

esse firma um contrato, aceitando que a sua atividade seja coordenada segundo

critérios previamente estabelecidos e discutidos, tendo, como objetivo, que seja

atingida a sua finalidade econômica.

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Ainda, a parassuborninação não deve ser entendida como falso

autônomo, pois essa se trata de uma fraude, na relação de trabalho subordinado,

através de contratos civis. Os falsos autônomos são verdadeiros empregados dos

tomadores de serviços, vítimas da uma prática espúria, inescrupulosa e repudiada

pelo Direito do Trabalho, pois prestam seus serviços pessoalmente, de modo não

eventual, com onerosidade e subordinação, recebendo ordens e comandos do

empregador quanto ao tempo, lugar e modo da prestação de laboral. A distinção

entre o Trabalhador Autônomo Economicamente Dependente e o falso autônomo

é apresentada, na obra de Francisco Javier Calvo Gallego:

“El auténtico criterio distintivo entre el TRADE y el falso autónomo, como categorías ciertamente distintas, se encontraría en el auténtico contenido de la prestación del individuo, que en su reflexión práctica vendría a demostrar el contenido real del conjunto de obligaciones deducido del contrato. Sería la presencia o la ausencia en este de la subordinación y dirección del empresario, la que nos permitiria distinguir la frontera entre uno y otro supuesto.” (GALLEGO, 2005, p. 59)

A parassubordinação seria uma categoria intermediária entre autonomia e

a subordinação, tendo como elementos caracterizadores: (a) pessoalidade; (b)

coordenação; (c) onerosidade; (d) continuidade, e (e) dependência econômica.

A pessoalidade, no trabalho parassubordinado, é afastada aos

trabalhadores que atuam por meio de pessoas jurídicas constituídas; porém, caso

seja entendido que a constituição da pessoa jurídica foi com o objetivo de fraude

para afastar a pessoalidade da relação, estará evidenciado que o trabalho

continua efetivamente prestado pessoalmente pelo trabalhador.

A coordenação assume relevância, no conceito de trabalho

parassubordinado, no sentido de constituir uma peculiar modalidade de

organização da prestação de serviços, que geralmente continua a ser prestado

com autonomia, mas a sua organização vincula-se à atribuição de algum modo de

poder de controle e de coordenação, a cargo do tomador de serviços. (PINTO E

SILVA, 2004, p. 207)

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A onerosidade ocorre da mesma forma que na relação de emprego: sua

prestação de serviços deve ser obrigatoriamente renumerada, pois, no caso da

sua ausência, estaria desfigurada sua classificação como trabalhador

parassubordinado, enquadrando-se na hipótese de trabalho voluntário,

comunitário, filantrópico ou religioso.

A continuidade corresponde ao fato de que a prestação de serviços deve

destinar-se a atender uma necessidade do tomador de serviço, que apresente

determinado prolongamento no tempo (PINTO E SILVA, 2004, p. 207), pois caso

contrário, configuraria trabalho eventual.

A dependência econômica, como já tratado anteriormente, pode ser

tratada como um elemento definidor do trabalho parassubordinado, já que o

obreiro retira o seu sustento da contraprestação onerosa fornecida pelo tomador

de serviços.

Assim, esse microempreendedor individual certamente detém um estado

de dependência, que vem a colocá-lo em uma situação de assimetria social com o

tomador de serviço, pois, se fosse diferente, estaria em igualdade de condições,

como ocorre no trabalhador autônomo.

Para consolidar nossa análise, a 3ª Turma do Tribunal Superior do

Trabalho, em acórdão proferido em novembro de 2013, tendo como Relator

Ministro Maurício Godinho Delgado, entendeu que a parassubordinação, ou

subordinação objetiva e estrutural, traz vínculo de emprego, na relação jurídica

estabelecida.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO OBJETIVA E ESTRUTURAL. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, ante a constatação de violação, em tese, do art. 3º da CLT. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Ante o possível conhecimento e provimento do recurso de revista do Reclamante, é aplicável, à hipótese, os arts. 794 da CLT e 249, § 2º, do CPC, rejeitando-se, portanto, a preliminar. Recurso de revista não conhecido, no aspecto. 2. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO OBJETIVA E ESTRUTURAL. O Direito do Trabalho, classicamente e em sua matriz constitucional

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de 1988, é ramo jurídico de inclusão social e econômica, concretizador de direitos sociais e individuais fundamentais do ser humano (art. 7º, CF). Volta-se a construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF), erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, IV, CF). Instrumento maior de valorização do trabalho e especialmente do emprego (art. 1º, IV, art. 170, caput e VIII, CF) e veículo mais pronunciado de garantia de segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça às pessoas na sociedade econômica (Preâmbulo da Constituição), o Direito do Trabalho não absorve fórmulas diversas de precarização do labor, como a parassubordinação e a informalidade. Registre-se que a subordinação enfatizada pela CLT (arts. 2º e 3º) não se circunscreve à dimensão tradicional, subjetiva, com profundas, intensas e irreprimíveis ordens do tomador ao obreiro. Pode a subordinação ser do tipo objetivo, em face da realização, pelo trabalhador, dos objetivos sociais da empresa. Ou pode ser simplesmente do tipo estrutural, harmonizando-se o obreiro à organização, dinâmica e cultura do empreendimento que lhe capta os serviços. Presente qualquer das dimensões da subordinação (subjetiva, objetiva ou estrutural), considera-se configurado esse elemento fático-jurídico da relação de emprego. No caso concreto, dados incontroversos evidenciam clara estratégia de dissimular vínculo empregatício. Por outro lado, analisando os autos, verifica-se que a Reclamada não se desincumbiu satisfatoriamente do encargo de comprovar que a relação jurídica se desenvolveu sob forma diversa daquela estabelecida no art. 3º da CLT, incidindo a presunção de reconhecimento do vínculo empregatício, por serem os fatos modificativos ônus probatório do réu (Súmula 212/TST; art. 818 da CLT; art. 333, II, do CPC ). Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 5139020105020048 513-90.2010.5.02.0048, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 13/11/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/11/2013)

Após a primeira Guerra Mundial, as Constituições, a exemplo do México

de 1917 e de Weimar de 1919, passam a conter normas de tutela do trabalho

(GOMES, 2005, p. 87).

A Constituição do México de 1917 tem destaque, no cenário mundial, por

ser a primeira a estabelecer normas trabalhistas, prevendo jornada de trabalho,

proibição ao trabalho infantil, proteção à maturidade, prevenção acidentária,

salário mínimo, direito de sindicalização e a greve. A Constituição Alemã de

Weimar, em 1919, ainda trouxe direitos trabalhistas mais avançados,

influenciando, sobremaneira, a Europa, países como a Itália, Espanha e Portugal

que elevaram os direitos trabalhistas ao patamar constitucional. (GONÇALVES A.

F., 2007)

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Não se pode olvidar que, nesse mesmo período, o Tratado de Versalhes,

em junho de 1919, instituiu a OIT – Organização Internacional do Trabalho e, a

partir de 1945, intensificou-se uma progressão, em todo mundo, aos direitos

sociais.

A Itália tem contribuído sobremaneira com essa progressão. Foi na

doutrina italiana que surge a macrodivisão do trabalho profissional em dois

grandes ramos que situam as relações de trabalho: autônomo e subordinado.

(NASCIMENTO, 2007, p. 947)

Também, foi a doutrina trabalhista italiana que primeiro se preocupou e

passou discutir um terceiro gênero, situado entre o trabalhador subordinado e o

trabalhador autônomo. Essa nova espécie são frutos dos novos sistemas de

produção globalizada, que surgem, a partir da existência de novos conflitos,

derivados da colaboração que se concretizava numa nova espécie de prestação

de serviços, caracterizada pela dependência econômica, e uma quase

exclusividade do trabalhador, então, definida na doutrina italiana como

parasubordinazione. (SILVA L. P., 2005)

A teoria da parassubordinação surge na Itália, na década de 1970, para

contrapor a intensificação da globalização e a discutida reestruturação

organizacional.

