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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO FÁBIO LUIZ DE QUEIROZ TELLES O PORTADOR DO VÍRUS DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (HIV) COMO TRABALHADOR E SUA RELAÇÃO COM A EMPRESA: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) E DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Curitiba 2012

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO

FÁBIO LUIZ DE QUEIROZ TELLES

O PORTADOR DO VÍRUS DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA

(HIV) COMO TRABALHADOR E SUA RELAÇÃO COM A EMPRESA: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIO NAL DO

TRABALHO (OIT) E DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Curitiba 2012

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO stricto sensu - MESTRADO EM DIREITO

FÁBIO LUIZ DE QUEIROZ TELLES

O PORTADOR DO VÍRUS DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (HIV) COMO TRABALHADOR E SUA RELAÇÃO COM A EMPRESA: UMA

ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIO NAL DO TRABALHO (OIT) E DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Curitiba 2012

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FÁBIO LUIZ DE QUEIROZ TELLES O PORTADOR DO VÍRUS DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA

(HIV) COMO TRABALHADOR E SUA RELAÇÃO COM A EMPRESA: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIO NAL DO

TRABALHO (OIT) E DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther

Curitiba

2012

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Presidente: _____________________________________ Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther Orientador _____________________________________ Membro interno _____________________________________ Membro externo

Curitiba, de de 2012.

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AGRADECIMENTOS

Ao finalizar esta importante etapa, gostaria de externar meus agradecimentos:

Ao Professor Doutor Eduardo Milleo Baracat que, através de sua disciplina

“Direito das Relações de Trabalho e Inclusão Social” no curso de Pós-Graduação

stricto sensu do Centro Universitário Curitiba, despertou para a descoberta do tema

investigado, contribuindo também com o material disponibilizado na pesquisa

elaborada.

À Professora Doutora Viviane Coêlho de Séllos Knoerr que, por meio de uma

coordenação presente e atuante neste Programa de Mestrado, indicou-me caminhos

e alternativas, proporcionando a possibilidade de finalização deste trabalho.

Ao Professor Doutor Marco Antônio César Villatore, pessoa que, desde meus

estudos de graduação, sempre contribuiu de forma efetiva em minha formação

acadêmica, pelas preciosas sugestões e indicações bibliográficas, na qualificação

deste projeto, as quais auxiliaram de forma decisiva para a conclusão da pesquisa.

Ao Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther, meu orientador, pessoa a quem

dedico toda a minha gratidão e apreço não só pela acolhida e compreensão em

momentos difíceis, mas, sobretudo pela orientação segura, cujas preciosas

sugestões e referências bibliográficas permitiram a conclusão desta dissertação.

A todos os que de alguma forma colaboraram para a realização deste

trabalho, em especial, o amigo, sócio e colega de Mestrado, James Dantas, pessoa

que se encontra presente em grande parte desta trajetória acadêmica e profissional.

Ao meu pai Flavio, cujas saudades parecem aumentar com os anos, e à

minha mãe Maria Flora, pela sólida formação a mim dedicada, por terem me

proporcionado os estudos até à chegada a este mestrado, os meus eternos

agradecimentos.

À minha doce Luciana, por todo o seu amor, apoio e carinho durante o

período de elaboração desta dissertação.

Finalmente, ao Tiago e ao Davi, que na inocência e pureza de seu mundo de

criança proporcionam para mim a alegria e o sentido de viver.

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"O desenvolvimento humano só existirá se a

sociedade civil afirmar cinco pontos fundamentais:

igualdade, diversidade, participação, solidariedade

e liberdade."

Herbert de Souza (Betinho)

