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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO LIGIA NEVES SILVA OS PARADIGMAS DA JUSTIÇA SOCIAL COMO REFERENCIAL TEÓRICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL CURITIBA 2011

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO

LIGIA NEVES SILVA

OS PARADIGMAS DA JUSTIÇA SOCIAL COMO REFERENCIAL TE ÓRICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

CURITIBA 2011

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO

LIGIA NEVES SILVA

OS PARADIGMAS DA JUSTIÇA SOCIAL COMO REFERENCIAL TE ÓRICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

CURITIBA 2011

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LIGIA NEVES SILVA

OS PARADIGMAS DA JUSTIÇA SOCIAL COMO REFERENCIAL TE ÓRICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Doutor Francisco Cardozo Oliveira

CURITIBA 2011

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TERMO DE APROVAÇÃO Presidente: _________________ _______________________ Prof. Dou tor FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA

Orientador ____________________________________ Prof. Doutor LUIZ EDUARDO GUNTHER

Membro Interno ________________________________________ Profa. Doutora ROSALICE FIDALGO PINHEIRO

Membro Externo

Curitiba, 27 de Julho de 2011

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Dedicatória

A nossa vida está marcada pelo desejo de felicidade. A maioria de nossos esforços tem como objetivo a nossa capacidade para escolher. Toda decisão que tomamos está diretamente relacionada com o nosso projeto de superação daqueles limites que impedem nosso bem-estar. (Prof. Dr. Bortolo Valle. A Ética na Idade Média). A todos os meus professores, em especial ao Prof. Dr. Francisco Cardozo Oliveira, que ampliaram o meu conhecimento e a minha capacidade de escolhas.

Às minhas escolhas em compartilhar a vida: Toninho, e nossos filhos Guilherme e Leonardo.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, em especial minha mãe Adélia, que mesmo sem nunca ter sentado num banco de escola, mas alfabetizada pelo meu avô, buscou respeitar e promover os direitos de seus onze filhos, amando, educando e orientando para a importância em dar o primeiro passo na direção certa. A todos os meus amigos e amigas, na pessoa da saudosa amiga Maria Inês Cañete Ledesma, in memoriam, por compreender a minha ausência física em tantos encontros e conversas, e mostrar que a vida é uma luta constante, mas vale a pena quando compartilhada por laços sinceros de amizade. Aos meus professores e colegas de turma, pelo aprendizado, compartilhamento de experiências e convivência agradável. Às secretárias do Curso de Mestrado pelo cuidado no cumprimento dos requisitos objetivos e da agenda acadêmica do Curso. E por fim, aos meus companheiros e companheiras de trabalho da Itaipu Binacional que conheceram e aprovaram o meu pleito em buscar o apoio institucional para a qualificação acadêmica.

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RESUMO A pesquisa aborda o tema da responsabilidade social empresarial como ferramenta da função social da empresa e promotora dos direitos fundamentais e do desenvolvimento sustentável. A propriedade e a empresa viabilizam a estabilidade e o crescimento econômico do país, por isso a atividade econômica deve ser exercida de forma a promover os valores da justiça social. O fundamento da pesquisa é contextualizar as teorias normativas da Justiça Social como referencial teórico jurídico da responsabilidade social empresarial, principalmente a teoria da Justiça Social de John Rawls e a teoria libertarista de Amartya Sen. Os documentos orientativos que norteiam a prática socialmente responsável das empresas são relacionados para implementação dos programas sociais de amplo alcance na promoção de políticas públicas do bem estar coletivo. O princípio da responsabilidade de Hans Jonas vem coroar a conduta ética dos empresários e gestores públicos na implantação da responsabilidade social juntamente com a estratégia de gestão dos negócios da instituição. O trabalho analisa a função social da propriedade e a função social da empresa para inserção da responsabilidade social empresarial enquanto instrumento ou ferramenta da sustentabilidade. E por fim, conclui que a responsabilidade social empresarial é a nova forma de gestão da empresa cidadã e também o fio condutor do desenvolvimento e integração regionais, devendo ser praticada em conformidade com os princípios da solidariedade e da responsabilidade de Hans Jonas alinhados com as teorias normativas de justiça social. PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Social Empresarial; Justiça Social; Princípio da Responsabilidade; Função Social da Propriedade; Função Social da Empresa

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RESUMEN La investigación aborda el tema de la responsabilidad social corporativa como una herramienta de la función social de la empresa y la promoción de los derechos fundamentales y el desarrollo sostenible. La estructura básica de la investigación es llevar las teorías normativas de la justicia social como un marco teórico de la responsabilidad social corporativa. Documentos rectores que guían la práctica de las empresas socialmente responsables están relacionados con la implementación de programas sociales en una amplia gama de políticas públicas que promuevan el bien común. El principio de responsabilidad de Hans Jonas corona la conducta ética de los empresarios y directivos públicos en la aplicación de la responsabilidad social, junto con la estrategia de la actividad de la entidad. El documento analiza la función social de la propiedad y la función social de la empresa para la inclusión de la responsabilidad social corporativa como instrumento de sostenibilidad. Por último, concluye que la responsabilidad social corporativa es la nueva forma de gestionar ciudadania corporativa y también el hilo conductor de desarrollo e integración regionales, ya que se practica en conformidad con los principios de solidaridad y responsabilidad de Hans Jonas en consonancia con las teorías de la justicia social. PALABRAS-CLAVE: Responsabilidad Social Corporativa, Justicia Social, Principio de la Responsabilidad, Función Social de la Propiedad, Función Social de la Empresa

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................8 2 A RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL E SEUS DOCUME NTOS

ORIENTATIVOS....................................................................................................12 2.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL.........................12 2.2 ÉTICA, RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O PRINCÍPIO DA

RESPONSABILIDADE ...........................................................................................19 2.2.1 O Princípio da Responsabilidade de Hans Jonas: uma ética de previsão e de

responsabilidade....................................................................................................24 2.3 DOCUMENTOS ORIENTATIVOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL

EMPRESARIAL......................................................................................................27 2.3.1 Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho – Um

Compromisso das Empresas e da Sociedade .......................................................31 2.3.2 Declaração da OIT sobre a Justiça Social e Globalização Equitativa ...................32 2.3.3 Documentos Orientativos de Gênero ....................................................................35 2.4 DIREITOS HUMANOS E RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL ..........38 2.5 A RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS HOMENS DE NEGÓCIOS: MARCO

INICIAL DA SISTEMATIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL CRISTÃ .....40 3 OS PARADIGMAS IGUALITARISTAS DE JUSTIÇA COMO REFERENCIAL

TEÓRICO À PRÁTICA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRES ARIAL..... 44 3.1 O UTILITARISMO ..................................................................................................47 3.2 A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ...................................................................................52 3.3 A TEORIA DA JUSTIÇA SOCIAL: A IGUALDADE DE BENS PRIMÁRIOS ...........57 3.3.1 A Cooperação como Forma de Gestão da Responsabilidade Social Empresarial

...............................................................................................................................70 3.4 TEORIA LIBERTARISTA: A PROMOÇÃO DAS LIBERDADES SUBSTANTIVAS.73 4 A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: RECEP ÇÃO NA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DESSA PREMISSA PELOS PRINCÍPIO S DA SOLIDARIEDADE E DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.... ....................83

4.1 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA........................................................................................................88

4.2 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOLIDARIEDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL...............................104

5 CONCLUSÃO .................................... ...................................................................114 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................... ...................................................121 ANEXOS ......................................................................................................................129

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1 INTRODUÇÃO

O século XXI está voltado para as reflexões sobre os impactos em relação ao

meio ambiente e às mazelas sociais oriundas do capitalismo da busca do lucro

exacerbado a qualquer custo. A Constituição traz o princípio da função social da

propriedade para o centro da conduta ética e social das iniciativas privadas. O

empresariado fica a questionar: a minha empresa está cumprindo a função social

prevista na Constituição, ou ela está fazendo responsabilidade social empresarial?

O tema responsabilidade social está inserido na Linha de Pesquisa 1 –

Obrigações e Contratos Empresariais: Responsabilidade Social e Efetividade, do Curso

de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania. A pesquisa, ora apresentada busca

alinhar a responsabilidade social empresarial à gestão estratégica dos negócios da

empresa enquanto promotora dos direitos fundamentais. As várias terminologias são

utilizadas indistintamente: Função Social da Empresa, Sustentabilidade Empresarial,

Filantropia Empresarial, Cidadania Corporativa e Governança Corporativa. Há uma

necessidade urgente em ampliar o círculo de discussão sobre esta temática e impor

limites de responsabilidades social das instituições ordenadas para o desenvolvimento

econômico e social.

As empresas que já atendem a função social da propriedade, conforme

estipulada na Constituição Federal de 1988, acreditam que já estão cumprindo também

com a sua função social empresarial. O trabalho aborda a responsabilidade social

empresarial enquanto ferramenta da espécie função social da empresa do gênero

função social da propriedade, sendo esta em sentido latu sensu, e a função social da

empresa em sentido strictu sensu.

A empresa que exerce a função social da propriedade cumpre rigorosamente

com todas as obrigações legais, trabalhistas, tributárias impostas à regularidade do

exercício da atividade empresarial. Além de possuir uma governança corporativa

voltada para a melhoria da qualidade de vida de seus empregados e do seu entorno.

Estas ações estão vinculadas ao negócio e à imagem da empresa, principalmente junto

ao mercado consumidor.

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Já a empresa socialmente responsável vai além das obrigações legais, e suas

ações e programas socioambientais estão alinhados com a sua estratégia de gestão do

negócio. A responsabilidade social está no “DNA” da empresa. O seu relacionamento é

amplo e abrangente com os seus públicos de interesse (stakeholders) na construção de

uma sociedade justa e solidária. A transparência permeia todos os seus negócios e a

prestação de contas de suas atividades é periódica para com os seus stakeholders,

através da publicação do Relatório de Sustentabilidade. A responsabilidade pelo uso

dos recursos ambientais e sociais é compartilhada com os demais parceiros

institucionais e comunidade, sobrepondo o interesse particular para promoção do

desenvolvimento sustentável. Com certeza, esta conduta responsável refletirá

positivamente no mercado consumidor, aumentando os lucros, mas também alcançará

uma perenidade longilínea e legitimidade da atuação. Neste caso, este

comprometimento respalda a função social da empresa.

No trabalho, ora utiliza a conceituação responsabilidade social empresarial, e ora

utiliza também a função social da empresa. As duas terminologias estão

intrinsecamente relacionadas e utilizadas no mesmo contexto da empresa ir além das

obrigações legais, e assumir um compromisso amplo e responsável pelo bem-estar

coletivo.

A responsabilidade social empresarial está inserida num contexto ético e social,

de decisão e conduta do empresário em praticar determinadas ações e iniciativas

socioambientalmente responsáveis, juntamente com a gestão estratégia do negócio,

para promover e ampliar as oportunidades e liberdades dos indivíduos da comunidade

na qual a empresa está inserida. O fundamento ético da responsabilidade social está

respaldado no princípio da responsabilidade de Hans Jonas, em sua obra O Princípio

Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Este princípio é

uma releitura sobre a responsabilidade do homem pelo seu agir, pelas suas

experiências que refletem em toda a biosfera, e não apenas na relação entre sujeitos.

As coisas são produtos do agir humano e carregam os resultados da experiência. É

uma ética de amplo respeito às várias formas de vida existentes, uma vez que os

valores éticos kantianos são antropocêntricos e limitados ao redor do imediatismo da

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ação. Devem ser retomadas as questões ontológicas sobre a relação entre ser e dever,

causa e finalidade, natureza e valor.

A sociedade tecnológica requer uma ética mais próxima da ação, do agir humano

com vistas para o futuro, por isso reconsiderar os impactos de longo prazo, a sua

irreversibilidade e freqüência são elementos estruturantes da nova conduta ética

responsável.

Os documentos orientativos da responsabilidade social empresarial são de

amplo alcance e aplicabilidade efetiva para o desenvolvimento econômico regional, pois

são documentos de direitos humanos que possuem a sua importância reconhecida

internacionalmente, bastando apenas efetivá-los com práticas voltadas para a

erradicação da pobreza, do analfabetismo, da igualdade de gênero e outras minorias

sociais, combate a doenças transmissíveis, trabalho decente e meio ambiente

ecologicamente equilibrado dentre outros temas que promovam o princípio da

dignidade humana.

O trabalho destaca as teorias normativas de justiça social como marco teórico

para a efetividade da responsabilidade social empresarial, principalmente a Teoria da

Justiça, de John Rawls, que pela sua contemporaneidade enfoca a importância da

cooperação social, do consenso e da distribuição igualitária de todos os valores sociais

e bens primários: liberdade e oportunidade, renda e riqueza, auto-respeito das minorias

sociais. Não basta o empresário ou gestor público sair fazendo o bem estar coletivo

simplesmente porque quer modernizar a imagem da sua empresa ou buscar mais

mercados. As práticas devem estar alinhadas com a gestão estratégica e as teorias da

justiça servem de referencial teórico para a implantação e implementação de programas

e ações socialmente responsáveis.

Na pesquisa foi considerado como referência o modelo econômico definido no

art. 170, da Constituição Federal, ou seja, contribuir para a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a

pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais de forma a garantir a promoção

dos direitos fundamentais.

O primeiro capítulo aborda o conceito, a finalidade e a importância da

responsabilidade social empresarial para a promoção das oportunidades de acesso e

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desenvolvimento pleno do cidadão, como a erradicação da pobreza, da redução das

desigualdades socioeconômicas e preservação e uso adequado do meio ambiente. Os

documentos orientativos, como verdadeiros instrumentos efetivos para as práticas

responsáveis de acordo com os princípios constitucionais de valorização do trabalho

para atingir a condição de vida digna, do bem estar social, sem necessidade de esperar

pela regulamentação legislativa. A inserção da responsabilidade social empresarial

como uma conduta ética e responsável por todo o sistema da natureza conforme

enfatiza o princípio da responsabilidade de Hans Jonas.

O segundo capítulo traz os paradigmas da justiça social, sem a intenção de

esgotar o estudo das teorias normativas de caráter social e igualitário. O objetivo da

pesquisa é contextualizar a responsabilidade social empresarial como ferramenta

promotora do bem estar coletivo e dos direitos fundamentais. O contexto igualitário, o

respeito à sociedade pluralista e o olhar atento para estes referenciais teóricos

igualitaristas fazem com que as ações e iniciativas de responsabilidade social e

ambiental estejam bem fundamentadas para serem discutidas e articuladas dentro do

processo de cooperação e solidarismo.

O terceiro capítulo ressalta a recepção da responsabilidade social empresarial,

enquanto ferramenta da função social da empresa, e esta espécie do gênero da função

social da propriedade conforme a Constituição Federal de 1988. O princípio da

solidariedade constitucional também é enfatizado para a importância do trabalho

compartilhado e responsável de todos os entes envolvidos.

A conclusão busca agrupar estes questionamentos, pois as principais teorias

éticas igualitaristas, mesmo envolvendo diferentes abordagens conceituais,

compartilham a promoção da igualdade, das liberdades e das oportunidades de acesso

amplo à maioria dos indivíduos da sociedade.

Para complementar o envolvimento amplo da empresa com a responsabilidade

social, os textos em anexo abordam as diferentes terminologias e a implicação da

prática da responsabilidade social na gestão estratégica empresarial.

A pesquisa utiliza do método dialético com referência bibliográfica e se posiciona

como um ponto de partida para o caminho da sustentabilidade.

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2 A RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL E SEUS DOCUMENTOS

ORIENTATIVOS

2.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

A responsabilidade social empresarial (RSE) é a ferramenta de gestão da

empresa sustentável, ou seja, aquela empresa que estende as suas atividades

produtivas num longo prazo e dentro dos pilares da sustentabilidade: econômico, social

e ambiental. A visão de negócio é sistêmica e envolve os seus grupos de interesse

(stakeholders) na estratégia empresarial de decisões sobre os investimentos sociais em

seu entorno através de um amplo diálogo social.

A atuação empresarial ao integrar a responsabilidade social à sua estratégia de

negócio se torna parceira e promotora do desenvolvimento sustentável. Para Aline

Koladicz:

Uma atividade empresarial socioambientalmente responsável considera, além dos

valores de mercado, fundamentos de ordem ambiental e social, de forma a objetivar mais

do que um mero crescimento. Pretende, assim, um desenvolvimento que promova uma

melhora na situação econômica do cidadão, mas que também tenha reflexos em outras

searas. 1

As empresas formam um setor devidamente organizado, possuem incentivos do

governo federal, dominam as técnicas operacionais do mercado e tecnologias para

enfrentar os maiores desafios que a sociedade requer. Elas se inter-relacionam com

todas as dimensões ambiental, econômica, social e cultural, por isso a sua posição de

liderança frente aos desafios e problemas que o planeta enfrenta pode ser confirmada

1 KOLADICZ, 2009, p. 14

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pelas palavras de Flávia Piovesan que refletem a importância das empresas para o

fortalecimento dos direitos humanos:

No que se refere ao setor privado, há também a necessidade de acentuar sua

responsabilidade social, especialmente a das empresas multinacionais, na medida em

que constituem as grandes beneficiárias do processo de globalização, bastando citar que

das cem maiores economias mundiais, 51 são empresas multinacionais e 49, Estados

nacionais. É importante, por exemplo, incentivar empresas a adotar códigos de direitos

humanos relativos à atividade de comércio; demandar sanções comerciais a empresas

violadoras dos direitos sociais; adotar a “taxa Tobin”(2) sobre os investimentos financeiros

internacionais, dentre outras medidas. 3

O termo responsabilidade social empresarial aparece em todos os artigos,

relatórios, propagandas e mídias de publicidade da empresa sustentável. Porém, ainda

não está clara a associação do termo RSE com a função social da propriedade,

princípio regulamentado pela Constituição Federal. Pergunta-se: É tudo a mesma

coisa? São coisas diferentes, mas possuem uma mesma natureza conceitual, ou seja,

proporcionar o bem-estar social?

O conceito de RSE deve ser aprofundado para não cair num recurso publicitário

de conteúdo vazio. Atualmente, é quase “obrigatório” para as empresas a publicação do

seu Relatório de Sustentabilidade, Balanço Social ou Relatório Social, os quais,

independente da nomenclatura, possuem o mesmo objetivo de relatar as práticas

responsáveis das empresas e servir como um instrumento de prestação de contas para

a sociedade.

É preciso refletir sobre a prática da responsabilidade social empresarial para

delimitar o seu campo de abrangência e atuação. Ao Estado não cabe apenas o papel

de mero espectador. Ele deve impulsionar a prática da RSE com o estabelecimento de

políticas públicas sociais, financeiras e tributárias. As empresas devem ser estimuladas

a aplicar parte do seu lucro em programas que beneficiem a comunidade e o meio

ambiente, mas devem também obter em troca benefícios tributários proporcionados

2 Taxa Tobin: criado na década de 70, pelo economista americano James Tobin, para ser aplicado nas transações financeiras internacionais. O tributo tem dupla função: a) regular este tipo de operação e b) constituir um fundo internacional para combater a desigualdade socioeconômica entre as nações. 3 PIOVESAN, 2004, p. 36

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pelo Governo como incentivo, já que ir além do legal é uma atitude ética do empresário

ou administrador.

Geralmente as empresas implantam em sua gestão estratégica a RSE após a

ocorrência de um escândalo (caso Watergate) ou para manter as suas ações

negociadas em Bolsa de Valores (Dow Jones Sustainability, de Nova York, e o Índice

de Sustentabilidade Empresarial, da Bovespa). No caso de Bolsa de Valores, as

empresas estão obrigadas a publicarem o Relatório de Sustentabilidade.

Levando em conta esta intenção empresarial de incorporar ou retomar os

valores de confiança, credibilidade e solidariedade em sua gestão, as empresas

passam a se comportar de forma ética nos negócios, percebendo que agir moralmente

com seus públicos reflete também em crescimento nos resultados financeiros – uma

boa reputação incrementa o valor da empresa.

Para Porter y Kramer as empresas socialmente responsáveis tornam-se mais

competitivas e legitimadas pelos consumidores:

Las empresas pueden utilizar sus iniciativas benéficas para mejorar su contexto

competitivo, es decir, la calidad del entorno empresarial en el lugar o los lugares em los

que operan. Utilizar la filantropia para mejorar el contexto alínea los objetivos sociales

con los econômicos y mejora las perspectivas a largo plazo de una empresa.4

O contexto de RSE como benefício social também está presente no Libro Verde

de la Unión Europea, que tem o objetivo de fomentar um marco europeu para a

responsabilidade social das empresas, ressaltando que as empresas:

Al afirmar su responsabilidad social y asumir voluntariamente compromisos que van más allá de las obligaciones reglamentarias y convencionales, que deberían cumplir en cualquier caso, las empresas intentan elevar los niveles de desarrollo social, protección medioambiental y respeto de los derechos humanos y adoptan un modo de gobernanza abierto que reconcilia intereses de diversos agentes en un enfoque global de calidad y viabilidad. Si bien reconoce la importancia de todos estos aspectos, el presente documento se centra, principalmente, en las responsabilidades de las empresas en el ámbito social. 5

4 PORTER, M. & KRAMER, M.R., 2003, p. 6-21. Disponível no site www.periódicos.capes.gov.br . Acesso em 06 fev. 2011 5 Libro Verde de la Unión Europea , p. 3. Disponível no site www.jussemper.org. Acesso em 06 fev. 2011

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Mas, a ética empresarial e a prática da responsabilidade social empresarial estão

muito próximas do marketing e das estratégias de negócio do que para a promoção do

bem-estar social de forma desvinculada dos interesses comerciais e financeiros, mais

propriamente o lucro.

Porém, estando ou não as empresas praticando a responsabilidade social

empresarial em função do marketing político ou das estratégias de negócio, a

comunidade está ganhando benefícios que antes estavam apenas na agenda de

governo, e esta é a outra face da RSE que será abordada neste trabalho de pesquisa,

ou seja, uma vez que as empresas estão praticando a RSE, elas devem contribuir para

a promoção dos direitos fundamentais e da justiça igualitária. As palavras de Pérsio

Arida enfatizam o entendimento de que é preciso implementar uma política de incentivo

para as práticas de sustentabilidade empresarial:

(...) é melhor ter uma empresa gastando recursos para gerir um projeto ambiental do que

não gastando, mas é sempre bom lembrar que a melhor contribuição da empresa para a

sociedade está em ser produtiva e eficiente. Essa é a função social da empresa. O

conceito de empresa sustentável é confuso. A maneira realmente efetiva de lograr o

crescimento sustentável não é aguardar o resultado de ações voluntárias de marketing

corporativo, ou campanhas para a consciência social das empresas, mas sim

implementar o sistema adequado de incentivos fiscais.6

No início dos anos 60, surgiu um movimento nos Estados Unidos - Corporate

Social Responsability - que levou as empresas a adotarem uma conduta ética de

responsabilidade sobre a sua atividade empresarial, principalmente quanto aos danos

ambientais causados pela sua atividade produtiva e proteção dos seus consumidores,

da sociedade do seu entorno, e estendendo para toda a sua cadeia de relacionamento

(stakeholders). Este movimento trouxe o tema da Responsabilidade Social das

Empresas para o mundo acadêmico e jurídico, principalmente para o Direito

Empresarial, de forma a permitir uma discussão sobre a uniformidade da sua

conceituação e dirimir as divergências e convergências a respeito desse

comportamento socialmente responsável na gestão dos negócios empresariais, que

6 ARIDA, 2010, p. 244

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resultou numa mudança de visão do comprometimento da empresa e da sua função

social conforme ressalta Marta Marília Tonin:

Da mesma forma que o Estado mudou de perfil nas últimas décadas, também o conceito de empresa vem passando por substanciais mudanças nos últimos tempos. Desde a visão exclusiva do afã de lucro, à visão de uma instituição socioeconômica que tem uma séria responsabilidade moral com a sociedade, vale dizer, com os consumidores, acionistas, e empregados. Portanto, a empresa tem de cumprir funções e assumir responsabilidades sociais. 7

A empresa passa então por intensa reforma conceitual, permitindo ao Direito se

aproximar ainda mais da Economia e da Sociologia, para acolher a questão social, o

senso de co-responsabilidade com a sua relação com a comunidade e com os impactos

socioeconômicos resultantes da sua atividade produtiva. A sociedade passa a exigir

mais participação e responsabilidade das empresas como agente promotor do

desenvolvimento e integração regional. Rubens Requião ressalta esta atuação ativa

das empresas:

Hoje o conceito social de empresa, como exercício de uma atividade organizada,

destinada à produção ou circulação de bens e serviços ou de serviços, na qual se

refletem expressivos interesses coletivos, faz com que o empresário comercial não seja

mais o empreendedor egoísta, divorciado daqueles interesses gerais, mas um produtor

impulsionado pela persecução do lucro, é verdade, mas consciente de que constitui uma

peça importante no mecanismo da sociedade humana. Não é ele, enfim, um homem

isolado, divorciado dos anseios gerais da coletividade a que serve.8

A expressão Responsabilidade Social Empresarial (RSE) é divulgada, com

freqüência, em relatórios, jornais, revistas e outros meios da mídia publicitária. Porém, a

sua efetividade como forma de gestão ética comprometida com os direitos

fundamentais e com a qualidade de vida das comunidades nas quais a empresa se

relaciona está ainda por vir.

A função maior da RSE é contribuir para o desenvolvimento sustentável, e

segundo a definição do conceito Responsabilidade Social Empresarial, da norma

7 TONIN, 2006, p. 9 8 REQUIÃO, 1978, (s.p)

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internacional de Diretrizes sobre Responsabilidade Social (ISO 26000) – é a

responsabilidade de uma organização pelos impactos de suas decisões e atividades na

sociedade e no meio ambiente, por meio de um comportamento ético e transparente

que:

- contribua para o desenvolvimento sustentável, inclusive a saúde e bem-estar da

sociedade;

- leve em consideração as expectativas das partes interessadas;

- esteja em conformidade com a legislação aplicável e seja consistente com as normas

internacionais de comportamento;

- esteja integrada em toda a organização e seja praticada em suas relações.

De forma clara, aparece no conceito três variáveis importantes e inseparáveis:

responsabilidade pelos impactos causados (transparência ), comportamento ético

(voluntariedade ) e envolvimento dos grupos de interesse (stakeholders).

O interesse apenas econômico na atuação empresarial socialmente responsável

poderá cair no marketing social ou político. A política de cooperação para a promoção

dos direitos humanos é fruto de um trabalho harmônico e de compartilhamento das

responsabilidades entre governo, empresa e sociedade civil organizada nas palavras de

John Shattuck:

Alrededor del mundo, estamos viendo fuerzas locales de base, crecientemente

exigentes, que presionan a favor de la democracia y de los derechos humanos, tanto en

el sentido corriente como en el más fuerte, que consiste en la transparencia y

responsabilidad pública de los gobierno.

Este fenómeno resulta de la confluencia de varios factores: los fracasos de algunos

gobiernos centrales fuertes en lograr un desarrollo económico e político satisfactorio; el

floreciente movimiento [social ] e ambientalista, que se ocupa de hacer responsables

públicamente a los gobiernos y corporaciones por el uso que hacen de los recursos y por

los efectos del desarrollo en las comunidades. 9 (grifo nosso).

Geralmente, as empresas adotam esta prática após um escândalo que veio à

tona por práticas ilegais, comprometendo a imagem institucional e conseqüentemente o

seu mercado consumidor. Por isso a necessidade de recuperar a confiança e a 9 SHATTUCK, 2004, p.354

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credibilidade como valores que se perderam na gestão tornam-se a primeira iniciativa a

ser implementada pela empresa.

Esta prática deve estar intrinsecamente estabelecida na estratégia de negócio

empresarial e deve percorrer por todas as fases que a empresa se dispõe a planejar a

longo prazo.

A ética é o pano de fundo dessa prática que transparece tanto nos resultados

econômicos quanto na imagem, na boa reputação da empresa. A filantropia ficou

aquém das expectativas dos consumidores e investidores. Fazer doações pontuais em

causas benéficas, sem se envolver com a comunidade, não é o caminho a ser seguido

pelas empresas responsáveis, pois o seu envolvimento com a comunidade deve ser

considerado na contabilidade empresarial (Balanço Social) conforme lição de Francisco

Cardozo Oliveira:

A empresa precisa incorporar a ideia de que a redução das desigualdades sociais é,

antes de qualquer coisa, tarefa da administração da atividade empresarial. A empresa

deve gerar renda e riqueza para proprietários (acionistas) e não-proprietários. Precisa ter

comprometimento efetivo com a redução do desemprego e com a eliminação dos efeitos

nocivos para a sociedade, provocados pela alocação de recursos e pelas crises do

processo de acumulação de capital.

Os resultados destes compromissos precisam ser considerados na contabilização dos

resultados da atividade empresarial. Não se trata, portanto, de uma medição quantitativa

e abstrata da lucratividade. Trata-se agora de medir a lucratividade socialmente

responsável, que considera os efeitos da atividade empresarial para proprietários

(acionistas) e para não-proprietários (o conjunto de pessoas em comunidade).10

Por isso a importância em distinguir os conceitos de crescimento econômico e

desenvolvimento social, enquanto o primeiro está preocupado com os números, com

uma economia mais produtiva e abundante (mais consumo), o segundo inclui outros

indicadores do bem-estar social ou da qualidade de vida das pessoas:

Crescimento econômico é entendido como o crescimento contínuo do produto nacional

em termos globais ao longo do tempo, enquanto desenvolvimento econômico representa

10 OLIVEIRA, 2006, p. 120

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19

não apenas o crescimento da produção nacional, mas também a forma como esta é

distribuída social e setorialmente.11

As palavras de André Lara Resende confirmam a associação das expressões

desenvolvimento econômico e crescimento econômico:

Até que se tenha atingido um padrão mínimo de riqueza material (único elemento

determinante da qualidade de vida) é muito provavelmente impossível falar em sociedade

desenvolvida. Essa é a razão pela qual a identificação do crescimento econômico com o

desenvolvimento seja tão recorrente (...). No início deste século, quando já não há mais

dúvida quanto aos estreitos limites ecológicos do crescimento mundial, quando a riqueza

material para o mundo como um todo não é mais restrição à qualidade de vida, é preciso

reconsiderar o arcabouço teórico do desenvolvimento. 12

É certo enfatizar que em muitos momentos o interesse econômico e a ética

empresarial coincidem, e a prática da RSE está exatamente neste ponto. A empresa

que tem o objetivo de permanecer no mercado competitivo por um longo tempo deve

implementar a cidadania empresarial em suas estratégias de negócio, principalmente

porque ela está inserida num contexto ético, de voluntariedade e solidariedade.

2.2 ÉTICA, RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O PRINCÍPIO DA

RESPONSABILIDADE

A responsabilidade empresarial está relacionada com a igualdade social e com o

equilíbrio ambiental e econômico através da atuação ativa dos empresários. A

consciência ética dos empresários deve abranger tanto o ambiente interno

(empregados, colaboradores, transparência na gestão, transações justas dentre outros)

11 TACHIZAWA & ANDRADE, 2008, p. 17 12 RESENDE, 2010, p.33-49

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20

quanto o externo (consumidores, comunidade, respeito ao meio ambiente e equilíbrio

das relações sociais e econômicas dentre outras).