Mesmo antes desse período, pode-se identificar a sua gênese, na década

de 1950, quando o governo italiano, nos artigos 1º e 2º da Lei n. 741 de 1959,

detinha o poder de “assegurar uma disciplina econômica mínima e inderrogável a

todos os trabalhadores pertencentes a uma mesma categoria” (artigo 1º.), desde

que esta estivesse abrangida por contratos coletivos que regulamentassem as

relações de emprego, as relações de associação agrária, de arrendamento a

produtor direto e as “relações de colaboração que se concretizem em prestação

de obra continuada e coordenada” (artigo 2º)

O Código de Processo Civil Italiano, quando atualizado pela Lei 533 de 11

de agosto de 1973, equiparou o rito processual trabalhista dos empregados

parassubordinados, conceituando como os trabalhadores que se apresentam em

uma relação de colaboração, que se concretize em uma determinada prestação

de trabalho continuada e coordenada, pessoal, sem subordinação.

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Dessa forma, a tutela dos trabalhadores parassubordinados, na Itália, na

relação trabalhista, é processual, salvo se a tutela garantida por meio de contrato

coletivo de trabalho conferir direitos equivalentes aos que garantem às certas

categorias de trabalhadores subordinados. Ainda, no direito italiano, referente aos

direitos trabalhistas relativos ao processo, os trabalhadores parassubordinados

possuem proteção muito próxima à dos empregados, no tocante aos benefícios

previdenciários e fiscais.

A Itália, no ano de 2003, introduziu o contrato de colaboração a projeto,

no seu ordenamento jurídico, destacando requisitos específicos para sua

configuração, sem estabelecer direitos, além dos já existentes aos trabalhadores

parassubordinados. O Decreto Legislativo n. 276/2003 procurou conferir maior

tutela nas relações parassubordinadas, oferecendo, para esses trabalhadores,

garantias de conservação da relação no acidente de trabalho, na doença e na

gestação.

São inúmeras as críticas conferidas aos parassubordinados, na Itália,

porém, Estados como Espanha e Portugal também adotaram essa linha

doutrinária de tutela jurisdicional. Na Espanha, a Ley n. 20/2007, define como

trabalhadores parassubordinados aqueles que realizam atividade econômica ou

profissional, a título lucrativo, com atuação habitual, contínua e pessoal do

trabalhador, que, em decorrência de sua situação particular, é dependente

economicamente, na proporção de até setenta e cinco por cento da sua renda de

um cliente principal. (acesso: http://noticias.juridicas.com/base_datos/Laboral/l20-

2007.html)

Em Portugal, a Lei do Contrato de Trabalho, segundo Nelson Mannrich,

aprovado pelo Decreto-lei n. 49.408 de 24 de novembro de 1969, no seu artigo 2º,

equipara ao contrato de trabalho aquele cujo objeto é a prestação de trabalho

realizado no domicílio ou em estabelecimento do trabalhador, ou consistente na

compra de matérias-primas, com fornecimento por certo preço ao vendedor delas,

do produto acabado, sempre que, em ambos os casos, o trabalhador estivesse na

dependência econômica do empregador. (Mannrich, 2013)

Assim, evidencia-se que, na Europa, países citados como Itália, Espanha

e Portugal, têm a preocupação particular em tutelar os trabalhadores que

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137

possuem seus contratos, dentro do conceito da parassubordinação. Isso se

justifica pelo número cada vez maior de reestruturações produtivas, pelas

subcontratações, terceirizações, agrupamentos de trabalhadores em cooperativas

de trabalho, e de trabalho em domicilio, fruto do sistema produtivo globalizado

cada vez mais perverso, sem limites em ferir a dignidade da pessoa humana e

objetivando os lucros, a qualquer custo.

O Brasil, como já dito, não está imune a essa situação mundial; resta-nos

analisar a possibilidade da aplicação da tutela jurídica do trabalho subordinado,

no nosso sistema jurídico, que se verifica a seguir.

O Estado tem, como instrumento, o Direito exercendo um papel de

extrema importância no processo evolutivo necessário à promoção do

desenvolvimento. No processo do desenvolvimento, o Brasil é consignatário de

diversos instrumentos internacionais, que garantem os Direitos Sociais. Dentre

esses instrumentos, a Declaração da Organização das Nações Unidas, em 1986,

que proclama sobre o direito ao desenvolvimento.

No seu artigo 2º, define que a pessoa humana é o sujeito central do

desenvolvimento e deveria ser participante ativa e beneficiária do direito ao

desenvolvimento. Ainda, estabelece que os Estados têm o direito e dever de

formular políticas adequadas para o desenvolvimento, que visem ao constante

aprimoramento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos, com

base em sua participação ativa, livre e significativa e no desenvolvimento e na

distribuição equitativa dos benefícios daí resultantes. (Declaração sobre o Direito

ao Desenvolvimento, 2013).

Assim, nossa Constituição Federal estabelece, no artigo 7º, direitos

essenciais a todos os trabalhadores, indistintamente, elencando direitos

fundamentais mínimos, sem fazer distinção a qualquer tipo de qualificação ou

restrição ao conceito de trabalhador. A doutrina compreende que o constituinte

destinou apenas aos empregados, subordinados, não alcançando os demais

trabalhadores. Contudo, o rol de direitos constitucionais ali inseridos, como

cláusula pétrea, deve ser estendido para todos os tipos de trabalhadores

subordinados ou parassubordinados, como o caso do microempreendedor

individual.

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As matérias constitucionais invocadas e as legislações estrangeiras

apontam o caminho para a inclusão dos trabalhadores parassubordinados, no

campo da formalidade, em consonância com a Lei Complementar 123/2006,

bastando ajustes nessa própria norma, ou em instrumento legislativo para essa

finalidade, que elaborassem um núcleo menor de direitos, no âmbito da

seguridade social e de garantias contratuais destinados aos parassubordinados,

como forma de proteção a esses cidadãos imersos na perversa evolução do

mercado globalizado.

A Teoria da Parassubordinação é a resposta que o direito aporta ao

enfrentamento dos impactos da nova dinâmica do mercado globalizado e

reorganização das empresas no mundo. A abordagem se justifica pelos impactos

referidos serem responsáveis pela precarização do trabalho, em específico do

microempreendedor individual, que está à margem de qualquer tutela jurídica

estatal.

Com a proteção jurídica abordada nesta seção, o microempreendedor

individual, concebido como uma espécie nova de trabalhador autônomo

economicamente dependente, terá garantias de inserção social, dignificação e de

participação no processo de desenvolvimento.

É irrefutável a importância do microempreendedor individual na

Sociedade e no cenário econômico. Esse faz urgir a necessidade de uma nova

tutela específica aos seus direitos e proteção à sua dignidade. Essa é uma das

razões para se afirmar que a preservação do microempreendedor individual se

impõe, para não se perder a dignidade da pessoa humana, que reclama, por

intermédio da sociedade, por condições mínimas de existência digna, conforme

os ditames da justiça social, da solidariedade, como finalidade da ordem

econômica.

Deve-se ter a visão que o direito do trabalho não somente protege ao

trabalhador subordinado, mas sua função é muito maior, frente aos anseios da

sociedade. A realidade do microempreendedor individual como trabalhador

parassubordinado, no Brasil, há de sofrer suas adequações aos padrões

europeus apresentados nesta seção, sendo o ponto de partida a nossa

Constituição Federal, com os seus princípios e direitos fundamentais.

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139

Capítulo IV

ASPECTO DOS DIREITOS À ATIVIDADE ECONÔMICA FAVORECIDA E

DIFERENCIADA

Seção I – ORDENAMENTO JURÍDICO CONSTITUCIONAL: ESTRUTURA,

VALORES E PRINCÍPIOS

Nossa Constituição Federal, indiscutivelmente, participa efetivamente na

construção do sistema jurídico empresarial, na atualidade. Então, se faz

necessário repensar sobre os seus avanços alcançados e esperados, na seara

dos direitos positivados, no seu capítulo da ordem econômica, aqui, em

específico, àqueles que devem ser direcionados às micro e pequenas empresas.

O reconhecimento que a solução dos problemas socioeconômicos está no

ordenamento jurídico, no nível constitucional, a possibilidade de identificar o

direito subjetivo dos destinatários das normas e o dever jurídico do Estado de

intervir na ordem econômica, por intermédio da interpretação sistemática dos

artigos 179, 170, IV, IX, parágrafo único e 146, d, que preveem o princípio da livre

iniciativa e o tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas, à luz do

artigo 145, parágrafo 1º da Constituição Federal, que norteia o princípio da

capacidade contributiva, são algumas das premissas em que se balizou o

desenvolvimento deste capítulo.

