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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA RAFAELA FAVA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO: EFICÁCIA SÓCIO-LABORATIVA E INTEGRATIVA CURITIBA 2019

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

RAFAELA FAVA

MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO: EFICÁCIA SÓCIO-LABORATIVA

E INTEGRATIVA

CURITIBA

2019

RAFAELA FAVA

MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO: EFICÁCIA SÓCIO-LABORATIVA

E INTEGRATIVA

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em DIREITO, do Centro Universitário Curitiba Orientador: Prof. Dr. Mário Luiz Ramidoff

CURITIBA

2019

RAFAELA FAVA

MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO: EFICÁCIA SÓCIO-LABORATIVA

E INTEGRATIVA

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos

professores:

Orientador: __________________________________

__________________________________ Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2019

A Deus, por ter transformado minha vida,

dado sentido e propósito aos objetivos

perseguidos ao longo da faculdade.

Aos meus pais, Paulo e Sirlei, por se

manterem como exemplos de caráter e

força, sem os quais a caminhada até aqui

não teria sido possível.

A minha irmã, Nicolli, por ser exemplo de

dedicação na vida acadêmica.

Ele julgará entre as nações

e resolverá contendas de muitos povos.

Eles farão de suas espadas arados,

e de suas lanças, foices.

Uma nação não mais pegará em armas

para atacar outra nação,

elas jamais tornarão a preparar-se para a

guerra.

Isaías 2.4, NVI

RESUMO

O presente trabalho objetiva destacar a importância do papel da medida socioeducativa de internação durante o processo de responsabilização do adolescente em conflito com a lei no que diz respeito a dois âmbitos: integração em comunidade (eficácia integrativa) e no mercado de trabalho (eficácia laborativa). O estudo parte da evolução legislativa acerca do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil, trazendo um panorama geral acerca de quais são os princípios e garantias que orientam tal ramo. Tomando como ponto de partida o esclarecimento acerca do que é a medida socioeducativa de internação, quais são as suas modalidades, hipóteses de determinação e procedimento de acompanhamento, demonstra-se porque tal medida não é eficaz no sentido integrativo e laborativo, além de esclarecer que o papel do Estado e das políticas públicas não tem sido cumprido de maneira satisfatória no cenário atual, deixando de possibilitar um retorno adequado do adolescente ao meio social. Palavras-chave: Adolescente. Medida socioeducativa. Internação. Eficácia.

ABSTRACT

The present research aims to highlight two aspects of the important role exercised by socio-educational measures imposed as of the determination of the liability of adolescents in conflict with the law: integration in the community (integrative effectiveness) and in the labor market (laboring effectiveness). The study starts with the legislative development regarding the Rights of the Child and Adolescent in Brazil, exposing a general framework about the principles that guide this field, as well as the guarantees established by it. Taking into consideration the clarification of the meaning of socio-educational measures, their modalities, their hypothesis of applicability and the proceedings for their imposition, one demonstrates the reasons why these measures are not effective in neither of its aspects (integrative and laboring) and clarifies that the role of the State and public policies has not satisfactory fulfilled its objectives in the current scenario, failing to enable an adequate return of the adolescent to the social environment. Key-words: Adolescent. Socio-educational measures. Internment. Effectiveness.

LISTA DE ABREVIATURAS

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

CR – Constituição da República

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FUNDAC – Fundação da Criança e do Adolescente da Bahia

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

SEJU-PR – Secretaria da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Estado do

Paraná

SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários

SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SENAT – Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte

SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................9

2 DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ...................................................11

2.1 CONCEITOS DE CRIANÇA E ADOLESCENTE .................................................11

2.2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

NO BRASIL ...............................................................................................................12

2.3 LEIS DE REGÊNCIA ...........................................................................................17

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS E PRINCÍPIOS ORIENTADORES ........................21

2.5 DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ............................................................25

2.6 DIREITO PENAL JUVENIL .................................................................................28

2.7 JUSTIÇA RESTAURATIVA .................................................................................33

3 MEDIDA SOCIOEDUCATIVA ................................................................................37

3.1 ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI .....................................................37

3.1.1 Inimputabilidade Penal .....................................................................................37

3.1.2 Ato Infracional ..................................................................................................39

3.2 ESPECIES DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ................................................41

3.2.1 Não Restritivas de Liberdade ...........................................................................41

3.2.2 Restritivas de Liberdade ...................................................................................43

4 DETERMINAÇÃO E CUMPRIMENTO DA INTERNAÇÃO ....................................48

4.1 JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE ......................................................48

4.2 DETERMINAÇÃO JUDICIAL DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA .........................53

4.3 ESPÉCIES DE INTERNAÇÃO ............................................................................55

4.4 ACOMPANHAMENTO DO CUMPRIMENTO DA INTERNAÇÃO ........................60

4.4.1 Princípios aplicáveis .........................................................................................62

4.4.2 Plano Individual de Atendimento ......................................................................66

5 EFICÁCIA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO .........................72

5.1 ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO .................................................................73

5.1 INTEGRAÇÃO COMUNITÁRIA ...........................................................................79

5.2 CAPACITAÇÃO LABORAL .................................................................................85

5.3 FUNÇÃO ESTATAL NA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO ........92

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................98

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 102

9

1 INTRODUÇÃO

A medida socioeducativa de internação será determinada ao adolescente que

se encontrar em conflito com a lei, com o objetivo precípuo de responsabilizá-lo em

face do cometimento de atos infracionais, mas não somente este. O objetivo do

presente trabalho é verificar se, além da responsabilização em si, a medida

socioeducativa de internação têm proporcionado acesso à vida digna em sociedade

quando do retorno do cumprimento da medida socioeducativa imposta. Para isso, é

possível contar com a integração social, profissionalização e aprendizagem como

meios facilitadores.

As Leis de Regência que versam sobre a matéria são a Constituição da

República de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei n. 12.594, de 18

de janeiro de 2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.

Estas fundamentam-se na Doutrina da Proteção Integral, que objetiva a priorização

absoluta do atendimento de questões inerentes aos sujeitos por elas atendidos, com

vistas a buscar o melhor interesse do adolescente, passando este a ser

compreendido como sujeito ativo das relações jurídicas e detentor de todos os

direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.

Tratando em específico da medida socioeducativa de internação, mais severa

das medidas elencadas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente – em

razão da privação do direito à liberdade, esta será determinada face ao cometimento

de atos infracionais mais graves, de acordo com o caso concreto e devendo prestar

obediência aos princípios da excepcionalidade, brevidade e respeito à condição

peculiar de pessoa em desenvolvimento, trazidos pelo art. 227, V, da Constituição

da República de 1988.

É dever do Estado prezar para que todos os direitos fundamentais sejam ao

adolescente garantidos, assim como qualquer outro sujeito plena de direitos, sejam

devidamente protegidos, inclusive durante o período de cumprimento de medida

socioeducativa de internação.

Diante da determinação e consequente cumprimento da medida de

internação, cumpre ao presente estudo verificar a eficácia dos procedimentos

adotados no que diz respeito à integração em comunidade, por muitos chamada

reinserção social, e à capacitação para o trabalho, indo muito além da verificação da

aplicabilidade da norma jurídica ao caso concreto, mas com o fim de verificar,

10

principalmente, as consequências sociais que esta ocasionará na vida do

adolescente que se encontra em conflito com a lei.

O procedimento metodológico adotado no desenvolvimento do presente

trabalho se fundamentará na pesquisa bibliográfica, por meio da pesquisa científica

com base na doutrina nacional, publicações governamentais, além de fontes

secundárias, como monografias, dissertações e artigos disponíveis na internet. Além

disso, serão feitos apontamentos acerca de dados estatísticos sobre a matéria.

O trabalho acadêmico se iniciará com a análise da evolução legislativa do

Direito da Criança e do Adolescente, destacando pontos relevantes que levaram o

ramo ao entendimento adotado atualmente. Em seguida, o estudo percorrerá as

noções trazidas pelo Direito Penal Juvenil e Justiça Restaurativa, elucidando

posições que defendem ou repudiam sua aplicação.

A pesquisa esmiuçará a medida socioeducativa, trazendo suas espécies e

possibilidades de determinação e, em seguida, versará acerca dos procedimentos

de determinação e cumprimento da medida socioeducativa sob o aspecto prático do

procedimento.

Finalmente, o capítulo final versará sobre a eficácia do procedimento

aplicado, tomando como base os parâmetros trazidos pelas Leis de Regência e

adotados no Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo. A eficácia será

verificada a partir do panorama atual do atendimento socioeducativo com enfoque

na medida de internação, a partir da análise de dados concretos, bem como das

políticas que vêm sido aplicadas para garantir a integração em comunidade e

capacitação para o trabalho deste adolescente. A partir daí, poderá se verificar qual

o papel da Administração Pública na política socioeducativa, bem como se ele vem

sido cumprido de maneira satisfatória.

11

2 DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O presente capítulo visa tratar da fundamentação e conceituação do objeto de

estudo do presente trabalho, inicialmente abordando o histórico das leis que

dispõem acerca dos direitos e garantias conferidos à criança e ao adolescente,

trazendo a abertura do que se tem como atual entendimento legislativo a respeito da

matéria.

Além disso, este capítulo irá tratar a respeito de quais são os garantias e

princípios orientadores do Direito da Criança e do Adolescente, bem como irá

discorrer acerca da ótica adotada pela doutrina da proteção integral, em

contrapartida à noção trazida pelo direito penal juvenil.

2.1 CONCEITOS DE CRIANÇA E ADOLESCENTE

O artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei n.

8.069, de 13 de julho de 19901, determina que será criança a pessoa com até 12

anos incompletos, e adolescente aquele que tiver entre 12 e 18 anos incompletos,

adotando-se um critério cronológico absoluto, sem qualquer menção à condição

psíquica ou biológica, como bem aponta Luciano Alves Rosato2. Em complemento,

Guilherme Freire de Melo Barros3 didaticamente aponta a diferenciação entre as

faixas etárias:

O Estatuto estabelece no art. 2º uma importante divisão conceitual, com implicações práticas relevantes. Considera-se criança a pessoa com 12 (doze) anos incompletos, ou seja, aquela que ainda não completou seus doze anos. Por sua vez, adolescente é o jovem que conta 12 (doze) anos completos e 18 anos incompletos. Ao completar 18 anos, a pessoa deixa de ser considerada adolescente e alcança a maioridade civil (art. 5º do Código Civil). O critério adotado pelo legislador é puramente cronológico, sem adentrar em distinções biológicas ou psicológicas acerca do alcance da puberdade ou do amadurecimento da pessoa.

1 BRASIL. Lei n. 8.096, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 02 set. 2018. 2 ROSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da criança e do adolescente: comentado artigo por artigo. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 72. 3 BARROS, Guilherme Freire de Melo. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº 8.096/1990. 4. ed. [S.l]: JusPODIVM, 2010, p. 23.

12

Nesse sentido, o Estatuto determina certas diferenças de tratamento entre

estas duas faixas etárias, as quais serão esmiuçadas ao longo deste trabalho. No

que diz respeito ao objeto de estudo, pode-se notar a importância na distinção entre

criança e adolescente no que diz respeito às medidas aplicáveis à pratica do ato

infracional, sendo que à criança é aplicável a medida de proteção, enquanto ao

adolescente é aplicável a medida socioeducativa.

Se faz necessário traçar o plano de desenvolvimento histórico dos direitos

garantidos à criança e o adolescente, uma vez que ambos são tratados pelos

mesmos institutos e caminharam em conjunto na história. Entretanto, tendo em vista

que este estudo objetiva tratar acerca da eficácia da medidas socioeducativas –

mais especificamente da medida de internação, aplicáveis somente ao adolescente,

cumpre esclarecer que é imprescindível ater o foco ao tratamento dado à este e à

sua peculiar condição de desenvolvimento, sendo que será realizado um

comparativo no que diz respeito à criança e ao adolescente somente na medida em

que se fizer necessário ao entendimento do tratamento diferenciado dado a estes.

2.2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

NO BRASIL

O primeiro instituto à vigorar no ordenamento jurídico brasileiro foi as

chamadas Ordenações Filipinas, que perduraram até o ano de 1830, tendo por

filosofia a prevenção criminal, conforme ressalta José de Farias Tavares4,

resumindo-se a um “temor infundido pela crueldade do castigo”.

Dentre as duras e desproporcionais repreendas previstas nas Ordenações

estavam as chamadas pena de morte natural, pena de morte com crueldade e pena

de morte com crueldade para sempre. Neste instituto, as penas entendidas como

menos severas poderiam ser aplicadas inclusive aos menores de idade, como

aponta José de Farias Tavares5:

Penas menores, tais como, amputação de membros, açoites, degredo, prisão nas masmorras e galés, eram aplicadas também as delinquentes menores de idade, conferindo-lhes responsabilidade penal precoce, segundo o arbítrio do julgador, casuisticamente.

4 TAVARES, José de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 50. 5 Ibid., p. 51.

13

As Ordenações Filipinas consideravam que a maioridade se dava aos 20

anos, sendo que ao menor de 25 anos e maior de 17 anos era garantida uma

suavização da pena para o enforcamento simples e, caso o delinquente – como

assim denominava a lei – fosse menor de 17 anos, ficava o julgador impossibilitado

de aplicar a pena de morte natural, devendo arbitrar pena menor.

Conforme o descrito por Heloísa Gaspar Martins Tavares6, com a criação do

Código Criminal do Império em 18307, adotou-se o chamado sistema do

discernimento, passando a maioridade penal absoluta valer a partir dos 14 anos,

salvo se fosse o ato realizado com discernimento, caso em que seria recolhido às

casas de correção por tempo à ser determinado pelo juiz, não devendo o

recolhimento exceder à idade de 17 anos. Ainda, o Código de 1830 proibia a

aplicação da pena de galés aos menores de 21 anos, devendo ser substituída pela

prisão com trabalho pelo mesmo tempo.

Mesmo no Código Penal Republicano de 18908 ainda se submetia os maiores

de 9 anos e menores de 14 anos à análise do discernimento. Tal Código traz a ideia

de que o menor de 14 a 18 anos que realizasse ato que levasse a imputação de

crime ou contravenção deveria ser submetido a procedimento especial.

O instrumento determinava inimputabilidade dos menores de 9 anos, sendo

que os jovens de 9 a 14 anos que tivessem cometido delitos com discernimento

seriam recolhidos à estabelecimentos disciplinares industriais por tempo a ser

determinado pelo juiz, não podendo exceder os 17 anos de idade.

Quando o delinquente, assim chamado pelo Código, fosse maior de 14 anos e

menor de 17 anos era aplicada a pena de cumplicidade, que equivalia à pena de

tentativa de cometimento do ato infracional. Já a partir dos 21 anos, o indivíduo

atingia a maioridade penal e poderia ser responsabilizado criminalmente.

6 TAVARES, Heloisa Gaspar Martins. Idade penal (maioridade) na legislação brasileira desde a colonização até o Código de 1969. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 508, 27 nov. 2004. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/5958>. Acesso em: 31 ago. 2018. 7 BRASIL. Lei de 14 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm>. Acesso em 08 set. 2018. 8 BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D847.htm>. Acesso em 08 set. 2018.

14

Como bem aponta Aline Patrícia Neri9, O Código Republicano foi o primeiro a

classificar segundo um caráter biológico as fases da infância e adolescência.

Entretanto, o dito critério do discernimento ainda em vigor para os menores de 9 a

14 anos, em razão da dificuldade de avaliação, acabava por quase que

inevitavelmente sendo julgado a favor do menor, entendendo pela ausência do

discernimento.

Em razão disso, já no fim do século XIX, segundo Aníbal Bruno, conforme

citado por Heloisa Gaspar Martins Tavares10, deixa-se a ideia de discernimento de

lado para se adotar outra ordem de motivos no que diz respeito à imputação do

ilícito ao menor, no seguinte sentido:

[...] motivos de natureza criminológica e de política criminal, segundo os novos conhecimentos sobre a gênese da criminalidade e a ideia da defesa social, que impunha deter os menores na carreira do crime. Daí nasceu o impulso que iria transformar radicalmente a maneira de considerar a tratar a criminalidade infantil e juvenil, conduzindo-a a um ponto de vista educativo e reformador.

Em 1921 surge a primeira legislação efetiva sobre a matéria, com o advento

da Lei n. 4.242, de 5 de janeiro de 1921, em seu art. 3º, o qual autorizava o governo

a organizar serviço de assistência e proteção à infância abandonada e delinquente,

e dava forma à ideia de procedimento especial para estes envolvidos.

O primeiro código da América Latina que tratava especificamente do menor

ficou conhecido como Código Mello Matos, consolidado pelo Decreto n. 17.943-A, de

12 de outubro de 192711. Aqui, o intitulado menor de 14 anos não podia ser

submetido ao processo penal, o que ocorria era apenas um registro do fato e o

estado do menor – físico, mental, moral, social e econômico. A faixa etária entre os

14 e 18 anos poderia passar por um processo especial e internação na então

chamada escola de reforma. Por fim, aqueles enquadrados na faixa entre 18 e 21

anos eram julgados pelo processo comum, sendo garantida a aplicação de

atenuante com fundamento na idade e separação dos presos comuns.

9 NERI, Aline Patrícia. A eficácia das medidas socioeducativas aplicadas ao jovem infrator. 81 f. Monografia (graduação) – Curso de direito, Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Barbacena, Universidade Presidente Antônio Carlos, Barbacena, 2012. 10 BRUNO, Aníbal, 2005 apud TAVARES, 2008, p. 1. 11 BRASIL. Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de assistência e proteção a menores. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/D17943A.htm>. Acesso em 08 set. 2018.

15

Cumpre trazer destaque, também, para a inovação trazida pelo art. 146 do

Código Mello Mattos, ao criar um Juízo de Menores para “assistência, proteção,

defesa, processo e julgamento dos menores abandonados e delinquentes, que

tenham menos de 18 annos”.

Ocorre que, de acordo com Válter Kenji Ishida12, em razão do longo período

de vigência deste Código, acabou por tornar-se obsoleto, sendo que mesmo diante

de certas inovações, as expressões delinquente e menor abandonado continuavam

a ser usadas.

Mais a diante, o Decreto-Lei n. 6.026, de 24 de novembro de 1943, em seu

artigo 2º, trouxe as medidas aplicáveis às praticas de fatos considerados infrações

penais cometidas por menores de 14 a 18 anos: “a) se os motivos e as

circunstâncias do fato e as condições do menor não evidenciam periculosidade, o

Juiz poderá deixá-lo com o pai ou responsável, confiá-lo a tutor ou a quem assuma a

sua guarda, ou mandar interna-lo em estabelecimento de reeducação ou profissional

e, a qualquer tempo, revogar ou modificar a decisão; b) se os elementos referidos na

alínea anterior evidenciam periculosidade o menor será internado em

estabelecimento adequado, até que, mediante parecer do respectivo diretor ou do

órgão administrativo competente e do Ministério Público, o Juiz declare a cessação

da periculosidade”. Em casos excepcionais, era permitido ao juiz determinar a

internação do “menor perigoso” em seção especial de estabelecimento destinado a

adultos.

Já ao menor de até 14 anos deveriam ser adotadas medidas de assistência e

proteção indicadas pelos motivos e circunstâncias do fato e pelas condições do

menor, conforme preceituava o art. 3º do referido Decreto-Lei. A este menor também

era defesa a apresentação ao juiz competente assim que conhecida a ocorrência,

com a devida intervenção do Ministério Público, devendo o juiz decidir de plano ou

no prazo máximo de 5 dias.

Neste ponto da caminhada legislativa já é possível notar maior cuidado com a

necessidade de tratamento especial do menor e maior proximidade com o

tratamento atual, deixando clara a necessidade de atenção a sua personalidade e

peculiaridade, devendo ser observados os procedimentos necessários à

individualização do tratamento e da educação.

12 ISHIDA, Válter Kenji. A infração administrativa no Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015a, p. 6.

16

Com o advento do Código Penal em 194013 passa-se a adoção de um critério

essencialmente biológico, no qual entende-se por menor aquele com idade inferior a

18 anos, sendo ele considerado inimputável pelo art. 27 do referido Código e ficando

sujeito ao estabelecido em legislação especial – tal preceito permanece vigente no

ordenamento jurídico, sendo confirmado pelo disposto no art. 228 da Constituição da

República de 1988.

Com a redação da Lei n. 6.697, de 10 de dezembro de 1979, então, passa a

vigorar o Código de Menores, sob a doutrina do menor em situação irregular, o qual

previa a impossibilidade da prisão daquele que fosse menor de 18 anos à época da

pratica do ato infracional. Já quanto ao menor de 14 anos, este seria acolhido em

casa de educação ou preservação, existindo a hipótese de ficar sob a guarda de

pessoa idônea até os 21 anos de idade.

O Código de Menores introduziu as seguintes medidas aplicáveis ao menor:

advertência; entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa idônea, mediante termo

de responsabilidade; colocação em lar substituto; imposição do regime de liberdade

assistida; colocação em casa de semiliberdade ou internação em estabelecimento

educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro

adequado, devendo sempre visar a sua integração sócio-familiar. Nesse sentido,

aponta Ishida14:

A legislação menorista pátria sofreu influencia com a doutrina da Organização das Nações Unidas, que passou a enfocar a criança e o adolescente como sujeitos de direito e não tão somente como objetos de proteção e que se criasse uma justiça especializada, moldada em regras processuais constitucionais como a do devido processo legal, do princípio da presunção da inocência e do critério de proporcionalidade na aplicação da sanção.

A promulgação da Constituição da República de 1988 e, posteriormente, a

criação do Estatuto da Criança e do Adolescente por meio da Lei n. 8.096/90,

consagrou a doutrina da proteção integral, a qual, segundo Mário Luiz Ramidoff15,

deve “servir de orientação vinculativa a todas as ações (atribuições e competências)

13 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em 08 set. 2018. 14 ISHIDA, 2015a, p. 6-7. 15 RAMIDOFF, Mário Luiz. Lições de Direito da Criança e do Adolescente. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008a, p. 26.

17

governamentais e não governamentais que se realizem em prol da criança e do

adolescente”.

Diante de toda a construção histórica trazida pela caminhada legislativa, nota-

se um avanço com maior zelo às necessidades da criança e do adolescente, no

sentido de que a legislação que o atende visa fazê-lo em todos os âmbitos

necessários e protege-lo em razão da sua condição peculiar desenvolvimento,

deixando de lado o ideal altamente punitivista que era adotado no início do século

XIX.

2.3 LEIS DE REGÊNCIA

No que diz respeito ao Direito da Criança e do Adolescente, constituem-se

como Leis de Regência a Constituição da República de 1988 e o Estatuto da

Criança e do Adolescente, instituído pela Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, e

mais recentemente o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase,

regulamentado pela Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Tais diplomas

delimitam tanto a atuação do Poder Público quanto os direitos e garantias dos

sujeitos ali compreendidos, nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho da obra de

Mário Luiz Ramidoff16:

O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição da República de 1988 constituem-se, por assim dizer, nas “Leis de Regência” que se fundamentam teórico-pragmática e ideologicamente na doutrina da proteção integral (superior e de melhor interesse da criança e do adolescente), determinantes jurídicas, social e politicamente para priorização absoluta do atendimento das questões inerentes à infância e à juventude. Desse modo, delimitando, a atuação do Poder Público, em todos os níveis, na formulação das políticas sociais públicas que se destinem ao atendimento de tais demandas – como, por exemplo, a destinação privilegiada de recursos públicos.

A entrada em vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente substitui o

então Código de Menores, passando a adotar a doutrina da proteção integral com

fundamento na Constituição da República de 1988, como aponta Zaffaroni e

Pierangeli17:

16 RAMIDOFF, 2008a, p. 27. 17 ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 138.

18

[...] o Estatuto da Criança e do Adolescente surgiu como decorrência da Constituição de 1988 que, pela primeira vez no evolver da história brasileira, cuida da questão da criança e do adolescente como prioridade absoluta, considerando dever da família, da sociedade e do próprio Estado a sua proteção. Ao proclamar a doutrina da proteção integral, a Constituição culmina por revogar, de modo implícito, a legislação anterior, que consagrava a doutrina da situação irregular.

Em complemento a tal noção, Válter Kenji Ishida18 complementa:

O Estatuto da Criança e do Adolescente surge a partir da proteção constitucional integral que ensejou a criação de disciplina científica destinada a estruturar, através de um microssistema, o direito da criança e do adolescente.

A partir do entendimento adotado com o surgimento da doutrina da proteção

integral, introduz-se não só a imposição de obrigações à família, sociedade e

Estado, mas a ideia de a criança e o adolescente agora como sujeitos ativos das

relações jurídicas19, assegurando a absoluta prioridade os direitos fundamentais

destes em razão de se encontrarem sob uma condição peculiar de desenvolvimento.

Nesse sentido, o art. 3º da Lei n. 8.069/9020 garante que tanto a criança,

quanto o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa

humana, sem qualquer prejuízo da proteção integral tratada por tal legislação,

assegurando “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o

desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade

e de dignidade”. Além disso, o dispositivo aponta que não deve ocorrer qualquer

distinção de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou

crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição

econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que

diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.

18 ISHIDA, 2015a, p. 9. 19 PAULA, 2002 apud ISHIDA, 2015a, p. 7. 20 Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.

19

Além disso, o caput artigo 4º da referida Lei21, reafirmando o previsto no art.

227 da Constituição da República de 1988, prevê que é dever não só da família,

mas da sociedade em geral e do poder público assegurar com absoluta prioridade

os direitos da criança e do adolescente à vida, saúde, alimentação, educação,

esporte, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e à

convivência familiar e comunitária.

