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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO
LIGIA NEVES SILVA
OS PARADIGMAS DA JUSTIÇA SOCIAL COMO REFERENCIAL TE ÓRICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
CURITIBA 2011
CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO
LIGIA NEVES SILVA
OS PARADIGMAS DA JUSTIÇA SOCIAL COMO REFERENCIAL TE ÓRICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
CURITIBA 2011
LIGIA NEVES SILVA
OS PARADIGMAS DA JUSTIÇA SOCIAL COMO REFERENCIAL TE ÓRICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito.
Orientador: Professor Doutor Francisco Cardozo Oliveira
CURITIBA 2011
TERMO DE APROVAÇÃO Presidente: _________________ _______________________ Prof. Dou tor FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA
Orientador ____________________________________ Prof. Doutor LUIZ EDUARDO GUNTHER
Membro Interno ________________________________________ Profa. Doutora ROSALICE FIDALGO PINHEIRO
Membro Externo
Curitiba, 27 de Julho de 2011
Dedicatória
A nossa vida está marcada pelo desejo de felicidade. A maioria de nossos esforços tem como objetivo a nossa capacidade para escolher. Toda decisão que tomamos está diretamente relacionada com o nosso projeto de superação daqueles limites que impedem nosso bem-estar. (Prof. Dr. Bortolo Valle. A Ética na Idade Média). A todos os meus professores, em especial ao Prof. Dr. Francisco Cardozo Oliveira, que ampliaram o meu conhecimento e a minha capacidade de escolhas.
Às minhas escolhas em compartilhar a vida: Toninho, e nossos filhos Guilherme e Leonardo.
AGRADECIMENTOS
À minha família, em especial minha mãe Adélia, que mesmo sem nunca ter sentado num banco de escola, mas alfabetizada pelo meu avô, buscou respeitar e promover os direitos de seus onze filhos, amando, educando e orientando para a importância em dar o primeiro passo na direção certa. A todos os meus amigos e amigas, na pessoa da saudosa amiga Maria Inês Cañete Ledesma, in memoriam, por compreender a minha ausência física em tantos encontros e conversas, e mostrar que a vida é uma luta constante, mas vale a pena quando compartilhada por laços sinceros de amizade. Aos meus professores e colegas de turma, pelo aprendizado, compartilhamento de experiências e convivência agradável. Às secretárias do Curso de Mestrado pelo cuidado no cumprimento dos requisitos objetivos e da agenda acadêmica do Curso. E por fim, aos meus companheiros e companheiras de trabalho da Itaipu Binacional que conheceram e aprovaram o meu pleito em buscar o apoio institucional para a qualificação acadêmica.
RESUMO A pesquisa aborda o tema da responsabilidade social empresarial como ferramenta da função social da empresa e promotora dos direitos fundamentais e do desenvolvimento sustentável. A propriedade e a empresa viabilizam a estabilidade e o crescimento econômico do país, por isso a atividade econômica deve ser exercida de forma a promover os valores da justiça social. O fundamento da pesquisa é contextualizar as teorias normativas da Justiça Social como referencial teórico jurídico da responsabilidade social empresarial, principalmente a teoria da Justiça Social de John Rawls e a teoria libertarista de Amartya Sen. Os documentos orientativos que norteiam a prática socialmente responsável das empresas são relacionados para implementação dos programas sociais de amplo alcance na promoção de políticas públicas do bem estar coletivo. O princípio da responsabilidade de Hans Jonas vem coroar a conduta ética dos empresários e gestores públicos na implantação da responsabilidade social juntamente com a estratégia de gestão dos negócios da instituição. O trabalho analisa a função social da propriedade e a função social da empresa para inserção da responsabilidade social empresarial enquanto instrumento ou ferramenta da sustentabilidade. E por fim, conclui que a responsabilidade social empresarial é a nova forma de gestão da empresa cidadã e também o fio condutor do desenvolvimento e integração regionais, devendo ser praticada em conformidade com os princípios da solidariedade e da responsabilidade de Hans Jonas alinhados com as teorias normativas de justiça social. PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Social Empresarial; Justiça Social; Princípio da Responsabilidade; Função Social da Propriedade; Função Social da Empresa
RESUMEN La investigación aborda el tema de la responsabilidad social corporativa como una herramienta de la función social de la empresa y la promoción de los derechos fundamentales y el desarrollo sostenible. La estructura básica de la investigación es llevar las teorías normativas de la justicia social como un marco teórico de la responsabilidad social corporativa. Documentos rectores que guían la práctica de las empresas socialmente responsables están relacionados con la implementación de programas sociales en una amplia gama de políticas públicas que promuevan el bien común. El principio de responsabilidad de Hans Jonas corona la conducta ética de los empresarios y directivos públicos en la aplicación de la responsabilidad social, junto con la estrategia de la actividad de la entidad. El documento analiza la función social de la propiedad y la función social de la empresa para la inclusión de la responsabilidad social corporativa como instrumento de sostenibilidad. Por último, concluye que la responsabilidad social corporativa es la nueva forma de gestionar ciudadania corporativa y también el hilo conductor de desarrollo e integración regionales, ya que se practica en conformidad con los principios de solidaridad y responsabilidad de Hans Jonas en consonancia con las teorías de la justicia social. PALABRAS-CLAVE: Responsabilidad Social Corporativa, Justicia Social, Principio de la Responsabilidad, Función Social de la Propiedad, Función Social de la Empresa
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................8 2 A RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL E SEUS DOCUME NTOS
ORIENTATIVOS....................................................................................................12 2.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL.........................12 2.2 ÉTICA, RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O PRINCÍPIO DA
RESPONSABILIDADE ...........................................................................................19 2.2.1 O Princípio da Responsabilidade de Hans Jonas: uma ética de previsão e de
responsabilidade....................................................................................................24 2.3 DOCUMENTOS ORIENTATIVOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL
EMPRESARIAL......................................................................................................27 2.3.1 Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho – Um
Compromisso das Empresas e da Sociedade .......................................................31 2.3.2 Declaração da OIT sobre a Justiça Social e Globalização Equitativa ...................32 2.3.3 Documentos Orientativos de Gênero ....................................................................35 2.4 DIREITOS HUMANOS E RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL ..........38 2.5 A RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS HOMENS DE NEGÓCIOS: MARCO
INICIAL DA SISTEMATIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL CRISTÃ .....40 3 OS PARADIGMAS IGUALITARISTAS DE JUSTIÇA COMO REFERENCIAL
TEÓRICO À PRÁTICA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRES ARIAL..... 44 3.1 O UTILITARISMO ..................................................................................................47 3.2 A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ...................................................................................52 3.3 A TEORIA DA JUSTIÇA SOCIAL: A IGUALDADE DE BENS PRIMÁRIOS ...........57 3.3.1 A Cooperação como Forma de Gestão da Responsabilidade Social Empresarial
...............................................................................................................................70 3.4 TEORIA LIBERTARISTA: A PROMOÇÃO DAS LIBERDADES SUBSTANTIVAS.73 4 A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: RECEP ÇÃO NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DESSA PREMISSA PELOS PRINCÍPIO S DA SOLIDARIEDADE E DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.... ....................83
4.1 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA........................................................................................................88
4.2 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOLIDARIEDADE COMO FUNDAMENTO ÉTICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL...............................104
5 CONCLUSÃO .................................... ...................................................................114 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................... ...................................................121 ANEXOS ......................................................................................................................129
8
1 INTRODUÇÃO
O século XXI está voltado para as reflexões sobre os impactos em relação ao
meio ambiente e às mazelas sociais oriundas do capitalismo da busca do lucro
exacerbado a qualquer custo. A Constituição traz o princípio da função social da
propriedade para o centro da conduta ética e social das iniciativas privadas. O
empresariado fica a questionar: a minha empresa está cumprindo a função social
prevista na Constituição, ou ela está fazendo responsabilidade social empresarial?
O tema responsabilidade social está inserido na Linha de Pesquisa 1 –
Obrigações e Contratos Empresariais: Responsabilidade Social e Efetividade, do Curso
de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania. A pesquisa, ora apresentada busca
alinhar a responsabilidade social empresarial à gestão estratégica dos negócios da
empresa enquanto promotora dos direitos fundamentais. As várias terminologias são
utilizadas indistintamente: Função Social da Empresa, Sustentabilidade Empresarial,
Filantropia Empresarial, Cidadania Corporativa e Governança Corporativa. Há uma
necessidade urgente em ampliar o círculo de discussão sobre esta temática e impor
limites de responsabilidades social das instituições ordenadas para o desenvolvimento
econômico e social.
As empresas que já atendem a função social da propriedade, conforme
estipulada na Constituição Federal de 1988, acreditam que já estão cumprindo também
com a sua função social empresarial. O trabalho aborda a responsabilidade social
empresarial enquanto ferramenta da espécie função social da empresa do gênero
função social da propriedade, sendo esta em sentido latu sensu, e a função social da
empresa em sentido strictu sensu.
A empresa que exerce a função social da propriedade cumpre rigorosamente
com todas as obrigações legais, trabalhistas, tributárias impostas à regularidade do
exercício da atividade empresarial. Além de possuir uma governança corporativa
voltada para a melhoria da qualidade de vida de seus empregados e do seu entorno.
Estas ações estão vinculadas ao negócio e à imagem da empresa, principalmente junto
ao mercado consumidor.
9
Já a empresa socialmente responsável vai além das obrigações legais, e suas
ações e programas socioambientais estão alinhados com a sua estratégia de gestão do
negócio. A responsabilidade social está no “DNA” da empresa. O seu relacionamento é
amplo e abrangente com os seus públicos de interesse (stakeholders) na construção de
uma sociedade justa e solidária. A transparência permeia todos os seus negócios e a
prestação de contas de suas atividades é periódica para com os seus stakeholders,
através da publicação do Relatório de Sustentabilidade. A responsabilidade pelo uso
dos recursos ambientais e sociais é compartilhada com os demais parceiros
institucionais e comunidade, sobrepondo o interesse particular para promoção do
desenvolvimento sustentável. Com certeza, esta conduta responsável refletirá
positivamente no mercado consumidor, aumentando os lucros, mas também alcançará
uma perenidade longilínea e legitimidade da atuação. Neste caso, este
comprometimento respalda a função social da empresa.
No trabalho, ora utiliza a conceituação responsabilidade social empresarial, e ora
utiliza também a função social da empresa. As duas terminologias estão
intrinsecamente relacionadas e utilizadas no mesmo contexto da empresa ir além das
obrigações legais, e assumir um compromisso amplo e responsável pelo bem-estar
coletivo.
A responsabilidade social empresarial está inserida num contexto ético e social,
de decisão e conduta do empresário em praticar determinadas ações e iniciativas
socioambientalmente responsáveis, juntamente com a gestão estratégia do negócio,
para promover e ampliar as oportunidades e liberdades dos indivíduos da comunidade
na qual a empresa está inserida. O fundamento ético da responsabilidade social está
respaldado no princípio da responsabilidade de Hans Jonas, em sua obra O Princípio
Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Este princípio é
uma releitura sobre a responsabilidade do homem pelo seu agir, pelas suas
experiências que refletem em toda a biosfera, e não apenas na relação entre sujeitos.
As coisas são produtos do agir humano e carregam os resultados da experiência. É
uma ética de amplo respeito às várias formas de vida existentes, uma vez que os
valores éticos kantianos são antropocêntricos e limitados ao redor do imediatismo da
10
ação. Devem ser retomadas as questões ontológicas sobre a relação entre ser e dever,
causa e finalidade, natureza e valor.
A sociedade tecnológica requer uma ética mais próxima da ação, do agir humano
com vistas para o futuro, por isso reconsiderar os impactos de longo prazo, a sua
irreversibilidade e freqüência são elementos estruturantes da nova conduta ética
responsável.
Os documentos orientativos da responsabilidade social empresarial são de
amplo alcance e aplicabilidade efetiva para o desenvolvimento econômico regional, pois
são documentos de direitos humanos que possuem a sua importância reconhecida
internacionalmente, bastando apenas efetivá-los com práticas voltadas para a
erradicação da pobreza, do analfabetismo, da igualdade de gênero e outras minorias
sociais, combate a doenças transmissíveis, trabalho decente e meio ambiente
ecologicamente equilibrado dentre outros temas que promovam o princípio da
dignidade humana.
O trabalho destaca as teorias normativas de justiça social como marco teórico
para a efetividade da responsabilidade social empresarial, principalmente a Teoria da
Justiça, de John Rawls, que pela sua contemporaneidade enfoca a importância da
cooperação social, do consenso e da distribuição igualitária de todos os valores sociais
e bens primários: liberdade e oportunidade, renda e riqueza, auto-respeito das minorias
sociais. Não basta o empresário ou gestor público sair fazendo o bem estar coletivo
simplesmente porque quer modernizar a imagem da sua empresa ou buscar mais
mercados. As práticas devem estar alinhadas com a gestão estratégica e as teorias da
justiça servem de referencial teórico para a implantação e implementação de programas
e ações socialmente responsáveis.
Na pesquisa foi considerado como referência o modelo econômico definido no
art. 170, da Constituição Federal, ou seja, contribuir para a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a
pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais de forma a garantir a promoção
dos direitos fundamentais.
O primeiro capítulo aborda o conceito, a finalidade e a importância da
responsabilidade social empresarial para a promoção das oportunidades de acesso e
11
desenvolvimento pleno do cidadão, como a erradicação da pobreza, da redução das
desigualdades socioeconômicas e preservação e uso adequado do meio ambiente. Os
documentos orientativos, como verdadeiros instrumentos efetivos para as práticas
responsáveis de acordo com os princípios constitucionais de valorização do trabalho
para atingir a condição de vida digna, do bem estar social, sem necessidade de esperar
pela regulamentação legislativa. A inserção da responsabilidade social empresarial
como uma conduta ética e responsável por todo o sistema da natureza conforme
enfatiza o princípio da responsabilidade de Hans Jonas.
O segundo capítulo traz os paradigmas da justiça social, sem a intenção de
esgotar o estudo das teorias normativas de caráter social e igualitário. O objetivo da
pesquisa é contextualizar a responsabilidade social empresarial como ferramenta
promotora do bem estar coletivo e dos direitos fundamentais. O contexto igualitário, o
respeito à sociedade pluralista e o olhar atento para estes referenciais teóricos
igualitaristas fazem com que as ações e iniciativas de responsabilidade social e
ambiental estejam bem fundamentadas para serem discutidas e articuladas dentro do
processo de cooperação e solidarismo.
O terceiro capítulo ressalta a recepção da responsabilidade social empresarial,
enquanto ferramenta da função social da empresa, e esta espécie do gênero da função
social da propriedade conforme a Constituição Federal de 1988. O princípio da
solidariedade constitucional também é enfatizado para a importância do trabalho
compartilhado e responsável de todos os entes envolvidos.
A conclusão busca agrupar estes questionamentos, pois as principais teorias
éticas igualitaristas, mesmo envolvendo diferentes abordagens conceituais,
compartilham a promoção da igualdade, das liberdades e das oportunidades de acesso
amplo à maioria dos indivíduos da sociedade.
Para complementar o envolvimento amplo da empresa com a responsabilidade
social, os textos em anexo abordam as diferentes terminologias e a implicação da
prática da responsabilidade social na gestão estratégica empresarial.
A pesquisa utiliza do método dialético com referência bibliográfica e se posiciona
como um ponto de partida para o caminho da sustentabilidade.
12
2 A RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL E SEUS DOCUMENTOS
ORIENTATIVOS
2.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
A responsabilidade social empresarial (RSE) é a ferramenta de gestão da
empresa sustentável, ou seja, aquela empresa que estende as suas atividades
produtivas num longo prazo e dentro dos pilares da sustentabilidade: econômico, social
e ambiental. A visão de negócio é sistêmica e envolve os seus grupos de interesse
(stakeholders) na estratégia empresarial de decisões sobre os investimentos sociais em
seu entorno através de um amplo diálogo social.
A atuação empresarial ao integrar a responsabilidade social à sua estratégia de
negócio se torna parceira e promotora do desenvolvimento sustentável. Para Aline
Koladicz:
Uma atividade empresarial socioambientalmente responsável considera, além dos
valores de mercado, fundamentos de ordem ambiental e social, de forma a objetivar mais
do que um mero crescimento. Pretende, assim, um desenvolvimento que promova uma
melhora na situação econômica do cidadão, mas que também tenha reflexos em outras
searas. 1
As empresas formam um setor devidamente organizado, possuem incentivos do
governo federal, dominam as técnicas operacionais do mercado e tecnologias para
enfrentar os maiores desafios que a sociedade requer. Elas se inter-relacionam com
todas as dimensões ambiental, econômica, social e cultural, por isso a sua posição de
liderança frente aos desafios e problemas que o planeta enfrenta pode ser confirmada
1 KOLADICZ, 2009, p. 14
13
pelas palavras de Flávia Piovesan que refletem a importância das empresas para o
fortalecimento dos direitos humanos:
No que se refere ao setor privado, há também a necessidade de acentuar sua
responsabilidade social, especialmente a das empresas multinacionais, na medida em
que constituem as grandes beneficiárias do processo de globalização, bastando citar que
das cem maiores economias mundiais, 51 são empresas multinacionais e 49, Estados
nacionais. É importante, por exemplo, incentivar empresas a adotar códigos de direitos
humanos relativos à atividade de comércio; demandar sanções comerciais a empresas
violadoras dos direitos sociais; adotar a “taxa Tobin”(2) sobre os investimentos financeiros
internacionais, dentre outras medidas. 3
O termo responsabilidade social empresarial aparece em todos os artigos,
relatórios, propagandas e mídias de publicidade da empresa sustentável. Porém, ainda
não está clara a associação do termo RSE com a função social da propriedade,
princípio regulamentado pela Constituição Federal. Pergunta-se: É tudo a mesma
coisa? São coisas diferentes, mas possuem uma mesma natureza conceitual, ou seja,
proporcionar o bem-estar social?
O conceito de RSE deve ser aprofundado para não cair num recurso publicitário
de conteúdo vazio. Atualmente, é quase “obrigatório” para as empresas a publicação do
seu Relatório de Sustentabilidade, Balanço Social ou Relatório Social, os quais,
independente da nomenclatura, possuem o mesmo objetivo de relatar as práticas
responsáveis das empresas e servir como um instrumento de prestação de contas para
a sociedade.
É preciso refletir sobre a prática da responsabilidade social empresarial para
delimitar o seu campo de abrangência e atuação. Ao Estado não cabe apenas o papel
de mero espectador. Ele deve impulsionar a prática da RSE com o estabelecimento de
políticas públicas sociais, financeiras e tributárias. As empresas devem ser estimuladas
a aplicar parte do seu lucro em programas que beneficiem a comunidade e o meio
ambiente, mas devem também obter em troca benefícios tributários proporcionados
2 Taxa Tobin: criado na década de 70, pelo economista americano James Tobin, para ser aplicado nas transações financeiras internacionais. O tributo tem dupla função: a) regular este tipo de operação e b) constituir um fundo internacional para combater a desigualdade socioeconômica entre as nações. 3 PIOVESAN, 2004, p. 36
14
pelo Governo como incentivo, já que ir além do legal é uma atitude ética do empresário
ou administrador.
Geralmente as empresas implantam em sua gestão estratégica a RSE após a
ocorrência de um escândalo (caso Watergate) ou para manter as suas ações
negociadas em Bolsa de Valores (Dow Jones Sustainability, de Nova York, e o Índice
de Sustentabilidade Empresarial, da Bovespa). No caso de Bolsa de Valores, as
empresas estão obrigadas a publicarem o Relatório de Sustentabilidade.
Levando em conta esta intenção empresarial de incorporar ou retomar os
valores de confiança, credibilidade e solidariedade em sua gestão, as empresas
passam a se comportar de forma ética nos negócios, percebendo que agir moralmente
com seus públicos reflete também em crescimento nos resultados financeiros – uma
boa reputação incrementa o valor da empresa.
Para Porter y Kramer as empresas socialmente responsáveis tornam-se mais
competitivas e legitimadas pelos consumidores:
Las empresas pueden utilizar sus iniciativas benéficas para mejorar su contexto
competitivo, es decir, la calidad del entorno empresarial en el lugar o los lugares em los
que operan. Utilizar la filantropia para mejorar el contexto alínea los objetivos sociales
con los econômicos y mejora las perspectivas a largo plazo de una empresa.4
O contexto de RSE como benefício social também está presente no Libro Verde
de la Unión Europea, que tem o objetivo de fomentar um marco europeu para a
responsabilidade social das empresas, ressaltando que as empresas:
Al afirmar su responsabilidad social y asumir voluntariamente compromisos que van más allá de las obligaciones reglamentarias y convencionales, que deberían cumplir en cualquier caso, las empresas intentan elevar los niveles de desarrollo social, protección medioambiental y respeto de los derechos humanos y adoptan un modo de gobernanza abierto que reconcilia intereses de diversos agentes en un enfoque global de calidad y viabilidad. Si bien reconoce la importancia de todos estos aspectos, el presente documento se centra, principalmente, en las responsabilidades de las empresas en el ámbito social. 5
4 PORTER, M. & KRAMER, M.R., 2003, p. 6-21. Disponível no site www.periódicos.capes.gov.br . Acesso em 06 fev. 2011 5 Libro Verde de la Unión Europea , p. 3. Disponível no site www.jussemper.org. Acesso em 06 fev. 2011
15
Mas, a ética empresarial e a prática da responsabilidade social empresarial estão
muito próximas do marketing e das estratégias de negócio do que para a promoção do
bem-estar social de forma desvinculada dos interesses comerciais e financeiros, mais
propriamente o lucro.
Porém, estando ou não as empresas praticando a responsabilidade social
empresarial em função do marketing político ou das estratégias de negócio, a
comunidade está ganhando benefícios que antes estavam apenas na agenda de
governo, e esta é a outra face da RSE que será abordada neste trabalho de pesquisa,
ou seja, uma vez que as empresas estão praticando a RSE, elas devem contribuir para
a promoção dos direitos fundamentais e da justiça igualitária. As palavras de Pérsio
Arida enfatizam o entendimento de que é preciso implementar uma política de incentivo
para as práticas de sustentabilidade empresarial:
(...) é melhor ter uma empresa gastando recursos para gerir um projeto ambiental do que
não gastando, mas é sempre bom lembrar que a melhor contribuição da empresa para a
sociedade está em ser produtiva e eficiente. Essa é a função social da empresa. O
conceito de empresa sustentável é confuso. A maneira realmente efetiva de lograr o
crescimento sustentável não é aguardar o resultado de ações voluntárias de marketing
corporativo, ou campanhas para a consciência social das empresas, mas sim
implementar o sistema adequado de incentivos fiscais.6
No início dos anos 60, surgiu um movimento nos Estados Unidos - Corporate
Social Responsability - que levou as empresas a adotarem uma conduta ética de
responsabilidade sobre a sua atividade empresarial, principalmente quanto aos danos
ambientais causados pela sua atividade produtiva e proteção dos seus consumidores,
da sociedade do seu entorno, e estendendo para toda a sua cadeia de relacionamento
(stakeholders). Este movimento trouxe o tema da Responsabilidade Social das
Empresas para o mundo acadêmico e jurídico, principalmente para o Direito
Empresarial, de forma a permitir uma discussão sobre a uniformidade da sua
conceituação e dirimir as divergências e convergências a respeito desse
comportamento socialmente responsável na gestão dos negócios empresariais, que
6 ARIDA, 2010, p. 244
16
resultou numa mudança de visão do comprometimento da empresa e da sua função
social conforme ressalta Marta Marília Tonin:
Da mesma forma que o Estado mudou de perfil nas últimas décadas, também o conceito de empresa vem passando por substanciais mudanças nos últimos tempos. Desde a visão exclusiva do afã de lucro, à visão de uma instituição socioeconômica que tem uma séria responsabilidade moral com a sociedade, vale dizer, com os consumidores, acionistas, e empregados. Portanto, a empresa tem de cumprir funções e assumir responsabilidades sociais. 7
A empresa passa então por intensa reforma conceitual, permitindo ao Direito se
aproximar ainda mais da Economia e da Sociologia, para acolher a questão social, o
senso de co-responsabilidade com a sua relação com a comunidade e com os impactos
socioeconômicos resultantes da sua atividade produtiva. A sociedade passa a exigir
mais participação e responsabilidade das empresas como agente promotor do
desenvolvimento e integração regional. Rubens Requião ressalta esta atuação ativa
das empresas:
Hoje o conceito social de empresa, como exercício de uma atividade organizada,
destinada à produção ou circulação de bens e serviços ou de serviços, na qual se
refletem expressivos interesses coletivos, faz com que o empresário comercial não seja
mais o empreendedor egoísta, divorciado daqueles interesses gerais, mas um produtor
impulsionado pela persecução do lucro, é verdade, mas consciente de que constitui uma
peça importante no mecanismo da sociedade humana. Não é ele, enfim, um homem
isolado, divorciado dos anseios gerais da coletividade a que serve.8
A expressão Responsabilidade Social Empresarial (RSE) é divulgada, com
freqüência, em relatórios, jornais, revistas e outros meios da mídia publicitária. Porém, a
sua efetividade como forma de gestão ética comprometida com os direitos
fundamentais e com a qualidade de vida das comunidades nas quais a empresa se
relaciona está ainda por vir.
A função maior da RSE é contribuir para o desenvolvimento sustentável, e
segundo a definição do conceito Responsabilidade Social Empresarial, da norma
7 TONIN, 2006, p. 9 8 REQUIÃO, 1978, (s.p)
17
internacional de Diretrizes sobre Responsabilidade Social (ISO 26000) – é a
responsabilidade de uma organização pelos impactos de suas decisões e atividades na
sociedade e no meio ambiente, por meio de um comportamento ético e transparente
que:
- contribua para o desenvolvimento sustentável, inclusive a saúde e bem-estar da
sociedade;
- leve em consideração as expectativas das partes interessadas;
- esteja em conformidade com a legislação aplicável e seja consistente com as normas
internacionais de comportamento;
- esteja integrada em toda a organização e seja praticada em suas relações.
De forma clara, aparece no conceito três variáveis importantes e inseparáveis:
responsabilidade pelos impactos causados (transparência ), comportamento ético
(voluntariedade ) e envolvimento dos grupos de interesse (stakeholders).
O interesse apenas econômico na atuação empresarial socialmente responsável
poderá cair no marketing social ou político. A política de cooperação para a promoção
dos direitos humanos é fruto de um trabalho harmônico e de compartilhamento das
responsabilidades entre governo, empresa e sociedade civil organizada nas palavras de
John Shattuck:
Alrededor del mundo, estamos viendo fuerzas locales de base, crecientemente
exigentes, que presionan a favor de la democracia y de los derechos humanos, tanto en
el sentido corriente como en el más fuerte, que consiste en la transparencia y
responsabilidad pública de los gobierno.
Este fenómeno resulta de la confluencia de varios factores: los fracasos de algunos
gobiernos centrales fuertes en lograr un desarrollo económico e político satisfactorio; el
floreciente movimiento [social ] e ambientalista, que se ocupa de hacer responsables
públicamente a los gobiernos y corporaciones por el uso que hacen de los recursos y por
los efectos del desarrollo en las comunidades. 9 (grifo nosso).
Geralmente, as empresas adotam esta prática após um escândalo que veio à
tona por práticas ilegais, comprometendo a imagem institucional e conseqüentemente o
seu mercado consumidor. Por isso a necessidade de recuperar a confiança e a 9 SHATTUCK, 2004, p.354
18
credibilidade como valores que se perderam na gestão tornam-se a primeira iniciativa a
ser implementada pela empresa.
Esta prática deve estar intrinsecamente estabelecida na estratégia de negócio
empresarial e deve percorrer por todas as fases que a empresa se dispõe a planejar a
longo prazo.
A ética é o pano de fundo dessa prática que transparece tanto nos resultados
econômicos quanto na imagem, na boa reputação da empresa. A filantropia ficou
aquém das expectativas dos consumidores e investidores. Fazer doações pontuais em
causas benéficas, sem se envolver com a comunidade, não é o caminho a ser seguido
pelas empresas responsáveis, pois o seu envolvimento com a comunidade deve ser
considerado na contabilidade empresarial (Balanço Social) conforme lição de Francisco
Cardozo Oliveira:
A empresa precisa incorporar a ideia de que a redução das desigualdades sociais é,
antes de qualquer coisa, tarefa da administração da atividade empresarial. A empresa
deve gerar renda e riqueza para proprietários (acionistas) e não-proprietários. Precisa ter
comprometimento efetivo com a redução do desemprego e com a eliminação dos efeitos
nocivos para a sociedade, provocados pela alocação de recursos e pelas crises do
processo de acumulação de capital.
Os resultados destes compromissos precisam ser considerados na contabilização dos
resultados da atividade empresarial. Não se trata, portanto, de uma medição quantitativa
e abstrata da lucratividade. Trata-se agora de medir a lucratividade socialmente
responsável, que considera os efeitos da atividade empresarial para proprietários
(acionistas) e para não-proprietários (o conjunto de pessoas em comunidade).10
Por isso a importância em distinguir os conceitos de crescimento econômico e
desenvolvimento social, enquanto o primeiro está preocupado com os números, com
uma economia mais produtiva e abundante (mais consumo), o segundo inclui outros
indicadores do bem-estar social ou da qualidade de vida das pessoas:
Crescimento econômico é entendido como o crescimento contínuo do produto nacional
em termos globais ao longo do tempo, enquanto desenvolvimento econômico representa
10 OLIVEIRA, 2006, p. 120
19
não apenas o crescimento da produção nacional, mas também a forma como esta é
distribuída social e setorialmente.11
As palavras de André Lara Resende confirmam a associação das expressões
desenvolvimento econômico e crescimento econômico:
Até que se tenha atingido um padrão mínimo de riqueza material (único elemento
determinante da qualidade de vida) é muito provavelmente impossível falar em sociedade
desenvolvida. Essa é a razão pela qual a identificação do crescimento econômico com o
desenvolvimento seja tão recorrente (...). No início deste século, quando já não há mais
dúvida quanto aos estreitos limites ecológicos do crescimento mundial, quando a riqueza
material para o mundo como um todo não é mais restrição à qualidade de vida, é preciso
reconsiderar o arcabouço teórico do desenvolvimento. 12
É certo enfatizar que em muitos momentos o interesse econômico e a ética
empresarial coincidem, e a prática da RSE está exatamente neste ponto. A empresa
que tem o objetivo de permanecer no mercado competitivo por um longo tempo deve
implementar a cidadania empresarial em suas estratégias de negócio, principalmente
porque ela está inserida num contexto ético, de voluntariedade e solidariedade.
2.2 ÉTICA, RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O PRINCÍPIO DA
RESPONSABILIDADE
A responsabilidade empresarial está relacionada com a igualdade social e com o
equilíbrio ambiental e econômico através da atuação ativa dos empresários. A
consciência ética dos empresários deve abranger tanto o ambiente interno
(empregados, colaboradores, transparência na gestão, transações justas dentre outros)
11 TACHIZAWA & ANDRADE, 2008, p. 17 12 RESENDE, 2010, p.33-49
20
quanto o externo (consumidores, comunidade, respeito ao meio ambiente e equilíbrio
das relações sociais e econômicas dentre outras).