Não se pode olvidar que os princípios constitucionais que regem o direito

tributário brasileiro são pilares da ordem tributária e o Estado tem o dever de

aplicá-los e efetivá-los, pois, nos ensinamentos de Canotilho, transgredir um

princípio é transgredir o próprio ordenamento jurídico, no qual esse se insere.

(CANOTILHO, 1999).

Nessa perspectiva de que a produção normativa tem, no Direito, um dos

seus instrumentos, que afloram e materializam os valores jurídicos eleitos pela

sociedade, com o objetivo de realização e efetivação, surge como tema central a

pergunta: em que medida, os princípios constitucionais do tratamento diferenciado

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às micro e pequenas empresas e da capacidade contributiva demonstram

efetividade, na estrutura de valores, princípios e normas do ordenamento jurídico

brasileiro?

Na primeira seção, desenvolve-se a análise funcional da estrutura, dos

valores e dos princípios, no nosso ordenamento jurídico constitucional. Observou-

se que os princípios prescrevem comandos direcionados às atividades do mundo

do ser como espécies de normas jurídicas, no mundo do dever-ser. Já, as normas

jurídicas são proposições que prescrevem comandos reguladores, nas atividades

do mundo do ser, e, por esse motivo, a inobservância de princípios nas normas

jurídicas acarreta a antijuridicidade, e a consequente sanção: a invalidação da

norma produzida.

Na segunda seção, analisa-se o princípio constitucional tributário da

capacidade contributiva como limitador de poder de tributar do Estado, cujo dever

de observação é tanto do legislador como do aplicador da norma tributária. Assim,

opera-se a proporcionalidade dos impostos, com a finalidade de respeitar o

mínimo de sobrevivência do sujeito e obstar que a progressividade tributária atinja

patamares de confisco, ou seja, a busca no princípio da capacidade contributiva é

a imposição de dois limites primordiais: o respeito a não tributação do mínimo vital

e a vedação de utilização do tributo como efeito de confisco.

Ainda, na mesma seção, analisa-se o princípio constitucional do

tratamento diferenciado, dispensado às micro e pequenas empresas, como

valores da liberdade e igualdade, fixados na Constituição Federal. Observou-se

que, para se realizar os valores republicanos e democráticos positivados, por

meio dos princípios e regras dos artigos 170, IX; 179 e art. 146, d, da Constituição

Federal, a maneira encontrada foi promover a igualdade de condições entre todos

os agentes econômicos, através da legislação infraconstitucional, Lei

Complementar 123/2006, que ainda produz discussões na esfera da sua

efetividade, a exemplo da declaração de repercussão geral da matéria

constitucional pelo STF do Recurso Extraordinário 627.543/RS, pelo Ministro Dias

Toffolli, anteriormente alvo de severas críticas pela inconstitucionalidade do seu

artigo 17, V da referida Lei Complementar.

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141

Este capítulo pretende demonstrar que os direitos constitucionais,

seguidos de seus princípios, necessitam de efetividade, em especial, o princípio

da capacidade contributiva das micro e pequenas empresas, que necessitam

dessa discriminação positiva, para se equiparar, na livre concorrência, perante

outras empresas de maior porte, e, assim, refletir os valores dos anseios da

sociedade e a sua diretiva, que deve ser observada pelo legislador ordinário e

também ao aplicador das leis.

Na sistematização de Norberto Bobbio, as normas componentes do

ordenamento jurídico dividem-se em dois grandes grupos: de comportamento e

de estrutura. (CARVALHO, Curso de direito tributário, 2004, p. 139).

As normas de comportamento têm como alvo as condutas das pessoas,

nas relações de intersubjetividade, que ocorre no nível dos fatos, durante a

convivência humana, indicando o comportamento que é permitido, obrigatório ou

proibido. As normas de estrutura têm como alvo os produtores das normas, que

estabelecem limites para a produção das normas, sejam de comportamento ou de

estrutura, e dispõem sobre órgãos do Estado e a maneira como as normas devem

ser elaboradas, transformadas ou eliminadas do sistema jurídico.

O ordenamento jurídico é um sistema de proposições de direito.

(CARVALHO, Curso de direito tributário, 2004, pp. 135-138). Esse é composto por

normas, pelas quais são dispostas dentro de uma estrutura convergente da norma

fundamental, constituindo uma pirâmide normativa. (CARRAZZA, 2003, p. 27).

Cada unidade normativa tem fundamento de validade formal e material, nas

imediatamente superiores, reciclando-se, ao nível constitucional de onde

derivaram.

Hans Kelsen, em sua obra Teoria Geral das Normas, posiciona que a

norma jurídica, na sua composição, é bimembre, norma primária (direito material)

que indica o fato jurídico, bem como, prescreve uma conduta humana a ser

seguida, e norma secundária (direito processual), que indicam a antijuridicidade e

a sanção aplicada. (KELSEN, 1986, p. 181)

Ainda, as normas jurídicas, segundo Maria Helena Diniz, são o “princípio

diretivo da conduta” (DINIZ, 1996, p. 89), já que as normas jurídicas determinam,

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de forma implícita ou explícita, o dever-ser da conduta da sociedade e do Estado,

no seu cotidiano.

Daí ser possível concluir que a produção normativa tem, no Direito, um

dos seus instrumentos, que afloram e materializam os valores jurídicos eleitos

pela sociedade, com o objetivo de realização e efetivação, primordialmente, por

apresentar, no Direito, mecanismos de sanção e coerção estatal, que impõem a

conduta desejada.

Nossa Constituição, como sistema normativo, é formada de normas de

estrutura e normas de comportamento, sendo que os princípios e as regras não

possuem o mesmo grau de importância. Princípios carregam um grau axiológico

diferente das regras, pois estão na base da estrutura do ordenamento jurídico e

revelam preceitos de valores superiores aos das regras.

Os princípios e os valores não se confundem, mesmo que ambos

exerçam grande influência, nas relações sociais. Os valores são construídos

durante todo um processo histórico de certa sociedade e os princípios se fundam

nos primeiros, tendo sua origem, na forma como os valores são percebidos e

interpretados.

Paulo de Barros Carvalho caracteriza os princípios como norma jurídica

de hierarquia privilegiada, que são capazes de promover limites objetivos. Os

valores são considerados independentes da estrutura da norma, pois, para

atingirem o fim que objetiva, na expressão dos seus fundamentos, necessitam ser

objetos de experiência social. (CARVALHO, Curso de direito tributário, 2004, p.

145)

Autores como Eros Grau, Alexy, Roque Carraza, Canotilho, Celso Antonio

Bandeira de Mello, defendem que princípio é o ponto fulcral para a construção de

um ordenamento constitucional.

Ao tratar das características dos princípios, Humberto Ávila, ao citar os

ensinamentos de Karl Larenz, destaca que os princípios possuem enorme

relevância para o ordenamento jurídico, pois possuem a função de comandos

auxiliadores fundamentais para os intérpretes, na aplicação de outras normas.

Obviamente, não se pode esquecer que eles não possuem caráter normativo e

muito menos aplicação direta, pois lhes falta o caráter formal de propositura

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143

jurídica e apenas direcionam as condutas a serem seguidas, sem força coercitiva

estatal. (ÁVILA, 2003, p. 27)

O aspecto da função de fundamento normativo para tomadas de decisão

é outro critério distintivo entre os princípios e as regras. A distinção advém da

qualidade decorrente do modo hipotético de formulação normativa, uma vez que,

os princípios possuem claro conteúdo axiológico; porém, para que esses valores

sejam positivados, necessitam que se tornem regras, passando por um processo

legislativo. (ÁVILA, 2003, p. 30)

O estudo dos princípios guarda especial importância, à medida que se

entrelaçam, internamente, nas entranhas do sistema jurídico. Relacionado com a

palavra “origem”, são base do ordenamento jurídico e estão posicionados no topo

da estrutura normativa, antecedendo as regras.

Os princípios prescrevem comandos direcionados às atividades do mundo

do ser, como espécies de normas jurídicas, no mundo do dever-ser. As normas

jurídicas são proposições que prescrevem comandos reguladores, nas atividades

do mundo do ser. Podemos concluir que a inobservância de princípios, nas

normas jurídicas, acarreta a antijuridicidade, e a consequente sanção: a

invalidação da norma produzida.

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Seção II – O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E O TRATAMENTO

DIFERENCIADO

O nascedouro do princípio da capacidade contributiva ocorreu na

Alemanha, mas foi na Espanha, a partir daquela construção doutrinária, que se

iniciou a discussão sobre o mínimo isento, fator de potencialização. Esse princípio

apresenta-se, nas Constituições Alemã, brasileira, italiana, espanhola e

portuguesa.

