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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA LOUISE CAVASSIM DE CRISTO ALVES A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONSUMIDOR PELO ABUSO DO DIREITO À RECLAMAÇÃO VIA INTERNET CURITIBA 2019

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

LOUISE CAVASSIM DE CRISTO ALVES

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONSUMIDOR PELO ABUSO DO DIREITO À RECLAMAÇÃO VIA INTERNET

CURITIBA 2019

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LOUISE CAVASSIM DE CRISTO ALVES

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONSUMIDOR PELO ABUSO DO DIREITO À

RECLAMAÇÃO VIA INTERNET

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba. Orientadora: Profª Drª Andreza Cristina Baggio

CURITIBA 2019

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LOUISE CAVASSIM DE CRISTO ALVES

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONSUMIDOR PELO ABUSO DO DIREITO À RECLAMAÇÃO VIA INTERNET

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em

Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos

professores:

Orientadora: ____________________________________

Profª Drª Andreza Cristina Baggio

___________________________________

Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2019

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A todos aqueles que me incentivaram a chegar até aqui.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida e a oportunidade de conviver com

as pessoas maravilhosas com quem compartilho esta conquista.

Aos meus pais, que sempre investiram e acreditaram em mim, sem eles nada disso

seria possível.

Aos meus avós, especialmente meu avô Natanael, que sempre foi um segundo pai

para mim e que também contribuiu de maneira extremamente importante nessa

vitória, e que aonde quer que esteja deve estar olhando por mim.

Ao meu esposo, por nunca me deixar desistir e sempre me fazer acreditar que os

meus sonhos eu irei alcançar.

A todos os meus amigos e familiares que torceram pelo meu êxito.

A minha professora e orientadora, pelas instruções e ensinamentos, pois sem eles eu

não obteria o tão esperado sucesso em minha monografia.

Esta conquista não é somente minha, mas de todos nós.

A vocês minha eterna gratidão!

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“Nunca desista de um sonho só por causa do tempo que você vai levar para realizá-lo. O

tempo vai passar de qualquer forma”. (Autor desconhecido)

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar, à luz dos princípios norteadores do direito consumerista, entre eles o da boa-fé objetiva, a possibilidade de responsabilização do consumidor por abuso do direito à reclamação feita através da internet. Com o avanço das tecnologias, o acesso à informação se tornou cada vez mais facilitado, o que proporcionou aos consumidores a vantagem de contratar serviços ou comprar produtos sem nem ao menos sair de casa. Entretanto, fazendo uso do seu direito constitucional à liberdade de expressão, muitos indivíduos utilizam essa ferramenta para disseminar informações inverídicas sobre fornecedores na rede mundial de computadores. A legislação consumerista é extremamente protecionista em relação a parte considerada vulnerável, qual seja, o consumidor. Porém, isso não pode servir como forma de legitimar essa violação à imagem da pessoa jurídica. Tal atitude pode configurar abuso do direito, e, consequentemente, ser passível de responsabilização civil. Esta eventual responsabilidade é o tema a ser analisado neste estudo. Palavras-chave: Direito Consumerista. Princípios. Abuso do direito. Responsabilidade civil. Direito à reclamação.

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ABSTRACT

The present work aims to examine, in the light of the guiding principles of the right consumers, among them the objective good-faith, the possibility of accountability to the consumer for abuse of the right to claim through the internet. With the advancement of technology, the access to information became increasingly facilitated, which gave consumers the advantage of hiring services or buy products without even leaving home. However, making use of his constitutional right the freedom of expression, many individuals use this tool to disseminate information untrue about suppliers in the worldwide network of computers. The consumer law are extremely protectionist in relation to the part deemed vulnerable, that is, the consumer. However, this may not serve as a way to legitimize violation of the image of the juridical person. Such an attitude can define abuse of the law, and, consequently, be liable to civil liability. This possible responsibility is the subject to be analyzed in this study. Keywords: Consumer law. Principles. Abuse of right. Civil Liability. Right to claim.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMO LEI PRINCIPIOLÓGICA .... 13

2.1 O PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE .............................................................. 15

2.2 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ .................................................................................. 18

2.3 O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E O DA INFORMAÇÃO ........................... 23

2.4 O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA .......................................................................... 24

3 DO ABUSO DO DIREITO ...................................................................................... 27

3.1 CONCEITO DE ABUSO DO DIREITO ................................................................ 27

3.2 REQUISITOS DE CONFIGURAÇÃO .................................................................. 31

3.2.1 Exercício Irregular de Direito ............................................................................ 31

3.2.2 Violação à Boa-fé e aos Bons Costumes ......................................................... 33

3.2.3 Inobservância ao Fim Social e Econômico do Direito Subjetivo ....................... 35

3.2.4 Ocorrência de Dano ......................................................................................... 36

3.2.5 Nexo Causal ..................................................................................................... 38

4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABUSO DO DIREITO .............................. 40

4.1 TEORIAS SUBJETIVAS DO ABUSO DO DIREITO ............................................ 44

4.2 TEORIAS OBJETIVAS DO ABUSO DO DIREITO .............................................. 45

4.3 APLICABILIDADE DA TEORIA ........................................................................... 46

5 O EXERCÍCIO DO DIREITO À RECLAMAÇÃO VIA INTERNET .......................... 52

5.1 GARANTIA DO EXERCÍCIO DO DIREITO À RECLAMAÇÃO ............................ 53

5.2 ABUSO DO DIREITO À RECLAMAÇÃO ............................................................. 55

5.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONSUMIDOR POR ABUSO DO DIREITO

À RECLAMAÇÃO VIA INTERNET ............................................................................ 58

6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 67

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 70

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1 INTRODUÇÃO

Com o advento das mais variadas tecnologias, dentre elas a internet, tarefas

que antes eram árduas de serem completadas atualmente não tomam o tempo de

mais do que alguns cliques. Através dessas inovações tecnológicas o ser humano

teve contato com a agilidade de encontrar algo que desejava em tão somente alguns

segundos, o que antes era inconcebível. No entanto, em que pesem os benefícios que

a tecnologia nos trouxe, nos remetendo especialmente à internet, esta se tornou uma

forma de espalhar informações falsas sobre algo ou alguém.

O presente estudo tem fulcro na análise da propagação de mensagens

inverídicas por consumidores que, ao exercer seu direito à reclamação e liberdade de

expressão, podem causar danos imensuráveis a fornecedores de produtos ou

serviços somente com o fito de prejudicá-los. Faz-se necessário o estudo da

possibilidade ou não de responsabilização civil de tal conduta, uma vez que, de acordo

com nosso ordenamento jurídico, quando se causa um dano nasce com ele o dever

de reparação.

Apesar da liberdade de expressão possuir previsão constitucional, esta não

pode ser utilizada de forma ilimitada a ponto de legitimar o cometimento de abusos.

Logo, surgem alguns questionamentos que merecem ser explorados. Como por

exemplo, até onde a liberdade de expressão e o direito à reclamação do consumidor

são legais, se existe a possibilidade de haver um abuso deste direito por parte dele e,

em caso de resposta afirmativa, se esta conduta é passível de responsabilização.

Diante dessa relevância, estes questionamentos merecem um estudo

aprofundado, haja vista que se trata de um assunto que interessa a todos, tanto aos

fornecedores que podem, futuramente, ser prejudicados, quanto aos consumidores

que devem sim usar das ferramentas tecnológicas para efetivar seus direitos, porém

de maneira comedida.

O objetivo central do estudo é, portanto, analisar, à luz dos princípios previstos

no Código de Defesa do Consumidor, em especial o da boa-fé, e da teoria do abuso

do direito, a relação entre consumidor e fornecedor, e se existe a possibilidade de

responsabilização daquele em caso de reclamações ofensivas via internet.

O desenvolvimento desta pesquisa se inicia com uma abordagem do Código

de Defesa do Consumidor como lei principiológica, analisando princípios tidos como

de maior relevância para o tema em questão, dentre eles o da boa-fé, o qual constitui

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um dos tópicos principais deste estudo. Este princípio traduz um mandamento que

deve reger todas as relações privadas, eis que aos contratantes é determinado o agir

de acordo com a boa-fé contratual, a fim de garantir a confiança entre as partes

contratantes. Ademais, referido princípio é um limitador essencial à autonomia das

partes e à realização de contratações abusivas, sendo que, na relação consumerista

de maneira especial, o sujeito deve agir de acordo com os ditames da boa-fé,

traduzindo um sentimento de lealdade, a fim de que seja possível alcançar o

adimplemento total de suas obrigações, sem que isso acarrete excessiva onerosidade

a uma das partes.

Ainda neste primeiro momento, serão abordados os princípios da

Vulnerabilidade, da Transparência, da Informação e da Confiança. O primeiro traduz

a condição de vulnerável que o consumidor assume perante o fornecedor, haja vista

que aquele é considerado, em regra, a parte mais fraca da relação de consumo, sendo

que tal fragilidade decorre de uma situação real e concreta, fundada tanto na maior

capacidade econômica do fornecedor e também no monopólio que este exerce sobre

os meios de produção. O segundo e o terceiro princípios possuem uma forte ligação,

razão pela qual serão tratados em conjunto. O princípio da Transparência está

intimamente relacionado com o dever do fornecedor de proporcionar ao consumidor o

conhecimento de produtos e serviços que lhe são ofertados, bem como o

conhecimento prévio de seu conteúdo. Já o da Informação possui o fito de eliminar,

ou ao menos, mitigar a vulnerabilidade técnica do consumidor. Por fim, analisa-se o

princípio da Confiança, o qual se relaciona com o abuso do direito, na medida em que

este surge da ofensa à boa-fé e à confiança.

Em seguida, é feito um exame pormenorizado acerca do instituto do abuso do

direito, seu conceito, bem como dos requisitos para sua configuração. O abuso do

direito consiste no exercício manifestamente excedente dos limites do direito

subjetivo, capaz de causar dano a outrem. Encontra previsão expressa no artigo 187

do Código Civil, que elege como abusivo o exercício de um direito de maneira a

exceder os limites econômicos, sociais, da boa-fé e dos bons costumes. O primeiro

requisito configurador do abuso do direito é o seu exercido de forma irregular, uma

vez que um direito que for regularmente exercido jamais excederá os limites impostos

em lei. O segundo requisito é que haja violação à boa-fé e aos bons costumes, sendo

aquela o parâmetro de lealdade e confiança a ser seguido e estes os ideais trazidos

de forma majoritária por uma sociedade. Um terceiro requisito é a inobservância ao

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fim social e econômico do direito, que consiste na utilidade econômica deste para seu

titular, bem como no fim recomendado a ele pela sociedade. Outro requisito é a

ocorrência de dano, considerada por alguns doutrinadores como indispensável, porém

sua grande maioria considera que tal requisito se mostra prescindível, eis que o

exercício abusivo do direito merece ser repelido independente de existência de dano

a outrem. Por último, faz-se necessária a verificação do nexo causal entre a conduta

abusiva e o consequente dano causado a terceiro para que aquele que abusa de seu

direito possa ser responsabilizado civilmente.

Por conseguinte, trata-se da responsabilidade civil por abuso do direito, suas

teorias, assim como sua aplicabilidade. São duas as teorias acerca da

responsabilidade civil: a objetiva e a subjetiva. A primeira delas não exige o elemento

anímico para a configuração da responsabilidade civil enquanto a segunda só se

configura ante a presença de culpa. A teoria adotada quanto a responsabilização pelo

abuso do direito foi a objetiva, sendo desnecessária a existência de culpa para que o

agente responda civilmente pelos danos causados a terceiros. No entanto, para que

o sujeito seja compelido a indenizar, deve restar caracterizada a existência de dano a

outrem, sendo que em caso de sua inexistência, o caminho será a escolha de sanções

alternativas que não possuam natureza pecuniária, como, por exemplo, o dever de

desfazer algo que foi feito apenas com o intuito de prejudicar outro indivíduo, ou até

mesmo a declaração da nulidade do ato. Por conseguinte, aborda-se a aplicabilidade

de tal teoria, com emprego de exemplos concretos da jurisprudência dos tribunais

brasileiros acerca da configuração do abuso do direito e do dever de indenizar.

Por fim, analisa-se o direito à reclamação do consumidor, a possibilidade de

abuso desse direito e sua eventual responsabilização civil. O direito à reclamação

possui previsão constitucional e também no Código de Defesa do Consumidor, o qual

possui ligação com outro direito garantido constitucionalmente que é o direito à

liberdade de expressão, no entanto o mesmo não pode ser utilizado de maneira

irrestrita, como bem aprouver ao consumidor, devendo este observar seus limites e

procurar sempre os meios mais eficientes e adequados para solução de seus

problemas, a fim de evitar que sejam ocasionados danos ainda maiores.

Ao final pretende-se concluir se é possível falar em responsabilização daquele

que vier a propagar informações inverídicas na internet sobre um fornecedor de

produtos ou serviços. Ressalta-se que o intuito do presente trabalho não é censurar o

consumidor, mas sim alertá-lo para as possíveis consequências de uma atitude

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desmedida e impensada, incentivando-o a procurar sempre as Instituições

encarregadas de resolver os eventuais conflitos que possam surgir de uma relação

consumerista, como o Procon, que possui alto índice de resolução de controvérsias

nesta seara, bem como outras ferramentas, como sites por exemplo, que tenham sido

criados especialmente para este fim, como a própria plataforma virtual

“consumidor.gov.br”, monitorada pela Secretaria Nacional do Consumidor

(SENACON) do Ministério da Justiça, pelos Procons, pelas Defensorias, pelos

Ministérios Públicos e pela sociedade como um todo.1

1 PORTAL CONSUMIDOR.GOV.BR. Disponível em: <https://www.consumidor.gov.br/pages/conteudo/ sobre-servico>. Acesso em: 12 mar. 2018.

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2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMO LEI PRINCIPIOLÓGICA

O Direito do Consumidor além de cláusula pétrea, é direito fundamental

garantido pelo artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal2, e além disso, é princípio da

ordem econômica previsto no artigo 170, V, também da Constituição.3

O Código de Defesa do Consumidor é um diploma legal que visa manter o

equilíbrio da relação entre consumidor e fornecedor, estabelecendo regras a serem

seguidas, a fim de garantir que a parte vulnerável, qual seja o consumidor, não acabe

sendo lesado.

Segundo Martins-Costa 4 , o Direito do Consumidor perfaz um conjunto de

normas, princípios e regras que possuem as mais diversas origens, o que traduz um

caso de “transdisciplinaridade necessária”5, sendo um direito especial e pluridisciplinar

que assume a defesa do consumidor, a qual está inclusa na ordem de proteção.

Para Nunes6:

Como lei principiológica entende­se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional. [...] Com efeito, o que a lei consumerista faz e tornar explícitos, para as relações de consumo, os comandos constitucionais. Dentre estes destacam­ ­se os Princípios Fundamentais da República, que norteiam todo o regime constitucional e os direitos e garantias fundamentais.

Este diploma, como exemplo de lei principiológica, possui seus próprios

princípios, que acabam afetando não só o direito do consumidor, mas o ordenamento

jurídico como um todo.

Sobre este assunto discorre Cavalieri Filho7:

O Código do Consumidor, temos repetido inúmeras vezes, foi a lei mais revolucionária do século XX. Revolucionária pelas profundas inovações que

2 Art. 5º. Constituição Federal de 1988. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 7 set. 2018). 3 Art. 170. Constituição Federal de 1988. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit.). 4 PINTO MONTEIRO, 1999 apud MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 324. 5 CUNHA RODRIGUES, 1999 apud MARTINS-COSTA, loc. cit. 6 NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 112. 7 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p.31.

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introduziu em nosso ordenamento jurídico. Embora destinadas às relações de consumo, essas inovações acabaram por influenciar todo o sistema jurídico brasileiro; a doutrina e a jurisprudência mudaram profundamente após a sua vigência. O Código do Consumidor tornou-se uma espécie de lente pela qual passamos a ler todo o direito obrigacional, contratos e institutos que geram relações de consumo. [...] tudo isso tornou-se possível porque o Código do Consumidor adotou uma avançada tecnica legislativa, baseada em princípios e cláusulas gerais, o que permite considerá-lo uma lei principiológica.

Ao incorporar princípios constitucionais, o CDC passou a regulamentar as

relações de consumo fazendo com que o consumidor possa tomar conhecimento dos

seus direitos e também possa exercê-los, socorrendo-se ao Poder Judiciário para

dirimir questões antes desconhecidas ou não resolvidas de maneira adequada. Diante

disso, o fornecedor acabou se obrigando a agir de forma cautelosa e sempre

procurando melhorar a qualidade de seus produtos ou serviços, com o intuito de

conquistar e manter uma clientela que se mostra cada vez mais exigente.

Os princípios norteadores da lei consumerista trazem uma amplitude capaz de

alcançar inúmeras situações em que as regras sozinhas não conseguiriam chegar.

Eles traduzem um guia por meio do qual se faz uma interpretação das leis em que há

a primazia por valores éticos e morais de uma sociedade.

Vários desses princípios traduzem o ideal de harmonia presente no Código de

Defesa do Consumidor, dentre eles o da boa-fé, o do dever de informação, o da

vulnerabilidade, o da confiança, dentre outros. É deles a responsabilidade de conduzir

a interpretação deste código, possibilitando ao judiciário, que durante a análise de um

conflito de natureza consumerista, possa aplicá-los, garantindo a efetividade da

justiça.

Para Baggio 8 , o Código baseia a proteção do consumidor, visto como

vulnerável na relação consumerista, na proteção à boa-fé, na necessidade de

transmitir informações de maneira adequada, na transparência, para que o indivíduo

exposto à realidade de uma sociedade massificada não tenha que suportar os riscos

da atividade, sem a prerrogativa de receber algum tipo de indenização em razão de

prejuízo.

8 BAGGIO, Andreza Cristina. A sociedade de risco e a confiança nas relações de consumo. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 139, jan./jun. 2010 Disponível em: <https://periodicos.pucpr.br/index.php/direitoeconomico/article/view/6248> Acesso em: 4 set. 2018.

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Conforme o entendimento de Cavalieri Filho9, os princípios diferem das regras,

uma vez que traduzem enunciações normativas com valor genérico, tendo maior

abstração, não especificando a conduta a ser seguida, de maneira que incidem sobre

as mais variadas situações. Ao passo que as regras transmitem mandados de

definição, os princípios são mandados de otimização, e devem ser concretizados da

forma mais ampla possível. Deve-se reconhecer a eles uma proporção de peso ou

importância.