A definição de Ética no dicionário quer dizer: “Estudo dos juízos de apreciação
referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do
mal, seja relativamente a sociedade, seja de modo absoluto”.13
A responsabilidade social empresarial está pautada na ética e na voluntariedade
do empresário – são escolhas ou decisões que devem ser tomadas levando em
consideração os valores vigentes na sociedade – por isso, a pesquisa classifica a RSE
como ferramenta da função social da empresa, sendo esta última exercida em
conformidade com o solidarismo constitucional e com a promoção dos direitos
fundamentais de forma a induzir, juntamente com o Estado, o desenvolvimento
sustentável. Ana Carolina Zaina reforça esta atuação ética das empresas e dos demais
entes como ação mitigadora do capitalismo individualista:
Sob essa ótica [de responsabilidade compartilhada pelo crescimento econômico e
social ], vislumbra-se pesquisa acerca da irradiação do solidarismo constitucional sobre o
Direito das Obrigações, concebendo-se a responsabilidade social como um valor ético a
ser respeitado pelo Estado, pela empresa e pela sociedade civil, em busca da
humanização do capitalismo. (grifo nosso).14
A justificação ética da responsabilidade social empresarial é o princípio da
responsabilidade, no qual o homem extrapola o seu relacionamento ético subjetivo
(homem-homem), com base principalmente em crenças religiosas e tradições, e passa
a se relacionar também com toda a biosfera, num convívio harmônico e solidário
enquanto ser integrante e responsável pela geração e sobrevivência de todas as
espécies vivas15. O livro de Hans Jonas O Princípio da Responsabilidade: ensaio de
uma ética para a civilização tecnológica, publicado em 1979, aborda com clareza a
importância e a influência do saber tecnológico para o desenvolvimento dos valores
éticos e dos sistemas sociais fundados no respeito à dignidade humana.
13 FERREIRA, 1999, p. 848 14 ZAINA, 2010, p. 260-261 15 COMPARATO, 2006, p. 29
21
O imperativo formulado por Hans Jonas, no sentido positivo, Age tal maneira que
os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana
autêntica, e no sentido negativo, não ponhas em perigo a continuidade indefinida da
humanidade na Terra, é mais abrangente e holístico do que o imperativo Kantiano que
está mais relacionado com uma conduta imediatista e abrangente: Age de tal maneira
que o princípio de tua ação se transforme numa lei universal.16
É uma ética de amplo respeito já que os valores éticos tradicionais são
antropocêntricos e estavam ao redor do imediatismo da ação. Devem ser retomadas as
questões ontológicas sobre a relação entre ser e dever, causa e finalidade, natureza e
valor. Na era da ciência tecnológica, na qual a dinâmica do progresso é geométrica, a
ética está mais perto da ação, do agir humano com vistas para o futuro, por isso
reconsiderar os impactos de longo prazo, a sua irreversibilidade e freqüência tornam-se
elementos estruturantes da nova conduta ética responsável. 17
O estudo ora apresentado abordará a Ética associada ao princípio da
responsabilidade, principalmente com a natureza, pois o homem é responsável pelo
uso de seus instrumentos e pela consequência dos seus atos diante do conhecimento
técnico-científico que possui conforme ressaltado por Jelson Roberto de Oliveira:
A sua análise conduz a afirmação de que as ciências (e, em especial, o conhecimento
técnico-científico) praticadas nos últimos séculos, por estarem baseadas nesse dualismo
matéria e espírito e por terem fornecido ao homem um poder ilimitado sobre a natureza,
têm levado a renovados equívocos e perigosas consequências, exigindo, portanto, um
uso responsável de seus instrumentos.
(...)
Para Hans Jonas a vida deve ser pensada em sua magnitude, como um fenômeno
grandioso que ultrapassa a forma material e as nossas próprias condições
epistemológicas de compreensão. Salvar a vida é salvá-la em sua integridade essencial:
não só o “destino do homem” e a sua “sobrevivência física, mas também a integridade de
sua essência” deve ser buscada. 18
16 JONAS, 2006, p. 21 17 Cf. JONAS, p. 22 18 OLIVEIRA, 2010, p. 188
22
A responsabilidade social empresarial está inserida na conduta ética e
responsável do empresário. É preciso agir de forma responsável com a sua atividade
produtiva e ter uma visão abrangente e interligada de todos os fatores econômico,
social e ambiental. Eles são interdependentes e estão relacionados com a conduta ética
de respeito à vida como um todo. Citando ainda Jelson Roberto de Oliveira para
ressaltar a importância da ética e do conhecimento técnico-científico nas tomadas de
decisão do homem:
O novo saber tecno-científico, com todas as suas informações e instrumentos de
descrição e cálculo da natureza, obriga a ética a pensar o exercício desse poder para
além do âmbito intra-humano: já que o poder humano hoje equivale ao poder natural
(basta medir a capacidade de impacto de técnicas usadas pelo homem, como a bomba
atômica, ou mesmo as demais formas de geração de energia – só para citar um
exemplo) a nova ética precisa se alargar para abranger esses novos territórios até onde
chega o poder humano. Em outras palavras: como se desenvolveu o poder é preciso
também desenvolver a ética, já que uma coisa exige a outra (o poder exige ética porque
o seu exercício deve ser feito com responsabilidade).19
A RSE não é uma questão de modismo. A empresa é um dos principais atores
da sociedade, e para ela manter as suas atividades produtivas gera impactos sociais e
ambientais em seu entorno, muitos deles são negativos: as desigualdades que geram
pobreza e exclusão social associadas ao uso inadequado do meio ambiente. As
dimensões sociais e ambientais se interagem nas esferas de um círculo de preservação
e proteção, onde a elaboração de políticas públicas torna-se premissa básica de todo
dever e poder de decisão:
... o horizonte relevante da responsabilidade é fornecido muito mais pelo futuro
indeterminado do que pelo espaço contemporâneo da ação. Se a esfera do
produzir invadiu o espaço do agir, então a moralidade deve invadir a esfera do
produzir, da qual ela se mantinha afastada anteriormente, e deve fazê-lo na
forma de política pública. Nunca antes a política pública teve de lidar com
questões de tal abrangência e que demandassem projeções temporais tão
19 Cf. OLIVEIRA, 2010, p. 193
23
longas. De fato, a natureza modificada do agir humano altera a natureza
fundamental da política.20
Por isso, as empresas devem responder por sua cota de responsabilidade,
minimizando o seu impacto negativo e potencializando a sua conduta participativa e
colaborativa para a promoção de políticas públicas sociais, de forma que o seu agir
busque sempre o equilíbrio entre os interesses econômicos, sociais e ambientais da
empresa e da comunidade.
As empresas e as lideranças comunitárias devem estar atentas para as
conseqüências de suas atividades, para a utilização de recursos naturais e adoção de
mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL) em sua matriz de produção, de respeito
aos direitos humanos e sociais, dentro de uma visão a longo prazo. A visão a curto
prazo das atividades empresariais não possui espaço nas agendas ambientalista e
social da atualidade e da estratégia de negócios.
A competitividade acima de qualquer custo sai do primeiro plano, e entra a
sobrevivência, a permanência da empresa por um longo tempo. A originalidade e a
tecnologia se aliam para proporcionar novos produtos, menos agressivos ao meio
ambiente, a inovação da matriz energética auxilia a recuperar mercados consumidores
antes perdidos. Enfim, o tempo é de escolhas e de mudanças comportamentais rápidas
que envolvem valor e devem ser sustentáveis e permanentes por um longo período
conforme palavras de Bortolo Valle:
As boas ou más ações sempre estão presentes nos fundamentos de nossas escolhas. A
ação humana, dessa maneira, é sempre um exercício que envolve valor.
(...)
O tempo não dá solução ao problema; antes, convida o homem a um constante estado
de atenção sobre os possíveis fundamentos de suas escolhas, ou seja, sobre os
horizontes que orientam suas decisões em busca da felicidade... Isto significa que a
humanidade empenhada nos seus projetos de felicidade vai, de quando em quando,
modificando substancialmente suas crenças e seus valores. 21
20 Cf. JONAS, p. 44 21 VALLE, 2010, p. 49-50
24
O momento exige uma análise ampla das questões ético-culturais, seja de cunho
econômico, social ou ambiental, pois é praticamente impossível mudar os paradigmas
competitivos do sistema capitalista. Citando novamente Resende “o mercado é uma
forma competente de organização da produção de riqueza. Não é preciso matar o
sistema, o ideal tipo da economia competitiva, mas sim definir os seus objetivos”. 22
O poder de decisão e o agir exigem uma nova ética de responsabilidade com o
sistema social e com a biosfera, de longo alcance e de ampla reflexão sobre o fato e
valor, dever e proibições. A ética deve influenciar diretamente sobre as ações e poder
de agir, pois o princípio ético fundamental exige uma postura de cuidado e precaução:
A existência ou a ausência do homem, em sua totalidade, nunca podem ser
transformadas em apostas do agir. Daí deduz-se automaticamente que a simples
possibilidade desse tipo de situação deve ser entendida como um risco
inaceitável em quaisquer circunstâncias... em suma, proíbe a aposta do tudo ou
nada nos assuntos da humanidade. 23
Nessa seara, cabe fortalecer o princípio da responsabilidade de Hans Jonas para
o fortalecimento de políticas públicas e empresariais de comprometimento do bem-estar
social e do desenvolvimento sustentável para a continuidade das gerações futuras.
2.2.1 O Princípio da Responsabilidade de Hans Jonas: uma ética de previsão e de
responsabilidade
A prática da responsabilidade social empresarial não é obrigatória para as
empresas. Não possui uma previsão legal, está totalmente inserida no campo ético,
responsável dos empresários e gestores públicos, e sendo assim cabe ressaltar o
princípio da responsabilidade formulado dentro da doutrina moderna por Hans Jonas
22 Cf. RESENDE, 2010, p. 36 23 JONAS, 2006, p. 86-87
25
em sua obra - O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização
tecnológica.
Kant em seu imperativo categórico dizia: “Aja de modo que tua máxima se torne
lei geral”, e Jonas adequou este imperativo para uma nova forma de agir diante do novo
contexto social mundial (Justiça Social): “Aja de modo a que os efeitos da tua ação
sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”,
ou simplesmente: “Não ponha em perigo as condições necessárias para a conservação
indefinida da humanidade sobre a Terra”.24
Esse imperativo resume a responsabilidade da ação do homem pela
continuidade da humanidade “o novo imperativo clama por outra coerência: não a do
ato consigo mesmo, mas a dos seus efeitos finais para a continuidade da atividade
humana no futuro”.25
Enquanto o imperativo de Kant era voltado para o indivíduo, com um caráter
momentâneo; o imperativo da responsabilidade é voltado para as políticas públicas,
com caráter duradouro. A decisão do homem público é mais abrangente do que as
decisões privadas tendo em vista a preocupação maior com o bem futuro da
comunidade, a criação de uma estrutura política viável, longilínea – “a ação política
possui um intervalo de tempo de ação e de responsabilidade maior do que aquele da
ação privada, mas, na concepção pré-moderna, a sua ética não é nada mais do que
uma ética do presente, embora aplicada a uma forma de vida de duração mais longa”.26
Esse conceito de responsabilidade impõe que os novos tipos e limites do agir
exigem uma ética de previsibilidade, que os efeitos perdurem no tempo, respeitando os
limites atuais para garantir o futuro.
A natureza do agir atual exige uma nova ética de responsabilidade,
acompanhada de uma humildade em decorrência da excessiva grandeza do poder
(valorar e julgar) que o homem possui de mudança. A ética existe para ordenar as
ações humanas, e também, orientar o poder de ação de cada indivíduo.
Com base no conceito de sustentabilidade fica difícil implementar uma ética
imperativa; o caminho nos direciona para uma ética de convencimento dos nossos
24 OLIVEIRA, 2010, p. 193 25 JONAS, 2006, p. 51 26 Cf. JONAS, 2006, p. 54
26
sentimentos, como um elo intermediário de união e concretização para um futuro
melhor. A busca de uma ética da responsabilidade a longo prazo que nos revela aquilo
que desejamos preservar.
Ainda diante das incertezas tecnológicas colocadas em evidência por estudiosos,
o preceito ético fundamental de que “a existência ou a essência do homem, em sua
totalidade, nunca podem ser transformadas em apostas do agir”, pode ser considerado
nas discussões de um ambiente de risco, tema que a sustentabilidade atua de maneira
responsável.
A sustentabilidade impõe o dever de zelar pelas gerações futuras, e por isso
zelar é nosso dever básico para com o futuro da humanidade, e esse dever está
intrinsecamente vinculado à ética da solidariedade, da cooperação, da eqüidade para a
continuidade da existência do planeta.
É importante ressaltar que embora a sustentabilidade esteja ligada à ética e ao
dever-ser tendo em vista a sua não obrigatoriedade legal, a teoria do valor torna-se
relevante para o compromisso com a preservação do Ser. A questão ético-metafísica
deve fazer parte da ampla análise dos valores coletivos a serem preservados.
A teoria da responsabilidade deve focar em dois aspectos: o “dever” que é um
fundamento objetivo, racional; e a “capacidade de influenciar a vontade”, que é um
fundamento subjetivo – de ser a causa de alguma coisa ou de ser influenciado por algo
e este tornar-se a minha vontade de realização – a razão versus a emoção.
O movimento da sustentabilidade requer uma força motivadora para a sua
concretude, e essa força é de ordem moral impulsionada pela vontade, ou seja, o
aspecto emocional como componente da ética da responsabilidade. Por isso, o
movimento sustentável é de convencimento ético.
A teoria da responsabilidade se constrói em torno de três conceitos: a totalidade,
a continuidade e o futuro. E a responsabilidade de um homem público alcança os três
conceitos. Ele é responsável pela totalidade da vida da comunidade – bem público – e a
dimensão dessa responsabilidade se assemelha à da responsabilidade parental, onde
há um comprometimento com a própria existência física, segurança, plenitude de
oportunidades e felicidade do próximo. O privado se abre para o público e incorpora-o
como parte integral do Ser da pessoa.
27
O princípio da responsabilidade integral para toda ação pública ou privada,
reunindo o seu conjunto de ações particulares, compreende a garantia e possibilidade
de um agir responsável no futuro. E a perspectiva de futuro, altamente significativa
neste momento, deve ser analisada sob o contexto de uma política econômica,
tecnológica, ecológica, social e ambiental.
A responsabilidade está intrinsecamente relacionada com o poder, de maneira
que a dimensão e a modalidade de poder determinam a dimensão e a modalidade da
responsabilidade. O poder e a responsabilidade não podem se desvincular uma vez
que o dever e o agir estão juntos.
Assim, a prática da responsabilidade social empresarial exige uma atuação ética
responsável, na qual o agir dos diretores das empresas privadas ou gestores públicos
não pode pôr em risco a existência das gerações futuras. A empresa ética tem a
obrigação de prestar contas para a comunidade, devendo sobressair o dever de cada
pessoa com o todo já existente e do ainda por vir – um compromisso com a
preservação da dignidade humana.
2.3 DOCUMENTOS ORIENTATIVOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL
EMPRESARIAL
Os documentos orientativos da responsabilidade social empresarial são textos já
consagrados pelos organismos internacionais como o Pacto Global da ONU; Linhas
Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, principalmente as Convenções da
OIT e suas Recomendações sobre os princípios e direitos fundamentais do trabalho
tendo em vista que a primeira responsabilidade da empresa é com a qualidade do
ambiente de trabalho decente, por isso a importância em respeitar essas normas numa
economia globalizada e diversificada conforme ressalta Luciane Cardoso Barzotto:
28
Para a Organização Internacional do Trabalho, o paradigma do trabalho decente significa
aquele, que resulta em maior produtividade e em condições mais favoráveis ao
crescimento econômico, nos quais não se pode deixar as condições de trabalho e a
questão dos direitos na dependência do mercado porque, sem regulação, os sistemas
econômicos geram oportunidades para alguns países e não, para outros, assim como
desigualdades de acesso e de benefícios dentro de cada país.
(...)
Trabalho decente é um metadireito que visa tornar o trabalho digno uma realidade. Como
os povos devem honrar os compromissos decorrentes da proteção dos direitos humanos,
o cumprimento destas obrigações é condição necessária para o aprimoramento das
instituições políticas e de sua ordem jurídica. Portanto, direitos humanos para um
trabalho decente representam princípios de justiça aplicáveis a todos os povos. 27
O Pacto Global da ONU28 é uma iniciativa de cidadania corporativa amplamente
aceita pelos países membros. As empresas signatárias do Pacto se comprometem a
efetivar suas práticas empresariais baseadas em princípios universais de forma a
contribuir para um mercado global mais justo, equitativo e inclusivo. São seus princípios
de direitos humanos, do trabalho, do meio ambiente e anticorrupção:
- Princípio 1: As empresas devem apoiar e respeitar a proteção dos direitos
humanos fundamentais reconhecidos universalmente, dentro de seu âmbito de
influência;
- Princípio 2: As empresas devem assegurar-se de que suas empresas não são
cúmplices da violação dos direitos humanos;
- Princípio 3: As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o
reconhecimento efetivo do direito a negociação coletiva;
- Princípio 4: As empresas devem apoiar a eliminação de toda forma de trabalho
escravo ou forçado;
- Princípio 5: As empresas devem apoiar a erradicação do trabalho infantil;
- Princípio 6: As empresas devem apoiar a abolição das práticas de
discriminação no emprego e ocupação;
27 BARZOTTO, 2011, p. 168 28 Disponível no site www.pactoglobal.org.br . Acesso em: 06 fev. 2011
29
- Princípio 7: As empresas deverão manter um enfoque preventivo que favoreça
o meio ambiente;
- Princípio 8: As empresas devem fomentar as iniciativas que promovam uma
maior responsabilidade ambiental;
- Princípio 9: As empresas devem favorecer o desenvolvimento e a difusão das
tecnologias responsáveis com o meio ambiente;
- Princípio 10: As empresas devem trabalhar contra a corrupção em todas as
suas formas, incluindo a extorsão e o suborno.
O documento da OCDE - Linhas Diretrizes da OCDE para Empresas
Multinacionais29 – é dirigido aos governos e às empresas multinacionais de forma a
contribuir para um relacionamento harmônico e integrado com as políticas públicas do
local onde está inserida. São seus princípios e normas voluntárias para a conduta
empresarial:
1. Contribuir para o progresso econômico, social e ambiental com o propósito de
chegar ao desenvolvimento sustentável.
2. Respeitar os direitos humanos nas atividades empresariais.
3. Estimular o fortalecimento das capacidades locais, através de uma estreita
cooperação com a comunidade de forma a promover as boas práticas comerciais.
4. Incentivar a formação do capital humano, criando em particular oportunidades
de empregos e facilitando o acesso dos trabalhadores à formação profissional.
5. Abster-se de procurar ou aceitar isenções que não constem do quadro
estatutário ou regulamentar em relação ao meio ambiente, à saúde, à segurança, ao
trabalho, aos impostos, aos incentivos financeiros ou a outras questões.
6. Respaldar e manter bons princípios de governança corporativa,
desenvolvendo as boas práticas.
29 Disponível no site www.cgu.gov.br. Acesso em: 06 fev. 2011
30
7. Desenvolver e aplicar práticas auto-reguladoras eficazes e sistemas de gestão
que fomentem uma relação de confiança mútua entre as empresas e as sociedades nas
quais realizam suas operações.
8. Promover a sensibilização dos trabalhadores quanto à política empresarial.
9. Abster-se de ação discriminatória ou disciplinar contra os empregados.
10. Empoderar sua cadeia produtiva na divulgação e implementação dos
princípios de conduta empresarial consistentes com as Linhas Diretrizes.
11. Abster-se de qualquer envolvimento abusivo nas atividades políticas locais.
As políticas de responsabilidade empresarial social devem estar formuladas de
forma a promover os objetivos estratégicos da OIT, e seus programas com eles
relacionados, principalmente na construção de uma Agenda de Trabalho Decente. São
os objetivos estratégicos da OIT que refletem em suas Declarações e Resoluções
universais:
1. Promover os princípios fundamentais e direitos no trabalho através de um
sistema de supervisão e de aplicação de normas.
2. Promover melhores oportunidades de emprego/renda para mulheres e
homens em condições de livre escolha, de não-discriminação e de dignidade.
3. Aumentar a abrangência e a eficácia da proteção social.
4. Fortalecer o tripartismo e o diálogo social.
A empresa comprometida com a sua função social possui uma excelente política
de relacionamento com os seus trabalhadores, estendendo e cobrando também dos
fornecedores o cumprimento das resoluções trabalhistas da OIT. A empresa busca a
sua perenização, e assim prioriza a sua função social.
Desse comprometimento ativo com a função social decorre o conceito de
empresa socialmente responsável, que reinsere a solidariedade social na atividade
econômica e contribui para a justiça social.
31
2.3.1 Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho – Um
Compromisso das Empresas e da Sociedade
A Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho30
foi criada em 1998 para ser um documento de referência mundial e de compromisso
dos estados membros com a promoção da dignidade da pessoa humana, da qual os
demais direitos fundamentais são seus desdobramentos. São os temas abordados:
- a liberdade de associação e a liberdade sindical e o direito de negociação
coletiva;
- a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório;
- a abolição do trabalho infantil;
- a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.
A Declaração enfatiza que todos os estados membros devem respeitar os
direitos fundamentais arrolados, mesmo que ainda não tenham ratificado o seu
conteúdo em âmbito interno.
São direitos de caráter universal e aplicáveis em todos os países, independente
do estado econômico. O seu cumprimento torna-se um indicador do desenvolvimento
econômico, social e político do país.
A promoção do conteúdo da Declaração requer um compromisso de todas as
instituições numa economia que está cada vez mais integrada e globalizada. A
comunhão de valores éticos é a base para o fortalecimento de políticas sociais contra a
violação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais e para o desenvolvimento
sustentável.
O crescimento econômico é fundamental para a promoção da justiça social,
porém não é suficiente para a efetivação da equidade e do desenvolvimento social. Há
necessidade de implantar políticas sociais sólidas, promover a justiça social e
instituições comprometidas e não-corruptas.
30 Disponível no site www.oitbrasil.org.br. Acesso em: 01 fev. 2011
32
O binômio desenvolvimento social e crescimento econômico requer a garantia
dos princípios e direitos fundamentais no trabalho de forma a permitir a todos os
indivíduos acessos e oportunidades iguais, salários justos, dignidade de tratamento e
respeito às diferenças.
Cabe a cada Estado estabelecer mecanismos de cooperação técnica para
promover os direitos básicos elencados na Declaração da OIT de forma que o setor
produtivo seja socialmente responsável pelo bem-estar dos seus trabalhadores
terceirizados e empregados próprios.
A Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho é
um documento de grande alcance e importância para a responsabilidade social
empresarial de forma a se tornar para as empresas uma ferramenta de trabalho efetiva
e promotora dos direitos básicos dos empregados. As empresas podem ter seus
esforços divulgados, anualmente, pelo Relatório de Sustentabilidade (instrumento de
gestão empresarial), onde o princípio da transparência e a prestação de contas aos
públicos com os quais se relacionam tornam-se critérios de valor e de boa reputação
comercial.
A Declaração da OIT sobre a Justiça Social para uma Globalização Equitativa
cabe ser ressaltada, neste trabalho de pesquisa, tendo em vista os efeitos gerados pela
globalização e pelas empresas transnacionais ao desenvolvimento social e econômico
de uma região.
2.3.2 Declaração da OIT sobre a Justiça Social e Globalização Equitativa
Em junho de 2008, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) adotou sua
terceira declaração de princípios e políticas de caráter universal para a qualidade de
vida dos trabalhadores – Declaração da OIT sobre a Justiça Social para uma
Globalização Equitativa – reafirmando o comprometimento dos 182 Estados-Membros
33
em envidar esforços para o alcance de suas metas através de uma Agenda de Trabalho
Decente.
É um documento orientativo para a promoção de políticas equitativas de trabalho
decente vinculadas ao objetivo estratégico das empresas sustentáveis. Seu enfoque
deve ser amplo e inter-relacionado com as demais políticas de abrangência externa,
nacional e internacional, de forma a criar uma plataforma de atuação empresarial
compartilhada com os demais setores produtivos e órgãos de governança institucional.
O diálogo social (governos, empregados e trabalhadores) contribui para a
construção de uma base sólida de consenso para a implementação de políticas
públicas e econômicas que promovam os direitos fundamentais no trabalho.
A Declaração da OIT, quando elaborada, considerou o contexto atual da
globalização, os momentos de incerteza tecnológica que levam a abusos dos direitos
do trabalho, além das desigualdades de renda e oportunidades no mundo dos negócios
e prestação de serviços. O processo de globalização encontra uma diversidade de
contextos sociais, econômicos e políticos, gerando um aumento de economia informal e
o ingresso de trabalhadores vulneráveis. Por isso, é grande o desafio de alguns países
em conter as desigualdades, promover a justiça social e o pleno emprego de forma a
tornar-se comunidades sustentáveis.
Os valores básicos de liberdade, dignidade humana, justiça social, segurança e
não-discriminação permeiam todas as políticas de responsabilidade social empresarial,
e são interdependentes. A empresa só conseguirá um nível de cidadania se respeitar e
promover estes valores entre os seus públicos.
As empresas produtivas e sustentáveis juntamente com uma economia social
estruturada, e ainda com o apoio de políticas públicas, estabelecidas por um poder
público viável, formam a base do desenvolvimento equilibrado de sociedades fortes e
promotoras de oportunidades para todos. Por isso, os princípios da OIT para um
processo de globalização participativa e inclusiva são: 31
1) promover o emprego criando um entorno institucional e econômico
sustentável:
31 Disponível no site www.oitbrasil.org.br. Acesso em : 01 fev. 2011
34
a) as pessoas podem adquirir e atualizar as capacidades e competências que
necessitam para poder trabalhar de maneira produtiva, com realização pessoal e bem-
estar comum;
b) todas as empresas, tanto públicas como privadas, são sustentáveis para
tornar possível o crescimento e a geração de maiores oportunidades e perspectivas de
emprego e inclusão para todos;
c) a sociedade pode conseguir seus objetivos de desenvolvimento econômico e
de progresso social, assim como alcançar um bom nível de vida.
2) adotar e ampliar medidas de proteção social (segurança social e proteção dos
trabalhadores) que sejam sustentáveis e estão adaptadas às circunstâncias nacionais,
com inclusão de:
a) a ampliação da segurança social a todas as pessoas, incluindo medidas de
inclusão para aqueles que necessitam dessa proteção e estão sujeitos às incertezas
geradas pela rápida mudança tecnológica, econômica, social e demográfica;
b)condições de trabalho saudáveis e seguras;
c) medidas em matéria de salários e outras condições de trabalho, destinadas a
garantir a todos uma justa distribuição dos frutos do progresso e um salário mínimo vital
para todos os que tenham emprego e carecem de proteção.
3) promover o diálogo social e o tripartismo entre os governos, as empresas e as
organizações representativas de trabalhadores como os métodos mais apropriados
para:
a) adaptar a aplicação dos objetivos estratégicos às necessidades e
circunstâncias de cada país;
b) traduzir o crescimento econômico em progresso social e vice-versa;
c) facilitar a criação de consenso a respeito das políticas nacionais e
internacionais que incidem nas estratégias e programas em matéria de emprego e
trabalho decente;
35
d) fomentar a eficácia da legislação e as instituições de trabalho, em particular no
reconhecimento e na promoção das relações de trabalho e no estabelecimento de
sistemas eficazes de inspeção e proteção do trabalho;
4) Respeitar, promover e aplicar os princípios e direitos fundamentais no trabalho
e estabelecer condições propícias e necessárias para a realização de todos os
objetivos estratégicos:
a) reconhecimento da liberdade de associação, da liberdade sindical e do direito
de negociação coletiva para a promoção dos objetivos estratégicos;
b) que a violação dos princípios e direitos fundamentais no trabalho não pode ser
invocada como vantagem competitiva legítima entre os países.
A igualdade de gênero e as políticas de não discriminação devem ser
consideradas como questões transversais aos princípios relacionados, assim como as
resoluções das normas internacionais do trabalho, formando um sistema único e inter-
relacionado, de solidariedade e cooperação dos Estados-Membros da OIT para a
promoção de uma economia globalizada e responsável.
2.3.3 Documentos Orientativos de Gênero
Os instrumentos orientativos da questão de gênero podem promover discussões
e implementar diretrizes para o tratamento igualitário e equilibrado entre homens e
mulheres no ambiente de trabalho, levando a construção de políticas de cidadania
empresarial dentro de um conceito de sociedade justa e inclusiva:
- Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher – CEDAW. Aprovada em 1979 pela Assembléia Geral da ONU, e ratificada pelo
Brasil, sem reservas, em 1984.
36
- Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra
a Mulher – Convenção de Belém do Pará. Aprovada em 1994 pela Assembléia Geral da
OEA, e ratificada pelo Brasil em 1995.
- A Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em
1995, em Beijing (China). Em 2000, o documento foi alterado, incluindo novas ações e
iniciativas, resultando na referência Declaração de Pequim+5.
- Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher. Adotado em 1999 pela ONU, e ratificado pelo Brasil em
2002.
- e mais recentemente, lançado em março de 2010, Os Princípios de
Empoderamento das Mulheres – Igualdade Significa Negócios32, uma iniciativa do
UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher e do Pacto
Global, para promover a igualdade de oportunidades para as mulheres dentro do
ambiente corporativo. São os seus princípios norteadores:
1. liderança promove a igualdade de gênero;
2. igualdade de oportunidades, inclusão e não-discriminação;
3. saúde, segurança e fim da violência;
4. educação e treinamento;
5. desenvolvimento empresarial e práticas de cadeia de suprimentos e
marketing;
6. liderança comunitária e engajamento;
7. transparência, mensuração e relatório.
As Declarações da OIT primam pela proteção da igualdade de tratamento entre
homens e mulheres nas relações de trabalho. A eliminação da discriminação é uma das
suas preocupações principais, e sempre que possível o tema é reforçado entre os
países-membros da Organização. O tema está presente nas Convenções 100, de 1951
e 111, de 1958.
32 Disponível na íntegra no site www.unifem.org. Acesso em: 13 ago. 2010
37
A Convenção 100 traz a questão de “Salário igual para o trabalho de igual valor
entre o homem e a mulher”. No Brasil foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1957,
com vigência a partir de 1958 conforme ressalta Luiz Eduardo e Noeli Gunther:
Ao ratificar a Convenção, o Estado-Membro deve garantir a aplicação do princípio da
igualdade de remuneração entre a mão de obra masculina e a mão de obra feminina por
trabalho de igual valor, na medida em que permitam os métodos vigentes de fixação dos
níveis de remuneração. 33
A Convenção 111 sobre a discriminação (emprego e profissão), 1958, trata da
“Discriminação entre matéria de emprego ou ocupação”. No Brasil entrou em vigor em
1966 que conforme Luiz Eduardo e Noeli Gunther arrolam os tipos de discriminação
possíveis:
A discriminação é definida como qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em
motivos de raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional, origem social
ou qualquer outro motivo especificado por um Estado, que tenha por fim anular ou alterar
a igualdade de oportunidades ou de disciplina jurídica no emprego ou na ocupação.34
E ainda como documento âncora de todos os direitos fundamentais, sociais,
políticos e econômicos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é a referência
maior para a comunidade internacional como documento de promoção aos bens,
recursos e oportunidades. Adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em
1948, consolida o direito ao trabalho, à educação, à proteção contra o desemprego e a
pobreza, à livre associação sindical e à remuneração justa.
Os direitos da pessoa humana encontram na Convenção Americana sobre
Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – o manto protetivo do sistema
interamericano de direitos humanos. O Brasil é signatário do documento desde 1992 e
plenamente integrado desde 1998, podendo ser condenado no caso de
descumprimento dos deveres previstos. A importância deste tratado internacional para
os países americanos é a ampliação dos direitos além daqueles previstos na
33 GUNTHER, 2011, p.112 34 GUNTHER, loc. cit.
38
Constituição de cada país, cabendo ao Estado faltoso indenizar as suas vítimas, além
de outras medidas cabíveis.
A responsabilidade social empresarial é o compromisso ético, voluntário, em
poder das empresas para colaborar com a redução da pobreza e outras dificuldades
econômicas, ambientais e sociais juntamente com a comunidade local, exigindo a
implementação e a reforma de políticas sociais mais justas e efetivas.