A definição de Ética no dicionário quer dizer: “Estudo dos juízos de apreciação

referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do

mal, seja relativamente a sociedade, seja de modo absoluto”.13

A responsabilidade social empresarial está pautada na ética e na voluntariedade

do empresário – são escolhas ou decisões que devem ser tomadas levando em

consideração os valores vigentes na sociedade – por isso, a pesquisa classifica a RSE

como ferramenta da função social da empresa, sendo esta última exercida em

conformidade com o solidarismo constitucional e com a promoção dos direitos

fundamentais de forma a induzir, juntamente com o Estado, o desenvolvimento

sustentável. Ana Carolina Zaina reforça esta atuação ética das empresas e dos demais

entes como ação mitigadora do capitalismo individualista:

Sob essa ótica [de responsabilidade compartilhada pelo crescimento econômico e

social ], vislumbra-se pesquisa acerca da irradiação do solidarismo constitucional sobre o

Direito das Obrigações, concebendo-se a responsabilidade social como um valor ético a

ser respeitado pelo Estado, pela empresa e pela sociedade civil, em busca da

humanização do capitalismo. (grifo nosso).14

A justificação ética da responsabilidade social empresarial é o princípio da

responsabilidade, no qual o homem extrapola o seu relacionamento ético subjetivo

(homem-homem), com base principalmente em crenças religiosas e tradições, e passa

a se relacionar também com toda a biosfera, num convívio harmônico e solidário

enquanto ser integrante e responsável pela geração e sobrevivência de todas as

espécies vivas15. O livro de Hans Jonas O Princípio da Responsabilidade: ensaio de

uma ética para a civilização tecnológica, publicado em 1979, aborda com clareza a

importância e a influência do saber tecnológico para o desenvolvimento dos valores

éticos e dos sistemas sociais fundados no respeito à dignidade humana.

13 FERREIRA, 1999, p. 848 14 ZAINA, 2010, p. 260-261 15 COMPARATO, 2006, p. 29

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21

O imperativo formulado por Hans Jonas, no sentido positivo, Age tal maneira que

os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana

autêntica, e no sentido negativo, não ponhas em perigo a continuidade indefinida da

humanidade na Terra, é mais abrangente e holístico do que o imperativo Kantiano que

está mais relacionado com uma conduta imediatista e abrangente: Age de tal maneira

que o princípio de tua ação se transforme numa lei universal.16

É uma ética de amplo respeito já que os valores éticos tradicionais são

antropocêntricos e estavam ao redor do imediatismo da ação. Devem ser retomadas as

questões ontológicas sobre a relação entre ser e dever, causa e finalidade, natureza e

valor. Na era da ciência tecnológica, na qual a dinâmica do progresso é geométrica, a

ética está mais perto da ação, do agir humano com vistas para o futuro, por isso

reconsiderar os impactos de longo prazo, a sua irreversibilidade e freqüência tornam-se

elementos estruturantes da nova conduta ética responsável. 17

O estudo ora apresentado abordará a Ética associada ao princípio da

responsabilidade, principalmente com a natureza, pois o homem é responsável pelo

uso de seus instrumentos e pela consequência dos seus atos diante do conhecimento

técnico-científico que possui conforme ressaltado por Jelson Roberto de Oliveira:

A sua análise conduz a afirmação de que as ciências (e, em especial, o conhecimento

técnico-científico) praticadas nos últimos séculos, por estarem baseadas nesse dualismo

matéria e espírito e por terem fornecido ao homem um poder ilimitado sobre a natureza,

têm levado a renovados equívocos e perigosas consequências, exigindo, portanto, um

uso responsável de seus instrumentos.

(...)

Para Hans Jonas a vida deve ser pensada em sua magnitude, como um fenômeno

grandioso que ultrapassa a forma material e as nossas próprias condições

epistemológicas de compreensão. Salvar a vida é salvá-la em sua integridade essencial:

não só o “destino do homem” e a sua “sobrevivência física, mas também a integridade de

sua essência” deve ser buscada. 18

16 JONAS, 2006, p. 21 17 Cf. JONAS, p. 22 18 OLIVEIRA, 2010, p. 188

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22

A responsabilidade social empresarial está inserida na conduta ética e

responsável do empresário. É preciso agir de forma responsável com a sua atividade

produtiva e ter uma visão abrangente e interligada de todos os fatores econômico,

social e ambiental. Eles são interdependentes e estão relacionados com a conduta ética

de respeito à vida como um todo. Citando ainda Jelson Roberto de Oliveira para

ressaltar a importância da ética e do conhecimento técnico-científico nas tomadas de

decisão do homem:

O novo saber tecno-científico, com todas as suas informações e instrumentos de

descrição e cálculo da natureza, obriga a ética a pensar o exercício desse poder para

além do âmbito intra-humano: já que o poder humano hoje equivale ao poder natural

(basta medir a capacidade de impacto de técnicas usadas pelo homem, como a bomba

atômica, ou mesmo as demais formas de geração de energia – só para citar um

exemplo) a nova ética precisa se alargar para abranger esses novos territórios até onde

chega o poder humano. Em outras palavras: como se desenvolveu o poder é preciso

também desenvolver a ética, já que uma coisa exige a outra (o poder exige ética porque

o seu exercício deve ser feito com responsabilidade).19

A RSE não é uma questão de modismo. A empresa é um dos principais atores

da sociedade, e para ela manter as suas atividades produtivas gera impactos sociais e

ambientais em seu entorno, muitos deles são negativos: as desigualdades que geram

pobreza e exclusão social associadas ao uso inadequado do meio ambiente. As

dimensões sociais e ambientais se interagem nas esferas de um círculo de preservação

e proteção, onde a elaboração de políticas públicas torna-se premissa básica de todo

dever e poder de decisão:

... o horizonte relevante da responsabilidade é fornecido muito mais pelo futuro

indeterminado do que pelo espaço contemporâneo da ação. Se a esfera do

produzir invadiu o espaço do agir, então a moralidade deve invadir a esfera do

produzir, da qual ela se mantinha afastada anteriormente, e deve fazê-lo na

forma de política pública. Nunca antes a política pública teve de lidar com

questões de tal abrangência e que demandassem projeções temporais tão

19 Cf. OLIVEIRA, 2010, p. 193

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longas. De fato, a natureza modificada do agir humano altera a natureza

fundamental da política.20

Por isso, as empresas devem responder por sua cota de responsabilidade,

minimizando o seu impacto negativo e potencializando a sua conduta participativa e

colaborativa para a promoção de políticas públicas sociais, de forma que o seu agir

busque sempre o equilíbrio entre os interesses econômicos, sociais e ambientais da

empresa e da comunidade.

As empresas e as lideranças comunitárias devem estar atentas para as

conseqüências de suas atividades, para a utilização de recursos naturais e adoção de

mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL) em sua matriz de produção, de respeito

aos direitos humanos e sociais, dentro de uma visão a longo prazo. A visão a curto

prazo das atividades empresariais não possui espaço nas agendas ambientalista e

social da atualidade e da estratégia de negócios.

A competitividade acima de qualquer custo sai do primeiro plano, e entra a

sobrevivência, a permanência da empresa por um longo tempo. A originalidade e a

tecnologia se aliam para proporcionar novos produtos, menos agressivos ao meio

ambiente, a inovação da matriz energética auxilia a recuperar mercados consumidores

antes perdidos. Enfim, o tempo é de escolhas e de mudanças comportamentais rápidas

que envolvem valor e devem ser sustentáveis e permanentes por um longo período

conforme palavras de Bortolo Valle:

As boas ou más ações sempre estão presentes nos fundamentos de nossas escolhas. A

ação humana, dessa maneira, é sempre um exercício que envolve valor.

(...)

O tempo não dá solução ao problema; antes, convida o homem a um constante estado

de atenção sobre os possíveis fundamentos de suas escolhas, ou seja, sobre os

horizontes que orientam suas decisões em busca da felicidade... Isto significa que a

humanidade empenhada nos seus projetos de felicidade vai, de quando em quando,

modificando substancialmente suas crenças e seus valores. 21

20 Cf. JONAS, p. 44 21 VALLE, 2010, p. 49-50

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24

O momento exige uma análise ampla das questões ético-culturais, seja de cunho

econômico, social ou ambiental, pois é praticamente impossível mudar os paradigmas

competitivos do sistema capitalista. Citando novamente Resende “o mercado é uma

forma competente de organização da produção de riqueza. Não é preciso matar o

sistema, o ideal tipo da economia competitiva, mas sim definir os seus objetivos”. 22

O poder de decisão e o agir exigem uma nova ética de responsabilidade com o

sistema social e com a biosfera, de longo alcance e de ampla reflexão sobre o fato e

valor, dever e proibições. A ética deve influenciar diretamente sobre as ações e poder

de agir, pois o princípio ético fundamental exige uma postura de cuidado e precaução:

A existência ou a ausência do homem, em sua totalidade, nunca podem ser

transformadas em apostas do agir. Daí deduz-se automaticamente que a simples

possibilidade desse tipo de situação deve ser entendida como um risco

inaceitável em quaisquer circunstâncias... em suma, proíbe a aposta do tudo ou

nada nos assuntos da humanidade. 23

Nessa seara, cabe fortalecer o princípio da responsabilidade de Hans Jonas para

o fortalecimento de políticas públicas e empresariais de comprometimento do bem-estar

social e do desenvolvimento sustentável para a continuidade das gerações futuras.

2.2.1 O Princípio da Responsabilidade de Hans Jonas: uma ética de previsão e de

responsabilidade

A prática da responsabilidade social empresarial não é obrigatória para as

empresas. Não possui uma previsão legal, está totalmente inserida no campo ético,

responsável dos empresários e gestores públicos, e sendo assim cabe ressaltar o

princípio da responsabilidade formulado dentro da doutrina moderna por Hans Jonas

22 Cf. RESENDE, 2010, p. 36 23 JONAS, 2006, p. 86-87

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25

em sua obra - O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização

tecnológica.

Kant em seu imperativo categórico dizia: “Aja de modo que tua máxima se torne

lei geral”, e Jonas adequou este imperativo para uma nova forma de agir diante do novo

contexto social mundial (Justiça Social): “Aja de modo a que os efeitos da tua ação

sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”,

ou simplesmente: “Não ponha em perigo as condições necessárias para a conservação

indefinida da humanidade sobre a Terra”.24

Esse imperativo resume a responsabilidade da ação do homem pela

continuidade da humanidade “o novo imperativo clama por outra coerência: não a do

ato consigo mesmo, mas a dos seus efeitos finais para a continuidade da atividade

humana no futuro”.25

Enquanto o imperativo de Kant era voltado para o indivíduo, com um caráter

momentâneo; o imperativo da responsabilidade é voltado para as políticas públicas,

com caráter duradouro. A decisão do homem público é mais abrangente do que as

decisões privadas tendo em vista a preocupação maior com o bem futuro da

comunidade, a criação de uma estrutura política viável, longilínea – “a ação política

possui um intervalo de tempo de ação e de responsabilidade maior do que aquele da

ação privada, mas, na concepção pré-moderna, a sua ética não é nada mais do que

uma ética do presente, embora aplicada a uma forma de vida de duração mais longa”.26

Esse conceito de responsabilidade impõe que os novos tipos e limites do agir

exigem uma ética de previsibilidade, que os efeitos perdurem no tempo, respeitando os

limites atuais para garantir o futuro.

A natureza do agir atual exige uma nova ética de responsabilidade,

acompanhada de uma humildade em decorrência da excessiva grandeza do poder

(valorar e julgar) que o homem possui de mudança. A ética existe para ordenar as

ações humanas, e também, orientar o poder de ação de cada indivíduo.

Com base no conceito de sustentabilidade fica difícil implementar uma ética

imperativa; o caminho nos direciona para uma ética de convencimento dos nossos

24 OLIVEIRA, 2010, p. 193 25 JONAS, 2006, p. 51 26 Cf. JONAS, 2006, p. 54

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26

sentimentos, como um elo intermediário de união e concretização para um futuro

melhor. A busca de uma ética da responsabilidade a longo prazo que nos revela aquilo

que desejamos preservar.

Ainda diante das incertezas tecnológicas colocadas em evidência por estudiosos,

o preceito ético fundamental de que “a existência ou a essência do homem, em sua

totalidade, nunca podem ser transformadas em apostas do agir”, pode ser considerado

nas discussões de um ambiente de risco, tema que a sustentabilidade atua de maneira

responsável.

A sustentabilidade impõe o dever de zelar pelas gerações futuras, e por isso

zelar é nosso dever básico para com o futuro da humanidade, e esse dever está

intrinsecamente vinculado à ética da solidariedade, da cooperação, da eqüidade para a

continuidade da existência do planeta.

É importante ressaltar que embora a sustentabilidade esteja ligada à ética e ao

dever-ser tendo em vista a sua não obrigatoriedade legal, a teoria do valor torna-se

relevante para o compromisso com a preservação do Ser. A questão ético-metafísica

deve fazer parte da ampla análise dos valores coletivos a serem preservados.

A teoria da responsabilidade deve focar em dois aspectos: o “dever” que é um

fundamento objetivo, racional; e a “capacidade de influenciar a vontade”, que é um

fundamento subjetivo – de ser a causa de alguma coisa ou de ser influenciado por algo

e este tornar-se a minha vontade de realização – a razão versus a emoção.

O movimento da sustentabilidade requer uma força motivadora para a sua

concretude, e essa força é de ordem moral impulsionada pela vontade, ou seja, o

aspecto emocional como componente da ética da responsabilidade. Por isso, o

movimento sustentável é de convencimento ético.

A teoria da responsabilidade se constrói em torno de três conceitos: a totalidade,

a continuidade e o futuro. E a responsabilidade de um homem público alcança os três

conceitos. Ele é responsável pela totalidade da vida da comunidade – bem público – e a

dimensão dessa responsabilidade se assemelha à da responsabilidade parental, onde

há um comprometimento com a própria existência física, segurança, plenitude de

oportunidades e felicidade do próximo. O privado se abre para o público e incorpora-o

como parte integral do Ser da pessoa.

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27

O princípio da responsabilidade integral para toda ação pública ou privada,

reunindo o seu conjunto de ações particulares, compreende a garantia e possibilidade

de um agir responsável no futuro. E a perspectiva de futuro, altamente significativa

neste momento, deve ser analisada sob o contexto de uma política econômica,

tecnológica, ecológica, social e ambiental.

A responsabilidade está intrinsecamente relacionada com o poder, de maneira

que a dimensão e a modalidade de poder determinam a dimensão e a modalidade da

responsabilidade. O poder e a responsabilidade não podem se desvincular uma vez

que o dever e o agir estão juntos.

Assim, a prática da responsabilidade social empresarial exige uma atuação ética

responsável, na qual o agir dos diretores das empresas privadas ou gestores públicos

não pode pôr em risco a existência das gerações futuras. A empresa ética tem a

obrigação de prestar contas para a comunidade, devendo sobressair o dever de cada

pessoa com o todo já existente e do ainda por vir – um compromisso com a

preservação da dignidade humana.

2.3 DOCUMENTOS ORIENTATIVOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL

EMPRESARIAL

Os documentos orientativos da responsabilidade social empresarial são textos já

consagrados pelos organismos internacionais como o Pacto Global da ONU; Linhas

Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, principalmente as Convenções da

OIT e suas Recomendações sobre os princípios e direitos fundamentais do trabalho

tendo em vista que a primeira responsabilidade da empresa é com a qualidade do

ambiente de trabalho decente, por isso a importância em respeitar essas normas numa

economia globalizada e diversificada conforme ressalta Luciane Cardoso Barzotto:

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Para a Organização Internacional do Trabalho, o paradigma do trabalho decente significa

aquele, que resulta em maior produtividade e em condições mais favoráveis ao

crescimento econômico, nos quais não se pode deixar as condições de trabalho e a

questão dos direitos na dependência do mercado porque, sem regulação, os sistemas

econômicos geram oportunidades para alguns países e não, para outros, assim como

desigualdades de acesso e de benefícios dentro de cada país.

(...)

Trabalho decente é um metadireito que visa tornar o trabalho digno uma realidade. Como

os povos devem honrar os compromissos decorrentes da proteção dos direitos humanos,

o cumprimento destas obrigações é condição necessária para o aprimoramento das

instituições políticas e de sua ordem jurídica. Portanto, direitos humanos para um

trabalho decente representam princípios de justiça aplicáveis a todos os povos. 27

O Pacto Global da ONU28 é uma iniciativa de cidadania corporativa amplamente

aceita pelos países membros. As empresas signatárias do Pacto se comprometem a

efetivar suas práticas empresariais baseadas em princípios universais de forma a

contribuir para um mercado global mais justo, equitativo e inclusivo. São seus princípios

de direitos humanos, do trabalho, do meio ambiente e anticorrupção:

- Princípio 1: As empresas devem apoiar e respeitar a proteção dos direitos

humanos fundamentais reconhecidos universalmente, dentro de seu âmbito de

influência;

- Princípio 2: As empresas devem assegurar-se de que suas empresas não são

cúmplices da violação dos direitos humanos;

- Princípio 3: As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o

reconhecimento efetivo do direito a negociação coletiva;

- Princípio 4: As empresas devem apoiar a eliminação de toda forma de trabalho

escravo ou forçado;

- Princípio 5: As empresas devem apoiar a erradicação do trabalho infantil;

- Princípio 6: As empresas devem apoiar a abolição das práticas de

discriminação no emprego e ocupação;

27 BARZOTTO, 2011, p. 168 28 Disponível no site www.pactoglobal.org.br . Acesso em: 06 fev. 2011

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- Princípio 7: As empresas deverão manter um enfoque preventivo que favoreça

o meio ambiente;

- Princípio 8: As empresas devem fomentar as iniciativas que promovam uma

maior responsabilidade ambiental;

- Princípio 9: As empresas devem favorecer o desenvolvimento e a difusão das

tecnologias responsáveis com o meio ambiente;

- Princípio 10: As empresas devem trabalhar contra a corrupção em todas as

suas formas, incluindo a extorsão e o suborno.

O documento da OCDE - Linhas Diretrizes da OCDE para Empresas

Multinacionais29 – é dirigido aos governos e às empresas multinacionais de forma a

contribuir para um relacionamento harmônico e integrado com as políticas públicas do

local onde está inserida. São seus princípios e normas voluntárias para a conduta

empresarial:

1. Contribuir para o progresso econômico, social e ambiental com o propósito de

chegar ao desenvolvimento sustentável.

2. Respeitar os direitos humanos nas atividades empresariais.

3. Estimular o fortalecimento das capacidades locais, através de uma estreita

cooperação com a comunidade de forma a promover as boas práticas comerciais.

4. Incentivar a formação do capital humano, criando em particular oportunidades

de empregos e facilitando o acesso dos trabalhadores à formação profissional.

5. Abster-se de procurar ou aceitar isenções que não constem do quadro

estatutário ou regulamentar em relação ao meio ambiente, à saúde, à segurança, ao

trabalho, aos impostos, aos incentivos financeiros ou a outras questões.

6. Respaldar e manter bons princípios de governança corporativa,

desenvolvendo as boas práticas.

29 Disponível no site www.cgu.gov.br. Acesso em: 06 fev. 2011

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30

7. Desenvolver e aplicar práticas auto-reguladoras eficazes e sistemas de gestão

que fomentem uma relação de confiança mútua entre as empresas e as sociedades nas

quais realizam suas operações.

8. Promover a sensibilização dos trabalhadores quanto à política empresarial.

9. Abster-se de ação discriminatória ou disciplinar contra os empregados.

10. Empoderar sua cadeia produtiva na divulgação e implementação dos

princípios de conduta empresarial consistentes com as Linhas Diretrizes.

11. Abster-se de qualquer envolvimento abusivo nas atividades políticas locais.

As políticas de responsabilidade empresarial social devem estar formuladas de

forma a promover os objetivos estratégicos da OIT, e seus programas com eles

relacionados, principalmente na construção de uma Agenda de Trabalho Decente. São

os objetivos estratégicos da OIT que refletem em suas Declarações e Resoluções

universais:

1. Promover os princípios fundamentais e direitos no trabalho através de um

sistema de supervisão e de aplicação de normas.

2. Promover melhores oportunidades de emprego/renda para mulheres e

homens em condições de livre escolha, de não-discriminação e de dignidade.

3. Aumentar a abrangência e a eficácia da proteção social.

4. Fortalecer o tripartismo e o diálogo social.

A empresa comprometida com a sua função social possui uma excelente política

de relacionamento com os seus trabalhadores, estendendo e cobrando também dos

fornecedores o cumprimento das resoluções trabalhistas da OIT. A empresa busca a

sua perenização, e assim prioriza a sua função social.

Desse comprometimento ativo com a função social decorre o conceito de

empresa socialmente responsável, que reinsere a solidariedade social na atividade

econômica e contribui para a justiça social.

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31

2.3.1 Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho – Um

Compromisso das Empresas e da Sociedade

A Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho30

foi criada em 1998 para ser um documento de referência mundial e de compromisso

dos estados membros com a promoção da dignidade da pessoa humana, da qual os

demais direitos fundamentais são seus desdobramentos. São os temas abordados:

- a liberdade de associação e a liberdade sindical e o direito de negociação

coletiva;

- a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório;

- a abolição do trabalho infantil;

- a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

A Declaração enfatiza que todos os estados membros devem respeitar os

direitos fundamentais arrolados, mesmo que ainda não tenham ratificado o seu

conteúdo em âmbito interno.

São direitos de caráter universal e aplicáveis em todos os países, independente

do estado econômico. O seu cumprimento torna-se um indicador do desenvolvimento

econômico, social e político do país.

A promoção do conteúdo da Declaração requer um compromisso de todas as

instituições numa economia que está cada vez mais integrada e globalizada. A

comunhão de valores éticos é a base para o fortalecimento de políticas sociais contra a

violação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais e para o desenvolvimento

sustentável.

O crescimento econômico é fundamental para a promoção da justiça social,

porém não é suficiente para a efetivação da equidade e do desenvolvimento social. Há

necessidade de implantar políticas sociais sólidas, promover a justiça social e

instituições comprometidas e não-corruptas.

30 Disponível no site www.oitbrasil.org.br. Acesso em: 01 fev. 2011

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32

O binômio desenvolvimento social e crescimento econômico requer a garantia

dos princípios e direitos fundamentais no trabalho de forma a permitir a todos os

indivíduos acessos e oportunidades iguais, salários justos, dignidade de tratamento e

respeito às diferenças.

Cabe a cada Estado estabelecer mecanismos de cooperação técnica para

promover os direitos básicos elencados na Declaração da OIT de forma que o setor

produtivo seja socialmente responsável pelo bem-estar dos seus trabalhadores

terceirizados e empregados próprios.

A Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho é

um documento de grande alcance e importância para a responsabilidade social

empresarial de forma a se tornar para as empresas uma ferramenta de trabalho efetiva

e promotora dos direitos básicos dos empregados. As empresas podem ter seus

esforços divulgados, anualmente, pelo Relatório de Sustentabilidade (instrumento de

gestão empresarial), onde o princípio da transparência e a prestação de contas aos

públicos com os quais se relacionam tornam-se critérios de valor e de boa reputação

comercial.

A Declaração da OIT sobre a Justiça Social para uma Globalização Equitativa

cabe ser ressaltada, neste trabalho de pesquisa, tendo em vista os efeitos gerados pela

globalização e pelas empresas transnacionais ao desenvolvimento social e econômico

de uma região.

2.3.2 Declaração da OIT sobre a Justiça Social e Globalização Equitativa

Em junho de 2008, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) adotou sua

terceira declaração de princípios e políticas de caráter universal para a qualidade de

vida dos trabalhadores – Declaração da OIT sobre a Justiça Social para uma

Globalização Equitativa – reafirmando o comprometimento dos 182 Estados-Membros

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33

em envidar esforços para o alcance de suas metas através de uma Agenda de Trabalho

Decente.

É um documento orientativo para a promoção de políticas equitativas de trabalho

decente vinculadas ao objetivo estratégico das empresas sustentáveis. Seu enfoque

deve ser amplo e inter-relacionado com as demais políticas de abrangência externa,

nacional e internacional, de forma a criar uma plataforma de atuação empresarial

compartilhada com os demais setores produtivos e órgãos de governança institucional.

O diálogo social (governos, empregados e trabalhadores) contribui para a

construção de uma base sólida de consenso para a implementação de políticas

públicas e econômicas que promovam os direitos fundamentais no trabalho.

A Declaração da OIT, quando elaborada, considerou o contexto atual da

globalização, os momentos de incerteza tecnológica que levam a abusos dos direitos

do trabalho, além das desigualdades de renda e oportunidades no mundo dos negócios

e prestação de serviços. O processo de globalização encontra uma diversidade de

contextos sociais, econômicos e políticos, gerando um aumento de economia informal e

o ingresso de trabalhadores vulneráveis. Por isso, é grande o desafio de alguns países

em conter as desigualdades, promover a justiça social e o pleno emprego de forma a

tornar-se comunidades sustentáveis.

Os valores básicos de liberdade, dignidade humana, justiça social, segurança e

não-discriminação permeiam todas as políticas de responsabilidade social empresarial,

e são interdependentes. A empresa só conseguirá um nível de cidadania se respeitar e

promover estes valores entre os seus públicos.

As empresas produtivas e sustentáveis juntamente com uma economia social

estruturada, e ainda com o apoio de políticas públicas, estabelecidas por um poder

público viável, formam a base do desenvolvimento equilibrado de sociedades fortes e

promotoras de oportunidades para todos. Por isso, os princípios da OIT para um

processo de globalização participativa e inclusiva são: 31

1) promover o emprego criando um entorno institucional e econômico

sustentável:

31 Disponível no site www.oitbrasil.org.br. Acesso em : 01 fev. 2011

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34

a) as pessoas podem adquirir e atualizar as capacidades e competências que

necessitam para poder trabalhar de maneira produtiva, com realização pessoal e bem-

estar comum;

b) todas as empresas, tanto públicas como privadas, são sustentáveis para

tornar possível o crescimento e a geração de maiores oportunidades e perspectivas de

emprego e inclusão para todos;

c) a sociedade pode conseguir seus objetivos de desenvolvimento econômico e

de progresso social, assim como alcançar um bom nível de vida.

2) adotar e ampliar medidas de proteção social (segurança social e proteção dos

trabalhadores) que sejam sustentáveis e estão adaptadas às circunstâncias nacionais,

com inclusão de:

a) a ampliação da segurança social a todas as pessoas, incluindo medidas de

inclusão para aqueles que necessitam dessa proteção e estão sujeitos às incertezas

geradas pela rápida mudança tecnológica, econômica, social e demográfica;

b)condições de trabalho saudáveis e seguras;

c) medidas em matéria de salários e outras condições de trabalho, destinadas a

garantir a todos uma justa distribuição dos frutos do progresso e um salário mínimo vital

para todos os que tenham emprego e carecem de proteção.

3) promover o diálogo social e o tripartismo entre os governos, as empresas e as

organizações representativas de trabalhadores como os métodos mais apropriados

para:

a) adaptar a aplicação dos objetivos estratégicos às necessidades e

circunstâncias de cada país;

b) traduzir o crescimento econômico em progresso social e vice-versa;

c) facilitar a criação de consenso a respeito das políticas nacionais e

internacionais que incidem nas estratégias e programas em matéria de emprego e

trabalho decente;

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35

d) fomentar a eficácia da legislação e as instituições de trabalho, em particular no

reconhecimento e na promoção das relações de trabalho e no estabelecimento de

sistemas eficazes de inspeção e proteção do trabalho;

4) Respeitar, promover e aplicar os princípios e direitos fundamentais no trabalho

e estabelecer condições propícias e necessárias para a realização de todos os

objetivos estratégicos:

a) reconhecimento da liberdade de associação, da liberdade sindical e do direito

de negociação coletiva para a promoção dos objetivos estratégicos;

b) que a violação dos princípios e direitos fundamentais no trabalho não pode ser

invocada como vantagem competitiva legítima entre os países.

A igualdade de gênero e as políticas de não discriminação devem ser

consideradas como questões transversais aos princípios relacionados, assim como as

resoluções das normas internacionais do trabalho, formando um sistema único e inter-

relacionado, de solidariedade e cooperação dos Estados-Membros da OIT para a

promoção de uma economia globalizada e responsável.

2.3.3 Documentos Orientativos de Gênero

Os instrumentos orientativos da questão de gênero podem promover discussões

e implementar diretrizes para o tratamento igualitário e equilibrado entre homens e

mulheres no ambiente de trabalho, levando a construção de políticas de cidadania

empresarial dentro de um conceito de sociedade justa e inclusiva:

- Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a

Mulher – CEDAW. Aprovada em 1979 pela Assembléia Geral da ONU, e ratificada pelo

Brasil, sem reservas, em 1984.

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36

- Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra

a Mulher – Convenção de Belém do Pará. Aprovada em 1994 pela Assembléia Geral da

OEA, e ratificada pelo Brasil em 1995.

- A Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em

1995, em Beijing (China). Em 2000, o documento foi alterado, incluindo novas ações e

iniciativas, resultando na referência Declaração de Pequim+5.

- Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra a Mulher. Adotado em 1999 pela ONU, e ratificado pelo Brasil em

2002.

- e mais recentemente, lançado em março de 2010, Os Princípios de

Empoderamento das Mulheres – Igualdade Significa Negócios32, uma iniciativa do

UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher e do Pacto

Global, para promover a igualdade de oportunidades para as mulheres dentro do

ambiente corporativo. São os seus princípios norteadores:

1. liderança promove a igualdade de gênero;

2. igualdade de oportunidades, inclusão e não-discriminação;

3. saúde, segurança e fim da violência;

4. educação e treinamento;

5. desenvolvimento empresarial e práticas de cadeia de suprimentos e

marketing;

6. liderança comunitária e engajamento;

7. transparência, mensuração e relatório.

As Declarações da OIT primam pela proteção da igualdade de tratamento entre

homens e mulheres nas relações de trabalho. A eliminação da discriminação é uma das

suas preocupações principais, e sempre que possível o tema é reforçado entre os

países-membros da Organização. O tema está presente nas Convenções 100, de 1951

e 111, de 1958.

32 Disponível na íntegra no site www.unifem.org. Acesso em: 13 ago. 2010

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37

A Convenção 100 traz a questão de “Salário igual para o trabalho de igual valor

entre o homem e a mulher”. No Brasil foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1957,

com vigência a partir de 1958 conforme ressalta Luiz Eduardo e Noeli Gunther:

Ao ratificar a Convenção, o Estado-Membro deve garantir a aplicação do princípio da

igualdade de remuneração entre a mão de obra masculina e a mão de obra feminina por

trabalho de igual valor, na medida em que permitam os métodos vigentes de fixação dos

níveis de remuneração. 33

A Convenção 111 sobre a discriminação (emprego e profissão), 1958, trata da

“Discriminação entre matéria de emprego ou ocupação”. No Brasil entrou em vigor em

1966 que conforme Luiz Eduardo e Noeli Gunther arrolam os tipos de discriminação

possíveis:

A discriminação é definida como qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em

motivos de raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional, origem social

ou qualquer outro motivo especificado por um Estado, que tenha por fim anular ou alterar

a igualdade de oportunidades ou de disciplina jurídica no emprego ou na ocupação.34

E ainda como documento âncora de todos os direitos fundamentais, sociais,

políticos e econômicos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é a referência

maior para a comunidade internacional como documento de promoção aos bens,

recursos e oportunidades. Adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em

1948, consolida o direito ao trabalho, à educação, à proteção contra o desemprego e a

pobreza, à livre associação sindical e à remuneração justa.

Os direitos da pessoa humana encontram na Convenção Americana sobre

Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – o manto protetivo do sistema

interamericano de direitos humanos. O Brasil é signatário do documento desde 1992 e

plenamente integrado desde 1998, podendo ser condenado no caso de

descumprimento dos deveres previstos. A importância deste tratado internacional para

os países americanos é a ampliação dos direitos além daqueles previstos na

33 GUNTHER, 2011, p.112 34 GUNTHER, loc. cit.

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Constituição de cada país, cabendo ao Estado faltoso indenizar as suas vítimas, além

de outras medidas cabíveis.

A responsabilidade social empresarial é o compromisso ético, voluntário, em

poder das empresas para colaborar com a redução da pobreza e outras dificuldades

econômicas, ambientais e sociais juntamente com a comunidade local, exigindo a

implementação e a reforma de políticas sociais mais justas e efetivas.