Portanto, é possível concluir que um sistema jurídico precisa de uma ordem

principiológica para atingir sua finalidade, qual seja a realização da justiça, a qual não

pode ser alcançada apenas com um conjunto de regras, mas sim com regras e

princípios caminhando juntos. Logo, é dever daqueles que aplicam a lei ao caso

concreto sempre, antes de decidir de forma exauriente, fazer uma análise à luz dos

princípios que regem as relações de consumo, uma vez que desta forma estarão

garantindo a isonomia entre as partes.

Após essa introdução acerca da importância dos princípios para o Direito do

Consumidor, é de suma importância o exame do princípio da vulnerabilidade.

2.1 O PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE

Um importante princípio que embasa o Código de Defesa do Consumidor é o

da vulnerabilidade. De acordo com Souza, Werner e Neves10, tratar igualmente as

partes de uma relação consumerista representaria a manutenção da desigualdade

existente entre elas. Quem não concorda sustenta que haveria uma quebra da

garantia constitucional da isonomia, entretanto, esqueceram-se de que isonomia

significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Para os autores, a

vulnerabilidade é intrínseca a todos os consumidores, independentemente de sua

condição social ou econômica. É ela que justifica a adoção das regras protetivas que

o Código elenca.

9 CAVALIERI FILHO, 2014, p. 33. 10 NEVES, Thiago Ferreira Cardoso; SOUZA, Sylvio Capanema de. WERNER, José Guilherme Vasi. Direito do consumidor. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 14.

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O Código de Defesa do Consumidor11 reconhece essa vulnerabilidade no inciso

I do seu artigo 4º, visando garantir a isonomia entre fornecedor e consumidor,

conforme o que estabelece a Constituição Federal. Para Nunes12, a vulnerabilidade

indica que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo, sendo essa

fragilidade real e concreta, que decorre de dois aspectos, um de ordem técnica e outro

de cunho econômico. O primeiro está ligado aos meios de produção, os quais são de

monopólio do fornecedor. Já o segundo diz respeito à maior capacidade econômica

que, por via de regra, o fornecedor apresenta em relação ao consumidor. É possível

encontrar consumidores individuais com boa capacidade econômica, às vezes até

superior à de pequenos fornecedores, porém essa é a exceção à regra geral. Logo,

para o autor, o consumidor seria a parte mais fraca da relação de consumo, uma vez

que apenas o fornecedor possui conhecimento acerca dos meios de produção, bem

como, via de regra, faz jus a uma maior capacidade econômica.

Conforme lecionam Benjamin, Marques e Miragem 13 , a vulnerabilidade é

dividida em espécies, sendo a primeira a vulnerabilidade técnica, uma vez que o

comprador não possui conhecimentos específicos acerca do objeto que está

adquirindo, podendo ser enganado. A segunda é a vulnerabilidade fática, possível de

ser observada quando as forças intelectuais e econômicas são desproporcionais entre

as partes, o que caracteriza a relação de consumo. A terceira e última, é a

econômico/jurídica, que se caracteriza quando ao consumidor faltar experiência ou

conhecimento, seja ele econômico ou legal, sem que haja a possibilidade de se

socorrer de um especialista.

Importante, ainda, ressaltar a diferença entre vulnerabilidade e

hipossuficiência, visto que são institutos distintos. Para Souza, Werner e Neves14,

vulnerabilidade e hipossuficiência possuem significados diversos. A vulnerabilidade é

específica do ambiente consumerista, consistindo em uma presunção absoluta. Já a

hipossuficiência é limitada a uma parcela dos consumidores, de maneira que não se

aplica a todos, motivo pelo qual se fundamenta a adoção, pelo Código, de regras

11 Art. 4º. Código de Defesa do Consumidor. (BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm> Acesso em: 7 set. 2018). 12 NUNES, 2017, p. 176-177. 13 BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 120. 14 NEVES; SOUZA; WERNER, 2018, p. 14.

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especiais que mais satisfatoriamente protejam certos consumidores, como os

menores ou os idosos.

Segundo Tartuce e Neves15:

O que se percebe, portanto, é que o conceito de vulnerabilidade é diverso do de hipossuficiência. Todo consumidor é sempre vulnerável, característica intrínseca à própria condição de destinatário final do produto ou serviço, mas nem sempre será hipossuficiente, [...]. Ao contrário do que ocorre com a vulnerabilidade, a hipossuficiência é um conceito fático e não jurídico, fundado em uma disparidade ou discrepância notada no caso concreto. Assim sendo, todo consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente. Logicamente, o significado de hipossuficiência não pode, de maneira alguma, ser analisado de maneira restrita, dentro apenas de um conceito de discrepância econômica, financeira ou política. [...] a hipossuficiência do consumidor constitui um plus, um algo a mais, que traz a ele mais um benefício, qual seja a possibilidade de pleitear, no campo judicial, a inversão do ônus de provar, conforme estatui o art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990. Nesse ponto, cumpre repisar mais uma vez, diferencia-se da vulnerabilidade, conceito jurídico indeclinável que justifica toda a proteção constante do Código do Consumidor, em todos os seus aspectos e seus preceitos.

É possível, portanto, afirmar que todo consumidor é vulnerável, mas nem todo

consumidor é hipossuficiente. Isto porque a hipossuficiência é verificada, a cada caso

concreto, quando se constata uma dissonância econômica, financeira ou política,

tendo, ainda, o condão de beneficiar o consumidor com a inversão do ônus da prova.

Cavalieri Filho16 sustenta, ainda, a existência de uma hipervulnerabilidade, a qual é

espécie qualificada de vulnerabilidade, expressão que é utilizada pela doutrina e

jurisprudência para se referir aos consumidores portadores de deficiência física,

doenças específicas, precária situação econômica e que, por isso, mereceriam

atendimento e informações especiais. A ideia de hipervulnerabilidade encontra

amparo no posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que ao julgar o REsp

586.316/MG17, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, assim fundamentou sua

decisão:

O Código de Defesa do Consumidor, é desnecessário explicar, protege todos os consumidores, mas não é insensível à realidade da vida e do mercado, vale dizer, não desconhece que há consumidores e consumidores, que

15 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. p.34. 16 CAVALIERI FILHO, 2014, p. 53. 17 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 586.316/MG. 2ª Turma. Relator Ministro Herman Benjamin. Lex: jurisprudência do STJ, Minas Gerais, julgado em 17 abr. 2007. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 2 set. 2018.

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existem aqueles que, no vocabulário da disciplina, são denominados hipervulneráveis, como as crianças, os idosos, os portadores de deficiência, os analfabetos e, como não poderia deixar de ser, aqueles que, por razão genética ou não, apresentam enfermidades que possam ser manifestadas ou agravadas pelo consumo de produtos ou serviços livremente comercializados e inofensivos à maioria das pessoas.

Assim, após a análise deste princípio basilar do direito do consumidor, é

necessário discorrer sobre um dos princípios de maior relevância nas situações em

que figuram consumidores e fornecedores, o princípio da boa-fé.

2.2 O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

O princípio da boa-fé tem lugar de destaque na legislação consumerista, tendo

previsão no artigo 4º, III, do Código de Defesa do Consumidor, que traz um elenco de

princípios que o regem, dispondo acerca da harmonização da relação entre

consumidor e fornecedor, sempre atendendo aos ditames da boa-fé, com a finalidade

de manter o equilíbrio entre a proteção da parte vulnerável e o crescimento e

desenvolvimento econômico.

Para Baggio18, o princípio da boa-fé ganhou espaço de destaque no Direito

Contratual, uma vez que estabelece parâmetros que limitam a autonomia e a prática

de contratações abusivas. Ressalta-se que o mesmo está intimamente ligado à

proteção da dignidade humana como paradigma para avaliação dos efeitos

contratuais, ou seja, se o acordo pactuado entre as partes é capaz de satisfazer as

legítimas expectativas dos contratantes.

Segundo Benjamin, Marques e Bessa19, na mesma linha do Código de Defesa

do Consumidor, o artigo 422 do Código Civil20 estabelece que os contratantes são

obrigados a guardar, antes, durante e depois da execução do contrato os princípios

da probidade e da boa-fé. Para eles, a boa-fé se traduz no exame objetivo e geral da

conduta do sujeito em todos os momentos contratuais, sendo um parâmetro para a

18 BAGGIO, Andreza Cristina. Teoria contratual pós-moderna: as redes contratuais na sociedade e consumo. Curitiba: Juruá, 2007. p. 47-48. 19 BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leandro Roscoe; MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 411-412. 20 Art. 422. Código Civil de 2002. (BRASIL. Código Civil de 2002. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 7 set. 2018).

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interpretação dos contratos, identificação de abuso do direito e criação de deveres

anexos.

A boa-fé que figura de maneira imprescindível no Direito do Consumidor é a

boa-fé objetiva, como bem leciona Nunes21:

Já a boa-fe objetiva, que e a que está presente no CDC, pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto e, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. [...] Deste modo, quando se fala em boa-fe objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito a outra. E um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes.

Entretanto, isto não significa que a boa-fé subjetiva esteja excluída das relações

consumeristas, consoante o entendimento de Paulo R. Roque A. Khouri 22 , que

argumenta que o Código de Defesa do Consumidor não abriu mão da boa-fé subjetiva

na contratação, a qual continua tendo seu espaço garantido na formação do vínculo,

sob pena de nulidade, e também na interpretação das cláusulas contratuais, conforme

o artigo 112 do Código Civil.23

A boa-fé subjetiva é aquela que se encontra no subconsciente do sujeito,

estando presente apenas na psique do indivíduo, seja uma intenção ou, então, mero

desconhecimento acerca da situação em que está inserido.

Para Martins-Costa24, a boa-fé subjetiva faz alusão a um estado de fato, sendo

uma expressão comumente utilizada no sentido de “agir de boa-fe”, o contrário de

“agir de má-fe”. E compreendida como um estado psicológico, definido pela ignorância

em lesionar direitos ou interesses alheios. Segundo a autora25, ela seria a convicção,

ainda que errônea, de se estar agindo conforme determina o Direito, uma vez que o

indivíduo acredita na legalidade da situação, ou então, desconhece que está

ofendendo direito alheio, ou, ainda, numa crença incorreta, porém justificável.

Por se verificar no íntimo da pessoa, a boa-fé subjetiva apenas será identificada

quando as partes já houverem praticado alguma atitude inapropriada, e, por

21 NUNES, 2017, p. 179. 22 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 63. 23 Art. 112. Código Civil de 2002. (BRASIL. Código Civil, 2002). 24 MARTINS-COSTA, 2018, p. 279. 25 Ibid., p. 280.

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consequência, quando já tiver sido objetivamente ofendida a boa-fé.26 É subjetiva em

razão da necessidade de o interprete levar em conta “a intenção do sujeito da relação

jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção.”27 Já a boa-fé objetiva é, não

uma convicção subjetiva do indivíduo, mas sim dividida em três definições

concomitantes: “um instituto ou modelo jurídico [...]; um standart ou modelo

comportamental pelo qual os participantes [...] devem ajustar seu mútuo

comportamento [...]; e um princípio jurídico.”28

A boa-fé objetiva possui três funções principais, conforme leciona Martins-

Costa, quais sejam, a hermenêutica, a integrativa e a corretora. A hermenêutica29,

consiste no fato de que as normas que regem um contrato devem ser interpretadas

de acordo com a boa-fé, de maneira a atribuir ao contrato o sentido que guarde maior

proporcionalidade em relação a utilidade que se espera dele, tendo em vista suas

finalidades econômica e social. Segundo referida autora, a jurisprudência do Superior

Tribunal de Justiça definiu que a boa-fé deve atuar, apenas em casos excepcionais,

como juízo de equidade, a fim de que se depreenda o que realmente foi pensado e

não apenas rigorosamente o que está escrito no texto legal e/ou contratual. Em suma,

a função hermenêutica e aquela em que “a boa-fé atua para explicitar o sentido do

contrato e qualificar a conduta das partes.”30

Outra função mencionada por ela é a integrativa, a qual tem por escopo o

preenchimento de lacunas, admitindo que o intérprete institua às partes deveres,

como o de cooperação, o de lealdade, o de informação e o de proteção, com o

propósito de aprimorar o que foi delineado no contrato, atendendo aos seus desígnios

como mecanismo legítimo de circulação econômica, em observância as

determinações valorativas das regras jurídicas. Não é permitido ao intérprete definir o

que é uma lacuna, não possuindo autorização para refazer o conteúdo do contrato,

mas, somente, integrá-lo, preenchendo as lacunas, que se assim perdurassem,

desnudariam a essência do negócio.31

Faz menção, ainda, a função corretora, a qual se desdobra em duas vertentes

diversas: a de auxiliar na correção do exercício jurídico, conduzindo-o e adaptando-o

26 BAGGIO, 2007, p. 57. 27 MARTINS-COSTA, 2018, p. 281. 28 MARTINS-COSTA, loc. cit. 29 Ibid., p. 558. 30 Ibid., p. 564. 31 Ibid., p. 565.

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aos paradigmas da licitude; e a correção do próprio conteúdo do contrato, em caso de

abusividade ou desequilíbrio entre os contratantes. 32 Ela existe, portanto, para

“impedir o exercício manifestamente desleal, incoerente, imoderado ou irregular de

direitos subjetivos, formativos, faculdades e posições jurídicas, [...] abrangendo todas

as fases da relação obrigacional.” 33 Ademais, a função corretora possui a atribuição

de corrigir o desequilíbrio contratual, com caráter geral, a qual “exprime as

possibilidades revisiva e invalidante do conteúdo contratual quando abusiva a cláusula

em desfavor da parte que, dada a assimetria contratual, a ela resta sujeita.”34

Para Benjamin, Marques e Bessa35:

Como diretriz hermenêutica, a boa-fé objetiva estabelece que, entre diversas possibilidades, deve-se interpretar os contratos em consonância com uma esperada lealdade e honestidade das partes. [...] Em relação à função de criação de deveres anexos, o princípio da boa-fé significa que os deveres não decorrem mais unicamente do contrato e de suas cláusulas, ou seja, dependem da manifestação de vontade dos contratantes. Tais deveres relacionam-se com informação, cuidado, segurança, colaboração.

De acordo com Tartuce36, são deveres anexos a boa-fé objetiva o dever de

cuidado; o de respeito; o de informação; o de cooperação; o de lealdade; o de

honestidade; o de agir com equidade; e o de confiança. Para o autor, a quebra desses

deveres gera responsabilização civil, conforme o disposto no Enunciado nº 24 do

CJF/STJ. 37 Essa responsabilização independe de culpa e encontra amparo no

Enunciado nº 363 do CJF/STJ, da IV Jornada de Direito Civil, segundo o qual “os

princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada

somente obrigada a demonstrar a existência da violação.”38

A boa-fé é um princípio que impera não somente na lei consumerista, mas

também no Código Civil e na Constituição Federal. Tal princípio é de suma

importância, pois quando aplicado ao caso concreto é determinante para que se

obtenha a verdadeira justiça.

32 MARTINS-COSTA, 2018, p. 625. 33 AMARAL JÚNIOR, 1993 apud, MARTINS-COSTA, ibid., p. 325. 34 AMARAL JÚNIOR, 1993 apud, MARTINS-COSTA, loc. cit. 35 BENJAMIN; BESSA; MARQUES, 2018, p. 413. 36 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018. p. 627. 37 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 24. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/ enunciados/enunciado/670> Acesso em: 7 set. 2018. 38 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 363. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/ enunciados/enunciado/476> Acesso em: 7 set. 2018.

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Segundo Baggio, “o princípio da boa-fé é também um princípio geral do direito,

assim como os princípios de proteção à vida, à dignidade humana, à liberdade.”39 O

sujeito ao agir de acordo com os ditames da boa-fé, traduz um sentimento de

cordialidade e lealdade, neste sentido compreende Cavalieri Filho40, que classifica a

boa-fé como indicadora de valores éticos que embasam a sociedade atual e

sistematizam a ordem jurídica.

A boa-fé representa, portanto, um paradigma ético a ser seguido pelos

integrantes da relação consumerista, a fim de que, de maneira leal e cooperativa, seja

possível atingir o total adimplemento de suas obrigações, sem que isso se torne

excessivamente oneroso a uma das partes.

O magistrado, ao analisar os direitos do consumidor no caso concreto, deve

sempre agir orientado pelo princípio da boa-fé, conforme entende Nunes41:

[...] na eventualidade de lide, sempre que o magistrado encontrar alguma dificuldade para analisar o caso concreto na verificação de algum tipo de abuso, deve levar em consideração essa condição ideal apriorística, pela qual as partes deveriam, desde logo, ter pautado suas ações e condutas, de forma adequada e justa. Ele deve, então, num esforço de construção, buscar identificar qual o modelo previsto para aquele caso concreto, qual seria o tipo ideal esperado para que aquele caso concreto pudesse estar adequado, pudesse fazer justiça às partes e, a partir desse standart, verificar se o caso concreto nele se enquadra, para daí extrair as consequências jurídicas exigidas.

Quando os sujeitos deixam de agir de acordo com a boa-fé, assumem o risco

de incidir em conduta abusiva, a qual poderá ser passível de responsabilização civil.

É possível afirmar que a boa-fé é um princípio que resulta da releitura

Constitucional do Direito Civil, e das preocupações do Estado com a organização

econômica, com a proteção do consumidor, e, por conseguinte, com a promoção de

uma justiça equitativa por meio do conteúdo, fazendo uso do contrato como

mecanismo para tal função.42 Outros dois princípios que merecem ser abordados

conjuntamente são o da transparência e o da informação, que estão intimamente

ligados ao princípio da boa-fé, sendo aqueles desdobramentos deste.

39 BAGGIO, Andreza Cristina. Novos paradigmas para uma nova sociedade: a sociedade de consumo e as relações contratuais. Scientia Iuris, Londrina, v. 12, p. 149, 2008. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/viewFile/4158/3611> Acesso em: 4 set. 2018. 40 CAVALIERI FILHO, 2014, p. 40. 41 NUNES, 2017, p. 182. 42 BAGGIO, 2007, p. 48.