As doutrinas éticas modernas do bem-estar social (Utilitarismo, Justiça
Distributiva, Teorias da Justiça Social) e os princípios norteadores dos direitos humanos
justificam e constroem os pilares da cidadania corporativa, da boa governança e dos
valores organizacionais. São construções dentro do contexto da promoção das
oportunidades, do solidarismo constitucional, da igualdade, da transparência, do diálogo
social, do respeito às diversidades e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Na política e na prática da responsabilidade social, as empresas podem inserir
os paradigmas sociais em suas obrigações e promoverem a função social dos seus
contratos, incluindo cláusulas sociais tais como: não contratação de mão-de-obra
infantil, escrava ou situação análoga; produtos com selos de certificação ecológica
(selos verdes); contratação de fornecedores locais; e capacitação/qualificação dos
empregados terceirizados tendo em vista a fragilidade do vínculo, dentre outras
ações/iniciativas específicas do contexto socioeconômico regional onde a empresa está
inserida.
2.4 DIREITOS HUMANOS E RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
A implementação da responsabilidade social empresarial exige um
comprometimento com os direitos humanos em toda a sua cadeia de relacionamento,
especialmente com o público interno, onde cada indivíduo deve ter a sua
individualidade respeitada, com todas as suas limitações e deficiências físicas num
ambiente harmônico de valor e de satisfação.
39
O respeito aos direitos humanos seria o valor supremo da atuação responsável
em todos os momentos e lugares da atividade empresarial, servindo como um norte a
orientar toda a vida ética da empresa.
O reconhecimento dos direitos humanos como um sistema objetivo de valores e
princípios universais como a liberdade, a igualdade, a fraternidade e a solidariedade faz
com que a doutrina seja unânime em disseminar a sua vigência, independente de
estarem expressos em constituições, leis e outros documentos internacionais por se
tratar de respeito à dignidade humana. Por isso, nas lições de Flávio Konder Comparato
a importância da distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais:
Como nos ensinou a doutrina germânica, há que se distinguir entre direitos humanos e
direitos fundamentais. Estes nada mais são do que direitos humanos positivados em
normas constitucionais expressas; mas não é essa positivação que confere juridicidade
às exigências de respeito à dignidade humana. A mesma distinção, como óbvio, há de
ser feita também no âmbito do direito internacional.35
Os princípios e os direitos arrolados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos estão consagrados em outros documentos internacionais como os Pactos
Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos, e sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, de 1966, promulgados no Brasil pelo Decreto n. 591, de 6 de julho
de 1992. Esses princípios fazem parte do costume de todos os povos e dos princípios
gerais de direito reconhecidos pelas nações democráticas.
A força normativa dos princípios tem seu fundamento no conjunto de
características que os compõem: a) seu campo de incidência é amplo e abrangente; b)
maior força jurídica e c) em caso de conflitos normativos aplicam-se o princípio mais
adequado ou pertinente para uma solução justa da lide.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o princípio da liberdade é pleno,
pois abrange a liberdade política e a individual, sendo então complementares e
interdependentes.
35 COMPARATO, 2010, p. 57
40
O princípio da igualdade presente nas revoluções do final do século XVIII
buscava abolir os privilégios da classe dominante e estipular a igualdade perante a lei,
surgindo então uma sociedade dividida por classes sociais e não em estamentos.
E ainda na luta por uma sociedade mais justa e equilibrada, buscando corrigir a
autonomia excessiva e o individualismo abusivo da classe burguesa, surge o princípio
da fraternidade nas relações interpessoais e a solidariedade como dever jurídico das
relações obrigacionais.
Nesse contexto de respeito ao princípio maior da dignidade humana, todas as
forças produtivas e entes sociais e políticos devem ter a sua pauta comum e
compartilhada de trabalho decente, de respeito ao meio ambiente equilibrado e de
construção de uma sociedade justa e solidária.
2.5 A RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS HOMENS DE NEGÓCIOS: MARCO
INICIAL DA SISTEMATIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL CRISTÃ
Diante da presença dos princípios da fraternidade nas relações interpessoais e
da solidariedade nas relações organizacionais, a responsabilidade social empresarial
não é um tema desconhecido por parte dos empresários nos Estados Unidos da
América. Desde a década de 50, o tema vem sendo pesquisado como um valor ético da
vida econômica e de interesse público numa economia baseada na livre iniciativa,
assim como a repercussão das decisões dos empresários sobre a moral e os valores
humanos na compreensão da vida econômica.
Na obra Responsabilidades Sociais do Homem de Negócios , de Howard R.
Bowen, o tema vem à tona dentro de uma consciência cristã “como deveremos lidar
com o dinamismo de nossa vida econômica, se ele afeta todos os segmentos da
existência nacional, de molde a prescrever e difundir a liberdade e a justiça, a
41
preocupação com a dignidade do indivíduo, o respeito pelos direitos das minorias, a
sensibilidade ao bem-estar público, o livre debate e a persuasão pacífica?”. 36
São princípios que devem ser discutidos dentro do âmbito coletivo, acima dos
interesses individuais, pois a ética e a responsabilidade social não podem ser
separadas dos interesses econômicos, da construção das instituições. A obra citada
busca responder as seguintes questões, que ainda hoje, são atuais nos
questionamentos da responsabilidade social empresarial:
1. Quais as responsabilidades para com a Sociedade que se esperam dos
homens de negócios?
2. Quais os benefícios tangíveis que poderiam advir das preocupações e
conseqüências sociais do trabalho dos homens de negócio?
3. Quais os passos que poderiam ser dados para aumentar o efeito dos aspectos
sociais oriundos das decisões comerciais?
4. Quais são os problemas éticos fundamentais que os homens de negócios se
deparam?
5. Até que ponto, os interesses comerciais se fundem com os interesses da
Sociedade?
O reconhecimento do poder de negociação e influência das empresas no
desenvolvimento econômico do país já era pauta de discussão das lideranças
econômicas na década de 50 (Smith Manufacturing Company versus Barlow)37. As
decisões dos empresários extrapolam o ambiente interno da organização e afetam a
vida de toda comunidade e o funcionamento do sistema econômico global.
A conduta socialmente responsável dos homens de negócio requer a adoção de
iniciativas e ações com tomadas de decisões que sejam compatíveis com os interesses
da sociedade. E a Justiça é o ideal máximo a ser buscado por todas as instituições - a
equidade na distribuição da renda e o acesso às oportunidades tanto para o
crescimento pessoal quanto para o desenvolvimento econômico. Não se esquecendo
36 BOWEN, 1957, p. 4 37 ASHLEY, 2005, p. 46 (caso de filantropía corporativa – doação de recursos financeiros para a Universidade de Princeton pelo sócio Smith, sendo questionado judicialemnte por um acionista. A Corte reconheceu a importancia da empresa para a sociedade – a responsabilidade social da empresa.
42
do acesso à educação, à saúde pública, à moradia e à promoção de ações afirmativas
de grupos de minorias sociais baseadas na raça, cor, sexo, idade e etnias.
Ademais desde que a intervenção do Estado deixou de ser mínima na economia,
e passou a ser sócio das empresas, estas devem cooperar na promoção de políticas
públicas sociais de bem-estar da sociedade. A harmonia entre os interesses públicos e
os interesses privados deve ser uma condição sine qua non de uma sociedade com
instituições bem ordenadas. Os interesses privados com vistas à promoção dos ideais
de desenvolvimento da sociedade e a regulamentação pública de forma a respaldar
esta atuação de cooperação social conforme expõe Ana Carolina Zaina:
Valores como justiça social, direitos fundamentais, acesso à justiça, direito à informação
e à transparência, combate à corrupção e às drogas, defesa do meio ambiente,
solidarismo jurídico palpitam na agenda mundial, nascem do amadurecimento
democrático, permeiam o conhecimento transdisciplinar e subjazem na ambiência social
como pressuposto de desenvolvimento sustentável, como dever do Estado, da sociedade
civil e da empresa e como direito do cidadão.38
Para Howard Bowen, a doutrina protestante disseminaria algumas sugestões e
normas para orientar o homem de negócio no cumprimento de seu dever cristão
relativas ao bem-estar econômico e social:39
1. O homem de negócios deve ser impelido pela motivação de servir à sociedade
antes que pela de aumentar os lucros como única finalidade de sua empresa;
2. Ele deve administrar todos os recursos naturais que recaiam sob o seu
controle com especial cuidado, de maneira que sejam salvaguardados os interesses
tanto das gerações atuais quanto das futuras;
3. Ele deve contribuir para aumentar a eficiência e a produtividade da sociedade,
de forma a contribuir para a eliminação da pobreza;
4. Ele deve envidar esforços para promover o princípio da dignidade humana em
todas as suas relações sociais com os operários, fregueses, fornecedores,
competidores e outros com quem tenha transações comerciais;
38 ZAINA, 2010, p. 217 39 BOWEN, 1957, p. 52
43
5. Ainda como conseqüência do princípio da dignidade humana, deve abster-se
de discriminação das pessoas por motivos de raça, religião, opiniões políticas,
nacionalidade e sexo. Cooperar efetivamente para a diminuição da discriminação
social;
6. Ele deve promover oportunidades iguais a todas as pessoas, principalmente
aos jovens, para um desenvolvimento de acordo com as suas potencialidades;
7. Deve assegurar condições dignas de trabalho, com segurança, jornada de
trabalho adequada e salários justos de acordo com a função exercida, de forma a
atender às necessidades físicas e culturais dos trabalhadores;
8. A integridade e o bem-estar da família têm de ser protegidos, estendendo os
benefícios sociais;
9. Respeitar o direito de livre associação dos trabalhadores;
10. A honestidade deve caracterizar todas as transações;
11. Fabricar produtos que sejam condignos para satisfazer as necessidades do
consumidor, assim como os processos de venda e propaganda do produto.
O conceito de co-participação das partes interessadas nas decisões estratégicas
das empresas também foi ressaltado por Howard Bowen “O ponto de vista do homem
de empresa é que a administração deveria agir, na qualidade de síndico, como
mediador entre os vários grupos interessados, mas que a responsabilidade de tomar
decisões deveria caber-lhe com exclusividade. A co-participação é o único modo de
obter responsabilidade, harmonia social e solidariedade social.”40
Dentro de um viés comparativo entre a obra de Howard Bowen (1957) e a
metodologia de trabalho da responsabilidade social empresarial pode-se concluir que
as duas são bem próximas e construídas dentro dos mesmos valores, considerando
uma diferença de mais de 50 anos entre os temas: promoção da dignidade humana; da
promoção de ações afirmativas de grupos de minorias sociais, da participação conjunta
de todos os grupos de interesse (stakeholders); da transparência nos negócios e na
prestação de contas; da potencialidade dos pontos fortes da comunidade; da mitigação
dos impactos negativos e do uso sustentável dos recursos naturais.
40 BOWEN, 1957 , p. 56
44
3 OS PARADIGMAS IGUALITARISTAS DE JUSTIÇA COMO REF ERENCIAL
TEÓRICO À PRÁTICA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRES ARIAL
Este capítulo tem o objetivo de trazer para a discussão as teorias normativas, de
caráter social e igualitário do Utilitarismo, da Justiça Distributiva e da Teoria da Justiça
para a fundamentação da prática da responsabilidade social empresarial.
A finalidade é contextualizar a prática da responsabilidade social empresarial
com a promoção das políticas públicas de bem-estar social, de âmbito coletivo. As
empresas têm que estar cientes que a responsabilidade social não é um modismo
passageiro de gestão, de implantação em curto prazo, de impacto restrito ao ambiente
da empresa, e de ganho apenas econômico como ressalta Carlos Roberto Claro:
Não obstante o fato de que o mundo vive, em pleno século XXI, uma era de economia
globalizada, e cujo final talvez não esteja tão distante, tal como adverte Greenspan
(2007), é imperioso destacar que a empresa capitalista deve procurar sim o lucro, pois é
ínsito à atividade econômica, mas também deve buscar se reproduzir, se tornar perene,
com um olhar no princípio da dignidade humana...um olhar em relação ao social.41
A responsabilidade social quando implementada na estratégia do negócio
empresarial, os seus efeitos podem ser vistos em todas as dimensões ambiental,
econômica e social. Mas, isso exige muita transparência e boa-fé na condução dos
interesses sociais, envolvendo e informando com clareza os grupos de interesse que a
empresa se relaciona estrategicamente.
A gestão de riscos é um foco de atenção constante para evitar crises
econômicas e promover a longevidade da empresa e a segurança dos seus públicos
(stakeholders). A empresa, a natureza e a sociedade formam uma malha social,
política e econômica intrinsecamente relacionada e interdependente. O risco já não
pode ser auferido isoladamente dos negócios e da natureza. Para Ulrich Beck a
sociedade de risco parte da natureza que está totalmente integrada com os demais
sistemas, formando um arranjo conceitual com todos os seus sistemas parciais
41 CLARO, 2009, p. 193
45
(econômico, social e político, dentre outros) de modo que eles não podem mais serem
vistos isoladamente:
La consecuencia central es que en la modernidad avanzada la sociedad, con todos sus
sistemas parciales (economía, política, familia, cultura), ya no se puede comprender de
una manera autónoma respecto de la naturaleza. Los problemas del medio ambiente no
son problemas del entorno, sino (en sus génesis y en sus consecuencias) problemas
sociales, problemas del ser humano, de su historia, de sus condiciones de vida, de su
referencia al mundo y a la realidad, de su ordenamiento económico, cultural y político.42
No contexto da cooperação, a propriedade privada enquanto arranjo institucional
de mercado impõe uma conduta racional sobre o uso dos recursos naturais e humanos
que dão sustentação à sua atividade econômica. Por isso, o respeito aos direitos
trabalhistas, ao bem-estar dos empregados e seus familiares, a busca da cidadania
empresarial, inclusive com o respeito ao meio ambiente devidamente equilibrado,
analisando estrategicamente a sua matriz energética, os fatores de produção e a cadeia
produtiva fazem com que os critérios da justiça social estejam na “entrada” do sistema
competitivo, e não na saída. Álvaro de Vita reforça esta ideia: “se a distribuição inicial
dos fatores de produção é justa, então os resultados do mercado serão justos”.43
A responsabilidade social empresarial deve ser vista como uma estratégia de
cooperação social, e não de interesse individual. Os empresários e gestores devem
promover o interesse social em suas ações privadas. Para Gauthier “a maximização
pura do próprio benefício, que é a única motivação da conduta individual no contexto de
jogo, se torna irracional no contexto da cooperação”. 44 E Jeffrey Sachs reforça esta
forma de trabalhar para o alcance do reequilíbrio econômico e político das nações:
Os desafios do desenvolvimento sustentável – protegendo o meio ambiente,
estabilizando o crescimento demográfico mundial, reduzindo as diferenças entre ricos e
pobres e acabando com a miséria – tomarão o centro do palco. A cooperação global terá
de ganhar prioridade. A própria ideia de Estados em competição, lutando por mercados,
poder e recursos, vai se tornar ultrapassada.
42 BECK, 2010, p. 114 43 VITA, 2007, p.104 44 Gauthier, apud VITA, Álvaro de, 2007, p. 130
46
(...) Esse destino comum requererá novas formas globais de cooperação, um ponto
fundamental, de simplicidade cristalina, que muitos líderes mundiais ainda não
compreenderam ou aceitaram.45
Por isso, trazer os paradigmas igualitários da justiça social, neste momento de
divulgação e disseminação da prática de responsabilidade social empresarial, faz-se
importante para respaldar a atuação ética e responsável das empresas dentro de um
processo de cooperação para a promoção da Justiça Social.
Cabe ressaltar que o fundamento teórico da pesquisa é a obra Uma Teoria da
Justiça, de John Rawls, publicada em 1970, e as teorias da libertaristas de Amartya
Sen, por terem um caráter mais contemporâneo e universal - o bem-estar tem como
base as necessidades humanas de “acesso a bens primários” -, de promoção da
oportunidade e de liberdade dentro do interesse social. Não se pode deixar de citar a
teoria Utilitarista, de John Stuart Mill, e a Justiça Distributiva estudada por Samuel
Fleischacker, embora estas tenham um foco na promoção da “utilidade social”
concebida na somatória de utilidades individuais, elas podem ser aplicadas a todas as
ações das instituições sociais ordenadas.
O caráter generalista do utilitarismo - nem o número de indivíduos envolvidos
nem as formas institucionais - por meio das quais suas decisões e atividades são
organizadas afetam o alcance universal do princípio da utilidade. Número e estrutura só
são relevantes indiretamente em virtude de seus efeitos sobre a forma de atingir o
maior equilíbrio líquido de satisfação (calculado em relação ao universo das pessoas
envolvidas) de maneira mais efetiva possível.46 Nesse contexto, insere a sua ampla
aceitabilidade na implantação de políticas públicas governamentais.
E entendendo que a responsabilidade social empresarial é uma ferramenta de
promoção da justiça social, esta não deve focar sua atuação nas preferências, atitudes
e interesses individuais, mas sim nas instituições sociais ordenadas, que alcançam uma
diversidade de interesses particulares e na distribuição igualitária de bens primários.
A promoção de uma prática social deve considerar os direitos, as liberdades e
igualdades básicas dos cidadãos, suas necessidades e expectativas de forma a inserir
45 SACHS, 2008, p. 13 46 RAWLS, 2000, p. 312
47
os valores da comunidade a ser atendida na política de RSE a ser implementada.
Dessa forma, os membros da comunidade aceitam a intervenção da empresa como
parceira do desenvolvimento regional.
Uma sociedade com instituições políticas, econômicas e sociais bem ordenadas
tem como base um diálogo social amplo e diversificado com todos os segmentos
sociais. Uma concepção política de justiça constitui uma base sólida para promoção de
um acordo cooperativo transversal e benéfico para todos.
Os termos equitativos de cooperação entre pessoas e instituições devem ser
estipulados com base na justiça social e sua lista de bens primários: livre competição de
igualdade equitativa de oportunidades; educação e qualificações desejadas; geração de
renda e riqueza entre outras. Quando as instituições básicas conseguem implementar
um sistema de liberdades básicas iguais e oportunidades equitativas, elas cumprem o
seu papel de indutoras da justiça social, garantindo a todos os cidadãos o
desenvolvimento pleno de suas capacidades.
Assim, a formação e a condução de instituições democráticas justas por um
longo período, podendo se estender para outras gerações é um grande bem social,
econômico e sustentável de cidadania. A responsabilidade social empresarial bem
organizada e integrada com a sociedade desempenha um papel cooperativo amplo
para a realização de valores e ideais político-sociais compartilhados e aceitos por todos
os cidadãos. Essas instituições econômicas distribuem direitos fundamentais e
oportunidades advindas da divisão de benefícios gerados pela cooperação com outros
arranjos sociais.
3.1 O UTILITARISMO
Sebastião Maffettone define o Princípio da Utilidade como “aquele princípio que
aprova ou desaprova toda e qualquer ação segundo a tendência que ela mostra ter de
aumentar ou diminuir a felicidade da parte cujo interesse está em questão; ou em
48
outras palavras, de promover ou impedir essa felicidade. Digo toda e qualquer ação e,
portanto, não apenas toda a ação de um indivíduo em particular, mas toda medida de
governo”.47
Por utilidade entende-se qualquer objeto, política, bem ou serviço que venha
produzir um benefício, vantagem, prazer ou felicidade, ou ainda prevenir a ocorrência
de alguma injustiça ou infelicidade para a parte individual ou coletiva, neste caso a
soma dos diversos indivíduos que compõem a comunidade:
Uma medida de governo pode ser considerada conforme ao princípio de utilidade ou
ditada por ele quando, analogamente, a tendência que ela tem de aumentar a felicidade
da comunidade é maior do que qualquer tendência sua a diminuí-la. 48
O utilitarismo sempre esteve preocupado com a situação social dos pobres,
principalmente na elaboração de políticas públicas e no desenvolvimento de instituições
sociais básicas. O utilitarismo está mais para a ética do que para a economia, pois ele
representa um sentimento de aprovação que quando efetivado numa ação, aprova a
sua utilidade. Jeremy Bentham lançou, em 1789, a sua obra Uma Introdução aos
Princípios da Moral e da Legislação, onde introduziu o princípio da utilidade como
fundamento da maximização da utilidade e felicidade, entendida como prazer e
ausência de dor, ou seja, uma ação só é boa se as suas conseqüências aumentam a
felicidade do maior número de pessoas. Juntamente com John Stuart Mill (1806-1873),
criticou as instituições da época, principalmente a Igreja e os legisladores, que
defendiam o direito natural como justificativa do poder. 49
O utilitarismo é uma doutrina ética, que prioriza o bem ao maior número de
pessoas, e fundamentou nos séculos XIX e XX a construção de políticas sociais e
econômicas para a coletividade - maior felicidade para um conjunto de pessoas. A
Utilidade ou Felicidade é uma norma de conduta de fundo ético, pois a finalidade da
ação humana, dentro do padrão da moralidade, deve ser assegurada a toda
coletividade.
47 MAFFETTONE, 2005, p. 232 48 Ibid, p. 233 49 MILL, s.d., p. 7
49
Os opositores desta doutrina dizem que a felicidade é inatingível, e que os seres
humanos podem viver perfeitamente sem ela, sendo a sua renúncia uma virtude. Stuart
Mill afirma que os opositores acreditam que o utilitarismo é “uma exigência severa
demais, por pretender que as pessoas devam sempre agir de acordo com a vontade de
promover os interesses gerais da sociedade”.50
Para os utilitaristas, a falta de educação, de desenvolvimento intelectual, o
egoísmo e as disposições sociais são alguns dos impedimentos que podem dificultar o
acesso à felicidade para um conjunto de pessoas. A felicidade ou a conduta moral de
um agente deve estar em harmonia com o coletivo.
O utilitarismo enquanto teoria ética defende que a soma das felicidades
(satisfação menos privações) dos indivíduos, aqui definida como utilidades, seja tão
ampla quanto possível, mas esta amplidão pode trazer dificuldades na aplicação da
teoria tendo em vista que os conceitos de felicidade, bem-estar, utilidade não podem
ser aplicados à sociedade como um todo. Sendo assim, a teoria utilitarista ficaria
circunscrita a uma cultura específica. O conceito de felicidade se perde na
subjetividade.
Dentro do contexto moderno do Estado Social, as teorias ético-modernas surgem
como reações ao utilitarismo, priorizando a liberdade e os bens primários, pois o
utilitarismo é incapaz de responder às exigências atuais da sociedade.51 E ainda como
afirma Amartya Sen:
Los utilitaristas quieren que las utilidades se consideren como las únicas cosas que
importan en última instancia y exigen que las políticas estén basadas en la suma total de
las utilidades en tanto que los abogados de los derechos humanos quieren el
reconocimiento de la importancia de ciertas libertades y la aceptación de ciertas
obligaciones sociales para salvaguardarlas.52
Mas, considerando que a busca da felicidade (sentido lato sensu) ainda é um
bem a ser buscado pelos indivíduos, o ponto forte da teoria utilitarista como referencial
teórico da responsabilidade social empresarial é o seu fundamento nas utilidades aqui
50 Cf. MILL, s.d., p. 34 51 KOLM, 2000, p. 214 52 SEN, 2010, p. 392
50
definidas como prazer, felicidade ou satisfação, onde tudo gira em torno das
realizações mental e moral (prazer ou felicidade gerada), como regra de conduta e o
benefício do bem-estar social (Felicidade) para o maior número de pessoa. E os
utilitaristas afirmam que os motivos que levam um agente a proporcionar uma norma de
felicidade são irrelevantes desde que não violem os direitos e as legítimas expectativas
de outras pessoas. Os motivos podem ser outros, e não apenas os de caráter legal. O
agente tem os seus méritos reconhecidos quando proporciona a felicidade coletiva, pois
o princípio utilitarista não tem interesse na efetiva distribuição das utilidades levando em
consideração as necessidades de cada indivíduo, e sim sobre a utilidade total de todos
considerados em conjunto.
O utilitarismo tem sido a teoria ética mais utilizada, há mais de um século, na
elaboração e avaliação de políticas públicas. A forma clássica do utilitarismo, de Jeremy
Bentham, teve sua abordagem modernizada pela economia do bem-estar (welfarismo)
e adotada pelos economistas sociais William Stanley Jevons, Henry Sidgwick, Francis
Edgeworth, Alfred Marshall e A.C. Pigou.53
Os elementos ou requisitos de avaliação de políticas públicas, que compõem a
visão moderna do utilitarismo, podem ser agrupados em:
1. Conseqüencialismo – todas as escolhas (de ações, regras ou instituições)
devem ser julgadas por suas conseqüências ou pelos resultados a serem gerados. O
nível de importância às conseqüências é alto.
2. Welfarismo – toda escolha deve ser julgada de acordo com as respectivas
utilidades a serem geradas. Há uma combinação entre o welfarismo e o
consequêncialismo, ou seja, qualquer ação é julgada conforme o estado de coisas
conseqüente, e este de acordo com as utilidades desse estado (welfarismo).
3. Ranking pela soma – as utilidades são tomadas no sentido coletivo, e não no
sentido individual, e somadas conjuntamente com o resultado a ser alcançado.
Esses elementos devem ser aplicados conjuntamente, na medida do possível,
na avaliação de cada utilidade tendo em vista que a representatividade numérica pode
ser mensurada, e a felicidade ou desejo não são fáceis de medir.
53 SEN, 2000, p. 77
51
Mas a concepção utilitarista pode apresentar alguns pontos frágeis quando da
aplicação plena na elaboração de políticas públicas conforme análise de Amartya
Sen:54
1. Indiferença distributiva: o cálculo utilitarista tende a não levar em consideração
desigualdades na distribuição da felicidade (ênfase na soma total, independente das
desigualdades na distribuição);
2. Descaso com os direitos, liberdades e outras considerações desvinculada da
utilidade: a visão utilitarista não atribui valor intrínseco a reivindicações de direitos e
liberdades;
3. Adaptação e condicionamento mental: a abordagem utilitarista do bem-estar
individual é frágil e não mensurável, tais como o prazer, felicidade ou desejo. O cálculo
de utilidades pode ser injusto com aqueles que são minorias e destituídos de políticas
sociais.
Pode-se dizer que uma ação ou política pública de educação, saúde e emprego
desempenha e alcança a sua finalidade utilitarista quando as oportunidades reais são
disponibilizadas à população e asseguradas pelas instituições sociais, defendendo uma
igualdade não apenas formal de oportunidades, mas efetiva e justa:
De uma ação conforme ao princípio de utilidade pode-se sempre dizer ou que é uma
ação que deveria ser praticada, ou, pelo menos, que não é uma ação que deveria ser
praticada... que é uma ação justa, ou pelo menos, que não é uma ação injusta.55
A responsabilidade social empresarial é uma conduta ética, e o resultado desta
ação deve visar o bem-estar coletivo da comunidade do entorno ou de um grupo de
minorias sociais, sendo estes os motivos pelos quais os gestores implantam esta
prática voluntária em sua gestão estratégica. O desenvolvimento da ação, a conduta
socialmente responsável (transparência e confiança), e o monitoramento dos
indicadores para efetivação de medidas e políticas sociais compõem a metodologia da
responsabilidade social. O alcance da teoria utilitarista na elaboração de políticas
públicas sociais pode vir a ser considerado também como um referencial teórico para as
54 Cf. SEN, 2000, p. 81 55 Cf. MAFFETTONE, p. 234
52
empresas da implantação ou não de programa de responsabilidade socioambiental.
Cabe ressaltar que a adoção deste referencial teórico requer um amplo e
multidisciplinar diálogo social devido à sua subjetividade. O critério deve ser de utilidade
social, e não individual. A responsabilidade social empresarial se dá em um ambiente
de parcerias (stakeholders) e visa implantar práticas que beneficiem o interesse e o
bem coletivo.
3.2 A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
A teoria da justiça distributiva trata de como uma sociedade ou um grupo deve
compartilhar ou distribuir os seus recursos ou seus produtos entre aqueles que
necessitam. A ideia de distribuição de recursos vinculada a méritos remete a Aristóteles
“as pessoas merecedoras teriam a garantia de ser recompensadas de acordo com seus
méritos, sobretudo no que diz respeito a seu status político”.56 Já para os
contemporâneos trata-se de uma questão de justiça social, pois todos devem levar uma
vida livre de carências e oportunidades.
A justiça distributiva foi um dos temas tratados na Carta Encíclica “Rerum
Novarum”, do Papa Leão XIII, escrita em 1891, sobre a condição dos operários. Na
visão da Igreja Católica as inovações deveriam migrar da política para a economia
social uma vez que as relações entre patrões e operários, a má distribuição da riqueza
e a corrupção dos costumes estavam em conflito, e a solução seria por em prioridade
os princípios da justiça e da equidade.
Estes princípios e o sentimento cristão (que condena a usura, a ambição e a
ganância) desapareceram das leis e das instituições públicas, fazendo com que os
trabalhadores ficassem isolados e sem defesa numa concorrência desenfreada com os
patrões dentro de um sistema de monopólio do trabalho.
56 FLEISCHACKER, 2006, p. 4
53
O direito de propriedade é defendido como um direito natural, e a conversão da
propriedade particular em propriedade coletiva levariam os trabalhadores numa
condição mais precária.
O princípio da dignidade da pessoa humana estava totalmente ignorado nas
relações de trabalho, pois o empregado era tratado como um instrumento de lucro,
impondo um trabalho superior às suas forças, contratando mão-de-obra infantil e
mulheres para uma jornada de trabalho bem acima de suas condições físicas.
Este contexto social só seria passível de mudança se o governo e as instituições
públicas e particulares se unissem para promoção do bem comum, construindo
sociedades fortes e não necessitando de outros expedientes para a qualidade de vida
dos trabalhadores.
Para as instituições públicas caberiam uma parte maior desta união, uma vez
que é responsável pelas políticas públicas sociais de proteção da classe operária e dos
interesses dos empresários de forma a não violar a máxima da justiça de dar a cada
indivíduo o que lhe é devido.
Dessa forma, surge a recomendação central da Encíclica, nas palavras de São
Tomás de Aquino (visão tomista):
Assim como a parte e o todo são em certo modo uma mesma coisa, assim o que
pertence ao todo, pertence de alguma sorte a cada parte. É por isso que, entre os graves
e numerosos deveres dos governantes que querem prover, como convém ao público, o
principal dever, que domina todos os outros, consiste em cuidar igualmente de todas as
classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça , chamada
distributiva. 57 (grifo nosso).
A justiça distributiva visa que as necessidades básicas de todas as pessoas
devam ser satisfeitas, por isso invoca ao Estado promover a distribuição dos recursos
básicos à população tais como educação, saúde, habitação e segurança dentre outros.
O conceito de justiça distributiva exige que certos bens devam ser garantidos pelo
57 Origem da prosperidade nacional. In: Carta Encíclica Rerum Novarum, capítulo 18. Disponível no site www.vatican.va . Acesso em: 09 fev. 2011
54
Estado, independentemente do mérito ou de qualquer coisa que tenham feito, bastando
apenas a necessidade.