As doutrinas éticas modernas do bem-estar social (Utilitarismo, Justiça

Distributiva, Teorias da Justiça Social) e os princípios norteadores dos direitos humanos

justificam e constroem os pilares da cidadania corporativa, da boa governança e dos

valores organizacionais. São construções dentro do contexto da promoção das

oportunidades, do solidarismo constitucional, da igualdade, da transparência, do diálogo

social, do respeito às diversidades e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Na política e na prática da responsabilidade social, as empresas podem inserir

os paradigmas sociais em suas obrigações e promoverem a função social dos seus

contratos, incluindo cláusulas sociais tais como: não contratação de mão-de-obra

infantil, escrava ou situação análoga; produtos com selos de certificação ecológica

(selos verdes); contratação de fornecedores locais; e capacitação/qualificação dos

empregados terceirizados tendo em vista a fragilidade do vínculo, dentre outras

ações/iniciativas específicas do contexto socioeconômico regional onde a empresa está

inserida.

2.4 DIREITOS HUMANOS E RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

A implementação da responsabilidade social empresarial exige um

comprometimento com os direitos humanos em toda a sua cadeia de relacionamento,

especialmente com o público interno, onde cada indivíduo deve ter a sua

individualidade respeitada, com todas as suas limitações e deficiências físicas num

ambiente harmônico de valor e de satisfação.

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39

O respeito aos direitos humanos seria o valor supremo da atuação responsável

em todos os momentos e lugares da atividade empresarial, servindo como um norte a

orientar toda a vida ética da empresa.

O reconhecimento dos direitos humanos como um sistema objetivo de valores e

princípios universais como a liberdade, a igualdade, a fraternidade e a solidariedade faz

com que a doutrina seja unânime em disseminar a sua vigência, independente de

estarem expressos em constituições, leis e outros documentos internacionais por se

tratar de respeito à dignidade humana. Por isso, nas lições de Flávio Konder Comparato

a importância da distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais:

Como nos ensinou a doutrina germânica, há que se distinguir entre direitos humanos e

direitos fundamentais. Estes nada mais são do que direitos humanos positivados em

normas constitucionais expressas; mas não é essa positivação que confere juridicidade

às exigências de respeito à dignidade humana. A mesma distinção, como óbvio, há de

ser feita também no âmbito do direito internacional.35

Os princípios e os direitos arrolados na Declaração Universal dos Direitos

Humanos estão consagrados em outros documentos internacionais como os Pactos

Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos, e sobre os Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, de 1966, promulgados no Brasil pelo Decreto n. 591, de 6 de julho

de 1992. Esses princípios fazem parte do costume de todos os povos e dos princípios

gerais de direito reconhecidos pelas nações democráticas.

A força normativa dos princípios tem seu fundamento no conjunto de

características que os compõem: a) seu campo de incidência é amplo e abrangente; b)

maior força jurídica e c) em caso de conflitos normativos aplicam-se o princípio mais

adequado ou pertinente para uma solução justa da lide.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o princípio da liberdade é pleno,

pois abrange a liberdade política e a individual, sendo então complementares e

interdependentes.

35 COMPARATO, 2010, p. 57

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40

O princípio da igualdade presente nas revoluções do final do século XVIII

buscava abolir os privilégios da classe dominante e estipular a igualdade perante a lei,

surgindo então uma sociedade dividida por classes sociais e não em estamentos.

E ainda na luta por uma sociedade mais justa e equilibrada, buscando corrigir a

autonomia excessiva e o individualismo abusivo da classe burguesa, surge o princípio

da fraternidade nas relações interpessoais e a solidariedade como dever jurídico das

relações obrigacionais.

Nesse contexto de respeito ao princípio maior da dignidade humana, todas as

forças produtivas e entes sociais e políticos devem ter a sua pauta comum e

compartilhada de trabalho decente, de respeito ao meio ambiente equilibrado e de

construção de uma sociedade justa e solidária.

2.5 A RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS HOMENS DE NEGÓCIOS: MARCO

INICIAL DA SISTEMATIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL CRISTÃ

Diante da presença dos princípios da fraternidade nas relações interpessoais e

da solidariedade nas relações organizacionais, a responsabilidade social empresarial

não é um tema desconhecido por parte dos empresários nos Estados Unidos da

América. Desde a década de 50, o tema vem sendo pesquisado como um valor ético da

vida econômica e de interesse público numa economia baseada na livre iniciativa,

assim como a repercussão das decisões dos empresários sobre a moral e os valores

humanos na compreensão da vida econômica.

Na obra Responsabilidades Sociais do Homem de Negócios , de Howard R.

Bowen, o tema vem à tona dentro de uma consciência cristã “como deveremos lidar

com o dinamismo de nossa vida econômica, se ele afeta todos os segmentos da

existência nacional, de molde a prescrever e difundir a liberdade e a justiça, a

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preocupação com a dignidade do indivíduo, o respeito pelos direitos das minorias, a

sensibilidade ao bem-estar público, o livre debate e a persuasão pacífica?”. 36

São princípios que devem ser discutidos dentro do âmbito coletivo, acima dos

interesses individuais, pois a ética e a responsabilidade social não podem ser

separadas dos interesses econômicos, da construção das instituições. A obra citada

busca responder as seguintes questões, que ainda hoje, são atuais nos

questionamentos da responsabilidade social empresarial:

1. Quais as responsabilidades para com a Sociedade que se esperam dos

homens de negócios?

2. Quais os benefícios tangíveis que poderiam advir das preocupações e

conseqüências sociais do trabalho dos homens de negócio?

3. Quais os passos que poderiam ser dados para aumentar o efeito dos aspectos

sociais oriundos das decisões comerciais?

4. Quais são os problemas éticos fundamentais que os homens de negócios se

deparam?

5. Até que ponto, os interesses comerciais se fundem com os interesses da

Sociedade?

O reconhecimento do poder de negociação e influência das empresas no

desenvolvimento econômico do país já era pauta de discussão das lideranças

econômicas na década de 50 (Smith Manufacturing Company versus Barlow)37. As

decisões dos empresários extrapolam o ambiente interno da organização e afetam a

vida de toda comunidade e o funcionamento do sistema econômico global.

A conduta socialmente responsável dos homens de negócio requer a adoção de

iniciativas e ações com tomadas de decisões que sejam compatíveis com os interesses

da sociedade. E a Justiça é o ideal máximo a ser buscado por todas as instituições - a

equidade na distribuição da renda e o acesso às oportunidades tanto para o

crescimento pessoal quanto para o desenvolvimento econômico. Não se esquecendo

36 BOWEN, 1957, p. 4 37 ASHLEY, 2005, p. 46 (caso de filantropía corporativa – doação de recursos financeiros para a Universidade de Princeton pelo sócio Smith, sendo questionado judicialemnte por um acionista. A Corte reconheceu a importancia da empresa para a sociedade – a responsabilidade social da empresa.

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do acesso à educação, à saúde pública, à moradia e à promoção de ações afirmativas

de grupos de minorias sociais baseadas na raça, cor, sexo, idade e etnias.

Ademais desde que a intervenção do Estado deixou de ser mínima na economia,

e passou a ser sócio das empresas, estas devem cooperar na promoção de políticas

públicas sociais de bem-estar da sociedade. A harmonia entre os interesses públicos e

os interesses privados deve ser uma condição sine qua non de uma sociedade com

instituições bem ordenadas. Os interesses privados com vistas à promoção dos ideais

de desenvolvimento da sociedade e a regulamentação pública de forma a respaldar

esta atuação de cooperação social conforme expõe Ana Carolina Zaina:

Valores como justiça social, direitos fundamentais, acesso à justiça, direito à informação

e à transparência, combate à corrupção e às drogas, defesa do meio ambiente,

solidarismo jurídico palpitam na agenda mundial, nascem do amadurecimento

democrático, permeiam o conhecimento transdisciplinar e subjazem na ambiência social

como pressuposto de desenvolvimento sustentável, como dever do Estado, da sociedade

civil e da empresa e como direito do cidadão.38

Para Howard Bowen, a doutrina protestante disseminaria algumas sugestões e

normas para orientar o homem de negócio no cumprimento de seu dever cristão

relativas ao bem-estar econômico e social:39

1. O homem de negócios deve ser impelido pela motivação de servir à sociedade

antes que pela de aumentar os lucros como única finalidade de sua empresa;

2. Ele deve administrar todos os recursos naturais que recaiam sob o seu

controle com especial cuidado, de maneira que sejam salvaguardados os interesses

tanto das gerações atuais quanto das futuras;

3. Ele deve contribuir para aumentar a eficiência e a produtividade da sociedade,

de forma a contribuir para a eliminação da pobreza;

4. Ele deve envidar esforços para promover o princípio da dignidade humana em

todas as suas relações sociais com os operários, fregueses, fornecedores,

competidores e outros com quem tenha transações comerciais;

38 ZAINA, 2010, p. 217 39 BOWEN, 1957, p. 52

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5. Ainda como conseqüência do princípio da dignidade humana, deve abster-se

de discriminação das pessoas por motivos de raça, religião, opiniões políticas,

nacionalidade e sexo. Cooperar efetivamente para a diminuição da discriminação

social;

6. Ele deve promover oportunidades iguais a todas as pessoas, principalmente

aos jovens, para um desenvolvimento de acordo com as suas potencialidades;

7. Deve assegurar condições dignas de trabalho, com segurança, jornada de

trabalho adequada e salários justos de acordo com a função exercida, de forma a

atender às necessidades físicas e culturais dos trabalhadores;

8. A integridade e o bem-estar da família têm de ser protegidos, estendendo os

benefícios sociais;

9. Respeitar o direito de livre associação dos trabalhadores;

10. A honestidade deve caracterizar todas as transações;

11. Fabricar produtos que sejam condignos para satisfazer as necessidades do

consumidor, assim como os processos de venda e propaganda do produto.

O conceito de co-participação das partes interessadas nas decisões estratégicas

das empresas também foi ressaltado por Howard Bowen “O ponto de vista do homem

de empresa é que a administração deveria agir, na qualidade de síndico, como

mediador entre os vários grupos interessados, mas que a responsabilidade de tomar

decisões deveria caber-lhe com exclusividade. A co-participação é o único modo de

obter responsabilidade, harmonia social e solidariedade social.”40

Dentro de um viés comparativo entre a obra de Howard Bowen (1957) e a

metodologia de trabalho da responsabilidade social empresarial pode-se concluir que

as duas são bem próximas e construídas dentro dos mesmos valores, considerando

uma diferença de mais de 50 anos entre os temas: promoção da dignidade humana; da

promoção de ações afirmativas de grupos de minorias sociais, da participação conjunta

de todos os grupos de interesse (stakeholders); da transparência nos negócios e na

prestação de contas; da potencialidade dos pontos fortes da comunidade; da mitigação

dos impactos negativos e do uso sustentável dos recursos naturais.

40 BOWEN, 1957 , p. 56

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44

3 OS PARADIGMAS IGUALITARISTAS DE JUSTIÇA COMO REF ERENCIAL

TEÓRICO À PRÁTICA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRES ARIAL

Este capítulo tem o objetivo de trazer para a discussão as teorias normativas, de

caráter social e igualitário do Utilitarismo, da Justiça Distributiva e da Teoria da Justiça

para a fundamentação da prática da responsabilidade social empresarial.

A finalidade é contextualizar a prática da responsabilidade social empresarial

com a promoção das políticas públicas de bem-estar social, de âmbito coletivo. As

empresas têm que estar cientes que a responsabilidade social não é um modismo

passageiro de gestão, de implantação em curto prazo, de impacto restrito ao ambiente

da empresa, e de ganho apenas econômico como ressalta Carlos Roberto Claro:

Não obstante o fato de que o mundo vive, em pleno século XXI, uma era de economia

globalizada, e cujo final talvez não esteja tão distante, tal como adverte Greenspan

(2007), é imperioso destacar que a empresa capitalista deve procurar sim o lucro, pois é

ínsito à atividade econômica, mas também deve buscar se reproduzir, se tornar perene,

com um olhar no princípio da dignidade humana...um olhar em relação ao social.41

A responsabilidade social quando implementada na estratégia do negócio

empresarial, os seus efeitos podem ser vistos em todas as dimensões ambiental,

econômica e social. Mas, isso exige muita transparência e boa-fé na condução dos

interesses sociais, envolvendo e informando com clareza os grupos de interesse que a

empresa se relaciona estrategicamente.

A gestão de riscos é um foco de atenção constante para evitar crises

econômicas e promover a longevidade da empresa e a segurança dos seus públicos

(stakeholders). A empresa, a natureza e a sociedade formam uma malha social,

política e econômica intrinsecamente relacionada e interdependente. O risco já não

pode ser auferido isoladamente dos negócios e da natureza. Para Ulrich Beck a

sociedade de risco parte da natureza que está totalmente integrada com os demais

sistemas, formando um arranjo conceitual com todos os seus sistemas parciais

41 CLARO, 2009, p. 193

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(econômico, social e político, dentre outros) de modo que eles não podem mais serem

vistos isoladamente:

La consecuencia central es que en la modernidad avanzada la sociedad, con todos sus

sistemas parciales (economía, política, familia, cultura), ya no se puede comprender de

una manera autónoma respecto de la naturaleza. Los problemas del medio ambiente no

son problemas del entorno, sino (en sus génesis y en sus consecuencias) problemas

sociales, problemas del ser humano, de su historia, de sus condiciones de vida, de su

referencia al mundo y a la realidad, de su ordenamiento económico, cultural y político.42

No contexto da cooperação, a propriedade privada enquanto arranjo institucional

de mercado impõe uma conduta racional sobre o uso dos recursos naturais e humanos

que dão sustentação à sua atividade econômica. Por isso, o respeito aos direitos

trabalhistas, ao bem-estar dos empregados e seus familiares, a busca da cidadania

empresarial, inclusive com o respeito ao meio ambiente devidamente equilibrado,

analisando estrategicamente a sua matriz energética, os fatores de produção e a cadeia

produtiva fazem com que os critérios da justiça social estejam na “entrada” do sistema

competitivo, e não na saída. Álvaro de Vita reforça esta ideia: “se a distribuição inicial

dos fatores de produção é justa, então os resultados do mercado serão justos”.43

A responsabilidade social empresarial deve ser vista como uma estratégia de

cooperação social, e não de interesse individual. Os empresários e gestores devem

promover o interesse social em suas ações privadas. Para Gauthier “a maximização

pura do próprio benefício, que é a única motivação da conduta individual no contexto de

jogo, se torna irracional no contexto da cooperação”. 44 E Jeffrey Sachs reforça esta

forma de trabalhar para o alcance do reequilíbrio econômico e político das nações:

Os desafios do desenvolvimento sustentável – protegendo o meio ambiente,

estabilizando o crescimento demográfico mundial, reduzindo as diferenças entre ricos e

pobres e acabando com a miséria – tomarão o centro do palco. A cooperação global terá

de ganhar prioridade. A própria ideia de Estados em competição, lutando por mercados,

poder e recursos, vai se tornar ultrapassada.

42 BECK, 2010, p. 114 43 VITA, 2007, p.104 44 Gauthier, apud VITA, Álvaro de, 2007, p. 130

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(...) Esse destino comum requererá novas formas globais de cooperação, um ponto

fundamental, de simplicidade cristalina, que muitos líderes mundiais ainda não

compreenderam ou aceitaram.45

Por isso, trazer os paradigmas igualitários da justiça social, neste momento de

divulgação e disseminação da prática de responsabilidade social empresarial, faz-se

importante para respaldar a atuação ética e responsável das empresas dentro de um

processo de cooperação para a promoção da Justiça Social.

Cabe ressaltar que o fundamento teórico da pesquisa é a obra Uma Teoria da

Justiça, de John Rawls, publicada em 1970, e as teorias da libertaristas de Amartya

Sen, por terem um caráter mais contemporâneo e universal - o bem-estar tem como

base as necessidades humanas de “acesso a bens primários” -, de promoção da

oportunidade e de liberdade dentro do interesse social. Não se pode deixar de citar a

teoria Utilitarista, de John Stuart Mill, e a Justiça Distributiva estudada por Samuel

Fleischacker, embora estas tenham um foco na promoção da “utilidade social”

concebida na somatória de utilidades individuais, elas podem ser aplicadas a todas as

ações das instituições sociais ordenadas.

O caráter generalista do utilitarismo - nem o número de indivíduos envolvidos

nem as formas institucionais - por meio das quais suas decisões e atividades são

organizadas afetam o alcance universal do princípio da utilidade. Número e estrutura só

são relevantes indiretamente em virtude de seus efeitos sobre a forma de atingir o

maior equilíbrio líquido de satisfação (calculado em relação ao universo das pessoas

envolvidas) de maneira mais efetiva possível.46 Nesse contexto, insere a sua ampla

aceitabilidade na implantação de políticas públicas governamentais.

E entendendo que a responsabilidade social empresarial é uma ferramenta de

promoção da justiça social, esta não deve focar sua atuação nas preferências, atitudes

e interesses individuais, mas sim nas instituições sociais ordenadas, que alcançam uma

diversidade de interesses particulares e na distribuição igualitária de bens primários.

A promoção de uma prática social deve considerar os direitos, as liberdades e

igualdades básicas dos cidadãos, suas necessidades e expectativas de forma a inserir

45 SACHS, 2008, p. 13 46 RAWLS, 2000, p. 312

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os valores da comunidade a ser atendida na política de RSE a ser implementada.

Dessa forma, os membros da comunidade aceitam a intervenção da empresa como

parceira do desenvolvimento regional.

Uma sociedade com instituições políticas, econômicas e sociais bem ordenadas

tem como base um diálogo social amplo e diversificado com todos os segmentos

sociais. Uma concepção política de justiça constitui uma base sólida para promoção de

um acordo cooperativo transversal e benéfico para todos.

Os termos equitativos de cooperação entre pessoas e instituições devem ser

estipulados com base na justiça social e sua lista de bens primários: livre competição de

igualdade equitativa de oportunidades; educação e qualificações desejadas; geração de

renda e riqueza entre outras. Quando as instituições básicas conseguem implementar

um sistema de liberdades básicas iguais e oportunidades equitativas, elas cumprem o

seu papel de indutoras da justiça social, garantindo a todos os cidadãos o

desenvolvimento pleno de suas capacidades.

Assim, a formação e a condução de instituições democráticas justas por um

longo período, podendo se estender para outras gerações é um grande bem social,

econômico e sustentável de cidadania. A responsabilidade social empresarial bem

organizada e integrada com a sociedade desempenha um papel cooperativo amplo

para a realização de valores e ideais político-sociais compartilhados e aceitos por todos

os cidadãos. Essas instituições econômicas distribuem direitos fundamentais e

oportunidades advindas da divisão de benefícios gerados pela cooperação com outros

arranjos sociais.

3.1 O UTILITARISMO

Sebastião Maffettone define o Princípio da Utilidade como “aquele princípio que

aprova ou desaprova toda e qualquer ação segundo a tendência que ela mostra ter de

aumentar ou diminuir a felicidade da parte cujo interesse está em questão; ou em

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outras palavras, de promover ou impedir essa felicidade. Digo toda e qualquer ação e,

portanto, não apenas toda a ação de um indivíduo em particular, mas toda medida de

governo”.47

Por utilidade entende-se qualquer objeto, política, bem ou serviço que venha

produzir um benefício, vantagem, prazer ou felicidade, ou ainda prevenir a ocorrência

de alguma injustiça ou infelicidade para a parte individual ou coletiva, neste caso a

soma dos diversos indivíduos que compõem a comunidade:

Uma medida de governo pode ser considerada conforme ao princípio de utilidade ou

ditada por ele quando, analogamente, a tendência que ela tem de aumentar a felicidade

da comunidade é maior do que qualquer tendência sua a diminuí-la. 48

O utilitarismo sempre esteve preocupado com a situação social dos pobres,

principalmente na elaboração de políticas públicas e no desenvolvimento de instituições

sociais básicas. O utilitarismo está mais para a ética do que para a economia, pois ele

representa um sentimento de aprovação que quando efetivado numa ação, aprova a

sua utilidade. Jeremy Bentham lançou, em 1789, a sua obra Uma Introdução aos

Princípios da Moral e da Legislação, onde introduziu o princípio da utilidade como

fundamento da maximização da utilidade e felicidade, entendida como prazer e

ausência de dor, ou seja, uma ação só é boa se as suas conseqüências aumentam a

felicidade do maior número de pessoas. Juntamente com John Stuart Mill (1806-1873),

criticou as instituições da época, principalmente a Igreja e os legisladores, que

defendiam o direito natural como justificativa do poder. 49

O utilitarismo é uma doutrina ética, que prioriza o bem ao maior número de

pessoas, e fundamentou nos séculos XIX e XX a construção de políticas sociais e

econômicas para a coletividade - maior felicidade para um conjunto de pessoas. A

Utilidade ou Felicidade é uma norma de conduta de fundo ético, pois a finalidade da

ação humana, dentro do padrão da moralidade, deve ser assegurada a toda

coletividade.

47 MAFFETTONE, 2005, p. 232 48 Ibid, p. 233 49 MILL, s.d., p. 7

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49

Os opositores desta doutrina dizem que a felicidade é inatingível, e que os seres

humanos podem viver perfeitamente sem ela, sendo a sua renúncia uma virtude. Stuart

Mill afirma que os opositores acreditam que o utilitarismo é “uma exigência severa

demais, por pretender que as pessoas devam sempre agir de acordo com a vontade de

promover os interesses gerais da sociedade”.50

Para os utilitaristas, a falta de educação, de desenvolvimento intelectual, o

egoísmo e as disposições sociais são alguns dos impedimentos que podem dificultar o

acesso à felicidade para um conjunto de pessoas. A felicidade ou a conduta moral de

um agente deve estar em harmonia com o coletivo.

O utilitarismo enquanto teoria ética defende que a soma das felicidades

(satisfação menos privações) dos indivíduos, aqui definida como utilidades, seja tão

ampla quanto possível, mas esta amplidão pode trazer dificuldades na aplicação da

teoria tendo em vista que os conceitos de felicidade, bem-estar, utilidade não podem

ser aplicados à sociedade como um todo. Sendo assim, a teoria utilitarista ficaria

circunscrita a uma cultura específica. O conceito de felicidade se perde na

subjetividade.

Dentro do contexto moderno do Estado Social, as teorias ético-modernas surgem

como reações ao utilitarismo, priorizando a liberdade e os bens primários, pois o

utilitarismo é incapaz de responder às exigências atuais da sociedade.51 E ainda como

afirma Amartya Sen:

Los utilitaristas quieren que las utilidades se consideren como las únicas cosas que

importan en última instancia y exigen que las políticas estén basadas en la suma total de

las utilidades en tanto que los abogados de los derechos humanos quieren el

reconocimiento de la importancia de ciertas libertades y la aceptación de ciertas

obligaciones sociales para salvaguardarlas.52

Mas, considerando que a busca da felicidade (sentido lato sensu) ainda é um

bem a ser buscado pelos indivíduos, o ponto forte da teoria utilitarista como referencial

teórico da responsabilidade social empresarial é o seu fundamento nas utilidades aqui

50 Cf. MILL, s.d., p. 34 51 KOLM, 2000, p. 214 52 SEN, 2010, p. 392

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50

definidas como prazer, felicidade ou satisfação, onde tudo gira em torno das

realizações mental e moral (prazer ou felicidade gerada), como regra de conduta e o

benefício do bem-estar social (Felicidade) para o maior número de pessoa. E os

utilitaristas afirmam que os motivos que levam um agente a proporcionar uma norma de

felicidade são irrelevantes desde que não violem os direitos e as legítimas expectativas

de outras pessoas. Os motivos podem ser outros, e não apenas os de caráter legal. O

agente tem os seus méritos reconhecidos quando proporciona a felicidade coletiva, pois

o princípio utilitarista não tem interesse na efetiva distribuição das utilidades levando em

consideração as necessidades de cada indivíduo, e sim sobre a utilidade total de todos

considerados em conjunto.

O utilitarismo tem sido a teoria ética mais utilizada, há mais de um século, na

elaboração e avaliação de políticas públicas. A forma clássica do utilitarismo, de Jeremy

Bentham, teve sua abordagem modernizada pela economia do bem-estar (welfarismo)

e adotada pelos economistas sociais William Stanley Jevons, Henry Sidgwick, Francis

Edgeworth, Alfred Marshall e A.C. Pigou.53

Os elementos ou requisitos de avaliação de políticas públicas, que compõem a

visão moderna do utilitarismo, podem ser agrupados em:

1. Conseqüencialismo – todas as escolhas (de ações, regras ou instituições)

devem ser julgadas por suas conseqüências ou pelos resultados a serem gerados. O

nível de importância às conseqüências é alto.

2. Welfarismo – toda escolha deve ser julgada de acordo com as respectivas

utilidades a serem geradas. Há uma combinação entre o welfarismo e o

consequêncialismo, ou seja, qualquer ação é julgada conforme o estado de coisas

conseqüente, e este de acordo com as utilidades desse estado (welfarismo).

3. Ranking pela soma – as utilidades são tomadas no sentido coletivo, e não no

sentido individual, e somadas conjuntamente com o resultado a ser alcançado.

Esses elementos devem ser aplicados conjuntamente, na medida do possível,

na avaliação de cada utilidade tendo em vista que a representatividade numérica pode

ser mensurada, e a felicidade ou desejo não são fáceis de medir.

53 SEN, 2000, p. 77

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51

Mas a concepção utilitarista pode apresentar alguns pontos frágeis quando da

aplicação plena na elaboração de políticas públicas conforme análise de Amartya

Sen:54

1. Indiferença distributiva: o cálculo utilitarista tende a não levar em consideração

desigualdades na distribuição da felicidade (ênfase na soma total, independente das

desigualdades na distribuição);

2. Descaso com os direitos, liberdades e outras considerações desvinculada da

utilidade: a visão utilitarista não atribui valor intrínseco a reivindicações de direitos e

liberdades;

3. Adaptação e condicionamento mental: a abordagem utilitarista do bem-estar

individual é frágil e não mensurável, tais como o prazer, felicidade ou desejo. O cálculo

de utilidades pode ser injusto com aqueles que são minorias e destituídos de políticas

sociais.

Pode-se dizer que uma ação ou política pública de educação, saúde e emprego

desempenha e alcança a sua finalidade utilitarista quando as oportunidades reais são

disponibilizadas à população e asseguradas pelas instituições sociais, defendendo uma

igualdade não apenas formal de oportunidades, mas efetiva e justa:

De uma ação conforme ao princípio de utilidade pode-se sempre dizer ou que é uma

ação que deveria ser praticada, ou, pelo menos, que não é uma ação que deveria ser

praticada... que é uma ação justa, ou pelo menos, que não é uma ação injusta.55

A responsabilidade social empresarial é uma conduta ética, e o resultado desta

ação deve visar o bem-estar coletivo da comunidade do entorno ou de um grupo de

minorias sociais, sendo estes os motivos pelos quais os gestores implantam esta

prática voluntária em sua gestão estratégica. O desenvolvimento da ação, a conduta

socialmente responsável (transparência e confiança), e o monitoramento dos

indicadores para efetivação de medidas e políticas sociais compõem a metodologia da

responsabilidade social. O alcance da teoria utilitarista na elaboração de políticas

públicas sociais pode vir a ser considerado também como um referencial teórico para as

54 Cf. SEN, 2000, p. 81 55 Cf. MAFFETTONE, p. 234

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52

empresas da implantação ou não de programa de responsabilidade socioambiental.

Cabe ressaltar que a adoção deste referencial teórico requer um amplo e

multidisciplinar diálogo social devido à sua subjetividade. O critério deve ser de utilidade

social, e não individual. A responsabilidade social empresarial se dá em um ambiente

de parcerias (stakeholders) e visa implantar práticas que beneficiem o interesse e o

bem coletivo.

3.2 A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

A teoria da justiça distributiva trata de como uma sociedade ou um grupo deve

compartilhar ou distribuir os seus recursos ou seus produtos entre aqueles que

necessitam. A ideia de distribuição de recursos vinculada a méritos remete a Aristóteles

“as pessoas merecedoras teriam a garantia de ser recompensadas de acordo com seus

méritos, sobretudo no que diz respeito a seu status político”.56 Já para os

contemporâneos trata-se de uma questão de justiça social, pois todos devem levar uma

vida livre de carências e oportunidades.

A justiça distributiva foi um dos temas tratados na Carta Encíclica “Rerum

Novarum”, do Papa Leão XIII, escrita em 1891, sobre a condição dos operários. Na

visão da Igreja Católica as inovações deveriam migrar da política para a economia

social uma vez que as relações entre patrões e operários, a má distribuição da riqueza

e a corrupção dos costumes estavam em conflito, e a solução seria por em prioridade

os princípios da justiça e da equidade.

Estes princípios e o sentimento cristão (que condena a usura, a ambição e a

ganância) desapareceram das leis e das instituições públicas, fazendo com que os

trabalhadores ficassem isolados e sem defesa numa concorrência desenfreada com os

patrões dentro de um sistema de monopólio do trabalho.

56 FLEISCHACKER, 2006, p. 4

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53

O direito de propriedade é defendido como um direito natural, e a conversão da

propriedade particular em propriedade coletiva levariam os trabalhadores numa

condição mais precária.

O princípio da dignidade da pessoa humana estava totalmente ignorado nas

relações de trabalho, pois o empregado era tratado como um instrumento de lucro,

impondo um trabalho superior às suas forças, contratando mão-de-obra infantil e

mulheres para uma jornada de trabalho bem acima de suas condições físicas.

Este contexto social só seria passível de mudança se o governo e as instituições

públicas e particulares se unissem para promoção do bem comum, construindo

sociedades fortes e não necessitando de outros expedientes para a qualidade de vida

dos trabalhadores.

Para as instituições públicas caberiam uma parte maior desta união, uma vez

que é responsável pelas políticas públicas sociais de proteção da classe operária e dos

interesses dos empresários de forma a não violar a máxima da justiça de dar a cada

indivíduo o que lhe é devido.

Dessa forma, surge a recomendação central da Encíclica, nas palavras de São

Tomás de Aquino (visão tomista):

Assim como a parte e o todo são em certo modo uma mesma coisa, assim o que

pertence ao todo, pertence de alguma sorte a cada parte. É por isso que, entre os graves

e numerosos deveres dos governantes que querem prover, como convém ao público, o

principal dever, que domina todos os outros, consiste em cuidar igualmente de todas as

classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça , chamada

distributiva. 57 (grifo nosso).

A justiça distributiva visa que as necessidades básicas de todas as pessoas

devam ser satisfeitas, por isso invoca ao Estado promover a distribuição dos recursos

básicos à população tais como educação, saúde, habitação e segurança dentre outros.

O conceito de justiça distributiva exige que certos bens devam ser garantidos pelo

57 Origem da prosperidade nacional. In: Carta Encíclica Rerum Novarum, capítulo 18. Disponível no site www.vatican.va . Acesso em: 09 fev. 2011

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54

Estado, independentemente do mérito ou de qualquer coisa que tenham feito, bastando

apenas a necessidade.