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RESUMO

A presente dissertação procurou investigar a relação do trabalhador portador do HIV e a empresa sob a ótica da Organização Internacional do Trabalho e dos direitos da personalidade. Durante muitos anos, a AIDS sempre foi considerada uma doença dos indivíduos mais jovens. Hoje não existem mais grupos de riscos, e, sim, comportamentos de risco. O simples fato de o trabalhador ser portador do vírus da HIV em nada prejudica a atividade produtiva, de forma a beneficiar a sociedade. O convívio social deste trabalhador com os colegas de trabalho, não representa qualquer situação de risco. Cabe aos operadores do direito, preservar e garantir os direitos destes indivíduos, coibindo os eventuais atos discriminatórios praticados. A solidariedade e o combate à discriminação é a receita básica para reduzir as dificuldades dos trabalhadores portadores do HIV. Nessa linha protetiva o Tribunal Superior do Trabalho atualizou entendimento sumular presumindo discriminatória a dispensa do empregado portador do HIV. Entre as normas da Organização Internacional do Trabalho, a Recomendação 200 estabelece uma série de procedimentos importantes a serem seguidos pelas empresas. Palavras-Chave: Portadores de HIV. AIDS. Direito do Trabalho. Direitos da Personalidade. OIT.

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ABSTRACT

This work aimed to investigate the relationship between the worker and the company have HIV from the perspective of the International Labour Organization and the rights of personality. For many years, HIV has always been considered a disease of younger individuals. Today there is more risk groups, and, yes, risk behaviors. The simple fact of the worker being a carrier of the AIDS virus in no way affect the productive activity in order to benefit society. The conviviality of this social worker with coworkers, poses no risk. It is up to law, protect and ensure the rights of these individuals, not leaving the discriminatory acts committed by the company, for solidarity and combating discrimination is a basic recipe to reduce the difficulties of workers with HIV. In this line the protective Superior Labor Court updated understanding sumular assuming the discriminatory dismissal of an employee has HIV. Among the standards of the International Labour Organisation, Recommendation 200 establishes a number of important procedures to be followed by companies. Keywords: HIV. AIDS. Labor Law. Personality Rights. ILO.

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LISTA DE SIGLAS

ACT – Acordo Coletivo de Trabalho

AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

CIPAs – Comissões Internas de Prevenção de Acidentes

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNPA – Comissão Nacional de Prevenção da AIDS

CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social

DOU – Diário Oficial da União

SRT – Superintendência Regional do Trabalho

DSTs – Doenças Sexualmente Transmissíveis

EC – Emenda Constitucional

FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

GAPA – Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS

HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana

MPT – Ministério Público do Trabalho

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMS – Organização Mundial da Saúde

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

ONGs – Organizações Não-Governamentais

ONU – Organização das Nações Unidas

PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público

PIS – Programa de Integração Social

PL – Projeto de Lei

STF – Supremo Tribunal Federal

TRT – Tribunal Regional do Trabalho

TST – Tribunal Superior do Trabalho

UNAIDS – Programa Conjunto das Nações Unidas de Combate ao HIV/Aids

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SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................... 08

ABSTRACT .......................................... ..................................................................... 09

LISTA DE SIGLAS ................................... ................................................................. 10

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

1. A SÍNDROME DA IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA E O SEU

DESENVOLVIMENTO NO ORGANISMO HUMANO – ASPECTOS SOCI AIS

RELACIONADOS À CONDIÇÃO HUMANA, ESTIGMA E DISCRIMIN AÇÃO .. 16

1.1 DA UTILIZAÇÃO DOS TERMOS HIV e AIDS ..................................................... 16

1.1.1 O Vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida: HIV ............................... 16

1.1.2 A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida: AIDS ........................................... 18

1.2 DAS RELAÇÕES SOCIAIS ENVOLVENDO OS PORTADORES DO HIV/AIDS – ASPECTOS COMPORTAMENTAIS ................................................................. 22

1.2.1 A Condição Humana e a Pessoa Portadora do HIV/AIDS ................................ 22

1.2.2 O Trabalho Como Condição Humana Para a Vida em Sociedade ................... 23

1.2.3 Os Conceitos de Estigma e Discriminação ....................................................... 25

1.2.4 O Direito como Regulador das Relações Sociais ............................................. 27

2. O DIREITO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO ENVOLVENDO O

TRABALHADOR SOROPOSITIVO .......................... .......................................... 30

2.1 O DIREITO BRASILEIRO E A TUTELA DO TRABALHADOR PORTADOR DO HIV/AIDS .......................................................................................................... 30