Como bem aponta Mário Luiz Ramidoff22, as Leis de Regência organizam o

chamado sistema de garantias, que se vincula às instâncias públicas estabelecidas

no interior do Sistema de Justiça Infanto-Juvenil, seja no âmbito da magistratura,

Ministério Público, Defensoria Pública, entre outros, com o intuito de tornar efetiva a

atividade das instituições, no sentido de garantir os direitos fundamentais inerentes à

condição da criança e do adolescente nos diversos âmbitos da sociedade. Ou seja,

nota-se grande inovação à lógica anteriormente adotada pela legislação, como

ressalta Válter Kenji Ishida23:

O Estatuto da Criança e do Adolescente contrapõe-se à lógica do Direito do Menor, representado pelo anterior Código de Menores, que se baseia na concepção de que crianças e adolescentes são meros objetos de intervenção do mundo adulto e da teoria da situação irregular, baseado na situação de patologia social, na ausência de rigor procedimental, com desprezo às garantias relacionadas ao princípio do contraditório e o elevado grau de discricionariedade da autoridade judiciária.

O Estatuto determina imposição de medidas protetivas às crianças de até 12

anos de idade que se encontram em conflito com a lei, sendo elas descritas em seu

art. 101, sendo estas: encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de

responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e

frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão

em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da

família, da criança e do adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico

ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial

ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

21 Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 22 RAMIDOFF, 2008a, p. 44-45. 23 ISHIDA, 2015a, p. 8.

20

acolhimento institucional; inclusão em programa de acolhimento familiar; colocação

em família substituta.

Já para os adolescentes, assim enquadrados na faixa etária dos maiores de

12 anos até 18 anos incompletos – podendo, nos casos expressos em lei, se

estender até os 21 anos de idade, conforme disposto no parágrafo único do art. 2º

do ECA, aplica-se as chamadas medidas socioeducativas, elencadas no art. 112 do

Estatuto, se consubstanciando em: advertência, obrigação de reparar o dano,

prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de

semi-liberdade e internação em estabelecimento educacional.

No que diz respeito ao acompanhamento do cumprimento das medidas

socioeducativas impostas ao adolescente em conflito com a lei é que entra em ação

as disposições trazidas pela Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que instituiu o

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase, sendo tida como um

conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que regulamentam a execução de

medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que pratiquem ato infracional.

A referida lei surgiu no contexto de discussão acerca da matéria existente

desde a aprovação da Resolução n. 119, de 11 de dezembro de 2006 do Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)24, a qual aprovou o

Sistema de Atendimento Socioeducativo, constituindo-o como uma política pública

destinada à inclusão do adolescente em conflito com a lei que se correlaciona e

demanda iniciativas dos diferentes campos das políticas públicas e sociais.

A Lei do Sinase adveio então a complementar tal discussão, confirmando o

objetivo de se dar como um conjunto ordenado com os objetivos da

responsabilização do adolescente, sendo estes, basicamente, a desaprovação da

conduta infracional, a responsabilização quanto às consequências do ato cometido e

o incentivo a reparação, mas também a integração social e garantia de seus direitos

individuais.

Diante dos pontos levantados, nota-se que a criança e o adolescente passam

a ser sujeitos de direitos a partir do defendido e garantido pelas Leis de Regência,

sendo tomados como prioridade em razão da peculiar condição de desenvolvimento

a que se encontram submetidos.

24 CONANDA. Resolução n. 119, de 11 de dezembro de 2009. Disponível em: < https://www.direitosdacrianca.gov.br/conanda/resolucoes/119-resolucao-119-de-11-de-dezembro-de-2006/view>. Acesso em: 12 mar. 2019.

21

Sendo o Estado colaborador da formação destes sujeitos, por força

constitucional trazida pela redação do art. 227 da Constituição da República de

1988, cumpre a ele o papel de, a todo o momento que em contato com o agente,

buscar colocar em efetiva funcionalidade o sistema de garantias projetado a fim de

atender as novas exigências sociais legitimadas pelo próprio Estatuto, a fim de

proteger os direitos e garantias que tanto foram buscados ao longo da história.

2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS E PRINCÍPIOS ORIENTADORES

A Constituição da República de 1988 trouxe em seu art. 227 o elenco de

direitos da criança e do adolescente, atribuindo a estes a condição de pessoas

sujeitas de direito em equiparação ao adulto plenamente capaz em seu critério

biológico. No que diz respeito à proteção à criança e ao adolescente e, também, dos

deveres do Estado para com estes, cabe atenção à redação integral do parágrafo

primeiro do referido instituto, que será esmiuçado ao longo deste trabalho:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

Neste mesmo sentido, a Lei n. 8.069/90 garante a criança e ao adolescente

todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, independentemente de

se encontrar em condição peculiar de desenvolvimento, assegurando, de acordo

com a redação do já apontado art. 3º da referida Lei, e em consonância com o

trazido pela Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembleia-Geral

da Organização das Nações Unidas, “todas as oportunidades e facilidades, afim de

lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em

22

condições de liberdade e dignidade”. O menor de idade passa, então, a ser visto

como sujeito de direitos, e nesse sentido, Murillo José Digiácomo e Ildeara de

Amorim Digiácomo25 destacam:

Apesar de dizer aparentemente o óbvio, o presente dispositivo traz uma importante inovação em relação à sistemática anterior do ECA, na medida em que reconhece a criança e o adolescente como sujeito de direitos, e não meros “objetos” da intervenção estatal.

Em paralelo, o art. 4º26 do Estatuto da Criança e do Adolescente reafirma o

momento em que o art. 227 da Constituição da República de 1988 traz o dever do

Poder Público, em paralelo ao da família e da sociedade em geral, de assegurar

com absoluta prioridade a efetivação dos direitos ali referidos, como agente ativo da

garantia conferida pela prioridade absoluta.

Do disposto nota-se, então, que a junção do art. 227 da Constituição da

República com o art. 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente afirma o citado

Princípio da Prioridade Absoluta dos Direitos da Criança e do Adolescente. Acerca

desta noção, Digiácomo27 discorre:

A presente disposição legal, também prevista no art. 227, caput da CF, encerra o princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente, que deve nortear a atuação de todos, em especial do Poder Público, para defesa dos direitos assegurados a crianças e adolescentes. A clareza do dispositivo em determinar que crianças e adolescentes não apenas recebam uma atenção e um tratamento prioritários por parte da família, sociedade e, acima de tudo, do Poder Público, mas que esta prioridade seja absoluta (ou seja, antes e acima de qualquer outra), somada à regra básica de hermenêutica, segundo a qual, “a lei não contém palavras inúteis”, não dá margem para qualquer dúvida acerca da área que deve ser atendida em primeiríssimo lugar pelas políticas públicas e ações de governo, como aliás expressamente consignou o parágrafo único, do dispositivo sub examine. O dispositivo, portanto, estabelece um verdadeiro comando normativo dirigido em especial ao administrador público, que em suas metas e ações não tem

25 DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado e Interpretado. Ministério Público do Estado do Paraná. Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, 2010, p. 13. 26 Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar,

com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. 27 DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, op. cit., p. 14.

23

alternativa outra além de priorizar – e de forma absoluta – a área infanto-juvenil, como vem sendo reconhecido de forma reiterada por nossos tribunais [...].

O princípio da prioridade absoluta, explicito tanto na redação do art. 227 da

Constituição quanto no art. 4º do Estatuto, tem direta relação com o princípio do

melhor interesse, dentro do qual deve-se entender como primordial o interesse da

criança – e do adolescente por analogia, uma vez que “em qualquer situação ou

problema que envolva crianças, seja sempre buscada a alternativa mais apta a

satisfazer seus direitos, para que seus interesses estejam sempre em primeiro

lugar”28. Tal princípio, diferente do princípio da prioridade absoluta, encontra-se

implícito no ordenamento, de acordo com o apontado por Camila de Jesus Mello

Gonçalves29:

O melhor interesse da criança, como princípio geral, não se encontra expresso na CF ou no ECA, sustentando a doutrina especializada ser ele inerente à doutrina da proteção integral (CF, art. 227,caput, e ECA, art. 1º), da qual decorre o princípio do melhor interesse como critério hermenêutico e como cláusula genérica que inspira os direitos fundamentais assegurados pela Constituição às crianças e adolescentes.

Ainda sobre o princípio do melhor interesse, Guilherme Freire de Melo

Barros30 aponta que este nada mais seria do que a busca pela solução mais

benéfica:

Esse postulado traduz a ideia de que, na análise do caso concreto, o aplicador do direito – leia-se advogado, defensor público, promotor de justiça e juiz – deve buscar a solução que proporcione o maior benefício possível para a criança ou adolescente, que dê maior concretude aos direitos fundamentais do jovem.

Do complexo de garantias atribuídas à criança e ao adolescente, em conjunto

com os princípios acima mencionados, extrai-se a base do direito da infância e da

28 PRIORIDADE ABSOLUTA. Entenda a prioridade. Disponível em: <

http://prioridadeabsoluta.org.br/entenda-a-prioridade/>. Acesso em: 13 de out. 2018.

29 GONÇALVES, Camila de Jesus Mello. Breves considerações sobre o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Editora Magister. Disponível em: <http://www.editoramagister.com/doutrina_23385195_BREVES_CONSIDERACOES_SOBRE_O_PRINCIPIO_DO_MELHOR_INTERESSE_DA_CRIANCA_E_DO_ADOLESCENTE.aspx>. 30 BARROS, 2010, p. 22.

24

adolescência e da doutrina da proteção integral, a qual será esmiuçada em seguida.

No que diz respeito à esta noção basilar, Ishida31 aponta:

A doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse são duas regras basilares do direito da infância e da juventude que devem permear todo tipo de interpretação dos casos envolvendo crianças e adolescentes. Trata-se da admissão da prioridade absoluta dos direitos da criança e adolescente.

Ainda, no que diz respeito ao adolescente submetido à imposição de medida

socioeducativa privativa de liberdade, o Estatuto da Criança e do Adolescente

ressalta diversos direitos elencados em seu art. 12432, entre eles, pode-se destacar

os seguintes, intimamente ligados aos direitos fundamentais elencados no art. 4º do

mesmo diploma: ser tratado com respeito e dignidade; permanecer internado na

mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou

responsável; ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; realizar

atividades culturais, esportivas e de lazer: ter acesso aos meios de comunicação

social; receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o

deseje.

31 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2015b, p. 23. 32 Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; II - peticionar diretamente a qualquer autoridade; III - avistar-se reservadamente com seu defensor; IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada; V - ser tratado com respeito e dignidade; VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; VII - receber visitas, ao menos, semanalmente; VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos; IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI - receber escolarização e profissionalização; XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer: XIII - ter acesso aos meios de comunicação social; XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje; XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade; XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade. § 1º Em nenhum caso haverá incomunicabilidade. § 2º A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente.

25

Nestes casos de restrição ou privação da liberdade do adolescente, faz-se

necessária a observância dos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à

condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, acerca destes, Milano33 explica:

O princípio da brevidade consiste no tempo de duração da medida sócio-educativa em questão que, destarte, muito embora não haja previsão expressa para seu mínimo, dependendo de reavaliações periódicas pela autoridade judiciária, temos que em seu máximo deverá corresponder a três anos, com a liberação compulsória do adolescente aos vinte e um anos de idade. O princípio da excepcionalidade consiste na aplicação da medida de internação aos casos de infração cometida com violência ou grave ameaça, a infrator de alta periculosidade e reincidente em atos infracionais desta mesma natureza e descumprimento de medidas anteriormente impostas; não pode, neste último caso, o prazo de internação ultrapassar a três anos. O princípio do respeito à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, como, aliás, consagrou o artigo 227, parágrafo 3º, inciso V, da Constituição Federal, consiste na obrigação do Estado em zelar pela integridade física e mental dos internos, coibindo abusos, vexames ou constrangimentos à pessoa do adolescente custodiado; cabe ao Estado, entretanto, adotas as medidas adequadas de contenção e segurança (artigo 125 do Estatuto da Criança e do Adolescente).

Tem-se, então, que toda e qualquer medida tomada pelo Poder Público em

relação à criança e ao adolescente, e aqui em especial ao adolescente em conflito

com a lei, objeto deste estudo, deve ser norteado pelos princípios e garantias

elencados, visando sua proteção integral e especial, em razão da sua peculiar

condição de desenvolvimento, e devendo sempre primar pelo melhor interesse

deste, a fim de garantir um adequado retorno à sociedade.

2.5 DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

Contrapondo-se ao modelo de situação irregular adotado pelo Código de

Menores de 1979, a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente foi

adotada pela Constituição da República de 1988, em seus arts. 227 e 228, e pela

Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Convenção das Nações Unidas

Sobre Direitos da Criança, em 1989 e, em seguida, foi reafirmada pelo art. 1º do

Estatuto da Criança e do Adolescente ao dispor “Esta Lei dispõe sobre a proteção

integral à criança e ao adolescente”.

33 MILANO FILHO, Nazir David; MILANO, Rodolfo Cesar. Estatuto da Criança e do Adolescente: comentado e interpretado de acordo com o novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2004, p. 143.

26

A criança e o adolescente deixam de ser somente objetos de uma situação de

irregularidade, passando a ser sujeitos de direito. De acordo com Digiácomo, essa

resposta à nova orientação constitucional deixa claro o objetivo fundamental de

proteção integral das crianças e adolescentes, sendo que, segundo o autor34:

[...] nenhuma disposição estatutária pode ser interpretada e muito menos aplicada em prejuízo de crianças e adolescentes, servindo sim para exigir da família, da sociedade e, acima de tudo, do Poder Público, o efetivo respeito a seus direitos relacionados neste e em outros Diplomas Legais, inclusive sob pena de responsabilidade (cf. arts. 5º, 208 e 216, do ECA).

Por proteção integral deve-se compreender, segundo Guilherme Freire de

Melo Barros35, um “conjunto amplo de mecanismos jurídicos voltados à tutela da

criança e do adolescente”. Tal noção, então, se destina à proteção, promoção e

defesa dos direitos da criança e do adolescente, conforme Mário Luiz Ramidoff36

aponta:

A doutrina da proteção integral, assim, como idéia central e paradigmática no novel do âmbito jurídico-legal destinado à proteção, promoção e defesa dos direitos afetos à infância e à juventude se constitui em realidade objetivada, isto é, na dimensão do mundo da vida vivida, impõe-se pela invocação de ser um conhecimento específico e humanitário para compreensão dos acontecimentos sociais em que se encontram envolvidos interesses, direitos e garantias individuais de cunho fundamental inerentes à condição humana peculiar de criança ou adolescente – art. 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O desafio desta mudança de paradigma foi, então, a conscientização acerca

desses novos valores humanos face a necessidade de proteção dos direitos da

criança e do adolescente, nesse sentido, Ramidoff37 ressalta:

A teoria jurídico-protetiva de viés inter e transdisciplinar, do direito da criança e do adolescente, precisamente, por cuidar de categorias e elementos fundamentais de um conhecimento novo, tem como o seu principal desafio justamente a construção, conscientização, mobilização, implementação e eficácia dos novos valores humanos que encerra em prol daquelas novas subjetividades: a criança e o adolescente.

34 DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2010, p. 11. 35 BARROS, 2010, p. 22. 36 RAMIDOFF, 2008a, p. 25. 37 RAMIDOFF, Mário Luiz. Direito da Criança e do Adolescente: Teoria jurídica da proteção integral. Curitiba: Vicentina, 2008b, p. xxxvii.

27

Ainda nesse sentido, o autor38 entende que esta teoria jurídico-protetiva deve

“provocar o estabelecimento de estratégias viáveis e de instrumentos políticos

capazes de proporcionar auxílio” não só às crianças e adolescentes, mas aos seus

núcleos familiares, para o seu pleno desenvolvimento.

O art. 227 da Constituição de 1988 dispõe que é dever não somente da

família, mas também da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao

adolescente com absoluta prioridade o direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à

liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Segundo Luciano Alves Rosato39, tal dispositivo representa o metaprincípio da

prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, tendo como

destinatário o conjunto formado pela família, sociedade e Estado:

Pretende, pois, que a família se responsabilize pela manutenção da integridade física e psíquica, a sociedade pela convivência coletiva harmônica, e o Estado pelo constante incentivo à criação de políticas públicas. Essa competência difusa, que responsabiliza uma diversidade de agentes pela promoção da política de atendimento à criança e ao adolescente, tem por objetivo ampliar o próprio alcance da proteção dos direitos infanto-juvenis.

Tem-se que a doutrina da proteção integral vai além da mera proteção a todo

custo, mas trata-se da adequação da postura adotada no que diz respeito ao

tratamento da criança e do adolescente, entendidos agora como sujeitos de direito

independente de sua condição de relativamente incapazes – noção trazida pelo

caráter biológico adotado na legislação brasileira. Nesse sentido, os autores40

destacam:

Não implica a proteção integral mera proteção a todo custo, mas sim na consideração de serem a criança e o adolescente sujeitos de direito, devendo as políticas públicas contemplar essa situação, proporcionando o reequilíbrio existente pela condição de serem pessoas em desenvolvimento, o que deverá ser levado em consideração na interpretação de Estatuto.

38 RAMIDOFF, 2008b, p. xxxvii. 39 ROSATO; LÉPORE; CUNHA, 2017, p. 62. 40 ROSATO; LÉPORE; CUNHA, 2017, p. 65.

28

Tal entendimento está intimamente ligada à noção trazida pelo princípio da

dignidade da pessoa humana e prioridade absoluta dos direitos da criança e do

adolescente, nesse sentido, Ramidoff41 aponta:

No ordenamento jurídico brasileiro foram reconhecidos direitos (proteção integral) e prerrogativas (absoluta prioridade) às crianças e aos adolescentes com o intuito precípuo de que fossem asseguradas as condições minimamente exigíveis de dignidade humana que permitissem ao conjunto da população infantil e juvenil o pleno desenvolvimento e exercício de suas cidadanias cuja garantia reside precisamente no atendimento dos seus direitos individuais fundamentais, como, por exemplo, vida, saúde liberdade, respeito, e, dos difusos e coletivos, como, por exemplo, culturais, econômicos, ambientais, sociais, através da articulação de – “responsabilidade por” – ações governamentais e não-governamentais que constituam e implementem políticas públicas de cunho social para atendimento e efetivação daqueles direitos.

A doutrina da proteção integral consiste basicamente, então, num “sistema

em que crianças e adolescentes figuram como titulares de interesses subordinados

frente à família, à sociedade e ao Estado”42. Essa imposição de obrigações aos

referidos entes garante a proteção da criança e do adolescente em face de sua

condição peculiar de desenvolvimento, mas não devendo em momento algum deixar

de tratar estes sujeitos como pessoas detentoras de direito, sendo que a distinção

entre seus direitos e dos adultos plenamente capazes é cabível somente na medida

em que os primeiros necessitam de proteção especial.

2.6 DIREITO PENAL JUVENIL

Contrapondo-se à Doutrina da Proteção Integral, cabe apontar a existência do

posicionamento que defende que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu o

chamado Direito Penal Juvenil, fundado num sistema sancionatório que se

assemelha e se baseia no Direito Penal comum, sendo nele adicionado um caráter

pedagógico de maior enfoque, mesmo não deixando de lado a face retributiva

intrínseca ao Direito Penal comum.

41 RAMIDOFF, 2008b, p. 459-460. 42 ISHIDA, 2015a, p. 7.

29

Nesse sentido, João Batista Costa Saraiva43 defende que não há qualquer

problemática na adoção do Direito Penal Juvenil, sendo justa e proporcional a

retribuição e estando entre os direitos fundamentais o direito à punição, existindo,

em certo aspecto, um quê de perfil prisional quando da privação de liberdade do

adolescente em conflito com a lei, assemelhando o internamento à pena de prisão

do sistema penal. Destaca-se do artigo opinativo do autor acerca do Direito Penal

Juvenil44:

Subtrair-se do adolescente a possibilidade de remir sua culpa, sob o argumento de que não teria responsabilidade penal juvenil, será a desconsideração completa de sua condição de sujeito de direito. A renovação do superado conceito de incapacidade. Ao menos desde o advento da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, cuja versão brasileira resultou no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), o chamado paradigma da incapacidade do menor foi rompido, reconhecendo-se na criança e no adolescente o status de sujeito de direitos, pessoa em peculiar condição de desenvolvimento, titular de certos direitos e correspondentes deveres.

Em outro artigo opinativo de Saraiva, intitulado “Não à redução da idade

penal”45, o autor reafirma seu posicionamento:

[...] o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu no país um Direito Penal Juvenil, estabelecendo um sistema de sancionamento, de caráter pedagógico na finalidade buscada, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo.

Ocorre que, mesmo que o art. 227 da Constituição da República tenha

assegurado a noção de sujeito de direito à criança e ao adolescente, o objetivo aqui

é os equipar ao adulto no que diz respeito aos direitos e garantias à ele reservadas,

fazendo-se imprescindível a ressalva da observância do melhor interesse e proteção

integral da criança e do adolescente, face a sua condição peculiar de

desenvolvimento. Equipará-lo em todos os âmbitos, como o faz o mencionado autor,

43 SARAIVA, João Batista Costa. Direito Penal Juvenil. Disponível em: <https://www.unijui.edu.br/arquivos/clinicapsicologia/informativos/falandonisso16/opiniao.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2018. 44 SARAIVA, João Batista Costa. Direito penal juvenil. Disponível em: <https://www.unijui.edu.br/arquivos/clinicapsicologia/informativos/falandonisso16/opiniao.pdf>. Acesso em: 31 out. 2018. 45 SARAIVA, João Batista Costa. Não à redução da idade penal. Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/idade_penal/idadepenalii.pdf>. Acesso em: 31 out. 2018.

30

seria o mesmo que torná-lo igual ao adulto sem qualquer ressalva, tornando

desnecessário o tratamento especial conquistado ao longo da história.

Não há, então, que se falar em uma equiparação desmedida que faça com

que o adolescente seja submetido à severidade da terminologia trazida pelo Direito

Penal, mesmo que na tentativa de versão amenizada, intitulada Direito Penal

Juvenil.

O Direito da Criança e do Adolescente trata-se de matéria autônoma, que se

aproveita sim de preceitos trazidos não unicamente pelo Direito Penal, mas também

pelo Constitucional, Civil e Processual Civil, sempre atendendo às peculiaridades e

necessidades diretas de seus sujeitos (criança e adolescente). Deixar de atentar à

especificidade trazida pela matéria acaba por comprometer a efetiva aplicação do

previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, interpretando o disposto na

referida legislação de maneira desmedida. Nesse sentido, Nucci46 faz uma crítica

àqueles que consideram este ramo como uma subespécie do Direito Penal:

[...] não se trata de submatéria de Direito Civil, muito menos de Direito Penal. Da mesma forma que hoje se reconhece a autonomia do Direito de Execução Penal, embora contenha princípios comuns ao Direito Penal e ao Processo Penal, deve-se acatar a distinção do Direito da Infância e Juventude como regente de seus próprios passos, embora se servindo, igualmente, de princípios de outras áreas. Suas normas ladeiam o Direito Civil, servem-se dos Processos Civil e Penal, sugam o Direito Penal, adentram o Direito Administrativo e, sobretudo, coroam o Direito Constitucional. Mas são normas da Infância e Juventude, cujas peculiaridades são definidas neste Estatuto e, mais importante, consagradas pela Constituição Federal. [...]Diante disso, não se trata de mera questão acadêmica, mas de ponto vibrante no cotidiano das Varas da Infância e Juventude e da política dos Direitos da criança e do adolescente. A bem da verdade, os juízes e promotores que subestimarem o Direito da Infância e Juventude, recusando-se a estudá-lo minuciosamente, convencidos de que, civilistas ou penalistas que são, estão aptos a operar com crianças e adolescentes, causam imensos danos concretos aos propósitos deste Estatuto. Somos avessos à ideia de um Direito Penal Juvenil ou Direito Penal do Adolescente. Como dissemos, jamais se poderá considerar este relevante ramo autônomo como subespécie do Direito Penal, seja para fins científicos, seja para finalidades práticas.

Há, sim, uma necessidade de transdisciplinariedade no que diz respeito ao

Direito da Criança e do Adolescente, mas, para tanto, não é necessário tomá-lo

como sinônimo do Direito Penal. Nesse sentido, observa-se o trecho abaixo,

46 NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 24-25.

31

extraído do artigo acerca da matéria de Ana Carla Coelho Bessa e Nestor Eduardo

Araruna Santiago47:

Morais da Rosa (2007) considera importante a reflexão acerca das garantias processuais do adolescente envolvido em atos infracionais, mas adverte que, para tornar garantista o Direito Infracional, não é necessário aproximá-lo do Direito Penal. O autor defende que o Direito Infracional não pode ser considerado um apêndice do Direito Penal, nem do Direito de Família, mas é necessário aplicar o ECA a partir da Constituição Federal e da normativa internacional que ganhou status constitucional no Brasil com a Emenda Constitucional n. 45, e que se mostra imprescindível “uma abordagem que dialogue com as diversas áreas do saber, no sentido de implementar uma transdisciplinariedade adequada à realidade brasileira e latino-americana”.