Foi depois da Segunda Guerra Mundial que o conceito de justiça distributiva

avançou como medidas visando por fim à pobreza. Sob a influência da ideologia da

Revolução Francesa, os trabalhadores pobres passam a reivindicar melhores condições

econômicas ao invés da caridade dos ricos. Por volta do início do século XX, Alfred

Marshall (1890) publica o livro Principles of Economics, enfatizando que “todos

deveriam vir ao mundo com uma oportunidade razoável de levar uma vida cultivada,

livre dos sofrimentos da pobreza e das influências estagnantes da labuta mecânica

excessiva”. Isso influenciou positivamente Franklin Roosevelt em suas políticas sociais,

e em 1944, propôs em seu “segundo bill of rights” o direito à moradia, ao emprego com

remuneração adequada, à assistência médica e educação de qualidade.58

Em 1948, Eleanor Roosevelt ajuda a redigir o maior documento orientativo dos

direitos fundamentais da pessoa humana – a Declaração Universal dos Direitos

Humanos59 – que incluía em seus princípios a dignidade humana como fundamento da

liberdade, da justiça e da paz no mundo. Relaciona os direitos econômicos, sociais e

culturais para o desenvolvimento pleno das nações. A partir de então, a justiça

distributiva ou social está consagrada na doutrina ética e política dos estados de

bem-estar social (welfare state).60

As oportunidades, liberdades e igualdades fazem parte de uma estrutura básica

da justiça social, e por isso exigem regras de ajustamento como compromissos,

prioridades, políticas públicas. O igualistarismo busca sempre na medida do possível

maximizar o mínimo (“maximim”) – da satisfação das necessidades básicas, em

proporções que dependem da sociedade a ser considerada, e em conformidade com o

respeito aos direitos humanos básicos.61

Dentro desse contexto moderno de priorização do bem-estar coletivo em

detrimento da vontade individual (estado social X estado liberal), a justiça distributiva

58 MARSHALL, 1890 apud FLEISCHACKER, Samuel, 2006, p. 120 59 Disponível no site http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php. Acesso em: 14 agosto 2010 60 Cf. FLEISCHACKER, 2006, p. 121 61 KOLM, 2000, p. 12

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55

tem de alocar os recursos da sociedade, e sendo os recursos humanos os mais

relevantes, a distribuição de recursos é feita de acordo com as necessidades básicas.

Essa distribuição coloca em conflito dois critérios morais opostos: uma ética da

liberdade contra uma ética da solidariedade. A liberdade plena de processos

econômicos, com trocas livres e desimpedidas, e a resultante aquisição de direitos e

propriedades – livre mercado. Quando as necessidades básicas não estão totalmente

satisfeitas entra em questão a justiça redistributiva plena ou completa, priorizando os

mais miseráveis, e quando a igualdade de oportunidades é impossível ou insuficiente –

redução das desigualdades de rendas.62

A ética distributiva alcança um espaço mais amplo por ter como conceitos

primários os direitos civis e políticos (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

– 1789), liberdades, igualdades, necessidades e solidariedade.

A justiça distributiva é o instrumento para o exame das necessidades associadas

à promoção das oportunidades, e contribuindo para redução das desigualdades e

promoção da existência e dignidade humana.

As liberdades sociais e políticas estão na base da teoria da justiça distributiva, ou

seja, a liberdade de ação, justificada pelo valor intrínseco, existencial da própria

liberdade de agir, priorizando direitos e liberdades básicas, uma vez que a justiça

distributiva é caracterizada por escolhas e equilíbrios das liberdades de processo e

meio. Já as liberdades de ação e de processo são limitadas pelas liberdades básicas

dos indivíduos, e preenchem duas condições: 1) iguais para todos, e 2) máxima de

eficiência (Pareto).

A eficiência de Pareto refere-se ao esgotamento das possibilidades de

mudanças para todos, ou seja, a liberdade de escolha coletiva ou liberdade social – o

bem-estar coletivo – uma solução igualitária eficiente e melhor para todos – “maximin

multidimensional”. As liberdades básicas devem ser iguais e máximas para todos.

O princípio da solidariedade fundamenta a justiça distributiva, pois todos

respondem pelas carências ou necessidades de cada indivíduo ou grupo social,

formando assim um comprometimento responsável e com a necessária compensação

de bens e vantagens entre as classes sociais efetivados por políticas públicas sociais.

62 Cf. KOLM, 2000, p. 16

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56

Os bens possíveis de serem distribuídos como renda, riqueza, oportunidades de

acesso à educação, saúde, trabalho devem ser focos de atenção das práticas

socialmente responsáveis.

É importante relacionar a justiça distributiva como um referencial teórico da

responsabilidade social empresarial, pois um dos objetivos da RSE é promover as

políticas sociais juntamente com os governantes, de forma que estas políticas se

fortaleçam e atinjam o maior número de pessoas. A Declaração Universal dos Direitos

Humanos, da ONU, documento orientativo da RSE, convoca cada indivíduo e cada

órgão da sociedade a efetivar os direitos nela estabelecidos, cabendo às empresas

socialmente responsáveis promover o desenvolvimento social das comunidades do seu

entorno, assim como a sua cidadania empresarial com políticas de igualdade e

oportunidades aos grupos de minorias de raça, sexo e etnias.

Para a responsabilidade social empresarial compreender os princípios da Justiça

distributiva é importante porque quando se tem os problemas sociais e econômicos a

serem resolvidos numa comunidade na qual a empresa atua, os benefícios devem ser

distribuídos de forma justa e equitativa, levando em consideração os interesses

coletivos sobre os individuais, objetivando um equilíbrio na relação a ser pactuada sob

os ditames da solidariedade e da justiça social.

O relacionamento das partes interessadas (stakeholders) é pautado na análise

custo-benefício, e este benefício deve ser em prol da coletividade, ou seja, uma parte

pode ganhar desde que a outra também não perca (eficiência de Pareto). A

responsabilidade social empresarial é um espaço de interação social e coletiva, por isso

a importância dos paradigmas da justiça social como viés teórico e transformador do

movimento socialmente responsável. A justiça distributiva visa à distribuição de riqueza

para corrigir as desigualdades63 e, a sua conjugação com a responsabilidade social

gerará benefícios para a construção de uma sociedade justa e solidária.

63 TIMM, 2008, p. 43

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57

3.3 A TEORIA DA JUSTIÇA SOCIAL: A IGUALDADE DE BENS PRIMÁRIOS

A Teoria da Justiça, de John Rawls, é um divisor quando se trata de cooperação

social e promoção de uma sociedade livre, justa e igualitária por instituições

econômicas e sociais ordenadas, tornando-se um referencial teórico estruturante do

movimento de empresas socialmente responsáveis.

A teoria da justiça foi construída sob os pilares do contrato social de Locke,

Rosseau e Kant64, formando a partir desses conceitos a possibilidade de um novo

contrato social com elementos chaves tais como: as estruturas básicas da sociedade,

os princípios de justiça, a posição original, consenso sobreposto e a justiça vista como

equidade de oportunidades conforme Neuro José Zambam coloca:

A proposição rawlsiana da “justiça como equidade” possibilita estabelecer as bases

necessárias para uma nova teoria do contrato, agora adequada às novas exigências,

considerando o contexto no qual as diferentes sociedades estão inseridas, assim como

os diversos interesses e forças que em seu interior se chocam e constituem sua

dinâmica. 65

A sociedade é um empreendimento cooperativo que visa promover o bem

comum, ou seja, a distribuição de direitos e valores entre as pessoas, a divisão de

vantagens advindas da cooperação, do acesso a políticas e práticas sociais. Mas há

conflitos de interesses neste arranjo social porque cada pessoa deseja uma parcela

maior a uma parcela menor de benefícios. Por isso, a necessidade de estabelecer

princípios da justiça social para definir a distribuição de oportunidades nos modos de

organização social. Os arranjos sociais básicos devem ser construídos de forma

imparcial, sob o ponto de vista da imparcialidade moral – todas as pessoas envolvidas

devem estar sob o “véu de ignorância”, não podendo levar em conta a sua posição

social, talentos e capacidades, preferências individuais.

64 ZAMBAM, 2004, p. 14 65 Ibid, p. 23

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58

Os princípios da justiça social são um modo de atribuir direitos e deveres nas instituições

básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e dos encargos

da cooperação social.

(...)

Numa sociedade regulada por uma concepção pública da justiça atende: (1) todos

aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça; (2) as

instituições sociais fundamentais geralmente atendem, e em geral se sabe que atendem,

a esses princípios. 66

Rawls classifica como instituições mais importantes da sociedade, a constituição

política e os arranjos econômicos e sociais, citando, por exemplo: a proteção jurídica de

liberdade de expressão e da liberdade de consciência; mercados competitivos;

propriedade privada dos meios de produção e a família monogâmica.

As sociedades são formadas por instituições básicas, e as suas estruturas

elementares vão determinar se elas são justas ou não, pois para Rawls, a justiça é a

primeira virtude a ser promovida por essas instituições. Assim, se as leis e as

instituições que são pilares da sociedade não forem justas, estas devem ser retificadas

ou até abolidas, mesmo que sejam eficientes e bem estruturadas.

A justiça de um arranjo social depende, em essência, de como se atribuem os direitos e

os deveres fundamentais e também das oportunidades econômicas e das condições

sociais dos diversos setores da sociedade.67

A prática da responsabilidade social das empresas deve adotar os princípios da

justiça social da igualdade e da solidariedade, cujas ações devem ser eleitas numa

ordem de prioridade e discutidas num fórum coletivo dos seus públicos de interesse,

priorizando políticas e ações a serem desenvolvidas. A sua prática não deve estar

desvinculada de um ideal social, ou seja, o fortalecimento dos arranjos sociais e a

distribuição de benefícios e encargos sociais. Esses princípios podem ser analisados

segundo uma formulação, fundamentação e grau de importância propostos na teoria da

justiça.

66 RAWLS, 2008, p. 5 67 Ibid, p. 9

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59

Rawls afirma nos dois princípios da justiça, os quais se referem à estrutura

básica ou instituições políticas da sociedade, que existe um processo de escolha para

promover as liberdades e as oportunidades a fim de nivelar as desigualdades que

devem ser adotados:

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais

liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para

as outras pessoas.

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo

que tanto (a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefício de todos

como (b) estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos. 68

O primeiro dos princípios da justiça social visa à estrutura básica da sociedade, a

organização das instituições sociais dentro de um processo de cooperação entre os

participantes. O segundo presume que a estrutura de instituições é justa se possibilitar

a igualdade equitativa de oportunidades. Os princípios de justiça devem aplicar-se a

arranjos sociais públicos, ou seja, àqueles que possuem um conjunto de normas

amplamente conhecidas e divulgadas, assim como comportamentos a serem

incentivados do ponto de vista da justiça social. Esses princípios devem propiciar uma

atribuição de direitos e deveres fundamentais, e definem o compartilhamento de

vantagens alcançadas através da cooperação social.

As liberdades fundamentais básicas garantidas no Estado de Direito, e que estão

contextualizadas no primeiro princípio, devem ser iguais para todos, sendo elas:69

a) liberdade política (o direito ao voto e a exercer cargo público);

b) liberdade de expressão, reunião e associação;

c) liberdade de consciência e de pensamento;

d) liberdade individual, que compreende a proteção contra a opressão

psicológica, a agressão e a mutilação (integridade da pessoa);

e) a de livre locomoção (direito de ir e vir);

68 RAWLS, 2008, p. 73 69 Ibid, 74

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60

f) o direito à propriedade pessoal e a proteção contra a prisão e detenções

arbitrárias.

Quanto ao segundo princípio, Rawls enfatiza as duas expressões “benefício de

todos” e “acessíveis a todos” uma vez que as liberdades fundamentais se aplicam num

primeiro momento à estrutura básica da sociedade, regem a atribuição de direitos e

deveres e regulam a distribuição das vantagens sociais e econômicas.

as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a)

se possa razoavelmente esperar que estabeleçam em benefício de todos como (b)

estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos.70

A teoria propõe distinguir dentro da estrutura social os dois aspectos distintos:

1º.) os que definem e garantem as iguais liberdades fundamentais;

2º.) os que especificam e estabelecem as desigualdades sociais e econômicas.

O segundo princípio diz respeito ainda à distribuição de renda e riqueza e à

estruturação de organizações quanto à autoridade e responsabilidade. Na medida do

possível, a distribuição de riqueza e renda, assim como as oportunidades de acesso a

cargos e posições sociais devem ser acessíveis a todos, em especial para os menos

favorecidos. Embora a eficácia econômica justifique alguns tipos de desigualdades

como, por exemplo, a de responsabilidade, essas diferenças devem trazer vantagens

para toda coletividade.

Esses princípios estão ordenados de tal forma que o primeiro antecede o

segundo, ou seja, o primeiro não pode ser negociado, compensado ou justificado em

detrimento de maiores vantagens econômicas e sociais.

O segundo princípio deve estar em equilíbrio com o primeiro, a distribuição de

renda e riqueza associada a posições sociais e cargos – benefícios econômicos. Dentro

do contexto desses princípios, a posição de todos deve ser melhorada. A distribuição

de renda e riqueza, e de cargos de autoridade e responsabilidade, deve ser compatível

tanto com as liberdades fundamentais (primeiro princípio) quanto com a igualdade de

oportunidades (segundo princípio). 70 RAWLS, 2008, p. 73

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61

Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais

do auto-respeito – devem ser distribuídos de forma igual, a não ser que uma distribuição

desigual de um ou de todos esses valores seja vantajosa para todos.71

A igualdade de oportunidades diz respeito a uma série de itens prioritários que

satisfazem os direitos e a dignidade humana: acesso a cargos (não discriminação),

educação básica e demais níveis, direito à informação, saúde básica, legados,

convivência social, capacidade de consumo dentre outras.

A primeira parte do segundo princípio reflete o princípio da eficiência

(Otimalidade de Pareto), aplicado às instituições ou à estrutura básica da sociedade; e

segunda parte dispõe de um sistema social aberto, como por exemplo, as carreiras

estão abertas aos talentos, sistema aberto de mercado.

A finalidade da teoria da justiça é propor às estruturas sociais critérios que

devam ser levados em consideração no momento de atribuir direitos e deveres, e de

implementar mecanismos de oportunidades, pois acredita-se que qualquer sistema

social que distribua riqueza e renda, que amplie as oportunidades e que garanta as

liberdades fundamentais básicas de maneira equitativa forma uma sociedade justa e

igualitária.

O princípio da eficiência tão abordado na teoria da justiça social foi adaptado do

princípio da “Otimalidade de Pareto”. O princípio afirma que determinada configuração é

eficiente sempre que seja impossível modificá-la para melhorar a situação de algumas

pessoas (pelo menos uma) sem, ao mesmo tempo, piorar a situação de outras pessoas

(pelo menos uma), ou seja, deve-se melhorar a situação de qualquer uma das pessoas

sem piorar a situação da outra.

O princípio da eficiência pode ser aplicado à estrutura social básica,

principalmente em referência às expectativas dos indivíduos representativos. Desse

modo, pode-se afirmar: a disposição dos direitos e dos deveres na estrutura básica é

eficiente se, e somente se, for impossível alterar as normas, para redefinir o sistema de

direitos e deveres, a fim de elevar as expectativas de qualquer indivíduo representativo

(pelo menos um) sem, ao mesmo tempo, reduzir as expectativas de algum (pelo menos

um) outro. Em resumo: uma disposição da estrutura básica é eficiente quando não há 71 RAWLS, 2008, p. 75

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62

como alterar essa distribuição para elevar as perspectivas de alguns sem reduzir as

perspectivas de outros.

Na prática da responsabilidade social empresarial o princípio da eficiência é

perfeitamente aplicável, pois num arranjo de cooperação social, onde as ações ou

iniciativas sociais são discutidas e implementadas, há necessidade de analisar

sistemicamente os resultados a serem obtidos de forma a não beneficiar alguns em

detrimento de outros.

No momento da aplicação desse princípio, a análise deve ser ampla porque

muitas variáveis implicarão na decisão. É preciso complementar com o princípio de

igualdade equitativa de oportunidades. A ideia é que as posições não estejam

acessíveis apenas no sentido formal, mas que todos tenham oportunidades equitativas

de alcançá-las, ou seja, aqueles que têm capacidades e habilidades similares devem

ter oportunidades similares de vida. As oportunidades de acesso à cultura e às

qualificações não devem depender da classe social e, portanto, o sistema educacional,

seja ele público ou privado deve eliminar barreiras entre as classes.

A teoria da justiça é perfeitamente aplicável às instituições e arranjos sociais

tendo em vista a presença da responsabilidade em relação a outros, e principalmente

pela promoção da justiça na construção de sociedades justas e igualitárias nos termos

do princípio da responsabilidade de Hans Jonas.

A posição original, um dos aspectos da teoria da justiça, fornece as condições

para que o acordo, oriundo de um processo de cooperação (onde os juízos são

ponderados), seja aceito e efetivado de forma a garantir os seus objetivos, sem

transtornos às partes envolvidas.

A ideia de uma posição original é estabelecer um procedimento decisório

equitativo, com resultados justos. Dessa forma, as partes devem estar envolvidas por

um véu de ignorância. Elas não devem possuir conhecimentos prévios de modo a

formar pré-questionamentos. Todos os integrantes devem estar numa mesma posição,

e são obrigados a avaliar os princípios com base em ponderações gerais.

A posição de cada parte na sociedade é colocada de lado (status social,

capacidades naturais, inteligência e força, posição econômica e política), e a opção por

trabalhar com princípios deve ser aceita, acatando as consequências oriundas desse

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acordo cooperativo. Presume-se que as partes conheçam quaisquer fatos genéricos

que possam afetar a escolha dos princípios de justiça. As concepções de justiça devem

adaptar-se às características dos sistemas de cooperação social, gerando a sua própria

sustentação. Seus princípios de justiça devem refletir os interesses daquela

comunidade e integrados à estrutura básica da sociedade, que a partir da sua

divulgação, façam com que os indivíduos sintam vontade de agir segundo estes

princípios.

Rawls criou a ideia do véu da ignorância a partir da ética de Kant quando supõe

que a legislação moral deve ser acatada em condições que caracterizem os homens

como seres racionais iguais e livres. A descrição da posição original é uma tentativa de

interpretar essa concepção.

A responsabilidade social, como instrumento da efetivação dos direitos

fundamentais dentro das empresas, trabalha estruturalmente com o princípio das

liberdades básicas, e na promoção de políticas públicas juntamente com os órgãos do

governo e entidades sociais. O trabalho reside em promover o bem-estar de todos, e

não de grupos específicos. Os grupos de minorias sociais requerem a criação de ações

afirmativas para promoção do acesso aos bens, recursos e oportunidades.

O segundo princípio da justiça social (justa distribuição de renda e riqueza e

geração de oportunidades) pode ser interpretado diante de dois outros princípios da

responsabilidade social empresarial: o da eqüidade (justa igualdade de oportunidades)

e o do bem-estar coletivo (as práticas devem beneficiar o maior número de pessoas).

É difícil trabalhar o conceito de responsabilidade social empresarial dentro do

procedimento de posição original, afinal todas as empresas e parceiros têm seus

interesses próprios, mas o exercício de conceber práticas, ações e iniciativas, que

possam chegar muitas vezes à implantação de políticas públicas federais, estaduais e

municipais, requer um acordo comum, onde a promoção do bem-estar coletivo esteja

acima dos interesses individuais. O consenso de interesses, o equilíbrio das relações e

o compartilhamento de responsabilidades de cada um para com os demais constituem

uma forma harmônica de resolução de conflitos e estabelece uma relação eqüitativa

entre os indivíduos.

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Álvaro de Vita ressalta esse entendimento da relação eqüitativa entre os

indivíduos que deve ser concebida dentro de uma premissa moral substantiva.

Trata-se da ideia de que as oportunidades de vida e do bem-estar dos cidadãos de uma

sociedade democrática não podem depender do acaso genético ou social, isto é, de uma

loteria na distribuição de posições sociais, renda e riqueza, talentos naturais e mesmo de

concepções do bem; e que, portanto, as instituições básicas de tal sociedade devem ser

concebidas para funcionar de forma que neutralize tanto quanto possível a influência

desses fatores – que, via de regra, encontra-se ou inteiramente ou em grande medida

fora do alcance do controle individual – sobre a vida que cada pessoa é capaz de levar.72

Essa concepção igualitarista é interessante para a promoção de uma sociedade

bem ordenada, com a efetivação do acesso a bens, recursos e oportunidades como

resultado de um acordo livre e voluntário entre pessoas – sob a ótica de princípios

universais e senso de justiça - cuja posição socioeconômica se diverge em sua

concepção do bem, estendendo assim à promoção do comportamento responsável por

parte das empresas, independente do seu porte e natureza jurídica.

A metodologia de trabalho da responsabilidade social empresarial está focada no

princípio da cooperação social, pois envolve a ideia de compartilhamento de

responsabilidades, num ambiente de solidariedade e reciprocidade: todos devem

envidar esforços para a construção de instituições bem ordenadas, dentro das

possibilidades e atribuições de cada um. Rawls reforça o compromisso de cooperação

social entre as instituições básicas para a promoção dos valores de liberdade e de

igualdade entre os cidadãos livres e iguais, sendo os seguintes elementos a serem

considerados na formação da sociedade enquanto sistema eqüitativo de cooperação:

a. A cooperação é guiada por regras e procedimentos publicamente reconhecidos,

aceitos pelos indivíduos que cooperam e por eles considerados reguladores adequados

de sua conduta.

b. A cooperação pressupõe termos eqüitativos de cooperação que implicam uma ideia

de reciprocidade. Esses termos são expressos pelos princípios que especificam os

72 VITA, 2007, p. 182

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direitos e deveres fundamentais no interior das principais instituições da sociedade e que

devem ser compartilhados de uma geração até a seguinte.

c. A ideia de cooperação social requer uma idéia de vantagem racional ou do bem de

cada participante, sejam indivíduos, famílias, associações, ou até mesmo governos de

diferentes povos, estão tentando conseguir, quando o projeto é considerado de seu ponto

de vista.73

A ideia de reciprocidade estabelece uma relação duradoura entre os indivíduos,

podendo se estender até as gerações futuras, onde todos se beneficiam numa

sociedade bem ordenada. Os cidadãos devem ter senso de justiça e capacidade para

conceber o bem e de agir de acordo com tais princípios, pois sendo cidadãos livres e

iguais podem cooperar para a construção de uma sociedade justa e igualitária.

Os princípios de justiça alinhados com o princípio da diferença afirmam que as

desigualdades sociais e econômicas relacionadas com cargos e posições têm que estar

estruturados de forma a dar o maior benefício a todos os membros, inclusive os menos

privilegiados. Ressalta também a igualdade de distribuição como ponto de referência da

reciprocidade de liberdade e igualdade entre os cidadãos.

Ainda dentro da ideia da sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação

social, a posição original (véu de ignorância) para estabelecer os termos eqüitativos

deve ser tomada entre cidadãos livres e iguais, não permitindo que algumas pessoas

estejam em posições de negociação mais vantajosas que outras, excluindo também a

ameaça de força, coerção, corrupção e fraude.

A razão pela qual a posição original deve abstrair-se desses fatores e não ser

afetada por eles na elaboração de um acordo eqüitativo, sobre a base de princípios da

justiça política que definem os direitos e liberdades básicas, é obter um resultado que

seja legitimado por todos os integrantes. Os integrantes formaram um mecanismo de

representação e estavam por trás de um véu de ignorância quando estabeleceram os

compromissos políticos de deveres e obrigações para com a sociedade.

Para dizer que uma sociedade é bem ordenada deve ser levado em

consideração três elementos:

73 RAWLS, 2000, p. 59

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a. concepção de justiça publicamente reconhecida, ou seja, a aceitabilidade

plena pelos cidadãos dos princípios de justiça;

b. regulação efetiva, ou seja, todos reconhecem que sua estrutura básica,

formada pelas instituições políticas e sociais num sistema de cooperação, está de

acordo com os princípios de justiça;

c. os cidadãos possuem um senso efetivo de justiça, de modo que cooperam

com as instituições básicas da sociedade que consideram justas.

Rawls enfatiza que para conceber uma sociedade como um sistema eqüitativo

de cooperação social, as pessoas devem ser consideradas livres e iguais em virtude de

possuírem capacidade de senso de justiça e a capacidade de ter uma concepção de

bem vinculados aos dois elementos principais de cooperação: os termos eqüitativos da

cooperação e a ideia de benefício racional ou bem de cada participante (consenso

sobreposto).

A ideia de um consenso sobreposto é buscar a unidade numa sociedade

democrática formada por doutrinas filosóficas, religiosas e morais abrangentes –

sociedade pluralista e estável, regulada por um senso público de justiça. O consenso

sobreposto procura garantir e dar sustentação às instituições básicas da sociedade

democrática respaldada pela teoria da justiça como eqüidade, e assim concretizar os

seus objetivos.

Em resumo, Rawls considera três requisitos necessários para a sociedade ser

um sistema eqüitativo de cooperação social:

1. a estrutura básica da sociedade deve ser regulada por uma concepção política

de justiça;

2. essa concepção política de justiça é resultado de um consenso sobreposto por

uma sociedade pluralista;

3. quando os fundamentos constitucionais e questões de justiça estão em debate

e em risco devem ser conduzidos de acordo com a concepção política de justiça.

O conjunto de bens primários é fundamental para a formação de uma sociedade

justa e livre. São exemplos desses bens: a liberdade de movimento e de escolha; renda

e riqueza e as bases sociais de respeito às diferenças, pois as pessoas são iguais, e

devem possuir os mesmos deveres e direitos.

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A responsabilidade social é a ferramenta de promoção dos direitos fundamentais,

que é resultado de um esforço coletivo, onde todos participam de um arranjo

cooperativo para o bem-estar social. Há um contrato hipotético entre as partes para a

disseminação e efetivação dos direitos fundamentais com base no princípio da

dignidade humana.

No momento de implementar ações para uma sociedade bem ordenada, as

liberdades civis e políticas devem estar protegidas, ou mais precisamente as

necessidades básicas devem estar satisfeitas tais como: a garantia da integridade

física, de segurança alimentar, do acesso à água potável, ao saneamento básico, ao

serviço médico e de educação. Num segundo momento, deve-se estipular políticas de

promoção da igualdade socioeconômica para que um número maior de pessoas tenha

acesso aos direitos e oportunidades promovidos por instituições bem ordenadas, pois o

objetivo da justiça social é proporcionar amplamente a liberdade efetiva para toda

sociedade.

É importante salientar estes pontos da Teoria da Justiça Social para priorizar a

implementação de políticas públicas sociais tanto de direitos civis e políticos quanto de

direitos sociais e econômicos.

Na teoria da justiça, a estrutura básica é o objeto primeiro da justiça. Essa

estrutura básica diz respeito ao conjunto público de regras, no qual os homens

representativos devem promover uma quantidade maior de benefícios, à luz das

expectativas legítimas. O resultado deve ser o mais justo e abrangente para todos os

integrantes da sociedade.

Entende-se por estrutura básica da sociedade: as normas básicas que distribuem

os direitos fundamentais; as normas e instituições sociais; e o conjunto de instituições,

tais como as normas de direito privado, direito tributário, a distribuição de renda e

riqueza na sociedade. Esse complexo de normas e instituições forma o objeto de

implementação da teoria da justiça social.

A justiça na promoção da igualdade e da eqüidade analisa, de forma abrangente,

o sistema social a partir do acesso à cidadania e aos níveis de renda e de riqueza.

Analisa, inclusive, se há direitos básicos desiguais fundamentados nas diferenças

físicas (sexo, raça, cultura), além de outros critérios específicos da comunidade local.

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Ninguém deve se beneficiar das diferenças, a não ser em situações que beneficiem a

todos.

Essa deve ser uma das diretrizes norteadoras da promoção da diversidade

dentro da responsabilidade social empresarial: “a distribuição natural não é justa nem

injusta; nem é injusto que pessoas nasçam em alguma posição particular na sociedade.

Esses são simplesmente fatos naturais. O que é justo ou injusto é o modo como as

instituições lidam com esses fatos”.74

A implantação de ações afirmativas para a promoção da igualdade de grupos

minoritários, em virtude de gênero, raça, sexo, cultura, etnia ou religião, estipuladas

para vigorarem de forma temporária, contribuem para a construção de uma sociedade

justa. Muitas iniciativas empresariais começam visando o ambiente interno, e depois se

estendem para a comunidade, a qual se torna sujeito da ação e luta para a implantação

de políticas públicas sociais – empoderamento da comunidade.

Rawls propõe uma igualdade ideal de bens primários: riqueza, renda,

oportunidades. O conteúdo da justiça social são as liberdades básicas, a não-

discriminação e as oportunidades igualitárias, estabelecendo uma nova forma de

estudar o contrato social adequada às novas exigências, considerando a diversidade de

contextos sociais no qual as diferentes sociedades estão inseridas e a construção de

mecanismos que promovam a justiça e os direitos fundamentais.

Ronald Dworkin e John Rawls analisam os sistemas de direitos e sistemas de

justiça dentro de uma visão democrática constitucional que compatibiliza a política

deliberativa e a promoção e defesa dos direitos fundamentais tendo em vista a sua

função primordial de estabelecer os limites da esfera pública e assegurar a autonomia

privada do indivíduo frente à atuação do Estado.

Dworkin, como republicano e Rawls como liberal, os debates se cruzam quando

os temas são sociedade, democracia constitucional e defesa dos direitos fundamentais.

Para Rawls o liberalismo vai buscar uma separação entre o público e o privado, e

a existência de um espaço político neutro, onde os princípios de justiça serão

acordados de forma imparcial (sob o véu de ignorância), com ações centradas no bem

74 RAWLS, 2008, p. 109

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comum.75 Ele também conceitua a sociedade como um sistema fechado, onde só entra

pelo nascimento, e sai pela morte. Este sistema fechado facilitaria aos cidadãos

compartilharem um objetivo comum e endossarem a mesma concepção política:

....É claro que na sociedade bem ordenada da justiça como equidade, os cidadãos

compartilham um objetivo comum, e um objetivo que tem grande prioridade, qual seja, o

de assegurar que as instituições políticas e sociais sejam justas e de garantir justiça às

pessoas em geral, em relação ao que os cidadãos precisam para si e querem uns para

os outros.76

Já Dworkin rompe com a ideia de um contratualismo moral rawlsiano, uma vez

que os indivíduos nunca assinaram o contrato de forma efetiva e propõe uma estratégia

de continuidade, ou seja, a existência de um marco moral a partir de uma ética liberal

igualitária que permitam compreender as noções de justiça e de igualdade. A

comunidade tem o direito de utilizar a lei para embasar a sua visão ética. 77

Dworkin defende a igualdade de recursos para a promoção dos bens primários

da teoria de John Rawls.

Para o autor, o critério integracionista afirma que os costumes, as crenças e a

religiosidade de seus membros determinam os mesmos valores da coletividade, unindo

os indivíduos à sua unidade social de pertencimento, obrigando-os a respeitar as

decisões majoritárias e obedecer às leis. A pretensão ética de Dworkin é estabelecer

uma sociedade justa, onde todos os indivíduos são tratados com igualdade e respeito.

Apesar das diferenças conceituais, mas de propósitos bem próximos entre os

dois doutrinadores, o que se busca é a construção de uma sociedade justa, onde cada

cidadão procura a estabilidade dos direitos fundamentais e a preservação das

liberdades básicas de forma a recepcionar a diversidade de culturas da sociedade

contemporânea.

75 LOIS, 2005, p. 25 76 RAWLS, 2000, p. 192 77 Cf. LOIS, 2005, p. 31

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3.3.1 A Cooperação como Forma de Gestão da Responsabilidade Social Empresarial

A cooperação é tanto possível quanto necessária à promoção da justiça social.

Embora a comunidade seja marcada por interesses comuns, costumes e valores,

existem muitos conflitos a serem dirimidos. A diversidade de interesses, crenças,

religiões, doutrinas levam a complexidade da relação humana, da sociologia e do papel

de cada instituição social na convivência harmoniosa das várias comunidades e seus

interesses.

A fraternidade, ao lado da igualdade e da liberdade – princípios do liberalismo -

justificam a cooperação entre os homens na busca do bem comum numa sociedade

pluralista.

Rawls ressalta a importância desses princípios para a construção da estrutura

básica da sociedade:

Os princípios derivados de um procedimento adequado de construção, um procedimento

que expresse corretamente os princípios e concepções indispensáveis da razão prática,

são os que considero razoáveis. [Principalmente ] quando os cidadãos compartilham

uma concepção razoável de justiça, dispõem de uma base sobre a qual a discussão

pública de questões políticas fundamentais pode acontecer, resultando numa decisão

razoável; não evidentemente, em todos os casos, mas esperamos que na maioria dos

casos envolvendo fundamentos constitucionais e questões de justiça básica. 78 (grifo

nosso).