O princípio da capacidade contributiva trata de uma espécie de limitação

ao poder de tributar por parte do Estado, fazendo com que seja respeitada a

capacidade contributiva do indivíduo, impedindo de onerá-lo acima do mínimo

vital para sua sobrevivência e de sua família.

Na compreensão de Gian Antonio Micheli, é necessário verificar se o

poder legislativo encontrou limites jurídicos, no momento de estabelecer as

normas tributárias, ainda, se foi estabelecido dentro das exigências sociais,

econômicas e políticas, daquele momento histórico. Seguindo esse raciocínio, o

autor explica que a capacidade contributiva é uma maneira de limitação à

postestade tributária, decorrente de critérios principiológicos constitucionais como

da solidariedade, da justiça social e da igualdade entre os cidadãos. (MICHELI,

1975, p. 142)

Na Constituição Federal brasileira, o princípio da capacidade contributiva

apresenta-se expresso no artigo 145, § 1º. :

Art. 145 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...] § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

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145

Note-se que o dispositivo constitucional não trata especificamente da

capacidade contributiva, mas, sim, da capacidade econômica; porém, deve-se

levar em conta que, para a configuração do princípio da capacidade contributiva,

deve ser observada a capacidade econômica do contribuinte, acrescida do

interesse público e social de gravar a renda ou patrimônio daquele setor ou região

naquele tempo, sempre, sem olvidar da observação da função social e da

redistribuição da renda entre os indivíduos, privilegiando o caráter solidário.

Na doutrina espanhola, Emilio Cencerrado Millán, preleciona que não é

toda capacidade econômica que constitui a capacidade contributiva, mas somente

aquela riqueza que não está destinada às necessidades vitais. (MILLÁN, 1999, p.

37) Por certo que há existência de capacidade econômica legitima à imposição

tributária, mas, para Gian Antonio Michelle, “a noção de capacidade contributiva

impede que o poder de imposição possa ser exercido de maneira a agravar o

mínimo vital, aquilo que é absolutamente indispensável para viver. Se tal limite for

violado, não existe capacidade contributiva, ameaçando a própria sobrevivência

do sujeito”. (MICHELI, 1975, p. 151).

A respeito da Teoria do mínimo isento, Millán destaca que se é possível

exigir que os tributos sejam aplicados, a partir da medida de capacidade

econômica das pessoas, do mesmo modo estabelece que, ante a insuficiência de

capacidade econômica, será impossível o gravame tributário. (MILLÁN, 1999, p.

08).

Não são todas as constituições que dispõe expressamente sobre o

mínimo isento. À exemplo da nossa Carga Magna, que não reconhece,

expressamente, mas está fundamentado no seu artigo 7º, onde prevê que o

salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, deverá ser capaz de

atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família.

Regina Helena Costa, na sua obra Princípio da Capacidade Contributiva,

conceitua mínimo isento, “o qual se constitui em um conceito que varia no tempo

e no espaço, e tem relação direta com as necessidades básicas dos indivíduos. É

uma isenção, porque a capacidade contributiva só pode se reputar existente

quando aferir-se alguma riqueza acima do mínimo de existência fisiológico”.

(COSTA R. H., 1996)

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146

Podem-se identificar, na Constituição Federal brasileira, três princípios

atrelados à busca da justiça social: o princípio da progressividade, da

personalização dos tributos e da capacidade contributiva.

O princípio da capacidade contributiva, como princípio geral do sistema

tributário brasileiro, pode ser caracterizado como a limitação constitucional

expressa ao poder de tributar do Estado. Apresenta-se como instrumento de

defesa do contribuinte contra o Fisco, almejando a pretensa justiça e igualdade

tributária. Nesse sentido, tributa-se mais o contribuinte com renda maior e menos

aquele com renda menor, com o objetivo de reduzir as desigualdades econômicas

e sociais.

Há divergência na doutrina brasileira sobre o conceito de capacidade

contributiva; Manoel Lourenço dos Santos entende que o referido princípio é uma

regra comum de Justiça, em que o “Estado deve repartir a carga tributária, de

acordo com as possibilidades econômicas de seus habitantes, de modo geral, e,

de modo específico, conforme a capacidade econômica de cada indivíduo,

poupando, tanto quanto possível, o necessário físico de cada um”. (SANTOS M.

L., 1970, p. 96)

Regina Helena Costa afirma que o princípio da capacidade contributiva é

“a aptidão, da pessoa colocada na posição de destinatário legal tributário, numa

obrigação cujo objeto é o pagamento de imposto, para suportar a carga tributária,

sem o perecimento da riqueza lastreadora da tributação”. (COSTA R. H., 1996, p.

101)

Roque Antonio Carrazza, na sua obra Curso de Direito Tributário,

estabelece vinculação entre o referido princípio com o da igualdade, afirmando

que a capacidade contributiva é objetiva, já que se refere não às condições

econômicas reais de cada contribuinte, mas às manifestações objetivas da

riqueza, fazendo referência à atividade de preferência do legislador para eventos

que demonstrem condições para concorrer às despesas públicas, denominados

pelo autor como “fatos-signos presuntivos de riqueza”. (CARRAZZA, 2003, p. 31)

Para Sacha Camon Navarro Coelho, a capacidade contributiva é

subjetiva, devendo-se levar em conta a capacidade econômica real do

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contribuinte e a sua condição pessoal de suportar a carga econômica do tributo.

(COELHO S. N., 1992, p. 90)

Dessas lições se pode verificar, em ambos os sentidos, que a vontade do

legislador, sobre os fatos que elegerão e determinarão o surgimento de

obrigações tributárias, é um fator condicionante. Assim, o princípio encaixa-se

como limitador de poder de tributar do Estado, cujo dever de observação é tanto

do legislador como do aplicador da norma tributária. Dessa forma, opera-se a

proporcionalidade dos impostos, com a finalidade de respeitar o mínimo de

sobrevivência do sujeito e obstar a que a progressividade tributária atinja

patamares de confisco.

Outro ponto, questionado por alguns autores, é a expressão “sempre que

possível”, presente no parágrafo primeiro do artigo 145, da Constituição Federal.

Qual seria, então, a real abrangência do princípio da capacidade contributiva? A

doutrina predominante, representada por Edvaldo Brito, Ives Gandra Martins,

Hugo de Brito Machado, Hamilton Dias de Souza e outros, diz que a melhor

interpretação é no sentido de que o referido princípio “sempre” deve ser

respeitado e não “sempre que possível”, sendo que a expressão diz respeito

somente à característica pessoal dos impostos, já que sempre é possível graduar

os impostos, segundo a capacidade econômica do contribuinte, mas nem sempre

é possível atribuir caráter pessoal aos impostos”. (REZEK, 2002)

Nesse sentido, o que verdadeiramente se busca no princípio da

capacidade contributiva é a imposição de dois limites primordiais: a vedação de

utilização do tributo como efeito de confisco e o respeito a não tributação do

mínimo vital. (REZEK, 2002).

Para se analisar o tratamento diferenciado às micro e pequenas

empresas antes se faz necessário passar pelos valores da liberdade e igualdade,

fixados na nossa Carta Magna. A positivação desses valores está expressa no

Capítulo destinado à ordem econômica.

O ideário do Estado Liberal está concretizado no princípio da livre

iniciativa, que garante o direito a todo cidadão de exercer livremente uma

atividade econômica; porém, no Brasil, esse livre exercício não é pleno. Há a

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autorização constitucional para o Estado impor limites ao livre exercício da

iniciativa, sempre por meio de norma jurídica introduzida na lei.

Essas limitações são intervenções do Estado, que impõem aos sujeitos

da iniciativa privada a observância de valores e princípios, que integram a ordem

jurídico-econômica brasileira, e, dentre esses, o abuso do poder econômico. Aqui,

tem-se o contraponto ao Estado Liberal, com a presença do ideário de um Estado

Social, que se preocupa pela manutenção do valor da igualdade material.

Na Constituição Federal brasileira, a positivação da liberdade vem

permeada pela igualdade, cumprindo o seu dever de garantir a todos os agentes

econômicos os mesmos direitos, por meio da intervenção estatal. No artigo 170,

da CF, a prescrição de ser a livre iniciativa um dos fundamentos da ordem

econômica, trouxe “[...] o princípio básico do liberalismo econômico”, (SILVA J. A.,

2004, p. 773) e alcançou o nível de princípio fundamental, no Estado Democrático

de Direito, nos termos do artigo 1º, IV da CF.