Como bem aponta Eduardo Cortez de Freitas Gouvêa48, o Direito da Infância

e da Juventude privilegia as condições psicossociais do adolescente quando do

cumprimento da medida socioeducativa determinada face à prática de um ato

infracional, já o Direito Penal tem seu foco sobre a conduta praticada e as

circunstâncias em que foi realizada:

[...] tal raciocínio, dentro da esfera da infância e da juventude, diverge muito da lógica que rege o Direito Penal. O moderno Direito Penal, ao deter-se sobre a prática do fato típico, antijurídico e culpável, enfatiza a conduta praticada e as circunstâncias na qual foi realizado. Apesar de assimilar alguns elementos ligados à personalidade do agente, mesmo no momento de determinar a pena ou a sua execução, tais elementos só fazem sentido para o Processo Penal enquanto estão articulados com a conduta criminosa. Já o Direito da Infância e da Juventude, ao regular a apuração do ato infracional, focaliza de uma forma privilegiada as condições psicossociais do adolescente. Dessa forma não existe o modelo para tal conduta, tal sansão como previsto da esfera da responsabilidade penal. A descrição de condutas serve, como podemos observar no art. 122 apenas para limitar a possibilidade de aplicação da privação de liberdade e não para determiná-la. Prova disso é a indicação das regras de Beijing para administração da Justiça da Infância e da Juventude quando dispõe sobre a pluralidade de medidas aplicáveis ao adolescente infrator observando assim uma flexibilidade a fim de reduzir a possibilidade de institucionalização.

47 BESSA, Ana Carla Coelho; SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna. Justiça restaurativa, ato infracional, processo penal e princípio da colaboração processual: convergências e divergências. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1f89885d556929e9>. Acesso em: 01 nov. 2018. 48 GOUVÊA, 2014 apud NUCCI, 2014, p. 498.

32

Retornando à concepção que defende a existência de um Direito Penal

Juvenil, João Batista Costa Saraiva aponta a afirmação feita por Emílio Garcia

Mendez49:

[...] impugnar a existência de um Direito Penal Juvenil é tão absurdo como impugnar a Lei da Gravidade. Se em uma definição realista o Direito Penal se caracteriza pela capacidade efetiva – legal e legítima – de produzir sofrimentos reais, sua impugnação ali onde a sanção de privação de liberdade existe e se aplica constitui uma manifestação intolerável de ingenuidade ou o regresso sem dissimulação ao festival de eufemismo que era o Direito de Menores.

No entanto, não é possível tomar como verdadeira a afirmação de que,

somente pelo fato de a medida socioeducativa restringir direitos, esta

automaticamente adquiriria um caráter penal por si só, numa tentativa de tomar a

parte pelo todo e facilitar a chegada ao ponto final da discussão, sendo que o próprio

Código Penal sequer responsabiliza penalmente o menor de 18 anos, em razão da

inimputabilidade trazida pelo seu art. 27, a qual será trabalhada a diante.

É completamente desnecessário arrastar a repressividade do Direito Penal

máximo ao Direito da Criança e do Adolescente, uma vez que este último visa a sua

proteção e integração em sociedade de maneira cuidadosa, buscando tratar de

todos os aspectos que envolvem a vida destes sujeitos de direito e atentar às

necessidades específicas destes. Sobre o assunto, Erica Babini Machado50 traz o

seguinte questionamento:

O equívoco epistemológico do Direito Penal Juvenil reside sobretudo nesta questão, pois como compatibilizar medidas socioeducativas, com objetivos sociais e educativos, com objetivos repressivos, punitivos e sancionatórios, do Direito Penal (isto para falar só das funções declaradas, pois as não declaradas, são o controle social para manutenção do status quo)?

Após a sua exposição, a autora, em seu artigo intitulado “Em resposta: para

que Direito Penal Juvenil?”51 chega a seguinte conclusão:

49 SARAIVA, João Batista Costa. Não à redução da idade penal. Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/idade_penal/idadepenalii.pdf>. Acesso em: 31 out. 2018. 50 MACHADO, Érica Babini. Em resposta: para que Direito Penal Juvenil?. Disponível em <http://www.justificando.com/2017/11/24/em-resposta-para-que-direito-penal-juvenil/>. Acesso em: 01 nov. 2018. 51 MACHADO, Érica Babini. Em resposta: para que Direito Penal Juvenil?. Disponível em <http://www.justificando.com/2017/11/24/em-resposta-para-que-direito-penal-juvenil/>. Acesso em: 01 nov. 2018.

33

Nesse sentido, se são os princípios e garantias penais e processuais que se requer, parta-se, portanto, do modelo de Estado Democrático de Direito, que, independentemente de qualquer ramo do Direito, irão atuar. Desse modo, não existe nenhuma necessidade do Direito Penal Juvenil, afinal, independentemente de o provimento final ser de uma medida socioeducativa, seja ela ou não de caráter sancionatório, as garantias processuais já estão consignadas, enquanto direito fundamental.

O caráter pedagógico da medida socioeducativa deve se sobressair à

necessidade desenfreada da sociedade por justiça, a qual entende que esta

supostamente se realizaria apenas a partir de uma estrutura semelhante à punição

penal, não importando que a sua aparência seja mais severa do que a necessária

para garantir o melhor interesse da criança e do adolescente. Estes são alvo de

proteção do ordenamento jurídico brasileiro, e não de retribuição, o que vai de

encontro com a punição desproporcional defendida em nome de uma necessidade

de calar a impressão superficial de impunidade trazida pela diferença de tratamento

entre os desiguais.

2.7 JUSTIÇA RESTAURATIVA

A Justiça Restaurativa surgiu como uma opção ao sistema penal comum e

existe uma vertente que defende a expansão da sua aplicação para outras áreas,

como, por exemplo, na socioeducação. Tal noção baseia-se na inversão do foco de

análise, diminuindo a atenção ao ato praticado pelo agente, para então analisar as

consequências e relações sociais afetadas pela conduta52.

Surge como um modo de resolução dos conflitos sociais principalmente nas

sociedades comunais e, apesar da difícil conceituação em função de sua

maleabilidade, pode-se entender, segundo Tony Marshall53, como a adoção de um

“processo onde todas as partes ligadas de uma forma a uma particular ofensa vêm

discutir e resolver coletivamente as consequências práticas da mesma e suas

52 GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Departamento de Atendimento Socioeducativo. Caderno de socioeducação: práticas restaurativas e a socioeducação. 2. ed. 2018. p. 13. 53 GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Departamento de Atendimento Socioeducativo. Caderno de socioeducação: práticas restaurativas e a socioeducação. 2. ed. 2018. p. 17.

34

implicações no futuro”. Como forma de complementação ao conceito, destaca-se o

que afirma João Batista Costa Saraiva54:

A Justiça Restaurativa é um novo modelo de Justiça voltado para as relações prejudiciais por atuação de violência. Valoriza a autonomia e o diálogo, criando oportunidades para que as pessoas envolvidas no conflito (autor e receptor do fato, familiares e comunidade) possam conversar e entender a causa real do conflito, a fim de restaurar a harmonia e o equilíbrio entre todos.

A justiça restaurativa pode se utilizar de diferentes métodos para atingir a

resolução de conflitos de forma colaborativa e pacificadora, tomando como exemplo

o apoio à vítima, mediação vítima ofensor, círculo restaurativo, entre outras, não

apresentando um formato rígido e sempre partindo de uma adesão voluntária dos

envolvidos, da participação ativa das partes e restauração de vínculos na medida do

possível55.

Ocorre que tal instituto é trazido a tona pelo Direito Penal comum, como

alternativa às concepções teóricas da pena56, o que não exatamente se encaixa na

ideia trazida pela Doutrina da Proteção Integral da criança e do adolescente e da

proteção do seu melhor interesse. Sendo este o centro da preocupação do Estado, a

incerteza de tamanha amplitude e flexibilidade de métodos adotados pela Justiça

Restaurativa aliada a ausência da figura de autoridade imposta pelo Judiciária, ou

mesmo do Sistema de Atendimento Socioeducativo traz grande preocupação.

Isso porque os métodos adotados pela Justiça Restaurativa podem não

alcançar, por si só, as demandas necessárias à integração em comunidade do

adolescente objeto deste estudo, ou mesmo não fazer suficientemente clara a noção

de que este adolescente deve sim arcar com as consequências do cometimento do

ato infracional, mesmo que não seja de maneira tão severa quanto na imposição de

uma pena, mas sim na medida de seu atendimento especial. Corre-se o risco de o

expor a determinadas situações que prejudiquem sua formação e desenvolvimento,

54 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente com conflito com a lei: da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 87. 55 GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Departamento de Atendimento Socioeducativo. Caderno de socioeducação: práticas restaurativas e a socioeducação. 2. ed. 2018. p. 17. 56 GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Departamento de Atendimento Socioeducativo. Caderno de socioeducação: práticas restaurativas e a socioeducação. 2. ed. 2018. p. 13.

35

o que é exatamente o que a Doutrina da Proteção Integral visa evitar. Nesse sentido,

Ramidoff57 ressalta:

Em face disso, não se afigura suficientemente plausível a resolução mediada por meios de autocomposição e/ou práticas restaurativas, muito menos que atendam as necessidades da vítima, pois, aqui, o que se protege com absoluta prioridade e o adolescente em conflito com a lei.

Ainda, o no art. 35, III da Lei n. 12.594/2012 prevê como princípio orientador

da execução de medidas socioeducativas a prioridade das práticas restaurativas

que, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas. Ocorre que, de

acordo com o entendimento do mencionado autor, é desnecessária a previsão legal

de intervenção de caráter restaurativo como princípio destinado ao

acompanhamento de medida socioeducativa imposta ao adolescente, como é

previsto no art. 35, II da Lei n. 12.594/2012, isso porque a preocupação prioritária

trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente diz respeito à proteção integral do

adolescente, e não da vítima58.

A inversão do foco que ocorre na Justiça Restaurativa, diminuindo a atenção

dada ao ato infracional, acaba por confrontar a Doutrina da Proteção Integral em

nome da aplicação de outras medidas alternativas de resolução de conflitos, que

muitas vezes acabam por ser menos severas, e por tirar a autoridade da punição

determinada em razão do cometimento do ato infracional.

Ao buscar manter longe qualquer modalidade de punição, as medidas

adotadas pela Justiça Restaurativa acabam deixando de lado o objetivo da medida

socioeducativa que, não sendo a retribuição da pena, é a ideia de reparar, de certa

maneira, o ato cometido, preparando o adolescente para retornar a sociedade de

modo que não torne a regressar no sistema novamente.

No que diz respeito ao objetivo da adoção da Justiça Restaurativa, é

importante dar atenção ao seguinte ponto trazido por Yasmim Chaves de Santana59:

Faz-se mister compreender que o trabalho da justiça restaurativa não é voltado para o delito, mas sim o conflito consequente deste. O modelo

57 RAMIDOFF, Mario Luiz. Sinase – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 104. 58 Ibid., p. 107. 59 SANTANA, Yasmim Chaves de. Justiça restaurativa: uma alternativa funcional ao ECA?. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/38557/justica-restaurativa-uma-alternativa-funcional-ao-eca>. Acesso em: 31 out. 2018.

36

restaurativo visa complementar o tratamento da retribuição dada ao ofensor pelo Estado, visto que esta não dirime o conflito, apenas pune o agente. Ao oportunizar que a vítima exponha seus sentimentos e percepção relativos ao dano sofrido, têm sido aspectos entendidos como relevantes para uma atitude reflexiva e reparadora do ofensor e para a restauração de quem sofreu o dano. Por outro lado, a possibilidade de conhecer o impacto de suas ações, bem como o reconhecimento do erro, podem igualmente atuar como diferencial para a instauração de uma etapa de melhor qualidade na história do ofensor, assim como contribuir para o processo restaurativo de ambos, ofensor e vítima.

Diante da subjetividade das medidas adotadas na Justiça Restaurativa, é

possível entender que possam ser trabalhadas em conjunto com a aplicação da

medida socioeducativa, atuando num aspecto muito mais subjetivo, no sentido de

reestabelecer a relação entre as partes e, até mesmo, entre o ofensor e a sociedade

(comunidade na qual está inserido), enquanto o caráter reparativo e pedagógico da

medida socioeducativa trata de cuidar das necessidades adstritas à peculiar

condição de desenvolvimento do adolescente em conflito com a lei.

Nesse sentido, em artigo acerca Justiça Restaurativa60, destaca-se o seguinte

apontamento feito por Solange Aparecida Tristão Pedra, o qual reafirma a

necessidade de aliar os institutos da Justiça Restaurativa à aplicação da medida

socioeducativa:

O Estado não está preparado para atender a demanda de oferecimento de condições para o cumprimento de medidas socioeducativas, por isto aplicam-se medidas que não se coadunam com os parâmetros exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e como não tem estrutura e meios adequados para o seu cumprimento, resulta a ineficácia das mesmas, tanto no atendimento quanto na recuperação.

Diante disso, tem-se que a Justiça Restaurativa pode ser adotada como forma

paralela e complementar de resolução dos conflitos originados pela prática de atos

infracionais por adolescente, mas não como alternativa à determinação de medida

socioeducativa, pois não se faz suficiente para atender a necessidade de respaldo

coercitivo, o qual somente o Estado é detentor, e que se materializa através do

correto cumprimento e acompanhamento da medida socioeducativa.

60 CANGUSSU, Fúvio Luca Balieiro et al. Justiça Restaurativa e adolescentes infratores. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/53421/justica-restaurativa-e-adolescentes-infratores>. Acesso em: 31 out. 2018.

37

3 MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

Este capítulo pretende esclarecer os principais pontos acerca do tratamento

legal dado ao adolescente em conflito com a lei, dos motivos de a ele ser atribuída

inimputabilidade penal, bem como de qual é o procedimento adotado face o

cometimento do ato infracional, versando sobre as medidas socioeducativas em

espécie, suas peculiaridades, determinação e cumprimento.

3.1 ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Esse tópico busca esmiuçar o tratamento dado pelo ordenamento jurídico

brasileiro ao adolescente em conflito com a lei e a construção teórica que dá

embasamento à diferenciação entre o ato infracional e o crime propriamente dito.

Neste ponto cabe ressaltar, como bem pontua Ramidoff61, a inadequação do

termo “menor infrator”, o qual remonta ao antigo Código de Menores, que

identificava o menor de 18 anos como objeto de tutela somente quando se

encontrava em “situação irregular”, sendo este termo extremamente estigmatizante e

ofensivo à dignidade da pessoa humana, tem-se que o presente estudo o usará

somente na medida necessária à delimitação dentro do contexto histórico.

3.1.1 Inimputabilidade Penal

O art. 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente, reafirmando o disposto

no art. 228 da Constituição da República, determina que são penalmente

inimputáveis os menores de 18 anos na data do fato, estando sujeitos às medidas

socioeducativas previstas no art. 112 do referido Estatuto.

Conforme relembram Bonfim e Capez62, a opinião majoritária explica

imputabilidade como “a capacidade de entender e querer o caráter ilícito de um fato

e de determinar-se de acordo com esse entendimento”, sendo a inimputabilidade a

ausência desse caráter.

61 RAMIDOFF, 2008a, p. 80. 62 BONFIM, Edilson Mougenot; CAPEZ, Fernando. Direito Penal - Parte Geral. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 541.

38

Guilherme de Souza Nucci63 ressalta que a imputabilidade é a capacidade de

ser culpável, enquanto a culpabilidade é o juízo de reprovação social que pode

recair sobre o imputável. Ainda, o autor menciona o conceito de imputabilidade

preceituado por Aníbal Bruno64: “imputabilidade é o conjunto de condições pessoais

que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um

fato punível. Constitui, como sabemos, um dos elementos da culpabilidade”.

Tem-se, então, que a imputabilidade é elemento constitutivo da culpabilidade,

que, por sua vez, é elemento fundamental à construção do conceito de crime

segunda a concepção analítica adotada pelo Direito Penal, a qual entende como

crime aquela conduta, típica, antijurídica e culpável.

O Código Penal traz, em seus arts. 26 e 27, duas possibilidades para que se

constitua a inimputabilidade, lê-se, ausência de imputabilidade: a ausência completa

de capacidade em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto

ou retardado e a presumida ausência de maturidade daqueles com idade inferior à

18 anos. Presente uma destas alternativas, estar-se-á diante de uma excludente de

culpabilidade. É o que explica Ramidoff65:

A culpabilidade, assim, enquanto elemento constitutivo do crime, também, possui elementos que a constituem, e, aqui, destacadamente, dentre eles, a imputabilidade. A imputabilidade penal é aferível através dos comandos legais previstos nos arts. 26 e 27, do Código Penal, sendo certo que a primeira hipótese legal vincula-se à eventual falta ou perturbação da capacidade psíquica, isto é, sério comprometimento psíquico decorrente de transtorno mental (doença ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado), enquanto a segunda importa na falta de maturidade (educação para o controle dos impulsos e dos instintos), então, presumível, até os 18 (dezoito) anos de idade, isto é, vincula-se à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Ainda, de acordo com o autor, a imputabilidade penal é a capacidade psíquica

de ser considerado culpado criminalmente, ou seja, sendo um dos elementos da

culpabilidade, representa a dimensão psíquica do sujeito que praticou uma conduta

relevante, típica, antijurídica e culpável.

Nota-se que a legislação brasileira adotou o critério biopsicológico para

averiguar a inimputabilidade, que, como esclarece Nucci66, leva-se em conta a

63 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 293. 64 BRUNO, 1978 apud NUCCI, 2013, p. 293. 65 RAMIDOFF, 2008a, p. 76-77. 66 NUCCI, op. cit., p. 293.

39

saúde mental do agente e se ele possui capacidade de entender a ilicitude do fato

ou determinar-se de acordo com esse entendimento.

Desse modo, a tarefa de análise psicológica ficou à cargo da saúde mental,

sendo que no que diz respeito à maioridade, adotou-se um critério puramente

biológico ao estabelecer uma presunção absoluta de que o menor de 18 anos possui

desenvolvimento mental incompleto, não sendo capaz de compreender o caráter

ilícito do ato67. De acordo com Ramidoff68:

[...] para a responsabilização penal da pessoa, tornou-se imperativo a presença da imputabilidade penal (etária) enquanto elemento constitutivo da culpabilidade penal, a qual, também, por si, estrutura o crime, consoante a perspectiva analítica operacional.

Em razão disso, é que se entende que não há que se falar em cometimento

de crime seja pela criança ou pelo adolescente em conflito com a lei, uma vez que,

mesmo que presente o cometimento conduta delitiva, não há que se falar em

responsabilização penal, uma vez que, aqui, a imputabilidade sequer constitui o fato

punível praticado, em razão da sua ausência, ficando o jovem adstrito à legislação

especial.

3.1.2 Ato Infracional

O artigo 103 da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, considera-se ato

infracional aquela conduta descrita como crime ou contravenção penal, sendo

penalmente inimputáveis os menores de 18 anos.

Tanto a criança quanto o adolescente podem praticar ações conflitantes com

a lei, ou os chamados atos infracionais. Ocorre que o tratamento legal será diverso,

seguindo o que prevê o art. 105 do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez

que os atos infracionais praticados por criança serão tratados especificamente por

meio da determinação das medidas de proteção previstas no art. 101 do mesmo

diploma legal. Nesse sentido, cumpre ater o foco as medidas aplicadas ao

adolescente pelos arts. 112 a 125 do Estatuto, as chamadas medidas

socioeducativas, que serão esmiuçadas mais adiante.

67 NUCCI, 2013, p. 299. 68 RAMIDOFF, 2008a, p. 78.

40

Nota-se a conveniente economia legislativa adotada pelo disposto no art. 103

do Estatuto, uma vez que, ao adotar a expressão “conduta descrita como crime ou

contravenção penal”, acaba por abranger toda e qualquer destas condutas previstas

no ordenamento brasileiro.

De acordo com o apontamento feito por José de Farias Tavares69, alguns

autores consideram as medidas socioeducativas verdadeiras penas, em razão da

previsão das medidas de semiliberdade e internação trazidas pelo art. 112 do

Estatuto, ou mesmo pela sua aparência de caráter sancionatório. Segundo o autor, a

teoria do direito Penal Juvenil defende que as medidas socioeducativas são

espécies do gênero pena trazido pelo Direito Penal comum, assunto este já tratado

anteriormente neste estudo.

No que diz respeito à comparação feita, cumpre ressaltar a diferença entre o

que se entende por prática de ato infracional e conduta delituosa. De acordo com

Ramidoff70:

A prática de ato infracional não se constitui numa conduta delituosa, precisamente por inexistir nas ações/omissões infracionais um dos elementos constitutivos e estruturantes do fato punível, isto é, a culpabilidade – a qual, por sua vez, não se encontra regularmente composta, precisamente por lhe faltar a imputabilidade, isto é, um elemento seu constitutivo e que representa a capacidade psíquica para regular a válida prática da conduta dita delituosa, enquanto decorrência mesmo da opção política do Constituinte de 1987/1988.

O autor afirma que não há que se equiparar a dimensão comportamental do

ato infracional com o crime, uma vez que a redação do art. 103 do Estatuto apenas

equiparou o substrato fático do tipo penal, ou seja, a conduta descrita legalmente,

não se fazendo imprescindível, como no caso do crime, a constatação objetiva e

subjetiva da chamada concepção analítica de crime – tipicidade, antijuridicidade e

culpabilidade71. Nesse sentido, destaca-se o ponto levantado por Ramidoff72:

O ato infracional, assim, é conduta apenas assemelhada com a descrita hipoteticamente nos tipos penais previstos no Código Penal e nas demais legislações especiais. Apenas para argumentar, observa-se que o tipo penal não pode por si só ser considerado crime, pois depende, para tanto, da análise e de atribuição dos juízos de valor negativos (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), segundo a teoria operacional analítica.

69 TAVARES, 2001, p. 177. 70 RAMIDOFF, 2008a, p. 75. 71 Ibid., p. 76. 72 Ibid., p. 79.

41

Tal diferença de tratamento garante inclusive a preservação da identidade do

adolescente – e até mesmo da criança –, visando garantir a efetividade dos direitos

fundamentais afetos a estes sujeitos, em razão da sua condição peculiar de

desenvolvimento em relação aos alcançados pelo Direito Penal comum.

3.2 ESPECIES DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

O cometimento de ato infracional pelo adolescente está sujeito à aplicação de

medida socioeducativa, de acordo com o art. 112 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, a qual está condicionada ao devido processo legal, contraditório e

ampla defesa, uma vez que ao adolescente são garantidos os mesmos direitos

fundamentais defesos aos adultos.

De acordo com Nucci73, a principal finalidade da medida socioeducativa é

educar (ou reeducar), mas não deixando de lado à proteção da formação e

intelectual do adolescente que se encontra em conflito com a lei.

Este capítulo, então, visa apresentar as modalidades de medidas

socioeducativas, bem como suas especificidades e funções de acordo com as

condutas realizadas pelo adolescente em conflito com a lei.

3.2.1 Não Restritivas de Liberdade

As medidas socioeducativas não restritivas de liberdade são maioria no rol

trazido pelo art. 112 do Estatuto, nos incisos I a IV, sendo que a sua imposição

pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e materialidade da infração,

conforme a redação do art. 114 do referido instituto.

A advertência é a mais branda das medidas, de acordo com Nucci74, envolve

a lesão a bens jurídicos de menor relevância, sendo destinada aos adolescentes de

“primeira vez”, com um caráter educativo e corretivo. Se resume na admoestação

verbal referida pelo art. 115 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, no

73 NUCCI, 2014, p. 497. 74 Ibid., p. 506.

42

aconselhamento ou até mesmo a repreensão, dada como modo de alerta ou aviso,

mas nunca de maneira intimidatória. O referido autor ainda aponta75:

É fundamental que o juiz designe uma audiência, após o trânsito em julgado da decisão, especialmente para advertir o adolescente, fazendo-o pessoal e diretamente. Não deve delegar essa relevante função a terceiros (funcionários da Vara, equipe técnica do Juizado, promotor etc). O menor precisa ouvir o aconselhamento do magistrado, ou seja, da autoridade que julgou o que ele fez.

Cabe atentar para a ressalva feita pelo parágrafo único do art. 114 do

Estatuto, o qual dispõe que, para a aplicação da advertência, basta prova da

materialidade e indícios suficientes da autoria.

Em seguida, o referido art. 112 traz a modalidade da obrigação de reparar o

dano, da qual versa o art. 116 do Estatuto, esta será aplicada em caso de ato

infracional que possua reflexos patrimoniais, sendo que a autoridade poderá

determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o

ressarcimento do dano ou, de outra maneira, compense o prejuízo da vítima. Sendo

que nada impede, caso haja impossibilidade de tal aplicação, que ocorra a

substituição por outra medida adequada.

Existe, nesta medida, a necessidade de que o adolescente repare o dano com

seus próprios meios e esforços, em respeito ao princípio da pessoalidade, o qual

prevê que a punição não pode passar do próprio punido, e até mesmo para manter o

caráter educativo inerente à medida socioeducativa. Aqui também não há empecilho

para a substituição por outra medida adequada, face a impossibilidade de aplicação.

A prestação de serviços à comunidade, prevista no art. 117 do Estatuto,

consiste na realização de tarefas de modo gratuito e de interesse geral junto a

entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres,

bem como em programas comunitários ou governamentais, não podendo exceder o

período de seis meses. Guilherme Nucci76 afirma que tal medida é “uma reparação

ético-social ao mal praticado em decorrência do crime ou do ato infracional” e aponta

para a natureza desta prestação de serviços:

[...] no campo penal, cuida-se da denominada pena restritiva de direitos, considerada alternativa ao regime carcerário, como medida de política criminal, evitando-se os males da segregação. No âmbito da infância e

75 NUCCI, 2014, p. 507. 76 Ibid., p. 510.

43

juventude não foge à regra, pois evita o prejuízo da internação, transmitindo ao adolescente a não ética do trabalho honesto, mormente prestado em benefício de quem necessita77.

Ressalta-se o adendo feito no parágrafo único do art. 117, em que aponta a

necessidade de atribuição das tarefas de acordo com as aptidões do adolescente,

devendo ser enquadradas numa jornada máxima de oito horas semanais, de modo

que não prejudique a frequência escolar ou jornada normal de trabalho.