A sociedade é tida para Rawls como um sistema equitativo de cooperação social

entre pessoas livres e iguais, plenamente cooperativos, inclusive das gerações que

estão por vir. As instituições da sociedade estão devidamente inseridas neste sistema

único de cooperação social. 79

Rawls entende por estrutura básica de uma sociedade as principais instituições

sociais, políticas e econômicas, e estas devem formar uma trama única e complexa, ou

seja, um sistema unificado de cooperação social entre as gerações atuais e futuras. 78 RAWLS, 2000, p. 28 79 Cf. RAWLS, 2000, p. 51

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Esta também deve ser a forma de articulação que as empresas devem trabalhar a

responsabilidade social empresarial.

A ideia de cooperação social envolve três elementos conforme salienta Rawls:80

1. A cooperação é guiada por regras e procedimentos devidamente

reconhecidos, aceitos e inseridos na conduta dos indivíduos;

2. A cooperação pressupõe a existência de termos equitativos que implicam em

reciprocidade por todos os cidadãos. Geralmente estes termos são princípios que

especificam os direitos e deveres fundamentais;

3. A cooperação requer sempre uma ideia de vantagem racional para os

participantes envolvidos no sistema equitativo. O projeto deve gerar um bem para todos

os indivíduos, famílias, associações.

A sustentabilidade está estruturada no princípio da cooperação, e assim justifica

o seu conceito mais aceito: “Desenvolvimento sustentável é aquele que atende às

necessidades do presente sem comprometer a possibil idade das gerações

futuras de atenderem as suas próprias necessidades” . 81 (grifo nosso).

A cooperação global para a sustentabilidade do planeta terá de ganhar

prioridade, de forma simples e transparente entre todos os líderes, seja de governo, de

empresas privadas e organizações da sociedade civil (Ongs). Ao governo cabe

desempenhar um papel ativo, de garantia das oportunidades e dos meios para alcançá-

las. Às empresas assumir uma postura de comprometimento com o desenvolvimento

econômico em todos os seus aspectos social, econômico e ambiental. Às ongs garantir

que as políticas públicas sociais cheguem em locais onde o governo não prioriza. A

economia do século XXI deve pautar nos princípios abrangentes da justiça social, do

manejo ambiental e da geração de oportunidades equitativas, renda e trabalho sadios.

As questões de justiça extrapolam a própria geração, são transmitidas para

outras, por isso a importância em escolher princípios cujas conseqüências podem ser

previsíveis, principalmente as ambientais, na utilização dos recursos naturais. As

conseqüências devem ser minimizadas independentes da geração na qual teve sua

origem.

80 Ibid, p. 59 81 Relatório Brudtland, 1987. Disponível em http://www.mudancasclimaticas.andi.org.br/node/91. Acesso em 16 agosto 2010

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A teoria da justiça ensina trabalhar com os dois princípios - da liberdade básica e

da igualdade eqüitativa das oportunidades. A responsabilidade social é a ferramenta

empresarial de promoção da justiça social, uma vez que a aplicação desses princípios

pode ser estendida à estrutura básica da sociedade como um todo. Os dois princípios

da justiça devem ser trabalhados de forma igualitária, em toda a estrutura básica do

sistema social, assegurando as liberdades básicas de cada pessoa, e sob o prisma do

princípio da diferença, no qual todos se beneficiam da cooperação social.

Rawls enfatiza que as desigualdades são permitidas desde que melhorem a

situação de todos. Quando a empresa fomenta ações afirmativas em prol das minorias,

desde que por período determinado, está abrindo um leque de oportunidades para a

inclusão, tornando-se política social – “A negação das liberdades iguais só pode ser

defendida se isso for essencial para a mudança das condições da civilização, de modo

que, no momento devido, essas liberdades possam ser usufruídas”.82

A agenda da responsabilidade social empresarial requer compromissos

compartilhados para a efetivação de ações e mecanismos para lutar contra a miséria,

contra o trabalho escravo e infantil, contra a fome e doenças, contra o analfabetismo e

contra o desaparecimento da diversidade biológica.

A cooperação é importante como metodologia de trabalho e alcance dos

resultados, assim como é preciso outro modelo de cooperação para o alcance da

justiça social global, ou seja, um modelo que supere essa falta de liderança e

comprometimento com políticas públicas sociais e econômicas.

A cooperação global para o desenvolvimento sustentável basear-se-á em

acordos internacionais e políticas de incentivo aos diversos atores sociais tendo em

vista que a sustentabilidade permeia por diversas áreas. Os empresários e as

organizações da sociedade civil desempenharão um papel ampliado e estratégico no

modelo de cooperação global. As empresas modernas e as grandes corporações

multinacionais possuem e dominam as melhores técnicas de gestão e as tecnologias

mais avançadas devido ao alto capital acumulado com a produção de bens e serviços

em grande escala.

82 RAWLS, 2008, p. 164

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Neste momento, o instituto da função social da propriedade, e, por conseguinte,

a implementação da responsabilidade social empresarial juntamente com o governo,

garantindo medidas de incentivo ao setor privado, e as ONGs para efetivar as ações e

programas socioambientais formam um mecanismo harmônico e estratégico de

fortalecimento da cidadania.

3.4 TEORIA LIBERTARISTA: A PROMOÇÃO DAS LIBERDADES SUBSTANTIVAS

O fundamento da teoria igualitarista de Amartya Sen é que a vida é feita de

escolhas genuínas, e ninguém deve ser forçado a viver de uma “determinada” forma,

pela qual o indivíduo não possui controle, por melhor que ela possa vir a ser sob outros

aspectos:

A perspectiva da capacidade é uma concepção da igualdade de oportunidades que

destaca a liberdade substantiva que as pessoas têm para levar suas vidas. Ela focaliza o

que as pessoas podem fazer ou realizar, quer dizer, a liberdade para buscar os seus

objetivos. As “oportunidades reais” (ou “substantivas”) de que uma pessoa dispõe para

realizar, entre outras coisas, “objetivos ligados ao bem-estar” são representadas por sua

capacidade.

(...)

Oportunidades reais ou substantivas envolvem mais do que disponibilidade de recursos.

Capacidades são poderes para fazer ou deixar de fazer (incluindo formar, escolher,

buscar, revisar e abandonar objetivos), sem os quais não há escolha genuína... Ser

carente de habilidades e talentos consiste numa limitação da liberdade de ter e fazer

escolhas. 83

A prática da responsabilidade social pelas empresas aumenta a disponibilidade

de “oportunidades reais” para as pessoas que não possuem acesso às políticas

públicas. Para Sen as oportunidades reais sofrem influências de uma série de fatores

83 SEN, 2008, p. 13

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tais como recursos, talentos, condicionamentos, direitos dentre outros. Já a liberdade

de um indivíduo pode ser aferida não apenas pela renda, mas também pelos bens e

serviços colocados à disposição da comunidade: “quanto maior a extensão desse

conjunto de oportunidades, maior a liberdade individual”.84

As pessoas podem ter o seu acesso às oportunidades limitados por recursos

orçamentários; circunstâncias individuais (idade, talento, deficiência física, gênero,

etnia) e sociais (estrutura da família, segurança pública, saúde pública, educação) que

podem variar de acordo com os bens e serviços disponibilizados.

Sen sugere que uma teoria igualitária deve prestar atenção nas capacidades

básicas das pessoas, ou seja, aos seus desempenhos individuais.85 Estes

desempenhos podem ser: conquista de auto-respeito, estado nutricional (saúde),

escolaridade, ambiente familiar, entre outros. Deve-se prestar atenção aos elementos

socioeconômicos que compõem a comunidade na hora de elaborar uma política

igualitária. Para Sen, as propostas de bem-estar coletivo requerem uma medida

igualitária subjetiva, e a proposta de John Rawls é um tanto, para ele, objetiva demais.

O equilíbrio entre as duas propostas do igualitarismo é a melhor alternativa. 86

Os igualitaristas John Rawls, Robert Nozick e Ronald Dworkin, assim como Sen

pedem mecanismos de justiça, além de tratamento e níveis de bem-estar iguais para

todas as pessoas, independente de sua renda monetária e status social, respeitando a

ampla diversidade humana como variável de avaliação da igualdade: “ A avaliação das

demandas de igualdade tem de ajustar-se à existência de uma diversidade humana

generalizada”.87

Ao contrário dos utilitaristas que requerem a maximização da soma total das

utilidades de todas as pessoas consideradas em conjunto, dando ênfase aos pesos

iguais dos ganhos e perdas de utilidades; os igualitaristas afirmam que querer a

igualdade de alguma coisa importante requer o cumprimento das exigências de igual

satisfação de necessidades num espaço e tempo determinados.88

84 SEN, loc. cit. 85 GARGARELLA, 2008, p. 74 86 Ibid, p. 76 87 SEN, 2008, p. 29 88 Ibid, p. 44

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A responsabilidade social empresarial tem como finalidade promover a igualdade

de oportunidades, liberdades e de acessos. A decisão ética juntamente com o princípio

da responsabilidade de Hans Jonas respalda as ações e iniciativas sociais junto à

comunidade e sustenta a criação de um tratamento não-discriminatório aos diversos

grupos sociais, assim como a facilidade de aceitação por parte de todos os integrantes.

A ética da igualdade tem de considerar a amplitude das diversidades presentes em

diferentes espaços sociais - a sociedade pluralista – no reconhecimento das diferentes

formas de liberdade.

O trabalho em parceria com outras entidades sociais e empresas do setor num

mundo globalizado resulta em uma ética do desenvolvimento, com visões e

expectativas diferenciadas que formam uma base informacional imparcial dos direitos

humanos, sobre os espaços e sobre as oportunidades que podem ser oferecidas à

comunidade na promoção de direitos, utilidades, rendas, recursos e acesso aos bens

primários conforme ressalta Amartya Sen:

La base de los derechos humanos, la justicia social y los deberes individuales y

colectivos, una ética del desarrollo examinará cómo un mundo globalizado es una ayuda

o un obstáculo para que los individuos y las instituciones cumplan su obligación moral de

respetar los derechos.89

E continua na defesa do esforço mundial efetivo dos direitos humanos:

Es sobre esta base [imparcial ] que muchas sociedades han introducido nueva

legislación sobre derechos humanos y han dado poder y voz a los defensores de

derechos a ciertas libertades, incluida la no discriminación entre miembros de diferentes

razas o entre mujeres y hombres, o la liberdad básica al derecho de expresión razonable.

Los abogados del reconocimiento de una clase más amplia de derechos humanos

tenderán, por supuesto, a exigir más, y la búsqueda de los derechos humanos es,

comprensiblemente, un proceso continuo e interactivo.90 (grifo nosso).

89 SEN, 2010, p. 413 90 SEN, 2010, p. 418

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Outro elemento da teoria igualitarista de Amartya Sen é a capacidade sobre a

avaliação do bem-estar e a liberdade para buscar este bem-estar – “a capacidade é um

conjunto de vetores de funcionamentos, refletindo a liberdade da pessoa para levar um

tipo de vida ou outro”.91 A capacidade está intrinsecamente relacionada com as

oportunidades reais a serem colocadas à disposição das pessoas, colaborando para a

construção de uma boa estrutura social.

Esta estrutura social deve estar sobre uma base de disponibilidade de bens,

recursos e serviços que estão ao alcance de uma pessoa, e também aos instrumentos

para realizar o bem-estar ou outros objetivos, sendo, portanto “mecanismos” para a

liberdade.

A responsabilidade social empresarial deve focar as suas ações de forma a dar

condições para a pessoa agir livremente e ser capaz de escolher dentre as

oportunidades colocadas à sua disposição em uma comunidade. O empresário ou

gestor público deve ser o agente da mudança e da promoção do bem-estar coletivo

estejam eles conectados ou não ao seu próprio interesse – ele deve concentrar

esforços na busca da totalidade de um objetivo constitutivo do bem-estar da

comunidade.

Para Amartya Sen o aspecto do bem-estar é essencial para a busca da justiça

social através da promoção de políticas públicas de segurança pública, redução da

pobreza e das desigualdades econômicas e sociais. Problemas de injustiças e

desigualdades socioeconômicas entre diferentes classes sociais repousam numa base

forte de disparidades sociais.

As políticas públicas de promoção da igualdade social podem ser definidas entre

dois vieses opostos, a de igualdade de aproveitamentos (positivo) ou de igualdade

nas insuficiências (negativo) com relação aos valores máximos que cada pessoa tem

condições de realizar. Sendo que para a igualdade de aproveitamento de realizações

devem-se comparar os níveis efetivos de realização do ambiente coletivo. Já para a

igualdade de insuficiência devem-se comparar estas insuficiências com as

respectivas realizações máximas, levando ao uso igualitário dos respectivos potenciais

à disposição de cada pessoa. Segundo Sen, não é possível valorar qual critério é o

91 SEN, 2008, p. 80

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melhor para a implementação das políticas públicas sociais de redução das

desigualdades tendo em vista que a diversidade humana é complexa (sexo, idade,

ambiente, cor, etnias entre outros), e a tendência dessas políticas é considerar todas as

pessoas como similares, ou seja, possuidoras dos mesmos potenciais máximos. Mas

esses critérios auxiliariam na análise sistêmica da distribuição e geração do bem-estar

social.

Nesse contexto analisar a importância do mercado produtivo e das empresas

para a promoção ou privação de liberdades substantivas torna-se um referencial a ser

observado pelos entes públicos para implementação de políticas públicas de bem-estar

social, e Amartya Sen reforça este entendimento:

Existem muitas evidências empíricas de que o sistema de mercado pode impulsionar o

crescimento econômico rápido e a expansão dos padrões de vida. Políticas que

restringem oportunidades de mercado podem ter efeito de restringir a expansão de

liberdades substantivas que teriam sido geradas pelo sistema de mercado,

principalmente por meio da prosperidade econômica geral.92

É importante ressaltar que as disparidades sociais não têm um fundo somente de

recursos e rendas, existem muitas categorias de benefícios diferenciais. E as práticas

de responsabilidade social empresarial visam atenuar estas disparidades existentes,

principalmente, no ambiente de trabalho, podendo estender para políticas públicas de

desenvolvimento para a erradicação da pobreza e da desigualdade dentre outras desde

que as ideias de justiça e de igualdade social estejam contempladas.

Os conceitos de direitos humanos, liberdades políticas e básicas, oportunidades

sociais, políticas e econômicas são temas centrais e recorrentes das teorias igualitárias.

Para combater os problemas sociais e econômicos que os países estão enfrentando:

pobreza, analfabetismo, moradia, educação, saúde e meio ambiente, o alcance da

liberdade individual deve ser visto como um comprometimento social de todos os entes

públicos e privados.

92 SEN, 2000, p. 41

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78

Para Sen, o desenvolvimento é um processo de expansão das liberdades reais

que as pessoas desfrutam. E estas dependem de serviços sociais e econômicos

colocados à disposição da sociedade, tais como: educação, saúde, trabalho, moradia,

transporte, energia, cultura, dentre outros alinhados aos direitos civis e políticos. O

desenvolvimento requer que se removam as barreiras de privação da liberdade:

pobreza, carência de oportunidades econômicas e destituição social, negligência dos

serviços públicos e assistência social, guerra e Estados autoritários e repressivos.

As empresas contribuem para o crescimento econômico e o desenvolvimento

regional, por isso a liberdade de participar das políticas comerciais e do intercâmbio

econômico aumentam as oportunidades de desenvolvimento. O desenvolvimento deve

ser visto como um processo interligado de expansão de liberdades substantivas. Não

podemos esquecer os valores sociais e costumes de cada comunidade que podem

inclusive influenciar as liberdades que as pessoas desfrutam e prezam. O exercício da

liberdade é mediado por valores, que são mediados por discussões públicas e

interações sociais, e estas por liberdades de participação.

Sen enfatiza a concepção dos fins e os meios do desenvolvimento, e

crescimento econômico é número, quantidade, diferente de desenvolvimento, que é

qualidade de vida dos indivíduos e expansão das liberdades básicas. Muitas pessoas

são privadas de acesso a serviços de saúde, educação, saneamento básico e água

tratada, oportunidades de emprego, segurança econômica e social, o que aumenta a

ausência de direitos e liberdades democráticas. As liberdades políticas e civis são

elementos constitutivos da liberdade humana, por isso a sua negação é tida como

deficiência de processos ou de oportunidades inadequadas. Tanto o processo como as

oportunidades influenciam no desenvolvimento como liberdade.

O papel da renda e da riqueza deve ser analisado de forma integrada com outras

influências socioeconômicas e ambientais, ressaltando a importância da visão holística

da comunidade. A pobreza é a base informacional da privação das capacidades

básicas. O desemprego é outro indicador de deficiência de renda, que pode ser

compensada pelo Estado, mas exerce um efeito negativo sobre a liberdade, a iniciativa

e as habilidades dos indivíduos, pois contribui para a exclusão social, perda de

autonomia, autoconfiança, saúde física e psicológica. A qualidade de vida e as

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liberdades substantivas estão alinhadas com os números dos indicadores econômicos

na avaliação do desenvolvimento econômico e social de uma região. A negação de

oportunidades de trocas, a implementação de políticas que restringem as oportunidades

e transações econômicas arbitrárias podem gerar uma privação de liberdade devido à

ausência de mercados consumidores.

Amartya Sen considera o desenvolvimento como um processo de expansão das

liberdades reais a serem disponibilizadas para os indivíduos, sendo que as liberdades

são consideradas como “fim primordial” e “meio”, ou ainda “papel constitutivo” e “papel

instrumental” no desenvolvimento pleno da pessoa humana. Os dois papéis estão

interligados nas relações do processo de desenvolvimento. As liberdades substantivas

incluem as capacidades elementares como: alimentação, saúde, educação,

participação política, liberdade de expressão e de associação, dentre outras. O papel

instrumental da liberdade está voltado para o modo como diferentes tipos de direitos,

oportunidades e bens contribuem para a expansão da liberdade humana. A eficácia da

liberdade como instrumento está na inter-relação e na interdependência dos vários tipos

de liberdade:

O desenvolvimento como liberdade não pode deixar de levar em conta essas privações.

A relevância da privação de liberdades políticas ou direitos civis básicos para uma

compreensão adequada do desenvolvimento não tem de ser estabelecida por meio de

sua contribuição indireta a outras características do desenvolvimento (como o

crescimento do PIB ou a promoção da industrialização. Essas liberdades são parte

integrante do enriquecimento do processo de desenvolvimento. A relevância do papel

instrumental da liberdade política como um meio para o desenvolvimento de modo

nenhum reduz a importância avaliatória da liberdade como um fim do desenvolvimento.

(grifo nosso). 93

A liberdade é um indicador de desenvolvimento social e econômico de um país,

assim, classifica as liberdades instrumentais em cinco tipos: 1) as liberdades políticas,

2) facilidades econômicas, 3) oportunidades sociais, 4) garantias de transparência e 5)

segurança protetora. As políticas públicas devem ser concebidas para promoverem

93 SEN, 2000, p. 53

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estas liberdades, que são interdependentes e inter-relacionadas, pois uma fortalece a

outra.

As liberdades políticas incluem os direitos civis, e compreendem as

oportunidades que os cidadãos possuem de voto (escolha dos seus representantes),

fiscalização, participação política, liberdade de expressão e associação, uma imprensa

livre e independente, enfim os direitos políticos democráticos.

As facilidades econômicas são as oportunidades que os indivíduos têm para

utilizar os recursos econômicos: consumo, produção, financiamento ou troca.

As oportunidades sociais são os serviços e políticas públicas colocadas à

disposição da sociedade: educação, saúde, transporte, moradia, saneamento básico,

água tratada, que influenciam diretamente a liberdade substantiva da qualidade de vida

dos indivíduos.

As duas últimas liberdades referem-se às interações sociais, a harmonia da

convivência social que requer uma base de confiança e segurança. As garantias de

transparência estão associadas ao direito de informação livre e independente, de

revelação como instrumentos inibidores da corrupção, da irresponsabilidade político-

financeira e de transações ilícitas. A segurança protetora é importante para assegurar

uma rede de segurança jurídica e social, com instituições bem ordenadas, garantidoras

dos serviços públicos eficientes e eficazes e do sistema econômico.

Essas liberdades instrumentais aumentam diretamente as capacidades das pessoas,

mas também se suplementam mutuamente e podem, além disso, reforçar umas às

outras. É importante apreender essas interligações ao deliberar sobre políticas públicas

de desenvolvimento. [Por exemplo ]: a criação de oportunidades sociais por meio de

serviços como educação pública, serviços de saúde e desenvolvimento de uma imprensa

livre e ativa pode contribuir para o desenvolvimento econômico e para a redução

significativa das taxas de mortalidade. A redução das taxas de mortalidade, por sua vez,

pode ajudar a reduzir as taxas de natalidade, reforçando a influência da educação básica,

em especial da alfabetização e escolaridade das mulheres, sobe o comportamento das

taxas de fecundidade. (grifo nosso). 94

94 Ibid, p. 57

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81

A responsabilidade social empresarial trabalha na promoção das liberdades

individuais, sendo assim é importante no momento do diálogo social com os demais

parceiros, ter esse olhar abrangente para examinar as determinantes intrínsecas e de

amplo alcance do processo de desenvolvimento. Muitas vezes, a empresa, pela sua

importância política e institucional na região, pode ter o seu papel determinado na

articulação e fortalecimento de políticas públicas sociais de forma a aumentar o alcance

das liberdades individuais.

As liberdades individuais são influenciadas, de um lado, pela garantia social de

liberdades, tolerância e possibilidade de troca e transações. Também sofrem influência,

por outro lado, do apoio público substancial no fornecimento das facilidades (como

serviços básicos de saúde, educação fundamental) que são cruciais para a formação e o

aproveitamento das capacidades humanas. É necessário atentar a ambos os tipos de

determinantes das liberdades individuais.95

Isso mostra a importância da responsabilidade social empresarial vincular os

seus programas de responsabilidade social às políticas públicas governamentais na

área de saúde, educação, moradia, proteção à criança e ao adolescente, pesquisa e

tecnologia, dentre outras de direitos sociais e econômicos. Esses direitos e

oportunidades estão entrelaçados numa malha de responsabilidades das instituições

ordenadas, sociedade civil, organizações não-governamentais e entidades

cooperativas, e os seus papéis instrumentais devem ser levados em conta na promoção

de políticas públicas. Os fins e os meios do desenvolvimento devem ser colocados no

centro da atenção desse relacionamento compartilhado de responsabilidades.

As privações ou limitações socioeconômicas devem ser vistas num nível mais

fundamental, próximo das demandas informacionais da justiça social, como por

exemplo, a pobreza deve ser vista como privação das capacidades, e não como baixo

nível de renda. As limitações assumem formas diferentes em cada região:

desemprego, doença, baixo nível educacional, exclusão social. A liberdade pode ser

tolhida pela inexistência de escolhas, de oportunidades, com reflexos econômicos e

sociais.

95 Ibid, p. 59

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Estes são problemas polêmicos, e a ótica qualitativa da justiça social deve estar

alinhada com os índices, com os indicadores econômicos, pois uma situação pode ser

eficiente de acordo com o princípio da otimalidade de Pareto, que é uma referência

para a justiça social: uma situação pode ser eficiente no sentido de que a utilidade ou a

liberdade substantiva de qualquer pessoa não pode ser aumentada sem diminuir a

utilidade ou a liberdade de alguma outra pessoa. Este contexto requer também uma

discussão social ampla e profunda com os diversos atores políticos, sociais e

econômicos para ocasionar mudanças significativas e de transformação social – o

compromisso social entre diferentes instituições.

Deve-se buscar sempre a equidade nas questões relacionadas às privações e

pobreza, e a intervenção social através de políticas públicas governamentais ainda é o

melhor caminho a ser seguido, e assim as teorias normativas constituem uma base

informacional útil para as políticas de combate às privações.

Para Sen as liberdades políticas devem ser asseguradas e priorizadas mesmo

que haja conflito entre a satisfação das necessidades econômicas e sociais, pois o

fortalecimento do sistema democrático é uma garantia do processo de desenvolvimento

por três razões: 96

1) sua importância direta para a vida humana associada a capacidades básicas

(capacidade de participação política e social);

2) seu papel instrumental de aumentar o diálogo social de atenção política (as

reivindicações de necessidades econômicas);

3) seu papel construtivo na conceituação de necessidades (a compreensão das

necessidades econômicas em um contexto social).

Assim, a importância das instituições atuarem no fortalecimento dos direitos civis

e das liberdades políticas de forma a evitar prejuízos ambientais, sociais e crises

econômicas para a região, garantindo a amplitude e o alcance do processo

democrático.

É importante conhecer e utilizar estes referenciais teóricos para a implementação

de programas de responsabilidade social e políticas públicas integradas.

96 SEN, 2000, p. 175

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4 A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: RECEPÇÃO N A

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DESSA PREMISSA PELOS PRINCÍPIO S DA

SOLIDARIEDADE E DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

O século XIX é caracterizado pelo sistema laissez-faire nas relações

econômicas, com os seguintes preceitos: propriedade privada, trabalho livre, livre

iniciativa e ampla competição. Ao governo cabia o papel de protetor do direito de

propriedade e da defesa nacional, do estabelecimento de medidas monetárias, além de

prover toda a infraestrutura necessária ao escoamento da produção industrial tanto

para o mercado interno quanto para o externo. O laissez-faire é um sistema auto-

regulável, motivado pelo interesse dos empresários e regulado pela competição.

O período Pós-Guerra é marcado pelo surgimento das constituições

democráticas, e os valores sociais são priorizados em detrimento do pensamento liberal

individualista. As constituições são tomadas pelos valores sociais e se tornam

paradigmas para as legislações infraconstitucionais. As relações públicas e privadas

não podem mais ser interpretadas sem os novos valores políticos, sociais e

econômicos, principalmente da dignidade humana conforme assegura Pedro Oliveira da

Costa:

Delineia-se um novo quadro, inspirado por novos valores. Os valores liberais sobre os

quais se erigia a antiga dogmática jurídica são substituídos por valores sociais. As

grandes figuras do direito privado são revisitadas, entranhadas por princípios

constitucionais que determinam que a dignidade da pessoa humana deve ser respeitada

acima de todas as coisas (CF,art. 1º, III); que a erradicação da pobreza e a redução das

desigualdades sociais deve ser buscada a todo custo (CF, art. 3º, III); que o

desenvolvimento econômico tem por finalidade última assegurar a todos uma existência

digna (CF, art. 170, caput).97

No final do século XIX e início do século XX as Constituições são absorvidas por

um senso coletivo de justiça social e dignidade da pessoa humana, deixando a ênfase

97 COSTA, 2005, p. 48

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das normas orgânicas em relação à formação do Estado e atuação de outros entes de

direito público, e passando a tratar outros temas de interesses econômico-sociais,

protegendo bens e direitos coletivos e difusos: proteção do meio ambiente; função

social da propriedade e dos contratos; igualdade entre homens e mulheres; proteção ao

consumidor dentre outros, principalmente no estabelecimento de princípios que

direcionam para uma nova interpretação do Direito Civil – constitucionalização do direito

civil.98 Francisco Cardozo Oliveira reafirma esta nova interpretação harmônica dos

interesses do proprietário em face dos interesses sociais:

(...) aumentaram as exigências de observância pelo proprietário de imposições de

natureza social, de modo a viabilizar a adaptação do exercício dos poderes proprietários

a uma realidade social e econômica com menos ênfase individualista, ainda que

orientada pelos valores do liberalismo econômico (...) o proprietário não pode deixar de

observar o princípio de função social na utilização da coisa objeto da propriedade.

A intensificação das demandas sociais no século XX alterou o perfil da Constituição e do

Estado que passaram a tutelar os chamados direitos sociais e a incorporar regras de

intervenção no domínio econômico. O Estado liberal, que exprimiu a ideologia do

liberalismo econômico, cedeu lugar ao Estado do bem-estar social, que assumiu a tarefa

de aprofundar a democracia e de perseguir o objetivo de igualdade substancial. 99

As Constituições passam a conter os direitos fundamentais e sociais dos

cidadãos ditados pela formação do Welfare State, e posteriormente pelo Estado

Democrático de Direito. Os princípios de direito privado são absorvidos pelas

Constituições, que são permeadas por princípios como igualdade, liberdade,

solidariedade e dignidade humana, promovendo amplamente os valores do interesse

social e da justiça social nas relações privadas100, assim como a funcionalização do

direito das obrigações como salienta Rosalice Fidalgo Pinheiro:

No Estado Democrático de Direito, os valores e princípios fundamentais do Direito

Privado transitam para a esfera política. Ao transpor as barreiras que separavam o

público do privado, o Estado toma para si a tarefa de tutela e realização dos direitos

98 RAPOSO, 2002, p. 79 99 OLIVEIRA, 2006, p. 111 e p. 173 100 BARROS DIAS, 2002, p. 14

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fundamentais e de pleno desenvolvimento da pessoa. Trata-se, em última instância, da

esfera política definindo os valores do Direito Privado e conferindo-lhe feição

democrática. Com efeito, o contrato, situação subjetiva patrimonial construída sob a

inspiração do liberalismo, é chamado a funcionalizar-se às relações existenciais. 101

Os movimentos ambientalistas e sociais do século XX revolucionaram o

pensamento jurídico-ideológico dos países do ocidente. A partir de então, a criação e

aplicação dos institutos jurídicos em lides de qualquer natureza deveria estar em

conformidade com os princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana tão

presentes nas constituições sociais. Na afirmação de Anderson Schreiber, o princípio

da solidariedade é o grande corolário da priorização do interesse coletivo sobre o

interesse individual:

A solidariedade social consubstancia-se, sem dúvida alguma, em um dos principais

vetores do direito contemporâneo. A influência dos ideais solidários e do reconhecimento

do caráter normativo do princípio da solidariedade social, por toda parte difundido,

provocou efeitos revolucionários em diversos setores do direito privado, temperando sua

histórica orientação liberal e individualista. Também na responsabilidade civil, esta

influência se fez sentir intensamente. Muito além da costumeira alusão às hipóteses

legais de responsabilidade objetiva, a solidariedade social promoveu radical

transformação na própria função atribuída a este ramo jurídico, especialmente por meio

de uma gradativa conscientização de que o escopo fundamental da responsabilidade civil

não deve ser a repressão a condutas negligentes, mas a reparação dos danos.102

Tendo o princípio da dignidade da pessoa humana como o grande norteador dos

demais princípios, não é possível contextualizar o direito de propriedade como uma

relação intersubjetiva diante do princípio da função social. A mudança de paradigmas

do liberal, que serve aos interesses de uma mesma classe, para o social, onde

predomina os interesses da coletividade, faz com que o Estado assuma uma posição

ativa no cenário econômico e a Constituição passa a contemplar em seus dispositivos

as chamadas “situações jurídicas subjetivas” absorvidas pelo princípio do solidarismo

constitucional conforme ressalta Rosalice Fidalgo Pinheiro:

101 PINHEIRO, 2009, p. 38 102 SCHREIBER, 2007, p. 212

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Firma-se a ideia que não há direitos “absolutos” e ilimitados, como pretensamente o

individualismo colocou, ao tomar o homem como ser isolado, como se não estivesse

inserido na sociedade. As “situações jurídicas subjetivas” constituem-se em um complexo

de direitos, prerrogativas e deveres, que são conferidos e impostos ao sujeito de direito

em função de um critério axiológico, no qual não se tutela apenas o interesse do titular,

mas de toda uma coletividade, expressando-se como a melhor manifestação do

solidarismo ou socialismo. Enquanto o direito subjetivo “nasceu para exprimir um

interesse individual e egoísta, a noção de situação subjetiva complexa, configura a

função de solidariedade presente ao nível constitucional”.103

Embora os princípios abordados neste capítulo sejam tidos também como

cláusulas gerais na Constituição Federal, e sua finalidade é contribuir para a

hermenêutica do direito com diretivas econômicas, sociais e políticas conforme enfatiza

Judith Martins-Costa:

As cláusulas gerais constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no

ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos

legislativamente, de Standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de

comportamento, das normativas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e

políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento positivo.104

A importância desses princípios para a prática da responsabilidade social

empresarial é ímpar tendo em vista que o direito de propriedade é o ponto de partida

para o estudo do Direito Empresarial e suas relações com a comunidade. Para John

Locke os três bens naturais que são invioláveis correspondem: a vida, a propriedade e

a liberdade.105 Esses bens são oponíveis ao Estado e aos particulares, e o Estado

Social reconhece esses bens como princípios fundamentais e princípios da ordem

econômica. Sendo assim, a responsabilidade social empresarial enquanto mecanismo

de efetivação dos direitos fundamentais deve também tutelar estes bens para a sua

103 PINHEIRO, 2002, p. 28 104 MARTINS-COSTA, 1999, p. 274 105 LOCKE, John. The second treatise of civil government (1690). Disponível em http://oregonstate.edu/instruct/phl302/texts/locke/locke2/2nd-contents.html. Acesso em 21 abr. 2011

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legitimidade perante as partes interessadas (stakeholders) tanto públicas quanto

privadas.