Eros Roberto Grau destaca que o artigo 170 da Constituição Federal, no

seu caput e parágrafo único, complementa os ideais, tanto do modelo liberal

fundado na livre iniciativa, quanto no modelo social fundado na igualdade,

buscando amparo nas bases da livre concorrência. (GRAU, 2010, p. 185)

No artigo 170, IV do texto constitucional, a livre concorrência possui,

como corolário, a competição entre as empresas, sem qualquer interferência do

Estado, fundadas na regulação autônoma do mercado. Porém, isso muitas das

vezes não é alcançada, principalmente quando se tratam da influência, do poder

econômico e da prática de atitudes ofensivas à ordem econômica de empresas

com maior porte.

As sociedades empresárias podem levar à grande concentração do poder

econômico, que geram atitudes empresariais capazes de quebrar a harmonia, nas

relações econômicas. Essa situação da concorrência entre empresas de

diferentes portes pode gerar um distanciamento artificial da competição saudável

e produzir distorções no mercado, o que não deve ser tolerado, em um sistema

constitucional consolidado, com bases ideológicas de Estado Social de Direito,

que tem por objetivo a ser atingida a livre concorrência, no modelo do equilíbrio

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entre as grandes empresas e os empresários da pequena empresa. (FONSECA,

2005, p. 129)

Assim, nesse modelo constitucional, o princípio da livre concorrência

oportuniza aos atores do mercado econômico o direito de competirem, em pé de

igualdade material. Pelos ensinamentos de Eros Roberto Grau, podemos concluir

que “um mercado totalmente livre somente seria admitido com a ausência do

fenômeno do abuso econômico”. (GRAU, 2010, p. 192)

Os valores e princípios constitucionais são dever do Estado. Por isso, se

faz necessário promover a igualdade, dentro dos ditames constitucionais e dar

continuidade ao processo legislativo de produção de leis, que garantam esses

valores e princípios constitucionais. Porém, na realidade da ordem econômica,

para que a igualdade material exista, se faz necessário reconhecer que as

desigualdades entre os agentes econômicos existem e a que a diferença entre as

micro e pequenas empresas e as de grande porte, é um fato.

Nesse sentido, a Constituição Federal buscou tutelar as micro e pequenas

empresas, proporcionando um tratamento diferenciado para o acesso e

permanência no mercado, para, assim, garantir-lhes a livre iniciativa, a livre

concorrência e a igualdade material.

No ordenamento brasileiro, o Estatuto Nacional da Microempresa e da

Empresa de Pequeno Porte, instituído pela Lei Complementar 123/2006, buscou

realizar os valores republicanos e democráticos positivados, por meio dos

princípios e regras dos artigos 170, IX; 179 e art. 146, d, da Constituição Federal.

Foi, através desses dispositivos constitucionais, a maneira encontrada para se

promover a igualdade de condições entre todos os agentes econômicos.

O critério de definição de uma microempresa e uma empresa de pequeno

porte está relacionado ao seu faturamento. As empresas com margem de

faturamento dentro desses limites trazidos pela LC 123/2006, devem ser

abrangidas por esse regime jurídico de tratamento favorecido, passando a ser

assistidas, por consequência pelo SUPER SIMPLES – Sistema Integrado de

Pagamento de Impostos e Contribuições Federais, Estaduais e Municipais das

microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Esse critério de tratamento fiscal

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diferenciado está em conformidade com os fundamentos constitucionais, já que

possuem a mesma capacidade contributiva.

No que se refere aos critérios adotados, é interessante observar que, em

primeiro ponto, o legislador buscou amparo na receita bruta auferida pela pessoa

jurídica, para definir o universo dos contemplados com a proteção constitucional,

no artigo 3º, I e II, da LC 123/2006 e, em segundo ponto, estipulou requisitos e

hipóteses de vedações, fundamentando-se nos aspectos relacionados ao

contribuinte e fatores preponderantemente extrafiscais, no artigo 17 da

LC123/2006.

O reconhecimento da existência de um direito subjetivo de tratamento

diferenciado às micro e pequenas empresas é justificado, quando a Constituição

Federal pretende garantir o equilíbrio nas relações econômicas, dispensando uma

proteção àquelas com menor poder econômico e capacidade de competição.

Foi essa a tônica, na legislação infraconstitucional, por mais que antes da

declaração de repercussão geral de matéria constitucional da análise, pelo STF

do Recurso Extraordinário 627.543/RS, pelo Ministro Dias Toffolli, a LC 123/2006

fosse alvo de severas críticas, pela inconstitucionalidade do seu artigo 17, V.

O cerne dessa discussão dizia respeito ao tratamento jurídico

diferenciado e favorecido das microempresas e das empresas de pequeno porte,

assim definidas em lei, especialmente no que se referia ao regime especial e

unificado de tributação, o SIMPLES NACIONAL, de que trata da LC123/2006. O

que se queria saber é se as micro e pequenas empresas estariam habilitadas a

fruir do tratamento tributário diferenciado e favorecido previsto na lei

complementar, quando apresentassem débitos, perante à Fazenda Pública ou o

INSS, decorrentes de tributos cuja exigibilidade não tivesse sido suspensa.

Aqueles que defendiam pela inconstitucionalidade do artigo 17, V da LC

123/2006, perquiriam que, naquele caso, a exigência contida no referido inciso do

artigo, ao diferenciar os contribuintes em débito com a Fazenda Pública ou com o

INSS das demais micro e pequenas empresas que cumpriam com as suas

obrigações tributárias, para fins de opção pelo Simples Nacional, estaria impondo

uma discriminação arbitrária, desarrazoada e incompatível com a do princípio da

isonomia, considerada a capacidade contributiva dos agentes.

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151

Então, a Corte Suprema entendeu que o tratamento favorecido levava

em consideração a capacidade contributiva do agente presumidamente

empresário da MPE, porém essa presunção não pode ser validada, quanto ao

empresário da MPE inadimplente com o fisco.

Isso se justifica justamente pela defesa do princípio da isonomia e da

igualdade tributária, que se ampara na discriminação apresentada no art. 17, V da

LC 123/2006, quando a sua premissa de que o regime foi criado para diferenciar,

em iguais condições, os empreendedores com menor capacidade contributiva e

poder econômico, daqueles em débito com o fisco, que participariam do mercado,

com uma vantagem competitiva, em relação àqueles que cumprem suas

obrigações tributárias pontualmente.

Ainda, não se pode olvidar, que o fisco oportuniza a possibilidade de

parcelamento dos débitos fiscais, por meio do REFIS, em até 120 (cento e vinte)

parcelas mensais. Permitir-se o ingresso no SIMPLES NACIONAL daquele que

sequer parcelou o débito, ou mesmo buscou formas de suspender o crédito

tributário de que trata o art. 151 do CTN, é desestimular o contribuinte que honrou

seus compromissos e incutir a sensação, no empresário da MPE, de que o dever

de pagar em dia seus tributos é inconveniente e desnecessário. Por esse motivo,

não há que se falar em violação do princípio da isonomia e da capacidade

tributária.

Concluindo, o princípio do tratamento diferenciado às micro e pequenas

empresas, consorciado ao princípio da capacidade contributiva, consolidado na

Carta Magna, reflete valores dos anseios da sociedade e a sua diretiva, que deve

ser observada pelo legislador ordinário e também ao aplicador das leis, não

podendo nunca ser desprezado.

Levantou-se o estudo e análise do capítulo que trata dos princípios gerais

da atividade econômica, havendo o corte metodológico relacionado ao sistema

tributário nacional, inserido na Constituição Federal. Permitiu-se, então, avaliar

que, no subsistema constitucional, são identificados valores e normas que são

princípios e regras jurídicas, com o objetivo de demonstrar a direção a ser

seguida, na atuação do Estado e dos particulares, nas relações econômicas.

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Nessas relações, destacamos aquelas que ganharam status

constitucional aos sujeitos de direito, as micro e pequenas empresas, conforme o

artigo 170, IX e artigo 179 da CF, consorciado ao artigo 145 § 1º da CF, onde se

registram as políticas públicas do Estado: o tratamento diferenciado, capacidade

contributiva, deveres administrativos e creditícios diferenciados diante de

empresas de maior porte.