Por fim, no que diz respeito às medidas socioeducativas não restritivas de

liberdade, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz a liberdade assistida,

regulada pelo seu art. 118. Esta será adotada sempre que se configurar como

medida mais adequada para acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente em

conflito com a lei, por meio de pessoa qualificada para tal, durante o prazo mínimo

de seis meses, sem prejuízo de prorrogação, revogação ou substituição por outra

medida. Ou seja, trata-se do cumprimento da medida em meio aberto, de maneira

assistida por orientador designado pelo Juízo, sem que haja restrição direta de

liberdade.

O orientador do adolescente em questão deverá, como preceitua o art. 119 do

Estatuto, promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes

orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de

auxílio e assistência social; supervisionar a frequência e aproveitamento escolar do

adolescente – promovendo até mesmo sua matrícula – e auxiliar na

profissionalização e inserção no mercado de trabalho, sempre mediante

apresentação de relatório dos casos e com apoio e supervisão de autoridade

competente.

3.2.2 Restritivas de Liberdade

As medidas socioeducativas aqui tratadas também estão relacionadas no art.

112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no entanto, se diferenciam das

demais em razão do caráter restritivo de liberdade, se consubstanciando nas formas

mais severas de punição. Nesse sentido, Nucci78 afirma que o caráter punitivo da

77 NUCCI, 2014, p. 510. 78 Ibid., p. 497.

44

medida socioeducativa se demonstra diante da possibilidade de restringir até mesmo

a liberdade.

Como primeira das medidas privativas de liberdade, tem-se o regime de

semiliberdade, regulado pelo art. 120 do Estatuto. Nesta modalidade o adolescente

é submetido às regras de uma casa de permanência, tendo resguardada a

possibilidade de realização de atividades externas independentemente de

autorização judicial.

No regime é obrigatório que o adolescente em conflito com a lei seja

submetido à escolarização e profissionalização, devendo, sempre que possível, ser

utilizados os recursos da comunidade em que está inserido. Nazir David Milano Filho

e Rodolfo Cezar Milano79 explicam que as atividades externas deverão ser exercidas

“no período diurno, com o obrigatório retorno ao estabelecimento,

independentemente de autorização judicial, caso não seja possível ou viável, o

retorno ao convívio familiar no período noturno”.

Ainda, os autores80 ressaltam que a semiliberdade é menos rigorosa que a

internação, segunda das modalidades privativas de liberdade, nesse sentido:

A medida sócio-educativa, assim, tem o grande mérito de, se aplicada como medida ordinária, evitar de pronto a internação, possibilita ao adolescente reiniciar um convívio social, trabalho, escolarização e práticas de lazer (art. 120, §1º), com orientação direta e constante, inclusive com a supervisão dentro do convívio familiar pela equipe multidisciplinar; bem como propiciar-lhe acomodação, sob vigilância, a titulo de reeducação; atinge o disposto aqueles infratores desligados dos vínculos de família, e aplicada como fase de transição, possibilitará a readaptação gradativa à comunidade, desde que auferido seu potencial no regime de internação, evitando-se transtornos psicológicos ao adolescente, o que deverá ser apontado em relatórios semestrais circunstanciados e propositivos, elaborados pela mesma equipe multidisciplinar.

Tais disposições são trazidas pelos arts. 1º e 2º da Resolução nº 47, de 6 de

dezembro de 1996, do Conanda81, a qual estabelece que as medidas em meio

aberto devem ser priorizadas, com vistas à quebra do que a própria resolução

chamou de “cultura da internação”:

Art. 1º O regime de semiliberdade, como medida sócio-educativa autônoma (art. 120 caput, início), deve ser executado de forma a ocupar o adolescente

79 MILANO FILHO; MILANO, 2004. p. 141. 80 Ibid., p. 141-142. 81 CONANDA. Resolução n. 47, de 6 de dezembro de 1996. Disponível em: <https://www.angra.rj. gov.br/downloads/SAS/sinase/resolucao_conanda_n47_1996.pdf>. Acesso em: 09 out. 2018.

45

em atividades educativas, de profissionalização e de lazer, durante o período diurno, sob rigoroso acompanhamento e controle de equipe multidisciplinar especializada, e encaminhado ao convívio familiar no período noturno, sempre que possível. Art. 2º A convivência familiar e comunitário do adolescente sob o regime de semiliberdade deverá ser, igualmente, supervisionada pela mesma equipe multidisciplinar. Parágrafo único. A equipe multidisciplinar especializada incumbida do atendimento ao adolescente, na execução da medida de que trata este artigo, deverá encaminhar, semestralmente, relatório circunstanciado e propositivo ao Juiz da infância e da Juventude competente.

Ressalta-se que a medida em questão não comporta prazo determinado,

devendo ser aplicado, no que couber, as disposições relativas à internação, cabendo

atenção ao disposto no art. 121, §2º e 3º do Estatuto, o qual dispõe que a

manutenção deve ser reavaliada no máximo a cada seis meses mediante decisão

fundamentada, não excedendo o período máximo de três anos de internação. Ainda,

o art. 124 do referido Estatuto elenca os direitos garantidos ao adolescente enquanto

da internação, os quais devem ser observados também no regime de semiliberdade.

A semiliberdade pode ser determinada desde o início da imposição de medida

socioeducativa ou como forma de transição para o meio aberto, ou seja, não há

qualquer obrigatoriedade o adolescente que está internado passe primeiro pela

semiliberdade antes de ganhar o meio aberto, como bem apontam Murillo José

Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo82. Além disso, de acordo com o Supremo

Tribunal de Justiça83, deve-se levar em conta a capacidade do adolescente para

cumprir tal medida, não havendo requisitos taxativos, mas sendo necessário levar

em conta a gravidade do crime e circunstâncias pessoais do adolescente.

Quanto às hipóteses de aplicação, tendo em vista se dá de forma análoga às

disposições relativas à internação, os referidos autores84 apontam que é “lógico

também concluir que as hipóteses que autorizam a aplicação da medida de

semiliberdade, são as mesmas previstas para a medida de internação (art. 122, do

ECA)”.

Em paralelo ao regime de semiliberdade, tem-se a internação, regulada pelos

arts. 121 a 125 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal modalidade se

82 DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2010, p. 165. 83 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma. Habeas Corpus nº 438.152. Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Ministro Nefi Cordeiro, 2018. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/ pesquisa/?src=1.1.3&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=201800415866>. 84 DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, op cit., p. 165.

46

constitui como a mais severa das medidas socioeducativas, correlata ao instituto da

prisão no Direito Penal, no entanto, aqui há a possibilidade de realização de

atividades externas submetida a critério da equipe técnica, salvo expressa

determinação judicial contrária. Esta característica se difere do regime de

semiliberdade, uma vez que neste não há sequer necessidade de autorização

judicial para a realização das atividades externas.

Da mesma maneira que na semiliberdade, a internação não comporta prazo

determinado, de modo que sua manutenção deverá ser reavaliada mediante decisão

fundamentada a cada, no máximo, seis meses, não podendo exceder o prazo de 3

anos de internação. No caso da internação, após o referido prazo, o adolescente

deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida,

sendo a liberação compulsória aos 21 anos de idade, conforme a redação do §5º do

art. 121 do Estatuto. Nesse sentido, Milano85 aponta:

Ao adolescente submetido à medida sócio-educativa correspondente à internação, não se deve ser estipulado prazo certo para cumprimento da referida medida; caberá à autoridade judiciária ditar o prazo máximo disciplinado (art. 121, §3º e art. 122, §1º), sendo vedada assim a fixação na sentença de prazo para cumprimento da medida (RT696/443).

Segundo o art. 123 do Estatuto, a internação deverá ser cumprida em

entidade específica para adolescentes, devendo esta obedecer os critérios de

separação por idade, compleição física e gravidade da infração. Segundo Milano86, a

medida mais rígida acaba por permitir o controle e aplicação dos recursos técnicos

mais diretamente.

Além disso, as condições mínimas para a determinação da medida de

internação requerem atenção, sendo tratadas exaustivamente pelo art. 12287 do

Estatuto, ao dispor que a medida de internação só poderá ser aplicada quando:

tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

por reiteração no cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento

85 MILANO FILHO; MILANO, 2004. p. 144. 86 MILANO FILHO; MILANO, loc. cit. 87 Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. § 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal. § 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.

47

reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta (neste último caso o prazo

de internação não poderá ser superior a 3 meses, devendo ser decretada

judicialmente após o devido processo legal).

Ressalta-se que a disposição não é obrigatoriamente imposta, mas sim tida

como condição mínima para a aplicação da medida de internação, uma vez que

deve ser dada preferência à determinação de medidas cumpridas em regime aberto,

restando a aplicação do regime fechado somente em casos onde não exista outra

medida mais adequada, como ultima ratio, em respeito ao princípio da

excepcionalidade e à peculiar condição de pessoa em desenvolvimento do

adolescente.

Cabe ressaltar que o período máximo de internação trazido pelo §1º do art.

122 abrange, segundo Digiácomo88, os atos infracionais anteriores à sentença e

início do cumprimento da medida, uma vez que não há previsão legal caso haja

necessidade de ocorrer o somatório das medidas socioeducativas.

Desse modo, tem-se que, apesar de suas semelhanças, as medidas

socioeducativas de semiliberdade e a internação se diferem em sua função e

cabimento. A semiliberdade é utilizada como meio de redução do direito de

liberdade, podendo ser um passo de transição ao meio aberto, enquanto a

internação se dá como medida mais extrema em que o caso concreto atende o

disposto no referido art. 122 do Estatuto, restringindo o direito de liberdade do

adolescente em função da necessidade de maior atenção e proximidade de

atendimento, dada a gravidade do ato infracional cometido.

88 DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2010. p. 169.

48

4 DETERMINAÇÃO E CUMPRIMENTO DA INTERNAÇÃO

Restringindo o objeto de estudo, este capítulo tem o objetivo de esmiuçar o

momento em que é judicialmente determinado o cumprimento da medida

socioeducativa de internação, bem como apresentar quais são suas modalidades e

hipóteses de cabimento, com o objetivo de verificar que a sua aplicação tem atingido

a eficácia necessária e tido atenção aos objetivos visados quando da sua

determinação, bem como qual é o reflexo desta na vida do adolescente.

4.1 JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

Cabe neste momento ressaltar alguns aspectos introdutórios acerca do

procedimento socioeducativo, iniciando-se pelo processamento e julgamento desta

demanda.

O art. 145 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que os estados

e Distrito Federal poderão criar varas especializadas e exclusivas da infância e da

juventude. A autoridade que cuidará da matéria é o Juiz da Infância e da Juventude,

ou juiz que exercer tal função, sendo todo e qualquer procedimento determinado

pelo Estatuto deverá tramitar sob prioridade absoluta, assim como na execução de

atos e diligencias judiciais, de acordo com o art. 152 do ECA.

Cabe aqui ressaltar que a nomenclatura Justiça da Infância e Juventude será

neste estudo utilizada somente com o fim de ser fiel ao disposto no Capítulo II do

Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso porque, após o advento da Lei n.

12.852/2013, que instituiu o Estatuto da Juventude, entende-se como jovem aquele

com idade entre 15 e 29 anos, sendo que ocorre, então, certa concorrência acerca

da regulamentação dos direitos e deveres daquele adolescente com idade

compreendida entre 15 e 18 anos incompletos. Acerca de tal concorrência, Mário

Luiz Ramidoff89 esclarece:

No entanto, a própria Lei n. 12.852/2013 ressalva expressamente a excepcionalidade de sua aplicação para os adolescentes que se encontrem com idade entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos incompletos (§ 2º do art. 1º), quando não conflitar com as normas de proteção integral do adolescente então estabelecidas na Lei n. 8.069/90 (RAMIDOFF: 2014, p. 23).

89 RAMIDOFF, 2017. p. 101.

49

Tem-se, então, que a nomenclatura mais adequada, neste momento seria

Justiça da Infância e da Adolescência, visto que o atendimento socioeduciativo

versado pela legislação se dá somente durante o período da adolescência, podendo,

ao máximo, se estender aos 21 anos de idade, nas formas previstas em lei, e que o

tratamento destes deverá se sujeitar ao disposto nas Leis de Regência –

Constituição da República de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei n.

12.594/2012, e somente excepcionalmente será aplicada a Lei n. 12.852/2013.

Nos casos de cometimento de ato infracional, a competência para

conhecimento de representações promovidas pelo Ministério Público ou mesmo a

homologação de arquivamento e remissão será determinada, de acordo com o lugar

da ação ou omissão, observadas as regras de conexão, continência e prevenção. Já

no que diz respeito à execução das medidas, esta poderá ser delegada à autoridade

competente da residência dos pais ou responsável, ou do local onde sediar-se a

entidade que abrigar o adolescente, de acordo com os §§1º e 2º do art. 148 do

Estatuto.

No que concerne à fixação da competência, Luciano Alves Rosato, Paulo

Eduardo Lepore e Rogério Sanches Cunha90 afirmam que será exclusiva da Vara da

Infância e da Juventude se dentro do disposto no caput e respectivos incisos do art.

148 do Estatuto. Ainda, no que diz respeito à sistematização da Justiça da Infância e

da Juventude, o autor faz o seguinte apontamento:

A tutela dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes pressupõe a existência de um sistema próprio, que legitima determinados órgãos à sua defesa, bem como confere competência a um órgão especializado do Poder Judiciário. Todos esses atores devem atuar em conjunto. Nesse sentido, o ordenamento jurídico pressupõe a existência do Sistema de Justiça da Infância e da Juventude, composto não só pela Vara da Infância e da Juventude, mas também pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública, além de outros órgãos que forem responsáveis pelo acesso à justiça. Assim, o Sistema de Justiça não é formado unicamente pela Vara da Infância e da Juventude, muito embora a especialização desse órgão jurisdicional seja fundamental para a tutela dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

90 ROSATO; LÉPORE; CUNHA, 2017. p. 440.

50

No que diz respeito ao trâmite do procedimento socioeducativo, existem três

fases: policial, atuação do Ministério Público e judicial, cabendo o destaque feito

abaixo acerca de alguns apontamentos relevantes.

A fase policial é trazida pelos arts. 172 a 178 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, aqui cabem as hipóteses de apreensão em flagrante (em que será

encaminhado à autoridade policial competente), devendo ser lavrado auto de

apreensão ou boletim de ocorrência circunstanciado, dependendo, respectivamente,

se o ato envolve violência ou grave ameaça ou não.

O adolescente será liberado (mediante termo de compromisso e

responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público)

quando do comparecimento dos pais ou responsável, exceto quando, pela gravidade

do ato e repercussão social deva o adolescente permanecer sob internação para

garantir sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública, de acordo com a

redação do art. 174. Acerca do tema, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel

aponta91:

A impossibilidade de liberação será consequência da aferição relativa à natureza do ato infracional e da sua repercussão social, observando-se que, diferentemente do que dispõe o art. 173, o ECA não condicionou, no art. 174, a caracterização da gravidade da conduta do adolescente ao fato de que esta tenha sido cometida mediante violência ou grave ameaça à pessoa, o que leva à conclusão de que é preciso colher no âmbito criminal elementos para a definição daquilo que o legislador pretendeu considerar como de natureza grave, para os efeitos do mencionado art. 174 do ECA.

Em razão da ausência de clareza da gravidade da conduta, a autora destaca

a lição de Jurandir Norberto Marçura92:

Considerando que o legislador valeu-se dos conceitos de crime e contravenção penal para definir o ato infracional (art. 103), devemos buscar na lei penal o balizamento necessário para a conceituação de ato infracional grave. Nela, os crimes considerados graves são apenados com reclusão; os crimes leves e as contravenções penais, com detenção, prisão simples e/ou multa. Por conseguinte, entende-se por grave o ato infracional a que a lei penal comina pena de reclusão.

Caso não ocorra a liberação do adolescente ou a autoridade policial verificar

indícios da participação do adolescente em prática de ato infracional, este será

91 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1100. 92 MARÇURA, 2005 apud MACIEL, 2016. p. 1100.

51

encaminhado ao Ministério Público, o qual procederá sua oitiva e, em sendo

possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas, como determina o art.

179 do Estatuto.

Na fase de atuação do Ministério Público disposta no art. 180 a 183 do

Estatuto, o representante do referido órgão poderá adotar qualquer das providências

elencadas no art. 180 do ECA, quais sejam: promover o arquivamento dos autos,

conceder a remissão ou representar à autoridade judiciária para aplicação da

medida socioeducativa.

Como parênteses, cumpre explicar que a remissão seria a “abstenção da

iniciativa processual”, de acordo com José Farias Tavares93. Tal instituto tem

fundamento no art. 126 da Lei n. 8.069/90, o qual dispõe: “Antes de iniciado o

procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério

Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo,

atendendo às circunstancias e consequências do fato, ao contexto social, bem como

a personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato

infracional”.

Ou seja, o instituto concede ao representante do Ministério Público

prerrogativa que permite a celeridade do trâmite, seja antes da instauração do

processo ou quando este já está em curso, fazendo com que o processo seja extinto

ou suspenso – tal medida pode ser revista judicialmente a qualquer momento ou

fase processual, com fundamento do art. 128 do Estatuto.

Parte da doutrina questiona a aplicabilidade desse instituto antes da

instauração de processo judicial, por não ser o representante do Ministério Público

investido de poder jurisdicional, observa-se o posicionamento de José de Farias

Tavares94:

A primeira e instituída no caput, uma prerrogativa da Promotoria da Infância e da Adolescência que lhe permite abster-se da provocação do Juízo se entender benéfico poupar-se o adolescente de uma medida judicial. Antes de formalizar o petitório da representação o Ministério Público pode recusar-se a faze-lo, se motivos tiver para a fundamentada abstenção, dentro dos princípios unidade, indivisibilidade e independência funcional (CF, art. 127, § 1o). O Estatuto denomina a isso, impropriamente, de remissão, ademais, concedida por quem não e investido de poder jurisdicional.

93 TAVARES, José Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense 2012, p. 118. 94 Ibid., p. 117.

52

O verbo conceder ai empregado e incabível no texto e no contexto. Exprime, na terminologia jurídica, o poder decisório, que e competência privativa do Juiz. Sobre a palavra remissão: “Do latim remissio, de remittere (perdoar, renunciar, desistir, absolver) entende-se propriamente a ação e o efeito de remitir. Exprime, pois, o sentido de perdão, renúncia, desistência ou absolvição. Juridicamente ex- prime sempre renúncia voluntária ou liberacao graciosa a respeito de uma dívida, de um direito. E por ela também se extingue a obrigação ou o direito.

Ainda, a doutrina é dividida quanto ao fato de o representante do Ministério

Público poder aplicar medida socioeducativa, enquanto o mencionado autor é

enfático ao entender pela não possibilidade, pois tal aplicação seria uma atribuição

jurisdicional privativa do Juiz competente95, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade

Maciel96 ressalta a redação do art. 127 do Estatuto, que determina que a remissão

pode eventualmente incluir a aplicação das medidas previstas em lei, exceto a

colocação em regime de semi-liberdade e internação, também aponta para a

redação da Súmula 108 do Superior Tribunal de Justiça: “A aplicação de medidas

socioeducativas ao adolescente pela prática de ato infracional, é de competência

exclusiva do Juiz”, entretanto, em razão da ausência de vinculação, ainda existem

julgados em ambos os sentidos.

De qualquer maneira, ressalta-se que art. 181, §1º da Lei n. 8.069/90 dispõe

que a remissão deverá ser homologada pela autoridade judiciária e, então, esta

determinará o cumprimento da medida conforme o caso.

Caso ocorra o oferecimento de representação pelo Ministério Público, esta

independerá da manifestação do ofendido para o seu prosseguimento, vez que a

ação socioeducativa é de natureza pública incondicionada97 e, também, de prova

pré-constituída de autoria e materialidade, a qual será produzida no curso do

processo judicial. Além disso, não se faz necessária a indicação na petição inicial de

qual medida se pretende aplicar, por não estar elencada nos requisitos trazidos pelo

art. 182, §2º do ECA98, podendo ser mais adequadamente verificada no curso do

processo judicial.

95 TAVARES, 2012, p. 118. 96 MACIEL, 2016, p. 1108. 97 Ibid., p. 1111. 98 Art. 182. Se, por qualquer razão, o representante do Ministério Público não promover o arquivamento ou conceder a remissão, oferecerá representação à autoridade judiciária, propondo a instauração de procedimento para aplicação da medida sócio-educativa que se afigurar a mais adequada. § 1º A representação será oferecida por petição, que conterá o breve resumo dos fatos e a classificação do ato infracional e, quando necessário, o rol de testemunhas, podendo ser deduzida oralmente, em sessão diária instalada pela autoridade judiciária.

53

Acerca da propositura de ação socioeducativa, Kátia Regina Ferreira Lobo

Andrade Maciel99 destaca:

[...] na sistemática processual do Estatuto, de um juízo de valor acerca da necessidade de propositura da ação socioeducativa, a qual só deve ser instaurada depois de ultrapassada a fase de sopeso entre as possibilidades de arquivamento e remissão (art. 182, caput, do ECA). Em outras palavras, na seara criminal, quando se tratar de ação de iniciativa pública incondicionada, tem o promotor de justiça a obrigatoriedade de propô-la, no interesse direto da sociedade. Já na esfera infracional – em virtude da especificidade da natureza das medidas socioeducativas e da particular condição dos adolescentes, seus destinatários, como pessoas em desenvolvimento – foi conferida ao membro do Ministério Público a faculdade de avaliar, paralelamente ao interesse social na repreensão da conduta ilícita, qual o caminho que melhor assegurará a efetiva ressocialização do autor do ato.

Encaminhada a representação ao Juízo competente, se iniciará a fase

judicial, seja para homologar a remissão ou o arquivamento – caso inexista

fundamento para a propositura ação, seja por fato inexistente ou ausência de provas

–, seja para verificar a possiblidade de aplicação de medida socioeducativa. Tal fase

será esmiuçada adiante, em tópico próprio para maior esclarecimento acerca do

tema.

4.2 DETERMINAÇÃO JUDICIAL DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA

Após a realização de uma das medidas determinadas pelo art. 180 do

Estatuto da Criança e do Adolescente pelo Ministério Público, se inicia a fase de

atuação judicial, seja ela provocada pela apresentação de representação ou

submissão ato de arquivamento ou remissão à homologação da autoridade

judiciária. No que diz respeito à homologação, veja-se o apontamento de Kátia

Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel100:

Nos casos de remissão e arquivamento, cabe ao juiz da infância e juventude apreciar a possibilidade de homologação e, em não concordando com o pleito ministerial, encaminhará os autos ao Procurador-Geral de Justiça, na forma do art. 181 e seus parágrafos.

§ 2º A representação independe de prova pré-constituída da autoria e materialidade. 99 MACIEL, 2016, p. 1111. 100 MACIEL, op. cit., p. 1114.

54

Considerando que o presente estudo tem como objetivo as medidas

socioeducativas efetivamente determinadas, cumpre manter o enfoque no caso em

que é efetivamente oferecida a representação. Aqui a autoridade judiciária deverá

designar audiência de apresentação do adolescente e decidir desde logo se é o

caso de decretar ou manter a medida de internação, sendo este última hipótese a

chamada internação provisória, que será tratada com maior atenção no tópico

seguinte.

Cabe ressaltar que, estando o adolescente internado provisoriamente, deverá

a autoridade judiciária observar o prazo máximo e improrrogável para a conclusão

do procedimento socioeducativo de 45 (quarenta e cinco) dias, previsto no art. 183

do Estatuto.

O procedimento segue os princípios do processo civil, primando pela ampla

defesa e contraditório o adolescente deverá ser assistido tão logo na audiência de

apresentação por advogado constituído ou Defensor Público, na ausência daquele,

“independentemente da gravidade do ato infracional, em que pese a nebulosidade

da redação do art. 186, §2º, do ECA”, como bem destaca Kátia Regina Ferreira Lobo

Andrade Maciel101. Caso haja necessidade de designação de audiência em

continuação – na qual sequer é necessária a presença do adolescente, contanto que

não esteja ausente o advogado ou defensor, estes terão o prazo de 3 dias contados

da audiência de apresentação para oferecer defesa prévia e rol de testemunhas:

Se tiver que designar defensor, o Juiz determinara a tomada do compromisso deste. O prazo para a defesa prévia sera, no caso de advogado constituído, contado a partir da audiência (caput). No caso de gravidade que implique medida restritiva de liberdade, o Juiz suspendera a audiência, designando dia, hora e lugar de audiência em continuação, e nomeara um defensor para o adolescente. O tríduo (§ 3o) para a defesa prévia, então, fluirá da data do termo de compromisso que deve prestar o nomeado, encerrando-se antes do dia da ja designada audiência em continuação102.

O juiz poderá, ainda, aplicar o instituto da remissão de ofício se assim

entender adequado, desde que dada a oportunidade do Ministério Público, de

acordo com o art. 186, §1º do ECA e não se trate a medida das modalidades de

semi-liberdade e internação, em respeito ao preceituado no art. 127 do referido

diploma legal.

101 MACIEL, 2016, p. 1116. 102 TAVARES, 2012, p. 160.

55

Não sendo concedida a remissão no curso do processo, este prosseguirá com

vistas à produção de provas para verificar a autoria e materialidade do crime.

Ressalta-se que não pode o magistrado deixar de observar a produção probatória

frente a ocorrência de confissão feita pelo adolescente, como já determinou o

Superior Tribunal de Justiça na Súmula n. 342: “No procedimento para aplicação de

medida socioeducativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão

do adolescente”.

Se efetivamente comprovada a autoria e materialidade do ato infracional, seja

julgada procedente a representação, aplicando a medida socioeducativa que se

moldar mais adequada, desde que de maneira fundamentada, como bem aponta

Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel103. Ainda, a autora ressalta que a

determinação de cumprimento de medida socioeducativa face ao cometimento de

ato infracional “não conta como antecedente, caso venha a ser processado por outro

fato, após ter atingido a maioridade penal”.