Cabe ressaltar a eficácia transnacional dos direitos fundamentais consagrados

nos tratados internacionais e tidos como instrumentos jurídicos da responsabilidade

social empresarial, assim como a funcionalização do direito de propriedade empresarial

conforme ressalta Francisco Cardozo Oliveira:

A função social na propriedade empresarial contempla elementos econômicos e sociais

que devem ser objetivados mediante reflexão teórica e construção jurisprudencial em

linha de complementaridade com a premissa de desenvolvimento econômico sustentável,

a partir da correlação entre direitos fundamentais, ordem econômica e meio ambiente

equilibrado (arts. 5º, 170 e 225 da CF).106

Mediante a consideração de elementos socioeconômicos incorporados aos conceitos de

posse e propriedade, é possível determinar a extensão da funcionalização e a

reorientação humanista da posse e do direito de propriedade perseguida pelo direito civil

contemporâneo.107

O princípio da socialidade está fortemente presente no Direito Privado,

submetendo a ordem econômica aos interesses da coletividade, assim possibilita uma

interpretação harmoniosa da autonomia da vontade tanto na propriedade, na empresa e

nos contratos – “a interligação entre propriedade, contrato e empresa, pelo qual todos

esses institutos devem, além de cumprir o seu papel econômico, igualmente

desempenhar a sua função social, sempre privilegiando os interesses da sociedade em

detrimento de vantagens individuais”.108

A justiça social foi recepcionada pela Constituição de 1946, e a partir de então a

busca pelo equilíbrio da ordem econômica e social perpassa as Constituições

subseqüentes. Os direitos econômicos, sociais e culturais juntamente com os direitos

civis e políticos são vistos de forma indivisível calcados na dignidade humana, na

valorização do trabalho, na função social da propriedade e na solidariedade dentre

outros.

106 OLIVEIRA, 2008, p.3 107 OLIVEIRA, 2006, p. 80 108 GOMES, 2006, p. 134

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A Carta Constitucional de 1988 reúne de forma harmônica os princípios e valores

da justiça social alinhados com a ordem econômica, com a valorização do trabalho e

com a construção de uma sociedade justa e solidária, sendo a base estruturante da

responsabilidade social empresarial.

4.1 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E A FUNÇÃO SOCIAL

DA EMPRESA

Não se pode perder de vista a importância da empresa enquanto agente social

de uma economia globalizada109. A sua função está intrinsecamente relacionada com o

desenvolvimento econômico e regional das comunidades nas quais está inserida,

gerando empregos, sustento de famílias, recolhimento de tributos e papel articulador

das políticas públicas regionais dentre outros, garantido os resultados socioeconômicos

pretendidos pelo Estado.

Esse inter-relacionamento entre empresas e políticas econômicas e sociais

demonstra o quanto a empresa está inserida no desenvolvimento sustentável do país,

operando sob o patrocínio e ajuda efetiva do Poder Público, e atualmente, com a

implementação da responsabilidade social em sua gestão estratégica, a empresa torna-

se parceira e agente da realização de políticas públicas do Estado.110

A interação empresa e economia podem proporcionar benefícios para a

sociedade, e ao mesmo tempo gerar lucro para os acionistas, tornando-se um elo

interdisciplinar nas relações entre negócios privados. O princípio da função social da

propriedade adéqua a propriedade à realidade socioeconômica, podendo ser utilizada

na realização de direitos humanos elementares111. Os requisitos a serem cumpridos

pela função social estão alinhados a economia para Getulio Targino Lima:

109 TOKARS, 2002, p.78 110 COMPARATO, 1977, p. 212 111 HOLANDA COUTINHO, 2002, p. 69

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(...) no final do século XIX, a teoria da função social, pela qual o conceito de propriedade

perde a condição de absoluto, sujeitando-se ao cumprimento da mencionada função

social, a qual atribui à propriedade um conteúdo específico, que lhe configura, inclusive,

um novo conceito, uma redefinição de seus elementos essenciais e integrantes.

É assim que a Constituição Federal garante o direito de propriedade, mas cobra o

cumprimento de sua função social.

Tem-se, no momento, mencionado o caráter socioeconômico da propriedade.112

A função social da propriedade não se restringe apenas ao seu limite externo,

mas é parte integrante do conceito de direito da propriedade, adequando o seu

conteúdo em relação a cada tipo de bem tutelado como pode ser visto na decisão do

tribunal espanhol:

(...) esa dimensión social de la propriedad privada, en cuanto institución llamada a

satisfacer necesidades coletivas, es en todo conforme con la imagen que de aquel

derecho se ha formado la sociedad contemporânea y, por ende, debe ser rechazada la

idea de que la previsión legal de restriciones a las otrora tendencialmente ilimitadas

facultades de uso, disfrute, consumo e disposición o la imposición de deberes positivos al

propietário hagan irreconocible el derecho de propiedad como perteneciente al tipo

constitucionalmente descrito. Por otra parte, no cabe olvidar que la incorporación de tales

exigencias a la definición misma del derecho de propiedad responde a principios

establecidos e intereses tutelados por la propia Constitución.113

A importância em interpretar este princípio, sem restringir aos seus limites

externos, é lição aprendida também com Pietro Perlingieri:

A função social predeterminada para a propriedade privada não diz respeito

exclusivamente aos seus limites (…). A função social, construída como o conjunto dos

limites, representaria uma noção somente do tipo negativo voltada a comprimir os

poderes proprietários, os quais sem os limites, ficariam íntegros e livres. Este resultado

está próximo à perspectiva tradicional. Em um sistema de solidariedade política,

econômica e social e ao pleno desenvolvimento da pessoa, o conteúdo da função social

assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de

112 LIMA, 2002, p. 165 113 RUIZ MIGUEL, 2009, p. 272

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propriedade e as suas interpretações deveriam ser atuadas para garantir e para

promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento. 114

Citando, novamente, Getulio Targino de Lima não se pode confundir limites ao

direito de propriedade com função social da propriedade, pois a “função social da

propriedade não se apresenta como limitação da propriedade, mas como uma

finalidade legitimadora do título dominial”.115

O princípio da função social que tanto prestigia a autonomia privada em atender

aos interesses coletivos reveste tanto a propriedade como o contrato enquanto

instrumento jurídico das operações econômicas de produção e distribuição de riquezas.

O contrato é o instituto fundamental na economia e também foco de atenção do Estado

na busca de soluções de desenvolvimento e justiça social116, com preceito de ordem

pública que visa a dignidade e a socialidade, fazendo com que a interpretação do

contrato ultrapasse os limites do individualismo e alcance os interesses da sociedade e

da justiça social117 – desenha-se a passagem do individualismo para o solidarismo,

sobrepondo o interesse da coletividade sobre o individual118 - conforme assinala

também Francisco Cardozo Oliveira:

A função social no contrato, não depende apenas do querido individualmente pelas

partes; antes ela surge para os contratantes do modo como configurado o contexto social

e econômico em que celebrado o contrato, em que inseridos os contratantes e os fins e

interesses sociais que daí se revelam para toda a coletividade. Quem celebra contrato de

consumo no Brasil, por exemplo, que está inserido no modelo da sociedade de consumo

numa economia de capitalismo periférico, está comprometido com a função social do

contrato voltada para a finalidade de assegurar o acesso a bens, na medida em que esse

acesso qualifica não apenas a posição dos contratantes, mas a de inúmeras outras

pessoas de partícipes das riquezas produzidas em sociedade. 119

Nessa esteira, os princípios da função social, da solidariedade e da dignidade da

pessoa humana devem respaldar todos os contornos da eficácia dos contratos e da

114 PERLINGIERI, 2007, p. 226 115 LIMA, 2002, p. 180 116 GRAU, 2002, p. 132 117 RAPOSO, 2002, p. 87 118 PINHEIRO, 2007, p. 73 119 OLIVEIRA, 2011, p.9

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propriedade, afastando o individualismo das obrigações e dando lugar ao interesse

coletivo, “recebendo a influência do meio social e expandindo seus efeitos ao meio

social (enfim, deixa de ser um fim em si mesmo, relacionando se com a sociedade)”.120

A autonomia privada está alinhada com o princípio da função social, em

harmonia com os princípios da solidariedade social e da dignidade da pessoa humana,

não podendo mais destes ser interpretada isoladamente:

A função social da empresa deve ser exercida em prol do cidadão e observando-se os

demais preceitos de ordem pública, tais como a proteção do consumidor, a valorização

do trabalho e da dignidade humana, além da defesa do meio ambiente. Quando a

empresa passa a extravasar o seu objeto social e a atuar também na busca da melhoria

da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável, de forma organizada, dirigida e

harmônica, a função social plena será a resultante.121

A presença do princípio da função social nas Constituições consolida a harmonia

e o equilíbrio das relações econômicas entre a autonomia privada e a solidariedade

social como diz Erik Frederico Gramstrup:

Felizmente, como dissemos, nossa Lei Fundamental foi generosa no particular. Refere o

direito de propriedade tanto no caput do artigo 5º, como inviolável, quanto no inciso XXII

do mesmo artigo, para no inciso seguinte determinar que atenda sua função social. Há

mais. Fiel à tradição instaurada em 1934, abre um Título VII, agora denominado “Da

Ordem Econômica e Financeira”da qual a função social, em nova aparição, é

considerada como princípio (art. 170, III). 122

Sendo uma das atribuições do Estado Social a busca por uma sociedade justa e

solidária, não se permite que as empresas restrinjam as suas atividades exclusivamente

para a obtenção do lucro. Elas têm que se interagir com as comunidades nas quais

estão inseridas, buscando o desenvolvimento econômico e social da região. Surge aí o

compromisso da responsabilidade social que permeia toda a conduta da empresa na

120 MOURA CORDEIRO, 2008, p. 122 121 HUSNI, 2007, p. 73 122 GRAMSTRUP Apud LOTUFO, 2002, p. 89

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implantação da cidadania empresarial, respeitando a dignidade da pessoa humana e o

meio ambiente sadio e equilibrado.

Para Alexandre Husni a função social da empresa é gênero subdividido nas

espécies responsabilidade social e responsabilidade societária:

Ao avaliarmos a questão da interação da empresa socialmente responsável com os

stakeholders, aqui vistos como o universo de agentes e entes que se relacionam com a

empresa de forma interna e externa, propusemos uma divisão de categorias, partindo da

premissa de que no gênero função social existem, entre as espécies, a empresa

societariamente responsável que, na ótica, é aquela que cumpre estritamente com todas

as obrigações impostas pelo exercício da atividade empresarial e para com as leis e

regulamentos concernentes, atendendo as reivindicações dos poderes públicos,

mantendo, em alguns casos, sistemas de governança corporativa, pagando seus tributos,

bem atendendo aos seus consumidores e fornecedores e mantendo as suas obrigações

sociais de âmbito trabalhista sempre em dia. A empresa nesta condição cumpre sua

função social.

Mas há também, no gênero função social, a espécie da empresa socialmente

responsável que vai além dos ditames legais e contratuais, na busca de ideais

comunitários e sociais....123

É necessário compreender a prática da responsabilidade social empresarial

dentro do conceito da função social da empresa (art. 116, parágrafo único, e 154 da Lei

6.404/76 - Lei das Sociedades Anônimas), e também como resultado de uma

interpretação sistêmica dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana,

da solidariedade, e dos princípios da ordem econômica da função social da propriedade

(art. 170, III, CF):

Art. 116 – parágrafo único – O acionista controlador deve usar o poder com o fim

de fazer a companhia realizar o seu objetivo e cumprir sua função social, e tem deveres

e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham

e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente

respeitar e atender.

123 Cf. HUSNI, 2007, p. 175

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Art. 154 – O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe

conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do

bem público e da função social da empresa.

Além destes dois artigos, podemos somar o artigo 170 da Constituição Federal

quanto aos Princípios Gerais da Atividade Econômica que diz:

Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios:

Inciso III – função social da propriedade.

Como ressalta Fábio Konder Comparato, a Lei n. 6.404/76 traz, pela primeira

vez, os deveres e responsabilidades do controlador não só com os acionistas, mas

estende em relação aos trabalhadores e à comunidade em que atua. 124 O princípio da

função social exige que a propriedade esteja em conformidade com os valores da

atividade econômica (art. 170, caput, CF): valorização do trabalho humano, livre

iniciativa e existência digna a ser assegurada a todos conforme ressalta Roberta Mauro.

A destinação que deverá ser dada ao bem não é mais uma escolha absolutamente livre,

eis que a Constituição oferece um guia à conduta do titular. (...) a legislação em vigor

apresenta hoje uma série de mecanismos capazes de coibir qualquer destinação que se

mostre contrária à função social e ao desempenho econômico do bem, em benefício de

toda a sociedade. 125

Percebe-se que os artigos acima não contêm a previsão de uma sanção para a

não efetivação da função social das empresas, reforçando que esta conduta

empresarial está pautada num fundamento ético, o que requer um amplo esforço e

educação para mudança de comportamento e conscientização dos empresários para a

implementação dessa prática responsável.

O posicionamento de Alfredo Lamy Filho confirma a importância econômica e

social das empresas, enquanto unidade de produção da economia e de instituição

124 COMPARATO, 1977, p. 214 125 MAURO, 2008, p. 47

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social de convivência prolongada entre trabalhadores e empregados que geram

conflitos e debates de caráter político e social que reforçam cada vez mais o poder de

influência e decisão política, econômica e social no desenvolvimento regional:

O círculo de dependentes das decisões empresariais não se esgota [nas pessoas que

utilizam o serviço direto das empresas ]. No campo econômico-financeiro a atividade

traz repercussões aos fornecedores dos insumos, às empresas concorrentes ou

complementares, aos consumidores que se habituaram aos seus produtos, aos

investidores que associaram à empresa, e aos mercados em geral; no setor humano, a

empresa, como se disse, é campo de promoção e realização individual, cuja ação (de

propiciar emprego, demitir, promover, remover, estimular e punir) ultrapassa a pessoa

diretamente atingida para projetar-se nos campos familiar e social. (...) A existência

desse poder empresarial tem que importar, necessariamente, em responsabilidade

social. (grifo nosso). 126

E o autor continua afirmando que a atuação ética do empresário e o dever social

da empresa constituem um compromisso permanente com a reumanização da

economia, e que o poder público deve reconhecer e premiar este comprometimento

ético e social:

A satisfação desses deveres e responsabilidades há que traduzir-se na busca atenta e

permanente da conciliação do interesse empresarial com o interesse público; no

atendimento aos reclamos da economia nacional, como um todo, na identificação da

ação empresarial com as reivindicações comunitárias – numa palavra, na observância de

uma ética empresarial, que afinal, é o que distingue o aventureiro do empresário.

O comportamento ético da empresa, sua orientação no sentido da observância do

interesse público, é, pois, um dever legal, já agora inscrito em nosso direito positivo. Mas

entre a norma genérica, enunciada como ideal a ser atingido, e a prática da vida

empresarial há uma distância que somente a ação do Estado pode e deve superar.

(...) Em outras palavras, impõe-se que o cumprimento dos deveres sociais das empresas,

e a lealdade na busca do interesse público, ascendam com a eficiência a critérios

básicos e distintos entre a boa e a má corporação, entre a idônea e a inidônea – e que se

privilegiem as boas como sanção das más. 127

126 LAMY FILHO, 1992, p. 58 127 Ibid, p. 59-60

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Nessa esteira, Fábio Tokars enfatiza que a empresa é o agente social mais

poderoso de uma economia globalizada e que a vida dos indivíduos é pautada pela

economia gerada por elas, tais como emprego, sustento das famílias, ambiente de

convivência social, consumo, transações comerciais, geração de tributos, formando

uma base sustentável das empresas e da estabilidade econômica de um país. As

decisões empresariais acarretam efeitos sociais profundos, podendo ser muitas vezes

superiores às de ordem políticas, por isso a importância das empresas para o

desenvolvimento econômico e social de uma região:

Se as empresas se mostram poderosíssimos agentes sociais, sua atuação não pode ser

caracterizada pela mais absoluta liberdade para a tomada das decisões, devendo ser

pautada não só pela busca desenfreada pelo lucro, mas também por princípios de ética

social. Surge, materialmente, a noção de função social da empresa.128

O autor reconhece a importância da função social das empresas, mas afirma

também que ela não pode ser compreendida de forma isolada dos demais princípios

constitucionais da ordem econômica. A interpretação deve ser proporcional dentro do

contexto social das tomadas de decisão, ou seja, a empresa não pode sacrificar os

investimentos econômicos em sua infraestrutura produtiva tendo em vista o

cumprimento da função social, e que a falta de uma sanção específica na norma reduz

por completo a sua eficácia (arts. 116, parágrafo único e 154 da LSA):

As normas [da função social da empresa ] existem. São claras quanto ao seu conteúdo

e encontram ampla justificativa teórica. Exigem o cumprimento da função social da

empresa. Mas, como deveria ser feito com todos os princípios constitucionais, faz-se

necessário estabelecer a proporção do conteúdo meramente retórico da norma

relativamente à sua eficácia material. (...) crer na função social da empresa significa

fechar os olhos ao mundo, construir um paliativo retórico aos efeitos concretos de nossas

políticas econômicas. (grifo nosso).129

128 TOKARS, 2002, p. 78 129 Ibid, p. 80

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Continuando com a posição do autor quanto à função social da empresa, o

caráter ético de uma norma não é suficiente para impor ao empresário uma conduta

socialmente responsável, numa economia deliberadamente neoliberal, o conceito de

ética é vazio, ilusório e alienado:

A eficácia material de uma norma jurídica determinadora de balizas na conduta humana

não decorre abstratamente de sua natureza de comando normativo, sendo

conseqüência, sim, do racional temor quanto à imposição de uma sanção vinculada ao

preceito normativo. Ganha relevo, assim, o potencial punitivo da norma, o qual assume

importância ainda maior numa sociedade carente de valores morais. 130

Fábio Konder Comparato corrobora com o autor quanto à efetividade da função

social da empresa “vista como uma válvula de escape psicossocial, com o caráter

aparente de conquista social, mas que pode surtir um efeito inverso, mantendo

privilégios ou impedindo a real conquista de interesses sociais”131, e também quanto à

ausência de uma sanção normativa e a visão extremada pelo lucro e pela

competitividade ditadas pelo capitalismo impedirão as empresas de promoverem a

justiça social:

É imperioso reconhecer, por conseguinte, a incongruência em se falar numa função

social das empresas. No regime capitalista, o que se espera e exige delas é, apenas, a

eficiência lucrativa, admitindo-se que, em busca do lucro, o sistema empresarial como

um todo exerça a tarefa necessária de produzir ou distribuir bens e de prestar serviços no

espaço de um mercado concorrencial. Mas é uma perigosa ilusão imaginar-se que, no

desempenho desta atividade econômica, o sistema empresarial, livre de todo o controle

dos Poderes Públicos, suprirá naturalmente as carências sociais e evitará os abusos; em

suma, promoverá a justiça social.132

O autor deixa claro que não cabe à empresa assumir o papel do Estado na

construção de uma sociedade justa e solidária. A empresa tem a finalidade de gerar

lucro, não cabendo ao empresário deixar de investir o capital no desenvolvimento da

130 Ibid, p. 83-84 131 Ibid, p.94 132 COMPARATO, 1996, p. 45

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empresa para investir nos deveres do Estado para com a sociedade. Mas, no Estado

Democrático de Direito, as funções são compartilhadas e as empresas devem assumir

as suas responsabilidades sociais.

Para Eduardo Tomasevicius Filho a função social está relacionada com poderes,

direitos e deveres que unidos servem de instrumento para produzir determinados

efeitos jurídicos, exigíveis através da atuação estatal, e significa ainda o exercício de

um direito subjetivo que atenda ao interesse público, não apenas no sentido de não

impor restrições ao exercício desse direito, mas no sentido de acarretar uma vantagem

positiva e concreta para a sociedade – a propriedade obriga ou há um poder-dever de o

indivíduo atender ao interesse público no exercício do seu direito subjetivo. Esse

interesse público é determinado pelos princípios e normas jurídicas variáveis conforme

o desenvolvimento da sociedade.133

Para o autor, a base do conceito de função social é o direito subjetivo, por isso

só pode ser exigível no exercício desse direito e no que intrinsecamente estiver ligado

ao mesmo, como por exemplo, o exercício das atividades ligadas ao objeto social da

empresa:

No caso da empresa, só se pode exigir o cumprimento da função social nas atividades

que constituem os elementos de empresa, ou seja, o exercício de uma atividade

econômica organizada produtora de bens e serviços com o intuito de lucro.

Em geral, esses limites objetivos para a exigência da função social estão definidos no

objeto social da atividade desenvolvida pelo empresário ou pela sociedade empresária

porque ali está delimitada a função econômica da empresa. (...) Em outras, palavras, não

é possível exigir, com fundamento na função social, o cumprimento de deveres para os

quais a empresa não foi criada. (...) A função social da empresa constitui o poder-dever

de o empresário e os administradores da empresa harmonizarem as atividades da

empresa, segundo o interesse da sociedade, mediante a obediência de determinados

deveres positivos e negativos [decorrentes da função social da sua atividade ]. (grifo

nosso). 134

133 TOMASEVICIUS FILHO, 2003, p. 39 134 Ibid, p. 40

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O enunciado 53, aprovado nas Jornadas de Direito Civil, é o entendimento do

Conselho da Justiça Federal para chamar a atenção ao cumprimento da função social

pelas empresas, mesmo na omissão do artigo 966 do Código Civil. Diz o enunciado 53:

“deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das

normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa”.

O limite do exercício da atividade empresarial está respaldado no ordenamento

jurídico, através da função social, mas o seu conteúdo ainda está carente de definição.

Luis Nogueira Matias reforça a função social da propriedade enquanto gênero, e como

espécie a função social da empresa:

A função social da empresa é corolário da função social da propriedade, podendo-se

conceituá-la como a vinculação do exercício da atividade empresarial aos valores eleitos

pelo constituinte, especialmente, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária

preservados os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.135

Já a responsabilidade social empresarial é considerada uma ferramenta da

função social da empresa, e com esta não se confunde, conforme posicionamento de

Daniela Vasconcellos Gomes, e novamente citando João Luiz Nogueira Matias:

Torna-se evidente, então, que a responsabilidade social empresarial e a função social da

empresa são conceitos interligados, e os deveres e responsabilidades sociais decorrem

da própria função social da empresa. E a esta, para ser considerada cidadã, precisa

assumir um compromisso a favor da promoção da cidadania e do desenvolvimento das

comunidades, ajustando-se às atuais necessidades sociais.136

A teoria da função social da empresa não se confunde com a teoria da social

responsability, de origem norte-americana. A atuação em sintonia com regras de

responsabilidade social é mera proposição ética, não configurando dever jurídico,

embora possa acarretar importantes vantagens competitivas. A confusão entre as teorias

pode afetar a exata compreensão da função social da empresa e dificultar a sua

aplicação prática.137

135 MATIAS, 2009, p. 14 136 GOMES, 2006, p. 140 137 MATIAS, 2009, p. 15

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O referencial teórico para compor o conteúdo da função social da empresa

poderia recair sobre os direitos humanos sociais, econômicos e culturais amplamente

divulgados nos instrumentos internacionais e nas constituições. A Constituição Federal

de 1988 arrola em seu artigo 170, que trata da ordem econômica, uma gama de

princípios que assegura a toda sociedade a existência digna, conforme os ditames da

justiça social, sendo eles: a soberania nacional (para as grandes empresas

transnacionais e de direito público internacional); a propriedade privada; a livre

concorrência; a defesa do consumidor; a defesa do meio ambiente; a redução das

desigualdades regionais e sociais; a busca do pleno emprego com condições dignas do

trabalho decente, ou seja, exercer a liberdade de empresa de forma a atender o bem-

estar coletivo da sociedade.

A responsabilidade social empresarial é o instrumento da empresa socialmente

responsável. E ser socialmente responsável é o papel da grande, média e pequena

empresa, pois cada uma pode exercer a função social na medida do seu capital e

estrutura. A Constituição prevê que a livre iniciativa deva ser exercida em razão da

existência digna e da justiça social, e não apenas na busca do lucro ou do cumprimento

do seu objeto social. Ela deve ser complementar, uma vez que contribuirá para a

imagem e a competitividade da empresa em longo prazo tendo em vista a eficácia da

sua articulação socioeconômica.

Waldyr Grisard Filho ressalta a importância da função social da propriedade para

a Constituição Federal:

O conceito de direito de propriedade insculpido na Constituição de 1988 não mais se

conforma com a tradicional noção de direito subjetivo de propriedade. O princípio da

função social da propriedade por ela estabelecido passa a compor o novo desenho, e

próprio, do instituto da propriedade. Quer isto dizer que apenas a propriedade que

cumpre a sua função social está protegida pela Constituição, seja como um direito ou

como uma garantia fundamental (...). Enfim, a noção de função social da propriedade

acabou por tornar-se em categoria jurídica nuclear na determinação do conteúdo da

propriedade. 138

138 GRISARD FILHO, 2002, p.240

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A função social da propriedade reveste-se da força constitucional de cláusula

pétrea (art. 60, § 4º, IV), respaldando os interesses individuais e coletivos e tornando-se

referência na elaboração de normas infraconstitucionais e na interpretação do

ordenamento jurídico (instrumento de análise do Direito).139

O intervencionismo econômico e a liberdade da iniciativa privada são acolhidos

pela Constituição desde que a favor do interesse da justiça social e promoção dos

valores do trabalho sobre todos os demais valores da economia de mercado.140

Cabe ressaltar que os princípios que estão presentes na Constituição Federal

são corolários da prática da responsabilidade social empresarial enquanto mecanismo

de promoção da justiça social, e estes estão presentes no fundamento da República

(arts. 1º. e 3º e incisos.), e da Ordem Econômica (art. 170, caput e incisos):141

- a dignidade da pessoa humana; dos valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa; a sociedade livre, justa e solidária; a garantia de desenvolvimento nacional; a

erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e

regionais; o desenvolvimento da ordem econômica aos ditames da justiça social; a

função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor e a defesa

do meio ambiente.

Esse universo de princípios pode ser aplicado pelas empresas na metodologia e

atuação da prática de responsabilidade social. Não há necessidade de criar novos

documentos, apenas promover os princípios arrolados na Constituição da República e

nos documentos universais de direitos humanos já citados no Capítulo 1 deste trabalho.

O princípio maior da dignidade da pessoa humana, corolário de todos os demais,

deve ser “a coluna dorsal” da responsabilidade social empresarial, seguido pela

valorização social do trabalho em sua plenitude, a promoção de uma sociedade livre,

justa e solidária; o desenvolvimento econômico, social e ambiental plenamente

integrado com os demais princípios de forma a garantir as oportunidades iguais a todos

os agentes e uma sociedade mais equilibrada. As Constituições democráticas vieram

solidificar o compromisso de toda a sociedade na promoção da existência digna, onde o

139 Ibid, p. 243 140 GRAU, 2002, p. 233 141 Ibid, p. 236

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cidadão é elevado ao centro dos interesses público e privado, com novos valores

sociais que serão efetivados dentro do solidarismo que envolve as instituições

ordenadas e todos os demais entes da sociedade civil, substituindo o individualismo

exagerado do estado liberal.

A função social não está limitada às grandes empresas privadas. O art. 173, I, da

CF, menciona a função social das empresas de controle estatal e suas formas de

fiscalização pelo Estado e pela sociedade, reforçando o caráter obrigatório da função

social para as empresas públicas como enfatiza Eros Roberto Grau:

a ideia da função social como vínculo que atribui à propriedade conteúdo específico, de

sorte a moldar-lhe um novo conceito, só tem sentido e razão de ser quando referida à

propriedade privada. A alusão à função social da propriedade estatal qualitativamente

nada inova, visto ser ela dinamizada no exercício de uma função pública.142

A função social está vinculada a um poder-dever, isto é, onde o direito privado

sofre influência das finalidades do direito público, impondo ao proprietário, ou ao

detentor do poder de controle na empresa, implementar ações e iniciativas de

promoção do bem estar social, assegurando a todos existência digna. Novamente,

citando as palavras de Eros Roberto Grau:

(...) O que mais releva a enfatizar, entretanto, é o fato de que o princípio da função social

da propriedade impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de controle na empresa

– o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em

prejuízo de outrem. Isso significa que a função social da propriedade atua como fonte de

imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não,

meramente, de não fazer.143

Esses comportamentos positivos se estendem para outros ambientes, e não

apenas ao social, conforme visão ampliada do princípio da responsabilidade de Hans

Jonas, o meio ambiente se inter-relaciona com o sistema econômico e social, e os

recursos naturais devem ser utilizados de forma sustentável, buscando o equilíbrio

142 GRAU, 2002, p. 269 143 Ibid, p. 275

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entre as atividades produtivas da empresa e a conservação dos recursos naturais,

resultando no exercício positivo da função social da empresa.