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2.3 O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA E O DA INFORMAÇÃO

Para Nunes43, o princípio da transparência, que se encontra expresso no caput

do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, reflete a obrigação do fornecedor

de oferecer ao consumidor a oportunidade de conhecer os produtos e serviços que

lhe são ofertados e, também, ocasionará ao contrato a incumbência de propiciar-lhe

o conhecimento prévio de seu conteúdo. Segundo o autor, o princípio da transparência

é conexo ao princípio do dever de informar, previsto no inciso III do artigo 6º, e o dever

de apresentar previamente o conteúdo do contrato está regrado no artigo 46, ambos

do Código de Defesa do Consumidor.44

Na concepção de Souza, Werner e Neves45, o princípio da informação também

decorre da boa-fé, e é derivado da regra da transparência. Ele se faz presente em

inúmeros dispositivos do Código, e se destina, acima de tudo, a eliminar ou, ao menos,

mitigar a vulnerabilidade técnica do consumidor.

De acordo com Cavalieri Filho46:

A principal consequência do princípio da transparência e, por um lado, o dever de informar do fornecedor e, por outro, o direito a informação do consumidor [...]. Tal implica, em primeiro lugar, a proibição da criação artificial de barreiras de informação, em busca de ocultação de desvantagens para a outra parte ou de enganosa valorização das vantagens que o contrato lhe proporcionará.

O princípio da transparência garante o direito à informação e ao mesmo tempo

evita que se propaguem informações enganosas ou falsas dentro da relação

consumerista. É sim um princípio que traduz direitos e deveres essenciais à relação

de consumo, no entanto não se deve apenas tutelar o consumidor por ser

hipossuficiente, afinal isso não impede, e por vezes legitima, a pratica de eventuais

abusos por parte deste, sendo imperiosa a observância dos direitos de titularidade do

fornecedor.

Infere-se, portanto, que a boa-fé, a vulnerabilidade e a transparência, estão

intimamente ligadas umas às outras, sendo, dentre outras, função precípua da boa-fé

“aumentar a carga de deveres informativos do fornecedor em vista de minimizar a

43 NUNES, 2017, p. 176. 44 Art. 6º e 46. Código de Defesa do Consumidor. (BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, 1990). 45 NEVES; SOUZA; WERNER, 2018, p. 17. 46 CAVALIERI FILHO, 2014, p. 45.

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vulnerabilidade do consumidor por meio da dação de informação veraz, útil e completa

aos fins a que se destina (<<transparência>>).”47

Atrelado também ao princípio da boa-fé, ao da transparência e ao da

informação, está o da confiança, que apesar de não possuir previsão explícita no

Código de Defesa do Consumidor está implícito em suas normas.

2.4 O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA

Baggio48, ao citar Frada, reflete que o apesar de o Princípio da Confiança não

estar previsto de forma expressa no Código de Defesa do Consumidor, o mesmo

possui normas altamente protetivas, com o fito de respeitar as legítimas expectativas

dos contratantes que se encontram em relação de desigualdade, ou de

vulnerabilidade, tratando-se, no referido diploma legal, da figura do consumidor. A

autora conclui que tal diploma é hoje um mecanismo de suma importância para

proteger a confiança nas relações contratuais em nosso ordenamento jurídico, de

maneira que os contratos de consumo traduzem verdadeiros negócios de confiança.

Tal princípio é definido por Cavalieri Filho49 como:

[...] uma irradiação normativa da boa-fe e está intimamente ligado ao princípio da transparência. E a face subjetiva do princípio da boa-fe, pois só se confia quando há boa-fe. E a legítima expectativa que resulta de uma relação jurídica fundada na boa-fe. Quem diz que só confia desconfiando, na realidade não confia. Confiança e a credibilidade que o consumidor deposita no produto ou no vínculo contratual como instrumento adequado para alcançar os fins que razoavelmente deles se espera. Prestigia as legítimas expectativas do consumidor no contrato.

Para Souza, Werner e Neves50, é a confiança que imprime crédito ao mercado

de consumo, estimulando e intensificando a demanda. Se os indivíduos presumissem

que as informações do fornecedor seriam falsas ou que apresentariam algum defeito,

jamais se disporiam a adquirir seus produtos ou contratar seus serviços. Ademais, é

a boa-fé que se pressupõe, o que gera uma confiança por parte do consumidor de que

o produto ou o serviço atenderá as suas expectativas.

47 MARTINS-COSTA, 2018, p. 324. 48 FRADA, 2004 apud BAGGIO, Andreza Cristina. O direito do consumidor brasileiro e a teoria da confiança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 86. 49 CAVALIERI FILHO, 2014, p. 46. 50 NEVES; SOUZA; WERNER, 2018, p. 19.

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Esse princípio se traduz na legítima expectativa do consumidor de que o

produto ou serviço lhe seja fornecido de maneira eficaz e conforme o esperado. É a

segurança e confiabilidade de que o contrato irá se realizar da forma como planejado.

Para Baggio51, a confiança deve encontrar amparo no ordenamento jurídico,

uma vez que “[...] faz jus a proteção porque aquele que contrata precisa crer que suas

expectativas serão respeitadas, e que possíveis divergências poderão ser

solucionadas com a colaboração dos interessados.” Na concepção da autora52, a

segurança das relações contratuais está essencialmente atrelada à lealdade e à

confiança das partes, uma vez que o contrato se traduz na harmonização de

interesses, como mecanismo de cooperação íntegro e correto, é exemplar a proteção

da confiança mútua.

A confiança se divide em duas principais vertentes, a confiança depositada no

produto ou serviço, e a confiança no contrato em si. A primeira, encontra amparo nas

necessidades que o consumidor pretende atender com aquilo que se está adquirindo

ou contratando, já a segunda, é relacionada ao conteúdo propriamente dito do

contrato, assim como à sua manutenção, em caso de vínculo de extensa duração.53

Segundo Martins-Costa54, a imprescindibilidade de proteção da confiança que

o consumidor deposita no elo firmado é refletida no reconhecimento explícito de sua

vulnerabilidade, sendo a confiança um componente vital para a preservação do grupo

social. Proteção essa que se dá em dois aspectos, um negativo, em que atua com o

intuito de limitar o exercício de direitos e poderes formativos no momento em que se

encontrem quebradas as legítimas expectativas, e em seu aspecto positivo, gera

deveres jurídicos, haja vista a necessidade de alcançar o ideal dessas legítimas

expectativas originadas através da conduta.

51 BAGGIO, 2012, p. 86. 52 BAGGIO, 2010, p. 139. 53 BAGGIO, op. cit., p. 86. 54 MARTINS-COSTA, Judith. Princípio da Confiança legítima e princípio da boa-fé objetiva. Termo de compromisso de Cessação (TCC) ajustado com o Cade. Critérios da interpretação contratual: os “sistemas de referência extracontratuais” (“circunstâncias do caso”) e sua função no quadro semântico da conduta devida. Princípio da unidade ou coerência hermenêutica e “usos do trafego”. Adimplemento contratual. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 852, p. 87-126, 2006. In: BAGGIO, Andreza Cristina. O direito do consumidor brasileiro e a teoria da confiança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

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Conforme o entendimento de Marques55:

[...] hoje a confiança é um princípio diretriz das relações contratuais, merece proteção e é fonte autônoma de responsabilidade. Em outras palavras, as condutas na sociedade e no mercado de consumo, sejam atos, dados ou omissões, fazem nascer expectativas legítimas naqueles em que espertamos a confiança, os receptores de nossas informações ou dados, em resumo, confiar é acreditar, é manter, com fé, a fidelidade, a conduta, as escolhas e o meio; confiança é a aparência, informação, transparência, diligência e ética no exteriorizar vontades negociais.

Baggio cita a obra de Weingarten, argumentando que “quanto maior for a

confiança que se desperte no consumidor, maior será o grau de certeza quanto ao

comportamento dos atores na relação de consumo.”56 Por fim, a autora conclui seu

pensamento argumentando que “o direito deverá sempre regulamentar as situações

em que esta crença, nascida de uma expectativa legítima mereça proteção, tornando-

se a confiança então fonte de obrigações e responsabilidades.”57

Em suma, a confiança se faz patente em cada uma das relações obrigacionais

existentes, com caráter intencional, e com a vulnerabilidade intrínseca a uma das

partes, sendo substancial a percepção do que esta confiança exprime, para que seja

possível tutelar a segurança e salvaguardar as legítimas expectativas dos

contratantes.58

Por fim, cumpre consignar que a proteção da confiança está relacionada ao

abuso de direito, na medida em que este surge quando a boa-fé e a confiança são

ofendidas. Ao exercer um direito de modo a violar legítimas expectativas se está

atuando de forma ilícita e injusta. Logo, evitar o exercício abusivo de direitos é garantir

a tutela da confiança, propiciando assim a proteção das legítimas expectativas dos

contratantes.59

Diante do exposto, imperiosa a análise do exercício abusivo do direito e suas

consequências perante seu titular, levando em consideração todos os princípios

estudados até o momento.

55 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 31. 56 WEINGARTEN, 2000 apud BAGGIO, 2010, p. 144. 57 BAGGIO, 2012, p. 89. 58 BAGGIO, 2008, p. 149. 59 BAGGIO, 2012, op. cit., p. 206.

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3 DO ABUSO DO DIREITO

3.1 CONCEITO DE ABUSO DO DIREITO

No Código Civil de 1916 não havia uma definição expressa e precisa de abuso

do direito, conforme ensina Nader60:

No Direito anterior, o abuso do direito foi previsto timidamente e sem definição, exigindo ainda do intérprete a aplicação do raciocínio a contrário sensu. No art. 160, I, do Código Beviláqua, havia à disposição: “Não constituem atos ilícitos: I – Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”. A doutrina e a jurisprudência, com esforço hermenêutico, leram na lei que constituem atos ilícitos os praticados no exercício irregular de um direito reconhecido. Se a abertura para a admissão do conceito foi intencional ou não é difícil de se saber. É que, na época, apenas o Código Civil da Prússia, de 1794, e o Código Civil alemão, dispunham a respeito, sendo omisso o Código Civil da França, que tanta influência teve sobre o nosso primeiro código e, por via de consequência, no atual.

O autor continua seu raciocínio afirmando que na época havia um princípio

derivado do direito romano chamado “Qui suo iure utitur neminem laedit,” que significa

que quem usa de seu direito a ninguém prejudica, o que induzia os cidadãos ao erro

de que seus direitos poderiam ser exercidos de maneira ilimitada. A respeito desse

princípio, José de Aguiar Dias61 argumenta que “ali não se estabelecia a ilimitabilidade

do exercício do direito. Há sinais positivos no sentido de mostrar que o princípio não

sancionava o absolutismo dos direitos.”

Segundo Inacio de Carvalho Neto62, o Código Civil de 1916 não mencionou

expressamente a teoria do abuso de direito, no entanto, alguns a viam consagrada de

forma indireta no artigo 160, inciso I, que dispunha que não constituem atos ilícitos

aqueles praticados em legítima defesa ou no exercício regular de direito. Desta forma,

como aqueles atos praticados no exercício regular de um direito não constituíam ato

ilícito, os que fossem praticados de maneira irregular estariam cobertos pela ilicitude.

Pereira 63 argumenta que diante da ausência de uma regra geral que

conceituasse a teoria do abuso do direito, a doutrina e a jurisprudência encontraram-

60 NADER, Paulo. Curso de direito civil parte geral. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 526. 61 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. II. p. 455. 62 CARVALHO NETO, Inacio de. Abuso do direito. Curitiba: Juruá, 2009. p. 31. 63 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 31. ed. rev. e atual. Tradução de Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 537.

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na na redação do artigo 160 do Código Civil de 1916, por uma interpretação a contrario

sensu, sob o argumento de que, se não perfaz ato ilícito o dano causado no exercício

regular de um direito, e abusivo seu exercício de maneira irregular. Logo, depreende-

se que no Código Civil de 1916 não havia menção expressa ao abuso do direito, o

que levava os intérpretes daquele diploma legal a analisá-lo a contrario sensu,

alegando que se o dano causado pelo titular de um direito que o exercia de maneira

regular não gerava ato ilícito, então seria considerado abusivo seu exercício irregular.

Segundo Nunes64, o abuso do direito é definido como resultante do excesso no

exercício de um direito, sendo capaz de ensejar um dano a outrem. Ele se caracteriza

pela utilização de modo irregular e desviante do direito em seu exercício, por parte de

seu titular. Portanto, extrai-se deste argumento que, o abuso do direito ocorre quando

seu titular, que até então era legitimado a exercê-lo, o faz, porém, passando dos

limites legais de sua utilização. Na concepção de Venosa65, o abuso do direito se

configura quando o titular de um direito subjetivo, atuando de modo contrário a boa-

fé, a moral e os bons costumes, os fins econômicos e sociais da norma, pratica ato

abusivo, o qual, por ser contrário ao direito, enseja a responsabilização do indivíduo

pelos danos causados.

França66 adota a definição de que:

O abuso do direito é um ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício levado a efeito sem a devida regularidade acarreta um resultado que se considera ilícito. É uma categoria jurídica de conteúdo próprio que se situa na zona intermediária entre o ato ilícito e o ato ilícito, concebido o primeiro – o ato ilícito – como toda manifestação da vontade que tenha por fim criar, modificar, ou extinguir uma relação de direito e o segundo – o ato ilícito - como a ação ou omissão voluntária, ou que implique negligência ou imprudência, cujo resultado acarrete violação de direito ou ocasione prejuízo a outrem.

Segundo Miragem 67 , o abuso do direito e “especie de ilicitude objetiva,

caracterizada pelo exercício do direito subjetivo com excesso aos limites impostos

pelo fim econômico ou social, pela boa-fe, e pelos bons costumes.” Já para

Gonçalves68, o abuso do direito acontece quando o agente, apesar de se encontrar

64 NUNES, 2017, p. 598. 65 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil parte geral. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 580. 66 FRANÇA, Rubens Limongi. Abuso do direito. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. v. I., p. 45. 67 MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: proteção da confiança e limite ao exercício das prerrogativas jurídicas no direito privado. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 95. 68 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil parte geral. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 199.

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dentro dos limites estabelecidos em lei, ignora a finalidade social o direito subjetivo de

sua titularidade, o exercendo de forma exorbitante, causando prejuízo a outrem. Aduz

o autor que, embora, em regra, não haja a violação dos limites objetivos da lei, o

indivíduo se destoa dos fins sociais a que esta se destina.

No Código Civil de 2002, o qual vige atualmente, é possível encontrar o

conceito de abuso do direito em seu artigo 18769, que elege como abusiva a prática

de um direito de forma excessiva, extrapolando limites econômicos, sociais, da boa-

fé e dos bons costumes. Cavalieri Filho70 faz uma análise acerca deste artigo, na qual

ele demonstra que há diferença entre o ato ilícito stricto sensu previsto no artigo 18671

do mesmo diploma legal, e o ato ilícito por critério exclusivamente objetivo, qual seja,

o abuso do direito. A conclusão do autor acerca do disposto no artigo 187 do Código

Civil é a de que o abuso do direito é um princípio geral que abrange todas as áreas

do direito, uma vez que a expressão “o titular de um direito” abre margem para todo e

qualquer tipo de direito subjetivo cujos limites forem extrapolados.

Miragem72 afirma que para a configuração do ato ilícito previsto no artigo 186

do Código Civil, se faz necessária uma conduta comissiva ou omissiva, voluntária ou

a culpa stricto sensu (negligência e imprudência), o evento danoso e o nexo de

causalidade. Por outro lado, no que diz respeito ao abuso do direito, não é exigida a

presença de culpa ou dolo, nem a existência de dano, que, existindo, dará causa à

indenização, com base no artigo 927 do Código Civil. Ademais, o enunciado 414 da V

Jornada de Direito Civil 73 , estabelece que o abuso de direito tem fundamento

constitucional nos princípios da solidariedade, devido processo legal e proteção da

confiança, aplicando-se a todos os ramos do direito. Logo, conclui-se que o

entendimento exarado no mencionado artigo se aplica perfeitamente as relações

consumeristas, gerando àquele que abusar do seu direito o dever de indenizar o

ofendido.

Insta salientar a diferença entre ato ilícito propriamente dito e abuso do direito,

conforme ensinamentos de Cavalieri Filho74, veja-se:

69 Art. 187. Código Civil de 2002. (BRASIL. Código Civil, 2002). 70 CAVALIERI FILHO, 2014, p. 185. 71 Art. 186. Código Civil de 2002. (BRASIL. Código Civil, loc. cit.). 72 MIRAGEM, 2009, p. 110. 73 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 414. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/ enunciados/enunciado/228> Acesso em: 16 set. 2018. 74 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 242.

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Não se trata, aqui, de ofensa frontal de um direito de outrem, nem da violação a uma norma tuteladora de um interesse alheio, como ocorre normalmente com todo e qualquer ato ilícito; mas do exercício anormal do direito próprio. Enquanto no primeiro (ato ilícito) a conduta não encontra apoio em dispositivo legal e ate e praticada contra dever jurídico preexistente, no segundo (abuso do direito) a conduta e respaldada em lei, mas, como já ressaltado, fere ostensivamente o seu espírito.

Rosenvald e Farias 75, ao discorrer sobre essa discrepância citam a obra de

Heloisa Carpena que argumenta que “o ato abusivo está situado no plano da ilicitude,

mas com o ato ilícito não se confunde, tratando-se de categoria autônoma de

antijuridicidade”. Para Farias e Rosenvald76, o abuso de direito e o ato ilícito se

distinguem, uma vez que aquele se distancia da clássica compreensão de ilicitude, a

qual vincula-se ao elemento subjetivo. Para Lôbo, o abuso do direito e o ato ilícito

previsto no artigo 186 do Código Civil se diferenciam no que tange a desconsideração

do dano, haja vista que para a incidência do abuso “dispensa-se a exigibilidade do

dano, pois suas consequências podem ter características de prevenção ou inibição,

que evitem o dano [...].”77 Outra diferença apontada pelo autor e que “diferentemente

do ato ilícito do CC, art. 186, que se encontra ancorado na culpa, o abuso do direito e

caracteristicamente objetivo, ultrapassada a confusão que havia entre ele e o ato

emulativo.”78

De acordo com Cavalieri Filho, o abuso do direito não diz respeito ao

surgimento ou à extinção do direito, mas sim se configura no momento em que seu

exercício excede manifestamente seus limites, sendo para ele a expressão “abuso no

exercício do direito” 79 mais apropriada. Referido autor, então, conclui seu pensamento

no sentido de que “[...] o fundamento principal do abuso do direito e impedir que o

direito, qualquer que seja ele, sirva como forma de opressão, evitar que o titular do

direito utilize seu poder com finalidade distinta daquela a que se destina.”80 Desta

forma verifica-se que a finalidade do abuso do direito é evitar que o titular de um direito

o exerça de maneira absoluta e desenfreada, sendo capaz de prejudicar um terceiro.