A medida de internação propriamente dita somente poderá ser aplicada nos

casos elencados no art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo eles:

quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a

pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; por

descumprimento reiterado e injustificado da medida anteriormente imposta, podendo

ser a medida decretada, como visto, nas modalidades provisória, por tempo

determinado ou indeterminado, dependendo do caso concreto.

Após a determinação do cumprimento da medida de internação por meio de

sentença fundamentada, ocorrerá a expedição de guia de execução de medida

socioeducativa, sendo que a fase da execução (acompanhamento do cumprimento

da medida socioeducativa judicialmente imposta) será tratada no Capítulo seguinte.

Antes, cumpre esclarecer quais são as espécies de internação que poderão ser

determinadas.

4.3 ESPÉCIES DE INTERNAÇÃO

A medida socioeducativa de internação é a mais severa das medidas

adotadas diante do cometimento de ato infracional por adolescente, se traduzindo na

103 MACIEL, 2016, p. 1120.

56

restrição da liberdade física deste. Esta se subdivide em três hipóteses, sendo elas:

internação provisória, internação com prazo determinado e internação com prazo

indeterminado.

A medida de internação será aplicada somente em caráter excepcional, em

respeito ao disposto no art. 122, §2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que

se consubstancia no chamado princípio da excepcionalidade, acerca deste,

Guilherme Freire de Melo Barros104 dispõe:

Denota que a medida de internação deve ser aplicada com extrema cautela, em situações peculiares especificamente previstas em lei. Há regra expressa no Estatuto que consagra esse princípio. Trata-se do parágrafo único do art. 122, segundo o qual a medida de internação somente é aplicada quando outra não se mostrar adequada. Vale dizer, se o caso concreto demonstra que o adolescente pode ressocializar-se plenamente em meio aberto, através, por exemplo, da liberdade assistida ou da semi-liberdade, então afasta-se a aplicação da medida extrema de internação – ainda que se esteja diante de uma situação que autorizaria, em tese, essa medida (art. 122, incisos I, II e III).

Dito isso, inicie-se o estudo pela modalidade da internação provisória, tratada

nos arts. 108, 123, 174, 183 e 184. Esta ocorrerá durante o processo de

conhecimento, ou seja, antes da prolação de sentença, podendo ser determinada à

requerimento do Ministério Público ou de ofício, tendo como gatilho decisão

devidamente fundamentada e baseada em indícios suficientes de autoria e

materialidade, demonstrando a necessidade imperiosa da medida, conforme

destacado pelo art. 108 do Estatuto, quando se demonstrar necessária para garantir

ao adolescente segurança pessoal ou manutenção da ordem pública.

No que diz respeito à hipótese de decretação de internação provisória para

segurança pessoal, cabe a seguinte ponderação, que destaca o fato de a medida

mais restringir o direito do que efetivamente protege-lo:

No que se refere à situação de risco, pondera, novamente, João Batista Saraiva, ser ilegal a manutenção da internação com suposta finalidade de proteger o adolescente. Com efeito, a internação teria a finalidade de tutelar interesse da sociedade, funcionando como mecanismo cautelar e de defesa social. Se o adolescente necessita de proteção, então, o correto é acionar a rede protetiva105.

104 BARROS, 2010, p. 177-178. 105 SARAIVA, 2006 apud ROSATO; LÉPORE; CUNHA. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.096/90 – comentado artigo por artigo. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 358.

57

Observa-se que o adolescente faz jus ao atendimento pedagógico inclusive

quando da internação provisória, que deverá ser prestado pela unidade de

atendimento durante o período, conforme disposto no parágrafo único do art. 123 do

ECA.

A internação provisória se dará pelo prazo de 45 dias, que se justifica por ser

este o período máximo e improrrogável para a conclusão do procedimento de

apuração de ato infracional atribuído a adolescente, caso esgotado o prazo, o juiz

deverá determinar a sua liberação, mas sendo oferecida a representação pelo

Ministério Público dentro do prazo estipulado, será designada audiência para decidir

desde logo se haverá decretação ou manutenção da internação.

A modalidade da internação com prazo determinado, também chamada de

internação-sanção ou regressão, é limitada ao período de três meses pelo art. 122,

§1º do Estatuto e tem sua hipótese de cabimento descrita no inciso llI do caput do

referido dispositivo, motivada pelo descumprimento reiterado e injustificável de

medida anteriormente imposta.

Cabe destacar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça trazido pela

Súmula n. 265: “É necessária a oitiva do menor infrator antes de decretar-se a

regressão da medida socioeducativa”, ou seja, para que seja efetivamente

caracterizada a ausência de justificativa do descumprimento de medida

anteriormente importa, é necessário que primeiro o adolescente seja ouvido pelo

juízo. Acerca do tema, Guilherme Freire de Melo Barros106 aponta:

[...] uma vez intimado para dar início ao cumprimento da medida, se o adolescente não se apresenta para a atividade (ex. prestação de serviços à comunidade), a regressão não pode ser determinada de forma imediata. É preciso que o descumprimento seja reiterado e injustificado. Portanto, o adolescente deve ser intimado para justificar por que não cumpriu a medida. Deve-se-lhe conceder nova oportunidade para cumprimento. Somente então, ante novo descumprimento, poderá o juízo aplicar a regressão da medida sócio-educativa com base no inciso III do art. 122.

Luciano Alves Rosato, Paulo Eduardo Lépore e Rogério Sanches Cunha

ressaltam que “a medida anterior deve ter sido imposta por sentença proferida em

processo de conhecimento, no qual se analisou o déficit socioeducativo presente e

se aplicou a respectiva medida ao adolescente”107. Ainda, em razão da necessidade

106 BARROS, 2010. p. 189. 107 ROSATO; LÉPORE; CUNHA, 2018. p. 392.

58

de observância de sentença anterior em processo de conhecimento e do devido

processo legal, é necessário que a decisão de que decreta a internação-sanção seja

proferida pelo Juízo de Execução.

Por fim, a internação com prazo indeterminado que, apesar de sua

nomenclatura, será limitada à duração máxima de 3 anos, bem como à liberação

compulsória aos 21 anos estipulados pelo art. 121, §3º e 4º da Lei n. 8.069/90 e

somente poderá ocorrer mediante sentença, deverá ser reavaliada a cada seis

meses e a sua manutenção dependerá de decisão fundamentada, de acordo com o

art. 121, §2º da mencionada lei.

Esta poderá ser decretada dentro de alguma das hipóteses dos incisos I e II

do art. 122 da Lei n. 8.096/90, quais sejam: tratar-se de ato infracional cometido

mediante grave ameaça ou violência a pessoa e por reiteração no cometimento de

outras infrações graves. Quanto à hipótese que versa sobre a grave ameaça ou

violência a pessoa, Luciano Alves Rosato, Paulo Eduardo Lépore e Rogério

Sanches Cunha esclarecem108:

[...] para análise da incidência do inciso l, deve ser levado em consideração o próprio tipo penal a que se amolda o ato infracional. Se o tipo penal revelar que o ato foi praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa, então, a internação está abstratamente autorizada, desde que presente a necessidade pedagógica. São exemplos de tipos penais em que está contida a violência ou grave ameaça à pessoa: roubo, lesão corporal grave, estupro, entre outros.

No que diz respeito à hipótese de reiteração no cometimento de outras

infrações graves, os autores ressaltam o atual entendimento do Superior Tribunal de

Justiça, em que não há previsão legal acerca do número de atos infracionais que

caracterizariam tal reiteração, ainda, destacam que “competirá ao magistrado

analisar as circunstâncias do caso concreto e as condições individuais do

adolescente para melhor aplicação do direito”109.

Ainda, é necessária a apuração de autoria e materialidade em sentença,

como bem apontam Luciano Alves Rosato, Paulo Eduardo Lépore e Rogério

Sanches Cunha110:

108 ROSATO; LÉPORE; CUNHA, 2018. p. 385. 109 Ibid., p. 387. 110 Ibid., p. 383.

59

[...] a aplicação da internação somente poderá ocorrer em processo qual se tenha garantido o devido processo legal, com apuração da materialidade e autoria, mediante sentença. É vedada sua aplicação com fundamento exclusivamente na confissão do adolescente (Súmula 342 do STJ).

Ressalta-se que fica vedada a aplicação da medida de internação

exclusivamente fundada na confissão em respeito aos princípios do contraditório e

ampla defesa, garantidos ao adolescente, visando evitar qualquer restrição

desnecessária de seus direitos individuais, incluindo a liberdade.

No que diz respeito ao período de cumprimento da medida de internação,

este não será fixado em sentença, mas sim se dará de acordo com os resultados

obtidos a partir das avaliações ocorridas a cada, ao menos, 6 meses, conforme já

mencionado anteriormente. Acerca do tema, Guilherme Freire de Melo Barros111

afirma que o Estatuto fixa prazos máximos para o cumprimento da medida de

internação, definidos em dois marcos distintos, sendo eles o tempo de cumprimento

e a idade do adolescente:

O adolescente pode permanecer internado pelo prazo máximo de 3 anos (ar. 121, §3º), se a internação decorreu de ato infracional cometido com violência ou grave ameaça a pessoa ou por reiteração no cometimento de infrações graves (art. 122, incisos I e II, respectivamente). Se a internação ocorreu por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta (art. 122, III), hipótese chamada de regressão da medida, o prazo máximo de cumprimento é de 3 meses (122, §1º). Por fim, independentemente do tempo de cumprimento da medida, o adolescente é colocado em liberdade ao completar 21 anos (art. 121, § 5º). A idade fixada pelo Estatuto não foi revogada pela entrada em vigor do Código Civil de 2002. A liberação compulsória do adolescente não ocorre ao 18 anos, por ter alcançado a maioridade, mas sim aos 21 anos, exatamente como determina o parágrafo 5º do art. 121.

Por fim, volta-se a frisar que, de acordo com o disposto no art. 122, §2º do

Estatuto, qualquer destas modalidades somente poderá ser aplicada caso não exista

outra medida adequada à ressocialização no caso concreto, em respeito ao princípio

da excepcionalidade a medida socioeducativa de internação somente será aplicada

em ultima ratio, ou seja, apenas em último caso o adolescente será privado de sua

liberdade de ir e vir.

111 BARROS, 2010. p. 179.

60

4.4 ACOMPANHAMENTO DO CUMPRIMENTO DA INTERNAÇÃO

Determinada a aplicação da medida socioeducativa de internação, dar-se-á

inicio à sua execução, a qual tem a sua regulamentação disposta na Lei n.

12.594/2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo –

SINASE, e segue os preceitos hermenêuticos trazidos pelas denominadas Leis de

Regência – Constituição da República de 1988 e Estatuto da Criança e do

Adolescente.

A Lei n. 12.594/2012 positiva que a medida socioeducativa tem como objetivo

a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato

infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação, bem como a

integração social do adolescente, a garantia de seus direitos individuais e sociais e

que, mesmo diante da desaprovação da conduta infracional, as disposições da

sentença devem ser parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de

direitos. Neste ponto, faz-se importante apresentar algumas diferenciações

conceituais cruciais ao entendimento do funcionamento do Sistema Socioeducativo

trazidas por Mário Luiz Ramidoff112:

Vale dizer, o acompanhamento do cumprimento (“execução”) da medida socioeducativa judicialmente determinada a adolescente devera observar os ditames da Lei 12.594/2012, hermeneuticamente orientados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Constituição da República de 1988, inclusive restringindo-se, assim, o âmbito de aplicação da Lei do SINASE apenas para tal desiderato. A Lei n. 12.594/2012 tem como objetivo jurídico-legal a regulamentação do acompanhamento do cumprimento (“execução”) de medidas socioeducativas, e não, diversamente, a regulamentação da apuração de ações conflitantes com a lei (“atos infracionais”), senão, muito menos, da determinação judicial de medidas socioeducativas a adolescente, haja vista que a Lei n. 8.069/90 expressamente contempla figuras legislativas materiais e procedimentais para tanto. A apuração de ações conflitantes com a lei (“atos infracionais”) e a determinação judicial de medidas legais – protetivas e socioeducativas – deverão ser realizadas de acordo com os fundamentos, princípios, objetivos e regras (materiais e procedimentais) expressamente estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição da República de 1988. A Lei n. 12.594/2012 limita-se, exclusivamente, ao acompanhamento do cumprimento (“execução”) das medidas legais – protetivas e socioeducativas – que foram judicialmente determinadas ao adolescente a quem se atribuiu a prática de ação conflitante com a lei (“ato infracional”).

112 RAMIDOFF, 2017, p. 100.

61

Segundo o entendimento do autor113, ao dispor sobre a execução da medida

socioeducativa, o legislador, na realidade, buscava versar sobre o acompanhamento

do cumprimento da medida socioeducativa judicialmente determinada ao

adolescente a quem se atribua a prática de ação conflitante com a lei que, conforme

mencionado, será observar o disposto na Lei do Sinase.

Para aplicação da medida de internação será constituído processo de

execução – assim chamado pela mencionada legislação, específico e destinado a

cada adolescente, nos termos do art. 39 da Lei n. 12.594/2012. Após a autuação do

processo, este será encaminhado pela autoridade judiciária ao gestor do

atendimento socioeducativo, a fim de solicitar designação do programa ou unidade

de cumprimento da medida.

A Lei do Sinase reafirma o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente,

ao determinar que a medida de internação deve ser reavaliada no máximo a cada

seis meses, podendo ser designada audiência para melhor averiguação da evolução

do adolescente, a qual deverá ser instruída com relatório de equipe técnica do

Programa Individual de Atendimento, delimitado pelo art. 52 da mesma Lei.

Fabiano Botelho Zapata114 ressalta que, antes do advento da Lei do Sinase, o

Estatuto da Criança e do Adolescente não dispunha expressamente sobre a

execução das medidas socioeducativas, mas previa apenas requisitos para sua

aplicação, acabando por carecer de forma de tramitação dos processos de execução

e sob qual regimento seria submetido.

Insta destacar que a Lei n. 12.594/2012 também se preocupou em garantir a

participação obrigatória da defesa no processo de execução, aberta a oportunidade

de impugnação ou complementação do plano individual de atendimento no prazo de

3 dias pelo defensor em seu art. 41 e parágrafos. Pelos motivos destacados por

Fabiano Botelho Zapata115:

Preocupou-se ainda a lei em definir como obrigatória a participação da defesa no processo de execução, o que não era a regra antes de sua edição. Muito comum encontrar processos de execução com a participação tão somente do Poder Judiciário e Ministério Público, sob o entendimento de que, uma vez inserido em medida socioeducativa, o adolescente não respondia a procedimento criminal e, portanto, o interesse do parquet não seria contrário aos seus próprios interesses. No entanto, sabido que o

113 RAMIDOFF, 2017, p. 99-100. 114 ZAPATA, Fabiano Botelho. Direitos da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 155. 115 Ibid., p. 163.

62

Ministério Público e o representante da sociedade no procedimento socioeducativo, tanto de apuração, como de execução de medida, possuindo interesse próprio de parte. A ausência de participação da defesa, após a edição da lei, passou a ser reconhecida como causa de nulidade.

Ressalta-se que, salvo determinação em contrário, a apresentação de

impugnação não suspenderá a execução do plano individual de atendimento – o

qual será tratado adiante. Tendo o prazo processual se encerrado, será considerado

homologado o plano individual.

A título de esclarecimento, cabe mencionar que é chamado programa de

atendimento a organização e funcionamento das condições necessárias para o

cumprimento da medida socioeducativa, já a entidade de atendimento é a pessoa

jurídica que instala e mantém os recursos necessários ao desenvolvimento do

programa de atendimento e unidade é a base física necessária ao programa de

atendimento. Essa subdivisão de atribuições é crucial para o bom desenvolvimento e

acompanhamento da medida socioeducativa então em cumprimento, veja-se:

É no processo de execução que o magistrado acompanhará o cumprimento da medida socioeducativa, por meio da remessa de laudos técnicos subscritos pelos responsáveis da entidade de atendimento governamental ou não governamental, sendo possível, ainda, a análise do caso pela equipe técnica do juízo116.

Dito isso, cumpre agora passar à análise dos princípios aplicáveis ao

procedimento adotado durante o cumprimento da medida socioeducativa de

internação para, então, no próximo capítulo, passar-se à verificação de sua

aplicabilidade e eficácia.

4.4.1 Princípios aplicáveis

A partir da redação do art. 35 da referida Lei n. 12.594/2012, tem-se os

princípios que devem reger a medida socioeducativa, sendo eles: legalidade;

excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas; prioridade das

práticas restaurativas; proporcionalidade em relação à ofensa cometida; brevidade

da medida em resposta ao ato cometido; individualização; mínima intervenção; não

discriminação e fortalecimento dos vínculos comunitários.

116 ROSATO; LÉPORE; CUNHA, 2018. p. 389.

63

Tal elenco de princípios foi fundamental à melhoria das condições de

aplicação e execução da medida socioeducativa, segundo Márcio Pinho de

Carvalho117, antes da promulgação da Lei n. 12.596/2012, o cumprimento da medida

acabava por ser fruto de grande insegurança jurídica, pois ficava subjugado ao

critério subjetivo dos operadores do direito, veja-se:

Ao especificar os objetivos e os princípios do processo socioeducativo, a lei inovou e atendeu a muitos anseios dos operadores do direito que atuam na área, pois há muito havia pleitos pela sistematização, a exemplo do que já ocorre há vários anos na área de execução penal com respectiva lei. A sistematização era necessária porque o Estatuto da Criança e do Adolescente foi omisso na regulamentação das execuções. Muito se usava da LEP, Código Penal, Código de Processo Penal e Código de Processo Civil. Entretanto, cada juízo tinha uma maneira de agir e alguns formavam processo específico, outros não. A Lei do Sinase resolveu essa questão, ao prever os procedimentos adequados para o processo de execução. Acrescentou especificando que deverá existir processo de execução para cada adolescente, salvo nas medidas de advertência e reparação de dados (art. 39)118.

A partir da normatização foi possível unificar o cumprimento da medida

socioeducativa, em especial da medida de internação, que carece de maior atenção

à preservação da garantia de direitos – por meio dos princípios elencados, tendo em

vista que é tida como a mais grave das possibilidades de imposição de medida

socioeducativa, ponto este reforçado pelo art. 42, §3º da Lei do Sinase119.

Cumpre destacar a importância inerente aos princípios mencionados, que

devem ser observados quando da aplicação de toda e qualquer medida

socioeducativa, seja qual for a modalidade imposta, cabendo aprofundar o conceito

de alguns dos princípios mencionados.

Inicia-se dando atenção ao princípio da legalidade, do qual Wilson Donizeti

Liberati120 destaca o objetivo precípuo de impedir excessos ou desvios de finalidade

que venham a afetar a dignidade e humanidade do adolescente assistido:

117 CARVALHO, Márcio Pinho de. Execução de medidas socioeducativas – Prática processual de aplicação da Lei do Sinase e da Resolução n. 165 do Conselho Nacional de Justiça. Rio de Janeiro: Processo, 2018, p. 33-34. 118 CARVALHO, loc. cit. 119 Art. 42. As medidas socioeducativas de liberdade assistida, de semiliberdade e de internação deverão ser reavaliadas no máximo a cada 6 (seis) meses, podendo a autoridade judiciária, se necessário, designar audiência, no prazo máximo de 10 (dez) dias, cientificando o defensor, o Ministério Público, a direção do programa de atendimento, o adolescente e seus pais ou responsável. § 3º Considera-se mais grave a internação, em relação a todas as demais medidas, e mais grave a semiliberdade, em relação às medidas de meio aberto. 120 LIBERATI, 2006 apud CARVALHO, 2018, p. 36.

64

A regra da legalidade na execução tem como objetivo, primordialmente, impedir que os excessos ou desvios de sua finalidade afetem a dignidade e a humanidade do infrator. Em outras palavras, a Administração Pública e os órgãos jurisdicionais deverão aplicar a lei, segundo seus precisos comandos, vetada a criação de novos direitos ou obrigações, importando sua efetividade nas regras sobre as modalidades de execução das inflições impostas.

Guilherme de Souza Nucci121 destaca que o princípio da legalidade defendido

pela Lei n. 12.594/2012, na realidade, não diz respeito apenas à previsibilidade do

crime em lei, que seria o conceito clássico de legalidade, mas sim ao adendo feito

pelo próprio dispositivo legal, ao dispor que não pode o adolescente receber

tratamento mais gravoso que o conferido ao adulto:

Menciona-se não poder o jovem receber tratamento mais gravoso que o conferido ao adulto; trata-se de medida correta, embora não diga respeito à legalidade, cuja finalidade é assegurar que ninguém será punido senão em virtude crime (ou ato infracional) previsto em lei, nem receber pena (ou medida socioeducativa) cominada em lei. O que se pretende, neste inciso, é afirmar a inviabilidade de uma sanção socioeducativa alcançar patamar punitivo superior àquele que seria cabível a uma pena. Afinal, se os menores de 18 anos são inimputáveis, não se submetendo ao sistema penal comum, seria uma contradição criar qualquer espécie de regra mais rigorosa do que o campo criminal dos adultos. Diante disso, além de não poderem sofrer sanções mais severas, também não podem receber tratamento mais gravoso, ingressando, nesse campo, a execução das medidas socioeducativas, quando feito o confronto com a execução penal. Trata-se, na realidade, do princípio da punição mitigada.

Ainda, Mário Luiz Ramidoff122 destaca que tal princípio, ao mesmo tempo que

assegura a garantia processual do cumprimento de medidas socioeducativas

mediante procedimento previsto em legislação específica, restringe a intervenção

estatal no que diz respeito à responsabilização do adolescente.

O princípio da excepcionalidade, em suma, tem objetivo de garantir a

aplicação da medida privativa de liberdade como ultima ratio, conforme descrito por

Guilherme de Souza Nucci123. Entretanto, a excepcionalidade tida como ultima ratio,

com fundamento no caput do art. 121 da Lei n. 8.069/90, difere da trazida pelo art.

35, II da Lei do Sinase, o qual dispõe: “excepcionalidade da intervenção judicial e da

imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos”.

121 NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da criança e do adolescente comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 949. 122 RAMIDOFF, 2017, p. 105. 123 NUCCI, op. cit., p. 950.

65

Isso porque, de acordo com o mencionado autor124, é necessário tomar

cuidado no que diz respeito a aplicação de tal conceito durante a execução da

medida socioeducativa de internação, uma vez que já fora decretada a medida

privativa de liberdade e já ocorrido o trânsito em julgado, explique-se:

[...] conhece-se o subprincípio da excepcionalidade, inserido no contexto da proteção integral, voltado ao jovem infrator, cujo objetivo é garantir a aplicação de medida privativa de liberdade como ultima ratio (última opção). Porém, em sede de execução de medida socioeducativa, torna-se um tanto confuso afirmar que se deve favorecer os meios de autocomposição de conflitos. Afinal, a medida socioeducativa já foi aplicada na decisão judicial, com trânsito em julgado; cuida-se, agora, de executá-la. Ilustrando, tratando-se de uma internação, como privilegiar a autocomposição? Significaria aproximar o infrator com a vítima, pretendendo a composição entre ambos, eliminando-se o conflito? Não nos parece seja o caminho. Portanto, o princípio criado neste inciso deve voltar-se à ideia de que, durante a execução de medidas socioeducativas, compatíveis com essa diretriz, deve-se incentivar a solução pacificadora de conflitos, como, por exemplo, impulsionando o adolescente a reparar o dano causado – desde que seja a medida aplicada.

Dito isso, é possível concluir que, conforme Mário Luiz Ramidoff125 conceitua,

preservando o sentido trazido pelo dispositivo da Lei do Sinase, “a determinação

judicial do cumprimento da medida socioeducativa apenas se justificaria nas

hipóteses em que não se fosse recomendável a autocomposição dos conflitos”.

A esta noção está intimamente ligado o princípio da restaurabilidade trazido

pelo art. 35, III da Lei n. 12.594/2012, que determina a prioridade das práticas

restaurativas que atendam às necessidades das vítimas sempre que possível.

Contudo, vale ressaltar que tal prática não deve se sobressair à proteção integral do

adolescente em conflito com a lei, real sujeito atingido pela medida socioeducativa

imposta, nesse sentido:

A preferência das estratégias restaurativas, contudo, não poderão sobrestar a aplicação da principiologia estatutariamente destinada a proteção integral do adolescente a quem se atribua a prática de ação conflitante com a lei. A prioridade da intervenção restaurativa não se encontra legalmente – e, sequer, legitimamente – autorizada a relativizar a efetivação dos direitos individuais e o asseguramento das garantias fundamentais afetas ao adolescente em conflito com a lei; muito menos, para o atendimento dos interesses (necessidades) da vítima126.

124 NUCCI, 2018, p. 950. 125 RAMIDOFF, 2017, p. 106. 126 RAMIDOFF, Ibid., p. 107.

66

Tem-se, então, de acordo com o entendimento apresentado por Mário Luiz

Ramidoff, que a vítima deveria ser atendida por meio de políticas públicas sociais

que visem o seu interesse e proteção específicos, não sendo ela o foco do

atendimento socioeducativo.

No que diz respeito ao princípio da brevidade, o autor127 afirma que este deve

“orientar a intervenção estatal sociopedagógica para que não se prolongue no

tempo, que não seja suficientemente necessário para a inclusão social do

adolescente em conflito com a lei”, de modo a proporcionar meios que promovam

sua para sua emancipação subjetiva, nas palavras de Ramidoff, “para a melhoria da

sua qualidade de vida individual e coletiva”.

Por fim, Nos demais princípios que dizem respeito a execução não só da

medida de internação, mas de todas as medidas socioeducativas, ressalta-se a

importância da individualização da medida e da mínima intervenção do Estado (art.