Foi depois da Segunda Guerra Mundial que o conceito de justiça distributiva
avançou como medidas visando por fim à pobreza. Sob a influência da ideologia da
Revolução Francesa, os trabalhadores pobres passam a reivindicar melhores condições
econômicas ao invés da caridade dos ricos. Por volta do início do século XX, Alfred
Marshall (1890) publica o livro Principles of Economics, enfatizando que “todos
deveriam vir ao mundo com uma oportunidade razoável de levar uma vida cultivada,
livre dos sofrimentos da pobreza e das influências estagnantes da labuta mecânica
excessiva”. Isso influenciou positivamente Franklin Roosevelt em suas políticas sociais,
e em 1944, propôs em seu “segundo bill of rights” o direito à moradia, ao emprego com
remuneração adequada, à assistência médica e educação de qualidade.58
Em 1948, Eleanor Roosevelt ajuda a redigir o maior documento orientativo dos
direitos fundamentais da pessoa humana – a Declaração Universal dos Direitos
Humanos59 – que incluía em seus princípios a dignidade humana como fundamento da
liberdade, da justiça e da paz no mundo. Relaciona os direitos econômicos, sociais e
culturais para o desenvolvimento pleno das nações. A partir de então, a justiça
distributiva ou social está consagrada na doutrina ética e política dos estados de
bem-estar social (welfare state).60
As oportunidades, liberdades e igualdades fazem parte de uma estrutura básica
da justiça social, e por isso exigem regras de ajustamento como compromissos,
prioridades, políticas públicas. O igualistarismo busca sempre na medida do possível
maximizar o mínimo (“maximim”) – da satisfação das necessidades básicas, em
proporções que dependem da sociedade a ser considerada, e em conformidade com o
respeito aos direitos humanos básicos.61
Dentro desse contexto moderno de priorização do bem-estar coletivo em
detrimento da vontade individual (estado social X estado liberal), a justiça distributiva
58 MARSHALL, 1890 apud FLEISCHACKER, Samuel, 2006, p. 120 59 Disponível no site http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php. Acesso em: 14 agosto 2010 60 Cf. FLEISCHACKER, 2006, p. 121 61 KOLM, 2000, p. 12
55
tem de alocar os recursos da sociedade, e sendo os recursos humanos os mais
relevantes, a distribuição de recursos é feita de acordo com as necessidades básicas.
Essa distribuição coloca em conflito dois critérios morais opostos: uma ética da
liberdade contra uma ética da solidariedade. A liberdade plena de processos
econômicos, com trocas livres e desimpedidas, e a resultante aquisição de direitos e
propriedades – livre mercado. Quando as necessidades básicas não estão totalmente
satisfeitas entra em questão a justiça redistributiva plena ou completa, priorizando os
mais miseráveis, e quando a igualdade de oportunidades é impossível ou insuficiente –
redução das desigualdades de rendas.62
A ética distributiva alcança um espaço mais amplo por ter como conceitos
primários os direitos civis e políticos (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
– 1789), liberdades, igualdades, necessidades e solidariedade.
A justiça distributiva é o instrumento para o exame das necessidades associadas
à promoção das oportunidades, e contribuindo para redução das desigualdades e
promoção da existência e dignidade humana.
As liberdades sociais e políticas estão na base da teoria da justiça distributiva, ou
seja, a liberdade de ação, justificada pelo valor intrínseco, existencial da própria
liberdade de agir, priorizando direitos e liberdades básicas, uma vez que a justiça
distributiva é caracterizada por escolhas e equilíbrios das liberdades de processo e
meio. Já as liberdades de ação e de processo são limitadas pelas liberdades básicas
dos indivíduos, e preenchem duas condições: 1) iguais para todos, e 2) máxima de
eficiência (Pareto).
A eficiência de Pareto refere-se ao esgotamento das possibilidades de
mudanças para todos, ou seja, a liberdade de escolha coletiva ou liberdade social – o
bem-estar coletivo – uma solução igualitária eficiente e melhor para todos – “maximin
multidimensional”. As liberdades básicas devem ser iguais e máximas para todos.
O princípio da solidariedade fundamenta a justiça distributiva, pois todos
respondem pelas carências ou necessidades de cada indivíduo ou grupo social,
formando assim um comprometimento responsável e com a necessária compensação
de bens e vantagens entre as classes sociais efetivados por políticas públicas sociais.
62 Cf. KOLM, 2000, p. 16
56
Os bens possíveis de serem distribuídos como renda, riqueza, oportunidades de
acesso à educação, saúde, trabalho devem ser focos de atenção das práticas
socialmente responsáveis.
É importante relacionar a justiça distributiva como um referencial teórico da
responsabilidade social empresarial, pois um dos objetivos da RSE é promover as
políticas sociais juntamente com os governantes, de forma que estas políticas se
fortaleçam e atinjam o maior número de pessoas. A Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da ONU, documento orientativo da RSE, convoca cada indivíduo e cada
órgão da sociedade a efetivar os direitos nela estabelecidos, cabendo às empresas
socialmente responsáveis promover o desenvolvimento social das comunidades do seu
entorno, assim como a sua cidadania empresarial com políticas de igualdade e
oportunidades aos grupos de minorias de raça, sexo e etnias.
Para a responsabilidade social empresarial compreender os princípios da Justiça
distributiva é importante porque quando se tem os problemas sociais e econômicos a
serem resolvidos numa comunidade na qual a empresa atua, os benefícios devem ser
distribuídos de forma justa e equitativa, levando em consideração os interesses
coletivos sobre os individuais, objetivando um equilíbrio na relação a ser pactuada sob
os ditames da solidariedade e da justiça social.
O relacionamento das partes interessadas (stakeholders) é pautado na análise
custo-benefício, e este benefício deve ser em prol da coletividade, ou seja, uma parte
pode ganhar desde que a outra também não perca (eficiência de Pareto). A
responsabilidade social empresarial é um espaço de interação social e coletiva, por isso
a importância dos paradigmas da justiça social como viés teórico e transformador do
movimento socialmente responsável. A justiça distributiva visa à distribuição de riqueza
para corrigir as desigualdades63 e, a sua conjugação com a responsabilidade social
gerará benefícios para a construção de uma sociedade justa e solidária.
63 TIMM, 2008, p. 43
57
3.3 A TEORIA DA JUSTIÇA SOCIAL: A IGUALDADE DE BENS PRIMÁRIOS
A Teoria da Justiça, de John Rawls, é um divisor quando se trata de cooperação
social e promoção de uma sociedade livre, justa e igualitária por instituições
econômicas e sociais ordenadas, tornando-se um referencial teórico estruturante do
movimento de empresas socialmente responsáveis.
A teoria da justiça foi construída sob os pilares do contrato social de Locke,
Rosseau e Kant64, formando a partir desses conceitos a possibilidade de um novo
contrato social com elementos chaves tais como: as estruturas básicas da sociedade,
os princípios de justiça, a posição original, consenso sobreposto e a justiça vista como
equidade de oportunidades conforme Neuro José Zambam coloca:
A proposição rawlsiana da “justiça como equidade” possibilita estabelecer as bases
necessárias para uma nova teoria do contrato, agora adequada às novas exigências,
considerando o contexto no qual as diferentes sociedades estão inseridas, assim como
os diversos interesses e forças que em seu interior se chocam e constituem sua
dinâmica. 65
A sociedade é um empreendimento cooperativo que visa promover o bem
comum, ou seja, a distribuição de direitos e valores entre as pessoas, a divisão de
vantagens advindas da cooperação, do acesso a políticas e práticas sociais. Mas há
conflitos de interesses neste arranjo social porque cada pessoa deseja uma parcela
maior a uma parcela menor de benefícios. Por isso, a necessidade de estabelecer
princípios da justiça social para definir a distribuição de oportunidades nos modos de
organização social. Os arranjos sociais básicos devem ser construídos de forma
imparcial, sob o ponto de vista da imparcialidade moral – todas as pessoas envolvidas
devem estar sob o “véu de ignorância”, não podendo levar em conta a sua posição
social, talentos e capacidades, preferências individuais.
64 ZAMBAM, 2004, p. 14 65 Ibid, p. 23
58
Os princípios da justiça social são um modo de atribuir direitos e deveres nas instituições
básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e dos encargos
da cooperação social.
(...)
Numa sociedade regulada por uma concepção pública da justiça atende: (1) todos
aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça; (2) as
instituições sociais fundamentais geralmente atendem, e em geral se sabe que atendem,
a esses princípios. 66
Rawls classifica como instituições mais importantes da sociedade, a constituição
política e os arranjos econômicos e sociais, citando, por exemplo: a proteção jurídica de
liberdade de expressão e da liberdade de consciência; mercados competitivos;
propriedade privada dos meios de produção e a família monogâmica.
As sociedades são formadas por instituições básicas, e as suas estruturas
elementares vão determinar se elas são justas ou não, pois para Rawls, a justiça é a
primeira virtude a ser promovida por essas instituições. Assim, se as leis e as
instituições que são pilares da sociedade não forem justas, estas devem ser retificadas
ou até abolidas, mesmo que sejam eficientes e bem estruturadas.
A justiça de um arranjo social depende, em essência, de como se atribuem os direitos e
os deveres fundamentais e também das oportunidades econômicas e das condições
sociais dos diversos setores da sociedade.67
A prática da responsabilidade social das empresas deve adotar os princípios da
justiça social da igualdade e da solidariedade, cujas ações devem ser eleitas numa
ordem de prioridade e discutidas num fórum coletivo dos seus públicos de interesse,
priorizando políticas e ações a serem desenvolvidas. A sua prática não deve estar
desvinculada de um ideal social, ou seja, o fortalecimento dos arranjos sociais e a
distribuição de benefícios e encargos sociais. Esses princípios podem ser analisados
segundo uma formulação, fundamentação e grau de importância propostos na teoria da
justiça.
66 RAWLS, 2008, p. 5 67 Ibid, p. 9
59
Rawls afirma nos dois princípios da justiça, os quais se referem à estrutura
básica ou instituições políticas da sociedade, que existe um processo de escolha para
promover as liberdades e as oportunidades a fim de nivelar as desigualdades que
devem ser adotados:
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais
liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para
as outras pessoas.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo
que tanto (a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefício de todos
como (b) estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos. 68
O primeiro dos princípios da justiça social visa à estrutura básica da sociedade, a
organização das instituições sociais dentro de um processo de cooperação entre os
participantes. O segundo presume que a estrutura de instituições é justa se possibilitar
a igualdade equitativa de oportunidades. Os princípios de justiça devem aplicar-se a
arranjos sociais públicos, ou seja, àqueles que possuem um conjunto de normas
amplamente conhecidas e divulgadas, assim como comportamentos a serem
incentivados do ponto de vista da justiça social. Esses princípios devem propiciar uma
atribuição de direitos e deveres fundamentais, e definem o compartilhamento de
vantagens alcançadas através da cooperação social.
As liberdades fundamentais básicas garantidas no Estado de Direito, e que estão
contextualizadas no primeiro princípio, devem ser iguais para todos, sendo elas:69
a) liberdade política (o direito ao voto e a exercer cargo público);
b) liberdade de expressão, reunião e associação;
c) liberdade de consciência e de pensamento;
d) liberdade individual, que compreende a proteção contra a opressão
psicológica, a agressão e a mutilação (integridade da pessoa);
e) a de livre locomoção (direito de ir e vir);
68 RAWLS, 2008, p. 73 69 Ibid, 74
60
f) o direito à propriedade pessoal e a proteção contra a prisão e detenções
arbitrárias.
Quanto ao segundo princípio, Rawls enfatiza as duas expressões “benefício de
todos” e “acessíveis a todos” uma vez que as liberdades fundamentais se aplicam num
primeiro momento à estrutura básica da sociedade, regem a atribuição de direitos e
deveres e regulam a distribuição das vantagens sociais e econômicas.
as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a)
se possa razoavelmente esperar que estabeleçam em benefício de todos como (b)
estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos.70
A teoria propõe distinguir dentro da estrutura social os dois aspectos distintos:
1º.) os que definem e garantem as iguais liberdades fundamentais;
2º.) os que especificam e estabelecem as desigualdades sociais e econômicas.
O segundo princípio diz respeito ainda à distribuição de renda e riqueza e à
estruturação de organizações quanto à autoridade e responsabilidade. Na medida do
possível, a distribuição de riqueza e renda, assim como as oportunidades de acesso a
cargos e posições sociais devem ser acessíveis a todos, em especial para os menos
favorecidos. Embora a eficácia econômica justifique alguns tipos de desigualdades
como, por exemplo, a de responsabilidade, essas diferenças devem trazer vantagens
para toda coletividade.
Esses princípios estão ordenados de tal forma que o primeiro antecede o
segundo, ou seja, o primeiro não pode ser negociado, compensado ou justificado em
detrimento de maiores vantagens econômicas e sociais.
O segundo princípio deve estar em equilíbrio com o primeiro, a distribuição de
renda e riqueza associada a posições sociais e cargos – benefícios econômicos. Dentro
do contexto desses princípios, a posição de todos deve ser melhorada. A distribuição
de renda e riqueza, e de cargos de autoridade e responsabilidade, deve ser compatível
tanto com as liberdades fundamentais (primeiro princípio) quanto com a igualdade de
oportunidades (segundo princípio). 70 RAWLS, 2008, p. 73
61
Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais
do auto-respeito – devem ser distribuídos de forma igual, a não ser que uma distribuição
desigual de um ou de todos esses valores seja vantajosa para todos.71
A igualdade de oportunidades diz respeito a uma série de itens prioritários que
satisfazem os direitos e a dignidade humana: acesso a cargos (não discriminação),
educação básica e demais níveis, direito à informação, saúde básica, legados,
convivência social, capacidade de consumo dentre outras.
A primeira parte do segundo princípio reflete o princípio da eficiência
(Otimalidade de Pareto), aplicado às instituições ou à estrutura básica da sociedade; e
segunda parte dispõe de um sistema social aberto, como por exemplo, as carreiras
estão abertas aos talentos, sistema aberto de mercado.
A finalidade da teoria da justiça é propor às estruturas sociais critérios que
devam ser levados em consideração no momento de atribuir direitos e deveres, e de
implementar mecanismos de oportunidades, pois acredita-se que qualquer sistema
social que distribua riqueza e renda, que amplie as oportunidades e que garanta as
liberdades fundamentais básicas de maneira equitativa forma uma sociedade justa e
igualitária.
O princípio da eficiência tão abordado na teoria da justiça social foi adaptado do
princípio da “Otimalidade de Pareto”. O princípio afirma que determinada configuração é
eficiente sempre que seja impossível modificá-la para melhorar a situação de algumas
pessoas (pelo menos uma) sem, ao mesmo tempo, piorar a situação de outras pessoas
(pelo menos uma), ou seja, deve-se melhorar a situação de qualquer uma das pessoas
sem piorar a situação da outra.
O princípio da eficiência pode ser aplicado à estrutura social básica,
principalmente em referência às expectativas dos indivíduos representativos. Desse
modo, pode-se afirmar: a disposição dos direitos e dos deveres na estrutura básica é
eficiente se, e somente se, for impossível alterar as normas, para redefinir o sistema de
direitos e deveres, a fim de elevar as expectativas de qualquer indivíduo representativo
(pelo menos um) sem, ao mesmo tempo, reduzir as expectativas de algum (pelo menos
um) outro. Em resumo: uma disposição da estrutura básica é eficiente quando não há 71 RAWLS, 2008, p. 75
62
como alterar essa distribuição para elevar as perspectivas de alguns sem reduzir as
perspectivas de outros.
Na prática da responsabilidade social empresarial o princípio da eficiência é
perfeitamente aplicável, pois num arranjo de cooperação social, onde as ações ou
iniciativas sociais são discutidas e implementadas, há necessidade de analisar
sistemicamente os resultados a serem obtidos de forma a não beneficiar alguns em
detrimento de outros.
No momento da aplicação desse princípio, a análise deve ser ampla porque
muitas variáveis implicarão na decisão. É preciso complementar com o princípio de
igualdade equitativa de oportunidades. A ideia é que as posições não estejam
acessíveis apenas no sentido formal, mas que todos tenham oportunidades equitativas
de alcançá-las, ou seja, aqueles que têm capacidades e habilidades similares devem
ter oportunidades similares de vida. As oportunidades de acesso à cultura e às
qualificações não devem depender da classe social e, portanto, o sistema educacional,
seja ele público ou privado deve eliminar barreiras entre as classes.
A teoria da justiça é perfeitamente aplicável às instituições e arranjos sociais
tendo em vista a presença da responsabilidade em relação a outros, e principalmente
pela promoção da justiça na construção de sociedades justas e igualitárias nos termos
do princípio da responsabilidade de Hans Jonas.
A posição original, um dos aspectos da teoria da justiça, fornece as condições
para que o acordo, oriundo de um processo de cooperação (onde os juízos são
ponderados), seja aceito e efetivado de forma a garantir os seus objetivos, sem
transtornos às partes envolvidas.
A ideia de uma posição original é estabelecer um procedimento decisório
equitativo, com resultados justos. Dessa forma, as partes devem estar envolvidas por
um véu de ignorância. Elas não devem possuir conhecimentos prévios de modo a
formar pré-questionamentos. Todos os integrantes devem estar numa mesma posição,
e são obrigados a avaliar os princípios com base em ponderações gerais.
A posição de cada parte na sociedade é colocada de lado (status social,
capacidades naturais, inteligência e força, posição econômica e política), e a opção por
trabalhar com princípios deve ser aceita, acatando as consequências oriundas desse
63
acordo cooperativo. Presume-se que as partes conheçam quaisquer fatos genéricos
que possam afetar a escolha dos princípios de justiça. As concepções de justiça devem
adaptar-se às características dos sistemas de cooperação social, gerando a sua própria
sustentação. Seus princípios de justiça devem refletir os interesses daquela
comunidade e integrados à estrutura básica da sociedade, que a partir da sua
divulgação, façam com que os indivíduos sintam vontade de agir segundo estes
princípios.
Rawls criou a ideia do véu da ignorância a partir da ética de Kant quando supõe
que a legislação moral deve ser acatada em condições que caracterizem os homens
como seres racionais iguais e livres. A descrição da posição original é uma tentativa de
interpretar essa concepção.
A responsabilidade social, como instrumento da efetivação dos direitos
fundamentais dentro das empresas, trabalha estruturalmente com o princípio das
liberdades básicas, e na promoção de políticas públicas juntamente com os órgãos do
governo e entidades sociais. O trabalho reside em promover o bem-estar de todos, e
não de grupos específicos. Os grupos de minorias sociais requerem a criação de ações
afirmativas para promoção do acesso aos bens, recursos e oportunidades.
O segundo princípio da justiça social (justa distribuição de renda e riqueza e
geração de oportunidades) pode ser interpretado diante de dois outros princípios da
responsabilidade social empresarial: o da eqüidade (justa igualdade de oportunidades)
e o do bem-estar coletivo (as práticas devem beneficiar o maior número de pessoas).
É difícil trabalhar o conceito de responsabilidade social empresarial dentro do
procedimento de posição original, afinal todas as empresas e parceiros têm seus
interesses próprios, mas o exercício de conceber práticas, ações e iniciativas, que
possam chegar muitas vezes à implantação de políticas públicas federais, estaduais e
municipais, requer um acordo comum, onde a promoção do bem-estar coletivo esteja
acima dos interesses individuais. O consenso de interesses, o equilíbrio das relações e
o compartilhamento de responsabilidades de cada um para com os demais constituem
uma forma harmônica de resolução de conflitos e estabelece uma relação eqüitativa
entre os indivíduos.
64
Álvaro de Vita ressalta esse entendimento da relação eqüitativa entre os
indivíduos que deve ser concebida dentro de uma premissa moral substantiva.
Trata-se da ideia de que as oportunidades de vida e do bem-estar dos cidadãos de uma
sociedade democrática não podem depender do acaso genético ou social, isto é, de uma
loteria na distribuição de posições sociais, renda e riqueza, talentos naturais e mesmo de
concepções do bem; e que, portanto, as instituições básicas de tal sociedade devem ser
concebidas para funcionar de forma que neutralize tanto quanto possível a influência
desses fatores – que, via de regra, encontra-se ou inteiramente ou em grande medida
fora do alcance do controle individual – sobre a vida que cada pessoa é capaz de levar.72
Essa concepção igualitarista é interessante para a promoção de uma sociedade
bem ordenada, com a efetivação do acesso a bens, recursos e oportunidades como
resultado de um acordo livre e voluntário entre pessoas – sob a ótica de princípios
universais e senso de justiça - cuja posição socioeconômica se diverge em sua
concepção do bem, estendendo assim à promoção do comportamento responsável por
parte das empresas, independente do seu porte e natureza jurídica.
A metodologia de trabalho da responsabilidade social empresarial está focada no
princípio da cooperação social, pois envolve a ideia de compartilhamento de
responsabilidades, num ambiente de solidariedade e reciprocidade: todos devem
envidar esforços para a construção de instituições bem ordenadas, dentro das
possibilidades e atribuições de cada um. Rawls reforça o compromisso de cooperação
social entre as instituições básicas para a promoção dos valores de liberdade e de
igualdade entre os cidadãos livres e iguais, sendo os seguintes elementos a serem
considerados na formação da sociedade enquanto sistema eqüitativo de cooperação:
a. A cooperação é guiada por regras e procedimentos publicamente reconhecidos,
aceitos pelos indivíduos que cooperam e por eles considerados reguladores adequados
de sua conduta.
b. A cooperação pressupõe termos eqüitativos de cooperação que implicam uma ideia
de reciprocidade. Esses termos são expressos pelos princípios que especificam os
72 VITA, 2007, p. 182
65
direitos e deveres fundamentais no interior das principais instituições da sociedade e que
devem ser compartilhados de uma geração até a seguinte.
c. A ideia de cooperação social requer uma idéia de vantagem racional ou do bem de
cada participante, sejam indivíduos, famílias, associações, ou até mesmo governos de
diferentes povos, estão tentando conseguir, quando o projeto é considerado de seu ponto
de vista.73
A ideia de reciprocidade estabelece uma relação duradoura entre os indivíduos,
podendo se estender até as gerações futuras, onde todos se beneficiam numa
sociedade bem ordenada. Os cidadãos devem ter senso de justiça e capacidade para
conceber o bem e de agir de acordo com tais princípios, pois sendo cidadãos livres e
iguais podem cooperar para a construção de uma sociedade justa e igualitária.
Os princípios de justiça alinhados com o princípio da diferença afirmam que as
desigualdades sociais e econômicas relacionadas com cargos e posições têm que estar
estruturados de forma a dar o maior benefício a todos os membros, inclusive os menos
privilegiados. Ressalta também a igualdade de distribuição como ponto de referência da
reciprocidade de liberdade e igualdade entre os cidadãos.
Ainda dentro da ideia da sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação
social, a posição original (véu de ignorância) para estabelecer os termos eqüitativos
deve ser tomada entre cidadãos livres e iguais, não permitindo que algumas pessoas
estejam em posições de negociação mais vantajosas que outras, excluindo também a
ameaça de força, coerção, corrupção e fraude.
A razão pela qual a posição original deve abstrair-se desses fatores e não ser
afetada por eles na elaboração de um acordo eqüitativo, sobre a base de princípios da
justiça política que definem os direitos e liberdades básicas, é obter um resultado que
seja legitimado por todos os integrantes. Os integrantes formaram um mecanismo de
representação e estavam por trás de um véu de ignorância quando estabeleceram os
compromissos políticos de deveres e obrigações para com a sociedade.
Para dizer que uma sociedade é bem ordenada deve ser levado em
consideração três elementos:
73 RAWLS, 2000, p. 59
66
a. concepção de justiça publicamente reconhecida, ou seja, a aceitabilidade
plena pelos cidadãos dos princípios de justiça;
b. regulação efetiva, ou seja, todos reconhecem que sua estrutura básica,
formada pelas instituições políticas e sociais num sistema de cooperação, está de
acordo com os princípios de justiça;
c. os cidadãos possuem um senso efetivo de justiça, de modo que cooperam
com as instituições básicas da sociedade que consideram justas.
Rawls enfatiza que para conceber uma sociedade como um sistema eqüitativo
de cooperação social, as pessoas devem ser consideradas livres e iguais em virtude de
possuírem capacidade de senso de justiça e a capacidade de ter uma concepção de
bem vinculados aos dois elementos principais de cooperação: os termos eqüitativos da
cooperação e a ideia de benefício racional ou bem de cada participante (consenso
sobreposto).
A ideia de um consenso sobreposto é buscar a unidade numa sociedade
democrática formada por doutrinas filosóficas, religiosas e morais abrangentes –
sociedade pluralista e estável, regulada por um senso público de justiça. O consenso
sobreposto procura garantir e dar sustentação às instituições básicas da sociedade
democrática respaldada pela teoria da justiça como eqüidade, e assim concretizar os
seus objetivos.
Em resumo, Rawls considera três requisitos necessários para a sociedade ser
um sistema eqüitativo de cooperação social:
1. a estrutura básica da sociedade deve ser regulada por uma concepção política
de justiça;
2. essa concepção política de justiça é resultado de um consenso sobreposto por
uma sociedade pluralista;
3. quando os fundamentos constitucionais e questões de justiça estão em debate
e em risco devem ser conduzidos de acordo com a concepção política de justiça.
O conjunto de bens primários é fundamental para a formação de uma sociedade
justa e livre. São exemplos desses bens: a liberdade de movimento e de escolha; renda
e riqueza e as bases sociais de respeito às diferenças, pois as pessoas são iguais, e
devem possuir os mesmos deveres e direitos.
67
A responsabilidade social é a ferramenta de promoção dos direitos fundamentais,
que é resultado de um esforço coletivo, onde todos participam de um arranjo
cooperativo para o bem-estar social. Há um contrato hipotético entre as partes para a
disseminação e efetivação dos direitos fundamentais com base no princípio da
dignidade humana.
No momento de implementar ações para uma sociedade bem ordenada, as
liberdades civis e políticas devem estar protegidas, ou mais precisamente as
necessidades básicas devem estar satisfeitas tais como: a garantia da integridade
física, de segurança alimentar, do acesso à água potável, ao saneamento básico, ao
serviço médico e de educação. Num segundo momento, deve-se estipular políticas de
promoção da igualdade socioeconômica para que um número maior de pessoas tenha
acesso aos direitos e oportunidades promovidos por instituições bem ordenadas, pois o
objetivo da justiça social é proporcionar amplamente a liberdade efetiva para toda
sociedade.
É importante salientar estes pontos da Teoria da Justiça Social para priorizar a
implementação de políticas públicas sociais tanto de direitos civis e políticos quanto de
direitos sociais e econômicos.
Na teoria da justiça, a estrutura básica é o objeto primeiro da justiça. Essa
estrutura básica diz respeito ao conjunto público de regras, no qual os homens
representativos devem promover uma quantidade maior de benefícios, à luz das
expectativas legítimas. O resultado deve ser o mais justo e abrangente para todos os
integrantes da sociedade.
Entende-se por estrutura básica da sociedade: as normas básicas que distribuem
os direitos fundamentais; as normas e instituições sociais; e o conjunto de instituições,
tais como as normas de direito privado, direito tributário, a distribuição de renda e
riqueza na sociedade. Esse complexo de normas e instituições forma o objeto de
implementação da teoria da justiça social.
A justiça na promoção da igualdade e da eqüidade analisa, de forma abrangente,
o sistema social a partir do acesso à cidadania e aos níveis de renda e de riqueza.
Analisa, inclusive, se há direitos básicos desiguais fundamentados nas diferenças
físicas (sexo, raça, cultura), além de outros critérios específicos da comunidade local.
68
Ninguém deve se beneficiar das diferenças, a não ser em situações que beneficiem a
todos.
Essa deve ser uma das diretrizes norteadoras da promoção da diversidade
dentro da responsabilidade social empresarial: “a distribuição natural não é justa nem
injusta; nem é injusto que pessoas nasçam em alguma posição particular na sociedade.
Esses são simplesmente fatos naturais. O que é justo ou injusto é o modo como as
instituições lidam com esses fatos”.74
A implantação de ações afirmativas para a promoção da igualdade de grupos
minoritários, em virtude de gênero, raça, sexo, cultura, etnia ou religião, estipuladas
para vigorarem de forma temporária, contribuem para a construção de uma sociedade
justa. Muitas iniciativas empresariais começam visando o ambiente interno, e depois se
estendem para a comunidade, a qual se torna sujeito da ação e luta para a implantação
de políticas públicas sociais – empoderamento da comunidade.
Rawls propõe uma igualdade ideal de bens primários: riqueza, renda,
oportunidades. O conteúdo da justiça social são as liberdades básicas, a não-
discriminação e as oportunidades igualitárias, estabelecendo uma nova forma de
estudar o contrato social adequada às novas exigências, considerando a diversidade de
contextos sociais no qual as diferentes sociedades estão inseridas e a construção de
mecanismos que promovam a justiça e os direitos fundamentais.
Ronald Dworkin e John Rawls analisam os sistemas de direitos e sistemas de
justiça dentro de uma visão democrática constitucional que compatibiliza a política
deliberativa e a promoção e defesa dos direitos fundamentais tendo em vista a sua
função primordial de estabelecer os limites da esfera pública e assegurar a autonomia
privada do indivíduo frente à atuação do Estado.
Dworkin, como republicano e Rawls como liberal, os debates se cruzam quando
os temas são sociedade, democracia constitucional e defesa dos direitos fundamentais.
Para Rawls o liberalismo vai buscar uma separação entre o público e o privado, e
a existência de um espaço político neutro, onde os princípios de justiça serão
acordados de forma imparcial (sob o véu de ignorância), com ações centradas no bem
74 RAWLS, 2008, p. 109
69
comum.75 Ele também conceitua a sociedade como um sistema fechado, onde só entra
pelo nascimento, e sai pela morte. Este sistema fechado facilitaria aos cidadãos
compartilharem um objetivo comum e endossarem a mesma concepção política:
....É claro que na sociedade bem ordenada da justiça como equidade, os cidadãos
compartilham um objetivo comum, e um objetivo que tem grande prioridade, qual seja, o
de assegurar que as instituições políticas e sociais sejam justas e de garantir justiça às
pessoas em geral, em relação ao que os cidadãos precisam para si e querem uns para
os outros.76
Já Dworkin rompe com a ideia de um contratualismo moral rawlsiano, uma vez
que os indivíduos nunca assinaram o contrato de forma efetiva e propõe uma estratégia
de continuidade, ou seja, a existência de um marco moral a partir de uma ética liberal
igualitária que permitam compreender as noções de justiça e de igualdade. A
comunidade tem o direito de utilizar a lei para embasar a sua visão ética. 77
Dworkin defende a igualdade de recursos para a promoção dos bens primários
da teoria de John Rawls.
Para o autor, o critério integracionista afirma que os costumes, as crenças e a
religiosidade de seus membros determinam os mesmos valores da coletividade, unindo
os indivíduos à sua unidade social de pertencimento, obrigando-os a respeitar as
decisões majoritárias e obedecer às leis. A pretensão ética de Dworkin é estabelecer
uma sociedade justa, onde todos os indivíduos são tratados com igualdade e respeito.
Apesar das diferenças conceituais, mas de propósitos bem próximos entre os
dois doutrinadores, o que se busca é a construção de uma sociedade justa, onde cada
cidadão procura a estabilidade dos direitos fundamentais e a preservação das
liberdades básicas de forma a recepcionar a diversidade de culturas da sociedade
contemporânea.
75 LOIS, 2005, p. 25 76 RAWLS, 2000, p. 192 77 Cf. LOIS, 2005, p. 31
70
3.3.1 A Cooperação como Forma de Gestão da Responsabilidade Social Empresarial
A cooperação é tanto possível quanto necessária à promoção da justiça social.
Embora a comunidade seja marcada por interesses comuns, costumes e valores,
existem muitos conflitos a serem dirimidos. A diversidade de interesses, crenças,
religiões, doutrinas levam a complexidade da relação humana, da sociologia e do papel
de cada instituição social na convivência harmoniosa das várias comunidades e seus
interesses.
A fraternidade, ao lado da igualdade e da liberdade – princípios do liberalismo -
justificam a cooperação entre os homens na busca do bem comum numa sociedade
pluralista.
Rawls ressalta a importância desses princípios para a construção da estrutura
básica da sociedade:
Os princípios derivados de um procedimento adequado de construção, um procedimento
que expresse corretamente os princípios e concepções indispensáveis da razão prática,
são os que considero razoáveis. [Principalmente ] quando os cidadãos compartilham
uma concepção razoável de justiça, dispõem de uma base sobre a qual a discussão
pública de questões políticas fundamentais pode acontecer, resultando numa decisão
razoável; não evidentemente, em todos os casos, mas esperamos que na maioria dos
casos envolvendo fundamentos constitucionais e questões de justiça básica. 78 (grifo
nosso).