75 CARPENA, 2007 apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: parte geral e LINDB. 15. ed. rev., ampl. e atual. Salvador. JusPodivm, 2017. p. 706. 76 FARIAS; ROSENVALD, loc. cit. 77 LÔBO, Paulo. Direito civil: parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 352. 78 LÔBO, loc. cit. 79 CAVALIERI FILHO, 2015, p. 240. 80 CAVALIERI FILHO, loc. cit.

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3.2 REQUISITOS DE CONFIGURAÇÃO

A fim de garantir que os indivíduos ajam apenas dentro das fronteiras de seu

direito e não cometam abusos, foram criados alguns limites a serem observados. Em

relação a necessidade de haver culpa do sujeito que pratica abuso do direito, tal

imposição não encontra lugar na ideia de conduta abusiva adotada atualmente pela

doutrina brasileira.

De acordo com Gonçalves81, o abuso do direto não elege como imprescindível

a presença de culpa na conduta do agente que venha a causar dano a um terceiro.

Mesmo agindo dentro das fronteiras de seu direito esse indivíduo pode vir a ser

responsabilizado. O que prevalece na doutrina contemporânea é a concepção de que

o abuso do direito prescinde da ideia de culpa. Nos dias de hoje, portanto, a culpa não

é um requisito que se faz presente para a configuração do abuso do direito, devendo

o agente responder pelos prejuízos de forma objetiva. Tal entendimento também foi

confirmado no Enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil82, o qual dispõe que a

responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e

fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.

Quanto aos requisitos indispensáveis a configuração do abuso do direito, faz-

se necessário o exercício irregular de um direito, que cause um dano a outrem, sendo

esta uma conduta de inobservância ao fim social e econômico e por fim que haja

violação à boa-fé e aos bons costumes. Nesse aspecto, Lôbo83 entende que basta

somente a ocorrência de um deles para que reste configurado o abuso do direito,

inexistindo a necessidade de cumulação.

3.2.1 Exercício Irregular de Direito

O primeiro requisito indispensável a uma conduta que abusa do direito é de que

um direito seja exercido irregularmente por seu titular. Para Miragem, “pressupõe-se

para configuração do abuso do direito que o mesmo, por lógica, só pode se dar em

razão do exercício do direito por seu titular [...].”84 Logo, para referido autor, o abuso

81 GONÇALVES, 2017, p. 199. 82 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 37. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/ enunciados/enunciado/698> Acesso em: 16 set. 2018. 83 LÔBO, 2017, p. 352. 84 MIRAGEM, 2009, p. 132.

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do direito só poderá ser verificado quando o sujeito a quem se imputa tal

comportamento possua o poder de usar, exercer, e, portanto, de abusar.85

Pontes de Miranda, corrobora com este entendimento, na medida que afirma

que “abusar do direito pressupõe o exercício de um direito de que se abuse, ainda

que, [...] a expressão compreenda qualquer exercício irregular, inclusive por ato

negativo.”86

De acordo com os ensinamentos de Nader87, para que o abuso do direito se

configure não há necessidade de que a conduta se adeque a um tipo previsto em lei.

O imprescindível é que reste evidente a existência de um direito subjetivo e seu

exercício de maneira irregular. Logo, faz-se necessário que o sujeito esteja investido

em um direito que lhe é garantido por lei, uma vez que só é possível abusar de um

direito sendo seu titular.

Segundo Nader88:

O agente responsável civilmente há de estar investido da titularidade de um direito subjetivo, ao exercitá-lo, por si ou subordinados. [...] O sujeito que tira de seu direito os efeitos de lei, aproveitando-os conforme a necessidade e sem quebrar os seus deveres jurídicos, mantém-se na esfera da licitude e devidamente amparado pela ordem jurídica. O titular do direito, todavia, por espírito de emulação, costuma ir além do necessário na utilização do que o seu direito lhe oferece. Ele se mantém nos limites objetivos da lei, mas frauda a finalidade desta, excedendo-se, daí a ilicitude de sua conduta. Quem perfura um poço artesiano além da profundidade necessária para dele tirar proveito, visando apenas a prejudicar aos seus vizinhos, impedindo-lhes de se beneficiar da fonte, pratica abuso de direito.

Conclui-se, portanto, que o abuso do direito somente poderá existir se houver

a prática irregular do direito, uma vez que se for exercitado regularmente jamais

excederá sua finalidade. Cavalieri Filho89 nos ensina que há uma linha que divide o

exercício regular do direito e o abuso do direito. O primeiro se transforma em ato ilícito

quando excede os limites legalmente estabelecidos. Já o abuso do direito somente é

caracterizado quando do seu anormal exercício, leia-se, aquele que colide com a

ética, com a boa-fé, e com sua finalidade social ou econômica, sendo exercido sem

motivo legítimo. Desta forma, é evidente a imprescindibilidade do exercício dito

“anormal” do direito para que reste configurada a conduta abusiva.

85 MIRAGEM, 2009, p. 134. 86 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de direito privado, t. LIII, p.75. 87 NADER, 2018, p. 138. 88 Ibid., p. 529. 89 CAVALIERI FILHO, 2015, p. 242.

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3.2.2 Violação à Boa-fé e aos Bons Costumes

Conforme exposto anteriormente, é necessário que sejam criados mecanismos

de controle capazes de manter o exercício do direito dentro dos limites estabelecidos,

dentre eles está o princípio da boa-fé ora mencionado.

Cavalieri Filho90 leciona que a boa-fé se encontra incluída no conceito de abuso

do direito, sendo que:

[...] e um dos seus limites, mas não somente ela, tambem os bons costumes e o fim econômico e social do direito. A boa-fe como limite ao exercício de todo e qualquer direito subjetivo (função de controle) representa o padrão etico de confiança e lealdade indispensável para a convivência social. As partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Essa expectativa de um comportamento adequado por parte do outro e um componente indispensável na vida de relação. Como princípio infraconstitucional mais importante, tanto no CDC como no Código Civil, a boa-fe, na sua função de controle, passou a ser um cinto de segurança da ordem jurídica, além do que não se pode ir sem incorrer em abuso do direito.

A boa-fé se tornou um guia que deve ser seguido a fim de agir no exercício

regular do direito e evitar incorrer em práticas abusivas. Dentre as três funções da

boa-fé objetiva, já mencionadas anteriormente em tópico específico, está a função

corretiva. Ela está intimamente relacionada com a limitação do exercício dos direitos

afim de evitar abusos.

Aguiar Júnior afirma que a boa-fe e aplicável como “cânone de interpretação

dos negócios jurídicos e limite ao exercício dos direitos subjetivos”91, sendo esta

função limitadora a qual deve ser examinada quando do estudo acerca do abuso do

direito.

Para Miragem a boa-fé tem papel fundamental em relação aos limites impostos

para o exercício de um direito, vez que, através dos deveres anexos que dela derivam,

é capaz de limitar a liberdade individual do destinatário final desses deveres. Ele

deverá, portanto, exercer os direitos do qual é titular, sempre em consonância com os

limites que eles lhe determinam.92 Ele, por fim, faz uma distinção entre a boa-fé e o

abuso do direito, argumentando que:

90 CAVALIERI FILHO, 2014, p. 187. 91 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. A boa-fé na relação de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 14, p. 20 et seq., abr./jun. 1996. 92 MIRAGEM, 2009, p. 143.

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Enquanto a boa-fé teve seu significado a uma função de geradora de deveres jurídicos, limites ao exercício de direitos e critérios para interpretação e integração dos negócios jurídicos, o abuso do direito, tradicionalmente observou um desenvolvimento puramente negativo, de rejeição ao exercício de direitos que violem os limites estabelecidos pelo próprio ordenamento jurídico.93

No código de Defesa do Consumidor, ela se verifica nas condutas taxadas

como abusivas e que devem ser repelidas e punidas. Segundo Cavalieri Filho94, a

relação de consumo existente entre as partes deve ser pautada na lealdade e na

confiança, sendo uma legítima expectativa por partes dos contratantes. Quando o

sujeito, diante do exercício de um direito, não age de acordo com a lealdade e

confiança desejadas, o princípio da boa-fé é violado. Logo, ao agir em desacordo com

os limites impostos pelo princípio da boa-fé o sujeito incide em conduta abusiva,

sendo, portanto, um dos requisitos indispensáveis para a configuração do abuso do

direito.

No que tange aos bons costumes, o autor entende que estes representam os

ideais éticos-jurídicos externados majoritariamente por uma sociedade. É o conjunto

de regras de convivência praticadas pelo dito homem médio.95 Ocorrerá abuso do

direito a partir do momento que seu titular contrariar esses preceitos éticos

dominantes, atentando contra hábitos arraigados pela sociedade, aferidos por meio

de critérios objetivos e aceitos pelos indivíduos medianos.

Para Miragem96, a interpretação dos bons costumes não pode ser feita somente

com base em “aspectos de moralidade subjetiva, ou ainda exclusivamente da tradição

histórica, senão do sentimento social da comunidade, em vista dos valores por ela

praticados em uma determinada epoca.” O autor afirma que são eles “costumes

qualificados como eticamente dotados de valor em si, segundo uma perspectiva social

de sua importância e aprovação.”97 Neste sentido tem-se o Enunciado 413 da V

Jornada de Direito Civil98, que dispõe que os bons costumes previstos no artigo 187

do CC possuem natureza subjetiva, destinada ao controle da moralidade social de

93 MIRAGEM, 2009, p. 143. 94 CAVALIERI FILHO, 2014, p. 43. 95 Ibid., p. 188. 96 MIRAGEM, op. cit., p. 144. 97 Ibid., p. 146. 98 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 413. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/ enunciados/enunciado/224> Acesso em: 16 set. 2018.

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determinada época, e objetiva, para permitir a sindicância da violação dos negócios

jurídicos em questões não abrangidas pela função social e pela boa-fé objetiva.

Para Cavalieri Filho99, a boa-fé e os bons costumes caminham juntos, visto que

da mesma forma como se tem a expectativa de que um homem de boa-fé agirá de

maneira honesta e leal, a recíproca é verdadeira. A má-fé guarda correlação com

imoralidade, desonestidade e traição. Sendo assim, proceder de forma abusiva

pressupõe a violação ao princípio da boa-fé, deixando de observar o ideal de

confiança e lealdade, assim como não se atentar aos bons costumes, ignorando os

hábitos morais e éticos predominantemente adotados pela sociedade.

3.2.3 Inobservância ao Fim Social e Econômico do Direito Subjetivo

Outro requisito essencial à configuração do abuso do direito é agir em

inobservância ao fim social e econômico do direito subjetivo em questão. Segundo

Nader100, ao agir de maneira a abusar do direito, o sujeito ultrapassa os limites

impostos por fins econômicos ou sociais, praticando atos antissociais e transgredindo

o dever de solidariedade e também o jurídico.

Na concepção de Miragem101, o fim econômico deverá ser determinado de

acordo com a medida de utilidade do direito, a qual engloba desde a utilidade

econômica para seu titular, a qual deve ser conjugada com a utilidade econômica sob

o prisma da comunidade em que o sujeito está inserido. Já o fim social, para ele,

“remete a ideia da razão de ser do direito, de uma concepção socialmente adequada

dos direitos subjetivos frente aos diversos interesses em curso na comunidade.”102

No que diz respeito ao fim econômico do direito, Cavalieri Filho o conceitua

como o proveito material ou a vantagem percebida por seu titular, ou então a perda

que lhe acarretará o seu não exercício. Esse fim econômico, segundo ele, é de suma

importância para o direito obrigacional. Na concepção do autor, o contrato,

“principalmente o de consumo, e primeiramente um fenômeno econômico; o jurídico

e sua veste, vem depois para dar segurança ao econômico, aparar alguns excessos

[...] e traçar determinados rumos.”103

99 CAVALIERI FILHO, 2014, p. 188. 100 NADER, 2016, p. 137. 101 MIRAGEM, 2009, p. 136. 102 Ibid., p. 138. 103 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 187.

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Logo, depreende-se que o fenômeno econômico se encontra no cerne do

contrato. É vedado ao titular de um direito contratual agir de modo contrário a essa

finalidade econômica, uma vez que estaria contrariando a própria natureza das coisas.

Por conseguinte, infere-se que o direito é exercido visando um fim econômico capaz

de gerar benefícios ao seu titular, sendo, por isso, inconcebível a prática de atos que

contrariem esse escopo, sob pena de divergir da essência do interesse ali contido.

No que se refere ao fim social do direito o autor nos ensina que a sociedade

possui um fim a realizar, a paz, a ordem, a solidariedade e a harmonia da coletividade,

enfim, o bem comum. O Direito serve, então, como mecanismo de organização social

para alcançar esse objetivo. Os direitos subjetivos estão, portanto, subordinados ao

fim que a sociedade recomenda.104 No mesmo sentido, ele faz menção à obra de

Dantas105, argumentando que para além de um direito subjetivo, o indivíduo faz jus a

um amparo jurídico, sendo que um direito subjetivo não pode seguir apenas as

vontades de seu titular, não podendo ser exercido contra a finalidade social

estabelecida pela lei. O direito exercido a fim de produzir resultados contrários à sua

finalidade caracteriza o abuso de direito. Sendo assim, o exercício de um direito que

ofenda a finalidade social que a lei o conferiu incorre em abuso do direito, visto que

está sendo exercido de maneira contrária aquela em que pensava o legislador ao criar

a norma legitimadora de tal prerrogativa.

Para Ascensão, “toda a atribuição jurídica e realizada tambem para utilidade

social. O exercício do direito não se pode fazer de maneira que esta destinação básica

seja violada.”106 Isto posto, toda vez que o sujeito deixa de exercer um direito conforme

sua função social, está fadado a incorrer em abuso do direito.

3.2.4 Ocorrência de Dano

Alguns doutrinadores acreditam que o abuso do direito pressupõe a ocorrência

de dano a alguém, sendo este requisito indispensável a sua configuração, como é o

caso de Nery Junior e Andrade Nery, “se o titular do direito excede seus fins sociais,

104 CAVALIERI FILHO, 2014, p. 187. 105 DANTAS, 1972 apud CAVALIERI FILHO, ibid., p. 188. 106 ASCENSÃO, José de Oliveira. Teoria geral, vol. 3: relações e situações jurídicas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 221.

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por exemplo, mas não causa dano à terceiro, não terá havido abuso de direito, para

fins jurídicos.”107

No entanto, há divergências a respeito de tal entendimento, como por exemplo,

na concepção de Cavalieri Filho108, que compreende que a ilicitude capaz de ensejar

o abuso do direito pode ocorrer sem que a conduta do indivíduo cause danos a outrem.

Entretanto, isto não significaria dizer que tal comportamento será desprovido de

sanção, uma vez que o ordenamento jurídico prevê sanções distintas do dever de

indenizar, logo, a penalidade aplicada poderia ser a nulidade do ato, a perda de um

direito processual ou material, entre outras. Da mesma forma é o entendimento de

Guerra, para quem “se não há dano, não há o que reparar, mas ainda assim o abuso

do direito poderá ter havido.”109

Para Miragem 110 , a aplicação do artigo 187 do Código Civil não exige a

ocorrência de dano, nem tampouco a existência de relação jurídica entre as partes. A

diferença é que, se do ato abusivo resultar dano, será possível falar em

responsabilidade civil. Entretanto, quando não houver prejuízo, o abuso poderá ser

rejeitado por meio de outra sanção prevista no ordenamento jurídico, como, por

exemplo, a declaração de invalidade do ato ou sua ineficácia.111

Do mesmo modo pensa Lôbo112, que possui o entendimento de que para a

incidência de abuso do direito dispensa-se a exigibilidade do dano, haja vista que suas

consequências podem ter atributos tanto de prevenção quanto de inibição, que

impossibilitem o dano. Ele faz menção ao que prevê o artigo 927 do Código Civil113,

que aparenta contraditar esse modelo, porém a análise coerente e em concordância

com o ali disposto impõe o sentido, “em relação ao art. 187, de quando o abuso de

direito causar dano, já que este nem sempre ocorre”.

O Enunciado 539 da VI Jornada de Direito Civil114 dispõe que o abuso de direito

é uma categoria jurídica autônoma em relação à responsabilidade civil. Por isso, o

exercício abusivo de posições jurídicas desafia controle independentemente de dano.

107 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Doutrinas essenciais responsabilidade civil. Edições Especiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. I. p. 700. 108 CAVALIERI FILHO, 2015, p. 242. 109 GUERRA, Alexandre. Responsabilidade civil por abuso do direito: entre o exercício inadmissível de posições jurídicas e o direito de danos. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 270. 110 MIRAGEM, 2009, p. 96. 111 Ibid., p. 102. 112 LÔBO, 2017, p. 353. 113 Art. 927. Código Civil de 2002. (BRASIL. Código Civil, 2002). 114BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 539. Disponível em: <https://fmjur.wordpress. com/2013/04/09/novos-enunciados-cjf-vi-jornada-de-direito-civil/> Acesso em: 16 set. 2018.

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Contudo, para que seja possível responsabilizar civilmente o indivíduo que age com

abuso do direito é necessário que se verifique que tal conduta tenha, efetivamente,

causado prejuízo a outrem, conforme depreende-se do artigo 927 do Código Civil.

Entretanto, nem todo dano causado a um terceiro é capaz de caracterizar

abuso de direito, mas tão somente aquele que se perfaz por meio do uso irregular de

um direito. Portanto, o indivíduo que lesa outrem no exercício regular do seu direito

não incide em abuso e, consequentemente, não há falar-se em reparação civil por

abuso do direito.

3.2.5 Nexo Causal

Em caso de exercício abusivo do direito que venha a causar prejuízo a outrem,

para que possa haver a responsabilização civil do agente se faz necessária a

existência de uma correlação entre a conduta abusiva e o dano efetivamente

experimentado. Segundo Rizzardo, “faz-se necessário a verificação de uma relação,

ou um liame, entre o dano e o causador, o que torna possível a sua imputação a um

indivíduo.”115 Para Nader, o nexo causal “[...] é a relação de causa e efeito entre a

conduta e o dano causado a outrem.”116

Nas lições de Cavalieri Filho117:

Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. E preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. Em síntese, e necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato.