No final do século XIX, com o processo de industrialização e o surgimento de

demandas sociais levam a intervenção do Estado na economia através de leis

extravagantes na regulação das relações patrimoniais privadas, surgindo a publicização

do direito privado.144

Dessa forma, o século XX é absorvido pelas transformações econômicas e

sociais, e a falência do Estado Liberal, leva o Estado intervir na economia com vistas a

garantir uma existência digna aos cidadãos e um comportamento ativo na realização da

justiça social145. A função social proporciona uma nova estrutura e direção dos institutos

do contrato e da propriedade – o interesse da sociedade e o limite à autonomia privada,

que seriam a ordem pública e os bons costumes.146

Por isso, as práticas socialmente responsáveis, dentre elas a responsabilidade

social empresarial, são bem-vindas na construção de uma sociedade livre, justa e

solidária. A parceria entre Estado e iniciativas privadas na promoção do bem-estar

social é efetiva, não cabendo apenas ao Estado assegurar as atividades relevantes

para o interesse coletivo conforme assegura Marçal Justen Filho:

A proposta adotada para um modelo regulatório de Estado pretende conciliar diferentes

concepções ideológicas, assegurando a realização de valores de solidariedade social

com a manutenção da democracia e da liberdade. Reconhece-se que a democracia

exige a garantia da autonomia individual e da sociedade civil, mas que a realização dos

valores fundamentais a um Estado Social exige a participação de todos os segmentos

sociais. Assume-se que, na grande parte dos casos, os organismos estatais não detêm

capacitação e recursos suficientes para atendimento satisfatório a certas necessidades

comuns, o que significa atribuir à iniciativa privada o encargo correspondente. 147

Essa parceria só é reconhecida com a funcionalização da iniciativa privada, e as

práticas da função social da empresa tornam-se mecanismos efetivos dos valores da

justiça social. Cabe ressaltar que ser uma empresa socialmente responsável não quer

144 COSTA, 2005, p. 46 145 PINHEIRO, 2008, p. 144 146 XAVIER et al., 2008, p. 314 147 JUSTEN FILHO, 2007, p. 29

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dizer atuar em nome do Estado para a consecução dos interesses coletivos. Trata-se

de uma comunhão de esforços para o atendimento das necessidades coletivas, e não

substituição das funções inerentes ao poder público. Ainda citando Marçal Justen Filho

para a compreensão dessa atuação responsável:

Todos os serviços públicos que puderem ser organizados segundo padrões de estrita

racionalidade econômica deverão ser remetidos à iniciativa privada. Somente incumbe ao

Estado desempenhar atividades diretas nos setores em que a organização econômica,

modelada pelos parâmetros da acumulação de riqueza, colocar em risco valores

coletivos ou for insuficiente para propiciar sua plena realização. O Estado deve manter

sua participação no âmbito de educação e seguridade social, evitando a mercantilização

de valores fundamentais.148

Ao Estado cabe a implementação de políticas públicas de proteção e promoção

dos direitos humanos de forma a intervir e modificar a realidade social dos excluídos de

suas liberdades, do exercício pleno de sua cidadania, ou seja, sem a possibilidade de

efetivar suas escolhas diante das oportunidades criadas pelo Estado. Esta realidade

social pode ser alterada mediante o trabalho conjunto de todo o grupo social e

econômico. O princípio da solidariedade deve pautar a conduta ética da

responsabilidade social das empresas que “consiste na integração voluntária de

preocupações sociais e ambientais por parte das empresas nas suas operações e na

sua interação com a comunidade. Além disso, seria uma forma de levar outras

instituições a colaborarem com o Estado na busca de justiça social, ao invés de ficar

esperando que o Estado tome todas as providências nessas áreas”.149

As características constitucionais, democráticas e humanistas de um Estado de

Direito impõem o trabalho em parceria com o setor privado, em solidariedade, em

equidade, e em igualdades substanciais de tratamento por todos os membros da

sociedade para a institucionalização dos direitos sociais e econômicos, da definição de

políticas públicas que viabilizem as liberdades num processo equitativo de

oportunidades para os indivíduos. O momento exige um processo de transformação,

148 Ibid, p. 31 149 Ibid, p. 46

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com base na solidariedade e nas responsabilidades compartilhadas para a construção

de uma sociedade livre, justa e solidária.

4.2 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOLIDARIEDADE COMO FUNDAMENTO

ÉTICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

É importante discorrer sobre o princípio da solidariedade e a prática da

responsabilidade social empresarial tendo em vista a importância deste princípio para o

relacionamento entre as pessoas, para a cooperação mútua, e a prática da

responsabilidade social acontece no âmbito coletivo, na comunhão de interesses, no

trabalho em parceria para uma sociedade mais justa e solidária. Para Léon Duguit,

citado por Alan Oliveira Pontes, o homem é consciente de sua solidariedade, e

reconhece a sua dependência para com os demais membros da comunidade, o que

significa uma interdependência social: “a força que mantém coesa a sociedade é a

solidariedade social, seja ela por similitude ou por divisão social do trabalho, e quanto

mais estreitos forem os laços de solidariedade, mais forte será a sociedade”.150

Deve-se levar em conta também a interpretação deste princípio enquanto

promotor dos interesses coletivos conforme ressalta Maria Celina Bodin de Moraes:

“hoje o Supremo Tribunal Federal traz à baila a solidariedade como um dever jurídico

de respeito, de âmbito coletivo, cujo objetivo visa beneficiar a sociedade como um

todo”.151

As Constituições do século XX consagram o princípio da dignidade da pessoa

humana, e na esteira deste os princípios da solidariedade e da igualdade e os valores

da justiça social, deixando para trás o exagero do individualismo do Estado Liberal.

Leon Duguit, citado por Rosalice Pinheiro, nega a existência do direito subjetivo,

mas reconhece a importância da observação dos fatos e da solidariedade social para a

150 PONTES, 2006, p. 99 151 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade, p. 13

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construção da norma jurídica. A visão sociológica embasa todo o seu pensamento e o

homem tem o poder-dever de exercer a função social na luta contra o individualismo.152

O princípio da solidariedade, ou como denominava Leon Duguit, a

interdependência social, citado por Ligia Melo, é um valor que tem a função de lembrar

o convívio em sociedade e a participação conjunta de todos os indivíduos na

construção de um Estado democrático de forma a manter o equilíbrio social e a

proteção dos direitos fundamentais.153

A Constituição brasileira ao estabelecer os objetivos fundamentais da República,

em seu artigo 3º e incisos, consagra a inclusão social de todos os indivíduos na

construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e a

marginalização e promovendo as oportunidades de forma a reduzir as desigualdades

sociais e regionais. Esta é uma convocação a todos os entes públicos e privados para

contribuir para uma sociedade mais digna e inclusiva, conforme o ensinamento de

Maria Celina Bodin de Moraes:

O princípio constitucional da solidariedade identifica-se, assim, com o conjunto de

instrumentos voltados para garantir uma existência digna, comum a todos, em uma

sociedade que se desenvolva como livre e justa, sem excluídos ou marginalizados.154

O princípio da solidariedade tem como pressuposto a responsabilidade humana,

o respeito e o cuidado de um para com o outro, “a atitude solidária conecta-se com o

respeito à diferença, pelo qual a pessoa humana apreende que o outro também

pertence ao mundo”.155

Ainda para a eminente jurista, os danos causados aos consumidores e os danos

causados ao meio ambiente são as tutelas mais conhecidas e disseminadas tendo

como fundamento a solidariedade, e coincidentemente resultam de práticas

empresariais. Por isso, a responsabilidade social empresarial deve pautar também as

suas ações e iniciativas neste princípio constitucional.

152 PINHEIRO, 2002, p. 70-73 153 MELO, 2007, p. 132 154 MORAES, 2003, p. 114 155 MORAES, 2006, p. 25

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106

No contexto atual, a Constituição determina – ou melhor, exige – que nos ajudemos,

mutuamente, a conservar nossa humanidade porque a construção de uma sociedade

livre, justa e solidária cabe a todos e a cada um de nós. Este é o fundamento da

reparação dos danos pessoais injustamente sofridos, não mais ignorados ou, antes

suportados solidariamente pela vítima, mas na lógica da justiça social distributiva,

transferidos, sempre que possível à comunidade.156

Para Aramy Dornelles da Luz liberdade e direito estão intrinsecamente

relacionados, e a liberdade de existir é a mais essencial dentre todas as liberdades

necessárias, e a sua efetividade está totalmente dependente da vontade e do poder. A

sobrevivência do poder formal depende da regulação das liberdades que representam

poder em potência, bem como depende da regulação das obrigações de solidariedade

pelo bem comum, responsável pela sobrevivência do ente coletivo. E o Direito enquanto

criação do homem, pois é um sistema de normas que regulam as liberdades individuais

e coletivas, e que cria conjunta ou acessoriamente obrigações de solidariedade. A

liberdade quando tem o seu conteúdo reconhecido pela ordem jurídica e é por ela

regulada, ganha o nome de direito. 157

O Estado Social deve buscar o equilíbrio entre a liberdade econômica e a justiça

social, tendo como prioridade os setores socioeconômicos tais como o trabalho, a

educação, a saúde, a moradia e o lazer como valores elementares para a formação de

uma sociedade livre, justa e com oportunidades. Para Miguel Reale surge o Estado

Social-liberalismo, que não possui relação com o neoliberalismo por este defender

apenas um Estado mínimo; o social-liberal é uma escola preocupada em equilibrar o

social com o econômico, com a livre iniciativa.158

O mínimo ético e jurídico para o ser humano viver com dignidade e que deve ser

responsabilidade solidária de todos os entes públicos e privados na viabilização de

oportunidades de acesso são dentre outras: garantia de trabalho, alimentação, saúde,

habitação, vestuário, informação, educação e transporte. O princípio da solidariedade

recai sobre a estabilidade das relações sociais e da paz coletiva.

156 Ibid, p. 27 157 LUZ, 2006, p.93-94 158 REALE, Miguel. O estado democrático de direito e o conflito das ideologias. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 37. Apud SANTANNA, Ana Carolina Squadri, 2008, p. 79

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107

A construção do ser humano enquanto ser social e possuidor de liberdades civis

e econômicas levam também a construção de instituições que contribuam para a

realização dessas liberdades, e citando novamente Aramy Dornelles da Luz sobre a

importância da solidariedade e da visão coletiva na compreensão do direito:

A função social do direito consiste em compatibilizar as liberdades com os princípios que

criarão seu conteúdo, impessoalizando o poder pela constituição de um ser extra-

individual, um ente, que será o produto da soma das partes e terá na exata

proporcionalidade, não só de representação, mas também de contribuição e retribuição,

seu natural pressuposto.159

As práticas de responsabilidade social empresarial devem incluir sempre a

promoção dos princípios constitucionais em suas ações, pois a Constituição em seu

capítulo Da Ordem Econômica enfatiza a função social da propriedade e de forma

indireta da empresa, e nas palavras de Ana Carolina S. Santanna “a Constituição de

1988 é um conjunto de regras e princípios abertos, no que diz respeito às normas de

ordem econômica, não há um modelo econômico obrigatório para o Estado, devendo

este promover o desenvolvimento social-econômico, respeitando os princípios

constitucionais. (...) O setor privado irá contribuir para o desenvolvimento social”.160

As empresas devem atender aos valores éticos e sociais diante de sua nova

função na sociedade de instituição econômica voltada para a produção de bens e

serviços, ensejando uma espécie de parceria entre empresários e seus

colaboradores.161

A iniciativa privada e o Estado são parceiros na promoção do interesse coletivo,

e esta parceria está fundamentada em vários princípios constitucionais como: o

princípio da solidariedade aliado ao da subsidiariedade, que têm como fundamento o

Estado Democrático de Direito, e este tem como fim maior o princípio da dignidade

humana, da livre iniciativa enquanto liberdade do exercício das atividades econômicas,

e a valorização social do trabalho. Todos estes princípios são interdependentes na

159 LUZ, 2006, p. 103 160 SANTANNA, 2008, p. 89 161 WALD, 2003, p. 851

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promoção do interesse coletivo e na implementação de mecanismos que asseguram a

função social da propriedade e o respeito aos direitos humanos.

A responsabilidade social empresarial tem por finalidade contribuir para a

inclusão social, a igualdade e a promoção dos direitos sociais, econômicos e culturais,

a ética e a transparência na gestão e no relacionamento com as partes interessadas,

além do desenvolvimento sustentável.

A responsabilidade pelo bem-estar coletivo deve ser compartilhada entre o

Estado e a Sociedade, cabendo às empresas assumirem a responsabilidade pelo seu

entorno dentro do princípio da responsabilidade de Hans Jonas, ou seja, o poder-querer

dentro do contexto da razão, do conhecimento, da tecnologia, e principalmente com

responsabilidade para com o futuro das gerações. Este princípio extrapola a moral, e se

insere na ética do ser humano. E no âmbito da ética está também o princípio da

solidariedade social, portanto estes dois princípios se conjugam para que o indivíduo

utilize o seu poder com coerência e harmonia com o meio social e ambiental.

A ética e a transparência são valores que permeiam as relações desde a

Revolução Francesa, onde a luta pelo estabelecimento de fronteiras entre o público e o

privado e a garantia de direitos individuais foram conquistas de caráter eminentemente

social de qualidade de vida dos trabalhadores (emprego e as condições de trabalho). À

época, a natureza não era o foco das preocupações das lideranças do movimento.

Atualmente, os esforços para a preservação do meio ambiente, da qualidade de

vida dos empregados, do envolvimento das empresas com a comunidade visando o

desenvolvimento econômico e integração regional, a redução das desigualdades

sociais, a busca de novos mercados consumidores e a existência da empresa por um

longo período são compartilhamento de responsabilidades de todos os entes, e a

responsabilidade social empresarial ganha destaque neste cenário coletivo.

Hans Jonas propõe o princípio da responsabilidade com as gerações futuras e

com toda a biosfera, sendo a responsabilidade o fundamento da estrutura ética e das

decisões que envolvam riscos pelo seu agir. Dessa forma o princípio está alinhado com

o desenvolvimento sustentável de prover a geração presente, sem comprometer as

gerações futuras de proverem as suas necessidades e com a implementação de

políticas públicas.

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A responsabilidade social empresarial está respaldada pela ética, pela

voluntariedade e solidariedade, por isso o princípio da responsabilidade subjetiva

(consciência do certo e do errado, do bem e do mal) pelos atos a serem praticados é

fundamental, pois se a decisão do empresário ou do gestor público fosse de origem

jurídica, seria responsabilidade objetiva, não questionando a culpa nem dolo da ação

conforme afirma Evaldo Antonio Kuiava:

Sob o ponto de vista da gestão pública, a responsabilidade pode ser entendida como capacidade que o gestor público tem de sentir-se comprometido a responder ou cumprir uma tarefa que é sua sem qualquer pressão externa à sua consciência ética. O gestor público responsável toma suas decisões, faz o que precisa ser feito, sem ficar esperando que alguém lhe dê ordens ou lhe faça qualquer tipo de cobrança. Exige-se ainda de todo e qualquer profissional e, especialmente, do gestor público, que saiba lidar conscientemente com as consequências dos atos praticados. Nesse sentido, ser responsável é ser capaz de prever os efeitos do próprio comportamento e quando for equivocado saber corrigir com base em tal previsão. Exige-se do gestor público a capacidade de influir e intervir nas decisões que envolvem a coletividade, tendo sempre em vista o bem comum. 162

Os princípios da responsabilidade e da solidariedade social estão no mesmo

nível de igualdade de valor para a prática da responsabilidade social empresarial, um

não tendo sentido sem o outro, pois a finalidade maior da responsabilidade social é

promover o bem-estar coletivo, a harmonia social e a dignidade humana: liberdade,

igualdade e oportunidade. Valores também presentes na teoria da justiça social de John

Rawls, na construção de uma sociedade bem ordenada, ou seja, num sistema

equitativo de cooperação social por meio do consenso.

A teoria social de John Rawls assegura a autonomia privada de cada indivíduo, o

respeito pelos direitos individuais e pelas liberdades de expressão, de imprensa,

religiosa, política dentre outras. E as desigualdades econômicas e sociais, como a

pobreza, podem impedir o acesso a essas liberdades. Assim, estas desigualdades

devem estar ordenadas de forma a privilegiar os indivíduos menos favorecidos. As

políticas públicas devem viabilizar as liberdades individuais.

162 Kuiava, Evaldo Antonio. A Responsabilidade como princípio ético em H. Jonas e E. Levinas: uma aproximação. Disponível em http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/viewFile/1844/1374. Acesso em 22 jun.2011

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110

O princípio da responsabilidade de Hans Jonas, o solidarismo social e a teoria da

justiça social fazem parte do mesmo contexto teórico, ou seja, a construção de uma

sociedade democrática, inclusiva e solidária, assegurando o processo participativo de

todos os cidadãos, e o estudo das inter-relações desses temas leva a compreender

melhor a finalidade da responsabilidade social empresarial, tornando-a mais efetiva na

comunidade e no trabalho em parcerias com outros entes públicos e privados.

A igualdade de oportunidades e o respeito às liberdades devem ser ampliadas

por todos os arranjos socioeconômicos existentes na sociedade, pois a igualdade não é

uma questão individual, um a um, e sim uma questão de cidadania. Já solidariedade é

um valor muito forte na comunidade. Nessa seara, as empresas enquanto arranjo

econômico detém um grande poder político e de mudança na sociedade, sendo assim a

prática da responsabilidade social empresarial deve estar embasada nos princípios

constitucionais para que obtenha legitimidade, reconhecimento e efetividade para com

os públicos envolvidos, pois “la legitimidad puede ser alcanzada solo si se garantiza a

todos igualdad y satisfacción de necesidades básicas. Ésta es una demanda

universal”.163

A justiça para Rawls é a primeira virtude das instituições ordenadas, e estas

instituições devem garantir a igualdade de condições e oportunidades para a maioria

dos indivíduos, sem prejudicar as minorias. A igualdade é a primeira demanda da

democracia, e o principal desafio imposto às instituições é, neste momento de

globalização, o compartilhamento de responsabilidades pelo bem-estar coletivo e a

promoção de direitos básicos através da cooperação e do consenso político.164

A prática da responsabilidade social empresarial se dá por meio de comitês

gestores multidisciplinares, pois assim as responsabilidades dos membros provêm de

uma preocupação de bem-estar recíproca, de um membro para com o outro. O princípio

da solidariedade permeia todo o relacionamento responsável do grupo como ressalta

Ronald Dworkin:

Las responsabilidades que una verdadera comunidad despliega son especiales e

individualizadas y muestran un agudo interese mutuo que encaja en una concepción

163 CALSAMIGLIA, 2004, p. 165 164 RAWLS, 1998, p. 78

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razonable de igual interés. Estas no son condiciones psicológicas, [mas ética] . Por lo

tanto, es esencial insistir en que la verdadera comunidad debe ser también una mera

comunidad, las personas deben querer pertenecer. (grifo nosso).165

A responsabilidade social das empresas está comprometida com a inclusão

social, com o bem-estar coletivo (saúde, educação e proteção da criança) e em

estimular ações e iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável. O avanço

tecnológico e a globalização foram fatores determinantes para a prática responsável

das empresas, uma vez que a competição acirrada por novos mercados deve ser

perpassada por valores éticos, pela estratégia de gestão empresarial e pela

responsabilidade com meio ambiente e social. Esta base deve ser construída com os

princípios constitucionais da dignidade humana e da solidariedade.

A solidariedade social é um dos princípios corolários da responsabilidade

empresarial tendo em vista o trabalho conjunto de vários parceiros, a busca do

consenso para atingir um interesse comum, a promoção do bem-estar coletivo, da

igualdade substantiva e da justiça social e para Maria Celina Bodin de Moraes a

solidariedade social vai além das ações filantrópicas:

A solidariedade social, na juridicizada sociedade contemporânea, já não pode ser

considerada como resultante de ações eventuais, éticas ou caridosas, pois se tornou um

princípio geral do ordenamento jurídico, dotado de força normativa e capaz de tutelar o

respeito devido a cada um.166

Os direitos humanos, as liberdades fundamentais, a igualdade de oportunidades,

a responsabilidade compartilhada e a solidariedade são fios condutores de todas as

ações e iniciativas da empresa socialmente responsável, que tanto no ambiente interno

como no externo privilegia a qualidade de vida digna das pessoas. As empresas

enquanto corresponsáveis pelas políticas públicas, juntamente com o Estado, devem

ter esses princípios como vetores da sua atuação sustentável conforme afirma Fabiane

Bessa que o reconhecimento da dignidade da pessoa humana como pedra fundamental

dos direitos humanos e a indivisibilidade dos direitos civis, políticos, econômicos, 165 DWORKIN, 2008, p. 148 166 MORAES, 2003, p. 116

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112

sociais e culturais, caminham para uma aproximação entre direitos humanos e

responsabilidade social das empresas, em face do direito ao desenvolvimento

econômico e social.167

Os valores da justiça social devem permear o equilíbrio das relações comerciais,

de modo que a competitividade baseada na exploração humana e ambiental seja

totalmente freada como práticas condenáveis pela responsabilidade social empresarial.

A responsabilidade expandida para os demais ambientes naturais e sociais, conforme

Hans Jonas enfatiza, requer uma ética global e a criação de mecanismos de

comprometimento de todos os atores sociais, pois o Estado não é o único promotor dos

direitos humanos.

O princípio da dignidade da pessoa humana constitui, ao lado do direito à vida, o

núcleo essencial dos direitos humanos. Ele compromete todo o exercício da atividade

econômica. Portanto, a promoção deste princípio pela propriedade e pela empresa

deve ser priorizada, viabilizando o acesso dos indivíduos às liberdades básicas sob

pena de violação à Constituição Federal. 168

O Estado é o promotor das liberdades e da justiça social. Os direitos sociais

consagram a ideia de liberdade (social, civil e política) tão relevante para o Estado

Democrático de Direito, exigindo deste a criação e implementação de políticas públicas.

Para Rawls, uma sociedade pluralista deve ter os seus direitos implementados

independentemente das doutrinas religiosas, filosóficas e morais, por isso a justiça

social é essencialmente política, sendo vista ainda como resultado de um consenso

entre todas as instituições ordenadas da sociedade.

Os direitos sociais são direitos básicos do cidadão, os quais a partir do princípio

da dignidade da pessoa humana possibilitam a promoção da cidadania social, através

de acessos à saúde, educação, moradia, alimentação, trabalho dentre outros arrolados

pela Constituição.

O Estado busca, enquanto ente transformador da realidade social, em parceria

com a iniciativa privada e demais entidades sociais a realização de tais direitos, e a

responsabilidade social empresarial é o mecanismo de atuação e consecução dos fins

167 BESSA, 2006, p. 52 168 GRAU, 2002, p. 238-239

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113

sociais das empresas socialmente responsáveis. A busca da igualdade e da cidadania

social requer mudanças de paradigmas culturais e políticos, construindo novos

caminhos para as políticas públicas capazes de transformar a realidade da sociedade.

Nessa esteira, conhecer os paradigmas da Justiça Social faz com que as

empresas desenvolvam práticas e programas socialmente responsáveis em sua

estratégia de gestão que promovam o princípio da dignidade humana, da solidariedade

social, da responsabilidade pelo resultado das suas ações (Hans Jonas) e os valores da

justiça social dentro do contexto de uma sociedade enquanto sistema equitativo de

cooperação social (John Rawls).

A integração dos papéis de diferentes instituições sociais públicas e da iniciativa

privada permite uma aliança de comprometimento político para o desenvolvimento

econômico e social. A responsabilidade social empresarial vem coroar este

comprometimento baseado na solidariedade social para o estabelecimento de políticas

públicas eficazes de prevenção de moléstias coletivas.

Os valores constitucionais da justiça social se revelam nos atos humanos, nas

instituições, nos projetos de responsabilidade social e ambiental, explicando o agir, a

conduta empresarial, fundamentados nos princípios da solidariedade e da

responsabilidade pelo resultado das ações.

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114

5 CONCLUSÃO

A empresa é uma instituição viva, que deve se estender durante um longo

período, por isso os problemas ambientais, sociais e econômicos não devem ser vistos

de forma isolada à sua visão e missão empresarial.

Os indicadores ambientais de aquecimento global, assim como as inundações,

os furacões, a seca, a pobreza, a perda da biodiversidade são marcas que devem ser

consideradas na forma atual de gerar riquezas, pois num mundo globalizado os efeitos

da degradação do meio ambiente e social recaem sobre as comunidades mais pobres

tendo em vista o consumo não eqüitativo pelos países envolvidos.

Os fatores de crescimento da população, meio ambiente e valores

compartilhados pela sociedade influem diretamente no desenvolvimento de um país,

pois formam a base sobre a qual os governantes, os empresários e os consumidores

tomam suas decisões e desenham o presente e o futuro daquela sociedade.

Um dos grandes méritos empresariais é a mudança do paradigma de gestão do

negócio para o compartilhamento de posturas e interesses frente ao desenvolvimento

sustentável. A explosão crescente de novas tecnologias, o poder da informação e as

facilidades dos meios de comunicação são fatores do mundo globalizado – o que

acontece num determinado país reflete diretamente na economia de outros países, de

forma simultânea e imediata – e as responsabilidades do indivíduo extrapolam o raio

imediato da sua ação para atingir ambientes antes não questionados. O princípio da

responsabilidade de Hans Jonas é o grande fio condutor dessa nova forma de agir

responsável.

Nessa seara as empresas estão incorporando em sua gestão responsável os

acordos internacionais de direitos humanos para o desenvolvimento econômico e social

equilibrado e sustentável.

É um grande desafio para a economia mundial a conciliação de interesses

econômicos, mas para converter este desafio em oportunidades, as empresas precisam

atuar, operar e tomar as suas decisões estratégicas de forma ética, responsável e

sustentável.

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115

São mudanças de paradigmas necessários e efetivos para que as empresas

permaneçam no tempo de forma ilimitada, contribuindo com a sua capacidade de

inovação para as dimensões social, ambiental e econômica. Não se restringindo

apenas à produção de bens e serviços, e esquecendo a sua função social de manter-se

viva para produzir empregos, produtos e tecnologias úteis para a sociedade.

Assim, para tentar eliminar a maioria destes problemas e avançar o crescimento

econômico de forma sustentável, modelos de gestão empresarial devem ser

reconstruídos, dentro de uma visão compartilhada, e em equipes (diálogo social e

pensamento coletivo), compreendendo a totalidade dos processos dinâmicos da

economia e a integração com as políticas públicas dos locais onde as empresas estão

inseridas.

Esta mudança de comportamento não acontece de uma hora para outra, há

necessidade de investimento e paciência. O que é certo e enfatizado pelos “alertas

mundiais” realizados pelos cientistas sociais, políticos e econômicos, nos vários

encontros promovidos pelos organismos internacionais, é que os recursos naturais

estão se esgotando e não se renovando no mesmo período de tempo. As mudanças de

paradigmas se fazem urgentes e necessárias.

A responsabilidade social empresarial vem colaborar com todo este esforço

compartilhado. Os cinco fundamentos mínimos que respaldam a atuação responsável e

sustentável das empresas são: a abertura e sustentabilidade para o seu entorno; o

sentido de comunidade e permanência; a capacidade de inovação de tecnologias; o

emprego a longo prazo dos novos conceitos de gestão e a criação de valores sociais

para a tomada de decisões.

Isso não quer dizer que todos os valores tradicionais das empresas devem ser

esquecidos, e a partir de então, implementar os valores acima para se manter

competitiva e viva. A empresa responsável deve complementar os valores tradicionais

da iniciativa privada, buscando o equilíbrio dos resultados econômicos e do interesse

da justiça social.

Porém, a responsabilidade social requer uma gestão de riscos de forma

preventiva, um sistema adequado de controle do setor produtivo, uma visão global da

economia dos demais países (globalização), a transparência na prestação de contas, o

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116

redesenho do sistema regulatório e evitar práticas especulativas e expectativas que não

tem sustentabilidade além de outras medidas que tornam o mercado mais competitivo e

seguro para todos os envolvidos.

A função social da propriedade é gerar empregos, recolher os impostos devidos,

ter responsabilidade com seus produtos e zelar pela segurança dos seus acionistas e

consumidores. Porém outro valor ético deve ser acrescido na gestão da empresa – a

responsabilidade social empresarial - contribuir além das suas obrigações legais com a

promoção dos direitos humanos, sociais e políticos. O direito ao trabalho decente e à

qualidade de vida dos trabalhadores é o primeiro ponto de atenção: ações afirmativas

de igualdade de gênero, raça e pessoas com deficiência (PcD); relacionamento ético

com sindicatos; práticas trabalhistas de segurança e bem-estar dos empregados,

podendo estender aos familiares.

A responsabilidade social empresarial é uma ferramenta de gestão e contribui

para a função social da empresa, pois seu compromisso tem caráter voluntário e vai

além da obrigatoriedade legal, envolvendo em sua estratégia de negócio todos os seus

grupos de interesse afetados diretamente por suas decisões (empregados,

consumidores, acionistas, fornecedores dentre outros).

Em relação à efetividade dos direitos humanos, a responsabilidade social

empresarial é o mecanismo mais eficiente para a sua concretude, uma vez que os

tratados internacionais são instrumentos de observância obrigatória, assim como o

relacionamento com todas as partes interessadas e atingidas pela atividade da

empresa.

Para as pequenas e médias empresas, a inclusão da responsabilidade social em

sua gestão deve estar de acordo com as possibilidades de investimento social, ou seja

na qualidade de vida dos empregados e seus familiares, na erradicação do

analfabetismo e na promoção da capacitação profissional de forma a promover as

oportunidades e as liberdades dos seus empregados, dando prioridade na aquisição de

bens e serviços da comunidade local.

As grandes empresas privadas, principalmente as multinacionais, devem,

preferencialmente com o Estado, intervir de forma incisiva nas comunidades onde

atuam e estarem dispostas a mudar inclusive a sua matriz energética de forma a utilizar

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adequadamente os recursos naturais disponíveis, atuando de maneira transparente e

ética com os seus grupos de interesse.

As empresas públicas devem ser vistas como um braço prolongado do poder

estatal. Seu poder de articulação é muito maior do que das empresas privadas tendo

em vista a sua proximidade com as políticas públicas governamentais e seu círculo de

diálogo com os demais entes do governo. Isso não quer dizer substituir o Estado nas

suas competências e responsabilidades, e sim complementar sua atuação ativa na

sociedade.

O relacionamento com a sua cadeia produtiva pode ir além das obrigações

contratuais, estabelecendo cláusulas de caráter socialmente responsável tais como a

não concordância da utilização de mão-de-obra escrava, ou situação análoga ao

trabalho escravo e infantil, assim como a priorização da contratação de fornecedores

locais como compromisso da formação contínua desses trabalhadores.

A empresa deve visualizar, dentro das comunidades do seu entorno, as

possibilidades existentes que devem ser potencializadas e as que devem ser mitigadas,

e relacionar os temas que devem ser objetos de práticas e ações sustentáveis, com

acompanhamento de indicadores e resultados alcançados.

Dentro desse contexto de responsabilidade social empresarial o que fica claro é

que a empresa é parte integrante e efetiva na promoção da qualidade de vida da

população e do desenvolvimento econômico regional. Assim cabe reforçar o conceito

de responsabilidade social presente no Livro Verde da União Européia, que tem o

objetivo de fomentar um marco europeu para a responsabilidade social das empresas e

afirma “embora a sua obrigação primeira seja a obtenção de lucros, as empresas

podem, ao mesmo tempo, contribuir para o cumprimento de objetivos sociais e

ambientais mediante a integração da responsabilidade social, enquanto investimento

estratégico, no núcleo da sua estratégia empresarial, nos seus instrumentos de gestão

e nas suas operações”.169

As teorias normativas da Justiça social respaldam essa atuação ética e

responsável das empresas baseada no consenso das decisões, no compartilhamento

169 Disponível na Internet http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/com/2001/com2001_0366pt01.pdf. Acesso em 11 julho 2010

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118

das responsabilidades e no diálogo social com os stakeholders, podendo originar

políticas públicas de amplo alcance social, fundamentadas na melhoria de

oportunidades e liberdades da comunidade, em programas sociais de respeito e

promoção dos direitos humanos, na preservação e uso racional do meio ambiente

ecologicamente equilibrado e no desenvolvimento sustentável da região.

Os conceitos que envolvem a cidadania da empresa não devem ser confundidos.

A função social da propriedade está circunscrita à regularidade das atividades

econômicas que a empresa exerce, vinculadas ao seu objeto social e aos deveres

jurídicos do empresário. A responsabilidade social empresarial é ir além das obrigações

legais, não está diretamente vinculada ao objeto social e colabora com o Estado na

promoção do bem-estar coletivo e na promoção de políticas públicas com o

desenvolvimento de programas de responsabilidade socioambientais. A empresa deve

dispor à comunidade todo o seu poder de articulação para o desenvolvimento

econômico e integração regional.

As teorias normativas de justiça social têm a intenção de levantar uma base

informacional para formar os juízos avaliatórios dos trabahos de responsabilidade social

empresarial. E cada uma delas, respeitando a suas particularidades podem, em

determinado momento, contribuir para o desenvolvimento das iniciativas, ações e

programas de responsabilidade social e ambiental.