35, VI e VII da Lei n. 12.594/2012), considerando as circunstancias do adolescente

no caso concreto, e observando que a atividade socioeducativa deve manter relação

harmônica com as necessidades vitais básicas do adolescente.

4.4.2 Plano Individual de Atendimento

O art. 52 da Lei n. 12.594/2012 determina que o cumprimento das medidas

socioeducativas em regime prestação de serviço a comunidade, liberdade assistida,

semiliberdade e internação dependerá de Plano Individual de Atendimento (PIA),

que se trata de um instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a

serem desenvolvidas com o adolescente pela entidade de atendimento.

A elaboração deste plano individual, no caso da internação, objeto do

presente estudo, deverá se dar dentro do prazo de 45 dias contados da data do

ingresso do adolescente no programa de atendimento e resta sob a

responsabilidade de equipe técnica do respectivo programa de atendimento

elaborado pelos Estados, com a participação do adolescente e dos pais ou

responsável, sendo que estes últimos tem o dever de contribuir com o processo

ressocializador do adolescente, sendo passíveis de responsabilidade administrativa

– nos termos do art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, criminal e civil.

127 RAMIDOFF, 2017, p. 109.

67

A participação familiar se justifica porque esta também deve ser reestruturada

e deverá, para tanto, nas palavras de Mário Luiz Ramidoff128, “obter apoio

institucional para não só receber o adolescente que cumpre medida socioeducativa,

mas, também, contribuir para a sua inclusão familiar e comunitária (social)”.

Segundo o art. 53 da Lei n. 12.594/2012, no plano individual deverá constar:

os resultados da avaliação interdisciplinar; objetivos declarados pelo adolescente;

previsão de suas atividades de integração social e/ou capacitação profissional;

atividades de integração e apoio à família; formas de participação da família para

efetivo cumprimento do plano individual e as medidas específicas de atenção à sua

saúde. Além disto, especificamente para as medidas privativas de liberdade, a lei

destaca que deverá constar também a designação do programa de atendimento

mais adequado para o cumprimento da medida, a definição das atividades internas e

externas, individuais ou coletivas das quais o adolescente poderá participar e a

fixação de metas para o alcance de desenvolvimento de atividades externas.

Acerca do conteúdo e objetivo necessários à elaboração do Plano Individual,

Mário Luiz Ramidoff129 esclarece:

Por intermédio do plano individual de atendimento deverão ser previamente estabelecidas a metodologia, a objetividade protetiva ou socioeducativa e a inserção pedagógica do adolescente, com vista a emancipação subjetiva do adolescente, isto e, a melhoria de sua qualidade de vida individual e coletiva. O plano individual de atendimento registrara todas as fases, procedimentos, intervenções, ocorrências e incidentes que se derem ao longo do cumprimento das medidas socioeducativas judicialmente determinadas.

Ainda, poderá ocorrer reavaliação durante o cumprimento da medida

socioeducativa, contanto que seja apresentada pela direção do programa de

atendimento um relatório da equipe técnica sobre a evolução do adolescente no

cumprimento do plano individual, conforme garante o art. 58 da Lei n. 12.594/2012.

A manutenção, substituição ou suspensão do plano individual, ou mesmo da

medida socioeducativa imposta, poderá ser suscitada a qualquer tempo, seja a

pedido da direção do programa de atendimento, do defensor, do Ministério Público,

do adolescente ou de seus pais ou responsáveis, nos termos do art. 43 da Lei do

Sinase, contanto que justificada pelo desempenho adequado do adolescente dentro

128 RAMIDOFF, 2017, p. 148. 129 Ibid., p. 147-148.

68

do mencionado plano, a sua inadaptação ou reiterado descumprimento das

atividades determinadas por aquele ou a necessidade de modificação para

atividades que importem maior restrição de liberdade do adolescente.

Ressalta-se que no caso de imposição de medida mais gravosa, esta

somente ocorrerá em ocasiões excepcionais e deverá ser devidamente

fundamentada em parecer técnico, mediante o devido processo legal, precedida de

prévia audiência. Neste ponto, cabe destacar o que esclarece Fabiano Botelho

Zapata130:

É imprescindível que, quando da elaboração do PIA e quando do pedido de encerramento, substituição ou suspensão da medida socioeducativa, a equipe analise o que dispôs o legislador a respeito da finalidade da mesma. Ou seja, para se prever a intervenção e decidir pelo cumprimento, deve-se perguntar se o adolescente foi responsabilizado (se consegue perceber o prejuízo resultante de sua conduta e a proporcionalidade na resposta estatal), debatendo com ele sobre o ato praticado; a ampliação de seu raciocínio ético; o quanto ele foi afetado pela situação. Deve-se, ainda, entender se foi o adolescente integrado socialmente e se teve seus direitos restabelecidos ou garantidos, ou seja, se o adolescente se comprometeu com o cumprimento das metas fixadas, se as alcançou, pautando tais intervenções na busca da identidade, na autoestima, na elaboração de projeto de vida, na trabalhabilidade, na cidadania. Por fim, se respeitou a desaprovação, nos limites trazidos pela sentença, na medida em que se analisa se o plano trouxe resposta a conduta.

A equipe técnica responsável pela elaboração do plano individual deverá ser

composta de maneira interdisciplinar, de modo a compreender, no mínimo,

profissionais das áreas da saúde, educação e assistência social, sendo que outros

profissionais poderão ser acrescentados conforme a necessidade específica do caso

atendido, sendo vedada a sobreposição dessas atribuições.

Fabiano Botelho Zapata131 aponta aspectos cruciais a serem observados

durante a elaboração do Plano Individual de Atendimento:

Quando da elaboração do Plano Individual de Atendimento, para cada adolescente inserido em medida socioeducativa, a equipe devera observar suas três facetas: a) seu aspecto descritivo (situação constatada, que cerca a vida social, escolar, familiar daquele adolescente); b) seu aspecto propositivo (identificação da demanda e das intervenções relacionadas); c) seu aspecto temporal (administração do plano, de seu desenvolvimento, identificando as intervenções no espaço, com a programação de um trabalho a ser realizado).

130 ZAPATA, 2016, p. 165. 131 ZAPATA, loc. cit.

69

Nota-se, então, que este deve objetivar o alcance da meta fixada a partir da

intervenção proposta, devendo, como bem aponta o mencionado autor Fabiano

Botelho Zapata, existir um nexo causal entre a situação constatada e a intervenção

proposta, de modo a verificar em que medida esta auxiliará o adolescente a atingir a

meta estipulada. Desse modo, o PIA, deve “objetivar o processo de execução e

adequá-lo às características pessoais do adolescente”, nas palavras de Fabiano

Botelho Zapata132, veja-se:

E uma garantia da limitação da atuação estatal, bem como de que haverá sentido para além da responsabilização. Será buscada a integração social (a existência daquele adolescente em sua família e em sua comunidade) e a criação de oportunidades concretas para conquista da autonomia e garantia de direitos. E e por isso que se pode considerar que ha metas fixas e construídas em um Plano Individual de Atendimento. Isso porque serão fixas aquelas que identificam se o adolescente possui entendimento sobre as consequências lesivas de seu ato infracional e se conseguiu ressignificar sua conduta. As demais metas construídas pelo PIA, em avaliação interdisciplinar e com a participação do adolescente e responsáveis, serão justificadas pela situação concreta constatada pelo estudo e atingidas por seu próprio esforço133.

Acerca do conteúdo do Plano Individual de Atendimento e seus desafios, o

estudo sobre as bases teórico-metodológicas da socioeducação, realizado pela

Secretaria de Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Estado do Paraná (SEJU-

PR)134 discorre:

Esta preparação deve ser pautada num ideal garantista dos direitos fundamentais da pessoa humana, visando a articulação da rede de proteção social às necessidades apresentadas pelo sujeito, interferindo nas situações de vulnerabilidade e risco que vivenciam, diminuindo, assim, o risco de reincidência. O desafio, consiste em dar concretude a esses direitos, articulando as políticas públicas de forma a atender o adolescente de forma integral, contando com sua participação neste processo.

Finalizada a elaboração do Plano Individual de Atendimento, e dada a sua

homologação, se iniciará o acompanhamento da medida socioeducativa, durante o

qual será observada atentamente a resposta do adolescente aos termos

estabelecidos no PIA, para que, de acordo com o seu andamento, seja possível

132 ZAPATA, 2016, p. 167. 133 ZAPATA, loc. cit. 134 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. Cadernos de Socioeducação: bases teórico-metodológicas da socieducação, 2018, p. 151. Disponível em: <http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/Caderno_BASES_digital.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2019.

70

adequá-lo ou mesmo extinguir a necessidade do cumprimento da medida

socioeducativa judicialmente imposta, se atingida sua finalidade, hipótese esta

autorizada pelo art. 46, II da Lei n. 12.596/2012. Observe-se:

Para tanto, o adolescente se submeterá à intervenção e à amplitude pedagógica própria de cada medida, sendo o caso acompanhado pelo Ministério Público, Defesa e autoridade judiciária, principalmente por meio de estudos que são realizados pela entidade de atendimento, indicados em relatórios que serão elaborados e posteriormente juntados aos autos da execução da medida. Com todas essas informações (ou outras de fontes diversas), será possível a reavaliação da medida socioeducativa, acarretando-se, entre outras possibilidades, a sua substituição (progressão ou regressão)135.

No que diz respeito à possibilidade de extinção da necessidade do

cumprimento da medida socioeducativa judicialmente imposta ao adolescente em

conflito com a lei, veja-se:

A realização da finalidade sociopedagógica pelo adolescente, por certo, restara comprovada pelo relatório de acompanhamento do cumprimento de medida legal que demonstre a efetiva emancipação subjetiva do socioeducando, mediante sua integração familiar e comunitária, quando não de sua capacitação técnica (educacional, profissional etc.), para o exercício de atividade regular remunerada. A comprovação da “realização de sua finalidade” poderá ser feita não só por meio do relatório elaborado pela equipe técnica interprofissional que acompanhou o cumprimento das medidas legais – protetivas e/ou socioeducativas – e a ser encaminhado para o Juízo de Direito competente, mas, também, pelos demais meios de prova em Direito admitidos136.

O Plano Individual de Atendimento nada mais é, então, do que a aplicação

prática do princípio da individualização da medida socioeducativa, previsto no art.

35, VI da Lei do Sinase, o qual prevê que esta deverá considerar a idade,

capacidade e circunstâncias pessoais do adolescente, que devem ser observadas a

partir de sua condição peculiar de desenvolvimento, vinculando-se às suas relações

individuais, familiares e comunitárias137, ou seja, deve se adequar ao caso concreto.

Quanto à necessidade de emancipação do adolescente assistido, Mário Luiz

Ramidoff destaca138:

135 ROSATO; LÉPORE; CUNHA, 2017. p. 680. 136 RAMIDOFF, 2017, p. 132-133. 137 RAMIDOFF, Ibid., p. 110. 138 RAMIDOFF, Ibid., p. 153.

71

Toda e qualquer contribuição deve ser vinculada ao “processo de emancipação subjetiva” (RAMIDOFF: 2012, p. 122) do adolescente, o qual deve desenvolver as suas capacidades e potencialidades para a vida adulta, de forma socialmente consequente e responsável.

Diante de todo o exposto, é possível concluir que o Plano Individual de

Atendimento sempre primará por atender ao adolescente e sua necessidade de

correção, mas sem deixar de lado suas necessidades pessoais, contexto familiar e

social ao qual está inserido, atendendo-o do modo mais completo possível dentro

das atribuições do Estado e da entidade de atendimento.

72

5 EFICÁCIA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

Este capítulo visa tratar acerca da eficácia em sentido amplo da aplicação e

acompanhamento do cumprimento da medida socioeducativa de internação

judicialmente imposta, tomando como base os parâmetros adotados pelo Plano

Nacional de Atendimento Socioeducativo, com enfoque na integração em

comunidade e capacitação para o trabalho.

Mesmo que a medida de internação se dê em caso de cometimento de atos

infracionais mais severos, fato é que o objetivo da medida socioeducativa sempre

será redimir o papel do adolescente frente à sociedade, de modo que a medida

então tida como sanção não venha a isolá-lo da comunidade. Cabe, então, verificar

se atualmente tem-se observado os direitos e garantias ao longo deste trabalho

defendidos, bem como se o melhor interesse do adolescente assistido tem sido

respeitado ao ponto de proporcionar a este uma vida digna e adequada ao meio

quando do seu retorno à comunidade após o cumprimento da medida judicialmente

imposta.

A noção de eficácia costuma ser vinculada a aplicabilidade das normas

jurídicas, no caso da eficácia sócio-laborativa e integrativa da medida socioeducativa

de internação, falar-se-á muito mais da eficácia em seu sentido social do que

propriamente jurídico, acerca desta distinção cumpre mencionar o apontado por Ingo

Wolfgang Sarlet139:

De acordo com a concepção já clássica de José Afonso da Silva, inobstante a íntima conexão entre ambos os conceitos, há que distinguir entre a eficácia social da norma (sua real obediência e aplicação no plano dos fatos) e a eficácia jurídica, que, segundo sustenta o ilustre publicista pátrio, “designa a qualidade de produzi, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nela indicados; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. Possibilidade, e não efetividade”. Constata-se, portanto, que, de acordo com esta concepção, a eficácia social se confunde com a noção de efetividade da norma. De acordo com o que leciona Luís R. Barroso, “a efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e ser da realidade social”.

139 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 247-248.

73

Entretanto, há que se falar que a eficácia não opera tão somente no plano de

aplicação da norma jurídica, mas também em momento posterior, a fim de verificar

seu cumprimento pelos destinatários. Está é a posição de Eros Roberto Grau, citada

por Ingo Wolfgang Sarlet140:

Para além dessa constatação, o referido autor tende a se afastar dos posicionamentos tradicionais adotados entre nós, quando advoga o ponto de vista de que a eficácia social (para utilizar a expressão habitual) não se situa no plano da aplicação da norma (como leciona José Afonso da Silva), mas que se manifesta – ou não – após o momento da aplicação, já que nada garante que as decisões – normas individuais de conduta – tomadas pelo Judiciário (como instancia primordialmente incumbida do poder-dever de realizar o Direito, aplicando-o aos casos concretos) sejam efetivamente cumpridas pelos destinatários, tampouco garantindo que sejam realizados os fins buscados por elas.

Tem-se, então, que a eficácia que visa aqui ser verificada é aquela

aplicabilidade da norma jurídica ao caso concreto e sua capacidade de gerar não só

efeitos jurídicos, mas, principalmente, sociais, na vida do adolescente em conflito

com a lei.

5.1 ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

Sempre atendo o foco à medida de internação, objeto do presente estudo,

cumpre destacar o cenário atual do atendimento socioeducativo e os caminhos que

levaram a este.

A Lei n. 12.594/2012 determina que compete à União elaborar Plano Nacional

de Atendimento Socioeducativo, o qual deverá trazer as normas nacionais de

referência para o atendimento socioeducativo e incluir um diagnóstico da situação do

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, suas diretrizes, metas, objetivos,

prioridades, formas de financiamento e gestão das ações de atendimento para os

dez anos seguintes, em consonância com os princípios trazidos pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente.

O Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo irá orientar todos os demais

Planos de Atendimento Socioeducativo a serem disponibilizados pelos entes

federados, sendo que todos estes deverão obrigatoriamente prever ações

articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação

140 GRAU, 1997 apud SARLET, 2007, p. 249.

74

para o trabalho e esporte para os adolescentes atendidos, conforme a previsão do

art. 8º da Lei do Sinase.

Tal Plano Nacional foi então publicado em 2013, ano seguinte à publicação da

Lei do Sinase, com o intuito de possibilitar que o processo de responsabilização do

adolescente adquira um caráter educativo, de modo que a medida socioeducativa

institua direitos e interrompa a trajetória infracional, como o próprio Plano versa,

permitindo ao adolescente a inclusão social, educacional, cultural e profissional

necessária.

O documento afirma que a socioeducação é política pública indispensável

para “resgatar a imensa dívida histórica da sociedade brasileira com a população

adolescente (vítima principal dos altos índices de violência)”, a fim de contribuir para

a construção de uma sociedade justa que zela por seus adolescentes141.

Dentre as diretrizes trazidas pelo documento, cabe destaque a garantia de

oferta e acesso à educação de qualidade – considerando a condição singular deste

e reconhecendo a escolarização como elemento estruturante do sistema

socioeducativo, profissionalização, atividades de lazer e cultura, humanização das

unidades de internação, garantindo a incolumidade, integridade física e mental e

segurança do adolescente.

O Plano Nacional ainda traz dados concretos acerca da realidade da

população adolescente, apontando que os principais motivos da internação estão

relacionados à vulnerabilidade social em que se encontram estes agentes, veja-se:

Os dados do Levantamento Anual da Coordenação-Geral do SINASE (SNPDCA/SDH/PR 2012) indicam que aumentou a taxa de restrição e privação de liberdade: de 4,5% em 2010 para 10,6%, em 2011. Também cresceram os atos infracionais relacionados ao tráfico de drogas (de 7,5% em 2010 para 26,6% em 2011). Esses dados indicam, por um lado, que os principais motivos de internação estão diretamente relacionados à vulnerabilidade social a que estão expostos os adolescentes. Por outro, deixam claro que os atos cometidos não são contra vida. Ao contrário, entre 2010 e 2011, apontam a redução de atos graves contra a pessoa: homicídio (14,9% para 8,4%), latrocínio (5,5% para 1,9%), estupro (3,3% para 1,0%) e lesão corporal (2,2% para 1,3%)142.

141 SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e eixos operativos para o SINASE, 2013, p. 8. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/biblioteca/crianca-e-adolescente/plano-nacional-de-atendimento-socioeducativo.pdf/view>. Acesso em 11 mar. 2019. 142 SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e eixos operativos para o SINASE, 2013, p. 11. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/biblioteca/crianca-e-adolescente/plano-nacional-de-atendimento-socioeducativo.pdf/view>. Acesso em 11 mar. 2019.

75

Os dados levantados demonstram que, antes do advento da Lei do Sinase,

mesmo que já diante da existência de um Sistema de Atendimento Socioeducativo,

visto que já vigente a Resolução n. 119 do Conanda, o aumento nas taxas de

restrição de liberdade deixam por desejar no que diz respeito à eficácia social que

deve ser observada quando da aplicação da medida socioeducativa de internação,

mesmo que esta não seja oposta face a atos graves contra a pessoa. Tal

constatação levou ao seguinte apontamento por parte do Governo Federal:

Paradoxalmente, o aumento da restrição e privação de liberdade para casos de baixa gravidade parece corresponder mais à utilização da internação-sanção – que daria assim uma resposta a apelos pela redução da maioridade penal que encontram repercussão na mídia – do que à realidade. Esse desvio pede uma intervenção conjunta do Sistema de Justiça e do Poder Executivo, uma vez que o uso indiscriminado da internação é contrário às medidas de proteção que a Lei Federal 12.594/2012 impõe143.

O documento apontou que, em 2011, os atos infracionais mais cometidos são

aqueles análogos ao roubo (38,1%) e tráfico (26,6%), sendo que homicídio possuía

percentual de apenas 8,4%.

O último Levantamento Anual SINASE foi disponibilizado em 2018, ocorre

que, na realidade, este documento versa sobre os dados levantados no ano de

2016, sendo que neste ano se mantiveram como atos infracionais mais cometidos os

análogos ao roubo, tráfico e homicídio, entretanto, os percentuais aumentaram para

47%, 22% e 10%, respectivamente.

Quanto à faixa etária, o estudo constatou os seguintes dados: “na faixa etária

entre 16 e 17 anos com 57% (15.119), seguida pela faixa etária de 18 a 21 anos

com 23% (6.728), entre 14 a 15 anos com 17% (4.074) e 12 a 13 anos com 2%

(326), havendo, ainda, 1% sem especificação de faixa etária (203)”144.

A maioria esmagadora dos adolescentes em restrição ou privação de

liberdade é masculina, sendo de 96% em 2016, além disso, 59,08% do total de

143 SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e eixos operativos para o SINASE, 2013, p. 12. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/biblioteca/crianca-e-adolescente/plano-nacional-de-atendimento-socioeducativo.pdf/view>. Acesso em 11 mar. 2019. 144 SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e eixos operativos para o SINASE, 2013, p. 18. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/biblioteca/crianca-e-adolescente/plano-nacional-de-atendimento-socioeducativo.pdf/view>. Acesso em 19 mar. 2019.

76

adolescentes atendidos se denomina preta/parda. Tais dados confirmam o fato de

que estes adolescentes estão diretamente expostos à uma alta taxa de

vulnerabilidade social.

O último Levantamento Anual SINASE (2016) apontou um número total de

25.959 adolescentes em atendimento socioeducativo nas unidades voltadas à

restrição e privação de liberdade (internação, internação provisória e semiliberdade),

sendo que em 2013, ano de publicação do Plano Nacional de Atendimento

Socioeducativo, esse total era de 23.066 adolescentes atendidos.

Do total de 26.450 adolescentes em cumprimento de alguma das

modalidades de medida socioeducativa em 2016, 18.567 (70%) deles se encontram

em regime de internação e 5.184 (20%) em internação provisória, conforme

demonstra o gráfico abaixo, obtido a partir do levantamento anual realizado em

2016.

Gráfico 1 – Porcentagem de Internação, Internação Provisória, Semiliberdade e

outros (2016)

Fonte: Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente/Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

77

Historicamente, a taxa de restrição e privação de liberdade (referente à

internação, internação provisória e semiliberdade) teve alta variabilidade, sendo que

nos últimos três anos em que se há notícias estatísticas, à dizer, de 2013 a 2016,

notou-se gradual queda, observe-se:

Gráfico 2 – Variação da Restrição e Privação de Liberdade (internação, internação

provisória e semiliberdade) de 2009 a 2016

Fonte: Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente/Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

O último levantamento anual realizado aponta que de 2015 para 2016 ocorreu

um aumento na determinação de medidas de internação e consequente redução na

semiliberdade e internação provisória. No gráfico a seguir, é possível verificar a

evolução de cada uma das modalidades de internação em separado:

Gráfico 3 – Adolescentes e Jovens em Internação, Internação Provisória e

Semiliberdade de 2011 a 2016

78

Fonte: Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente/Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

Nota-se, então, que a taxa de internação apresenta crescimento continuo

desde 2011, sendo que apenas a internação provisória apresentou sutil decréscimo,

se mantendo razoavelmente estável ao longo do período analisado.

Ressalta-se, ainda, a dificuldade de uma análise mais profunda acerca da

eficácia da imposição de medidas socioeducativas de privação de liberdade, ou

mesmo de suas outras modalidades, em razão da ausência de fornecimento por

parte da Administração Pública Federal de índices atualizados de reincidência

nestes casos.

Existem apenas dados esparsos acerca de determinadas instituições, como

por exemplo a Fundação Casa, localizada em São Paulo, na qual entre agosto de

2014 e o mesmo mês de 2017 o percentual de jovens reincidentes na Fundação era

de 61%, sendo que em 2017 os atos infracionais mais cometidos em fevereiro de

2018 foram aqueles análogos ao tráfico de drogas, roubo e furto145.

Outro exemplo, já com dados menos atualizados, é o da Fundação da

Criança e do Adolescente da Bahia (Fundac) apresentou um índice de 29,2% de

reincidência em 2014, sendo que somente no primeiro trimestre de 2015 esse

percentual já correspondia a 27,4% dos adolescentes atendidos pela unidade

socioeducativa146.

145 MARTINS, Leonardo. Jovens e reincidentes. Disponível em: <https://www.uol/noticias/especiais/reincidentes-da-fundacao-casa.htm#os-5-crimes-que-mais-levam-a-reincidencia-na-fundacao-casa-fevereiro-de-2018>. Acesso em: 19 mar. 2019. 146 MENDES, Henrique. Reincidência entre jovens infratores é de 29%; 'falta estrutura', aponta MP. Disponível em: <http://g1.globo.com/bahia/noticia/2015/07/reincidencia-entre-jovens-infratores-e-de-29-falta-estrutura-aponta-mp.html>. Acesso em: 19 mar. 2019.

79

Tomando como ponto de partida o fato de que a adoção das políticas públicas

defendidas pelo Sinase se deu efetivamente a partir de 2012, ano de publicação da

lei que o instituiu, nota-se que a adoção pela medida de internação de internação

cresceu considerável e constantemente, mesmo esta sendo a mais grave das

medidas impostas, demonstrando alta intervenção estatal e indo de encontro ao que

preceitua o princípio da excepcionalidade da imposição da medida, seja ele tratado

no sentido trazido pelo caput do art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente,

seja pelo disposto no art. 35, II da Lei n. 12.594/2012.

5.1 INTEGRAÇÃO COMUNITÁRIA

O art. 227 da Constituição da República de 1988 e o art. 4º do Estatuto da

Criança e do Adolescente entendem como dever da família, sociedade e do poder

público assegurar com absoluta prioridade a efetivação do direito à convivência

comunitária, no mesmo sentido dispõe um dos princípios que devem nortear a

“execução” da medida socioeducativa, segundo o art. 35 da Lei n. 12.594/2012,

acerca do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários durante o processo

socioeducativo.