Tal correlação é denominada nexo de causalidade e se faz presente quando o

dano sofrido decorre realmente da conduta ilícita praticada pelo agente. Segundo

Nader, “é preciso que os prejuízos sofridos por alguém decorram da ação ou omissão

do agente contrária ao seu dever jurídico. Se houve a conduta, seguida de danos, mas

estes não decorreram daquela, não haverá ato ilícito.”118

115 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Cap. V. 116 NADER, 2016, p. 137. 117 CAVALIERI FILHO, 2015, p. 66. 118 NADER, op. cit., p. 121.

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Braga Netto, Farias e Rosenvald119 elencam duas funções do nexo causal,

sendo a primeira a de atribuir a obrigação de indenizar ao sujeito cuja conduta foi

imprescindível para a ocorrência do dano, sendo que as consequências do ato lesivo

devem ser imputadas a quem o produziu. A segunda, por sua vez, é a de determinar

a amplitude do prejuízo, a medida de sua reparação. Portanto, resta evidente a

necessidade da verificação do nexo de causalidade entre conduta do sujeito e o dano

pra que se configure o abuso do direito.

119 BRAGA NETTO, Felipe; FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Novo tratado de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 469.

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4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABUSO DO DIREITO

Quando o sujeito pratica atos contrários ao direito e que geram dano a outrem

há a necessidade de repará-lo, nascendo com isso o dever de recompor o prejuízo.

Como bem leciona Cavalieri Filho120:

A essência da responsabilidade está ligada a noção de desvio de conduta, ou seja, foi ela engendrada para alcançar as condutas praticadas de forma contrária ao direito e danosas a outrem. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil e um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.

Ou seja, o abuso de direito como uma conduta que desvia de sua finalidade

original, vai contra o direito e se causar dano a outrem, é passível de

responsabilização civil, devendo seu agente ressarcir o prejuízo causado. Segundo o

autor, “o fundamento principal do abuso do direito e impedir que o direito sirva como

forma de opressão, evitar que o titular do direito utilize seu poder com finalidade

distinta daquela a que se destina.”121 A conduta do agente está de acordo com os

preceitos legais, no entanto, se mostra conflitante em relação aos seus valores éticos

sociais e econômicos. Desta forma, ao responsabilizar civilmente uma conduta em

que o titular de um direito o exerce de forma abusiva, se está reprimindo sua utilização

com escopo distinto daquele que em princípio lhe foi conferido.

Na concepção de Diniz, “o uso de um direito alem do permitido, lesando outrem,

traz o dever de indenizar.”122 Segundo a autora, apesar de parecer que o indivíduo

age de forma lícita, por trás da ação se esconde a ilicitude que resta configurada por

meio de seu resultado, o qual atenta contra o princípio da boa-fé e aos bons costumes,

bem como desvia de sua finalidade social e econômica.

Existem autores que defendem a ideia de que, ainda que não tenha como

consequência danos patrimoniais ou morais, aquele que age com abuso do direito

pode ser sancionado. Destaca-se o pensamento de Rosenvald, que considera que

por mais que o ato não cause efetivos prejuízos, sejam eles de ordem moral ou

patrimonial, “poderá o sistema sancionar o ofensor pela nulidade do ato, pela

120 CAVALIERI FILHO, 2015, p. 16. 121 Ibid., p. 241. 122 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 7: responsabilidade civil. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 607.

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decadência de um direito, perda de uma situação jurídica favorável ou, mesmo,

simplesmente punir o agente, a par de qualquer outro reflexo de seu

comportamento.”123

O autor124 ainda reforça que:

Ao contrário, no art. 187 do Código Civil, a reprovação do ordenamento jurídico se exprime por um juízo de retribuição a própria conduta do agente, independentemente dos efeitos de seu comportamento. Certamente, se o exercício de um ato abusivo repercutir lesões patrimoniais ou extrapatrimoniais, a sanção será transferida para a fattispecie do art. 927 do Código Civil. Mas, e vital o correto enfrentamento do art. 187 para a percepção quanto a possibilidade de se sancionar o abuso do direito com outras consequências diversas do plano reparatório, tais como a nulidade, a decadência ou a supressão de determinada situação jurídica do agente. Esta deliberação quanto ao tratamento do ilícito, seja pelo valor sintomático ou pelo valor causal, dependerá das escolhas do legislador.

Sendo assim, em sua concepção, o abuso do direito que não causa dano

efetivo a outrem, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial, não irá deixar de receber

uma sanção, entretanto, não há falar-se em penalidade de cunho reparatório nessa

hipótese. No fim das contas, caberia ao legislador definir a natureza da sanção.

Guerra125 afirma que quando se estiver na presença de ato que se amolde ao

artigo 187 do Código Civil, bastará a existência de dano a terceiro para que reste

configurada a responsabilidade civil do titular do direito em face do terceiro que outrora

foi prejudicado. Logo, “o abuso do direito não gerará sempre [...] o dever de indenizar,

pois necessária será a identificação segura do elemento dano, bem como dos demais

componentes da responsabilidade civil.”126

Segundo referido autor127, para que haja responsabilidade civil por abuso do

direito é necessário o preenchimento de alguns requisitos, dentre eles:

i) a titularidade do direito ou da situação jurídica subjetiva; ii) o exercício dos poderes subjacentes à referida situação jurídica de forma clamorosamente excessiva, quando considerados os limites gerais e legais, excedendo ao menos um dos limites impostos pelo art. 187 do Código Civil e iii) o fato de se causar à vítima uma lesão em sua esfera patrimonial ou moral.

123 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 58. 124 ROSENVALD, loc. cit. 125 GUERRA, 2011. p. 284. 126 Ibid., p. 290. 127 Ibid., p. 296.

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Ainda seguindo os ensinamentos de Guerra, o dever de indenizar não é a única

consequência decorrente do exercício abusivo de um direito. Serão inúmeras as

possíveis sanções aplicáveis, que não a indenização, àquele que exerce seu direito

de forma abusiva, dentre elas se encontram “a nulidade, a anulabilidade, a

inoponibilidade, ou a rescindibilidade do ato ou negócio jurídico, quando seja na sua

prática que o abuso se verificou, até o restabelecimento da verdade ou da realidade

dos atos com ele conectados.”128

Segundo Gomes129, em alguns casos a repressão do abuso por meio do dever

de indenizar não é eficaz, levando a necessidade de aplicar sanções de natureza

diversa, como, por exemplo, o dever de desfazer algo que foi feito apenas com o intuito

de prejudicar outrem, ou até mesmo a declaração da nulidade do ato. Ressalta, ainda,

que caso não exista previsão legal de sanção específica, caberá ao juiz decidir pela

mais eficaz de acordo com o caso concreto.

Para Amaral 130 , a sanção aplicável ao abuso do direito irá depender da

natureza do ato abusivo. Ela poderá ser direta, na qual o agente será obrigado a

restaurar o status anterior, encerrando a situação abusiva, ou então, indireta, em que

haverá repercussão no patrimônio do sujeito obrigado a indenizar o dano causado.

Carvalho Neto também faz menção a esses dois tipos de sanções, sendo, para

ele, a direta aquela que “consiste [...] em sua reparação in natura, ou seja, na

possibilidade de se determinar o desfazimento do ato”131, e a indireta aquela que

“equipara, pelos seus efeitos, o ato abusivo com o ato ilícito, para os fins de tornar

possível a reparação do dano pelos princípios da responsabilidade civil.”132

No que tange a responsabilidade civil, esta possui duas funções primordiais, a

reparação e a prevenção do dano. Não se responsabiliza civilmente uma conduta

apenas a fim de que o sujeito que sofreu o dano seja ressarcido, mas também como

modo de prevenir que tal atitude se repita e venha a lesar outros indivíduos. Nader,

ao fazer referência a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, afirma que como

“modalidade de ato ilícito, o abuso de direito, uma vez caracterizado, impõe ao agente

a reparação do dano, seja pela reposição das coisas ao status quo ante, seja pela

128 GUERRA, 2011, p. 286. 129 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.134. 130 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 9. ed. rev. modif. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2017. p.314. 131 CARVALHO NETO, 2009, p. 195-198. 132 CARVALHO NETO, loc. cit.

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indenização.”133 Amaral134 ressalta que são duas as medidas à disposição do titular

de um direito para conservá-lo ou defendê-lo, quais sejam, as preventivas e as

repressivas. Aquelas possuem o condão de evitar uma futura violação ao direito,

enquanto estas se prestam a reagir contra tal violação.

São duas as teorias acerca do abuso do direito, a subjetiva e a objetiva,

consoante o entendimento de Cavalieri Filho, na primeira o abuso resta configurado

“quando o ato, embora amparado pela lei, for praticado deliberadamente com o

interesse de prejudicar alguém.”135 Por outro lado, a teoria objetiva define que o ato

será abusivo quando houver o “uso anormal ou antifuncional do direito. Caracteriza-

se pela existência de conflito entre a finalidade própria do direito e a sua atuação no

caso concreto.”136

A teoria do abuso do direito adotada pelo nosso ordenamento jurídico é a

objetiva, ou seja, prescinde da ideia de culpa, devendo o agente reparar o dano

causado independentemente de ter contribuído culposamente para o resultado.

Segundo Farias e Rosenvald, “o criterio do abuso do direito não reside no plano

psicológico da culpabilidade, mas no desvio do direito de sua finalidade ou função

social. Acolhe-se a teoria objetiva finalista [...].”137 Conforme leciona Gonçalves, “a

doutrina do abuso do direito não exige, para que o agente seja obrigado a indenizar o

dano causado, que venha a infringir culposamente um dever preexistente.” 138

Consoante tal entendimento, o Conselho da Justiça Federal, durante a I Jornada de

Direito Civil, editou seu Enunciado nº 37, já citado anteriormente, que dispõe que “a

responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa”.

Portanto, depreende-se que a teoria adotada pelo ordenamento jurídico

brasileiro no que diz respeito ao abuso do direito é a objetiva, em que a sua

configuração independe da verificação de culpa. Faz-se necessária, então, a análise

das duas teorias acerca do abuso do direito, quais sejam a subjetiva e a objetiva,

sendo esta a adotada pelo Código Civil Brasileiro.

133 NADER, Paulo. Curso de direito civil, volume 7: responsabilidade civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 138. 134 AMARAL, 2017, p. 314-315. 135 CAVALIERI FILHO, 2015, p. 241. 136 CAVALIERI FILHO, loc. cit. 137 FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 705. 138 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 4: responsabilidade civil. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 67.

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4.1 TEORIAS SUBJETIVAS DO ABUSO DO DIREITO

Para as teorias subjetivas do abuso do direito, é imprescindível a presença do

elemento culpa para a caracterização do abuso do direito. O agente deve estar agindo

com a intenção de causar dano a outrem. Segundo Carvalho Neto, “para as teorias

subjetivas, há abuso do direito quando o seu titular exercita seu direito sem

necessidade, com intenção de prejudicar.”139 Amaral, ao tratar sobre tais teorias,

alega que para seus adeptos “existe abuso de direito quando o respectivo titular

exercita seu direito sem necessidade, mas com intenção de prejudicar.”140 Para ele,

três são os elementos caracterizadores do abuso, quais sejam, o exercício do direito,

a intenção de causar dano e a inexistência de interesse econômico.

Noronha alega que para aqueles que aderem a elas, “o abuso do direito se

verifica quando uma pessoa age com o propósito de prejudicar outrem.”141 Para o

autor, nas teorias subjetivas do abuso do direito, adotou-se a ideia de que o abuso

somente acontece quando nítida a intenção do agente em prejudicar o outro,

baseando-se na alegação de que as pessoas possuem total autonomia, contanto que

não ajam com o único e exclusivo propósito de lesar outrem. Segundo ele, tais teorias

do abuso do direito subdividem-se na ótica da intenção do agente e na gravidade da

culpa.142

Azi143 discorre com maestria sobre essas duas subdivisões:

[...] duas são as principais teorias subjetivas: a da intenção e a da gravidade da culpa. Para a primeira, o abuso ocorre quando o titular do direito o utiliza com o intuito específico de prejudicar outrem. Tal teoria do direito é criticada por restringir o âmbito de caracterização do abuso, dificultando sua aplicabilidade. Já para a segunda teoria, o abuso ocorre quando o titular do direito utiliza seu direito com negligência, imprudência ou imperícia em alto grau. Caso não ocorra esta “gravidade” no exercício do direito, o ato não sai da seara do ilícito. A maior crítica a esta teoria é a dificuldade para a aferição da gravidade, o que também comprometeria sua aplicabilidade.

Destarte, de acordo com o pensamento da autora, as teorias subjetivas sob o

prisma da intenção analisam a real finalidade do agente quando da prática abusiva,

139 CARVALHO NETO, 2009, p. 71. 140 AMARAL, 2017, p. 312. 141 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. I. p. 371. 142 GUERRA, 2011, p. 120. 143 AZI, Camila Lemos. A lesão como forma de abuso do direito. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 93, v. 826, p. 42, ago. 2004.

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tendo como maior crítica a restrição da esfera de caracterização do abuso. Já sob a

ótica da gravidade da culpa, o abuso acontece quando o titular do direito age com

negligência, imprudência ou imperícia em grau elevado.

Guerra ressalta que, “as teorias subjetivas têm em comum a necessidade de

demonstrar o prejuízo daquele que foi atingido pelo ato que se quer imputar como

abusivo.”144 Neste caso, não há uma análise acerca da existência do desvio de

finalidade do direito ou não, mas sim, qual a real intenção do indivíduo, ou então, se

ele agiu de maneira negligente ou imprudente, atrelando o abuso do direito ao grau

de culpa na segunda perspectiva.

Imperioso ressaltar que essa vertente ideológica não foi englobada pelo

conceito atual de abuso de direito contido no artigo 187, do Código Civil de 2002, o

qual não exige que o indivíduo aja com o intuito de prejudicar outrem quando exceder

manifestamente o seu direito.

4.2 TEORIAS OBJETIVAS DO ABUSO DO DIREITO

A corrente adotada pelo Código Civil brasileiro vigente, no que tange ao abuso

do direito, é a objetiva, cujos defensores “pregam que o abuso do direito consiste no

exercício anormal de um direito, independentemente da consideração de elementos

subjetivos, anímicos.”145 Segundo Carvalho Neto, para essas teorias “o abuso do

direito é consequência, pura e simplesmente, do exercício anormal do direito, sem

indagação da intenção do agente.”146 Na concepção de Amaral, para a teoria objetiva

o abuso do direito consiste em uma anormalidade em seu exercício que permite “dois

subcritérios: um econômico, que se manifesta no exercício [...] para ‘satisfação de

interesses ilegítimos’, e outro, funcional ou finalista, segundo o qual o direito não se

exerce de acordo com sua função social.”147

Esta pode ser considerada sob dois aspectos, o primeiro é o objetivo-finalista,

pelo qual “o ato e abusivo quando deixa de atender à sua finalidade, à função para

qual o direito foi criado”. Para aqueles que compactuam com essa vertente, “o abuso

do direito é a ilicitude, a relação de contrariedade entre a conduta do homem e o fim

144 GUERRA, 2011, p. 122. 145 GUERRA, loc. cit. 146 CARVALHO NETO, 2009, p. 71. 147 AMARAL, 2017, p. 312.

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pretendido pela ordem jurídica”.148 O segundo aspecto é o objetivo-econômico, que

considera que o direito é estático quanto as normas positivadas e dinâmico quanto ao

complexo social. O abuso ocorreria quando houvesse choque entre o direito estático

e o dinâmico.149

Martins150, em sua obra “O abuso do direito e o ato ilícito”, esclarece a diferença

entre as teorias subjetivas e as objetivas:

A teoria subjetiva inverte os princípios em que se funda o método científico de interpretação: ao invés de partir do ato exterior para qualificar a intenção de vontade do agente, parte da intenção e da vontade para qualificação do ato exterior. O ato, ordinariamente, é a extrinsecação da vontade. Ato e vontade constituem, um só e mesmo fato suscetível de duas interpretações diversas. O método subjetivo, partindo da investigação da vontade para qualificar o exterior, impossibilita a prova do abuso, transformando-o num conceito puramente psicológico. O método objetivo, ao contrário, faz decorrer a intenção do próprio ato danoso, das próprias circunstâncias em que foi praticada, isto é, de elementos materiais, de dados concretos, suscetíveis de uma demonstração imediata.

Logo, verifica-se que a distinção entre as duas teorias reside no fato de que

para a objetiva o abuso do direito prescinde da ideia e culpa, já para a subjetiva ela é

elemento essencial de sua configuração. De qualquer forma, é possível compreender,

por meio da redação do Código Civil, doutrina e jurisprudência, que a teoria adotada

atualmente é a objetiva, portanto, perante o ordenamento jurídico a presença de culpa

é dispensável para a caracterização de conduta abusiva.

4.3 APLICABILIDADE DA TEORIA

Para Farias e Rosenvald, a utilização da palavra “direito” na redação do artigo

187 do Código Civil induz o interprete a conclusão de que a aplicação da teoria do

abuso do direito é restrita, de maneira a obstar sua incidência em outras situações

jurídicas. Porém, ao contrário do que sugere o dispositivo de lei, também as

“liberdades, as faculdades e os direitos potestativos ou poderes jurídicos admitem a

incidência da aplicação da teoria do ato abusivo, uma vez que podem estabelecer

vantagens para o seu titular.”151

148 GUERRA, 2011, p. 123. 149 Ibid., p. 124. 150 MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 123-124. 151 FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 707.

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Carvalho Neto 152 discorre que para alguns doutrinadores existem direitos

insindicáveis, os quais não seriam suscetíveis a abusos, entretanto, essa tese foi

refutada, e atualmente entende-se que não há falar-se em direitos insindicáveis em

matéria de abuso de direito, razão ela qual a teoria é aplicável a qualquer espécie de

direito, corroborando com o entendimento de Farias e Rosenvald.