Ao analisar o princípio da capacidade distributiva, pode-se concluir que

esse reflete uma diretiva a ser sempre observada pelo legislador ordinário e

aplicadores da lei. Na positivação dos princípios gerais constitucionais, muito se

perde do seu real valor social. O princípio da capacidade distributiva é derivado

do princípio da igualdade e da justiça social, tendo como objetivo maior, observar

as condições de riqueza de cada contribuinte, utilizando-se do direito tributário,

para proporcionar uma melhor distribuição de renda entre a população e combater

a desigualdades sociais.

Na análise do princípio do tratamento diferenciado, verificou-se que seu

objetivo é possibilitar a vivência, com os valores da liberdade e da igualdade

material, fixados nos princípios constitucionais da livre inciativa e da livre

concorrência. A livre inciativa possui fundo ideológico liberal, para garantir a

atuação dos particulares no mercado, por meio da atividade econômica, e a livre

concorrência possui fundo ideológico social, para garantir o acesso e

permanência de todos no mercado.

Esses objetivos elencados serão alcançados com a intervenção estatal

indireta, por meio de regulação normativa e de incentivos tributários. É nessa

composição das ideologias liberal e social do Estado brasileiro que se infere

garantir as conquistas socioeconômicas.

A LC123/2006 se propôs a essa finalidade ao disciplinar o regime de

tratamento diferenciado, atribuindo para as micro e pequenas empresas, dentre

outras, duas ordens a se destacar: a ordem jurídica, possibilitando a efetividade

de direitos de nível constitucional e a ordem social, buscando a garantia de

sobrevivência dessa classe de empresários num mercado altamente competitivo,

contribuindo para os valores do pleno emprego, avanço no desenvolvimento

socioeconômico e distribuição de renda.

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153

Por certo, que nesses anos de vigência da nossa Constituição Federal, as

micro e pequenas empresas, sempre, viveram na expectativa de usufruir mais dos

direitos constitucionais que lhes foram apresentados, mas as imperfeições da

efetividade e da aplicabilidade são superados com o tempo, quando viabilizados

por uma adequada interpretação de valores, princípios e regras, que consolidam o

regime jurídico econômico nacional.

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CONCLUSÃO

Este estudo indicou alguns caminhos que foram seguidos, para se chegar

ao objetivo inicial proposto sobre a compreensão dos aspectos do fenômeno da

“função social”, frente à atividade empresarial da microempresa e da empresa de

pequeno porte no Brasil, com foco no âmbito jurídico dos princípios

constitucionais explícitos e implícitos na nossa Carta Magna.

Para atender o objetivo geral traçado, apresentaram-se nesse estudo, os

aspectos da função social da MPE, no âmbito jurídico constitucional, através da

descrição do processo histórico de formação da MPE e da sua cultura

empreendedora, no Brasil, no Capítulo I; do exame da atividade de fomento e das

políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, no Capítulo II; da identificação dos

direitos fundamentais e sociais do empresário da MPE, no Capítulo III; e da

demonstração da eficácia do direito à atividade econômica favorecida e

diferenciada, no Capítulo IV.

Foram estipulados quatro objetivos específicos, com as suas respectivas

hipóteses, que se passam a relatar nos resultados alcançados.

O primeiro objetivo alcançado foi descrever o processo histórico de

formação da MPE e da cultura empreendedora na pequena empresa, no Brasil,

chegando-se à seguinte conclusão, em relação a esse objetivo apresentado no

Capítulo I:

Da análise da transição do modelo jurídico pluralista (agrário/senhorial)

para o modelo jurídico monista (mercantilista) teve como consequência a

formação da classe burguesa. Essa se caracterizou pelos usos e costumes

comerciais das decisões dos cônsules e dos estatutos das corporações, que

deram origem às compilações que originaram o Ius Mercatorum, marcado pelo

caráter intercorporativo, internacional e costumeiro. A Teoria do Estado e do

Direito encontrou ambiente favorável para os modelos científicos, como é o caso

do modelo kantiano, que serviu de base do pensamento jurídico epistemológico,

chegando-se ao século XX, com Hans Kelsen atingindo o ápice do modelo

jurídico monista.

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A origem da micro e pequena empresa está ligada à própria história da

evolução capitalista, na Europa do Século XII e XIII, quando se desenvolveram as

cidades, com nítido caráter econômico. Eram representadas pelas oficinas

organizadas, através do artesão, que trabalhava com seus familiares e um

número de companheiros e aprendizes, considerados como pessoas da família. A

Família era reconhecida como o núcleo central da sociedade e foi nela que o

Estado constituído teve que focar seus fundamentos, atenção, política, objetivos e

proteção.

O costume e a organização social, que surgiram na Europa, a partir do

século XVII, influenciam uma nova concepção mundializada e trouxeram a carga

de transformações profundas e marcantes, no âmbito do pensamento jurídico

ocidental. No Brasil Colônia do século XVI, a micro e pequena empresa tem

relação muito próxima com a atividade produtiva colonial, pelas evidências,

documentos e relatos apontados nas cidades de São Vicente e Santos no Estado

de São Paulo e sofre influência direta da transformação jurídica pelo momento

histórico da Europa no monismo.

As micro e pequena empresas eram o segundo setor da economia

colonial. Inicialmente, foram representadas por indígenas, e mais tarde, pela

mestiçagem, por caboclos, que desenvolviam atividades acessórias ou

secundárias, com o objetivo de abastecimento das vilas, que surgiam no litoral

brasileiro. A participação da micro e pequena empresa no desenvolvimento

histórico, social e econômico do Brasil foi efetiva; porém, no âmbito jurídico, não

se pode dizer o mesmo, uma vez que houve uma clara segregação aos

empresários da MPE, na legislação aplicada às empresas, naquela época,

mudando esse contexto somente após a promulgação da Constituição Federal de

1988.

A formulação de políticas públicas para desenvolver a Atividade de

Fomento para MPE, no Brasil, é uma experiência recente, pois, no Brasil do

século XX, as políticas de fomento eram fundamentadas no desenvolvimento da

estrutura produtiva de grandes empresas e o universo das empresas de menor

porte constituía um tema de pouca importância, na agenda do Governo brasileiro.

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Destacaram-se dois marcos fundamentais, para o ponto de partida, no

desenvolvimento de políticas públicas voltadas à micro e pequena empresa. O

primeiro marco institucional, na década de setenta (70), a criação do Centro de

Negócios para MPE, o atual SEBRAE e o segundo, foram dois marcos legais, na

década de noventa (90), com criação da Lei das Micro e Pequenas Empresa (Lei

9.317/96) e o Estatuto das Micro e Pequenas Empresas (Lei 9.841/99). Nesse

período, caracterizou-se uma relativa ausência de consenso, na formulação de

políticas públicas, com vistas à prioridade do fomento que deveria ser dada para

estas questões. O governo federal, sobretudo, priorizava as políticas de

estabilização monetária, desestatização, a privatização, a desregulamentação da

economia, seguindo os preceitos neoliberais dos anos noventa.

A Lei Complementar 123/2006, que instituiu o Estatuto Nacional da

Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, e muitas outras inciativas foram

consolidadas e ampliadas ao longo do segundo Governo Lula (2007-2010),

período que se apresentou propício para impulsionar o plano de políticas

industriais e de inovação, com uma perspectiva de desenvolvimento a longo

prazo.

No Governo Dilma Roussef, houve a continuidade, no esforço para

estender a participação das micro e pequenas empresas como beneficiárias de

linhas de financiamento, incentivos a inovação, programas de capacitação e de

fomento às exportações, pelos dados levantados. O critério central do atual

programa de governo é dar continuidade ao projeto de desenvolvimento, que

assegure um grande e sustentável desenvolvimento, na transformação produtiva

do Brasil, destacando-se a importância de conciliar desenvolvimento das grandes

e médias empresas com o das micro e pequenas empresas e fomentar o espírito

empreendedor.

Analisando o impacto da crise financeira internacional de 2008/ 2009,

concluiu-se que este se fez sentir, de forma mais intensa, nas economias dos

países desenvolvidos, gerando uma significativa diminuição na demanda por

importações, bem como uma redução da oferta de crédito, nos mercados

internacionais, e, consequentemente, afetou mais as médias e grandes empresas

brasileiras, que possuem significativamente maior parte das exportações e que

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podem acessar recursos no mercado financeiro internacional, do que as micro e

pequenas empresas.