Em razão de tal garantia é que se justifica que, durante o cumprimento da

medida de internação, a realização de atividades externas, a critério da equipe

técnica da entidade de atendimento, conforme disposto no art. 121, §1º do Estatuto

da Criança e do Adolescente, sendo que em muitos casos não é imprescindível a

presença de autorização judicial. Sobre o critério adotado na prática pela equipe

técnica para conceder a permissão para realizar atividades externas, Márcio Pinho

de Carvalho147 faz a seguinte ressalva:

Na atividade diária é constante haver dúvida das equipes técnicas e direção das unidades sobre as possibilidades do adolescente sair do local, sem autorização judicial prévia. [...] Parece haver desconhecimento da legislação por parte das entidades de acompanhamento das medidas. Ou então, existe receio de assumir responsabilidades, havendo sempre a ideia de judicializar a questão, para não haver necessidade de tomar uma decisão sem o respaldo judicial. Essa cultura de judicializar questões desnecessárias, transferindo a responsabilidade para o Judiciário, deve ser combatida por meio de treinamento adequado para os gestores das medidas, conscientizando-os dos direitos dos adolescentes.

147 CARVALHO, 2018, p. 160-161.

80

Em razão da necessidade de manutenção da convivência integrativa é que o

art. 124 do mencionado Estatuto prevê, dentre as prerrogativas do adolescente

privado de liberdade, a observância do direito de permanecer internado na mesma

localidade ou o mais próximo possível de seu domicílio, corresponder-se com

familiares e amigos, receber escolarização, realizar atividades culturais, esportivas e

de lazer e ter acesso aos meios de comunicação. Nesse sentido, a Lei n. 12.594

também prevê, em seu art. 15, a necessidade de o programa de internação

apresentar atividades de natureza coletiva.

Fato é que a convivência em comunidade é requisito fundamental à

socialização do ser humano desde a mais tenra idade, e por este motivo, não deve

ser brutalmente cessada quando do início do cumprimento da medida

socioeducativa de internação, não devendo o adolescente ser completamente

privado do seu convívio em sociedade, uma vez que este permanece em constante

formação de caráter sob a observância de uma peculiar condição de

desenvolvimento.

O tratamento dado ao adolescente durante o cumprimento da medida

socioeducativa de internação será crucial para determinar seu comportamento ao

fim deste, de maneira que, caso ocorra de maneira abrupta e similar a um sistema

carcerário comum, poderá ocasionar, a longo prazo, sequelas no caráter do

adolescente assistido. Nesse sentido, a acadêmica de psicologia Fernanda Campos

Marinho148 faz o seguinte apontamento:

Algumas pesquisas foram realizadas a fim de demonstrar os efeitos das sanções judiciais sobre os adolescentes autores de ato infracional. A partir de uma revisão bibliográfica, Ascani (2011) questiona a intervenção judicial sobre adolescentes, explicitando seu efeito oposto ao esperado: o de conduzir o jovem a agir de forma desviante. Devido às consequências da rotulação formal, o jovem pode engavetar sua necessidade de se conformar às normas vigentes, rejeitar as instituições que sente rejeitá-lo e procurar se associar a pares que podem fornecer-lhe suporte social. Além disso, a subcultura formada no interior das organizações para privação de jovem pode favorecer o futuro comportamento delinquente, especialmente devido à fase especial de desenvolvimento em que se encontram. Para o autor, um envolvimento precoce com o sistema de justiça pode ter graves implicações a longo prazo.

148 MARINHO, Fernanda Campos. Jovens Egressos do Sistema Socioeducativo: Desafios à Ressocialização. 149 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, Universidade de Brasília, Brasília, 2013, p. 81.

81

A então chamada integração em comunidade, neste trabalho traduzida em

integração comunitária, mas em muitos estudos conhecida como reintegração ou

reinserção em sociedade, se demonstra como um dos maiores desafios quando do

enfrentamento de uma medida socioeducativa de internação. O adolescente que

retorna após o cumprimento da medida de internação, havia sido, na realidade,

recentemente apresentado ao convívio social e tão logo dele é retirado, causando

uma interrupção da vida que até então conhecia.

Tal interrupção, se não tratada pela entidade de atendimento da melhor

maneira possível durante e logo após o cumprimento da medida em regime fechado,

poderá ocasionar um comportamento que acabará por afastar o adolescente de

novas oportunidades ou mesmo separá-lo de seus pares. Sobre o assunto,

Fernanda Campos Marinho destaca o entendimento de Goffman149:

O autor propõe que os efeitos destas instituições no indivíduo ocorrem no sentido de aliená-lo tanto do mundo a sua volta quando da sua própria pessoa, a partir do que chama de “mortificações do eu”. As mortificações ocorrem por meio de diversos processos em que a pessoa é destituída de sua individualidade, de seu senso de identidade, de seus sentimentos, de seu patrimônio. Como consequência das várias formas de profanação e desfiguração, o interno deixa de se reconhecer pelo que era, muitas vezes se adaptando, no sentido de adotar as atribuições que o novo meio lhe fornece.

O período em que o adolescente se encontra distante do convívio social

causará estranheza a este quando do seu retorno se a entidade de atendimento não

tomar como principal de suas preocupações a manutenção da formação desde

adolescente, estendendo a realização de suas atividades cotidianas de maneira a

atingir a comunidade, e não permanecer numa inércia individual e isolada.

Nesse sentido, é possível citar o apontamento feito por Goffman150, segundo

o qual, diante da possibilidade de liberação após longo período internado, o

adolescente pode desenvolver certa angústia ao retornar para a sociedade quando

da descoberta de que sua posição em relação a esta não é mais a mesma. Sendo

que a posição de fechamento da comunidade muitas vezes adotado pela entidade

149 GOFFMAN, 2005 apud MARINHO, Fernanda Campos. Jovens Egressos do Sistema Socioeducativo: Desafios à Ressocialização. 149 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, Universidade de Brasília, Brasília, 2013, p. 45. 150 MARINHO, Fernanda Campos. Jovens Egressos do Sistema Socioeducativo: Desafios à Ressocialização. 149 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, Universidade de Brasília, Brasília, 2013, p. 46.

82

de atendimento, que entende ser autossuficiente quando do tratamento do

adolescente, acaba por negligenciar o seu retorno à sociedade:

Pode haver sentimento de recepção fria, em vista do que passou, e necessidade de esconder o seu passado devido ao estigma (Goffman, 2005). Se a estada do interno é muito longa, pode ocorrer, caso ele volte para o mundo externo, o que já foi denominado desculturamento ou um destreinamento, que “ o torna temporariamente incapaz de enfrentar alguns aspectos de sua vida diária” (Goffman, 2005). Parte destas dificuldades apresentadas devem-se à característica de enclausuramento, de fechamento destas instituições e a despreocupação em realizar um trabalho especial com os egressos, deixando-os a própria sorte. Também, não existem trabalhos estendidos à comunidade, uma vez que as instituições atuam como se contivessem o necessário para solucionar o problema do interno, tratá-lo e devolvê-lo à sociedade.

Cabe à entidade de atendimento então, buscar aparato técnico-profissional

com o objetivo de atrelar um tratamento que não deixe de ser corretivo, mas que

prima pela proteção do adolescente atendido. É necessário adotar um tratamento

equânime na medida de sua condição peculiar de desenvolvimento, ou seja, por

mais que este adolescente mereça ser tratado como sujeito comum de direitos, está

exposto a condições de vulnerabilidade social que merecem atenção diferenciada

por parte das entidades de atendimento.

Esse tratamento equânime quase sempre se mostra ferido pela

vulnerabilidade social em que se encontra imergido o adolescente em conflito com a

lei, uma vez que este comumente se localiza na periferia da sociedade, sendo

constantemente exposto a pré-julgamentos, mesmo antes de conflitar com a lei.

Nesse sentido é o estudo de Fernanda Campos Marinho151 acerca dos desafios da

ressocialização:

Uma questão relevante é que adolescentes de diversas origens sociais se envolvem em práticas ilícitas, entretanto, como veremos, aqueles que respondem por suas práticas e os que terminam privados de liberdade compõe um universo restrito: o dos jovens expostos à situação de vulnerabilidade social. Por tal motivo, a sociedade em geral e seus meios de comunicação social, por muito tempo associaram a pobreza à delinquência, negligenciando grosseiramente que o desvio social de jovens ocorre no interior de todas as classes sociais.

151 MARINHO, Fernanda Campos. Jovens Egressos do Sistema Socioeducativo: Desafios à Ressocialização. 149 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, Universidade de Brasília, Brasília, 2013, p. 38.

83

Sobre a noção de vulnerabilidade social, a acadêmica afirma que esta é

entendida como “a exposição do adolescente a fatores que aumentam os riscos de

que este possa ser prejudicado”, sendo que estes fatores de risco seriam as

características que contribuem para a predisposição à prejudicar seu

desenvolvimento, no caso, indo de encontro à prática de ato infracional, dentre estes

fatores pode-se citar, por exemplo, “a evasão escolar, violência sofrida, usos de

drogas por familiares, baixo acesso à bens e serviços”152.

Acerca desta realidade social, a Secretaria da Justiça, Trabalho e Direitos

Humanos do Estado do Paraná (SEJU-PR), em estudo acerca das bases teórico-

metodológicas da socioeducação153 destacou que o tratamento dado pelo Estado

acaba por muitas vezes isolando o indivíduo, “não dando a ele a possibilidade de

exercer outro papel a não ser o que lhe foi imposto pelo estigma criado socialmente”,

violando o princípio da não intervenção:

Como resposta ao aumento da criminalidade, o Estado intervém utilizando-se de um discurso repressivo e criminalizador, sendo os indivíduos responsabilizados pelas infrações sem que se leve em conta as situações vivenciadas por eles. Ou seja, desconsidera-se o contexto sócio econômico e cultural no qual estes sujeitos são produzidos. [...] Como forma de estancar esta violência, o Estado preocupa-se em neutralizar os indivíduos, muitas vezes, retirando-os do convívio social amplo. Como apresenta Feitosa (2011), a internação socioeducativa tem sido a resposta oferecida pela sociedade para o enfrentamento do problema da prática de atos ilícitos pelos adolescentes, assim como em relação aos demais problemas sociais, tanto na atualidade como no passado.

Além disso, o estudo destacou a realidade dos adolescentes sob privação de

liberdade em razão do cometimento de ato infracional, de acordo com dados

levantados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA154 em parceria

com o Ministério da Justiça no ano de 2003, 60% dos adolescentes que cumpriam

medida de privação de liberdade eram negos, 51% não frequentava a escola, 66%

viviam em famílias consideradas extremamente pobres.

152 MARINHO, Fernanda Campos. Jovens Egressos do Sistema Socioeducativo: Desafios à Ressocialização. 149 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, Universidade de Brasília, Brasília, 2013, p. 40. 153 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. Cadernos de Socioeducação: bases teórico-metodológicas da socieducação, 2018, p. 67. Disponível em: <http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/Caderno_BASES_digital.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2019. 154 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. Cadernos de Socioeducação: bases teórico-metodológicas da socieducação, 2018, p. 71. Disponível em: <http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/Caderno_BASES_digital.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2019.

84

Apesar da ausência de atualização constante de tais dados, é possível

verificar a partir do Levantamento Anual Sinase 2016, ao menos, que pretos/pardos

continuam sendo maioria quando se fala em medidas privativas de liberdade, com

59,08%.

Ainda, no que diz respeito à necessidade de atenção por parte do Estado em

relação ao cuidado com a integração em comunidade do adolescente assistido,

aplica-se o apontado por Mário Luiz Ramidoff155:

A emancipação subjetiva infanto-adolescente, enquanto sujeito de direito, certamente, perpassa pela formulação e execução de políticas sociais públicas específicas que identifiquem, reconheçam e assegurem o atendimento das necessidades vitais básicas – multifacetárias e em eterna (re)construção – da criança e do adolescente – contemplando, também, as de seus respectivos núcleos familiares. Pois, é certo que somente assim será possível oferecer estrutural e funcionalmente o acesso indispensável para a melhoria da qualidade de vida individual e coletiva (comunitária – social) da criança e do adolescente, enquanto sujeitos de direito que se encontram na condição humana peculiar de desenvolvimento.

Sobre o trabalho a ser realizado com o adolescente para propiciar seu retorno

adequado à sociedade, a SEJU-PR deu exemplo de boas práticas em estudo

publicado no ano de 2018156, apontando o enfrentamento de discriminação e

preconceito sofrido pelo adolescente egresso:

A proposta de trabalho destinada ao egresso de medida socioeducativa deverá trazer reflexos diretos na redução dos índices de reincidência, uma vez que o adolescente institucionalizado por vezes não alcança a maturidade necessária para a elaboração do projeto de vida durante o prazo definido para cumprimento da medida, além do fato dos desafios tornarem-se muito mais complexos no seio da comunidade, do que dentro da instituição. Além disto, o egresso enfrenta a discriminação e o preconceito social, responsáveis, em grande parte, pelos bloqueios ao exercício da cidadania e pela reincidência em atos infracionais. Justifica-se neste atendimento articulações com recursos da comunidade, com formação de parcerias que resultem na inclusão social do adolescente, sob uma nova perspectiva.

Durante o cumprimento da medida socioeducativa de internação, então, o

adolescente em conflito com a lei deve ser constantemente assistido com o fim de

155 VERONESE, Josiane Rose Petry (Coord.); ROSSATO, Luciano Alves (Coord.); LÉPORE, Paulo Eduardo (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente: 25 anos de desafios e conquistas. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 466-467. 156 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. Cadernos de Socioeducação: bases teórico-metodológicas da socieducação, 2018, p. 154. Disponível em: <http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/Caderno_BASES_digital.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2019.

85

minimizar as mazelas sociais às quais está exposto. Sendo que a promoção de

políticas públicas é necessária no sentido de buscar diminuir tais adversidades e

tornar igualitário o acesso à oportunidades ao adolescente, devendo o fator de

proteção da medida socioeducativa falar muito mais alto do que seu caráter punitivo.

5.2 CAPACITAÇÃO LABORAL

A medida socioeducativa tem como objetivo, segundo o art. 1º da Lei n.

12.594/2012, a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas

do ato infracional cometido, mas tal responsabilização deve atentar a um segundo

objetivo, tão importante quanto, que é a integração social do adolescente e a

garantia de seus direitos individuais e sociais, dentre estes, estão os direitos básicos

ao trabalho e aprendizagem, lendo-se como interpretação do direito à

profissionalização elencado dentre as garantias trazidas pelo art. 227 da

Constituição da República.

A medida de internação, mesmo diante da sua suposta excepcionalidade, tem

intenção não só punitiva ou educacional, mas também de promover o

desenvolvimento do adolescente em conflito com a lei, para que não saia do

Sistema somente “sancionado”, mas apto à retornar ao convívio em sociedade. Isto

somente será possível se este Sistema buscar viabilizar ao máximo o retorno à vida

comum, por meio do acesso a educação e profissionalização. Nesse sentido,

destaca-se a noção trazida por Sérgio Salomão Shecaira e Alcel Corrêa Junior157:

Segundo Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Junior, deve ser compreendida a ressocialização não no sentido de reeducar o condenado para que este se comporte como deseja a classe detentora do poder, mas sim como reinserção social, ou seja, a finalidade da sanção penal deve ser a criação de mecanismos e condições para que o indivíduo retorne ao convívio social sem traumas ou seqüelas que impeçam uma vida normal.

O direito do adolescente à aprendizagem, profissionalização e,

consequentemente, ao trabalho, está previsto nos arts. 60 a 69 do Estatuto da

Criança e do Adolescente, sendo estes conceitos complementares no processo de

desenvolvimento do adolescente e integração em comunidade ao fim do

157 FERNANDES, Samara Borges. A qualificação profissional como alternativa ressocializadora ao adolescente infrator. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_ artigos_leitura&artigo_id=15980&revista_caderno=12>. Acesso em: 04 nov. 2018.

86

cumprimento da medida socioeducativa imposta face ao cometimento de ato

infracional.

O direito à profissionalização garante a possibilidade de o adolescente maior

de 16 anos exercer ofício, salvo na condição de aprendiz, a qual poderá ser exercida

a partir dos 14 anos de idade. Esta é a interpretação dada ao art. 7º da Constituição

da República de 1988, a qual se sobressai à redação do art. 60 da Estatuto da

Criança e do Adolescente, em razão da sua interpretação ambígua. Visando

esclarecer a confusão interpretativa feita pelo legislador, Guilherme Freire de Melo

Barros158 esclarece:

[...] a Constituição da República estabelece no art. 7º, inciso XXXIII, que “é proibido o trabalho noturno, perigoso o insalubre a menores de 18 (dezoito) anos e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos”. Por sua vez, o Estatuto, em consonância com a Constituição, afirma no art. 60 que “é proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz”. A redação do dispositivo constitucional é mais clara, enquanto a do Estatuto pode causar confusão no leitor. Pelo artigo do Estatuto, seria possível entender que é possível o trabalho do adolescente com menos de 14 anos de idade, desde que na condição de aprendiz. Isso por causa da expressão dúbia “menores de quatorze anos”, que pode significar “aquele com menos de 14 anos”. Essa, porém, não é a interpretação que se adéqua à Constituição da República. Ao se referir a “menores de quatorze anos”, o Estatuto se referiu àquele jovem que já completou 14 anos de idade.

Diante disso, veda-se, então o trabalho dos menores de 16 anos de idade,

salvo na condição de aprendiz – que pode se iniciar aos 14 anos completos, sendo

que a partir dos 16 anos de idade o adolescente poderá trabalhar como empregado

regular. Cabe ressaltar que mesmo na condição de aprendiz são resguardados os

direitos trabalhistas e previdenciários, conforme preceitua o art. 65 da Lei n.

8.069/90.

Finalmente, a redação do art. 62 do Estatuto da Criança e do Adolescente

considera aprendizagem como a formação técnico-profissional ministrada segundo

as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor. Esta formação técnico-

profissional deve obrigatoriamente garantir acesso e frequência obrigatório ao

ensino regular, bem como ser atividade compatível com o desenvolvimento do

adolescente e em horário especial para o exercício das atividades, de acordo com o

disposto no art. 63 do mencionado diploma legal.

158 BARROS, 2010, p. 105-106.

87

O direito à profissionalização engloba, então, o direito à aprendizagem e ao

trabalho, devendo respeitar a condição peculiar de desenvolvimento do adolescente

e observar uma capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho, de

acordo com o art. 69 do Estatuto.

O direito à profissionalização está intimamente ligado com o direito à

educação, uma vez esta seria o meio para atingir o fim objetivado, e se mostra

crucial para que o adolescente, retornando à sociedade após o cumprimento da

medida socioeducativa ao qual foi submetido, possa se readaptar de maneira

adequada e minimizadora da situação de desigualdade a qual se encontra em razão

do seu afastamento da sociedade.

Em função disso, possibilitar a profissionalização durante o período de

cumprimento da medida socioeducativa de modo a preservar sua imagem anterior

aos pré-julgamentos impostos pela sociedade é de extrema importância para

proporcionar ao adolescente o início de um novo ciclo em sua recém-iniciada vida

em comunidade, sendo requisito fundamental para ter a medida socioeducativa

como eficaz.

No que diz respeito à profissionalização como um meio garantidor de

igualdade, destaca-se o seguinte trecho de obra de Marta de Toledo Machado159:

Em suma, formação profissional garantidora de um mínimo de igualdade entre os cidadãos quando da inserção no mercado de trabalho – o que se objetiva pelo direito à profissionalização – demanda muito estudo e muito tempo como bem revela a tendência expressiva da sociedade para a educação continuada e permanente dos próprios adultos.

A aprendizagem se faz extremamente importante para que o adolescente em

conflito com a lei desenvolva uma noção de responsabilidade e merecimento que só

o mercado de trabalho poderá proporcionar. Em razão disso, a Lei n. 12.594/2012

acrescentou uma série de disposições que garantem a possibilidade de

adolescentes que se encontram em conflito com a lei se tornarem integrantes dos

Serviços Nacionais de Aprendizagem intitulados como aprendizes, seja no programa

do SENAI, SENAC, SENAR e SENAT, de acordo com o disposto na legislação

específica que regulamenta cada um destes sistemas.

159 TOLEDO, Marta de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri: Manole, 2003, p. 189.

88

Ainda, o contrato de Menor Aprendiz, regido pelo art. 428 da Consolidação

das Leis do Trabalho160, possibilita que o maior de 14 anos e menor de 24 anos se

insira em empresas com programa de formação técnico-profissional, programa este

que pode ser compatibilizado com a situação em que se encontra grande parte dos

adolescentes usuários do Sinase, como ressaltado no art. 429, §2º161 da CLT.

As medidas socioeducativas que determinam a imposição de regimes

privativos de liberdade garantem o direito do adolescente em conflito com a lei

receber escolarização e profissionalização, conforme disposto no art. 124, inciso XI

do ECA. Da necessidade da medida socioeducativa garantir aos adolescentes os

referidos direitos fundamentais quando da sua aplicação e da sua relação com a

educação, pode-se extrair o seguinte trecho da obra de Ramidoff162:

A questão central é precisamente a da idéia de educação não apenas acerca do conteúdo ou valor que se pretenda oferecer ou “interiorizar”, mas, sim, auxiliá-lo – o adolescente – nas tomadas de decisão talvez mais importantes de sua vida, quando não, auxiliando-o a realizar-se como pessoa humana, também, enquanto tarefa pessoal. Em decorrência disso, é importante dizer que a medida socioeducativa, não deixando de ser uma ação moral, por certo, não se limita também a ser uma mera sequencia de atos desconexos, nem uma pura execução mecânico-material de determinados atos conexos, os quais são determinados por um comportamento idealizado legalmente e tomado da experiência paralela do mundo adulto como modelo.

Acrescenta-se que o art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente

determina ser a educação direito assegurando ao adolescente, visando seu pleno

desenvolvimento pessoal e preparo para o exercício da cidadania e qualificação

para o trabalho, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.

160 Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação. [...] §4º A formação técnico-profissional a que se refere o caput deste artigo caracteriza-se por atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho. 161 Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. § 2º Os estabelecimentos de que trata o caput ofertarão vagas de aprendizes a adolescentes usuários do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) nas condições a serem dispostas em instrumentos de cooperação celebrados entre os estabelecimentos e os gestores dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo locais. 162 RAMIDOFF, 2008a, p. 102.

89

Além do mais, é dever do Estado assegurar ao adolescente todo o

atendimento educacional necessário à sua formação, conforme disposto no art. 54, I

do Estatuto, não devendo ser feita qualquer distinção com relação ao adolescente

em conflito com a lei em cumprimento de medida de internação. Sendo de todos o

direito a educação para a consequente qualificação para o trabalho, de acordo com

a redação do art. 205 da Constituição da República, é dever do Estado garantir este

mesmo direito durante o cumprimento de medida socioeducativa em questão.

Acerca da importância do acesso do menor ao trabalho ou mesmo da sua

proteção quando este ocorre, Wilson Donizeti Liberati163 destaca a fala de Mozart

Víctor Russomano, ministro do Tribunal Superior do Trabalho:

[...] “o menor de hoje será o trabalhador adulto de amanhã. Por sua idade, por seu incipiente desenvolvimento mental e orgânico, a lei trabalhista lança mão de todos os meios ao seu alcance a fim de evitar desgastes exagerados em seu corpo. É igualmente necessário que o trabalho executado pelo menor, por força das contingencias da vida moderna, não prejudique a aquisição, através do estudo, dos conhecimentos mínimos indispensáveis à participação ativa do homem na vida do País”. E continua: “Só dando ao menor o que ele merece, defendendo a formação de seu espírito e a constituição de seu corpo, é que a sociedade poderá contar com homens úteis a si mesmos e à comunidade” [...].

Tem-se que a observância do direito à profissionalização durante o

cumprimento de medida socioeducativa de internação é meio para assegurar um

retorno bem sucedido do adolescente à sociedade, e de acordo com Roberto João

Elias164, “dá-se a proteção para que todo adolescente tenha oportunidade, por meio

do trabalho, de se desenvolver plenamente”, concluindo, então, que tal proteção não

é um privilégio, mas sim a forma de alcançar o equilíbrio – equilíbrio este entre o ato

infracional cometido e o direito ao esquecimento e à segunda chance perante a

sociedade.

Sobre a garantia do acesso à qualificação profissional durante a privação de

liberdade, o estudo realizado pela Secretaria da Justiça, Trabalho e Direitos

Humanos do Estado do Paraná165 dispôs:

163 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2010, p. 55. 164 ELIAS, Roberto João. Direitos fundamentais da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva. 2005, p. 90. 165 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. Cadernos de Socioeducação: bases teórico-metodológicas da socieducação, 2018, p. 72. Disponível em: <http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/Caderno_BASES_digital.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2019.

90

[...] é necessário ter clareza de que o adolescente que está em cumprimento de medida socioeducativa de internação tem unicamente restrita sua liberdade e convívio com a comunidade, devendo ter sua cidadania e demais direitos resguardados. Logo, a unidade socioeducativa deve garantir que o adolescente tenha acesso aos seus demais direitos, incluindo-se a qualificação profissional. Isso significa dizer que independentemente de situações como grau de envolvimento infracional, nível de escolaridade e comportamento institucional (salvo quando comprometa a segurança do próprio adolescente ou de outros), das atividades de qualificação devem ser ofertadas e sua execução garantia. Assim, a escolha dos cursos e atividades de qualificação deve respeitar o interesse do público de adolescentes, sendo que estes devem participar da seleção de atividades a serem realizadas.

Além disso, o estudo aponta que é necessário que a instituição de

atendimento esteja familiarizada com o seu potencial de atendimento e alcance,

tendo como objetivo apresentar novas possibilidades de inserção profissional além

das já então conhecidas pelo adolescente, sendo que quanto mais abrangente for a

oferta de qualificação, mais o potencial dos atendidos poderá ser explorado, pois

“muitas vezes as escolhas por custos específicos acontecem pelo pouco ou não

conhecimento das diferentes áreas, bem como seu potencial de inserção futura no

mercado de trabalho e obtenção de renda”166.

Tendo em vista que muitas vezes a entidade de atendimento não tem os

meios necessários para realizar a capacitação por si só, a possibilidade de parcerias

com instituições locais, renovada pela Lei n. 12.594/2012, é de extrema importância

para a promoção da qualificação profissional.