Segundo Miragem, a teoria do abuso do direto, embora prevista no Código Civil,

possui aplicabilidade em relação a todas as relações jurídicas de direito privado, eis

que seus limites traduzem valores éticos-sociais, o que lhe outorga a característica de

“fundamento de responsabilidade, enquanto fonte de obrigações, em todo o Direito

Privado, seja no sistema de direito civil, nos microssistemas jurídicos ou nas relações

sob incidência de uma variedade de leis especiais.”153

Conforme explanado anteriormente, o artigo 187 do Código Civil, ao adotar a

teoria do abuso do direito, se afastou da concepção subjetiva, a qual está atrelada à

existência de dolo ou culpa, e se aproximou de um ideal objetivo, o qual “prescinde da

caracterização do elemento anímico do exercício do direito pelo titular para considerá-

lo abusivo e, por esta razão, antijurídico.”154

Para Martins-Costa, “incorre em abuso quem exercita de modo inadmissível um

direito reconhecido por uma estipulação contratual em si mesma válida e eficaz.”155

Segundo a autora, a correção do abuso do direito se dá no plano da eficácia, vez que

a conduta abusiva de que trata o artigo 187 do Código Civil gera, em caso de resultado

capaz de ensejar danos, o dever de indenizar, conforme o artigo 927 do mesmo

diploma legal, podendo gerar outras eficácias que não só a indenizatória. A

aplicabilidade da teoria do abuso do direito pode ser verificada em todos os ramos do

direito, sendo possível observá-la na fase pré-contratual, nos contratos de adesão e

na própria execução do contrato.

Para Carvalho Neto, os indivíduos possuem o direito de escolha em não

contratar, “não se podendo obrigar aquele que manifestou apenas a intenção de

contratar a celebrar o contrato, é possível, entretanto, que o exercício deste direito se

dê de modo abusivo.”156 Segundo ele, existem situações em que, embora não haja

152 CARVALHO NETO, 2009, p. 219. 153 MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 143. 154 MIRAGEM, 2009, p. 101. 155 MARTINS-COSTA, 2018, p. 637. 156 CARVALHO NETO, op. cit., p. 219.

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obrigação de firmar um contrato, o indivíduo se manifesta de maneira a levar o outro

a crer que iria contratar, fazendo com que a negativa contratual venha a lhe causar

prejuízos. Ele discorre, ainda, acerca da aplicabilidade da teoria do abuso do direito

durante a execução do contrato, em que devem ser seguidos os parâmetros ditados

pela boa-fé, teoria que foi adotada pelo artigo 422 do Código Civil.157

Ao comentar sobre a aplicação da teoria do abuso do direito aos contratos de

adesão, Martins afirma que “tais situações jurídicas só têm de contratual o nome,

constituindo-se num dos territórios menos protegidos contra a invasão do abuso.”158

Para ele, uma vez que as cláusulas desses contratos são interpretadas pelo Poder

Judiciário, cabe a ele classificar como “abusivas as estipulações leoninas ou

vexatórias a que as partes só tenham aderido por motivos imperiosos.”159

Ainda no que tange a aplicabilidade da teoria do abuso de direito, importante

destacar que segundo o entendimento jurisprudencial160, quando configurado excesso

na conduta, ou então, abuso no exercício de um direito, a atitude que num primeiro

momento era lícita torna-se ilícita, ante o excesso manifesto dos limites outrora

impostos, motivo pelo qual o indivíduo deve responder civilmente pelos prejuízos

causados, nos termos do artigo 187 do Código Civil.

A título de exemplo de aplicabilidade da teoria, interessante o entendimento

exarado pelo Tribunal de Justiça do Paraná161 em recente julgado em que reconheceu

a configuração de abuso de direito, com o consequente dever de indenizar, em um

caso concreto em que foi publicada notícia através da internet, com a utilização de

adjetivos depreciativos à pessoa pública. Entendeu o tribunal que houve um conflito

entre a liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, e, ao realizar a

ponderação de tais direitos concretamente, chegou-se a conclusão de que o conteúdo

extrapolava o caráter informativo da notícia, com a pura intenção de violar a honra ou

a moral da ofendida, restando configurado, portanto, a conduta abusiva.

157 CARVALHO NETO, 2009, p.224. 158 MARTINS, 1997, p. 45. 159 MARTINS, loc. cit. 160 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. AC 0029080-78.2016.8.07.0001, da 5ª Turma Cível. Relator: Josapha Francisco dos Santos. Distrito Federal, Brasília, DF, 6 de setembro de 2017. Lex: jurisprudência do TJDF, publicado em 22 set. 2017. Disponível em: <https://www.tjdft.jus .br/> Acesso em: 16 set. 2018. 161 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. AC 0013968-88.2014.8.16.0001, da 8ª Câmara Cível. Relator: Juiz Substituto em 2º Grau Alexandre Barbosa Fabiani. Paraná, 14 de fevereiro de 2019. Lex: jurisprudência do TJPR, publicado em 18 fev. 2019. Disponível em: <http://portal.tjpr.jus.br/ jurisprudencia/j/4100000007077551/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-0013968-88.2014.8.16.0001> Acesso em: 12 mar. 2019.

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O mesmo Tribunal162 já se posicionou no sentido de reconhecer a ocorrência

de abuso do direito em um caso concreto em que a parte, após a contratação de

serviços de odontologia, resolveu manifestar sua insatisfação em um site na internet

cuja finalidade era a de avaliação de serviços. Restou configurado o abuso do direito

de liberdade de expressão e de crítica, causando ofensa à honra e à reputação do

profissional, com consequente indenização pelos danos morais suportados.

Tartuce, ao falar sobre a aplicação do artigo 187 do Código Civil às relações

consumeristas, observa que esta e perfeitamente possível, ante “a interpretação

sistemática e teleológica das normas jurídicas”163, correspondendo ao que Marques

convencionou chamar de “diálogo das fontes normativas.”164 A teoria do abuso do

direito pode ser identificada, ainda, no Código de Defesa do Consumidor, nos

seguintes artigos: 6º, IV, que possui previsão contra a publicidade enganosa e

abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, assim como contra práticas e

cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; artigo 28,

que prevê hipótese de desconsideração da personalidade jurídica em caso de abuso

do direito; artigo 37, que proíbe a publicidade enganosa ou abusiva; artigo 39, com

um rol de práticas abusivas; artigo 51, que elenca as cláusulas tida como abusivas; o

artigo 60, que traz a imposição de contrapropaganda quando o fornecedor incorrer em

publicidade enganosa ou abusiva; e, o artigo 67 que prevê pena criminal para este

último caso.165

Ademais, exemplo prático de abuso do direito nas relações consumeristas é a

propaganda enganosa ou abusiva, a qual, conforme entendimento jurisprudencial166,

gera indenização por dano moral, sendo o fornecedor responsabilizado

independentemente de dolo ou culpa em sua atuação.

162 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. AC 1727990-8, da 9ª Câmara Cível. Relator: Juiz Substituto em 2º Grau Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso. Paraná, 16 de novembro de 2017. Lex: jurisprudência do TJPR, publicado em 27 nov. 2017. Disponível em: <http://portal.tjpr.jus.br/ jurisprudencia/j/12459716/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-1727990-8#> Acesso em: 12 mar. 2019. 163 TARTUCE, Flávio. Considerações sobre o abuso do direito ou ato emulativo civil. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Coords.) Novo código civil: questões controvertidas. São Paulo: Método, 2003. p. 80-110 (Série Grandes Temas de Direito Privado, v.2). 164 MARQUES, Claudia Lima. Diálogo entre o código de defesa do consumidor e o novo código civil: do diálogo das fontes no combate às cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor, Revista dos Tribunais, n. 45, p. 98, jan./mar. 2003. 165 CARVALHO NETO, 2009, p. 226. 166 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1329556/SP, da 3ª Turma. Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Lex: jurisprudência do STJ, julgado em 25 nov. 2014. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 16 set. de 2018.

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Outrossim, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul167 possui precedente

em que restou configurado o abuso do direito de um consumidor que proferiu

comentários em perfil pessoal do réu, atuante no ramo de venda de combustíveis, em

uma rede social, ofendendo sua honra objetiva, afetando a reputação e o bom conceito

da pessoa jurídica. Comentários estes que extrapolavam os limites do mero

descontentamento, eis que foram proferidas acusações que traduziam prática

delituosa.

Pinheiro, ao discorrer sobre o relevante tema do abuso do direito na perspectiva

do Código de Defesa do Consumidor, expressa-se no sentido de que “tem-se o Código

de Defesa do Consumidor como verdadeiro subsistema de abuso de direito, sob a luz

dessa nova teoria contratual, com vistas a perfazer que o contrato cumpra a sua

função social.”168

Baggio169 argumenta que a posição dominante do fornecedor em relação ao

consumidor, considerado vulnerável, dá ensejo ao chamado abuso de posição

dominante, haja vista que a desigualdade entre ambos é presumida, razão pela qual

acredita-se que o fornecedor possa ter vantagens indevidas sobre o consumidor, as

quais podem gerar desvios na função social e econômica, bem como a

incompatibilidade com a equidade e com a boa-fé.

Para referida autora, o Código de Defesa do Consumidor refuta a ocorrência

de todas as possibilidades de abuso de direito que tenham por consequência a

violação à confiança, conforme depreende-se do rol de práticas abusivas previsto do

artigo 39 do CDC.170

Ressalta ainda Baggio que no direito do consumidor o abuso do direito “se dá,

normalmente, por meio do abuso na confiança depositada no cumprimento do

contrato, razão pela qual o tema deve ser tratado em sua relação com a confiança, e

não apenas em relação à boa-fe objetiva”.171

167 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. AI 70068226802, da 9ª Câmara Cível. Relator Desembargador Miguel Ângelo da Silva. Julgamento em 10 de fevereiro de 2016. Lex: jurisprudência do TJ, Rio Grande do Sul, publicado em 17 fev. 2016. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br> Acesso em: 12 mar. 2019. 168 PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso do direito e as relações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 318. 169 BAGGIO, 2012, p. 144. 170 Ibid., p. 148. 171 Ibid., p. 149.

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51

Para Miragem172 no Código de Defesa do Consumidor:

[...] uma vez que a abusividade esteja vinculada à violação de deveres específicos da lei, ou mesmo de modo geral, ao reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, o ato abusivo distingue-se quanto às consequências jurídicas que encerra, podendo determinar tanto a nulidade de cláusula abusiva ou de todo o negócio jurídico (art. 51, §2º), a imposição do dever de indenizar, a cominação de sanção pecuniária, ou ainda, a sustação de efeitos de determinadas relações jurídicas em uma situação especifica.

Conforme dito anteriormente, a teoria do abuso do direito encontra

aplicabilidade em todos os ramos do direito, logo, impossível abordar suas inúmeras

perspectivas, razão pela qual a análise feita até aqui englobou seus pontos principais

sob o ponto de vista do tema abordado.

Por fim, tendo em vista que o crescimento das relações de consumo na rede

mundial de computadores é exponencial, sendo inclusive a preferência de vários

indivíduos quando o assunto é comprar e negociar, acaba por surgir um grande

número de reclamações feitas em sites destinados a avaliação de fornecedores, e

dentre elas estão aquelas feitas apenas com o intuito de denegrir a imagem da pessoa

jurídica.

Desta forma, se faz necessário discorrer acerca do exercício do direito à

reclamação por parte do consumidor, bem como, com base nas informações

estudadas sobre o abuso de direito e sua consequente responsabilização, verificar se

as manifestações do consumidor através de sítios eletrônicos podem configurar uma

conduta abusiva passível de ser responsabilizada civilmente ou não.

172 MIRAGEM, 2009, p. 226.

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5 O EXERCÍCIO DO DIREITO À RECLAMAÇÃO VIA INTERNET

Com o passar dos anos, foram introduzidas diversas inovações tecnológicas

na sociedade, dentre elas a internet e seus inúmeros benefícios. O que antes levava

dias, semanas, meses ou até mesmo anos, agora pode ser realizado com não mais

do que alguns cliques. A inovação trouxe ao ser humano a facilidade e a praticidade

de poder descobrir ou encontrar algo em instantes, o que antes era inimaginável. Com

o advento dessas novas tecnologias e da internet, muitos consumidores preferem

fazer uso da rede mundial de computadores quando o assunto é comprar e negociar.

Em consequência disso, surge um grande número de reclamações feitas em sites

destinados a avaliação de fornecedores, e dentre elas estão aquelas cujo intuito é tão

somente causar prejuízo ao fornecedor de produtos ou serviços. Segundo Magalhães,

Ciribelli e Barbosa, a cultura do consumo encontra-se em constante desenvolvimento,

alcançando um feitio mais rebuscado, uma vez que segue evoluções como “a

globalização, a comunicação, o aumento populacional, a quantidade e diversidade de

produtos e serviços e inovações tecnológicas.” 173 O alcance de uma enorme

quantidade de informações e mecanismos que auxiliam o consumidor a efetuar a

compra, bem como “o aumento do índice de insatisfação e a diminuição da lealdade

do cliente”174 também são pontos interessantes a se destacar nesta temática.

Importante ressaltar que, em que pese o Código de Defesa do Consumidor seja

altamente protecionista em relação a parte considerada vulnerável na relação

consumerista, isso não legitima ao consumidor a prática de atos desenfreados,

ilimitados. Apesar desse diploma se desenvolver com base no princípio da

vulnerabilidade do consumidor, não é somente este que o rege, merecendo destaque

o princípio da boa-fé objetiva anteriormente estudado, cuja previsão se encontra em

seu artigo 4º, III, que prega o equilíbrio entre as partes, quais sejam, consumidor e

fornecedor.

Desta forma, faz-se necessária a análise do direito do consumidor à

reclamação, seus limites e os casos em que ele é exercido de maneira abusiva, bem

173 BARBOSA, Taináh Moreira M.C; CIRIBELI, João Paulo; MAGALHÃES, Marcélly Ribeiro. Procedimento das demandas consumeristas no sistema nacional de defesa do consumidor: análise processual e das reclamações junto ao PROCON. Revista Científica Fagoc Jurídica, v. 1, 2016. Disponível em: <http://revista.fagoc.br/index.php/juridico/article/view/359/296>. Acesso em: 10 nov. 2018. 174 BARBOSA; CIRIBELI; MAGALHÃES, loc. cit.

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como, se for o caso, a responsabilização do indivíduo que o exerce de forma a exceder

as barreiras impostas pelo ordenamento jurídico.

5.1 GARANTIA DO EXERCÍCIO DO DIREITO À RECLAMAÇÃO

O direito à reclamação por parte do consumidor possui como base legal o artigo

26, do Código de Defesa do Consumidor175, o qual dispõe sobre o prazo decadencial

do direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação. Ele também

decorre dos direitos básicos do consumidor previstos no artigo 6º do mesmo diploma

legal, mais precisamente em seus incisos III e IV, que dispõem que são prerrogativas

do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e

serviços, bem como a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva. Outros

dispositivos relacionados ao direito de reclamação são os artigos 30176 e 37177 do

Código de Defesa do Consumidor, que estabelecem a vinculação do fornecedor a toda

a informação ou publicidade que se fizer veicular, bem como a proibição de

publicidade enganosa ou abusiva. Ressalte-se ainda a possiblidade garantida no

artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor178, que permite que, em caso de vício

no produto, o consumidor possa exigir a substituição das partes viciadas.

Da mesma forma a Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos IV e IX,

consagra a liberdade de expressão do indivíduo e a livre manifestação de seu

pensamento, direitos fundamentais que também embasam o direito à reclamação por

parte do consumidor, e seu artigo 170, V, traz como princípio da ordem econômica a

defesa do consumidor.

Segundo Nunes 179 , a reclamação do consumidor pode ser feita verbal,

pessoalmente ou por telefone, sendo que muitos fornecedores, inclusive, possuem

um canal de comunicação, o chamado Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC),

destinado a receber, através de chamadas telefônicas, as reclamações de seus

clientes relacionadas a vícios dos produtos e dos serviços. A lei exige prova de que a

reclamação foi efetuada, a qual, se necessário, poderá ser produzida através da via

175 Art. 26. (BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, 1990). 176 Art. 30. (BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, loc. cit.). 177 Art. 37. (BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, loc. cit.). 178 Art. 18. (BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, loc. cit.). 179 NUNES, 2017, p. 451.

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judicial, por todos os meios de prova em direito admitidos. Assim entendeu a Ministra

Nancy Andrighi ao julgar o REsp nº 1.442.597/DF180, em que ela afirma que:

A lei não preestabelece uma forma para a realização da reclamação, exigindo apenas comprovação de que o fornecedor tomou ciência inequívoca quanto ao propósito do consumidor de reclamar pelos vícios do produto ou serviço. A reclamação obstativa da decadência, prevista no artigo 26, parágrafo 2º, I, do CDC, pode ser feita documentalmente, por meio físico ou eletrônico, ou mesmo verbalmente, pessoalmente ou por telefone, e, consequentemente, a sua comprovação pode dar-se por todos os meios admitidos em direito [...].

Em que pese tal necessidade, isto não significa dizer que o ônus de provar que

efetuou a reclamação seja do consumidor, sendo perfeitamente cabível a regra do

artigo 6º, VIII, podendo ser determinada a inversão do ônus probatório no caso

concreto. A reclamação também pode ser feita por entidade de defesa do consumidor

em nome deste181, sendo competente para recebê-la qualquer um dos empregados

do fornecedor, visto que o § 2º, do artigo 26, não trata de norma processual, razão

pela qual “não está submetida a nenhum rigor no que respeita a “legitimidade passiva”

para receber a reclamação.”182

Outro meio capaz de viabilizar a reclamação do consumidor é o inquérito civil,

em que ela é dirigida diretamente ao Ministério Público, restando a ele tomar as

medidas cabíveis.183

De acordo com Miranda, o Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor

(PROCON), “entidade com personalidade jurídica de direito público, dotada de

autonomia técnica, administrativa e financeira”184, possui como escopo a “recepção,

análise e encaminhamento de reclamações de forma individual ou coletiva que são

apresentadas pela população, bem como orientação aos consumidores acerca de

seus direitos”185, além de ter por finalidade a fiscalização permanente, a fim de garantir

o cumprimento das diretrizes legislativas referentes aos direitos do consumidor. Outro

mecanismo eficiente citado por ela é o chamado recall em que a empresa, após o

180 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.442.597/DF, da 3ª Turma. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Lex: jurisprudência do STJ, publicado no Diário de Justiça em 24 out. 2017. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 16 set. 2018. 181 NUNES, 2017, p. 452. 182 Ibid., p. 456. 183 Ibid., p. 457. 184 MIRANDA, Maria Bernadete. O direito do consumidor aplicado aos dias atuais. Revista Virtual Direito Brasil, v. 2, n. 1, [s.p.], 2008. Disponível em: <http://www.direitobrasil.adv.br/artigos/dcon.pdf>. Acesso em: 6 nov. 2018. 185 MIRANDA, loc. cit.