2.1.1 A Proteção do Trabalho na Constituição de 1988 ............................................ 30

2.1.2 A Função Social da Empresa e a Relação de Trabalho ................................... 33

2.2 DAS MEDIDAS ANTIDISCRIMINATÓRIAS ........................................................ 41

2.2.1 Lei 9.029/95 – “Lei Antidiscriminação” ............................................................. 41

2.2.2 A vedação à Dispensa Arbitrária - Constituição de 1988 – Art. 7º, I ................. 44

2.2.3 A Omissão Legislativa e o Novo Entendimento Sumulado do TST .................. 49

3. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE APLICADOS AO DIREIT O DO

TRABALHO .......................................... .............................................................. 52

3.1 DIREITOS DA PERSONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ..................... 52

3.1.1 Direitos da Personalidade - Características ..................................................... 52

3.1.2 Os Direitos Humanos Fundamentais da Personalidade ................................... 54

3.1.3 A Dignidade da Pessoa Humana e o Trabalhador Portador do HIV/AIDS ....... 57

3.2 GARANTIAS DO TRABALHADOR DECORRENTES DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ........................................................................................... 64

3.2.1 O Direito de não ser Discriminado .................................................................... 64

3.2.2 O Direito à Integridade Psicológica .................................................................. 65

3.2.3 O Direito a Intimidade e a Vida Privada............................................................ 67

4. A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TR ABALHO (OIT)

E O TRABALHADOR PORTADOR DO HIV/AIDS .............. ............................... 70

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4.1 A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – CRIAÇÃO, COMPOSIÇÃO E DIRETRIZES ........................................................................ 70

4.1.1 A OIT e sua Criação ......................................................................................... 70

4.1.2 Estratégia, Objetivos e Composição ................................................................ 71

4.2 AS CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES DA OIT E A TUTELA DO TRABALHADOR PORTADOR DO HIV/AIDS ................................................... 72

4.2.1 A Distinção Entre as Convenções e Recomendações .................................... 72

4.2.2.A Aplicabilidade das Convenções e das Recomendações no Direito brasileiro ............................................................................................................. 74

4.2.3 A Convenção 111 e a Discriminação nas Relações de Trabalho ..................... 78

4.2.4 A Convenção 158 e a Garantia Contra a Dispensa Imotivada ......................... 80

4.2.5 A Recomendação 200, o HIV e o Mundo do Trabalho ..................................... 82

4.2.6 A Questão Peculiar Envolvendo os Profissionais de Saúde ............................. 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ........................................................ 88

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................ ................................................. 94

ANEXOS ................................................................................................................... 99

ANEXO A –TST-RR-409/2003-004-02-00.1 .............................................................. 99

ANEXO B –TST-RR-124400-43.2004.5.02.0074 .................................................... 103

ANEXO C - TST-AIRR-153540-72.2003.5.13.0003 ................................................ 108 ANEXO D - TST-E-RR-366/2000-021-15-00.6.........................................................132

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INTRODUÇÃO

Eu acredito em um mundo onde existam: Zero novas infecções pelo HIV; discriminação Zero; Zero mortes relacionadas à Aids. Esta é a nova visão da UNAIDS. Esta é a nossa paixão, nosso compromisso, nossa determinação. Há alguns anos poderíamos apenas sonhar com um dia como este – mas hoje sabemos que podemos tornar isso uma realidade. Diretor Executivo do UNAIDS Michel Sidibé, Carta aos parceiros de 20111

Uma das questões que mais fomenta discussões tanto no Direito quanto nas

Relações Sociais, bem como na Saúde Pública no País, é a questão do portador do

HIV.

HIV é a sigla para o termo inglês definidor de Human Immunodeficiency Virus,

(Vírus da Imunodeficiência Humana) vírus este que na língua portuguesa também é

indicado pela sigla SIDA ou AIDS, que seria a tradução do inglês da Acquired

Immunodeficiency Syndrome (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida)2.

O desenvolvimento do vírus no corpo humano apresenta diferentes estágios.

Em um primeiro instante, há a infecção propriamente dita pelo vírus, que penetra no

organismo humano sob as diversas formas de contágios, tais como: trocas de fluidos

genitais (esperma ou secreção vaginal) entre pessoas infectadas, transfusão de

sangue contaminado pelo vírus, na formação do feto em mãe soropositiva, no

momento do nascimento, do parto, ou em transplantes de órgãos.