Os muros da internação não devem ser um empecilho à realização das

atividades, devendo as práticas de segurança serem flexibilizadas na medida

necessária ao atendimento dos requisitos para qualificação, visto que muitas vezes,

para o aprendizado do ofício é necessário utilizar equipamentos que diferem dos

permitidos, como martelos, furadeiras, soldas etc. Segundo a Secretaria da Justiça,

Trabalho e Direitos Humanos do Estado do Paraná, “a formação e acompanhamento

das turmas também deve ser entendida como aspecto de segurança”167.

No que diz respeito às ações realizadas atualmente para proporcionar tal

capacitação para o trabalho, pode-se citar como exemplo a iniciativa do Ministério

166 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. Cadernos de Socioeducação: bases teórico-metodológicas da socieducação, 2018, p. 72. Disponível em: <http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/Caderno_BASES_digital.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2019. 167 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. Cadernos de Socioeducação: bases teórico-metodológicas da socieducação, 2018, p. 73. Disponível em: <http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/Caderno_BASES_digital.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2019.

91

Público do Trabalho para beneficiar ações da Secretaria de Políticas para Crianças,

Adolescentes e Juventude (Secriança), em parceria com o Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial (Senai)168, em que adolescentes em cumprimento de

medida socioeducativa podem se candidatar a cursos profissionalizantes de

assentamento de piso e assistência administrativa oferecidos nas unidades de Santa

Maria e Recanto das Emas.

As unidades de atendimento do Estado do Paraná realizaram parceria com o

SENAI até o ano de 2017169, ofertando cursos com carga horária de 160 horas nas

áreas de: almoxarife, auxiliar de arquivo, mecânica, desenho de móveis, assistente

administrativo, operador de computador, chapeiro, corte e costura, auxiliar de

cabelereiro, libras e padeiro, entre outros. Tal parceria se mostrou como uma das

mais inclusivas, uma vez que abrangeu áreas diversas, não se restringindo apenas a

cursos básicos que manteriam os adolescentes às margens da sociedade – mesmo

que proporcionando uma inclusão, esta se demonstra, na maioria dos casos, básica

em demasiado.

É possível também citar o trabalho realizado pelo Programa Aprendiz Legal,

fundamentado na lei da aprendizagem (Lei 10.097/2000), sendo que cada ente

federado possui uma instituição responsável pela coordenação local do programa,

no Paraná, por exemplo, a instituição que coordena o programa implementou um

projeto que facilita a busca de vagas de estágio de acordo com as qualificações que

este possui170.

Em 2011, segundo estudo do Conselho Regional de Justiça – CNJ171, apenas

61% das unidades de atendimento observavam o direito de acesso do adolescente

atendido à cursos profissionalizantes, sendo que as instituições do Sudeste

apresentavam maior índice de oferta de profissionalização, correspondente a 80%,

enquanto a região Centro-Oeste é a que possui o menor índice, com apenas 25%.

168 CAIXETA, Fernando. Iniciativa do MPT leva capacitação a jovens do sistema socioeducativo. Jus Navigandi. Disponível em: <https://www.metropoles.com/distrito-federal/direitos-humanos-distrito-federal/iniciativa-do-mpt-leva-capacitacao-a-jovens-do-sistema-socioeducativo>. Acesso em: 14 mar. 2019. 169 SECRETARIA DE ESTADO, JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. Relatório de Ações do Departamento de Atendimento Socioeducativo – 2016, 2017, p. 24-25. Disponível em: <http://www.dease.pr.gov.br/arquivos/File/relatorioDEASE_2016.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2019. 170 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. Cadernos de Socioeducação: bases teórico-metodológicas da socieducação, 2018, p. 74. Disponível em: <http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/Caderno_BASES_digital.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2019. 171 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Panorama Nacional: A execução das medidas socioeducativas de internação, 2012, p. 132. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/panorama_nacional_doj_web.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2019.

92

Grande parte dos adolescentes que cometeram ato infracional não

trabalhavam quando da ocorrência deste, muitas vezes por não ter acesso à

oportunidades adequadas. Cabe neste momento, então, ao Estado aproveitar a

oportunidade que tem em mãos de mudar essa realidade durante o cumprimento da

medida de internação, impulsionando no adolescente o desejo por crescimento e

capacitação profissional, como meio de superação da situação enfrentada.

Tendo em vista todo o discorrido, fato é que, mesmo devendo ser

determinada somente em último caso, a medida socioeducativa de internação tem

sido maioria dentre, conforme dados recentemente levantados, correspondendo à

70% do panorama de atendimento socioeducativo atual e atingindo 23.751

adolescentes no ano de 2016. Tal alcance acaba por privar ainda mais o acesso do

adolescente à oportunidades que, quase como regra, já possuía poucos acessos

disponíveis às suas mãos, diante da realidade de vulnerabilidade social que

enfrentara anteriormente.

Diante disso, não se pode colocar tais adolescentes assistidos em posição de

desvantagem com aqueles que cumprem medidas socioeducativas em meio aberto,

no que diz respeito ao acesso à oportunidades, apenas em razão de a internação

ser determinada em face de elevada gravidade do ato infracional cometido, visto que

a todos são garantido os mesmos direitos. Fazer isso seria o mesmo que descartar

quase que por completo a garantia do direito ao aprendizado, tendo em vista que a

grande maioria dos adolescentes atendidos se encontra sob o regime de internação

e deste direito seria privado.

5.3 FUNÇÃO ESTATAL NA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO

Como já explicitado anteriormente, o art. 227 da Constituição da República de

1988 determina ser dever conjunto da família, sociedade e Estado assegurar ao

adolescente, com absoluta prioridade o direito à vida, saúde, alimentação,

educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade,

convivência familiar e comunitária, colocando-os à salvo de toda forma de

negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, por meio da

promoção de políticas públicas que respeitem o determinado nos parágrafos do

respectivo dispositivo legal.

93

O art. 3º da Lei n. 8.069/90 garante que o adolescente goza de todos os

direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, devendo a este ser asseguradas

oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento devido em

todas as áreas de sua vida em condições de liberdade e dignidade. Além disso, o

parágrafo único do mesmo dispositivo proíbe a discriminação deste

independentemente da condição em que se encontre.

Todos estes direitos devem ser observados inclusive quando diante do

cumprimento de medida de internação, cabendo, inclusive, dizer que durante este é

ainda mais relevante, visto ser esta a oportunidade que o Estado tem de garantir de

perto a aplicação de tais dispositivos, devendo cumprir com seu papel garantidor na

medida de seu alcance. Além disso, é neste momento que o adolescente se

encontra em condição de maior vulnerabilidade em toda a sua vida, estando exposto

a todo tipo de pré-julgamento e discriminação em um momento crucial para a

formação de seu caráter.

No que diz respeito aos os objetivos que devem ser atingidos a partir da

promoção de políticas públicas, Fabiano Botelho Zapata172 aponta:

As políticas públicas devem ser estratégicas e precisam considerar os grupos de vulneráveis. Devemos ter políticas com base em estudos sólidos, incluindo e promovendo as crianças e os adolescentes na vida social. Como observado ao se comentar as Diretrizes de RIAD, e necessário que se reconheça a importância da aplicação de políticas e medidas progressistas de prevenção da delinquência que evitem criminalizar e penalizar a criança por uma conduta que não cause grandes prejuízos ao seu desenvolvimento e que nem prejudique os demais. Ademais, deverão ser elaborados planos de prevenção, em todos os níveis de governo, que favoreçam a socialização e a integração eficazes de todas as crianças e jovens, particularmente através da família, da comunidade, dos grupos de jovens nas mesmas condições, da escola, da formação profissional e do meio trabalhista, como também mediante a ação de organizações voluntárias.

É dever legal do Estado garantir que todos os direitos fundamentais ao

adolescente garantidos, como condição de pessoa equiparada à plena de direitos,

sejam devidamente protegidos. Sendo que neste momento, cabe ao presente estudo

extrair qual é o verdadeiro papel do Estado – em um trabalho conjunto de seus três

níveis de governo, no que diz respeito à eficácia das medidas socioeducativas de

internação, bem como se ele tem sido cumprido de acordo com os objetivos

172 ZAPATA, 2016, p. 45.

94

traçados para esta nas Leis de Regência do Estado Brasileiro. Acerca da divisão de

competências dentro da Administração Pública:

De modo geral, a gestão do sistema compartilhado entre as três instancias da administração pública tem o seguinte desenho: à União cabe normatização, cofinanciamento, coordenação e apoio, considerando que a política está vinculada à Presidência da República, na Secretaria de Direitos Humanos; aos Estados, normatização, cofinanciamento, apoio aos municípios e atendimento direto ao adolescente em medida de privação de liberdade (internação, semiliberdade e internação provisória). Nesse nível, a política está vinculada às pastas de Justiça e Cidadania, Assistência Social, Educação e outras; e, aos Municípios, cabe normatização, cofinanciamento e apoio às organizações da sociedade civil, atendimento direto ao adolescente em medida de restrição de liberdade (prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida) e a política vincula-se à pasta da Assistência Social, por meio dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas)173.

Ocorre que, como bem apontou Plano Nacional de Atendimento

Socioeducativo174, disponibilizado pelo Governo Federal no ano de 2013, existem

desafios à implantação de uma política socioeducativa, como, por exemplo, a

dificuldade de organização de um sistema aplicado em escala nacional:

Um dos principais obstáculos à implantação e consolidação da política socioeducativa no país é a organização do sistema como um todo, pouco clara e compartimentada nas responsabilidades operacionais. A invisibilidade político-administrativa e a divisão político-operacional não facilita a implantação e consolidação da política socioeducativa no país. Muito pelo contrário.

Segundo o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo mencionado, cabe

aos estados, Distrito Federal e municípios a execução da política socioeducativa no

país, através de “ações descentralizadas e cofinanciadas nos três níveis de poder e

da articulação de políticas públicas setoriais que compõe o Sistema de Garantias de

Direitos”175.

173 ZAMORA, Maria Helena (Coord.); OLIVEIRA, Cláudia Lopes de. Perspectivas interdisciplinares sobre adolescência, socioeducação e direitos humanos. Curitiba: Appris, 2017. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=vzBmDwAAQBAJ&pg=PT50&lpg=PT50&dq=Frasseto,+2006&source=bl&ots=qeanRUatMY&sig=ACfU3U1jlfcZjjUsAgT2Tr3lqzYLnk1cYQ&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwjlzuzUg4rhAhXMILkGHf5IB6MQ6AEwCXoECAAQAQ#v=onepage&q&f=true>. Acesso em: 17 mar. 2019. 174 SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e eixos operativos para o SINASE, 2013, p 21. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/biblioteca/crianca-e-adolescente/plano-nacional-de-atendimento-socioeducativo.pdf/view>. Acesso em 17 mar. 2019. 175 SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e eixos operativos para o SINASE, 2013, p 21. Disponível

95

Ainda quanto aos desafios práticos enfrentados pelos entes da Administração

Pública para atingir os objetivos traçados pela medida de internação, o artigo

“Medida socioeducativa de internação: estratégia punitiva ou protetiva?”176 afirma

que a mudança de status social que se depara o adolescente em conflito com a lei

ocasiona uma vigilância constante do Judiciário que proporciona acesso a serviços

que promovem certa noção de cidadania, mas que ao mesmo tempo o faz por vias

marginais, veja-se:

Explicamos: há acesso ao trabalho, mas não a atividades que possibilitem a saída efetiva da criminalidade, visto que muitas dessas “oportunidades” se inserem, inclusive, na informalidade (“bicos”, sem carteira assinada etc.); há a dificuldade de as escolas aceitarem adolescentes com “esse perfil” (que, além disso, se encontram em grande defasagem em termos de idade-série); há, ainda, os encaminhamentos aos serviços de saúde, principalmente quando designados por determinação judicial, onde os jovens não raramente são recebidos com resistência pelas equipes, pois com frequência ocorre uma delegação às áreas psi – especialmente psiquiátricas – para que mediquem e adequem o comportamento dos que apresentam desvio de conduta (Reis, 2012). Assim se inicia o percurso desses jovens pelas malhas do judiciário, e o que será relevante a se fazer com essa população estará fundado nas práticas que possibilitam um controle preciso de sua circulação (Foucault, 2008a).

Sobre a função da medida socioeducativa no que diz respeito à qualificação

profissional, destaca-se o apontamento feito por Samara Borges Fernandes177 em

artigo acerca da qualificação profissional como alternativa ressocializadora:

O propósito de toda medida socioeducativa deve ser proporcionar um projeto de vida responsável. Para isso, faz-se necessário um processo de conscientização do próprio jovem acerca de suas capacidades e potencialidades, isto é, sua educação. Desse modo, a medida socioeducativa deve buscar, fundamentalmente, a própria reorganização da vida desses jovens, um processo pedagógico que lhe proporcione uma intersubjetividade relacional digna, mediante a compreensão adequada das regras que presidem as relações sociais. Neste sentido, diante do cometimento do ato infracional e da execução da medida socioeducativa, cabe ao Estado, através de pessoas e instituições responsáveis pela política de atendimento, constituir programas emancipatórios que ensejem a capacitação educacional dos adolescentes em conflito com a lei.

em: <https://www.mdh.gov.br/biblioteca/crianca-e-adolescente/plano-nacional-de-atendimento-socioeducativo.pdf/view>. Acesso em 18 mar. 2019. 176 SCISLESKI, Andrea Cristina Coelho et al. Medida socioeducativa de internação: estratégia punitiva ou protetiva?. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte , v. 27, n. 3, dez. 2015, p. 507. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822015000300505&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 17 mar. 2019. 177 FERNANDES, Samara Borges. A qualificação profissional como alternativa ressocializadora ao adolescente infrator. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_ artigos_leitura&artigo_id=15980&revista_caderno=12>. Acesso em: 04 nov. 2018.

96

Nota-se, então, que a acadêmica aponta como função do Estado proporcionar

uma política de atendimento eficaz, buscando constituir programas que ensejem, por

exemplo, a capacitação profissional do adolescente em conflito com a lei. Isso

porque a profissionalização é um dos principais meios de conscientização do

adolescente acerca de seu potencial de crescimento perante a sociedade, além

trazer grande noção de responsabilidade e merecimento a partir de suas conquistas

próprias.

Ainda sobre a responsabilidade das unidades de atendimento sobre a

qualificação profissional do adolescente em conflito com a lei, a Secretaria de

Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Estado do Paraná178 discorre:

É de responsabilidade das unidades de atendimento proporcionar aos adolescentes vinculados oportunidades de qualificação profissional, considerando os desafios enfrentados por esta população. Freitas (2017) reflete sobre esta ênfase na profissionalização da população de adolescentes em privação de liberdade, relacionando-a à disciplina e amoldamento da população para que estes sirvam a organização socioeconômica atual. Esta análise também deve ser feita pelos profissionais que atuam nas unidades de atendimento, de maneira com que as práticas propostas extrapolem estas características.

Já sobre o papel da Administração Pública no que diz respeito à integração

em comunidade deste adolescente, seja durante o cumprimento da medida

socioeducativa de internação, seja quando este dela for retirado, o documento179

expõe o seguinte ponto:

O acompanhamento do egresso aponta para a necessidade do atendimento do jovem nos seus interesses e expectativas, e a construção em conjunto, de respostas técnicas e sociais para o seu cumprimento. A validação técnica e política no acompanhamento do egresso adquirem contornos muito mais abrangentes por assumir preocupações com os vínculos de referência, sejam eles com grupos familiares, de vizinhança, de parentesco, etc., com vistas ao fortalecimento de práticas de cidadania e sociabilidade. Precisamos oferecer oportunidades reais para que o jovem se desenvolva nas relações com a comunidade e no acesso e usufruto das políticas sociais, exigindo-as enquanto direitos e não como favores. Em síntese, o preparo do adolescente para o seu desligamento e o acompanhamento do egresso exige uma ação técnica de cunho pedagógico atuando como

178 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. Cadernos de Socioeducação: bases teórico-metodológicas da socieducação, 2018, p. 72. Disponível em: <http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/Caderno_BASES_digital.pdf>. Acesso em: 17 mar. 2019. 179 SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS. Cadernos de Socioeducação: bases teórico-metodológicas da socieducação, 2018, p. 152. Disponível em: <http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/Caderno_BASES_digital.pdf>. Acesso em: 17 mar. 2019.

97

facilitadora de um processo de desenvolvimento social, colaborando para o jovem tenha acesso a uma igualdade social e de oportunidades. Nisto reside o verdadeiro sentido de socioeducar.

Acerca da efetividade das medidas socioeducativas de internação em um

panorama mais recente, é possível notar um déficit quando do cumprimento do

determinado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ao muitas vezes se

assimilar ao modelo prisional adulto, em razão da perpetuação da violação de

direitos quando de ocasiões em que ocorrem superlotação e alta índice de

reincidência, por exemplo180.

Diante de todo o exposto, ressalta-se que a socioeducação tem papel

fundamental de, além da responsabilização em si sobre o cometimento do ato

infracional, preparar o adolescente para assumir seu papel de agente perante a

sociedade, equiparando-o com acesso às condições normais de trabalho e

educação, sem qualquer distinção em razão da posição de vulnerabilidade em que

se encontrara.

Para isso, é crucial o comprometimento da Administração Pública em exercer

seu papel disciplinador e promotor de políticas públicas, com o fim de suprir toda e

qualquer necessidade do adolescente enquanto este estiver sob seu monitoramento

e cuidado, bem como evitar por completo a violação de seus direitos. Faz-se

necessário, então, “sua estruturação com base nas necessidades humanas do

segmento a que se destinam, enfim, conectadas às demandas de um homem

concreto”181, ou, no caso em tela, de um adolescente em construção de caráter sob

uma condição peculiar de desenvolvimento que merece atenção especial por parte

do Estado.

180 180 SCISLESKI, Andrea Cristina Coelho et al. Medida socioeducativa de internação: estratégia punitiva ou protetiva?. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte , v. 27, n. 3, dez. 2015, p. 509. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822015000300505&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em: 17 mar. 2019. 181 TEJEDAS, Silvia da Silva. Juventude e ato infracional: as múltiplas determinações da reincidência. 316f. Dissertação (mestrado) – Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005, p. 69.

98

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o analisado, o presente estudo possibilitou a verificação dos

dilemas enfrentados quando da análise da eficácia sócio-laborativa e integrativa da

medida socioeducativa de internação. Isso porque esta não deve ser analisada

apenas no âmbito da aplicabilidade da norma jurídica, visto que, de fato, nota-se que

foi elaborada com o fim de amoldar-se às necessidades e ao melhor interesse do

adolescente em conflito com a lei e realmente apresentou grandes avanços

legislativos nos últimos anos. Mas, a eficácia questionada deve, também, ser

examinada quando da produção de efeitos sociais, aferindo a aplicabilidade ao caso

concreto de modo a verificar-se também ao fim do cumprimento da medida

socioeducativa, ou seja, no que diz respeito às consequências de sua aplicação.

As medidas socioeducativas devem atender especificamente às necessidades

do adolescente, no que diz respeito ao âmbito sociopedagógico, não se vinculando

apenas aos efeitos decorrentes da gravosidade do ato infracional cometido. As

consequências que devem ser objetivadas quando do retorno do adolescente à

sociedade são sua integração a partir de políticas públicas de desenvolvimento

pessoal e profissional, por meio de um acompanhamento próximo de equipe

interdisciplinar e com atuação constante dentro da entidade de atendimento.

Para que seja possível atender os objetivos apontados, é crucial que o

princípio da proteção integral da criança e do adolescente seja tomado como norte

mesmo – e principalmente – durante o cumprimento da medida de internação

judicialmente imposta, a fim de controlar e efetivar os direitos fundamentais

garantidos ao adolescente. Neste ponto é que mereceram destaque os direitos à

convivência familiar e comunitária, à profissionalização e aprendizagem, tão

defendidos no presente trabalho.

Fato que é a realidade dos programas de internação no país, atualmente,

demonstra-se como aquela que não atende satisfatoriamente os parâmetros

determinados pelo Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, deixando de lado

o objetivo de diminuir a condição de vulnerabilidade social na qual o adolescente –

quase que inevitavelmente – encontra-se inserido.

De acordo com os dados levantados, foi possível notar um constante aumento

nas taxas de restrição e privação de liberdade, seja antes do advento do Sistema de

Atendimento Socioeducativo, seja depois. Demonstra-se que, apesar deste ter

99

trazido grandes inovações à preservação do adolescente em conflito com a lei, sua

aplicação vem deixado a desejar.

Hoje, do total de 26.420 adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa, 70% (18.567) se encontram em regime de internação e 20% (5.184)

sob internação provisória. Esse aumento teve relevante expressão no último triênio

em relação ao qual há acesso a dados em nível nacional (2014 a 2016).

O próprio Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo já havia apontado

que esse aumento se demonstrou mesmo em face de casos de baixa gravidade,

como uma resposta aos apelos pela redução da maioridade penal. Ocorre que tal

iniciativa nada adiantaria como meio de remissão da condição destes adolescentes

perante a sociedade; muito pelo contrário, optaria por escondê-los.

Nota-se, ainda, a dificuldade de analisar a fundo a eficácia da imposição das

medidas socioeducativas de internação, em razão da ausência de disponibilidade de

acesso a dados atualizados, sendo inacessíveis mesmo os índices de reincidência

em nível nacional, dados estes extremamente importantes para um estudo completo,

o que acabou por demonstrar certo descaso da Administração Pública.

O primeiro contato com o convívio social do adolescente aqui tratado,

naturalmente, é o familiar. Ocorre que este contato muitas vezes se encontra

rompido ou prejudicado pela condição de vulnerabilidade a que está – quase que

obrigatoriamente – submetido. Dentro dos meios em que se encontra o adolescente,

o próximo dos contatos seria o social, sendo este inserido no meio comum de

amizades, lazer e âmbito educacional.

Tendo em vista que estes vínculos são interrompidos pelo cumprimento da

medida de internação, e não devendo ser totalmente extirpados, uma vez que aqui

não se fala de uma penalização como no ramo do Direito Penal, é fundamental que

o Estado adote instrumentos que possibilitem o acesso, mesmo que limitado pela

responsabilização a que se encontra submetido o adolescente, a um convívio

comunitário saudável e ao meio exterior através de instrumentos de tecnologia e

comunicação, ou estímulo de práticas integrativas com seus pares, por exemplo.

Notou-se que, por muitas vezes, a imposição da referida medida acaba por

isolar o indivíduo, privando-o na mais tenra idade da sua condição natural de se

desenvolver no meio social, em nome de uma intervenção muitas vezes excessiva.

Este dito isolamento ainda é capaz de ocasionar a manutenção de sua condição,

100

tornando o ciclo de desenvolvimento do adolescente, que já se encontra em conflito

com a lei, vicioso.

No que diz respeito à função profissionalizante da medida socioeducativa de

internação, esta tem papel fundante para o desenvolvimento de identidade do

adolescente, uma vez que este se enxergará como sujeito ímpar detentor de

direitos, assim como qualquer dos seus semelhantes, a partir das oportunidades

com as quais se identificar.

Para tal identificação, é crucial que as unidades de atendimento, responsáveis

diretas pela aplicação e garantia do direito à capacitação para o trabalho,

disponibilizem cursos profissionalizantes nas mais diversas áreas, abrindo a mente

do adolescente atendido para além do conflito com a lei no qual se encontra e sendo

agente garantidor de igualdade ou, ao menos, de diminuição das desigualdades.

Ocorre que, apesar da previsão legal da possibilidade de diversas parcerias

com instituições profissionalizantes para proporcionar tal noção, notou-se que o

Estado acaba por optar por práticas modestas e à margem da sociedade, como

ofertar cursos nas áreas de assentamento de piso, assistência administrativa,

costura, panificação, jardinagem, manicure etc, trazendo pouquíssima noção de

prospecção acerca do crescimento no mercado de trabalho e superação da

realidade enfrentada pelo adolescente.

Apesar de estas funções de fato auxiliarem na inserção no mercado de

trabalho, não proporcionam sua manutenção de maneira adequada, perdendo-se a

oportunidade de incentivar no adolescente o desejo por investimento na vida

profissional através de estudo fundamentado na vida acadêmica e na colocação na

universidade. O que ocorre é certo encorajamento que se limita à acomodação nas

atividades pré-estabelecidas – muitas vezes, perpetuando uma condição marginal

socialmente imposta.

O Estado, colaborador por força constitucional da formação do adolescente,

não deve perder mais uma oportunidade de atender às necessidades deste quando

acaba por entrar em conflito com a lei, uma vez que o próprio conflito é um indicador

de anomalias no que diz respeito à relação deste adolescente com a sociedade.

Portanto, conclui-se que o conteúdo da medida socioeducativa deve buscar

atender não somente as demandas necessárias para se alcançar certa retribuição

pelo ato praticado, mas atingir o adolescente em toda a sua dimensão humana e sua

vida em sociedade, por meio de um tratamento transdisciplinar acerca da matéria,

101

envolvendo o trabalho conjunto de juristas, assistentes sociais, psicólogos e tantos

âmbitos quanto forem necessários à efetiva integração do adolescente em conflito

com a lei.

Conclui-se, então, que a restrição do direito à liberdade em nome da

responsabilização do adolescente em conflito com a lei tem nela o seu fim, não

devendo atuar como instrumento de segregação social ao restringir também seu

direito à cidadania e à vida plena quando do encerramento do seu cumprimento, em

respeito ao princípio da Mínima Intervenção do Estado. Por outro lado, a atuação

estatal se mostrou de extrema importância no sentido de possibilitar o acesso a

todos os meios que estiverem ao seu alcance para garantir um adequado retorno à

sociedade.

102

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