Os princípios utilitaristas estão direcionados para as utilidades, que na forma

tradicional de Jeremy Bentham, define-se utilidade como prazer, felicidade ou

satisfação, que giram em torno das satisfações mentais dos indivíduos, de caráter

subjetivo. É um contexto muito subjetivo e restritivo, difícil de ser aplicado num trabalho

em parcerias como o da responsabilidade social, mas com possibilidades de chegar ao

consenso porque reconhece a utilidade total considerada em conjunto, sem levar em

consideração o grau de desigualdade na distribuição das utilidades. Portanto, questões

importantes como liberdades substantivas individuais, dentro da proposta de Amartya

Sen, a fruição e violação de direitos civis, políticos, sociais e econômicos se não

refletidos nos números sobre prazer e satisfação, podem não ser contemplados pela

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119

teoria utilitarista. Na visão utilitarista, a injustiça é tida como uma perda agregada de

utilidade em comparação como o todo que poderia ter sido obtido.170

A teoria da Justiça Social, de John Rawls, possui a sua base de informações

nas liberdades formais e direitos de civis, políticos, sociais, econômicos e culturais a

serem promovidos pela ampliação das oportunidades de acesso aos bens primários

consensados dentro de estrutura pluralista, mas imparcial de posições tomadas pelo

véu da ignorância. Os bens primários são meios ou recursos gerais que ajudam os

indivíduos a promoverem seus próprios objetivos, como direitos, liberdades e

oportunidades, renda e riqueza e as bases sociais do respeito mútuo. Os direitos civis e

políticos constituem prioridade e não podem ser comprometidos pelas políticas

econômicas. Os relatórios anuais de desenvolvimento humano publicados pelo

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) pode ser uma fonte

informacional que as empresas podem fazer uso na discussão de políticas públicas

sociais, pois reúnem sistematicamente dados sobre a qualidade de vida dos indivíduos,

especialmente das comunidades mais carentes.

A teoria libertarista de Amartya Sen não leva em conta apenas os bens primários

que as pessoas possuem, e sim a capacidade de acesso que as possuem, ou estão à

disposição pelos serviços públicos para promoverem os seus objetivos. A capacidade é

um tipo de liberdade que depende do estilo e das condições de vida de cada pessoa

(por exemplo, uma pessoa idosa, uma pessoa incapacitada), por isso a importância em

conhecer as particularidades dos grupos de minoria social quanto às oportunidades que

podem não ser aproveitadas por todos.

As empresas que possuem a responsabilidade social empresarial em sua

estratégia de gestão devem reconhecer que o seu compromisso é com o bem-estar

coletivo, com a promoção dos direitos fundamentais e da justiça social, e os processos

avaliativos da sua atuação envolvem não apenas índices e dados quantitativos, mas

acima de tudo dados qualitativos, por isso a importância em ter as teorias normativas da

justiça social como referencial teórico da sua atividade socialmente responsável.

O comprometimento social com o bem-estar coletivo requer um senso crítico de

cada indivíduo sobre a relevância da responsabilidade pelos resultados da sua ação. O

170 SEN, 2000, p. 79

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comprometimento é social, mas a responsabilidade é individual e dependente das

circunstâncias sociais, econômicas e ambientais que estão a sua volta. A liberdade e a

responsabilidade caminham juntas. O comprometimento social não precisa ser apenas

pelo Estado, todas as instituições ordenadas políticas, econômicas e sociais, além da

sociedade são convocadas a atuarem juntas e criarem mais oportunidades de escolha

e liberdades substantivas para as pessoas. Este é o fundamento do princípio da

responsabilidade de Hans Jonas.

A responsabilidade social empresarial não possui um conteúdo descritivo, mas

constitui a ferramenta da função social da empresa para a construção de uma

sociedade justa e solidária. O termo função social já traz o conceito de bem-estar

coletivo, de temas de interesse para a sociedade. Não é difícil para a empresa,

independente do seu porte e natureza jurídica, implementar a responsabilidade social

em sua gestão estratégica. Basta o compromisso social com o desenvolvimento

sustentável.

.

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ANEXOS Anexo 1: A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A sustentabilidade é um termo com raízes fortes, mas que está se dissolvendo

pelo o emprego indevido em muitas situações de marketing e de ganho fácil, de caráter

monetário, consumidor ou de imagem corporativa. A sustentabilidade ganhou amplitude

a partir de 1987, quando a ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland definiu a

expressão “Desenvolvimento Sustentável ” em seu relatório para as Nações Unidas:

“satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações

futuras de satisfazer as próprias necessidades”.171 É um pensamento sistêmico e

abrangente das dimensões social, econômica e ambiental, com o objetivo de promover

o desenvolvimento econômico, com justiça social e respeito aos limites de renovação

dos recursos ambientais. A meta econômica também é importante, porém com

investimento de parte do lucro em iniciativas e ações que promovam uma nova fonte de

renda e oportunidades de acesso a bens, produtos e serviços.

O que é possível concluir nas discussões em torno da temática da

sustentabilidade é que as empresas vêem a sustentabilidade como obstáculo e

restrição ao crescimento econômico, enquanto para os ambientalistas o que falta é

regulamentação e fiscalização. Mas, como dito anteriormente, o momento é de

mudança comportamental, é preciso investir parte do lucro no bem-estar coletivo, e

conseqüentemente na promoção dos direitos sociais alinhados com a economia,

política e mercado.

A responsabilidade socioambiental da empresa decorrente de uma mudança de

paradigma ético-cultural pode até refletir no preço final de seus produtos e serviços, o

que significa muitas vezes aumento de custo tanto para as empresas quanto para os

consumidores, mas a pesquisa tem demonstrado que a sociedade está disposta a

171 Relatório Brudtland, 1987. Disponível em http://www.mudancasclimaticas.andi.org.br/node/91. Acesso em: 12 set. 2010

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pagar por esta conduta. Os selos de certificação (selos verdes) demonstram a mudança

no comportamento empresarial.

O importante também é sempre lembrar que a melhor contribuição da empresa

para a sociedade está em ser produtiva e eficiente. E esse termo eficiência pode vir

acompanhado da promoção dos direitos fundamentais, e nisso a implementação, pelo

governo, de uma política de incentivo fiscal contribuiria para um aumento das ações e

iniciativas de responsabilidade social e ambiental - manutenção das florestas (manejo

sustentável), das bacias hidrográficas e redução de emissão de gás carbônico por

exemplo.

A estratégia empresarial para a sustentabilidade requer voluntariedade,

promoção dos direitos fundamentais tanto dos empregados e colaboradores quanto da

comunidade em que está inserida, do desenvolvimento de novas tecnologias e

responsabilidade no uso dos recursos naturais.

A responsabilidade social empresarial não visa apenas atuar no ambiente

externo ou na implantação de um programa pontual por puro oportunismo, dessa forma

seria marketing social ou “maquiagem verde”. O seu foco dentro da empresa é mais

incisivo – a promoção do bem-estar, saúde e segurança dos trabalhadores e demais

colaboradores. Por isso, a responsabilidade social atua tão próxima do direito do

trabalho, incentivando o estabelecimento de políticas sociais de promoção de

comportamentos socialmente responsáveis, tais como: melhoria das condições de

trabalho e emprego; tratamento eqüitativo com os empregados subcontratados ou

terceirizados; a transparência no diálogo com a sua cadeia de valor; a forma de

conduzir mudanças na gestão de recursos humanos e o estabelecimento de ações

afirmativas de igualdade de gênero, raça, etnias e pessoas com deficiência (PcD).

As empresas devem priorizar em sua gestão responsável os seus recursos

humanos: a garantia de salários justos e adequados à jornada de trabalho; a livre

associação sindical; o reconhecimento dos sindicatos como parceiros da negociação

das relações de trabalho; a garantia da qualidade de vida dos empregados (motivação,

satisfação e retenção de talentos) e proporcionar oportunidades de trabalho educativo

para adolescentes com os seus direitos respeitados e benefícios ampliados tendo em

vista a sua condição de sujeito em desenvolvimento.

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Dentro desse contexto as ações afirmativas de igualdade de gênero é outro foco

a ser trabalhado como promoção dos direitos fundamentais e dos princípios da

dignidade da pessoa. A busca pelo equilíbrio de postos de trabalho, salários

compatíveis com a função a ser desempenhada e tratamento igualitário de benefícios

são políticas de recursos humanos que devem permanentemente ser revistas e

discutidas em conjunto com os grupos de interesse de forma a influenciar também a

comunidade onde atua. As palavras de Ramón Mullerat retratam este compromisso:

La RSE, por el contrario de la filantropía, es una forma de gestionar la empresa, es un compromiso por parte de la misma de gestionar su actividad de forma responsable; es, como dice la UE, un concepto por el que la empresa decide voluntariamente contribuir a una sociedad mejor y a un medioambiente mas limpio. 172

Os temas descritos acima requer para sua implementação uma conduta ética e

responsável, nos termos colocados pelo, já citado, princípio da responsabilidade de

Hans Jonas, pois a responsabilidade das decisões do “tudo ou nada” não deve ser

transferida às gerações futuras. Todos os homens têm valores, e estes valores devem

convergir para um fim, de preferência para a construção de uma sociedade justa e

solidária.

RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL, CIDADANIA CORP ORATIVA,

SUSTENTABILIDADE E GOVERNANÇA CORPORATIVA: TERMINOL OGIAS QUE

REFLETEM O VÍNCULO ENTRE EMPRESA E SOCIEDADE

A relação entre a empresa e a comunidade, ou seu entorno socioambiental é

cada vez mais ampla, profunda e multidisciplinar de forma que não é mais possível

desconhecer este relacionamento, e voltar atrás na relação.

A terminologia usada para definir este relacionamento gira em torno de:

responsabilidade social da empresa, cidadania corporativa (ou filantropia empresarial),

desenvolvimento sustentável (ou sustentabilidade empresarial), governança

172 Entrevista com Ramón Mullerat Balmaña, professor de Direito da Universidade de Barcelona. Disponível no site www.diariojuridico.com. Acesso em: 06 fev. 2011

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corporativa, e ainda negócios inclusivos. Todas elas demonstram o relacionamento

horizontal da agenda de trabalho entre as empresas e a comunidade. Essa agenda

estende-se também verticalmente, aprofundando os temas a serem desenvolvidos e

que estão cada vez mais próximos da estratégia das organizações públicas, privadas e

sociais. Os campos de atuação ético, social, ambiental e econômico estão alinhados,

colocando a empresa e a sociedade juntas num caminho cheio de desafios.

Os objetivos dessa agenda é criar valor social e econômico, e hoje se considera

boa gerência ou um bom negócio cuidar do relacionamento com a comunidade e todos

os seus públicos de interesse: empregados, consumidores, fornecedores, acionistas e

governo (stakeholders). A empresa deve buscar o bem-estar de todos esses públicos

de forma a fortalecer suas ações e seus negócios por um longo período. Os laços de

solidariedade entre empresa e sociedade devem ser fortalecidos para a promoção de

uma comunidade sadia e com oportunidades. As modalidades de relacionamento entre

empresa e sociedade serão descritas de forma breve:

1º) A Responsabilidade Social Empresarial (RSE) : o primeiro impulso da

empresa para com os problemas da sociedade foi reforçar a filantropia, apoiando com

recursos financeiros ações pontuais, de caráter emergencial, isoladas da estratégia de

negócios. Com o passar do tempo, os empresários se comprometem com uma agenda

de RSE que vai bem além da filantropia. Atualmente, é difundida a ideia de que a RSE

não foca somente em como distribuir a riqueza , mas em como se gera recursos

para a melhoria de vida na comunidade. Os valores integrantes desta prática são a

voluntariedade, a transparência, o trabalho em parceria e a promoção do princípio da

dignidade humana – princípio maior dos direitos sociais. Parte do trabalho realizado em

RSE é resultado de uma ação coletiva que se realiza através de alianças público-

privadas, e com a promoção de políticas públicas. Para muitas empresas, o primeiro

passo para implantar a prática de RSE é conhecer o perfil dos seus grupos de

relacionamento, principalmente os não-financeiros, de forma a trabalhar os interesses

dos acionistas e desses grupos numa plataforma de conciliação e operacionalização de

projetos socioambientais – iniciativa conhecida como Investimento Social Privado (ISP).

A estratégia de RSE é o trabalho conjunto, em parceria, na implantação de melhores

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práticas de relacionamento e conduta com: acionistas, clientes, fornecedores,

empregados, governos e comunidades.

2º) Cidadania Corporativa (ou Filantropia Empresarial) : frequentemente, o

relacionamento empresa-sociedade nasce a partir da filantropia, que reside na esfera

ético-moral do empresário, desvinculada da estratégia de negócio da organização. No

início do século XX, começa a surgir nos Estados Unidos as fundações profissionais,

oriundas de grandes fortunas. A partir da década de 1960, a filantropia passa a fazer

parte da estratégia das fundações profissionais e corporativas. Na América Latina, a

partir da década de oitenta, com força maior a partir de 1990, os empresários assumem

uma postura filantrópica em áreas exclusivas do Estado e da Igreja – maior

compromisso com a sociedade foi traduzido como maior compromisso com a filantropia.

Com o passar dos anos, a prática da filantropia foi freqüente nos negócios da empresa,

passando a ser relacionada com a cidadania corporativa, mas diferenciada da agenda

das práticas de responsabilidade social empresarial que é muito mais ampla. A

filantropia empresarial continua sendo uma prática importante no relacionamento

empresa-sociedade, construindo relações de confiança, a curto prazo, desvinculada da

estratégia de negócio empresarial.

3º) Sustentabilidade : a responsabilidade social empresarial e a sustentabilidade

tem uma mesma agenda comum na relação empresa e sociedade, porém as suas

características históricas são diferentes. Desde a publicação do relatório Nosso futuro

comum , da Comissão Brundtland, em 1987, os estudos sobre sustentabilidade tem

ganhado espaço na literatura e na mídia, divulgando o conceito de desenvolvimento

sustentável “satisfazer as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das

gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Apesar de o relatório possuir

um foco direcionado para a existência da crise do meio ambiente, ele também ressalta

a dimensão social e econômica. Assim, o termo sustentabilidade foi usado para mostrar

que estava em jogo a existência do nosso planeta, com a esperança de que ocorresse

uma mudança de postura, a longo prazo, e convocando a sociedade civil, governos,

empresas e grandes corporações a priorizarem em sua agenda ambiental ações contra

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o aquecimento global, o uso de uma matriz energética de fontes limpas e renováveis e

reafirmando o seu compromisso com o desenvolvimento econômico e social. O

movimento ambientalista seguinte ECO 92 - Agenda 21 reforça ainda mais este

compromisso, dando um grande impulso ao movimento ambiental. As três dimensões

ambiental, social e econômica avançaram com a publicação Cannibals with forks, de

John Elkington, em 1997, com ênfase na “triple linha de resultados” (triple bottom-line),

ou seja, o desenvolvimento econômico requer a conjugação da prosperidade

econômica, com qualidade ambiental e justiça social. Dessa forma a RSE que sempre

esteve ligada a ações sociais compensatórias ou mitigadoras, e à gestão da reputação

ou imagem da empresa, perde em espaço para a sustentabilidade, por ser um conceito

já consagrado e adotado para criar valor nos negócios, alinhado com o plano

estratégico das grandes empresas, como por exemplo, produtos com o selo verde,

controle de emissões de CO2 e comercialização de direitos de emissão de gases de

efeito estufa (cap-and-trade).

4º) Governança Corporativa : os elementos constitutivos da governança

corporativa compõem o Direito de sociedades mercantis e as teorias da organização de

empresas. O movimento surgiu na década de 1970 para sistematizar as soluções aos

problemas oriundos da separação entre as funções da propriedade e o poder de

intervenção/interesse dos acionistas, num momento de globalização e

internacionalização de mercados de capitais. O movimento da boa governança está

estritamente ligado à geração de valor para as empresas, principalmente as que

possuem ações cotadas na Bolsa de Valores, em relação à conduta empresarial, ou

seja, na adoção de códigos voluntários de boa governança, na estipulação de regras

para a solução de conflitos na Alta Direção e Conselho Administrativo, na adoção de

mecanismos transparentes de decisão e de ética empresarial, acompanhados de

instrumentos eficazes de monitoramento. De origem anglosaxônica, e implementada

após graves escândalos financeiros, não visa apenas proteger os interesses dos

acionistas, movimento “pro-shareholders”. A adoção de códigos voluntários de

condutas e de processos requer firmar o princípio da transparência, e por outro o

desenvolvimento sustentável das comunidades nas quais as empresas exercem suas

atividades comerciais, proteção ao meio ambiente e respeito aos direitos humanos,

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trabalhistas e fiscais. A governança corporativa converge com a responsabilidade social

empresarial quando considera o princípio da transparência nos mecanismos de decisão

nas empresas, assim como os diversos interesses protegidos que podem ser afetados

por tais processos, transmitindo uma gestão segura para buscar investimentos e

estabelecer relacionamentos saudáveis.

Essas terminologias refletem as tendências de relacionamento entre empresas e

sociedades, com a criação de uma agenda com temas ambientais, sociais e

econômicos, principalmente a geração de renda e empregos. Os temas estão inter-

relacionados, de forma que um promove ou requer o desenvolvimento do outro, não

dando margens para desfazer este vínculo de promoção de ações socioambientais

responsáveis.

O conceito de responsabilidade social empresarial tem sido amplamente

difundido por diversos organismos internacionais tais como a ONU, OIT, OCDE173 de

forma a contribuir para a discussão e a promoção dos princípios e direitos fundamentais

em suas estratégias e operações, garantindo que as atividades das empresas se

desenvolvam num contexto harmônico com as políticas públicas de governo e com as

diretrizes desses organismos internacionais.

173 Siglas – ONU (Organização das Nações Unidas); OIT (Organização Internacional do Trabalho); OEA (Organização dos Estados Americanos); OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos).

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Anexo 2: A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL NA ESTRATÉGIA DE NEGÓCIOS

A base informacional para as empresas pensarem em suas estratégias para a

sustentabilidade requer um conhecimento diversificado e de amplo alcance social,

político, cultural e econômico, pois as empresas são organismos vivos e complexos, e

sofrem influência e são também influenciadas por esses fatores, formando um elo

multidisciplinar e interdependente.

Assim, ao elaborar o seu Planejamento Estratégico de longo prazo deve levar em

consideração as oportunidades que a empresa deve proporcionar aos seus

empregados, e constituir parcerias para o desenvolvimento e integração regional.

Segundo Adam Werbach, alguns princípios devem ser observados na elaboração dos

Planos Empresariais de Sustentabilidade: 174

1. Os recursos naturais se tornarão cada vez mais escassos e caros

Os recursos físicos do planeta estão em declínio e requer, por parte das

empresas, inovações tecnológicas de processo e de recursos, principalmente dos

recursos não-renováveis (fósseis e minérios), e dos serviços de ecossistemas cada vez

mais escassos (água; combustíveis e plantas; condições climáticas; diversidade

biológica e genética).

2. Está ocorrendo uma mudança demográfica de grandes proporções

As empresas devem estar preparadas para lidar com as diversidades culturais e

exigências de seus consumidores, devendo desvincular suas operações de fontes

poluentes de energia e de condutas não éticas em sua cadeia produtiva, atendendo

principalmente às exigências do mercado local de suas operações.

174 WERBACH, Adam. Estratégia para sustentabilidade : uma nova forma de planejar sua estratégia empresarial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 21

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3. As pessoas são o recurso renovável mais importante

Os empregados devem ter satisfação e orgulho em pertencer à empresa e

sentirem-se engajados na conquista e promoção de seus objetivos estratégicos. A

estratégia de curto prazo para a lucratividade deve ser substituída gradativamente por

uma cidadania empresarial.

4. O fluxo de caixa é mais importante que os lucros trimestrais

A visão estrategista de curto prazo pode inviabilizar conquistas permanentes e

de valor para a empresa socialmente responsável. A estabilidade de fluxos de caixas

futuros demonstra a envergadura dos investimentos financeiros e a saúde da empresa.

Porém, este é apenas um dos indicadores socioambientais na construção de uma

empresa longilínea.

5. O ambiente operacional de todas as organizações vai mudar tão radicalmente

nos próximos três a cinco anos quanto mudou nos últimos cinco anos

O planejamento estratégico deverá ser dinâmico e flexível frente aos desafios e

riscos que possam surgir inesperadamente frente às sérias mudanças. A política de

sustentabilidade empresarial requer flexibilidade operacional para os vários momentos

críticos nos quais as empresas passam, além de se preparar para tomar decisões de

impacto nas organizações.

6. Um mundo exterior caótico exige coesão interna e flexibilidade

A partir do momento que as empresas tornam-se referência no mercado, a

tendência é ela se isolar da comunidade onde está inserida, principalmente das suas

críticas. Na estratégia sustentável isso não é recomendado. As empresas devem se

envolver com os grupos de interesse (stakeholders) e chamá-los, sempre que possível,

para discutir sua performance organizacional junto à comunidade. O trabalho em

parceria e com flexibilidade de mudanças resultam numa concatenação de idéias que

auxiliam na permanência da empresa por mais tempo na liderança.

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7. Só o realmente transparente vai sobreviver

O século XXI é a era da informação rápida e acessível a todos, de forma

globalizada. Se a empresa não agir com ética e transparência nos negócios, dentro e

fora da empresa, dificilmente irá sobreviver. Os índices de sustentabilidade de Bolsa de

Valores requerem uma postura organizacional pautada nos princípios da ética e da

transparência, inclusive com auditoria externa e independente das informações

divulgadas em seus Relatórios integrados (Balanço Financeiro Anual e de

Sustentabilidade).

O desenvolvimento de uma estratégia para a sustentabilidade empresarial requer

a análise detalhada de alguns pontos vitais para um crescimento sustentável em

comparação com as empresas tradicionais:

O que fazem os estrategistas da

sustentabilidade

O que fazem os estrategistas da lucratividade

Integram objetivos de curto prazo a estratégias de

longo prazo

Focam obsessivamente nos resultados do trimestre

e do ano

Baseiam seus planos em custos imprevisíveis de

energia e matérias-primas

Dependem de recursos naturais baratos para levar

seu produto ao mercado

Trabalham para um mundo de 9 bilhões de

habitantes com muitas diversidades a serem

promovidas e respeitadas

Esquecem do restante do mundo e trabalham para

conquistar consumidores atuais

Planejam para a mudança Admitem que o ambiente externo permanecerá o

mesmo nos próximos três a cinco anos

Valorizam a transparência Seguram a informação

Constroem de dentro para fora Agem de cima para baixo

Demonstram que “Nossa gente é nosso ativo mais

importante”

Dizem da boca para fora “Nossa gente é nosso

ativo mais importante”

Proporcionam processos profundos de indução e

incentivos materiais de longo prazo para os

funcionários

Oferecem incentivos de curto prazo aos

funcionários

Permanecem estreitamente ligados a organizações

e empresas externas

Ignoram o mundo que está fora das paredes da

empresa

Empreendem ações cíclicas constantes Empreendem ações lineares periódicas

Fonte: WERBACH, Adam. Estratégia para sustentabilidade : uma nova forma de planejar sua estratégia empresarial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 36

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A estratégia para a sustentabilidade empresarial requer um “olhar” crítico em

todas as dimensões social, econômica e ambiental, e um engajamento comprometido

com os grupos de interesse críticos, ou seja, aqueles que influenciam e pode ser

influenciados pela atuação empresarial. A flexibilidade nas rotinas operacionais de

forma a adequá-las às mudanças, e um constante monitoramento das ações e

iniciativas desenvolvidas formam um processo estratégico integrado, rápido, competitivo

e focado em conquistar uma maior sustentabilidade.

RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL – O PRINCÍPIO D A

TRANSPARÊNCIA

As empresas em suas atividades produtivas geram impactos positivos e

negativos no ambiente no qual estão inseridas. Exemplos de impactos positivos:

geração de emprego direto e indireto; aumento na arrecadação de impostos; melhoria

na infraestrutura física da região; disponibilidade de bens e serviços; integração

regional entre outros. Em contrapartida, os impactos negativos são acentuados caso

não sejam mitigados: poluição do ar; prostituição e exploração sexual comercial infantil;

a emissão de gases de efeito estufa; deslocamento de famílias; crescimento

desordenado e não integrado com políticas públicas dentre outros.

Quando as empresas entendem que elas são parte de um sistema maior e

interligado, que abrange as dimensões social, ambiental e econômica, estendendo

também para a cultural (na manutenção da cultura e costumes da região)175, elas

implantam em sua estratégia de negócio a sustentabilidade corporativa.

O termo sustentabilidade está se perdendo. Todos se declaram sustentáveis. Há

empresas que são socialmente responsáveis, mas a maioria utiliza o termo para

175 As cinco dimensões da sustentabilidade de Ignacy Sachs (2007): social, econômica, ecológica,cultural e territorial. SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007

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disseminar programas pontuais e divulgar em suas peças de marketing, virando uma

estratégia de mercado, de retórica, e de “manipulação” da opinião pública.

A sustentabilidade corporativa vai além da responsabilidade social empresarial,

que é a ferramenta utilizada para trabalhar e alcançar a sustentabilidade. Os princípios

são os mesmos e abrangem a transparência e a ética na atuação dos negócios; a

promoção dos direitos fundamentais; o bem-estar social; o relacionamento com as

partes interessadas; uma matriz energética limpa e renovável dentre outros já citados.

As empresas que querem sobreviver à nova ordem mundial da sustentabilidade

devem adequar seus instrumentos normativos, seus códigos de ética e conduta, seu

planejamento estratégico aos princípios da sustentabilidade corporativa. O conceito já

está disseminado entre as empresas de maiores portes e as entidades públicas, porém

o que se sente falta ainda é de ações efetivas e de comprometimento em promover o

bem-estar social. As empresas transnacionais devem buscar um comportamento

socialmente responsável “único”, independente das fragilidades dos países em que

atuam. Hoje, a dimensão social é carente de iniciativas de inserção empresarial em

relação à dimensão ambiental, onde há uma cobrança mais efetiva por parte das

legislações ambientais e dos consumidores globalizados.

Para Israel Klabin citado por Zylbersztajn, embora a dimensão social faça parte

do triple bottom line176, a sua efetividade, por parte das empresas ainda é muito tímida:

a ideia do social ainda está incluída naquele triple – o triple bottom line – de maneira um

pouco vaga. Não se trata de filantropia. Existem vários níveis de inclusão social no

conceito de desenvolvimento sustentável. E é de fundamental importância a recuperação

da ética do modelo econômico. A relação produtor-consumidor é estabelecida com base

em um modelo de participação plena e justa na renda nacional, o que nos leva a

repensar o papel do Estado. 177

A dimensão social engloba os aspectos de relacionamento com os empregados

e colaboradores; o envolvimento com a comunidade e com a cadeia de fornecedores; a

176 Triple bottom ine – expressão criada por John Elkington como tripé de resultados finais baseado nas dimensões social, econômica e ambiental – objetivos de equidade social, proteção ambiental e prosperidade econômica. 177 ZYLBERSZTAJN, David & LINS, Clarissa. Sustentabilidade e geração de valor: a transição para o século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.8

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regularidade da empresa enquanto signatária dos documentos orientativos de

sustentabilidade e a incorporação de critérios socioambientais na gestão corporativa

dentre outros.

A dimensão ambiental já é mais externalizada e de ampla visibilidade pela

sociedade tais como as emissões de gases de efeito estufa; a geração de resíduos e

descarte de efluentes; a consolidação da matriz energética dentre outros.

Enquanto a dimensão econômica prima pela transparência da gestão

econômico-financeira da entidade: auditoria externa independente, mecanismos de anti-

corrupção e atenção aos riscos institucionais que podem interferir nos negócios.

A adesão de empresas aos instrumentos de sustentabilidade requer um

equilíbrio de atuação em todas as dimensões para que não seja caracterizada uma

oportunidade de marketing social. A gestão adequada aos compromissos assumidos

voluntariamente e a transparência na prestação de contas são requisitos de uma boa

governança corporativa, por isso os relatórios de sustentabilidade, elaborados de

acordo com a metodologia da Global Reporting Initiative (GRI)178 estão ganhando

espaço nas empresas.

A metodologia internacional amplamente utilizada pelas empresas na elaboração

de relatórios de sustentabilidade é da Global Reporting Initiative (GRI). A GRI é uma

ONG, com sede na Holanda, e parceira do Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente (PNUMA), da ONU. É uma instituição independente e formada por

multistakeholders e tem como objetivo desenvolver uma metodologia de aplicação

global para conteúdo dos relatórios de sustentabilidade.

Sua metodologia é composta por indicadores de gestão, de governança

corporativa, responsabilidade pelo produto e desempenho nas dimensões social,

ambiental e econômica, além de suplementos com indicadores específicos do setor de

energia, telecomunicações, turismo, minério dentre outros.

A GRI trabalha para criar condições de publicação de informações sobre

sustentabilidade, que permitam comparações mundiais entre as empresas de forma

transparente e confiável.

178 Disponível em: www.globalreporting.org. Acesso em: 16 agosto 2010

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A transparência é um valor a ser absorvido pelas empresas que querem ser

perenes, pois está estritamente vinculado à sua reputação e imagem, melhorando o seu

contexto competitivo e a sua atuação junto à comunidade em que está inserida.

A responsabilidade social empresarial não é uma questão de moda ou de

estratégia de ação a curto prazo, por isso a ética e a transparência são valores tão

presentes na relação da empresa com a comunidade e com seus grupos de interesse,

principalmente nas relações com o governo na implantação de políticas públicas e no

compartilhamento de responsabilidades. Os governos sozinhos não conseguem

priorizar em sua agenda a solução para os problemas estruturais. Estes valores devem

estar expressos de forma clara nos relatórios de sustentabilidade e em outros

instrumentos de gestão estratégica.

Os líderes empresariais que estão mais atentos e comprometidos com a política

de responsabilidade social, e que incorporaram os valores em sua estratégia de

negócios, levam considerável vantagem na competição empresarial com aqueles que

insistem em fazer a sua gestão no padrão tradicional. As empresas socialmente

responsáveis contribuem com a geração de riqueza e com a promoção do bem-estar

social.

A empresa é a instituição que tem um grande poder de articulação e

transformação na eficácia de sua atuação, mas para a realização do seu negócio pode

gerar efeitos colaterais tais como a desigualdade, a pobreza, a exclusão e a destruição

do meio ambiente. Para impulsionar a prática da RSE, o Instituto Internacional para o

Meio Ambiente e Desenvolvimento, do Banco Mundial, incentiva os governos a

adotarem políticas públicas de fortalecimento de RSE das seguintes formas:

1. determinações, regulamentos (mandating): regulação da RSE, e intervenção

de instituições públicas no controle de alguns aspectos relacionados com ela;

2. facilitador (facilitating): desenvolvimento de regras ou códigos não-obrigatórios

aplicáveis no mercado; regulamentações que facilitam o investimento privado em RSE

ou a transparência, incentivos fiscais, investimento em investigação e criação de

opinião, e facilitador de processos de diálogo multistakeholders;

3. patrocinador (partnering): combinação de recursos públicos e privados e de

outros atores para promoção da RSE;

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4. apoiadores/incentivadores (endorsing): apoio político e público de práticas de

RSE no mercado, indicadores, princípios ou padrões promovidos por ONGs ou

empresas.

Estas iniciativas demonstram uma preocupação com o tema de RSE pelas

ciências econômicas, filosofia e até a sociologia, porém o Direito ainda se mantém

como espectador desta prática, não estipulando nenhuma sanção às empresas que não

a praticam. Talvez, pelo fato do conceito de RSE não estar devidamente definido e

consolidado, e por estar pautado na voluntariedade, não necessitando ainda de uma

regulamentação normativa efetiva.

Alguns aspectos desta prática de RSE podem ser trabalhados sob o ponto de

vista do direito tributário – prêmio por bom comportamento – que pode ser um ótimo

instrumento de incentivo de RSE e um aliado na redução de gastos públicos em

atividades socioambientais desenvolvidas pelas empresas. A dificuldade está em fechar

o conceito de RSE, pois uma empresa socialmente responsável deve ser também

legalmente correta e estar em dia com as suas obrigações legais e fiscais.

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TERMO DE DEPÓSITO

Deposite-se na Secretaria do Mestrado.

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FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA Professor Orientador Curitiba, ____/_____/________

Recebido em: _______/________/________

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Secretaria