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recebimento de reclamações, “resolve chamar o cliente através de anúncios ou

correspondência para trocar peça ou produto que tenha saído com defeito de

fábrica.”186

Ainda neste sentido, estabelece o artigo 44 do Código de Defesa do

Consumidor 187 que os órgãos públicos de defesa do consumidor devem manter

cadastros atualizados de reclamações devidamente embasadas contra fornecedores

de produtos e serviços, os quais devem ser divulgados de maneira pública e anual,

com a indicação de que a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor. De acordo

com informações divulgadas por Andrea Sanchez, diretora de Programas Especiais

do Procon-SP, “as redes sociais estão, de certo modo, substituindo o atendimento

pós-venda que não recebe grandes investimentos por parte das empresas”188, no

entanto, essa utilização não pode ser vulgarizada, sendo necessário que o

consumidor procure informações corretas junto aos órgãos criados para a proteção

de seus direitos, evitando fazer uso de maneira desmedida das redes sociais, que são

um canal muito positivo para o mercado.

Assim, resta devidamente demonstrada a garantia do consumidor ao direito à

reclamação, a qual possui previsão não só no Código de Defesa do Consumidor, como

também na Constituição Federal, podendo ser feita inclusive verbalmente, tendo em

vista a vulnerabilidade do consumidor, de maneira desburocratizada, a fim de atender

ao princípio da informação e da transparência.

5.2 ABUSO DO DIREITO À RECLAMAÇÃO

O consumidor que age de maneira abusiva, disseminando informações

inverídicas sobre fornecedores através da internet, viola todos os princípios abordados

até o momento. Apesar da liberdade de expressão ser um direito garantido

constitucionalmente a todos os cidadãos, ela não tem o condão de legitimar práticas

abusivas, razão pela qual condutas que impliquem em abuso podem ensejar a

responsabilização daqueles que as praticam.

186 MIRANDA, 2008, [s.p]. 187 Art. 44. Código de Defesa do Consumidor. (BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, 1990). 188 XAVIER, Luiza. Cuidado: soltar o verbo nas redes sociais pode render processo. Jornal O Globo, São Paulo, 27 jul. 2014. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/ cuidado-soltar-verbo-nas-redes-sociais-pode-render-processo-13316903 >. Acesso em: 9 nov. 2018.

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O Código de Defesa do Consumidor é conhecido pelo seu protecionismo para

com o consumidor, considerado vulnerável na relação consumerista. No entanto,

apesar de ter como função precípua a proteção dos direitos do consumidor, este

diploma legal não pode permitir que uma das partes tenha que permanecer inerte,

enquanto a outra age de forma contrária aos princípios que dele decorrem, apenas

por possuir, supostamente, maior fragilidade aos olhos da legislação.

Os atos praticados pelos consumidores que possam trazer prejuízos aos

fornecedores não podem ser ignorados, sob a perspectiva de que se trata de risco da

atividade negocial, uma vez que não decorrem dela, mas sim de uma conduta

desonesta. Ao agir com má-fé, o consumidor viola, conforme visto anteriormente,

alguns dos princípios imprescindíveis que norteiam a legislação consumerista, em

especial o da boa-fé objetiva, motivo pelo qual é de suma importância analisar se ele

incide em abuso do direito e se é possível responsabilizá-lo ou não por esta conduta.

O abuso do direito está previsto no artigo 187 do Código Civil, que dispõe que

comete ato ilícito aquele que, ao exercer um direito de sua titularidade, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou

pelos bons costumes. Segundo Miragem189, o artigo 187 protege aquele que virá a

sofrer as consequências da conduta abusiva, uma vez que veda o exercício do direito

de forma manifestamente ilimitada, bem como remove ou sanciona o abuso.

Para referido autor190, a cláusula geral do abuso de direito possui eficácia

dúplice, negativa, no que tange aos limites estabelecidos para o exercício do direito

subjetivo, e positiva, uma vez que estabelece deveres a serem observados por seu

titular. Aduz, ainda, que “as relações entre a boa-fé e abuso do direito são intensas. A

boa-fé, embora tenha seu desenvolvimento separado da teoria do abuso do direito,

nos termos do artigo 187 passa a ser um critério para sua configuração.”191

A boa-fé objetiva, um dos limitadores à conduta abusiva, possui previsão no

artigo 422 do mesmo diploma legal, o qual estabelece que os contratantes devem

guardar a boa-fé e a probidade durante o contrato, bem como no artigo 4º, III, do CDC.

Segundo Baggio, a boa-fe no Direito do Consumidor e “imperativo de conduta, por

meio da qual exigem-se o respeito e a lealdade para com o parceiro contratual,

afastando-se os abusos e a possibilidade e que as partes se prevaleçam no contrato

189 MIRAGEM, 2009, p. 159. 190 Ibid., p. 165. 191 Ibid., p. 143.

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da fragilidade do outro.”192 Acrescenta, ainda, que ela possui a função de manter a

relação entre as partes equilibrada, encontrando respaldo constitucional na

solidariedade, equilíbrio, justiça social e dignidade da pessoa humana.

Martins-Costa193 leciona que o princípio da boa-fé, que se faz presente no

artigo 187 do Código Civil como um dos limitadores ao abuso do direito, sendo que:

[...] impacta no plano da eficácia, pois atua como fator de conformação do exercício de direitos subjetivos [...] ora determinando a ineficácia, ora a eficácia apenas parcial, ora a eficácia indenizatória, ora apanhando, inclusive, hipótese de perda ou paralisação do direito subjetivo [...].

Para a autora194, não foi feita uma predefinição por parte do legislador do que

seria o exercício regular e funcionalmente adequado do direito, o qual acaba sendo

configurado no momento do exercício do direito conforme seus fins econômicos ou

sociais, a boa-fé e os bons costumes.

Por conseguinte, houve uma construção doutrinária e jurisprudencial de “figuras

resultantes da conjugação entre uma conduta segundo a boa-fé [...] e outro princípios,

vetores e características das variadas relações contratuais.”195 Sendo assim, para

Miragem196 , a generalidade do significado da cláusula geral do abuso do direito

autoriza sua limitação, a qual pertence não ao prejudicado, mas sim ao juiz, a quem é

conferido o poder de reconhecer ou não a existência do abuso, bem como a

possibilidade de agir para impedi-lo, cessá-lo ou responsabilizar aquele que praticou

a conduta abusiva pelas consequências por ela produzidas.

O autor cita a obra de Díez-Picazo e Gullón, para quem “a formulação do abuso

do direito deixa grande margem de insegurança em face da necessidade que seja o

arbítrio judicial, que assinale os limites do direito subjetivo de acordo com sua

finalidade.” 197 Para eles o ideal seria que o ordenamento jurídico elencasse o

conteúdo e os contornos o direito subjetivo, contudo eles mesmos confessam se tratar

de uma utopia e reconhecem que não existe a possibilidade de retirar da

jurisprudência a incumbência de limitar o exercício desses direitos.

192 BAGGIO, 2012, p. 49. 193 MARTINS-COSTA, 2018, p. 667. 194 Ibid., p. 670. 195 MARTINS-COSTA, loc. cit. 196 MIRAGEM, 2009, p. 163. 197 DÍEZ-PICAZO; GÚLLON, 1998 apud MIRAGEM, ibid., p. 173.

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Para Rosenberg, “a atual jurisprudência, baseada na realidade dos fatos e no

caso concreto, vem dando proteção ao fornecedor, reconhecendo este como a parte

vulnerável, em casos de comprovada má-fé do consumidor.”198 Entretanto, segundo

ela, nem sempre estaremos diante de um caso de má-fé por parte do consumidor,

mas sim de uma conduta ignorante, em que ele desconhece os verdadeiros limites

dos seus direitos. No entanto, quando se tratar de conduta abusiva que gere danos

ao fornecedor, o consumidor será passível de responsabilização civil.

5.3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONSUMIDOR POR ABUSO DO DIREITO À

RECLAMAÇÃO VIA INTERNET

É fato que nos dias atuais o acesso do consumidor aos meios eletrônicos, como

a internet por exemplo, se tornou atividade rotineira. São feitas compras de produtos

ou até mesmo contratados serviços através de endereços eletrônicos, os chamados

sites, sendo também meio apto para o exercício do direito à reclamação em caso de

vício ou defeito do produto adquirido. Apesar desse direito ser garantido pela

Constituição Federal e pelo Código de Defesa do Consumidor, o mesmo possui limites

que devem ser observados pelos consumidores ao exercê-lo, sob pena de incidir em

abuso de direito.

Em entrevista ao Portal EM.com.br, Igor Lodi Marchetti, assistente de

relacionamento com associados do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do

Consumidor), assevera que “apesar de ser possível reclamar nas redes sociais e em

sites de reclamação, o consumidor deverá sempre ter atenção com o teor da queixa

e se munir de provas dos fatos que alega.”199 Isto para que não seja eventualmente

responsabilizado por violação ao direito à imagem da empresa, ou até mesmo

acusado de crimes, como calúnia, injúria ou difamação. A coordenadora do Procon

Municipal de Belo Horizonte, também entrevistada pelo Portal, Maria Lúcia Scarpelli,

também sustentou que é direito do consumidor exteriorizar sua insatisfação,

198 ROSENBERG, Evelin Sofia. O equilíbrio na relação entre consumidor e fornecedor. Estadão, Portal do Estado de S. Paulo, 25 mar. 2016. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-equilibrio-na-relacao-entre-consumidor-e-fornecedor/>. Acesso em: 5 nov. 2018. 199 MARCHETTI, Igor Lodi. Consumidor tem o direito de fazer queixas em sites e redes sociais, desde que verídicas. Portal EM.com.br, 27 jul. 2015, 07h29. (Entrevista concedida a Marina Rigueira). Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2015/07/27/internas_economia,672488/ consumidor-tem-o-direito-de-fazer-queixas-em-sites-e-redes-sociais-de.shtml>. Acesso em: 16 fev. 2019.

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principalmente quando se tratar de propaganda enganosa em relação ao produto ou

serviço contratado. Segundo ela, o consumidor “tem o direito de tornar pública

qualquer insatisfação, desde que a situação seja verídica. Caso contrário, pode

responder judicialmente.”200

Em outra reportagem, veiculada no Portal do Sistema do Commercio de

Comunicação, a coordenadora institucional da Proteste (associação de defesa do

consumidor) e colunista da Folha, Maria Inês Dolci afirma que as palavras devem ser

utilizadas com cautela pelos consumidores, principalmente por meio das redes

sociais, eis que a possibilidade de que o conteúdo se espalhe é considerável. Segundo

ela, “o consumidor precisa saber reclamar para não sofrer nenhuma ação judicial por

não ter prova das acusações”201, sendo essencial o registro da reclamação no canal

de comunicação da empresa, sugere que o consumidor “anote os prazos que a

empresa agendar para a resposta e guarde os números de protocolo”202, devendo,

ainda, lembrar sempre dos canais do Procon e demais órgãos de proteção ao

consumidor disponíveis na internet. A notícia, por fim, faz alusão ao canal de

reclamações Consumidor.gov.br que está vinculado ao Ministério da Justiça,

funcionando desde 2014, com um índice de resposta das empresas de 99,59%, com

77% de solução dos casos.

De acordo com reportagem publicada na Revista Veja, o relacionamento entre

fornecedores e consumidores ainda tem muito a evoluir no Brasil. As empresas se

mostram despreparadas para encontrar soluções para os problemas que decorrem de

seus produtos. Salienta-se que “o descaso, em um número inaceitável de casos, é até

mesmo intencional. Mas também existem compradores que se aproveitam da pressão

dos órgãos de defesa para tirar vantagem.”203 De maneira que, entre a conduta

abusiva do consumidor e o despreparo do fornecedor, quem de fato necessita de uma

200 SCARPELLI, Maria Lúcia. Consumidor tem o direito de fazer queixas em sites e redes sociais, desde que verídicas. Portal EM.com.br, 27 jul. 2015, 07h29. (Entrevista concedida a Marina Rigueira). Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2015/07/27/internas_economia,672488/ consumidor-tem-o-direito-de-fazer-queixas-em-sites-e-redes-sociais-de.shtml>. Acesso em: 16 fev. 2019. 201 DOLCI, Maria Inês. Reclamação via internet é mais eficaz quando consumidor evita tom de desabafo. Portal do Sistema do Commercio de Comunicação, 29 mar. 2015, 20h59. Disponível em: <https://noticias.ne10.uol.com.br/economia/noticia/2015/03/29/reclamacao-via-internet-e-mais-eficaz-quando-consumidor-evita-tom-de-desabafo-539404.php >. Acesso em: 16 fev. 2019. 202 DOLCI, loc. cit. 203 BERTÃO, Naiara Infante. Consumidor mal-intencionado prejudica avanços no direito do consumidor. Revista Veja, 5 mai. 2013, 15h28. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/economia/consumidor-mal-intencionado-prejudica-avancos-no-direito-do-consumidor/>. Acesso em: 9 nov. 2018.

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resposta conclusiva acaba prejudicado. Segundo a matéria jornalística, o Procon

informa que a regra geral é de que os problemas apresentados pelo produto devem

ser solucionados em até 30 dias corridos. No entanto, tem se percebido que o retorno

da empresa tem sido efetuado no limite do prazo. A justificativa utilizada pelos

fornecedores é de que com isso estão tentando evitar condutas eivadas de má-fé. As

empresas acabam criando diversos obstáculos, a fim de testar a veracidade da

reclamação, o que por muitas vezes afasta o consumidor, o qual acaba desistindo de

“ir atrás” de seus direitos.

A reportagem ainda destaca que o site “Reclame Aqui, que tem 7,5 milhões de

cadastrados, identifica o consumidor mal-intencionado e realiza o bloqueio dele do

sistema impedindo novas reclamações”. O Procon, por outro lado, “afirma não ter

nenhuma política específica para identificar fraudes dos dois lados, mas tenta ser

criterioso com o sistema de triagem das mais de 60 mil queixas mensais”.

Em entrevista ao Jornal Gazeta do Povo, Efing afirma que "quando alguém

alerta os outros consumidores que um determinado fornecedor comete práticas

irregulares está cumprindo uma obrigação cidadã e não pode ser censurado por

isso"204, contudo, ele alerta que faz-se necessário agir com cautela de forma a divulgar

somente aquilo que possa ser objeto de prova, deixando de lado aquilo de que não se

tem certeza.

Importante destacar o entendimento do Juiz de 1º grau Dr. Giordano Resende

Costa, que ao sentenciar o Processo de nº 2014.01.1.178966-2205, da 4ª Vara Cível

de Brasília, assim dispôs:

É necessário pontuar que o registro de reclamações nas redes socais e em site especializados tornou-se uma "febre" entre os consumidores, que cada vez mais utilizam esses meios de comunicações para externar seus descontentamentos e trocar informações. Contudo, não se pode esquecer que, ao optar pela publicação de comentário na internet, que é um sistema global de rede de computadores, o autor do texto perde o controle da extensão de sua publicação, diante da velocidade de transmissão das informações e do número indefinido de pessoas que ela pode alcançar.

204 EFING, Antonio Carlos. Reclamar online sem motivo pode gerar condenação na justiça. Jornal Gazeta do Povo, 31 out. 2017, 18h45. (Entrevista concedida a Denise Drechsel). Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/justica/reclamar-online-sem-motivo-pode-gerar-condenacao-na-justica-4ussfnvis2zlpjvfnzpmntyii/>. Acesso em: 9 nov. 2018. 205 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Procedimento Sumário nº 2014.01.1.178966-2. Requerente: M. C. M. LTDA. Requerido: J. C. Juiz Giordano Resende Costa. 2015. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/> Acesso em: 8 nov. 2018.

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61

Em relação a propositura de ações por pessoas jurídicas a fim de perceber

indenizações por violação à honra, cabe frisar que muito se discutiu sobre a

possibilidade de a pessoa jurídica sofrer prejuízos decorrentes de abalo moral,

discussão essa que hoje é matéria pacificada nos termos da Súmula 227 do STJ206

que dispõe que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral” e tendo como norte o

previsto no artigo 5º, X, da Constituição, o qual não deve ser interpretado de forma

restritiva no que tange as “pessoas”, uma vez que se tratam de direitos e garantias

fundamentais.207

Cavalieri Filho208 leciona que com o advento da Constituição de 1988 a ideia

de dano moral não está mais limitada a dor, sofrimento ou tristeza, conforme verifica-

se do seu artigo 5º, X, ao “estender a sua abrangência a qualquer ataque ao nome ou

imagem da pessoa física ou jurídica, com vistas a resguardar a sua credibilidade e

respeitabilidade”. Neste sentido é o entendimento de Gagliano e Pamplona Filho209,

que lecionam que, uma vez que a pessoa jurídica jamais possuirá uma vida privada,

faz-se necessário que ela zele pelo seu nome e imagem, a fim de se manter firme em

relação a grande concorrência do mercado. É sabido que uma propaganda negativa

é capaz de destruir sua reputação, o que implica em fortes reflexos patrimoniais.

Os autores ainda ressaltam que o artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal

também não faz qualquer restrição, razão pela qual deve abranger a todos sem

distinção. Ainda sobre a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral, o artigo

52 do Código Civil210 prevê que se aplica também as pessoas jurídicas o disposto

acerca da proteção dos direitos da personalidade no que couber. Neste sentido se

pronunciou a Terceira Turma do STJ ao decidir o REsp. nº 58.660-MG, nos seguintes

termos: “Cabível a ação de indenização, por dano moral, sofrido por pessoa jurídica;

visto que a proteção dos atributos morais da personalidade não está reservada

somente às pessoas físicas.”211

206 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 227. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral. In: ______. Súmulas. São Paulo, 1999. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 7 nov. 2018. 207 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, v. 3: responsabilidade civil. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 137. 208 CAVALIERI FILHO, 2015, p. 140. 209 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 137. 210 Art. 52. Código Civil de 2002. (BRASIL. Código Civil, 2002). 211 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 60.033-2-MG, da 4ª Turma. Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Lex: jurisprudência do STJ, Minas Gerais, publicado no Diário de Justiça em 27 nov. 1995. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 8 nov. 2018.

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Cornetta entende que em que pese as pessoas jurídicas não sofram um abalo

diretamente moral, isto não quer dizer que as mesmas se encontrem desprotegidas.