Pelo exposto no Capítulo I, corrobora-se positivamente a nossa primeira

hipótese do estudo proposto, em que o aspecto das políticas públicas

desenvolvidas pelo Estado, através da atividade de fomento às micro e pequenas

empresas pode ser uma estratégia de promover a diminuição dos efeitos da crise

econômica e a possibilidade de retomada do crescimento.

As micro e pequenas empresas brasileiras reúnem uma série de

características e condições que as tornaram menos suscetíveis aos efeitos da

crise, pois têm menos flexibilidade para ajustar-se a variações da demanda, pela

redução da mão de obra e pouca participação no mercado de exportação,

focando-se no seu mercado interno.

O modelo de desenvolvimento aplicado nos últimos anos priorizou o

aumento do ingresso dos setores de menor renda, o que justificou a incorporação

de novos segmentos ao mercado consumidor e uma significativa expansão do

consumo das classes mais baixas, mercados com maior participação relativa de

micro e pequenas empresas, e finalmente, que essas empresas dificilmente

demandam ao mercado financeiro internacional, dependendo, para esse efeito, do

mercado de crédito doméstico.

Sobre o segundo objetivo alcançado, foi analisada a atividade de fomento

e examinada as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, apresentado no

Capítulo II, que permitiu das conclusões expostas, nos parágrafos que seguem:

Da análise dos Instrumentos Sociais e a Atividade de Fomento, à luz da

Isonomia, verificou-se que a Encíclica Rerun Novarum, escrita pelo Papa Leão

XIII, em 1891, possui enorme influência histórica nas questões levantadas durante

a revolução industrial e as sociedades democráticas, no final do século XIX. Esse

documento papal não teceu objetivamente nenhuma linha sobre a função social

da propriedade, mas criticou fortemente a falta de princípios éticos e valores

morais, na sociedade daquela época e levantou as grandes causas dos

problemas sociais. A grande influência que exerceu a referida encíclica, como

fonte de outras Encíclicas Papais, e na formação das Constituições dos Estados

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democráticos no que tange a teoria da Justiça Social e do bem comum, ideário na

atualidade da Responsabilidade Social, foi intensa.

Analisou-se o problema da diferenciação conceitual dos instrumentos

sociais: Função Social, Responsabilidade Social e Filantropia na empresa da

atualidade. Percebeu-se, então, que a função social não pode ser entendida como

sendo exterior à propriedade e, sim, como elemento integrante a sua estrutura,

bem como, não deve ser compreendida como assistencialismo ou utilização

racionalizada da propriedade, pois não depende somente da vontade do

proprietário e da regulação pelo Estado, mas da utilização honesta, ética,

justificada e justa da propriedade, com o objetivo de produzir bens de consumo,

para o bem-estar e desenvolvimento da sociedade.

A importância econômica do instituto do “fomento” é notável, como

instrumento de política pública do Estado, com vista à igualdade entre os portes

das empresas e de estímulo ao empreendedorismo da MPE, no Brasil,

analisando-se o contexto do Estado Moderno, a partir do século XVIII, que buscou

atuar no domínio econômico, com diferentes graus de intensidade.

Na atualidade, o Estado Social age de forma indireta, demandando a

participação da iniciativa privada na busca do bem comum, sendo esse um campo

fértil para a promoção positiva e a prática da atividade de fomento pelo Estado.

No Brasil, nossa Constituição de 1988 mostra-se receptiva a essa

tendência. A atividade de fomento não pode afastar as preocupações acerca dos

limites jurídicos de sua utilização, pois, da mesma forma que pode ser

considerada como um importante instrumento para o desenvolvimento de políticas

públicas, também pode produzir desigualdades, quando não observados pelo

administrador público os princípios norteadores da administração pública.

Notadamente, as políticas públicas de fomento têm como destinatário o

interesse público, devendo ser previstas em lei, pois, do contrário, é ilegítima,

injustificável e discriminatória.

O interesse individual da média e grande empresa, quanto ao auferir

lucros de sua atividade, é legítimo, mas esse não deve prejudicar os interesses da

coletividade, pela concorrência desproporcional com as micro e pequenas

empresas. Por esse motivo, justifica-se o tratamento favorecido e diferenciado

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para a sobrevivência dessas no livre mercado, a dignidade das gerações futuras e

a estabilidade econômica e social.

As micro e pequenas empresas dependem da discriminação legal que

lhes é concedida, para terem condições de concorrer com as médias e grandes

empresas. Dessa forma, o Estado cumpre, mediante a atividade de fomento, com

o desenvolvimento, nos ditames da Justiça Social.

O tratamento jurídico discriminatório concedido às micro e pequenas

empresas possui lógica, como fator de diferenciação, quanto ao porte e

compatibilidade com o princípio da igualdade. A administração pública, na

margem da sua discricionariedade, não pode perder de vista a observância do

princípio da igualdade, para viabilizar a atividade fomentadora por meio de

critérios objetivos, razoáveis e proporcionais aos motivos ensejadores.

O exposto e analisado no Capítulo II, concretiza positivamente a segunda

hipótese do estudo proposto, de que o aspecto da atividade de fomento pelo

Estado é discriminatória na sua essência, mas não ofende ao princípio da

isonomia, quando oferecido com a observância de critérios objetivos, razoáveis e

proporcionais aos motivos ensejadores.

Da análise dos instrumentos sociais da empresa, nota-se que a distinção

conceitual é de suma importância para a compreensão da funcionalidade social

da empresa, já que essa não está destinada a somente gerar empregos, renda e

produção, mas em produzir, também, resultados sociais efetivos e eficazes, para

uma sociedade consciente de seus valores éticos e morais. Por haver o

reconhecimento de que a empresa possui o papel essencial de repercussão e

consecução desses valores, uma vez que a sociedade de hoje exige novos

conceitos, na atuação empresarial, que efetivem seus direitos e garantias

fundamentais, como forma de atingir a justiça social, solidariedade, fraternidade,

igualdade e a dignidade humana, por meio desses novos conceitos dos

instrumentos sociais da empresa, na atualidade.

Não restam dúvidas, que a atividade de fomento é discriminatória na sua

essência; porém, não ofende o princípio da isonomia, quando oferecidas ao

particular que se destacar, sendo possível a todos os que se destacarem pela

prática da atividade tida como interesse público, bem como, as vantagens e

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tratamento à promoção de valores que sejam compatíveis com o texto

constitucional.

O terceiro objetivo alcançado, apresentado no Capítulo III, foi identificar

os direitos fundamentais e sociais do empresário da MPE, chegando-se a

seguinte conclusão:

Da análise da importância econômica do instituto do princípio metajurídico

da dignidade da pessoa humana, na perspectiva do empresário da MPE, pode-se

considerar ser irrefutável para as micro e pequenas empresas, e, por vias de

consequência para seus empreendedores, na sociedade e no cenário econômico,

urgir a necessidade de uma tutela específica a esse direito.

Na micro e pequena empresa sem a atividade do seu empresário, não há

trabalho; consequentemente, não há dignidade da pessoa humana. Essa é uma

das razões para se afirmar que a preservação da micro e pequena empresa se

impõe, para não se perder a dignidade da pessoa humana, que reclama, por

intermédio da sociedade, pelas condições mínimas para uma existência digna,

conforme os ditames da justiça social, da solidariedade, como finalidade da ordem

econômica.

No âmbito da dignidade da pessoa humana, existe o exercício da livre

iniciativa, praticada pelo empresário da MPE, ao lançar-se na aventura do

mercado econômico, com a sua visão empreendedora, para figurar como sujeito

de direito, responsável pela manutenção e sustentação da economia da Nação,

criando empregos e gerando renda, e, primordialmente, preservando valores e

princípios sociais previstos na nossa Carta Magna e garantindo os valores da

dignidade da pessoa humana.

É irrefutável a importância da nova figura jurídica do microempreendedor

individual, na sociedade e no cenário econômico. Esses fazem urgir a

necessidade de uma nova tutela específica aos seus direitos e proteção à sua

dignidade.

A Teoria da Parassubordinação é a resposta que o direito aporta ao

enfrentamento dos impactos da nova dinâmica do mercado globalizado e

reorganização das empresas, no mundo, abordagem essa justificada, por serem

os impactos referidos responsáveis pela precarização do trabalho, em específico

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do micro Empreendedor Individual, que está à margem de qualquer tutela jurídica

estatal.