A sociedade é tida para Rawls como um sistema equitativo de cooperação social
entre pessoas livres e iguais, plenamente cooperativos, inclusive das gerações que
estão por vir. As instituições da sociedade estão devidamente inseridas neste sistema
único de cooperação social. 79
Rawls entende por estrutura básica de uma sociedade as principais instituições
sociais, políticas e econômicas, e estas devem formar uma trama única e complexa, ou
seja, um sistema unificado de cooperação social entre as gerações atuais e futuras. 78 RAWLS, 2000, p. 28 79 Cf. RAWLS, 2000, p. 51
71
Esta também deve ser a forma de articulação que as empresas devem trabalhar a
responsabilidade social empresarial.
A ideia de cooperação social envolve três elementos conforme salienta Rawls:80
1. A cooperação é guiada por regras e procedimentos devidamente
reconhecidos, aceitos e inseridos na conduta dos indivíduos;
2. A cooperação pressupõe a existência de termos equitativos que implicam em
reciprocidade por todos os cidadãos. Geralmente estes termos são princípios que
especificam os direitos e deveres fundamentais;
3. A cooperação requer sempre uma ideia de vantagem racional para os
participantes envolvidos no sistema equitativo. O projeto deve gerar um bem para todos
os indivíduos, famílias, associações.
A sustentabilidade está estruturada no princípio da cooperação, e assim justifica
o seu conceito mais aceito: “Desenvolvimento sustentável é aquele que atende às
necessidades do presente sem comprometer a possibil idade das gerações
futuras de atenderem as suas próprias necessidades” . 81 (grifo nosso).
A cooperação global para a sustentabilidade do planeta terá de ganhar
prioridade, de forma simples e transparente entre todos os líderes, seja de governo, de
empresas privadas e organizações da sociedade civil (Ongs). Ao governo cabe
desempenhar um papel ativo, de garantia das oportunidades e dos meios para alcançá-
las. Às empresas assumir uma postura de comprometimento com o desenvolvimento
econômico em todos os seus aspectos social, econômico e ambiental. Às ongs garantir
que as políticas públicas sociais cheguem em locais onde o governo não prioriza. A
economia do século XXI deve pautar nos princípios abrangentes da justiça social, do
manejo ambiental e da geração de oportunidades equitativas, renda e trabalho sadios.
As questões de justiça extrapolam a própria geração, são transmitidas para
outras, por isso a importância em escolher princípios cujas conseqüências podem ser
previsíveis, principalmente as ambientais, na utilização dos recursos naturais. As
conseqüências devem ser minimizadas independentes da geração na qual teve sua
origem.
80 Ibid, p. 59 81 Relatório Brudtland, 1987. Disponível em http://www.mudancasclimaticas.andi.org.br/node/91. Acesso em 16 agosto 2010
72
A teoria da justiça ensina trabalhar com os dois princípios - da liberdade básica e
da igualdade eqüitativa das oportunidades. A responsabilidade social é a ferramenta
empresarial de promoção da justiça social, uma vez que a aplicação desses princípios
pode ser estendida à estrutura básica da sociedade como um todo. Os dois princípios
da justiça devem ser trabalhados de forma igualitária, em toda a estrutura básica do
sistema social, assegurando as liberdades básicas de cada pessoa, e sob o prisma do
princípio da diferença, no qual todos se beneficiam da cooperação social.
Rawls enfatiza que as desigualdades são permitidas desde que melhorem a
situação de todos. Quando a empresa fomenta ações afirmativas em prol das minorias,
desde que por período determinado, está abrindo um leque de oportunidades para a
inclusão, tornando-se política social – “A negação das liberdades iguais só pode ser
defendida se isso for essencial para a mudança das condições da civilização, de modo
que, no momento devido, essas liberdades possam ser usufruídas”.82
A agenda da responsabilidade social empresarial requer compromissos
compartilhados para a efetivação de ações e mecanismos para lutar contra a miséria,
contra o trabalho escravo e infantil, contra a fome e doenças, contra o analfabetismo e
contra o desaparecimento da diversidade biológica.
A cooperação é importante como metodologia de trabalho e alcance dos
resultados, assim como é preciso outro modelo de cooperação para o alcance da
justiça social global, ou seja, um modelo que supere essa falta de liderança e
comprometimento com políticas públicas sociais e econômicas.
A cooperação global para o desenvolvimento sustentável basear-se-á em
acordos internacionais e políticas de incentivo aos diversos atores sociais tendo em
vista que a sustentabilidade permeia por diversas áreas. Os empresários e as
organizações da sociedade civil desempenharão um papel ampliado e estratégico no
modelo de cooperação global. As empresas modernas e as grandes corporações
multinacionais possuem e dominam as melhores técnicas de gestão e as tecnologias
mais avançadas devido ao alto capital acumulado com a produção de bens e serviços
em grande escala.
82 RAWLS, 2008, p. 164
73
Neste momento, o instituto da função social da propriedade, e, por conseguinte,
a implementação da responsabilidade social empresarial juntamente com o governo,
garantindo medidas de incentivo ao setor privado, e as ONGs para efetivar as ações e
programas socioambientais formam um mecanismo harmônico e estratégico de
fortalecimento da cidadania.
3.4 TEORIA LIBERTARISTA: A PROMOÇÃO DAS LIBERDADES SUBSTANTIVAS
O fundamento da teoria igualitarista de Amartya Sen é que a vida é feita de
escolhas genuínas, e ninguém deve ser forçado a viver de uma “determinada” forma,
pela qual o indivíduo não possui controle, por melhor que ela possa vir a ser sob outros
aspectos:
A perspectiva da capacidade é uma concepção da igualdade de oportunidades que
destaca a liberdade substantiva que as pessoas têm para levar suas vidas. Ela focaliza o
que as pessoas podem fazer ou realizar, quer dizer, a liberdade para buscar os seus
objetivos. As “oportunidades reais” (ou “substantivas”) de que uma pessoa dispõe para
realizar, entre outras coisas, “objetivos ligados ao bem-estar” são representadas por sua
capacidade.
(...)
Oportunidades reais ou substantivas envolvem mais do que disponibilidade de recursos.
Capacidades são poderes para fazer ou deixar de fazer (incluindo formar, escolher,
buscar, revisar e abandonar objetivos), sem os quais não há escolha genuína... Ser
carente de habilidades e talentos consiste numa limitação da liberdade de ter e fazer
escolhas. 83
A prática da responsabilidade social pelas empresas aumenta a disponibilidade
de “oportunidades reais” para as pessoas que não possuem acesso às políticas
públicas. Para Sen as oportunidades reais sofrem influências de uma série de fatores
83 SEN, 2008, p. 13
74
tais como recursos, talentos, condicionamentos, direitos dentre outros. Já a liberdade
de um indivíduo pode ser aferida não apenas pela renda, mas também pelos bens e
serviços colocados à disposição da comunidade: “quanto maior a extensão desse
conjunto de oportunidades, maior a liberdade individual”.84
As pessoas podem ter o seu acesso às oportunidades limitados por recursos
orçamentários; circunstâncias individuais (idade, talento, deficiência física, gênero,
etnia) e sociais (estrutura da família, segurança pública, saúde pública, educação) que
podem variar de acordo com os bens e serviços disponibilizados.
Sen sugere que uma teoria igualitária deve prestar atenção nas capacidades
básicas das pessoas, ou seja, aos seus desempenhos individuais.85 Estes
desempenhos podem ser: conquista de auto-respeito, estado nutricional (saúde),
escolaridade, ambiente familiar, entre outros. Deve-se prestar atenção aos elementos
socioeconômicos que compõem a comunidade na hora de elaborar uma política
igualitária. Para Sen, as propostas de bem-estar coletivo requerem uma medida
igualitária subjetiva, e a proposta de John Rawls é um tanto, para ele, objetiva demais.
O equilíbrio entre as duas propostas do igualitarismo é a melhor alternativa. 86
Os igualitaristas John Rawls, Robert Nozick e Ronald Dworkin, assim como Sen
pedem mecanismos de justiça, além de tratamento e níveis de bem-estar iguais para
todas as pessoas, independente de sua renda monetária e status social, respeitando a
ampla diversidade humana como variável de avaliação da igualdade: “ A avaliação das
demandas de igualdade tem de ajustar-se à existência de uma diversidade humana
generalizada”.87
Ao contrário dos utilitaristas que requerem a maximização da soma total das
utilidades de todas as pessoas consideradas em conjunto, dando ênfase aos pesos
iguais dos ganhos e perdas de utilidades; os igualitaristas afirmam que querer a
igualdade de alguma coisa importante requer o cumprimento das exigências de igual
satisfação de necessidades num espaço e tempo determinados.88
84 SEN, loc. cit. 85 GARGARELLA, 2008, p. 74 86 Ibid, p. 76 87 SEN, 2008, p. 29 88 Ibid, p. 44
75
A responsabilidade social empresarial tem como finalidade promover a igualdade
de oportunidades, liberdades e de acessos. A decisão ética juntamente com o princípio
da responsabilidade de Hans Jonas respalda as ações e iniciativas sociais junto à
comunidade e sustenta a criação de um tratamento não-discriminatório aos diversos
grupos sociais, assim como a facilidade de aceitação por parte de todos os integrantes.
A ética da igualdade tem de considerar a amplitude das diversidades presentes em
diferentes espaços sociais - a sociedade pluralista – no reconhecimento das diferentes
formas de liberdade.
O trabalho em parceria com outras entidades sociais e empresas do setor num
mundo globalizado resulta em uma ética do desenvolvimento, com visões e
expectativas diferenciadas que formam uma base informacional imparcial dos direitos
humanos, sobre os espaços e sobre as oportunidades que podem ser oferecidas à
comunidade na promoção de direitos, utilidades, rendas, recursos e acesso aos bens
primários conforme ressalta Amartya Sen:
La base de los derechos humanos, la justicia social y los deberes individuales y
colectivos, una ética del desarrollo examinará cómo un mundo globalizado es una ayuda
o un obstáculo para que los individuos y las instituciones cumplan su obligación moral de
respetar los derechos.89
E continua na defesa do esforço mundial efetivo dos direitos humanos:
Es sobre esta base [imparcial ] que muchas sociedades han introducido nueva
legislación sobre derechos humanos y han dado poder y voz a los defensores de
derechos a ciertas libertades, incluida la no discriminación entre miembros de diferentes
razas o entre mujeres y hombres, o la liberdad básica al derecho de expresión razonable.
Los abogados del reconocimiento de una clase más amplia de derechos humanos
tenderán, por supuesto, a exigir más, y la búsqueda de los derechos humanos es,
comprensiblemente, un proceso continuo e interactivo.90 (grifo nosso).
89 SEN, 2010, p. 413 90 SEN, 2010, p. 418
76
Outro elemento da teoria igualitarista de Amartya Sen é a capacidade sobre a
avaliação do bem-estar e a liberdade para buscar este bem-estar – “a capacidade é um
conjunto de vetores de funcionamentos, refletindo a liberdade da pessoa para levar um
tipo de vida ou outro”.91 A capacidade está intrinsecamente relacionada com as
oportunidades reais a serem colocadas à disposição das pessoas, colaborando para a
construção de uma boa estrutura social.
Esta estrutura social deve estar sobre uma base de disponibilidade de bens,
recursos e serviços que estão ao alcance de uma pessoa, e também aos instrumentos
para realizar o bem-estar ou outros objetivos, sendo, portanto “mecanismos” para a
liberdade.
A responsabilidade social empresarial deve focar as suas ações de forma a dar
condições para a pessoa agir livremente e ser capaz de escolher dentre as
oportunidades colocadas à sua disposição em uma comunidade. O empresário ou
gestor público deve ser o agente da mudança e da promoção do bem-estar coletivo
estejam eles conectados ou não ao seu próprio interesse – ele deve concentrar
esforços na busca da totalidade de um objetivo constitutivo do bem-estar da
comunidade.
Para Amartya Sen o aspecto do bem-estar é essencial para a busca da justiça
social através da promoção de políticas públicas de segurança pública, redução da
pobreza e das desigualdades econômicas e sociais. Problemas de injustiças e
desigualdades socioeconômicas entre diferentes classes sociais repousam numa base
forte de disparidades sociais.
As políticas públicas de promoção da igualdade social podem ser definidas entre
dois vieses opostos, a de igualdade de aproveitamentos (positivo) ou de igualdade
nas insuficiências (negativo) com relação aos valores máximos que cada pessoa tem
condições de realizar. Sendo que para a igualdade de aproveitamento de realizações
devem-se comparar os níveis efetivos de realização do ambiente coletivo. Já para a
igualdade de insuficiência devem-se comparar estas insuficiências com as
respectivas realizações máximas, levando ao uso igualitário dos respectivos potenciais
à disposição de cada pessoa. Segundo Sen, não é possível valorar qual critério é o
91 SEN, 2008, p. 80
77
melhor para a implementação das políticas públicas sociais de redução das
desigualdades tendo em vista que a diversidade humana é complexa (sexo, idade,
ambiente, cor, etnias entre outros), e a tendência dessas políticas é considerar todas as
pessoas como similares, ou seja, possuidoras dos mesmos potenciais máximos. Mas
esses critérios auxiliariam na análise sistêmica da distribuição e geração do bem-estar
social.
Nesse contexto analisar a importância do mercado produtivo e das empresas
para a promoção ou privação de liberdades substantivas torna-se um referencial a ser
observado pelos entes públicos para implementação de políticas públicas de bem-estar
social, e Amartya Sen reforça este entendimento:
Existem muitas evidências empíricas de que o sistema de mercado pode impulsionar o
crescimento econômico rápido e a expansão dos padrões de vida. Políticas que
restringem oportunidades de mercado podem ter efeito de restringir a expansão de
liberdades substantivas que teriam sido geradas pelo sistema de mercado,
principalmente por meio da prosperidade econômica geral.92
É importante ressaltar que as disparidades sociais não têm um fundo somente de
recursos e rendas, existem muitas categorias de benefícios diferenciais. E as práticas
de responsabilidade social empresarial visam atenuar estas disparidades existentes,
principalmente, no ambiente de trabalho, podendo estender para políticas públicas de
desenvolvimento para a erradicação da pobreza e da desigualdade dentre outras desde
que as ideias de justiça e de igualdade social estejam contempladas.
Os conceitos de direitos humanos, liberdades políticas e básicas, oportunidades
sociais, políticas e econômicas são temas centrais e recorrentes das teorias igualitárias.
Para combater os problemas sociais e econômicos que os países estão enfrentando:
pobreza, analfabetismo, moradia, educação, saúde e meio ambiente, o alcance da
liberdade individual deve ser visto como um comprometimento social de todos os entes
públicos e privados.
92 SEN, 2000, p. 41
78
Para Sen, o desenvolvimento é um processo de expansão das liberdades reais
que as pessoas desfrutam. E estas dependem de serviços sociais e econômicos
colocados à disposição da sociedade, tais como: educação, saúde, trabalho, moradia,
transporte, energia, cultura, dentre outros alinhados aos direitos civis e políticos. O
desenvolvimento requer que se removam as barreiras de privação da liberdade:
pobreza, carência de oportunidades econômicas e destituição social, negligência dos
serviços públicos e assistência social, guerra e Estados autoritários e repressivos.
As empresas contribuem para o crescimento econômico e o desenvolvimento
regional, por isso a liberdade de participar das políticas comerciais e do intercâmbio
econômico aumentam as oportunidades de desenvolvimento. O desenvolvimento deve
ser visto como um processo interligado de expansão de liberdades substantivas. Não
podemos esquecer os valores sociais e costumes de cada comunidade que podem
inclusive influenciar as liberdades que as pessoas desfrutam e prezam. O exercício da
liberdade é mediado por valores, que são mediados por discussões públicas e
interações sociais, e estas por liberdades de participação.
Sen enfatiza a concepção dos fins e os meios do desenvolvimento, e
crescimento econômico é número, quantidade, diferente de desenvolvimento, que é
qualidade de vida dos indivíduos e expansão das liberdades básicas. Muitas pessoas
são privadas de acesso a serviços de saúde, educação, saneamento básico e água
tratada, oportunidades de emprego, segurança econômica e social, o que aumenta a
ausência de direitos e liberdades democráticas. As liberdades políticas e civis são
elementos constitutivos da liberdade humana, por isso a sua negação é tida como
deficiência de processos ou de oportunidades inadequadas. Tanto o processo como as
oportunidades influenciam no desenvolvimento como liberdade.
O papel da renda e da riqueza deve ser analisado de forma integrada com outras
influências socioeconômicas e ambientais, ressaltando a importância da visão holística
da comunidade. A pobreza é a base informacional da privação das capacidades
básicas. O desemprego é outro indicador de deficiência de renda, que pode ser
compensada pelo Estado, mas exerce um efeito negativo sobre a liberdade, a iniciativa
e as habilidades dos indivíduos, pois contribui para a exclusão social, perda de
autonomia, autoconfiança, saúde física e psicológica. A qualidade de vida e as
79
liberdades substantivas estão alinhadas com os números dos indicadores econômicos
na avaliação do desenvolvimento econômico e social de uma região. A negação de
oportunidades de trocas, a implementação de políticas que restringem as oportunidades
e transações econômicas arbitrárias podem gerar uma privação de liberdade devido à
ausência de mercados consumidores.
Amartya Sen considera o desenvolvimento como um processo de expansão das
liberdades reais a serem disponibilizadas para os indivíduos, sendo que as liberdades
são consideradas como “fim primordial” e “meio”, ou ainda “papel constitutivo” e “papel
instrumental” no desenvolvimento pleno da pessoa humana. Os dois papéis estão
interligados nas relações do processo de desenvolvimento. As liberdades substantivas
incluem as capacidades elementares como: alimentação, saúde, educação,
participação política, liberdade de expressão e de associação, dentre outras. O papel
instrumental da liberdade está voltado para o modo como diferentes tipos de direitos,
oportunidades e bens contribuem para a expansão da liberdade humana. A eficácia da
liberdade como instrumento está na inter-relação e na interdependência dos vários tipos
de liberdade:
O desenvolvimento como liberdade não pode deixar de levar em conta essas privações.
A relevância da privação de liberdades políticas ou direitos civis básicos para uma
compreensão adequada do desenvolvimento não tem de ser estabelecida por meio de
sua contribuição indireta a outras características do desenvolvimento (como o
crescimento do PIB ou a promoção da industrialização. Essas liberdades são parte
integrante do enriquecimento do processo de desenvolvimento. A relevância do papel
instrumental da liberdade política como um meio para o desenvolvimento de modo
nenhum reduz a importância avaliatória da liberdade como um fim do desenvolvimento.
(grifo nosso). 93
A liberdade é um indicador de desenvolvimento social e econômico de um país,
assim, classifica as liberdades instrumentais em cinco tipos: 1) as liberdades políticas,
2) facilidades econômicas, 3) oportunidades sociais, 4) garantias de transparência e 5)
segurança protetora. As políticas públicas devem ser concebidas para promoverem
93 SEN, 2000, p. 53
80
estas liberdades, que são interdependentes e inter-relacionadas, pois uma fortalece a
outra.
As liberdades políticas incluem os direitos civis, e compreendem as
oportunidades que os cidadãos possuem de voto (escolha dos seus representantes),
fiscalização, participação política, liberdade de expressão e associação, uma imprensa
livre e independente, enfim os direitos políticos democráticos.
As facilidades econômicas são as oportunidades que os indivíduos têm para
utilizar os recursos econômicos: consumo, produção, financiamento ou troca.
As oportunidades sociais são os serviços e políticas públicas colocadas à
disposição da sociedade: educação, saúde, transporte, moradia, saneamento básico,
água tratada, que influenciam diretamente a liberdade substantiva da qualidade de vida
dos indivíduos.
As duas últimas liberdades referem-se às interações sociais, a harmonia da
convivência social que requer uma base de confiança e segurança. As garantias de
transparência estão associadas ao direito de informação livre e independente, de
revelação como instrumentos inibidores da corrupção, da irresponsabilidade político-
financeira e de transações ilícitas. A segurança protetora é importante para assegurar
uma rede de segurança jurídica e social, com instituições bem ordenadas, garantidoras
dos serviços públicos eficientes e eficazes e do sistema econômico.
Essas liberdades instrumentais aumentam diretamente as capacidades das pessoas,
mas também se suplementam mutuamente e podem, além disso, reforçar umas às
outras. É importante apreender essas interligações ao deliberar sobre políticas públicas
de desenvolvimento. [Por exemplo ]: a criação de oportunidades sociais por meio de
serviços como educação pública, serviços de saúde e desenvolvimento de uma imprensa
livre e ativa pode contribuir para o desenvolvimento econômico e para a redução
significativa das taxas de mortalidade. A redução das taxas de mortalidade, por sua vez,
pode ajudar a reduzir as taxas de natalidade, reforçando a influência da educação básica,
em especial da alfabetização e escolaridade das mulheres, sobe o comportamento das
taxas de fecundidade. (grifo nosso). 94
94 Ibid, p. 57
81
A responsabilidade social empresarial trabalha na promoção das liberdades
individuais, sendo assim é importante no momento do diálogo social com os demais
parceiros, ter esse olhar abrangente para examinar as determinantes intrínsecas e de
amplo alcance do processo de desenvolvimento. Muitas vezes, a empresa, pela sua
importância política e institucional na região, pode ter o seu papel determinado na
articulação e fortalecimento de políticas públicas sociais de forma a aumentar o alcance
das liberdades individuais.
As liberdades individuais são influenciadas, de um lado, pela garantia social de
liberdades, tolerância e possibilidade de troca e transações. Também sofrem influência,
por outro lado, do apoio público substancial no fornecimento das facilidades (como
serviços básicos de saúde, educação fundamental) que são cruciais para a formação e o
aproveitamento das capacidades humanas. É necessário atentar a ambos os tipos de
determinantes das liberdades individuais.95
Isso mostra a importância da responsabilidade social empresarial vincular os
seus programas de responsabilidade social às políticas públicas governamentais na
área de saúde, educação, moradia, proteção à criança e ao adolescente, pesquisa e
tecnologia, dentre outras de direitos sociais e econômicos. Esses direitos e
oportunidades estão entrelaçados numa malha de responsabilidades das instituições
ordenadas, sociedade civil, organizações não-governamentais e entidades
cooperativas, e os seus papéis instrumentais devem ser levados em conta na promoção
de políticas públicas. Os fins e os meios do desenvolvimento devem ser colocados no
centro da atenção desse relacionamento compartilhado de responsabilidades.
As privações ou limitações socioeconômicas devem ser vistas num nível mais
fundamental, próximo das demandas informacionais da justiça social, como por
exemplo, a pobreza deve ser vista como privação das capacidades, e não como baixo
nível de renda. As limitações assumem formas diferentes em cada região:
desemprego, doença, baixo nível educacional, exclusão social. A liberdade pode ser
tolhida pela inexistência de escolhas, de oportunidades, com reflexos econômicos e
sociais.
95 Ibid, p. 59
82
Estes são problemas polêmicos, e a ótica qualitativa da justiça social deve estar
alinhada com os índices, com os indicadores econômicos, pois uma situação pode ser
eficiente de acordo com o princípio da otimalidade de Pareto, que é uma referência
para a justiça social: uma situação pode ser eficiente no sentido de que a utilidade ou a
liberdade substantiva de qualquer pessoa não pode ser aumentada sem diminuir a
utilidade ou a liberdade de alguma outra pessoa. Este contexto requer também uma
discussão social ampla e profunda com os diversos atores políticos, sociais e
econômicos para ocasionar mudanças significativas e de transformação social – o
compromisso social entre diferentes instituições.
Deve-se buscar sempre a equidade nas questões relacionadas às privações e
pobreza, e a intervenção social através de políticas públicas governamentais ainda é o
melhor caminho a ser seguido, e assim as teorias normativas constituem uma base
informacional útil para as políticas de combate às privações.
Para Sen as liberdades políticas devem ser asseguradas e priorizadas mesmo
que haja conflito entre a satisfação das necessidades econômicas e sociais, pois o
fortalecimento do sistema democrático é uma garantia do processo de desenvolvimento
por três razões: 96
1) sua importância direta para a vida humana associada a capacidades básicas
(capacidade de participação política e social);
2) seu papel instrumental de aumentar o diálogo social de atenção política (as
reivindicações de necessidades econômicas);
3) seu papel construtivo na conceituação de necessidades (a compreensão das
necessidades econômicas em um contexto social).
Assim, a importância das instituições atuarem no fortalecimento dos direitos civis
e das liberdades políticas de forma a evitar prejuízos ambientais, sociais e crises
econômicas para a região, garantindo a amplitude e o alcance do processo
democrático.
É importante conhecer e utilizar estes referenciais teóricos para a implementação
de programas de responsabilidade social e políticas públicas integradas.
96 SEN, 2000, p. 175
83
4 A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: RECEPÇÃO N A
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DESSA PREMISSA PELOS PRINCÍPIO S DA
SOLIDARIEDADE E DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
O século XIX é caracterizado pelo sistema laissez-faire nas relações
econômicas, com os seguintes preceitos: propriedade privada, trabalho livre, livre
iniciativa e ampla competição. Ao governo cabia o papel de protetor do direito de
propriedade e da defesa nacional, do estabelecimento de medidas monetárias, além de
prover toda a infraestrutura necessária ao escoamento da produção industrial tanto
para o mercado interno quanto para o externo. O laissez-faire é um sistema auto-
regulável, motivado pelo interesse dos empresários e regulado pela competição.
O período Pós-Guerra é marcado pelo surgimento das constituições
democráticas, e os valores sociais são priorizados em detrimento do pensamento liberal
individualista. As constituições são tomadas pelos valores sociais e se tornam
paradigmas para as legislações infraconstitucionais. As relações públicas e privadas
não podem mais ser interpretadas sem os novos valores políticos, sociais e
econômicos, principalmente da dignidade humana conforme assegura Pedro Oliveira da
Costa:
Delineia-se um novo quadro, inspirado por novos valores. Os valores liberais sobre os
quais se erigia a antiga dogmática jurídica são substituídos por valores sociais. As
grandes figuras do direito privado são revisitadas, entranhadas por princípios
constitucionais que determinam que a dignidade da pessoa humana deve ser respeitada
acima de todas as coisas (CF,art. 1º, III); que a erradicação da pobreza e a redução das
desigualdades sociais deve ser buscada a todo custo (CF, art. 3º, III); que o
desenvolvimento econômico tem por finalidade última assegurar a todos uma existência
digna (CF, art. 170, caput).97
No final do século XIX e início do século XX as Constituições são absorvidas por
um senso coletivo de justiça social e dignidade da pessoa humana, deixando a ênfase
97 COSTA, 2005, p. 48
84
das normas orgânicas em relação à formação do Estado e atuação de outros entes de
direito público, e passando a tratar outros temas de interesses econômico-sociais,
protegendo bens e direitos coletivos e difusos: proteção do meio ambiente; função
social da propriedade e dos contratos; igualdade entre homens e mulheres; proteção ao
consumidor dentre outros, principalmente no estabelecimento de princípios que
direcionam para uma nova interpretação do Direito Civil – constitucionalização do direito
civil.98 Francisco Cardozo Oliveira reafirma esta nova interpretação harmônica dos
interesses do proprietário em face dos interesses sociais:
(...) aumentaram as exigências de observância pelo proprietário de imposições de
natureza social, de modo a viabilizar a adaptação do exercício dos poderes proprietários
a uma realidade social e econômica com menos ênfase individualista, ainda que
orientada pelos valores do liberalismo econômico (...) o proprietário não pode deixar de
observar o princípio de função social na utilização da coisa objeto da propriedade.
A intensificação das demandas sociais no século XX alterou o perfil da Constituição e do
Estado que passaram a tutelar os chamados direitos sociais e a incorporar regras de
intervenção no domínio econômico. O Estado liberal, que exprimiu a ideologia do
liberalismo econômico, cedeu lugar ao Estado do bem-estar social, que assumiu a tarefa
de aprofundar a democracia e de perseguir o objetivo de igualdade substancial. 99
As Constituições passam a conter os direitos fundamentais e sociais dos
cidadãos ditados pela formação do Welfare State, e posteriormente pelo Estado
Democrático de Direito. Os princípios de direito privado são absorvidos pelas
Constituições, que são permeadas por princípios como igualdade, liberdade,
solidariedade e dignidade humana, promovendo amplamente os valores do interesse
social e da justiça social nas relações privadas100, assim como a funcionalização do
direito das obrigações como salienta Rosalice Fidalgo Pinheiro:
No Estado Democrático de Direito, os valores e princípios fundamentais do Direito
Privado transitam para a esfera política. Ao transpor as barreiras que separavam o
público do privado, o Estado toma para si a tarefa de tutela e realização dos direitos
98 RAPOSO, 2002, p. 79 99 OLIVEIRA, 2006, p. 111 e p. 173 100 BARROS DIAS, 2002, p. 14
85
fundamentais e de pleno desenvolvimento da pessoa. Trata-se, em última instância, da
esfera política definindo os valores do Direito Privado e conferindo-lhe feição
democrática. Com efeito, o contrato, situação subjetiva patrimonial construída sob a
inspiração do liberalismo, é chamado a funcionalizar-se às relações existenciais. 101
Os movimentos ambientalistas e sociais do século XX revolucionaram o
pensamento jurídico-ideológico dos países do ocidente. A partir de então, a criação e
aplicação dos institutos jurídicos em lides de qualquer natureza deveria estar em
conformidade com os princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana tão
presentes nas constituições sociais. Na afirmação de Anderson Schreiber, o princípio
da solidariedade é o grande corolário da priorização do interesse coletivo sobre o
interesse individual:
A solidariedade social consubstancia-se, sem dúvida alguma, em um dos principais
vetores do direito contemporâneo. A influência dos ideais solidários e do reconhecimento
do caráter normativo do princípio da solidariedade social, por toda parte difundido,
provocou efeitos revolucionários em diversos setores do direito privado, temperando sua
histórica orientação liberal e individualista. Também na responsabilidade civil, esta
influência se fez sentir intensamente. Muito além da costumeira alusão às hipóteses
legais de responsabilidade objetiva, a solidariedade social promoveu radical
transformação na própria função atribuída a este ramo jurídico, especialmente por meio
de uma gradativa conscientização de que o escopo fundamental da responsabilidade civil
não deve ser a repressão a condutas negligentes, mas a reparação dos danos.102
Tendo o princípio da dignidade da pessoa humana como o grande norteador dos
demais princípios, não é possível contextualizar o direito de propriedade como uma
relação intersubjetiva diante do princípio da função social. A mudança de paradigmas
do liberal, que serve aos interesses de uma mesma classe, para o social, onde
predomina os interesses da coletividade, faz com que o Estado assuma uma posição
ativa no cenário econômico e a Constituição passa a contemplar em seus dispositivos
as chamadas “situações jurídicas subjetivas” absorvidas pelo princípio do solidarismo
constitucional conforme ressalta Rosalice Fidalgo Pinheiro:
101 PINHEIRO, 2009, p. 38 102 SCHREIBER, 2007, p. 212
86
Firma-se a ideia que não há direitos “absolutos” e ilimitados, como pretensamente o
individualismo colocou, ao tomar o homem como ser isolado, como se não estivesse
inserido na sociedade. As “situações jurídicas subjetivas” constituem-se em um complexo
de direitos, prerrogativas e deveres, que são conferidos e impostos ao sujeito de direito
em função de um critério axiológico, no qual não se tutela apenas o interesse do titular,
mas de toda uma coletividade, expressando-se como a melhor manifestação do
solidarismo ou socialismo. Enquanto o direito subjetivo “nasceu para exprimir um
interesse individual e egoísta, a noção de situação subjetiva complexa, configura a
função de solidariedade presente ao nível constitucional”.103
Embora os princípios abordados neste capítulo sejam tidos também como
cláusulas gerais na Constituição Federal, e sua finalidade é contribuir para a
hermenêutica do direito com diretivas econômicas, sociais e políticas conforme enfatiza
Judith Martins-Costa:
As cláusulas gerais constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no
ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos
legislativamente, de Standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de
comportamento, das normativas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e
políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento positivo.104
A importância desses princípios para a prática da responsabilidade social
empresarial é ímpar tendo em vista que o direito de propriedade é o ponto de partida
para o estudo do Direito Empresarial e suas relações com a comunidade. Para John
Locke os três bens naturais que são invioláveis correspondem: a vida, a propriedade e
a liberdade.105 Esses bens são oponíveis ao Estado e aos particulares, e o Estado
Social reconhece esses bens como princípios fundamentais e princípios da ordem
econômica. Sendo assim, a responsabilidade social empresarial enquanto mecanismo
de efetivação dos direitos fundamentais deve também tutelar estes bens para a sua
103 PINHEIRO, 2002, p. 28 104 MARTINS-COSTA, 1999, p. 274 105 LOCKE, John. The second treatise of civil government (1690). Disponível em http://oregonstate.edu/instruct/phl302/texts/locke/locke2/2nd-contents.html. Acesso em 21 abr. 2011
87
legitimidade perante as partes interessadas (stakeholders) tanto públicas quanto
privadas.