Para ele, os danos causados “são convertidos em aspectos patrimoniais e sua

redução por fatos danosos atribuídos a terceiros devem ser reparados.”212 Segundo o

autor, o dano suportado pela pessoa jurídica atingida por uma ofensa de caráter moral

“não vai impingir lhe a alma, mas sim seu resultado econômico, seja na redução de

sua clientela, na sua confiança em sua marca ou nome comercial, redução de sua

receita, valor de sua ação, etc.”213 Outrossim, o fornecedor encontrará dificuldades,

visto que seus clientes poderão reduzir as concessões feitas e condições negociais,

trazendo-lhe altos custos para sua manutenção no mercado.

Ressalta-se o entendimento do então Ministro Ruy Rosado de Aguiar do STJ

exarado no acórdão do REsp. nº 60.033-2-MG214:

Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, autoestima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto que a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.

O ministro Ruy Rosado de Aguiar entende que o dano sofrido pela pessoa

jurídica pode ser limitado à “diminuição do conceito público de que goza no seio da

comunidade, sem repercussão direta e imediata sobre o seu patrimônio”215, ou ainda,

causar-lhe prejuízos de ordem patrimonial “atraves do abalo de credito, perda efetiva

de chances de negócios e de celebração de contratos, diminuição de clientela, etc.”216,

sendo que, para ele, as duas hipóteses são cumulativas e não excludentes.

212 CORNETTA, William. Danos morais à pessoa jurídica do fornecedor. Revista Jurídica de Uniaraxá, Araxá, v. 15, n. 14, p. 193-216, 2011. Disponível em: <http://www.uniaraxa.edu.br/ojs/index.php/ juridica/article/view/34>. Acesso em: 17 fev. 2019. 213 CORNETTA, loc. cit. 214 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 60.033-2-MG, da 4ª Turma. Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Lex: jurisprudência do STJ, Minas Gerais, publicado no Diário de Justiça em 27 nov. 1995. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 8 nov. 2018. 215 BRASIL, REsp 60.033-2-MG, loc. cit. 216 BRASIL, REsp 60.033-2-MG, loc. cit.

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Segundo Rizzardo, é indiscutível que a honra e a imagem estão atreladas ao

bom nome das pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, ao conceito que projetam

exteriormente. Assim, a indenização se fará presente quando maculado “o conceito

de empresas por atos de protesto de títulos de crédito mercantis, ou pela divulgação

de informações desprestigiosas.”217 Inegável que os elementos que integram a honra

objetiva, fazem parte do patrimônio da pessoa jurídica, a qual fará jus a percepção de

indenização por danos morais, entretanto, por mais que não seja feita nenhuma

referência aos seus sócios, eles, ainda assim, serão atingidos de forma indireta. Caso

experimentem prejuízos materiais, estes deverão ser ressarcidos, porém de maneira

distinta dos danos morais.

Segundo o autor, “se o nome integra o patrimônio e tem relevância no meio

social, a ofensa à sua integridade moral é mensurável. Do contrário, é abrir carta-

branca para todo tipo de ataques infundados e injustos.”218

Cavalieri Filho entende que deixar de aplicar uma punição aquele que causa

dano moral, sob argumento de que a pessoa jurídica não é suscetível de reparação,

se mostra um erro gravíssimo passível de ser comparado a não admissão da

reparação do dano moral nem mesmo no que tange a pessoa física. Segundo ele “isso

só estimula a irresponsabilidade e a impunidade.”219

De acordo com Guerra, para fins de responsabilidade civil, o indivíduo que “se

dispõe a transbordar os limites aceitáveis de um direito e ocasiona prejuízo deve

indenizar, devendo ser repelida a ideia de existência de um direito absoluto, pois nele,

sob a máscara de um ato legítimo, esconde-se a ilegalidade.”220 Segundo o autor221 a

obrigação de indenizar deverá ser mensurada tomando como base a coibição de

todos os danos que foram efetivamente ocasionados.

Por conseguinte, alguns tribunais já se posicionaram, em casos específicos, de

maneira favorável à responsabilização do consumidor por abuso do direito à

reclamação via internet, como por exemplo, em uma situação na qual o consumidor,

excedeu manifestamente os limites de seu direito ao exteriorizar sua insatisfação

quanto aos serviços contratados, atingindo a honra e a imagem do prestador de

serviços e de seus prepostos, razão pela qual restou configurado o ato ilícito por ele

217 RIZZARDO, 2015, capítulo XIX. 218 RIZZARDO, loc. cit. 219 CAVALIERI FILHO, 2015, p. 140. 220 GUERRA, 2011, p. 315. 221 Ibid., p. 327.

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praticado, assim como sua condenação ao pagamento de indenização, a título de

danos morais.222 Outro caso em que restou configurada a responsabilidade civil do

consumidor foi o de uma consumidora que divulgou em uma página virtual conteúdo

pejorativo em face de determinada empresa, havendo prova inequívoca de que a

reprodução das publicações ofensivas extrapola a mera informação ou

descontentamento, incidindo a consumidora em abuso de direito.223

Neste viés, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou um consumidor

ao pagamento de indenização, a título de danos morais, em razão de ofensas

direcionadas a uma pessoa jurídica, sob o fundamento de que a todos é garantida

constitucionalmente a liberdade de expressão, sendo vedado o anonimato, no

entanto, a partir do momento em que há excesso de linguagem nas reclamações

publicadas pelos consumidores, a honra objetiva da pessoa jurídica restara ofendida,

motivo pelo qual cabível a responsabilização.224

Desta forma, a partir do momento que o consumidor excede manifestamente

os limites de seu direito à reclamação via internet, incorre no artigo 187 do Código

Civil, o qual deve ser interpretado conjuntamente com o artigo 927 do mesmo diploma

legal, de modo que, em caso de ocorrência de prejuízo a terceiro, o titular do direito

fica obrigado a repará-lo, sendo esta responsabilidade objetiva, conforme estudado

anteriormente. Assim sendo, conforme leciona Guerra 225 , basta que reste

demonstrada a conduta abusiva, o nexo causal e o dano, para que o indivíduo possa

ser responsabilizado civilmente pelo abuso de seu direito. Ele entende, ainda, que o

abuso do direito é passível de reconhecimento “ex officio pelo Poder Judiciário,

independente de qual valor/princípio insculpido o artigo 187 tenha sido vulnerado”226,

222 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. AC nº 0091867-90.2009.8.07.0001, da 3ª Turma Cível. Apelante: P.V.J.M.B. Apelado: V.E.P. LTDA e outros. Relatora Desembargadora Nídia Corrêa Lima. Lex: jurisprudência do TJ, Distrito Federal, Brasília, DF, julgado em 14 ago. 2013. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/> Acesso em: 8 nov. 2018. 223BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AI nº 0258573-67.2011.8.26.0000, da 10ª Câmara de Direito Privado. Agravante: G.B.I. LTDA. Agravado: I.W.W.P. LTDA. Relator Desembargador João Carlos Saletti. Lex: jurisprudência do TJ, São Paulo, julgado em 03 jul. 2012. Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br/> Acesso em: 8 nov. 2018. 224 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. AC nº 0037173-64.2015.8.07.0001, da 3ª Turma Cível. Apelante: B. A. L. Apelada: MM R. LTDA. Relator Desembargador Alvaro Ciarlini. Lex: jurisprudência do TJ, Distrito Federal, Brasília, DF, julgado em 10 mai. 2017. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/> Acesso em: 8 nov. 2018. 225 GUERRA, 2011, p. 335. 226 Ibid., p.342.

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sendo que a única restrição a esse reconhecimento de ofício pelo julgador se fará

presente quando tratar-se de Recurso Especial ou Extraordinário.227

Para que seja possível responsabilizar o consumidor por danos morais neste

caso, imperiosa a verificação da conduta de abusar de seu direito à reclamação via

internet, que ela tenha efetivamente abalado a honra objetiva da pessoa jurídica, bem

como o nexo de causalidade entre o ato abusivo e os danos causados. De acordo

com o Enunciado 189 da III Jornada do Conselho da Justiça Federal 228 , na

responsabilidade civil por danos morais causada à pessoa jurídica, o fato lesivo, bem

como o dano eventual, devem restar devidamente comprovados. Neste cenário, torna-

se imprescindível que a pessoa jurídica forme um “dossiê” de provas, a fim de

resguardar a seu direito a uma futura indenização.

Ademais, o artigo 19 da Lei nº 12.965/2014229, prevê a possiblidade de contatar

o provedor, a fim de que este retire o conteúdo ofensivo da web230, sendo facultada

inclusive, em caso de recusa, sua retirada através de determinação judicial. Neste

sentido entendeu a Ministra Nancy Andrighi, ao julgar o REsp nº 1406448/RJ231:

Ao ser comunicado de que determinada mensagem postada em blog por ele hospedado possui conteúdo potencialmente ilícito ou ofensivo, deve o provedor removê-lo preventivamente no prazo de 24 horas, até que tenha tempo hábil para apreciar a veracidade das alegações do denunciante, de modo a que, confirmando-as, exclua definitivamente o vídeo ou, tendo-as por infundadas, restabeleça o seu livre acesso, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano em virtude da omissão praticada.

Assim sendo, constatada a conduta abusiva, obrigatoriamente por via judicial,

uma vez que apenas o magistrado possui competência para detectar, no caso

concreto, se houve excesso manifesto no exercício de um direito, “a sanção ao ofensor

227 GUERRA, 2011, p. 346. 228 BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 189. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/ enunciados/enunciado/670> Acesso em: 17 fev. 2019. 229 BRASIL. Lei nº 12.965/2014, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 abril 2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/ l12965.htm>. Acesso em: 9 nov. 2018. 230 CARVALHO, Patrícia Heloisa. O “marco civil da internet”: uma análise sobre a constitucionalidade do artigo 19. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 33, n. 2, p. 228-244, jun./dez. 2017. Disponível em: <https://www.fdsm.edu.br/adm/artigos/6917c36392274c9b6393c7f7a 7bddbd1.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2019. 231 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.406.448/RJ, da 3ª Turma. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Lex: jurisprudência do STJ, Rio de Janeiro, publicado no Diário de Justiça em 21 out. 2013. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 9 nov. 2018.

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será aquela que possa de maneira razoável atender às peculiaridades do caso.”232

Rosenvald afirma que “se o exercício de um ato abusivo repercutir lesões patrimoniais

ou extrapatrimoniais, a sanção será transferida para a fattispecie do art. 927 do

Diploma Civil.”233 Ele ainda conclui que se for o caso de responsabilizá-lo civilmente,

nos termos do artigo 927 do Código Civil, “a sanção entrará em cena para reagir ao

evento e não há conduta em si, ou seja, o que se quer e enfrentar os efeitos

decorrentes do ato, através de sua eliminação por forca da compensação dos

danos.”234 Caberá ao juiz no caso concreto “o ônus de fundamentar sua decisão de

modo a demonstrar cabalmente a existência do comportamento abusivo”235, devendo

deixar claro qual a hipótese limitadora prevista no artigo 187 do Código Civil foi

violada, bem como o método pelo qual isso ocorreu.236

Desta forma, em que pese o direito à reclamação do consumidor seja garantido

pela Constituição Federal e pelo Código de Defesa do Consumidor, o mesmo não

pode se sobrepor ao direito à honra e à imagem da pessoa jurídica, o qual também

encontra amparo na legislação constitucional, razão pela qual é possível concluir que,

em caso de abuso desse direito, o consumidor deverá responder civilmente pelos

danos causados.

Ressalte-se que, de maneira alguma o direito à reclamação por parte do

consumidor, assim como todos os direitos pertencentes a ele, deve ser

menosprezado, porém faz-se necessária a observância de certos limites para que seja

possível alcançar a solução do problema sem causar outro ainda maior. O consumidor

tem sim o direito de reclamar através das redes sociais, as quais inclusive se mostram

extremamente eficientes para garantir seus direitos, todavia, esse direito deve ser

exercido de maneira comedida e restrita somente a veracidade dos fatos, sempre

lembrando de que existem órgãos especializados em receber suas reclamações e

procurar solucioná-las, efetivando assim a tutela de seus direitos.

232 ROSENVALD, 2017, p. 218. 233 Ibid., p. 219. 234 ROSENVALD, loc. cit. 235 MIRAGEM, 2009, p. 174. 236 Ibid., p. 175.

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6 CONCLUSÃO

O Código de Defesa do Consumidor traduz-se em um diploma legal que tem

por escopo disciplinar as relações consumeristas, sempre visando o equilíbrio

contratual, a fim de resguardar os direitos e deveres de ambas as partes. De certa

forma, há um viés voltado a tutela da parte vulnerável da relação consumerista, qual

seja o consumidor, garantindo que este faça jus a tratamento diferenciado, com o fito

de que possa usufruir do produto ou serviço contratado da maneira mais proveitosa

possível.

Neste cenário, é cristalino que o diploma legal em comento possui como

característica principal seu caráter principiológico, uma vez que se orienta com base

em princípios, dentre eles o da boa-fé, o qual visa manter o equilíbrio entre a proteção

da parte vulnerável e o crescimento e desenvolvimento econômico, estabelecendo

parâmetros que limitam a autonomia e a prática de contratações abusivas. Este

princípio traduz uma relação intrínseca com a proteção da dignidade humana a fim de

verificar se o acordo pactuado entre as partes é capaz de satisfazer as legítimas

expectativas dos contratantes.

Do princípio da boa-fé decorre a abordagem sobre o abuso do direito, eis que

aquele perfaz um limitador a este, uma vez que a boa-fé, ao lado dos bons costumes

e do fim social e econômico a que o direito se destina, é parâmetro para o exercício

regular de um direito. O abuso do direito, nos termos do artigo 187 do Código Civil,

ocorre quando o titular de um direito o exerce de maneira a extrapolar seus limites,

ignorando sua finalidade social, causando prejuízo a outrem.

A responsabilidade proveniente da conduta abusiva é de caráter objetivo, ou

seja, prescinde de dolo ou culpa, mas necessita tão somente da presença do dano a

terceiro e do nexo de causalidade entre este e a conduta praticada pelo agente. No

que tange a essa responsabilização, ela não se limita apenas ao dever de indenizar,

afinal existem casos em que a indenização pode não ser eficaz, resultando na

necessidade de aplicação de sanções de natureza distinta, como, por exemplo, a

obrigação de desfazer alo que não deveria ter sido fito, ou então, a declaração de

nulidade do ato outrora praticado.

O ápice deste trabalho se encontra no direito à reclamação do consumidor,

mais especificamente via internet, bem como na possibilidade de que este seja

exercido de maneira abusiva e gere a responsabilização civil de seu titular. Este direito

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traduz uma garantida constitucional, afinal encontra sustento no direito a liberdade de

expressão, possuindo previsão expressa no Código de Defesa do Consumidor, que

dispõe acerca do direito de reclamar sobre os vícios constantes nos serviços ou

produtos adquiridos pelo consumidor, sendo direito básico deste o fornecimento de

informação adequada e clara sobre aqueles, com especificação pormenorizada de

suas características, assim como a proteção em face da publicidade enganosa e

práticas desleais e abusivas. O direito à reclamação pode e deve ser exercido por

meio dos Institutos especializados em recebê-los, como, por exemplo, o Procon

(Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor), como também através dos canais

de comunicação disponibilizados pelos próprios fornecedores, os chamados SAC’s

(Serviço de Atendimento ao Consumidor), podendo, ainda, se valer do Ministério

Público, por meio de inquérito civil.

A partir do momento que o consumidor se vale dos meios eletrônicos, em

especial a internet, para reproduzir comentários ofensivos e não construtivos dirigidos

aos fornecedores de produtos e serviços ele está abusando manifestamente de seu

direito à reclamação. Em nosso ordenamento jurídico restou à jurisprudência o dever

de determinar quando se está diante de abuso do direito, sendo incumbência do juiz,

no caso concreto, guiar-se pelos fins econômicos ou sociais do direito, a boa-fé e os

bons costumes. Acaba que esse direito quando exercido de maneira a ultrapassar os

limites da livre manifestação do pensamento, passa a caracteriza uma ofensa à honra

objetiva do fornecedor, incidindo o consumidor, por conseguinte, em ato passível de

responsabilização civil.

Já existem diversos julgados reconhecendo o abuso do direito à reclamação

por parte do consumidor que excede seus limites e causa um dano à outrem,

possuindo o dever de repará-lo. Um desses casos ganhou destaque na mídia, nele o

magistrado decidiu pela condenação do consumidor ao pagamento de indenização à

empresa, sob o fundamento de que as reclamações feitas no ambiente virtual se

tornaram uma “febre” entre os consumidores, que fazem cada vez mais uso dessa

ferramenta para expressar sua indignação. No entanto, como bem pontua o julgador,

ao publicar um comentário na internet, que faz parte do sistema global da rede de

computadores, aquele que o escreveu perde o controle da dimensão do conteúdo

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publicado, haja vista a tamanha velocidade com que as informações são transmitidas,

bem como o número de indivíduos que ela pode alcançar.237

Desta forma, demonstrada a existência de conduta consistente no abuso do

direito à reclamação via internet, comprovada a existência de prejuízo, bem como o

nexo causal entre ambos, deverá ser aplicada ao consumidor a sanção que melhor se

adeque ao caso concreto, a fim de garantir a reparação dos danos sofridos pelo

fornecedor.

Assim sendo, em que pese o direito à reclamação do consumidor seja garantido

constitucionalmente e também pelo Código de Defesa do Consumidor, este não pode

se sobressair em relação ao direito à honra objetiva e à imagem da pessoa jurídica,

os quais também são direitos garantidos pela Constituição Federal, motivo pelo qual

conclui-se que, em caso de abuso do direito à reclamação, o consumidor deverá ser

responsabilizado civilmente pelos prejuízos causados.

Ademais, não se tem por objetivo desestimular ou até mesmo inibir o direito à

reclamação do consumidor, pelo contrário, o que se pretende é demonstrar que este

direito precisa ser exercido de maneira consciente, através de meios e canais capazes

de solucionar de forma efetiva os problemas por ele enfrentados, visando evitar

consequências negativas para o próprio consumidor, que agindo de maneira

comedida evitará uma possível condenação por danos morais em face do fornecedor

de produtos ou serviços.

237 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Procedimento Sumário nº 2014.01.1.178966-2. Requerente: M. C. M. LTDA. Requerido: J. C. Juiz Giordano Resende Costa. 2015. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/> Acesso em: 8 nov. 2018.

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