Com a proteção jurídica abordada, o microempreendedor individual,

concebido como uma nova espécie de trabalhador autônomo, economicamente

dependente, terá garantias de inserção social, dignificação e de participação no

processo de desenvolvimento, sendo esse o entendimento do nosso Tribunal

Superior do Trabalho.

O exposto e identificado no Capítulo III confirma positivamente a nossa

terceira hipótese do estudo proposto, de que o aspecto dos direitos fundamentais

e sociais é aplicável ao empresário da micro e pequena empresa, à medida que o

valor social do trabalho e da livre iniciativa coexistem com o princípio da dignidade

da pessoa humana.

Ter a visão de que o direito do trabalho não somente protege ao

trabalhador subordinado, mas sua função é muito maior, frente aos anseios da

sociedade, é reconhecer-se que a realidade do microempreendedor individual,

como trabalhador parassubordinado, no Brasil, há de sofrer suas adequações aos

padrões europeus, apresentados no estudo, sendo o ponto de partida a nossa

Constituição Federal, com os seus princípios e direitos fundamentais.

O valor social do trabalho e da livre iniciativa coexistem com o princípio da

dignidade da pessoa humana, pois é de suma importância que se garanta, aos

empresários da MPE, o direito de exercício e permanência na sua atividade

econômica. Somente assim, atingir-se-á o objetivo constitucional de proporcionar

a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na busca da redução das

desigualdades sociais.

O quarto objetivo alcançado, apresentado no Capítulo IV, foi demonstrar a

efetividade do direito à atividade econômica favorecida e diferenciada na estrutura

de valores, princípios e normas do ordenamento jurídico brasileiro, chegando-se a

seguinte conclusão:

O estudo desses princípios tem especial importância, à medida que se

verifica estarem entrelaçados nas entranhas do sistema jurídico. Relacionando

com a palavra “origem”, esses princípios são base do ordenamento jurídico e

estão posicionados no topo da estrutura normativa, antecedendo as regras.

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Princípios e valores não se confundem, mesmo que ambos exerçam

grande influência nas relações sociais, pois os valores são construídos durante

todo um processo histórico de certa sociedade e os princípios se fundam nos

primeiros, tendo sua origem na forma como os valores são percebidos e

interpretados.

Os princípios prescrevem comandos direcionados às atividades do mundo

do ser, como espécies de normas jurídicas, no mundo do dever-ser; as normas

jurídicas são proposições que prescrevem comandos reguladores nas atividades

do mundo do ser; pode-se concluir que a inobservância de princípios nas normas

jurídicas acarreta a antijuridicidade e a consequente sanção: a invalidação da

norma produzida.

No capítulo da Constituição Federal, que trata dos princípios gerais da

atividade econômica, existe o corte metodológico relacionado ao sistema tributário

nacional. Com isso, se permitiu avaliar que no subsistema constitucional, são

identificados valores e normas que são princípios e regras jurídicas, com o

objetivo de demonstrar a direção a ser seguida, na atuação do Estado e dos

particulares, nas relações econômicas.

Nessas relações, destacaram-se aquelas que ganharam status

constitucional aos sujeitos de direito, as micro e pequenas empresas, conforme o

artigo 170, IX e artigo 179 da CF, consorciado ao artigo 145 § 1º da CF, onde se

registram as políticas públicas do Estado: o tratamento diferenciado, capacidade

contributiva, deveres administrativos e creditícios diferenciados diante de

empresas de maior porte.

Sobre o princípio da capacidade distributiva, pode-se concluir que esse

reflete uma diretiva, que sempre deve ser observada pelo legislador ordinário e

aplicadores da lei.

Na positivação dos princípios gerais constitucionais, muito se perde do

seu real valor social; o princípio da capacidade distributiva é derivado do princípio

da igualdade e da justiça social, tendo como objetivo maior observar as condições

de riqueza de cada contribuinte, utilizando-se do direito tributário, para

proporcionar uma melhor distribuição de renda entre a população e combater a

desigualdades sociais.

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O exposto e demonstrado no Capítulo IV reafirma a nossa quarta hipótese

do estudo proposto: o aspecto do direito à atividade econômica favorecida e

diferenciada demonstra efetividade na estrutura de valores, princípios e normas

do ordenamento jurídico brasileiro.

Da análise do princípio do tratamento diferenciado, constatou-se que seu

objetivo é possibilitar a vivência com os valores da liberdade e da igualdade

material, fixados nos princípios constitucionais da livre inciativa e da livre

concorrência.

A livre inciativa possui fundo ideológico liberal, para garantir a atuação

dos particulares no mercado, por meio da atividade econômica, e a livre

concorrência possui fundo ideológico social, para garantir o acesso e

permanência de todos no mercado.

Esses objetivos elencados serão alcançados com a intervenção estatal

indireta, por meio de regulação normativa e de incentivos tributários; é nessa

composição das ideologias liberal e social do Estado brasileiro que são inseridos,

para garantir as conquistas socioeconômicas.

A LC123/2006 se propôs a essa finalidade, ao disciplinar o regime de

tratamento diferenciado, atribuindo, para as micro e pequenas empresas, dentre

outras, duas ordens a se destacar: a ordem jurídica, possibilitando a efetividade

de direitos de nível constitucional e a ordem social, buscando a garantia de

sobrevivência dessa classe de empresários num mercado altamente competitivo,

contribuindo para os valores do pleno emprego, avanço no desenvolvimento

socioeconômico e distribuição de renda.

Nesses anos de vigência da nossa Constituição Federal, as micro e

pequenas empresas, sempre, viveram na expectativa de usufruir mais dos direitos

constitucionais que lhes foram apresentados, mas as imperfeições da efetividade

e da aplicabilidade são superados com o tempo, quando viabilizados por uma

adequada interpretação de valores, princípios e regras, que consolidam o regime

jurídico econômico nacional.

Como resposta ao problema central de nossa pesquisa, os aspectos da

função social no âmbito jurídico constitucional inerentes as microempresas e

empresas de pequeno porte, na sociedade brasileira, identificaram-se quatro

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vertentes de fundamental importância ao papel de destaque desse segmento: o

aspecto histórico da cultura empreendedora da MPE, como consequência da

segurança na estabilidade e sustentabilidade socioeconômica da Nação; o

aspecto das políticas públicas, como instrumento fomentador, isonômico e de

proteção necessário à MPE; o aspecto dos direitos fundamentais e sociais do

empresário da MPE, como exteriorização das garantias constitucionais do

princípio da dignidade da pessoa humana, da valorização social do trabalho e da

livre iniciativa, e o aspecto do direito à atividade empresarial favorecida e

diferenciada, como efetividade da adequação dos valores, princípios e normas

que consolidam o regime jurídico econômico da Nação.

Nossa conclusão geral é que a micro e pequena empresa, quanto a sua

função social, no âmbito jurídico constitucional, possuem aspectos que produzem

resultados positivos sociais e econômicos, capazes de gerar benefícios

intrínsecos aos empresários da MPE e extrínsecos a toda sociedade brasileira.

Os aspectos estudados demonstraram que esse segmento não deve ser visto

como uma simples atividade empresarial, proveniente de um Sistema Capitalista,

mas, sim, como um poderoso Instrumento de inclusão social e sustentabilidade

econômica, capaz de proporcionar à sociedade brasileira a efetividade e

promoção dos valores, princípios e normas constitucionais, como: a igualdade

social, a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho, a

liberdade de iniciativa, e primordialmente, a segurança socioeconômica da Nação.

Por tudo que o estudo demonstrou, espera-se que essa pesquisa

científica tenha contribuído para a melhor compreensão e conhecimento do

importante papel funcional jurídico da micro e pequena empresa, na sociedade

brasileira, apresentado na sua vertente histórica no sistema capitalista, no papel

intervencionista e fomentador do Estado, no seu valor social consolidados nos

princípios constitucionais e nos instrumentos jurídicos da atividade de fomento da

atualidade, sem ter este pesquisador qualquer pretensão de esgotar o debate;

pelo contrário, deseja-se que este estudo seja mais uma gota no oceano de

conhecimento científico e contribua para novas pesquisas, por se considerar esse

um tema de extrema relevância e importância, tanto no meio acadêmico, como

para a nossa Sociedade Brasileira, que anseia por uma empresa, na atualidade,

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mais humanizada, por ser o esteio da sociedade, como instrumento de

dignificação, inclusão, desenvolvimento e sustentabilidade social.

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