Cabe ressaltar a eficácia transnacional dos direitos fundamentais consagrados
nos tratados internacionais e tidos como instrumentos jurídicos da responsabilidade
social empresarial, assim como a funcionalização do direito de propriedade empresarial
conforme ressalta Francisco Cardozo Oliveira:
A função social na propriedade empresarial contempla elementos econômicos e sociais
que devem ser objetivados mediante reflexão teórica e construção jurisprudencial em
linha de complementaridade com a premissa de desenvolvimento econômico sustentável,
a partir da correlação entre direitos fundamentais, ordem econômica e meio ambiente
equilibrado (arts. 5º, 170 e 225 da CF).106
Mediante a consideração de elementos socioeconômicos incorporados aos conceitos de
posse e propriedade, é possível determinar a extensão da funcionalização e a
reorientação humanista da posse e do direito de propriedade perseguida pelo direito civil
contemporâneo.107
O princípio da socialidade está fortemente presente no Direito Privado,
submetendo a ordem econômica aos interesses da coletividade, assim possibilita uma
interpretação harmoniosa da autonomia da vontade tanto na propriedade, na empresa e
nos contratos – “a interligação entre propriedade, contrato e empresa, pelo qual todos
esses institutos devem, além de cumprir o seu papel econômico, igualmente
desempenhar a sua função social, sempre privilegiando os interesses da sociedade em
detrimento de vantagens individuais”.108
A justiça social foi recepcionada pela Constituição de 1946, e a partir de então a
busca pelo equilíbrio da ordem econômica e social perpassa as Constituições
subseqüentes. Os direitos econômicos, sociais e culturais juntamente com os direitos
civis e políticos são vistos de forma indivisível calcados na dignidade humana, na
valorização do trabalho, na função social da propriedade e na solidariedade dentre
outros.
106 OLIVEIRA, 2008, p.3 107 OLIVEIRA, 2006, p. 80 108 GOMES, 2006, p. 134
88
A Carta Constitucional de 1988 reúne de forma harmônica os princípios e valores
da justiça social alinhados com a ordem econômica, com a valorização do trabalho e
com a construção de uma sociedade justa e solidária, sendo a base estruturante da
responsabilidade social empresarial.
4.1 O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E A FUNÇÃO SOCIAL
DA EMPRESA
Não se pode perder de vista a importância da empresa enquanto agente social
de uma economia globalizada109. A sua função está intrinsecamente relacionada com o
desenvolvimento econômico e regional das comunidades nas quais está inserida,
gerando empregos, sustento de famílias, recolhimento de tributos e papel articulador
das políticas públicas regionais dentre outros, garantido os resultados socioeconômicos
pretendidos pelo Estado.
Esse inter-relacionamento entre empresas e políticas econômicas e sociais
demonstra o quanto a empresa está inserida no desenvolvimento sustentável do país,
operando sob o patrocínio e ajuda efetiva do Poder Público, e atualmente, com a
implementação da responsabilidade social em sua gestão estratégica, a empresa torna-
se parceira e agente da realização de políticas públicas do Estado.110
A interação empresa e economia podem proporcionar benefícios para a
sociedade, e ao mesmo tempo gerar lucro para os acionistas, tornando-se um elo
interdisciplinar nas relações entre negócios privados. O princípio da função social da
propriedade adéqua a propriedade à realidade socioeconômica, podendo ser utilizada
na realização de direitos humanos elementares111. Os requisitos a serem cumpridos
pela função social estão alinhados a economia para Getulio Targino Lima:
109 TOKARS, 2002, p.78 110 COMPARATO, 1977, p. 212 111 HOLANDA COUTINHO, 2002, p. 69
89
(...) no final do século XIX, a teoria da função social, pela qual o conceito de propriedade
perde a condição de absoluto, sujeitando-se ao cumprimento da mencionada função
social, a qual atribui à propriedade um conteúdo específico, que lhe configura, inclusive,
um novo conceito, uma redefinição de seus elementos essenciais e integrantes.
É assim que a Constituição Federal garante o direito de propriedade, mas cobra o
cumprimento de sua função social.
Tem-se, no momento, mencionado o caráter socioeconômico da propriedade.112
A função social da propriedade não se restringe apenas ao seu limite externo,
mas é parte integrante do conceito de direito da propriedade, adequando o seu
conteúdo em relação a cada tipo de bem tutelado como pode ser visto na decisão do
tribunal espanhol:
(...) esa dimensión social de la propriedad privada, en cuanto institución llamada a
satisfacer necesidades coletivas, es en todo conforme con la imagen que de aquel
derecho se ha formado la sociedad contemporânea y, por ende, debe ser rechazada la
idea de que la previsión legal de restriciones a las otrora tendencialmente ilimitadas
facultades de uso, disfrute, consumo e disposición o la imposición de deberes positivos al
propietário hagan irreconocible el derecho de propiedad como perteneciente al tipo
constitucionalmente descrito. Por otra parte, no cabe olvidar que la incorporación de tales
exigencias a la definición misma del derecho de propiedad responde a principios
establecidos e intereses tutelados por la propia Constitución.113
A importância em interpretar este princípio, sem restringir aos seus limites
externos, é lição aprendida também com Pietro Perlingieri:
A função social predeterminada para a propriedade privada não diz respeito
exclusivamente aos seus limites (…). A função social, construída como o conjunto dos
limites, representaria uma noção somente do tipo negativo voltada a comprimir os
poderes proprietários, os quais sem os limites, ficariam íntegros e livres. Este resultado
está próximo à perspectiva tradicional. Em um sistema de solidariedade política,
econômica e social e ao pleno desenvolvimento da pessoa, o conteúdo da função social
assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina das formas de
112 LIMA, 2002, p. 165 113 RUIZ MIGUEL, 2009, p. 272
90
propriedade e as suas interpretações deveriam ser atuadas para garantir e para
promover os valores sobre os quais se funda o ordenamento. 114
Citando, novamente, Getulio Targino de Lima não se pode confundir limites ao
direito de propriedade com função social da propriedade, pois a “função social da
propriedade não se apresenta como limitação da propriedade, mas como uma
finalidade legitimadora do título dominial”.115
O princípio da função social que tanto prestigia a autonomia privada em atender
aos interesses coletivos reveste tanto a propriedade como o contrato enquanto
instrumento jurídico das operações econômicas de produção e distribuição de riquezas.
O contrato é o instituto fundamental na economia e também foco de atenção do Estado
na busca de soluções de desenvolvimento e justiça social116, com preceito de ordem
pública que visa a dignidade e a socialidade, fazendo com que a interpretação do
contrato ultrapasse os limites do individualismo e alcance os interesses da sociedade e
da justiça social117 – desenha-se a passagem do individualismo para o solidarismo,
sobrepondo o interesse da coletividade sobre o individual118 - conforme assinala
também Francisco Cardozo Oliveira:
A função social no contrato, não depende apenas do querido individualmente pelas
partes; antes ela surge para os contratantes do modo como configurado o contexto social
e econômico em que celebrado o contrato, em que inseridos os contratantes e os fins e
interesses sociais que daí se revelam para toda a coletividade. Quem celebra contrato de
consumo no Brasil, por exemplo, que está inserido no modelo da sociedade de consumo
numa economia de capitalismo periférico, está comprometido com a função social do
contrato voltada para a finalidade de assegurar o acesso a bens, na medida em que esse
acesso qualifica não apenas a posição dos contratantes, mas a de inúmeras outras
pessoas de partícipes das riquezas produzidas em sociedade. 119
Nessa esteira, os princípios da função social, da solidariedade e da dignidade da
pessoa humana devem respaldar todos os contornos da eficácia dos contratos e da
114 PERLINGIERI, 2007, p. 226 115 LIMA, 2002, p. 180 116 GRAU, 2002, p. 132 117 RAPOSO, 2002, p. 87 118 PINHEIRO, 2007, p. 73 119 OLIVEIRA, 2011, p.9
91
propriedade, afastando o individualismo das obrigações e dando lugar ao interesse
coletivo, “recebendo a influência do meio social e expandindo seus efeitos ao meio
social (enfim, deixa de ser um fim em si mesmo, relacionando se com a sociedade)”.120
A autonomia privada está alinhada com o princípio da função social, em
harmonia com os princípios da solidariedade social e da dignidade da pessoa humana,
não podendo mais destes ser interpretada isoladamente:
A função social da empresa deve ser exercida em prol do cidadão e observando-se os
demais preceitos de ordem pública, tais como a proteção do consumidor, a valorização
do trabalho e da dignidade humana, além da defesa do meio ambiente. Quando a
empresa passa a extravasar o seu objeto social e a atuar também na busca da melhoria
da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável, de forma organizada, dirigida e
harmônica, a função social plena será a resultante.121
A presença do princípio da função social nas Constituições consolida a harmonia
e o equilíbrio das relações econômicas entre a autonomia privada e a solidariedade
social como diz Erik Frederico Gramstrup:
Felizmente, como dissemos, nossa Lei Fundamental foi generosa no particular. Refere o
direito de propriedade tanto no caput do artigo 5º, como inviolável, quanto no inciso XXII
do mesmo artigo, para no inciso seguinte determinar que atenda sua função social. Há
mais. Fiel à tradição instaurada em 1934, abre um Título VII, agora denominado “Da
Ordem Econômica e Financeira”da qual a função social, em nova aparição, é
considerada como princípio (art. 170, III). 122
Sendo uma das atribuições do Estado Social a busca por uma sociedade justa e
solidária, não se permite que as empresas restrinjam as suas atividades exclusivamente
para a obtenção do lucro. Elas têm que se interagir com as comunidades nas quais
estão inseridas, buscando o desenvolvimento econômico e social da região. Surge aí o
compromisso da responsabilidade social que permeia toda a conduta da empresa na
120 MOURA CORDEIRO, 2008, p. 122 121 HUSNI, 2007, p. 73 122 GRAMSTRUP Apud LOTUFO, 2002, p. 89
92
implantação da cidadania empresarial, respeitando a dignidade da pessoa humana e o
meio ambiente sadio e equilibrado.
Para Alexandre Husni a função social da empresa é gênero subdividido nas
espécies responsabilidade social e responsabilidade societária:
Ao avaliarmos a questão da interação da empresa socialmente responsável com os
stakeholders, aqui vistos como o universo de agentes e entes que se relacionam com a
empresa de forma interna e externa, propusemos uma divisão de categorias, partindo da
premissa de que no gênero função social existem, entre as espécies, a empresa
societariamente responsável que, na ótica, é aquela que cumpre estritamente com todas
as obrigações impostas pelo exercício da atividade empresarial e para com as leis e
regulamentos concernentes, atendendo as reivindicações dos poderes públicos,
mantendo, em alguns casos, sistemas de governança corporativa, pagando seus tributos,
bem atendendo aos seus consumidores e fornecedores e mantendo as suas obrigações
sociais de âmbito trabalhista sempre em dia. A empresa nesta condição cumpre sua
função social.
Mas há também, no gênero função social, a espécie da empresa socialmente
responsável que vai além dos ditames legais e contratuais, na busca de ideais
comunitários e sociais....123
É necessário compreender a prática da responsabilidade social empresarial
dentro do conceito da função social da empresa (art. 116, parágrafo único, e 154 da Lei
6.404/76 - Lei das Sociedades Anônimas), e também como resultado de uma
interpretação sistêmica dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana,
da solidariedade, e dos princípios da ordem econômica da função social da propriedade
(art. 170, III, CF):
Art. 116 – parágrafo único – O acionista controlador deve usar o poder com o fim
de fazer a companhia realizar o seu objetivo e cumprir sua função social, e tem deveres
e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham
e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente
respeitar e atender.
123 Cf. HUSNI, 2007, p. 175
93
Art. 154 – O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe
conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do
bem público e da função social da empresa.
Além destes dois artigos, podemos somar o artigo 170 da Constituição Federal
quanto aos Princípios Gerais da Atividade Econômica que diz:
Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
Inciso III – função social da propriedade.
Como ressalta Fábio Konder Comparato, a Lei n. 6.404/76 traz, pela primeira
vez, os deveres e responsabilidades do controlador não só com os acionistas, mas
estende em relação aos trabalhadores e à comunidade em que atua. 124 O princípio da
função social exige que a propriedade esteja em conformidade com os valores da
atividade econômica (art. 170, caput, CF): valorização do trabalho humano, livre
iniciativa e existência digna a ser assegurada a todos conforme ressalta Roberta Mauro.
A destinação que deverá ser dada ao bem não é mais uma escolha absolutamente livre,
eis que a Constituição oferece um guia à conduta do titular. (...) a legislação em vigor
apresenta hoje uma série de mecanismos capazes de coibir qualquer destinação que se
mostre contrária à função social e ao desempenho econômico do bem, em benefício de
toda a sociedade. 125
Percebe-se que os artigos acima não contêm a previsão de uma sanção para a
não efetivação da função social das empresas, reforçando que esta conduta
empresarial está pautada num fundamento ético, o que requer um amplo esforço e
educação para mudança de comportamento e conscientização dos empresários para a
implementação dessa prática responsável.
O posicionamento de Alfredo Lamy Filho confirma a importância econômica e
social das empresas, enquanto unidade de produção da economia e de instituição
124 COMPARATO, 1977, p. 214 125 MAURO, 2008, p. 47
94
social de convivência prolongada entre trabalhadores e empregados que geram
conflitos e debates de caráter político e social que reforçam cada vez mais o poder de
influência e decisão política, econômica e social no desenvolvimento regional:
O círculo de dependentes das decisões empresariais não se esgota [nas pessoas que
utilizam o serviço direto das empresas ]. No campo econômico-financeiro a atividade
traz repercussões aos fornecedores dos insumos, às empresas concorrentes ou
complementares, aos consumidores que se habituaram aos seus produtos, aos
investidores que associaram à empresa, e aos mercados em geral; no setor humano, a
empresa, como se disse, é campo de promoção e realização individual, cuja ação (de
propiciar emprego, demitir, promover, remover, estimular e punir) ultrapassa a pessoa
diretamente atingida para projetar-se nos campos familiar e social. (...) A existência
desse poder empresarial tem que importar, necessariamente, em responsabilidade
social. (grifo nosso). 126
E o autor continua afirmando que a atuação ética do empresário e o dever social
da empresa constituem um compromisso permanente com a reumanização da
economia, e que o poder público deve reconhecer e premiar este comprometimento
ético e social:
A satisfação desses deveres e responsabilidades há que traduzir-se na busca atenta e
permanente da conciliação do interesse empresarial com o interesse público; no
atendimento aos reclamos da economia nacional, como um todo, na identificação da
ação empresarial com as reivindicações comunitárias – numa palavra, na observância de
uma ética empresarial, que afinal, é o que distingue o aventureiro do empresário.
O comportamento ético da empresa, sua orientação no sentido da observância do
interesse público, é, pois, um dever legal, já agora inscrito em nosso direito positivo. Mas
entre a norma genérica, enunciada como ideal a ser atingido, e a prática da vida
empresarial há uma distância que somente a ação do Estado pode e deve superar.
(...) Em outras palavras, impõe-se que o cumprimento dos deveres sociais das empresas,
e a lealdade na busca do interesse público, ascendam com a eficiência a critérios
básicos e distintos entre a boa e a má corporação, entre a idônea e a inidônea – e que se
privilegiem as boas como sanção das más. 127
126 LAMY FILHO, 1992, p. 58 127 Ibid, p. 59-60
95
Nessa esteira, Fábio Tokars enfatiza que a empresa é o agente social mais
poderoso de uma economia globalizada e que a vida dos indivíduos é pautada pela
economia gerada por elas, tais como emprego, sustento das famílias, ambiente de
convivência social, consumo, transações comerciais, geração de tributos, formando
uma base sustentável das empresas e da estabilidade econômica de um país. As
decisões empresariais acarretam efeitos sociais profundos, podendo ser muitas vezes
superiores às de ordem políticas, por isso a importância das empresas para o
desenvolvimento econômico e social de uma região:
Se as empresas se mostram poderosíssimos agentes sociais, sua atuação não pode ser
caracterizada pela mais absoluta liberdade para a tomada das decisões, devendo ser
pautada não só pela busca desenfreada pelo lucro, mas também por princípios de ética
social. Surge, materialmente, a noção de função social da empresa.128
O autor reconhece a importância da função social das empresas, mas afirma
também que ela não pode ser compreendida de forma isolada dos demais princípios
constitucionais da ordem econômica. A interpretação deve ser proporcional dentro do
contexto social das tomadas de decisão, ou seja, a empresa não pode sacrificar os
investimentos econômicos em sua infraestrutura produtiva tendo em vista o
cumprimento da função social, e que a falta de uma sanção específica na norma reduz
por completo a sua eficácia (arts. 116, parágrafo único e 154 da LSA):
As normas [da função social da empresa ] existem. São claras quanto ao seu conteúdo
e encontram ampla justificativa teórica. Exigem o cumprimento da função social da
empresa. Mas, como deveria ser feito com todos os princípios constitucionais, faz-se
necessário estabelecer a proporção do conteúdo meramente retórico da norma
relativamente à sua eficácia material. (...) crer na função social da empresa significa
fechar os olhos ao mundo, construir um paliativo retórico aos efeitos concretos de nossas
políticas econômicas. (grifo nosso).129
128 TOKARS, 2002, p. 78 129 Ibid, p. 80
96
Continuando com a posição do autor quanto à função social da empresa, o
caráter ético de uma norma não é suficiente para impor ao empresário uma conduta
socialmente responsável, numa economia deliberadamente neoliberal, o conceito de
ética é vazio, ilusório e alienado:
A eficácia material de uma norma jurídica determinadora de balizas na conduta humana
não decorre abstratamente de sua natureza de comando normativo, sendo
conseqüência, sim, do racional temor quanto à imposição de uma sanção vinculada ao
preceito normativo. Ganha relevo, assim, o potencial punitivo da norma, o qual assume
importância ainda maior numa sociedade carente de valores morais. 130
Fábio Konder Comparato corrobora com o autor quanto à efetividade da função
social da empresa “vista como uma válvula de escape psicossocial, com o caráter
aparente de conquista social, mas que pode surtir um efeito inverso, mantendo
privilégios ou impedindo a real conquista de interesses sociais”131, e também quanto à
ausência de uma sanção normativa e a visão extremada pelo lucro e pela
competitividade ditadas pelo capitalismo impedirão as empresas de promoverem a
justiça social:
É imperioso reconhecer, por conseguinte, a incongruência em se falar numa função
social das empresas. No regime capitalista, o que se espera e exige delas é, apenas, a
eficiência lucrativa, admitindo-se que, em busca do lucro, o sistema empresarial como
um todo exerça a tarefa necessária de produzir ou distribuir bens e de prestar serviços no
espaço de um mercado concorrencial. Mas é uma perigosa ilusão imaginar-se que, no
desempenho desta atividade econômica, o sistema empresarial, livre de todo o controle
dos Poderes Públicos, suprirá naturalmente as carências sociais e evitará os abusos; em
suma, promoverá a justiça social.132
O autor deixa claro que não cabe à empresa assumir o papel do Estado na
construção de uma sociedade justa e solidária. A empresa tem a finalidade de gerar
lucro, não cabendo ao empresário deixar de investir o capital no desenvolvimento da
130 Ibid, p. 83-84 131 Ibid, p.94 132 COMPARATO, 1996, p. 45
97
empresa para investir nos deveres do Estado para com a sociedade. Mas, no Estado
Democrático de Direito, as funções são compartilhadas e as empresas devem assumir
as suas responsabilidades sociais.
Para Eduardo Tomasevicius Filho a função social está relacionada com poderes,
direitos e deveres que unidos servem de instrumento para produzir determinados
efeitos jurídicos, exigíveis através da atuação estatal, e significa ainda o exercício de
um direito subjetivo que atenda ao interesse público, não apenas no sentido de não
impor restrições ao exercício desse direito, mas no sentido de acarretar uma vantagem
positiva e concreta para a sociedade – a propriedade obriga ou há um poder-dever de o
indivíduo atender ao interesse público no exercício do seu direito subjetivo. Esse
interesse público é determinado pelos princípios e normas jurídicas variáveis conforme
o desenvolvimento da sociedade.133
Para o autor, a base do conceito de função social é o direito subjetivo, por isso
só pode ser exigível no exercício desse direito e no que intrinsecamente estiver ligado
ao mesmo, como por exemplo, o exercício das atividades ligadas ao objeto social da
empresa:
No caso da empresa, só se pode exigir o cumprimento da função social nas atividades
que constituem os elementos de empresa, ou seja, o exercício de uma atividade
econômica organizada produtora de bens e serviços com o intuito de lucro.
Em geral, esses limites objetivos para a exigência da função social estão definidos no
objeto social da atividade desenvolvida pelo empresário ou pela sociedade empresária
porque ali está delimitada a função econômica da empresa. (...) Em outras, palavras, não
é possível exigir, com fundamento na função social, o cumprimento de deveres para os
quais a empresa não foi criada. (...) A função social da empresa constitui o poder-dever
de o empresário e os administradores da empresa harmonizarem as atividades da
empresa, segundo o interesse da sociedade, mediante a obediência de determinados
deveres positivos e negativos [decorrentes da função social da sua atividade ]. (grifo
nosso). 134
133 TOMASEVICIUS FILHO, 2003, p. 39 134 Ibid, p. 40
98
O enunciado 53, aprovado nas Jornadas de Direito Civil, é o entendimento do
Conselho da Justiça Federal para chamar a atenção ao cumprimento da função social
pelas empresas, mesmo na omissão do artigo 966 do Código Civil. Diz o enunciado 53:
“deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das
normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa”.
O limite do exercício da atividade empresarial está respaldado no ordenamento
jurídico, através da função social, mas o seu conteúdo ainda está carente de definição.
Luis Nogueira Matias reforça a função social da propriedade enquanto gênero, e como
espécie a função social da empresa:
A função social da empresa é corolário da função social da propriedade, podendo-se
conceituá-la como a vinculação do exercício da atividade empresarial aos valores eleitos
pelo constituinte, especialmente, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária
preservados os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.135
Já a responsabilidade social empresarial é considerada uma ferramenta da
função social da empresa, e com esta não se confunde, conforme posicionamento de
Daniela Vasconcellos Gomes, e novamente citando João Luiz Nogueira Matias:
Torna-se evidente, então, que a responsabilidade social empresarial e a função social da
empresa são conceitos interligados, e os deveres e responsabilidades sociais decorrem
da própria função social da empresa. E a esta, para ser considerada cidadã, precisa
assumir um compromisso a favor da promoção da cidadania e do desenvolvimento das
comunidades, ajustando-se às atuais necessidades sociais.136
A teoria da função social da empresa não se confunde com a teoria da social
responsability, de origem norte-americana. A atuação em sintonia com regras de
responsabilidade social é mera proposição ética, não configurando dever jurídico,
embora possa acarretar importantes vantagens competitivas. A confusão entre as teorias
pode afetar a exata compreensão da função social da empresa e dificultar a sua
aplicação prática.137
135 MATIAS, 2009, p. 14 136 GOMES, 2006, p. 140 137 MATIAS, 2009, p. 15
99
O referencial teórico para compor o conteúdo da função social da empresa
poderia recair sobre os direitos humanos sociais, econômicos e culturais amplamente
divulgados nos instrumentos internacionais e nas constituições. A Constituição Federal
de 1988 arrola em seu artigo 170, que trata da ordem econômica, uma gama de
princípios que assegura a toda sociedade a existência digna, conforme os ditames da
justiça social, sendo eles: a soberania nacional (para as grandes empresas
transnacionais e de direito público internacional); a propriedade privada; a livre
concorrência; a defesa do consumidor; a defesa do meio ambiente; a redução das
desigualdades regionais e sociais; a busca do pleno emprego com condições dignas do
trabalho decente, ou seja, exercer a liberdade de empresa de forma a atender o bem-
estar coletivo da sociedade.
A responsabilidade social empresarial é o instrumento da empresa socialmente
responsável. E ser socialmente responsável é o papel da grande, média e pequena
empresa, pois cada uma pode exercer a função social na medida do seu capital e
estrutura. A Constituição prevê que a livre iniciativa deva ser exercida em razão da
existência digna e da justiça social, e não apenas na busca do lucro ou do cumprimento
do seu objeto social. Ela deve ser complementar, uma vez que contribuirá para a
imagem e a competitividade da empresa em longo prazo tendo em vista a eficácia da
sua articulação socioeconômica.
Waldyr Grisard Filho ressalta a importância da função social da propriedade para
a Constituição Federal:
O conceito de direito de propriedade insculpido na Constituição de 1988 não mais se
conforma com a tradicional noção de direito subjetivo de propriedade. O princípio da
função social da propriedade por ela estabelecido passa a compor o novo desenho, e
próprio, do instituto da propriedade. Quer isto dizer que apenas a propriedade que
cumpre a sua função social está protegida pela Constituição, seja como um direito ou
como uma garantia fundamental (...). Enfim, a noção de função social da propriedade
acabou por tornar-se em categoria jurídica nuclear na determinação do conteúdo da
propriedade. 138
138 GRISARD FILHO, 2002, p.240
100
A função social da propriedade reveste-se da força constitucional de cláusula
pétrea (art. 60, § 4º, IV), respaldando os interesses individuais e coletivos e tornando-se
referência na elaboração de normas infraconstitucionais e na interpretação do
ordenamento jurídico (instrumento de análise do Direito).139
O intervencionismo econômico e a liberdade da iniciativa privada são acolhidos
pela Constituição desde que a favor do interesse da justiça social e promoção dos
valores do trabalho sobre todos os demais valores da economia de mercado.140
Cabe ressaltar que os princípios que estão presentes na Constituição Federal
são corolários da prática da responsabilidade social empresarial enquanto mecanismo
de promoção da justiça social, e estes estão presentes no fundamento da República
(arts. 1º. e 3º e incisos.), e da Ordem Econômica (art. 170, caput e incisos):141
- a dignidade da pessoa humana; dos valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa; a sociedade livre, justa e solidária; a garantia de desenvolvimento nacional; a
erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e
regionais; o desenvolvimento da ordem econômica aos ditames da justiça social; a
função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor e a defesa
do meio ambiente.
Esse universo de princípios pode ser aplicado pelas empresas na metodologia e
atuação da prática de responsabilidade social. Não há necessidade de criar novos
documentos, apenas promover os princípios arrolados na Constituição da República e
nos documentos universais de direitos humanos já citados no Capítulo 1 deste trabalho.
O princípio maior da dignidade da pessoa humana, corolário de todos os demais,
deve ser “a coluna dorsal” da responsabilidade social empresarial, seguido pela
valorização social do trabalho em sua plenitude, a promoção de uma sociedade livre,
justa e solidária; o desenvolvimento econômico, social e ambiental plenamente
integrado com os demais princípios de forma a garantir as oportunidades iguais a todos
os agentes e uma sociedade mais equilibrada. As Constituições democráticas vieram
solidificar o compromisso de toda a sociedade na promoção da existência digna, onde o
139 Ibid, p. 243 140 GRAU, 2002, p. 233 141 Ibid, p. 236
101
cidadão é elevado ao centro dos interesses público e privado, com novos valores
sociais que serão efetivados dentro do solidarismo que envolve as instituições
ordenadas e todos os demais entes da sociedade civil, substituindo o individualismo
exagerado do estado liberal.
A função social não está limitada às grandes empresas privadas. O art. 173, I, da
CF, menciona a função social das empresas de controle estatal e suas formas de
fiscalização pelo Estado e pela sociedade, reforçando o caráter obrigatório da função
social para as empresas públicas como enfatiza Eros Roberto Grau:
a ideia da função social como vínculo que atribui à propriedade conteúdo específico, de
sorte a moldar-lhe um novo conceito, só tem sentido e razão de ser quando referida à
propriedade privada. A alusão à função social da propriedade estatal qualitativamente
nada inova, visto ser ela dinamizada no exercício de uma função pública.142
A função social está vinculada a um poder-dever, isto é, onde o direito privado
sofre influência das finalidades do direito público, impondo ao proprietário, ou ao
detentor do poder de controle na empresa, implementar ações e iniciativas de
promoção do bem estar social, assegurando a todos existência digna. Novamente,
citando as palavras de Eros Roberto Grau:
(...) O que mais releva a enfatizar, entretanto, é o fato de que o princípio da função social
da propriedade impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de controle na empresa
– o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em
prejuízo de outrem. Isso significa que a função social da propriedade atua como fonte de
imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não,
meramente, de não fazer.143
Esses comportamentos positivos se estendem para outros ambientes, e não
apenas ao social, conforme visão ampliada do princípio da responsabilidade de Hans
Jonas, o meio ambiente se inter-relaciona com o sistema econômico e social, e os
recursos naturais devem ser utilizados de forma sustentável, buscando o equilíbrio
142 GRAU, 2002, p. 269 143 Ibid, p. 275
102
entre as atividades produtivas da empresa e a conservação dos recursos naturais,
resultando no exercício positivo da função social da empresa.