Posteriormente a esse ato de infecção, vêm as manifestações das infecções

oportunistas, ou seja, como o vírus compromete todo o sistema imunológico, suas

defesas ficam mínimas, momento em que surgem as características de outras

doenças, as quais, no ser humano sadio, são facilmente controladas, mas para o

aidético podem representar a morte. Um simples resfriado pode levar a pessoa à

morte.

1 SIDIBÉ Michel, Carta aos parceiros 2011. ONU. Disponível em <http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-em-acao/a-onu-e-a-aids/>. Acesso em: 10 junho 2011. 2 História da AIDS. Ministério da Saúde , Distrito Federal, 2011. Disponível em:

<http://www.aids.gov.br/pagina/historia-da-aids>. Acesso em: 24 junho 2011.

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Apesar de se tratar de uma moléstia incurável, a AIDS tem experimentado um

avanço enorme no seu tratamento, o que impõe ao contaminado uma possibilidade

de preservação de suas condições de saúde por longo período.

O tratamento ao qual o portador do vírus deve se submeter importa em um

rígido controle através de exames e uso habitual de medicamentos, impondo

também a necessidade de afastamentos quando da necessidade do acometimento

de alguma outra doença.

O vírus foi diagnosticado pela primeira vez no Brasil, na década de 80

(oitenta) do século XX, e disseminou-se com grande velocidade, conforme os

Boletins Epidemiológicos do Ministério da Saúde, disponibilizados anualmente.

Em 19823, foram noticiados 10 (dez) casos de infecção pelo HIV. Em 1985,

esse número aumentou para quinhentos e setenta e três e, no ano seguinte já havia

dobrado. Não obstante inicialmente ter tido sua identificação primeira em

homossexuais, atualmente, é manifestado em heterossexuais, apresentando uma

crescente infecção no grupo das mulheres.

Segundo os dois últimos Boletins Epidemiológicos4 do Ministério da Saúde,

até junho de 2010 o número de casos registrados era de 592.914, número esse que

até junho de 2011 passou a ser de 608.230 casos registrados de AIDS. Em 2009,

foram verificados 38.538 casos da doença e em 2010, 34.218 casos, o que apontou

uma taxa de incidência do vírus no Brasil de 20,1 casos por 100 mil habitantes em

2009 e de 17,9 casos por 100 mil habitantes em 2010.

Os dados apontam outra situação relevante: ainda há mais casos da

contaminação do vírus entre os homens do que entre as mulheres, contudo, essa

diferença vem diminuindo uma vez que em 1989, a proporção era de 6 casos de

AIDS em homens para cada 1 caso em mulheres, o que em 2009 passou a ser de

1,6 caso em homens para cada 1 caso em mulheres e em 2010 essa proporção

passou para 1,7 casos em homens para cada 1 caso em mulheres5.

3 História da AIDS. Ministério da Saúde , Distrito Federal, 2011. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/historia-da-aids>. Acesso em: 24 junho 2011. 4 BRUCK, Caren. Boletim Epistemológico AIDS. DST. Ministério da Saúde , Distrito Federal, ano 8, n, jun.2011. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2011/50652/boletim_aids_2011_final_m_pdf_26659.pdf>. Acesso em: 21 maio 2011. 5 História da AIDS. Ministério da Saúde , Distrito Federal, 2011. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/historia-da-aids>. Acesso em: 24 junho 2011.

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A estatística traz um número importante, relativo à faixa etária em que o

contágio pelo HIV é mais frequente: de 20 a 59 anos de idade, tanto em homens

como em mulheres, no boletim de 2010, e de 25 a 49 anos, no de 2011, o que

representa o grupo da população inserido de forma efetiva no mercado de trabalho.

Ainda, conforme dados da OIT6, em 2010, mais de 33 milhões de pessoas no

mundo já eram portadoras do HIV. Desse universo, 90% (noventa por cento) são

pessoas que estão em plena fase produtiva e aptas ao mercado de trabalho.

Por outro lado, dado relevante extraído de sítio governamental7, vinculado ao

Ministério da Saúde, indica que 20,6% dos trabalhadores portadores do HIV, que

foram submetidos à pesquisa, informaram terem perdido o emprego em decorrência

da descoberta da infecção pelo HIV por seu empregador e relataram prática

frequente de discriminação em decorrência ao fato de ser portador do HIV.