No final do século XIX, com o processo de industrialização e o surgimento de
demandas sociais levam a intervenção do Estado na economia através de leis
extravagantes na regulação das relações patrimoniais privadas, surgindo a publicização
do direito privado.144
Dessa forma, o século XX é absorvido pelas transformações econômicas e
sociais, e a falência do Estado Liberal, leva o Estado intervir na economia com vistas a
garantir uma existência digna aos cidadãos e um comportamento ativo na realização da
justiça social145. A função social proporciona uma nova estrutura e direção dos institutos
do contrato e da propriedade – o interesse da sociedade e o limite à autonomia privada,
que seriam a ordem pública e os bons costumes.146
Por isso, as práticas socialmente responsáveis, dentre elas a responsabilidade
social empresarial, são bem-vindas na construção de uma sociedade livre, justa e
solidária. A parceria entre Estado e iniciativas privadas na promoção do bem-estar
social é efetiva, não cabendo apenas ao Estado assegurar as atividades relevantes
para o interesse coletivo conforme assegura Marçal Justen Filho:
A proposta adotada para um modelo regulatório de Estado pretende conciliar diferentes
concepções ideológicas, assegurando a realização de valores de solidariedade social
com a manutenção da democracia e da liberdade. Reconhece-se que a democracia
exige a garantia da autonomia individual e da sociedade civil, mas que a realização dos
valores fundamentais a um Estado Social exige a participação de todos os segmentos
sociais. Assume-se que, na grande parte dos casos, os organismos estatais não detêm
capacitação e recursos suficientes para atendimento satisfatório a certas necessidades
comuns, o que significa atribuir à iniciativa privada o encargo correspondente. 147
Essa parceria só é reconhecida com a funcionalização da iniciativa privada, e as
práticas da função social da empresa tornam-se mecanismos efetivos dos valores da
justiça social. Cabe ressaltar que ser uma empresa socialmente responsável não quer
144 COSTA, 2005, p. 46 145 PINHEIRO, 2008, p. 144 146 XAVIER et al., 2008, p. 314 147 JUSTEN FILHO, 2007, p. 29
103
dizer atuar em nome do Estado para a consecução dos interesses coletivos. Trata-se
de uma comunhão de esforços para o atendimento das necessidades coletivas, e não
substituição das funções inerentes ao poder público. Ainda citando Marçal Justen Filho
para a compreensão dessa atuação responsável:
Todos os serviços públicos que puderem ser organizados segundo padrões de estrita
racionalidade econômica deverão ser remetidos à iniciativa privada. Somente incumbe ao
Estado desempenhar atividades diretas nos setores em que a organização econômica,
modelada pelos parâmetros da acumulação de riqueza, colocar em risco valores
coletivos ou for insuficiente para propiciar sua plena realização. O Estado deve manter
sua participação no âmbito de educação e seguridade social, evitando a mercantilização
de valores fundamentais.148
Ao Estado cabe a implementação de políticas públicas de proteção e promoção
dos direitos humanos de forma a intervir e modificar a realidade social dos excluídos de
suas liberdades, do exercício pleno de sua cidadania, ou seja, sem a possibilidade de
efetivar suas escolhas diante das oportunidades criadas pelo Estado. Esta realidade
social pode ser alterada mediante o trabalho conjunto de todo o grupo social e
econômico. O princípio da solidariedade deve pautar a conduta ética da
responsabilidade social das empresas que “consiste na integração voluntária de
preocupações sociais e ambientais por parte das empresas nas suas operações e na
sua interação com a comunidade. Além disso, seria uma forma de levar outras
instituições a colaborarem com o Estado na busca de justiça social, ao invés de ficar
esperando que o Estado tome todas as providências nessas áreas”.149
As características constitucionais, democráticas e humanistas de um Estado de
Direito impõem o trabalho em parceria com o setor privado, em solidariedade, em
equidade, e em igualdades substanciais de tratamento por todos os membros da
sociedade para a institucionalização dos direitos sociais e econômicos, da definição de
políticas públicas que viabilizem as liberdades num processo equitativo de
oportunidades para os indivíduos. O momento exige um processo de transformação,
148 Ibid, p. 31 149 Ibid, p. 46
104
com base na solidariedade e nas responsabilidades compartilhadas para a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária.
4.2 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOLIDARIEDADE COMO FUNDAMENTO
ÉTICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
É importante discorrer sobre o princípio da solidariedade e a prática da
responsabilidade social empresarial tendo em vista a importância deste princípio para o
relacionamento entre as pessoas, para a cooperação mútua, e a prática da
responsabilidade social acontece no âmbito coletivo, na comunhão de interesses, no
trabalho em parceria para uma sociedade mais justa e solidária. Para Léon Duguit,
citado por Alan Oliveira Pontes, o homem é consciente de sua solidariedade, e
reconhece a sua dependência para com os demais membros da comunidade, o que
significa uma interdependência social: “a força que mantém coesa a sociedade é a
solidariedade social, seja ela por similitude ou por divisão social do trabalho, e quanto
mais estreitos forem os laços de solidariedade, mais forte será a sociedade”.150
Deve-se levar em conta também a interpretação deste princípio enquanto
promotor dos interesses coletivos conforme ressalta Maria Celina Bodin de Moraes:
“hoje o Supremo Tribunal Federal traz à baila a solidariedade como um dever jurídico
de respeito, de âmbito coletivo, cujo objetivo visa beneficiar a sociedade como um
todo”.151
As Constituições do século XX consagram o princípio da dignidade da pessoa
humana, e na esteira deste os princípios da solidariedade e da igualdade e os valores
da justiça social, deixando para trás o exagero do individualismo do Estado Liberal.
Leon Duguit, citado por Rosalice Pinheiro, nega a existência do direito subjetivo,
mas reconhece a importância da observação dos fatos e da solidariedade social para a
150 PONTES, 2006, p. 99 151 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade, p. 13
105
construção da norma jurídica. A visão sociológica embasa todo o seu pensamento e o
homem tem o poder-dever de exercer a função social na luta contra o individualismo.152
O princípio da solidariedade, ou como denominava Leon Duguit, a
interdependência social, citado por Ligia Melo, é um valor que tem a função de lembrar
o convívio em sociedade e a participação conjunta de todos os indivíduos na
construção de um Estado democrático de forma a manter o equilíbrio social e a
proteção dos direitos fundamentais.153
A Constituição brasileira ao estabelecer os objetivos fundamentais da República,
em seu artigo 3º e incisos, consagra a inclusão social de todos os indivíduos na
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e a
marginalização e promovendo as oportunidades de forma a reduzir as desigualdades
sociais e regionais. Esta é uma convocação a todos os entes públicos e privados para
contribuir para uma sociedade mais digna e inclusiva, conforme o ensinamento de
Maria Celina Bodin de Moraes:
O princípio constitucional da solidariedade identifica-se, assim, com o conjunto de
instrumentos voltados para garantir uma existência digna, comum a todos, em uma
sociedade que se desenvolva como livre e justa, sem excluídos ou marginalizados.154
O princípio da solidariedade tem como pressuposto a responsabilidade humana,
o respeito e o cuidado de um para com o outro, “a atitude solidária conecta-se com o
respeito à diferença, pelo qual a pessoa humana apreende que o outro também
pertence ao mundo”.155
Ainda para a eminente jurista, os danos causados aos consumidores e os danos
causados ao meio ambiente são as tutelas mais conhecidas e disseminadas tendo
como fundamento a solidariedade, e coincidentemente resultam de práticas
empresariais. Por isso, a responsabilidade social empresarial deve pautar também as
suas ações e iniciativas neste princípio constitucional.
152 PINHEIRO, 2002, p. 70-73 153 MELO, 2007, p. 132 154 MORAES, 2003, p. 114 155 MORAES, 2006, p. 25
106
No contexto atual, a Constituição determina – ou melhor, exige – que nos ajudemos,
mutuamente, a conservar nossa humanidade porque a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária cabe a todos e a cada um de nós. Este é o fundamento da
reparação dos danos pessoais injustamente sofridos, não mais ignorados ou, antes
suportados solidariamente pela vítima, mas na lógica da justiça social distributiva,
transferidos, sempre que possível à comunidade.156
Para Aramy Dornelles da Luz liberdade e direito estão intrinsecamente
relacionados, e a liberdade de existir é a mais essencial dentre todas as liberdades
necessárias, e a sua efetividade está totalmente dependente da vontade e do poder. A
sobrevivência do poder formal depende da regulação das liberdades que representam
poder em potência, bem como depende da regulação das obrigações de solidariedade
pelo bem comum, responsável pela sobrevivência do ente coletivo. E o Direito enquanto
criação do homem, pois é um sistema de normas que regulam as liberdades individuais
e coletivas, e que cria conjunta ou acessoriamente obrigações de solidariedade. A
liberdade quando tem o seu conteúdo reconhecido pela ordem jurídica e é por ela
regulada, ganha o nome de direito. 157
O Estado Social deve buscar o equilíbrio entre a liberdade econômica e a justiça
social, tendo como prioridade os setores socioeconômicos tais como o trabalho, a
educação, a saúde, a moradia e o lazer como valores elementares para a formação de
uma sociedade livre, justa e com oportunidades. Para Miguel Reale surge o Estado
Social-liberalismo, que não possui relação com o neoliberalismo por este defender
apenas um Estado mínimo; o social-liberal é uma escola preocupada em equilibrar o
social com o econômico, com a livre iniciativa.158
O mínimo ético e jurídico para o ser humano viver com dignidade e que deve ser
responsabilidade solidária de todos os entes públicos e privados na viabilização de
oportunidades de acesso são dentre outras: garantia de trabalho, alimentação, saúde,
habitação, vestuário, informação, educação e transporte. O princípio da solidariedade
recai sobre a estabilidade das relações sociais e da paz coletiva.
156 Ibid, p. 27 157 LUZ, 2006, p.93-94 158 REALE, Miguel. O estado democrático de direito e o conflito das ideologias. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 37. Apud SANTANNA, Ana Carolina Squadri, 2008, p. 79
107
A construção do ser humano enquanto ser social e possuidor de liberdades civis
e econômicas levam também a construção de instituições que contribuam para a
realização dessas liberdades, e citando novamente Aramy Dornelles da Luz sobre a
importância da solidariedade e da visão coletiva na compreensão do direito:
A função social do direito consiste em compatibilizar as liberdades com os princípios que
criarão seu conteúdo, impessoalizando o poder pela constituição de um ser extra-
individual, um ente, que será o produto da soma das partes e terá na exata
proporcionalidade, não só de representação, mas também de contribuição e retribuição,
seu natural pressuposto.159
As práticas de responsabilidade social empresarial devem incluir sempre a
promoção dos princípios constitucionais em suas ações, pois a Constituição em seu
capítulo Da Ordem Econômica enfatiza a função social da propriedade e de forma
indireta da empresa, e nas palavras de Ana Carolina S. Santanna “a Constituição de
1988 é um conjunto de regras e princípios abertos, no que diz respeito às normas de
ordem econômica, não há um modelo econômico obrigatório para o Estado, devendo
este promover o desenvolvimento social-econômico, respeitando os princípios
constitucionais. (...) O setor privado irá contribuir para o desenvolvimento social”.160
As empresas devem atender aos valores éticos e sociais diante de sua nova
função na sociedade de instituição econômica voltada para a produção de bens e
serviços, ensejando uma espécie de parceria entre empresários e seus
colaboradores.161
A iniciativa privada e o Estado são parceiros na promoção do interesse coletivo,
e esta parceria está fundamentada em vários princípios constitucionais como: o
princípio da solidariedade aliado ao da subsidiariedade, que têm como fundamento o
Estado Democrático de Direito, e este tem como fim maior o princípio da dignidade
humana, da livre iniciativa enquanto liberdade do exercício das atividades econômicas,
e a valorização social do trabalho. Todos estes princípios são interdependentes na
159 LUZ, 2006, p. 103 160 SANTANNA, 2008, p. 89 161 WALD, 2003, p. 851
108
promoção do interesse coletivo e na implementação de mecanismos que asseguram a
função social da propriedade e o respeito aos direitos humanos.
A responsabilidade social empresarial tem por finalidade contribuir para a
inclusão social, a igualdade e a promoção dos direitos sociais, econômicos e culturais,
a ética e a transparência na gestão e no relacionamento com as partes interessadas,
além do desenvolvimento sustentável.
A responsabilidade pelo bem-estar coletivo deve ser compartilhada entre o
Estado e a Sociedade, cabendo às empresas assumirem a responsabilidade pelo seu
entorno dentro do princípio da responsabilidade de Hans Jonas, ou seja, o poder-querer
dentro do contexto da razão, do conhecimento, da tecnologia, e principalmente com
responsabilidade para com o futuro das gerações. Este princípio extrapola a moral, e se
insere na ética do ser humano. E no âmbito da ética está também o princípio da
solidariedade social, portanto estes dois princípios se conjugam para que o indivíduo
utilize o seu poder com coerência e harmonia com o meio social e ambiental.
A ética e a transparência são valores que permeiam as relações desde a
Revolução Francesa, onde a luta pelo estabelecimento de fronteiras entre o público e o
privado e a garantia de direitos individuais foram conquistas de caráter eminentemente
social de qualidade de vida dos trabalhadores (emprego e as condições de trabalho). À
época, a natureza não era o foco das preocupações das lideranças do movimento.
Atualmente, os esforços para a preservação do meio ambiente, da qualidade de
vida dos empregados, do envolvimento das empresas com a comunidade visando o
desenvolvimento econômico e integração regional, a redução das desigualdades
sociais, a busca de novos mercados consumidores e a existência da empresa por um
longo período são compartilhamento de responsabilidades de todos os entes, e a
responsabilidade social empresarial ganha destaque neste cenário coletivo.
Hans Jonas propõe o princípio da responsabilidade com as gerações futuras e
com toda a biosfera, sendo a responsabilidade o fundamento da estrutura ética e das
decisões que envolvam riscos pelo seu agir. Dessa forma o princípio está alinhado com
o desenvolvimento sustentável de prover a geração presente, sem comprometer as
gerações futuras de proverem as suas necessidades e com a implementação de
políticas públicas.
109
A responsabilidade social empresarial está respaldada pela ética, pela
voluntariedade e solidariedade, por isso o princípio da responsabilidade subjetiva
(consciência do certo e do errado, do bem e do mal) pelos atos a serem praticados é
fundamental, pois se a decisão do empresário ou do gestor público fosse de origem
jurídica, seria responsabilidade objetiva, não questionando a culpa nem dolo da ação
conforme afirma Evaldo Antonio Kuiava:
Sob o ponto de vista da gestão pública, a responsabilidade pode ser entendida como capacidade que o gestor público tem de sentir-se comprometido a responder ou cumprir uma tarefa que é sua sem qualquer pressão externa à sua consciência ética. O gestor público responsável toma suas decisões, faz o que precisa ser feito, sem ficar esperando que alguém lhe dê ordens ou lhe faça qualquer tipo de cobrança. Exige-se ainda de todo e qualquer profissional e, especialmente, do gestor público, que saiba lidar conscientemente com as consequências dos atos praticados. Nesse sentido, ser responsável é ser capaz de prever os efeitos do próprio comportamento e quando for equivocado saber corrigir com base em tal previsão. Exige-se do gestor público a capacidade de influir e intervir nas decisões que envolvem a coletividade, tendo sempre em vista o bem comum. 162
Os princípios da responsabilidade e da solidariedade social estão no mesmo
nível de igualdade de valor para a prática da responsabilidade social empresarial, um
não tendo sentido sem o outro, pois a finalidade maior da responsabilidade social é
promover o bem-estar coletivo, a harmonia social e a dignidade humana: liberdade,
igualdade e oportunidade. Valores também presentes na teoria da justiça social de John
Rawls, na construção de uma sociedade bem ordenada, ou seja, num sistema
equitativo de cooperação social por meio do consenso.
A teoria social de John Rawls assegura a autonomia privada de cada indivíduo, o
respeito pelos direitos individuais e pelas liberdades de expressão, de imprensa,
religiosa, política dentre outras. E as desigualdades econômicas e sociais, como a
pobreza, podem impedir o acesso a essas liberdades. Assim, estas desigualdades
devem estar ordenadas de forma a privilegiar os indivíduos menos favorecidos. As
políticas públicas devem viabilizar as liberdades individuais.
162 Kuiava, Evaldo Antonio. A Responsabilidade como princípio ético em H. Jonas e E. Levinas: uma aproximação. Disponível em http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/viewFile/1844/1374. Acesso em 22 jun.2011
110
O princípio da responsabilidade de Hans Jonas, o solidarismo social e a teoria da
justiça social fazem parte do mesmo contexto teórico, ou seja, a construção de uma
sociedade democrática, inclusiva e solidária, assegurando o processo participativo de
todos os cidadãos, e o estudo das inter-relações desses temas leva a compreender
melhor a finalidade da responsabilidade social empresarial, tornando-a mais efetiva na
comunidade e no trabalho em parcerias com outros entes públicos e privados.
A igualdade de oportunidades e o respeito às liberdades devem ser ampliadas
por todos os arranjos socioeconômicos existentes na sociedade, pois a igualdade não é
uma questão individual, um a um, e sim uma questão de cidadania. Já solidariedade é
um valor muito forte na comunidade. Nessa seara, as empresas enquanto arranjo
econômico detém um grande poder político e de mudança na sociedade, sendo assim a
prática da responsabilidade social empresarial deve estar embasada nos princípios
constitucionais para que obtenha legitimidade, reconhecimento e efetividade para com
os públicos envolvidos, pois “la legitimidad puede ser alcanzada solo si se garantiza a
todos igualdad y satisfacción de necesidades básicas. Ésta es una demanda
universal”.163
A justiça para Rawls é a primeira virtude das instituições ordenadas, e estas
instituições devem garantir a igualdade de condições e oportunidades para a maioria
dos indivíduos, sem prejudicar as minorias. A igualdade é a primeira demanda da
democracia, e o principal desafio imposto às instituições é, neste momento de
globalização, o compartilhamento de responsabilidades pelo bem-estar coletivo e a
promoção de direitos básicos através da cooperação e do consenso político.164
A prática da responsabilidade social empresarial se dá por meio de comitês
gestores multidisciplinares, pois assim as responsabilidades dos membros provêm de
uma preocupação de bem-estar recíproca, de um membro para com o outro. O princípio
da solidariedade permeia todo o relacionamento responsável do grupo como ressalta
Ronald Dworkin:
Las responsabilidades que una verdadera comunidad despliega son especiales e
individualizadas y muestran un agudo interese mutuo que encaja en una concepción
163 CALSAMIGLIA, 2004, p. 165 164 RAWLS, 1998, p. 78
111
razonable de igual interés. Estas no son condiciones psicológicas, [mas ética] . Por lo
tanto, es esencial insistir en que la verdadera comunidad debe ser también una mera
comunidad, las personas deben querer pertenecer. (grifo nosso).165
A responsabilidade social das empresas está comprometida com a inclusão
social, com o bem-estar coletivo (saúde, educação e proteção da criança) e em
estimular ações e iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável. O avanço
tecnológico e a globalização foram fatores determinantes para a prática responsável
das empresas, uma vez que a competição acirrada por novos mercados deve ser
perpassada por valores éticos, pela estratégia de gestão empresarial e pela
responsabilidade com meio ambiente e social. Esta base deve ser construída com os
princípios constitucionais da dignidade humana e da solidariedade.
A solidariedade social é um dos princípios corolários da responsabilidade
empresarial tendo em vista o trabalho conjunto de vários parceiros, a busca do
consenso para atingir um interesse comum, a promoção do bem-estar coletivo, da
igualdade substantiva e da justiça social e para Maria Celina Bodin de Moraes a
solidariedade social vai além das ações filantrópicas:
A solidariedade social, na juridicizada sociedade contemporânea, já não pode ser
considerada como resultante de ações eventuais, éticas ou caridosas, pois se tornou um
princípio geral do ordenamento jurídico, dotado de força normativa e capaz de tutelar o
respeito devido a cada um.166
Os direitos humanos, as liberdades fundamentais, a igualdade de oportunidades,
a responsabilidade compartilhada e a solidariedade são fios condutores de todas as
ações e iniciativas da empresa socialmente responsável, que tanto no ambiente interno
como no externo privilegia a qualidade de vida digna das pessoas. As empresas
enquanto corresponsáveis pelas políticas públicas, juntamente com o Estado, devem
ter esses princípios como vetores da sua atuação sustentável conforme afirma Fabiane
Bessa que o reconhecimento da dignidade da pessoa humana como pedra fundamental
dos direitos humanos e a indivisibilidade dos direitos civis, políticos, econômicos, 165 DWORKIN, 2008, p. 148 166 MORAES, 2003, p. 116
112
sociais e culturais, caminham para uma aproximação entre direitos humanos e
responsabilidade social das empresas, em face do direito ao desenvolvimento
econômico e social.167
Os valores da justiça social devem permear o equilíbrio das relações comerciais,
de modo que a competitividade baseada na exploração humana e ambiental seja
totalmente freada como práticas condenáveis pela responsabilidade social empresarial.
A responsabilidade expandida para os demais ambientes naturais e sociais, conforme
Hans Jonas enfatiza, requer uma ética global e a criação de mecanismos de
comprometimento de todos os atores sociais, pois o Estado não é o único promotor dos
direitos humanos.
O princípio da dignidade da pessoa humana constitui, ao lado do direito à vida, o
núcleo essencial dos direitos humanos. Ele compromete todo o exercício da atividade
econômica. Portanto, a promoção deste princípio pela propriedade e pela empresa
deve ser priorizada, viabilizando o acesso dos indivíduos às liberdades básicas sob
pena de violação à Constituição Federal. 168
O Estado é o promotor das liberdades e da justiça social. Os direitos sociais
consagram a ideia de liberdade (social, civil e política) tão relevante para o Estado
Democrático de Direito, exigindo deste a criação e implementação de políticas públicas.
Para Rawls, uma sociedade pluralista deve ter os seus direitos implementados
independentemente das doutrinas religiosas, filosóficas e morais, por isso a justiça
social é essencialmente política, sendo vista ainda como resultado de um consenso
entre todas as instituições ordenadas da sociedade.
Os direitos sociais são direitos básicos do cidadão, os quais a partir do princípio
da dignidade da pessoa humana possibilitam a promoção da cidadania social, através
de acessos à saúde, educação, moradia, alimentação, trabalho dentre outros arrolados
pela Constituição.
O Estado busca, enquanto ente transformador da realidade social, em parceria
com a iniciativa privada e demais entidades sociais a realização de tais direitos, e a
responsabilidade social empresarial é o mecanismo de atuação e consecução dos fins
167 BESSA, 2006, p. 52 168 GRAU, 2002, p. 238-239
113
sociais das empresas socialmente responsáveis. A busca da igualdade e da cidadania
social requer mudanças de paradigmas culturais e políticos, construindo novos
caminhos para as políticas públicas capazes de transformar a realidade da sociedade.
Nessa esteira, conhecer os paradigmas da Justiça Social faz com que as
empresas desenvolvam práticas e programas socialmente responsáveis em sua
estratégia de gestão que promovam o princípio da dignidade humana, da solidariedade
social, da responsabilidade pelo resultado das suas ações (Hans Jonas) e os valores da
justiça social dentro do contexto de uma sociedade enquanto sistema equitativo de
cooperação social (John Rawls).
A integração dos papéis de diferentes instituições sociais públicas e da iniciativa
privada permite uma aliança de comprometimento político para o desenvolvimento
econômico e social. A responsabilidade social empresarial vem coroar este
comprometimento baseado na solidariedade social para o estabelecimento de políticas
públicas eficazes de prevenção de moléstias coletivas.
Os valores constitucionais da justiça social se revelam nos atos humanos, nas
instituições, nos projetos de responsabilidade social e ambiental, explicando o agir, a
conduta empresarial, fundamentados nos princípios da solidariedade e da
responsabilidade pelo resultado das ações.
114
5 CONCLUSÃO
A empresa é uma instituição viva, que deve se estender durante um longo
período, por isso os problemas ambientais, sociais e econômicos não devem ser vistos
de forma isolada à sua visão e missão empresarial.
Os indicadores ambientais de aquecimento global, assim como as inundações,
os furacões, a seca, a pobreza, a perda da biodiversidade são marcas que devem ser
consideradas na forma atual de gerar riquezas, pois num mundo globalizado os efeitos
da degradação do meio ambiente e social recaem sobre as comunidades mais pobres
tendo em vista o consumo não eqüitativo pelos países envolvidos.
Os fatores de crescimento da população, meio ambiente e valores
compartilhados pela sociedade influem diretamente no desenvolvimento de um país,
pois formam a base sobre a qual os governantes, os empresários e os consumidores
tomam suas decisões e desenham o presente e o futuro daquela sociedade.
Um dos grandes méritos empresariais é a mudança do paradigma de gestão do
negócio para o compartilhamento de posturas e interesses frente ao desenvolvimento
sustentável. A explosão crescente de novas tecnologias, o poder da informação e as
facilidades dos meios de comunicação são fatores do mundo globalizado – o que
acontece num determinado país reflete diretamente na economia de outros países, de
forma simultânea e imediata – e as responsabilidades do indivíduo extrapolam o raio
imediato da sua ação para atingir ambientes antes não questionados. O princípio da
responsabilidade de Hans Jonas é o grande fio condutor dessa nova forma de agir
responsável.
Nessa seara as empresas estão incorporando em sua gestão responsável os
acordos internacionais de direitos humanos para o desenvolvimento econômico e social
equilibrado e sustentável.
É um grande desafio para a economia mundial a conciliação de interesses
econômicos, mas para converter este desafio em oportunidades, as empresas precisam
atuar, operar e tomar as suas decisões estratégicas de forma ética, responsável e
sustentável.
115
São mudanças de paradigmas necessários e efetivos para que as empresas
permaneçam no tempo de forma ilimitada, contribuindo com a sua capacidade de
inovação para as dimensões social, ambiental e econômica. Não se restringindo
apenas à produção de bens e serviços, e esquecendo a sua função social de manter-se
viva para produzir empregos, produtos e tecnologias úteis para a sociedade.
Assim, para tentar eliminar a maioria destes problemas e avançar o crescimento
econômico de forma sustentável, modelos de gestão empresarial devem ser
reconstruídos, dentro de uma visão compartilhada, e em equipes (diálogo social e
pensamento coletivo), compreendendo a totalidade dos processos dinâmicos da
economia e a integração com as políticas públicas dos locais onde as empresas estão
inseridas.
Esta mudança de comportamento não acontece de uma hora para outra, há
necessidade de investimento e paciência. O que é certo e enfatizado pelos “alertas
mundiais” realizados pelos cientistas sociais, políticos e econômicos, nos vários
encontros promovidos pelos organismos internacionais, é que os recursos naturais
estão se esgotando e não se renovando no mesmo período de tempo. As mudanças de
paradigmas se fazem urgentes e necessárias.
A responsabilidade social empresarial vem colaborar com todo este esforço
compartilhado. Os cinco fundamentos mínimos que respaldam a atuação responsável e
sustentável das empresas são: a abertura e sustentabilidade para o seu entorno; o
sentido de comunidade e permanência; a capacidade de inovação de tecnologias; o
emprego a longo prazo dos novos conceitos de gestão e a criação de valores sociais
para a tomada de decisões.
Isso não quer dizer que todos os valores tradicionais das empresas devem ser
esquecidos, e a partir de então, implementar os valores acima para se manter
competitiva e viva. A empresa responsável deve complementar os valores tradicionais
da iniciativa privada, buscando o equilíbrio dos resultados econômicos e do interesse
da justiça social.
Porém, a responsabilidade social requer uma gestão de riscos de forma
preventiva, um sistema adequado de controle do setor produtivo, uma visão global da
economia dos demais países (globalização), a transparência na prestação de contas, o
116
redesenho do sistema regulatório e evitar práticas especulativas e expectativas que não
tem sustentabilidade além de outras medidas que tornam o mercado mais competitivo e
seguro para todos os envolvidos.
A função social da propriedade é gerar empregos, recolher os impostos devidos,
ter responsabilidade com seus produtos e zelar pela segurança dos seus acionistas e
consumidores. Porém outro valor ético deve ser acrescido na gestão da empresa – a
responsabilidade social empresarial - contribuir além das suas obrigações legais com a
promoção dos direitos humanos, sociais e políticos. O direito ao trabalho decente e à
qualidade de vida dos trabalhadores é o primeiro ponto de atenção: ações afirmativas
de igualdade de gênero, raça e pessoas com deficiência (PcD); relacionamento ético
com sindicatos; práticas trabalhistas de segurança e bem-estar dos empregados,
podendo estender aos familiares.
A responsabilidade social empresarial é uma ferramenta de gestão e contribui
para a função social da empresa, pois seu compromisso tem caráter voluntário e vai
além da obrigatoriedade legal, envolvendo em sua estratégia de negócio todos os seus
grupos de interesse afetados diretamente por suas decisões (empregados,
consumidores, acionistas, fornecedores dentre outros).
Em relação à efetividade dos direitos humanos, a responsabilidade social
empresarial é o mecanismo mais eficiente para a sua concretude, uma vez que os
tratados internacionais são instrumentos de observância obrigatória, assim como o
relacionamento com todas as partes interessadas e atingidas pela atividade da
empresa.
Para as pequenas e médias empresas, a inclusão da responsabilidade social em
sua gestão deve estar de acordo com as possibilidades de investimento social, ou seja
na qualidade de vida dos empregados e seus familiares, na erradicação do
analfabetismo e na promoção da capacitação profissional de forma a promover as
oportunidades e as liberdades dos seus empregados, dando prioridade na aquisição de
bens e serviços da comunidade local.
As grandes empresas privadas, principalmente as multinacionais, devem,
preferencialmente com o Estado, intervir de forma incisiva nas comunidades onde
atuam e estarem dispostas a mudar inclusive a sua matriz energética de forma a utilizar
117
adequadamente os recursos naturais disponíveis, atuando de maneira transparente e
ética com os seus grupos de interesse.
As empresas públicas devem ser vistas como um braço prolongado do poder
estatal. Seu poder de articulação é muito maior do que das empresas privadas tendo
em vista a sua proximidade com as políticas públicas governamentais e seu círculo de
diálogo com os demais entes do governo. Isso não quer dizer substituir o Estado nas
suas competências e responsabilidades, e sim complementar sua atuação ativa na
sociedade.
O relacionamento com a sua cadeia produtiva pode ir além das obrigações
contratuais, estabelecendo cláusulas de caráter socialmente responsável tais como a
não concordância da utilização de mão-de-obra escrava, ou situação análoga ao
trabalho escravo e infantil, assim como a priorização da contratação de fornecedores
locais como compromisso da formação contínua desses trabalhadores.
A empresa deve visualizar, dentro das comunidades do seu entorno, as
possibilidades existentes que devem ser potencializadas e as que devem ser mitigadas,
e relacionar os temas que devem ser objetos de práticas e ações sustentáveis, com
acompanhamento de indicadores e resultados alcançados.
Dentro desse contexto de responsabilidade social empresarial o que fica claro é
que a empresa é parte integrante e efetiva na promoção da qualidade de vida da
população e do desenvolvimento econômico regional. Assim cabe reforçar o conceito
de responsabilidade social presente no Livro Verde da União Européia, que tem o
objetivo de fomentar um marco europeu para a responsabilidade social das empresas e
afirma “embora a sua obrigação primeira seja a obtenção de lucros, as empresas
podem, ao mesmo tempo, contribuir para o cumprimento de objetivos sociais e
ambientais mediante a integração da responsabilidade social, enquanto investimento
estratégico, no núcleo da sua estratégia empresarial, nos seus instrumentos de gestão
e nas suas operações”.169
As teorias normativas da Justiça social respaldam essa atuação ética e
responsável das empresas baseada no consenso das decisões, no compartilhamento
169 Disponível na Internet http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/com/2001/com2001_0366pt01.pdf. Acesso em 11 julho 2010
118
das responsabilidades e no diálogo social com os stakeholders, podendo originar
políticas públicas de amplo alcance social, fundamentadas na melhoria de
oportunidades e liberdades da comunidade, em programas sociais de respeito e
promoção dos direitos humanos, na preservação e uso racional do meio ambiente
ecologicamente equilibrado e no desenvolvimento sustentável da região.
Os conceitos que envolvem a cidadania da empresa não devem ser confundidos.
A função social da propriedade está circunscrita à regularidade das atividades
econômicas que a empresa exerce, vinculadas ao seu objeto social e aos deveres
jurídicos do empresário. A responsabilidade social empresarial é ir além das obrigações
legais, não está diretamente vinculada ao objeto social e colabora com o Estado na
promoção do bem-estar coletivo e na promoção de políticas públicas com o
desenvolvimento de programas de responsabilidade socioambientais. A empresa deve
dispor à comunidade todo o seu poder de articulação para o desenvolvimento
econômico e integração regional.
As teorias normativas de justiça social têm a intenção de levantar uma base
informacional para formar os juízos avaliatórios dos trabahos de responsabilidade social
empresarial. E cada uma delas, respeitando a suas particularidades podem, em
determinado momento, contribuir para o desenvolvimento das iniciativas, ações e
programas de responsabilidade social e ambiental.
Os princípios utilitaristas estão direcionados para as utilidades, que na forma
tradicional de Jeremy Bentham, define-se utilidade como prazer, felicidade ou
satisfação, que giram em torno das satisfações mentais dos indivíduos, de caráter
subjetivo. É um contexto muito subjetivo e restritivo, difícil de ser aplicado num trabalho
em parcerias como o da responsabilidade social, mas com possibilidades de chegar ao
consenso porque reconhece a utilidade total considerada em conjunto, sem levar em
consideração o grau de desigualdade na distribuição das utilidades. Portanto, questões
importantes como liberdades substantivas individuais, dentro da proposta de Amartya
Sen, a fruição e violação de direitos civis, políticos, sociais e econômicos se não
refletidos nos números sobre prazer e satisfação, podem não ser contemplados pela
119
teoria utilitarista. Na visão utilitarista, a injustiça é tida como uma perda agregada de
utilidade em comparação como o todo que poderia ter sido obtido.170
A teoria da Justiça Social, de John Rawls, possui a sua base de informações
nas liberdades formais e direitos de civis, políticos, sociais, econômicos e culturais a
serem promovidos pela ampliação das oportunidades de acesso aos bens primários
consensados dentro de estrutura pluralista, mas imparcial de posições tomadas pelo
véu da ignorância. Os bens primários são meios ou recursos gerais que ajudam os
indivíduos a promoverem seus próprios objetivos, como direitos, liberdades e
oportunidades, renda e riqueza e as bases sociais do respeito mútuo. Os direitos civis e
políticos constituem prioridade e não podem ser comprometidos pelas políticas
econômicas. Os relatórios anuais de desenvolvimento humano publicados pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) pode ser uma fonte
informacional que as empresas podem fazer uso na discussão de políticas públicas
sociais, pois reúnem sistematicamente dados sobre a qualidade de vida dos indivíduos,
especialmente das comunidades mais carentes.
A teoria libertarista de Amartya Sen não leva em conta apenas os bens primários
que as pessoas possuem, e sim a capacidade de acesso que as possuem, ou estão à
disposição pelos serviços públicos para promoverem os seus objetivos. A capacidade é
um tipo de liberdade que depende do estilo e das condições de vida de cada pessoa
(por exemplo, uma pessoa idosa, uma pessoa incapacitada), por isso a importância em
conhecer as particularidades dos grupos de minoria social quanto às oportunidades que
podem não ser aproveitadas por todos.
As empresas que possuem a responsabilidade social empresarial em sua
estratégia de gestão devem reconhecer que o seu compromisso é com o bem-estar
coletivo, com a promoção dos direitos fundamentais e da justiça social, e os processos
avaliativos da sua atuação envolvem não apenas índices e dados quantitativos, mas
acima de tudo dados qualitativos, por isso a importância em ter as teorias normativas da
justiça social como referencial teórico da sua atividade socialmente responsável.
O comprometimento social com o bem-estar coletivo requer um senso crítico de
cada indivíduo sobre a relevância da responsabilidade pelos resultados da sua ação. O
170 SEN, 2000, p. 79
120
comprometimento é social, mas a responsabilidade é individual e dependente das
circunstâncias sociais, econômicas e ambientais que estão a sua volta. A liberdade e a
responsabilidade caminham juntas. O comprometimento social não precisa ser apenas
pelo Estado, todas as instituições ordenadas políticas, econômicas e sociais, além da
sociedade são convocadas a atuarem juntas e criarem mais oportunidades de escolha
e liberdades substantivas para as pessoas. Este é o fundamento do princípio da
responsabilidade de Hans Jonas.
A responsabilidade social empresarial não possui um conteúdo descritivo, mas
constitui a ferramenta da função social da empresa para a construção de uma
sociedade justa e solidária. O termo função social já traz o conceito de bem-estar
coletivo, de temas de interesse para a sociedade. Não é difícil para a empresa,
independente do seu porte e natureza jurídica, implementar a responsabilidade social
em sua gestão estratégica. Basta o compromisso social com o desenvolvimento
sustentável.
.
121
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129
ANEXOS Anexo 1: A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A sustentabilidade é um termo com raízes fortes, mas que está se dissolvendo
pelo o emprego indevido em muitas situações de marketing e de ganho fácil, de caráter
monetário, consumidor ou de imagem corporativa. A sustentabilidade ganhou amplitude
a partir de 1987, quando a ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland definiu a
expressão “Desenvolvimento Sustentável ” em seu relatório para as Nações Unidas:
“satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações
futuras de satisfazer as próprias necessidades”.171 É um pensamento sistêmico e
abrangente das dimensões social, econômica e ambiental, com o objetivo de promover
o desenvolvimento econômico, com justiça social e respeito aos limites de renovação
dos recursos ambientais. A meta econômica também é importante, porém com
investimento de parte do lucro em iniciativas e ações que promovam uma nova fonte de
renda e oportunidades de acesso a bens, produtos e serviços.
O que é possível concluir nas discussões em torno da temática da
sustentabilidade é que as empresas vêem a sustentabilidade como obstáculo e
restrição ao crescimento econômico, enquanto para os ambientalistas o que falta é
regulamentação e fiscalização. Mas, como dito anteriormente, o momento é de
mudança comportamental, é preciso investir parte do lucro no bem-estar coletivo, e
conseqüentemente na promoção dos direitos sociais alinhados com a economia,
política e mercado.
A responsabilidade socioambiental da empresa decorrente de uma mudança de
paradigma ético-cultural pode até refletir no preço final de seus produtos e serviços, o
que significa muitas vezes aumento de custo tanto para as empresas quanto para os
consumidores, mas a pesquisa tem demonstrado que a sociedade está disposta a
171 Relatório Brudtland, 1987. Disponível em http://www.mudancasclimaticas.andi.org.br/node/91. Acesso em: 12 set. 2010
130
pagar por esta conduta. Os selos de certificação (selos verdes) demonstram a mudança
no comportamento empresarial.
O importante também é sempre lembrar que a melhor contribuição da empresa
para a sociedade está em ser produtiva e eficiente. E esse termo eficiência pode vir
acompanhado da promoção dos direitos fundamentais, e nisso a implementação, pelo
governo, de uma política de incentivo fiscal contribuiria para um aumento das ações e
iniciativas de responsabilidade social e ambiental - manutenção das florestas (manejo
sustentável), das bacias hidrográficas e redução de emissão de gás carbônico por
exemplo.
A estratégia empresarial para a sustentabilidade requer voluntariedade,
promoção dos direitos fundamentais tanto dos empregados e colaboradores quanto da
comunidade em que está inserida, do desenvolvimento de novas tecnologias e
responsabilidade no uso dos recursos naturais.
A responsabilidade social empresarial não visa apenas atuar no ambiente
externo ou na implantação de um programa pontual por puro oportunismo, dessa forma
seria marketing social ou “maquiagem verde”. O seu foco dentro da empresa é mais
incisivo – a promoção do bem-estar, saúde e segurança dos trabalhadores e demais
colaboradores. Por isso, a responsabilidade social atua tão próxima do direito do
trabalho, incentivando o estabelecimento de políticas sociais de promoção de
comportamentos socialmente responsáveis, tais como: melhoria das condições de
trabalho e emprego; tratamento eqüitativo com os empregados subcontratados ou
terceirizados; a transparência no diálogo com a sua cadeia de valor; a forma de
conduzir mudanças na gestão de recursos humanos e o estabelecimento de ações
afirmativas de igualdade de gênero, raça, etnias e pessoas com deficiência (PcD).
As empresas devem priorizar em sua gestão responsável os seus recursos
humanos: a garantia de salários justos e adequados à jornada de trabalho; a livre
associação sindical; o reconhecimento dos sindicatos como parceiros da negociação
das relações de trabalho; a garantia da qualidade de vida dos empregados (motivação,
satisfação e retenção de talentos) e proporcionar oportunidades de trabalho educativo
para adolescentes com os seus direitos respeitados e benefícios ampliados tendo em
vista a sua condição de sujeito em desenvolvimento.
131
Dentro desse contexto as ações afirmativas de igualdade de gênero é outro foco
a ser trabalhado como promoção dos direitos fundamentais e dos princípios da
dignidade da pessoa. A busca pelo equilíbrio de postos de trabalho, salários
compatíveis com a função a ser desempenhada e tratamento igualitário de benefícios
são políticas de recursos humanos que devem permanentemente ser revistas e
discutidas em conjunto com os grupos de interesse de forma a influenciar também a
comunidade onde atua. As palavras de Ramón Mullerat retratam este compromisso:
La RSE, por el contrario de la filantropía, es una forma de gestionar la empresa, es un compromiso por parte de la misma de gestionar su actividad de forma responsable; es, como dice la UE, un concepto por el que la empresa decide voluntariamente contribuir a una sociedad mejor y a un medioambiente mas limpio. 172
Os temas descritos acima requer para sua implementação uma conduta ética e
responsável, nos termos colocados pelo, já citado, princípio da responsabilidade de
Hans Jonas, pois a responsabilidade das decisões do “tudo ou nada” não deve ser
transferida às gerações futuras. Todos os homens têm valores, e estes valores devem
convergir para um fim, de preferência para a construção de uma sociedade justa e
solidária.
RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL, CIDADANIA CORP ORATIVA,
SUSTENTABILIDADE E GOVERNANÇA CORPORATIVA: TERMINOL OGIAS QUE
REFLETEM O VÍNCULO ENTRE EMPRESA E SOCIEDADE
A relação entre a empresa e a comunidade, ou seu entorno socioambiental é
cada vez mais ampla, profunda e multidisciplinar de forma que não é mais possível
desconhecer este relacionamento, e voltar atrás na relação.
A terminologia usada para definir este relacionamento gira em torno de:
responsabilidade social da empresa, cidadania corporativa (ou filantropia empresarial),
desenvolvimento sustentável (ou sustentabilidade empresarial), governança
172 Entrevista com Ramón Mullerat Balmaña, professor de Direito da Universidade de Barcelona. Disponível no site www.diariojuridico.com. Acesso em: 06 fev. 2011
132
corporativa, e ainda negócios inclusivos. Todas elas demonstram o relacionamento
horizontal da agenda de trabalho entre as empresas e a comunidade. Essa agenda
estende-se também verticalmente, aprofundando os temas a serem desenvolvidos e
que estão cada vez mais próximos da estratégia das organizações públicas, privadas e
sociais. Os campos de atuação ético, social, ambiental e econômico estão alinhados,
colocando a empresa e a sociedade juntas num caminho cheio de desafios.
Os objetivos dessa agenda é criar valor social e econômico, e hoje se considera
boa gerência ou um bom negócio cuidar do relacionamento com a comunidade e todos
os seus públicos de interesse: empregados, consumidores, fornecedores, acionistas e
governo (stakeholders). A empresa deve buscar o bem-estar de todos esses públicos
de forma a fortalecer suas ações e seus negócios por um longo período. Os laços de
solidariedade entre empresa e sociedade devem ser fortalecidos para a promoção de
uma comunidade sadia e com oportunidades. As modalidades de relacionamento entre
empresa e sociedade serão descritas de forma breve:
1º) A Responsabilidade Social Empresarial (RSE) : o primeiro impulso da
empresa para com os problemas da sociedade foi reforçar a filantropia, apoiando com
recursos financeiros ações pontuais, de caráter emergencial, isoladas da estratégia de
negócios. Com o passar do tempo, os empresários se comprometem com uma agenda
de RSE que vai bem além da filantropia. Atualmente, é difundida a ideia de que a RSE
não foca somente em como distribuir a riqueza , mas em como se gera recursos
para a melhoria de vida na comunidade. Os valores integrantes desta prática são a
voluntariedade, a transparência, o trabalho em parceria e a promoção do princípio da
dignidade humana – princípio maior dos direitos sociais. Parte do trabalho realizado em
RSE é resultado de uma ação coletiva que se realiza através de alianças público-
privadas, e com a promoção de políticas públicas. Para muitas empresas, o primeiro
passo para implantar a prática de RSE é conhecer o perfil dos seus grupos de
relacionamento, principalmente os não-financeiros, de forma a trabalhar os interesses
dos acionistas e desses grupos numa plataforma de conciliação e operacionalização de
projetos socioambientais – iniciativa conhecida como Investimento Social Privado (ISP).
A estratégia de RSE é o trabalho conjunto, em parceria, na implantação de melhores
133
práticas de relacionamento e conduta com: acionistas, clientes, fornecedores,
empregados, governos e comunidades.
2º) Cidadania Corporativa (ou Filantropia Empresarial) : frequentemente, o
relacionamento empresa-sociedade nasce a partir da filantropia, que reside na esfera
ético-moral do empresário, desvinculada da estratégia de negócio da organização. No
início do século XX, começa a surgir nos Estados Unidos as fundações profissionais,
oriundas de grandes fortunas. A partir da década de 1960, a filantropia passa a fazer
parte da estratégia das fundações profissionais e corporativas. Na América Latina, a
partir da década de oitenta, com força maior a partir de 1990, os empresários assumem
uma postura filantrópica em áreas exclusivas do Estado e da Igreja – maior
compromisso com a sociedade foi traduzido como maior compromisso com a filantropia.
Com o passar dos anos, a prática da filantropia foi freqüente nos negócios da empresa,
passando a ser relacionada com a cidadania corporativa, mas diferenciada da agenda
das práticas de responsabilidade social empresarial que é muito mais ampla. A
filantropia empresarial continua sendo uma prática importante no relacionamento
empresa-sociedade, construindo relações de confiança, a curto prazo, desvinculada da
estratégia de negócio empresarial.
3º) Sustentabilidade : a responsabilidade social empresarial e a sustentabilidade
tem uma mesma agenda comum na relação empresa e sociedade, porém as suas
características históricas são diferentes. Desde a publicação do relatório Nosso futuro
comum , da Comissão Brundtland, em 1987, os estudos sobre sustentabilidade tem
ganhado espaço na literatura e na mídia, divulgando o conceito de desenvolvimento
sustentável “satisfazer as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das
gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Apesar de o relatório possuir
um foco direcionado para a existência da crise do meio ambiente, ele também ressalta
a dimensão social e econômica. Assim, o termo sustentabilidade foi usado para mostrar
que estava em jogo a existência do nosso planeta, com a esperança de que ocorresse
uma mudança de postura, a longo prazo, e convocando a sociedade civil, governos,
empresas e grandes corporações a priorizarem em sua agenda ambiental ações contra
134
o aquecimento global, o uso de uma matriz energética de fontes limpas e renováveis e
reafirmando o seu compromisso com o desenvolvimento econômico e social. O
movimento ambientalista seguinte ECO 92 - Agenda 21 reforça ainda mais este
compromisso, dando um grande impulso ao movimento ambiental. As três dimensões
ambiental, social e econômica avançaram com a publicação Cannibals with forks, de
John Elkington, em 1997, com ênfase na “triple linha de resultados” (triple bottom-line),
ou seja, o desenvolvimento econômico requer a conjugação da prosperidade
econômica, com qualidade ambiental e justiça social. Dessa forma a RSE que sempre
esteve ligada a ações sociais compensatórias ou mitigadoras, e à gestão da reputação
ou imagem da empresa, perde em espaço para a sustentabilidade, por ser um conceito
já consagrado e adotado para criar valor nos negócios, alinhado com o plano
estratégico das grandes empresas, como por exemplo, produtos com o selo verde,
controle de emissões de CO2 e comercialização de direitos de emissão de gases de
efeito estufa (cap-and-trade).
4º) Governança Corporativa : os elementos constitutivos da governança
corporativa compõem o Direito de sociedades mercantis e as teorias da organização de
empresas. O movimento surgiu na década de 1970 para sistematizar as soluções aos
problemas oriundos da separação entre as funções da propriedade e o poder de
intervenção/interesse dos acionistas, num momento de globalização e
internacionalização de mercados de capitais. O movimento da boa governança está
estritamente ligado à geração de valor para as empresas, principalmente as que
possuem ações cotadas na Bolsa de Valores, em relação à conduta empresarial, ou
seja, na adoção de códigos voluntários de boa governança, na estipulação de regras
para a solução de conflitos na Alta Direção e Conselho Administrativo, na adoção de
mecanismos transparentes de decisão e de ética empresarial, acompanhados de
instrumentos eficazes de monitoramento. De origem anglosaxônica, e implementada
após graves escândalos financeiros, não visa apenas proteger os interesses dos
acionistas, movimento “pro-shareholders”. A adoção de códigos voluntários de
condutas e de processos requer firmar o princípio da transparência, e por outro o
desenvolvimento sustentável das comunidades nas quais as empresas exercem suas
atividades comerciais, proteção ao meio ambiente e respeito aos direitos humanos,
135
trabalhistas e fiscais. A governança corporativa converge com a responsabilidade social
empresarial quando considera o princípio da transparência nos mecanismos de decisão
nas empresas, assim como os diversos interesses protegidos que podem ser afetados
por tais processos, transmitindo uma gestão segura para buscar investimentos e
estabelecer relacionamentos saudáveis.
Essas terminologias refletem as tendências de relacionamento entre empresas e
sociedades, com a criação de uma agenda com temas ambientais, sociais e
econômicos, principalmente a geração de renda e empregos. Os temas estão inter-
relacionados, de forma que um promove ou requer o desenvolvimento do outro, não
dando margens para desfazer este vínculo de promoção de ações socioambientais
responsáveis.
O conceito de responsabilidade social empresarial tem sido amplamente
difundido por diversos organismos internacionais tais como a ONU, OIT, OCDE173 de
forma a contribuir para a discussão e a promoção dos princípios e direitos fundamentais
em suas estratégias e operações, garantindo que as atividades das empresas se
desenvolvam num contexto harmônico com as políticas públicas de governo e com as
diretrizes desses organismos internacionais.
173 Siglas – ONU (Organização das Nações Unidas); OIT (Organização Internacional do Trabalho); OEA (Organização dos Estados Americanos); OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos).
136
Anexo 2: A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL NA ESTRATÉGIA DE NEGÓCIOS
A base informacional para as empresas pensarem em suas estratégias para a
sustentabilidade requer um conhecimento diversificado e de amplo alcance social,
político, cultural e econômico, pois as empresas são organismos vivos e complexos, e
sofrem influência e são também influenciadas por esses fatores, formando um elo
multidisciplinar e interdependente.
Assim, ao elaborar o seu Planejamento Estratégico de longo prazo deve levar em
consideração as oportunidades que a empresa deve proporcionar aos seus
empregados, e constituir parcerias para o desenvolvimento e integração regional.
Segundo Adam Werbach, alguns princípios devem ser observados na elaboração dos
Planos Empresariais de Sustentabilidade: 174
1. Os recursos naturais se tornarão cada vez mais escassos e caros
Os recursos físicos do planeta estão em declínio e requer, por parte das
empresas, inovações tecnológicas de processo e de recursos, principalmente dos
recursos não-renováveis (fósseis e minérios), e dos serviços de ecossistemas cada vez
mais escassos (água; combustíveis e plantas; condições climáticas; diversidade
biológica e genética).
2. Está ocorrendo uma mudança demográfica de grandes proporções
As empresas devem estar preparadas para lidar com as diversidades culturais e
exigências de seus consumidores, devendo desvincular suas operações de fontes
poluentes de energia e de condutas não éticas em sua cadeia produtiva, atendendo
principalmente às exigências do mercado local de suas operações.
174 WERBACH, Adam. Estratégia para sustentabilidade : uma nova forma de planejar sua estratégia empresarial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 21
137
3. As pessoas são o recurso renovável mais importante
Os empregados devem ter satisfação e orgulho em pertencer à empresa e
sentirem-se engajados na conquista e promoção de seus objetivos estratégicos. A
estratégia de curto prazo para a lucratividade deve ser substituída gradativamente por
uma cidadania empresarial.
4. O fluxo de caixa é mais importante que os lucros trimestrais
A visão estrategista de curto prazo pode inviabilizar conquistas permanentes e
de valor para a empresa socialmente responsável. A estabilidade de fluxos de caixas
futuros demonstra a envergadura dos investimentos financeiros e a saúde da empresa.
Porém, este é apenas um dos indicadores socioambientais na construção de uma
empresa longilínea.
5. O ambiente operacional de todas as organizações vai mudar tão radicalmente
nos próximos três a cinco anos quanto mudou nos últimos cinco anos
O planejamento estratégico deverá ser dinâmico e flexível frente aos desafios e
riscos que possam surgir inesperadamente frente às sérias mudanças. A política de
sustentabilidade empresarial requer flexibilidade operacional para os vários momentos
críticos nos quais as empresas passam, além de se preparar para tomar decisões de
impacto nas organizações.
6. Um mundo exterior caótico exige coesão interna e flexibilidade
A partir do momento que as empresas tornam-se referência no mercado, a
tendência é ela se isolar da comunidade onde está inserida, principalmente das suas
críticas. Na estratégia sustentável isso não é recomendado. As empresas devem se
envolver com os grupos de interesse (stakeholders) e chamá-los, sempre que possível,
para discutir sua performance organizacional junto à comunidade. O trabalho em
parceria e com flexibilidade de mudanças resultam numa concatenação de idéias que
auxiliam na permanência da empresa por mais tempo na liderança.
138
7. Só o realmente transparente vai sobreviver
O século XXI é a era da informação rápida e acessível a todos, de forma
globalizada. Se a empresa não agir com ética e transparência nos negócios, dentro e
fora da empresa, dificilmente irá sobreviver. Os índices de sustentabilidade de Bolsa de
Valores requerem uma postura organizacional pautada nos princípios da ética e da
transparência, inclusive com auditoria externa e independente das informações
divulgadas em seus Relatórios integrados (Balanço Financeiro Anual e de
Sustentabilidade).
O desenvolvimento de uma estratégia para a sustentabilidade empresarial requer
a análise detalhada de alguns pontos vitais para um crescimento sustentável em
comparação com as empresas tradicionais:
O que fazem os estrategistas da
sustentabilidade
O que fazem os estrategistas da lucratividade
Integram objetivos de curto prazo a estratégias de
longo prazo
Focam obsessivamente nos resultados do trimestre
e do ano
Baseiam seus planos em custos imprevisíveis de
energia e matérias-primas
Dependem de recursos naturais baratos para levar
seu produto ao mercado
Trabalham para um mundo de 9 bilhões de
habitantes com muitas diversidades a serem
promovidas e respeitadas
Esquecem do restante do mundo e trabalham para
conquistar consumidores atuais
Planejam para a mudança Admitem que o ambiente externo permanecerá o
mesmo nos próximos três a cinco anos
Valorizam a transparência Seguram a informação
Constroem de dentro para fora Agem de cima para baixo
Demonstram que “Nossa gente é nosso ativo mais
importante”
Dizem da boca para fora “Nossa gente é nosso
ativo mais importante”
Proporcionam processos profundos de indução e
incentivos materiais de longo prazo para os
funcionários
Oferecem incentivos de curto prazo aos
funcionários
Permanecem estreitamente ligados a organizações
e empresas externas
Ignoram o mundo que está fora das paredes da
empresa
Empreendem ações cíclicas constantes Empreendem ações lineares periódicas
Fonte: WERBACH, Adam. Estratégia para sustentabilidade : uma nova forma de planejar sua estratégia empresarial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 36
139
A estratégia para a sustentabilidade empresarial requer um “olhar” crítico em
todas as dimensões social, econômica e ambiental, e um engajamento comprometido
com os grupos de interesse críticos, ou seja, aqueles que influenciam e pode ser
influenciados pela atuação empresarial. A flexibilidade nas rotinas operacionais de
forma a adequá-las às mudanças, e um constante monitoramento das ações e
iniciativas desenvolvidas formam um processo estratégico integrado, rápido, competitivo
e focado em conquistar uma maior sustentabilidade.
RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL – O PRINCÍPIO D A
TRANSPARÊNCIA
As empresas em suas atividades produtivas geram impactos positivos e
negativos no ambiente no qual estão inseridas. Exemplos de impactos positivos:
geração de emprego direto e indireto; aumento na arrecadação de impostos; melhoria
na infraestrutura física da região; disponibilidade de bens e serviços; integração
regional entre outros. Em contrapartida, os impactos negativos são acentuados caso
não sejam mitigados: poluição do ar; prostituição e exploração sexual comercial infantil;
a emissão de gases de efeito estufa; deslocamento de famílias; crescimento
desordenado e não integrado com políticas públicas dentre outros.
Quando as empresas entendem que elas são parte de um sistema maior e
interligado, que abrange as dimensões social, ambiental e econômica, estendendo
também para a cultural (na manutenção da cultura e costumes da região)175, elas
implantam em sua estratégia de negócio a sustentabilidade corporativa.
O termo sustentabilidade está se perdendo. Todos se declaram sustentáveis. Há
empresas que são socialmente responsáveis, mas a maioria utiliza o termo para
175 As cinco dimensões da sustentabilidade de Ignacy Sachs (2007): social, econômica, ecológica,cultural e territorial. SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007
140
disseminar programas pontuais e divulgar em suas peças de marketing, virando uma
estratégia de mercado, de retórica, e de “manipulação” da opinião pública.
A sustentabilidade corporativa vai além da responsabilidade social empresarial,
que é a ferramenta utilizada para trabalhar e alcançar a sustentabilidade. Os princípios
são os mesmos e abrangem a transparência e a ética na atuação dos negócios; a
promoção dos direitos fundamentais; o bem-estar social; o relacionamento com as
partes interessadas; uma matriz energética limpa e renovável dentre outros já citados.
As empresas que querem sobreviver à nova ordem mundial da sustentabilidade
devem adequar seus instrumentos normativos, seus códigos de ética e conduta, seu
planejamento estratégico aos princípios da sustentabilidade corporativa. O conceito já
está disseminado entre as empresas de maiores portes e as entidades públicas, porém
o que se sente falta ainda é de ações efetivas e de comprometimento em promover o
bem-estar social. As empresas transnacionais devem buscar um comportamento
socialmente responsável “único”, independente das fragilidades dos países em que
atuam. Hoje, a dimensão social é carente de iniciativas de inserção empresarial em
relação à dimensão ambiental, onde há uma cobrança mais efetiva por parte das
legislações ambientais e dos consumidores globalizados.
Para Israel Klabin citado por Zylbersztajn, embora a dimensão social faça parte
do triple bottom line176, a sua efetividade, por parte das empresas ainda é muito tímida:
a ideia do social ainda está incluída naquele triple – o triple bottom line – de maneira um
pouco vaga. Não se trata de filantropia. Existem vários níveis de inclusão social no
conceito de desenvolvimento sustentável. E é de fundamental importância a recuperação
da ética do modelo econômico. A relação produtor-consumidor é estabelecida com base
em um modelo de participação plena e justa na renda nacional, o que nos leva a
repensar o papel do Estado. 177
A dimensão social engloba os aspectos de relacionamento com os empregados
e colaboradores; o envolvimento com a comunidade e com a cadeia de fornecedores; a
176 Triple bottom ine – expressão criada por John Elkington como tripé de resultados finais baseado nas dimensões social, econômica e ambiental – objetivos de equidade social, proteção ambiental e prosperidade econômica. 177 ZYLBERSZTAJN, David & LINS, Clarissa. Sustentabilidade e geração de valor: a transição para o século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p.8
141
regularidade da empresa enquanto signatária dos documentos orientativos de
sustentabilidade e a incorporação de critérios socioambientais na gestão corporativa
dentre outros.
A dimensão ambiental já é mais externalizada e de ampla visibilidade pela
sociedade tais como as emissões de gases de efeito estufa; a geração de resíduos e
descarte de efluentes; a consolidação da matriz energética dentre outros.
Enquanto a dimensão econômica prima pela transparência da gestão
econômico-financeira da entidade: auditoria externa independente, mecanismos de anti-
corrupção e atenção aos riscos institucionais que podem interferir nos negócios.
A adesão de empresas aos instrumentos de sustentabilidade requer um
equilíbrio de atuação em todas as dimensões para que não seja caracterizada uma
oportunidade de marketing social. A gestão adequada aos compromissos assumidos
voluntariamente e a transparência na prestação de contas são requisitos de uma boa
governança corporativa, por isso os relatórios de sustentabilidade, elaborados de
acordo com a metodologia da Global Reporting Initiative (GRI)178 estão ganhando
espaço nas empresas.
A metodologia internacional amplamente utilizada pelas empresas na elaboração
de relatórios de sustentabilidade é da Global Reporting Initiative (GRI). A GRI é uma
ONG, com sede na Holanda, e parceira do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), da ONU. É uma instituição independente e formada por
multistakeholders e tem como objetivo desenvolver uma metodologia de aplicação
global para conteúdo dos relatórios de sustentabilidade.
Sua metodologia é composta por indicadores de gestão, de governança
corporativa, responsabilidade pelo produto e desempenho nas dimensões social,
ambiental e econômica, além de suplementos com indicadores específicos do setor de
energia, telecomunicações, turismo, minério dentre outros.
A GRI trabalha para criar condições de publicação de informações sobre
sustentabilidade, que permitam comparações mundiais entre as empresas de forma
transparente e confiável.
178 Disponível em: www.globalreporting.org. Acesso em: 16 agosto 2010
142
A transparência é um valor a ser absorvido pelas empresas que querem ser
perenes, pois está estritamente vinculado à sua reputação e imagem, melhorando o seu
contexto competitivo e a sua atuação junto à comunidade em que está inserida.
A responsabilidade social empresarial não é uma questão de moda ou de
estratégia de ação a curto prazo, por isso a ética e a transparência são valores tão
presentes na relação da empresa com a comunidade e com seus grupos de interesse,
principalmente nas relações com o governo na implantação de políticas públicas e no
compartilhamento de responsabilidades. Os governos sozinhos não conseguem
priorizar em sua agenda a solução para os problemas estruturais. Estes valores devem
estar expressos de forma clara nos relatórios de sustentabilidade e em outros
instrumentos de gestão estratégica.
Os líderes empresariais que estão mais atentos e comprometidos com a política
de responsabilidade social, e que incorporaram os valores em sua estratégia de
negócios, levam considerável vantagem na competição empresarial com aqueles que
insistem em fazer a sua gestão no padrão tradicional. As empresas socialmente
responsáveis contribuem com a geração de riqueza e com a promoção do bem-estar
social.
A empresa é a instituição que tem um grande poder de articulação e
transformação na eficácia de sua atuação, mas para a realização do seu negócio pode
gerar efeitos colaterais tais como a desigualdade, a pobreza, a exclusão e a destruição
do meio ambiente. Para impulsionar a prática da RSE, o Instituto Internacional para o
Meio Ambiente e Desenvolvimento, do Banco Mundial, incentiva os governos a
adotarem políticas públicas de fortalecimento de RSE das seguintes formas:
1. determinações, regulamentos (mandating): regulação da RSE, e intervenção
de instituições públicas no controle de alguns aspectos relacionados com ela;
2. facilitador (facilitating): desenvolvimento de regras ou códigos não-obrigatórios
aplicáveis no mercado; regulamentações que facilitam o investimento privado em RSE
ou a transparência, incentivos fiscais, investimento em investigação e criação de
opinião, e facilitador de processos de diálogo multistakeholders;
3. patrocinador (partnering): combinação de recursos públicos e privados e de
outros atores para promoção da RSE;
143
4. apoiadores/incentivadores (endorsing): apoio político e público de práticas de
RSE no mercado, indicadores, princípios ou padrões promovidos por ONGs ou
empresas.
Estas iniciativas demonstram uma preocupação com o tema de RSE pelas
ciências econômicas, filosofia e até a sociologia, porém o Direito ainda se mantém
como espectador desta prática, não estipulando nenhuma sanção às empresas que não
a praticam. Talvez, pelo fato do conceito de RSE não estar devidamente definido e
consolidado, e por estar pautado na voluntariedade, não necessitando ainda de uma
regulamentação normativa efetiva.
Alguns aspectos desta prática de RSE podem ser trabalhados sob o ponto de
vista do direito tributário – prêmio por bom comportamento – que pode ser um ótimo
instrumento de incentivo de RSE e um aliado na redução de gastos públicos em
atividades socioambientais desenvolvidas pelas empresas. A dificuldade está em fechar
o conceito de RSE, pois uma empresa socialmente responsável deve ser também
legalmente correta e estar em dia com as suas obrigações legais e fiscais.
TERMO DE DEPÓSITO
Deposite-se na Secretaria do Mestrado.
_____________________________
FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA Professor Orientador Curitiba, ____/_____/________
Recebido em: _______/________/________
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Secretaria