Quase 30 (trinta) anos depois, ainda é possível verificar a discriminação e a

intolerância com os portadores do HIV. Seria em razão de tal circunstância a

necessidade de se estabelecer um equilíbrio a esta relação empresarial, sob pena

de haver a mitigação de direitos fundamentais, sobretudo o da dignidade da pessoa

humana.

O Brasil não deve ser um exemplo prático dessas peculiaridades

discriminatórias e preconceituosas em relação aos portadores de HIV.

É nesse cenário que o Direito tem um papel relevante, pois se apresenta

como um meio hábil para minimizar as mazelas do convívio difícil do portador de HIV

com o constante desafio a seus direitos.

O operador do direito deve contribuir em defesa dos soropositivos, na garantia

de que não serão oprimidos de forma alguma, tendo o papel de buscar modificar a

realidade das relações jurídicas envolvendo os desiguais, levando-se em conta os

princípios gerais do direito, a analogia e os costumes, no preenchimento de lacunas

na legislação.

O descobrimento da doença pelo empregador pode causar um súbito repúdio

diante da possibilidade de convivência com um aidético no local de trabalho.

6 Em discussão, o combate à Aids no local de Trabalho. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal, jun.2010. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/em-discuss%C3%A3o-o-combate-%C3%A0-aids-no-local-de-trabalho>. Acesso em: 11 novembro 2011. 7 Estratégias de combate ao preconceito no trabalho são tema de seminário no Paraná. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal, jun.2011. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/noticia/2011/estrategias_de_combate_ao_preconceito_no_trabalho_sao_tema_de_seminario_no_parana>. Acesso em: 30 setembro 2011.

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Inúmeras vezes ocorrem atos discriminatórios e despedidas arbitrárias

fundamentadas no fato de ser aquela pessoa uma mácula à imagem da empresa.

Não são poucas às vezes, em que se violam direitos desses trabalhadores.

É nesta conjuntura que o Tribunal Superior do Trabalho (TST)8 acaba de

aprovar Súmula 443, que estabelece a presunção de arbitrariedade na dispensa do

empregado portador do HIV, impondo ao empregador a obrigatoriedade de

reintegração ao emprego.

A nova Súmula tenta em parte suprir a nossa omissão legislativa acerca do

tema e demonstra a clara preocupação do judiciário em aparar aqueles

trabalhadores portadores de moléstia grave.

O presente estudo tem por intuito investigar a gravidade do problema ante a

propagação da Síndrome, principalmente em pessoas em idade de plena

capacidade para trabalhar, e, nesse sentido, tornar explícitos os direitos básicos que

são assegurados pela Constituição, pela OIT e por legislação esparsa, no que diz

respeito àquele empregado que contraiu o vírus da AIDS, o HIV.

Nesse contexto, a presente dissertação busca investigar o trabalhador

portador do HIV e sua relação com a empresa, utilizando as regras da Organização

Internacional do Trabalho (OIT) e os direitos da personalidade como referencial.

O trabalho é dividido em cinco partes distintas, a saber: Introdução; Capítulo I;

intitulado A SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA E O SEU

DESENVOLVIVENTO NO ORGANISMO HUMANO – ASPECTOS SOCIAIS

RELACIONADOS À CONDIÇÃO HUMANA, ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO; Capítulo

II denominado O DIREITO APLICÁVEL AS RELAÇÕES DE TRABALHO

ENVOLVENDO O TRABALHADOR SOROPOSITIVO; Capítulo III, que tem como

título OS DIREITOS DA PERSONALIDADE APLICADOS AO DIREITO DO

TRABALHO, o Capítulo IV estabelecido como A PERSPECTIVA DA

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT) E O TRABALHADOR

PORTADOR DO HIV/AIDS e as Considerações Finais. Nos anexos da pesquisa

apresenta-se acórdãos do TST que enfrentaram a questão, inclusive subsidiando a

criação da Súmula 443.

8 Notícias do TST. Tribunal Superior do Trabalho , Distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/journal_content/56/10157/2412729?refererPlid=10730>. Acesso em: 20 setembro 2012.

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No capítulo primeiro, o objetivo foi abordar os aspectos relativos ao vírus, à

doença, aos estágios, seus reflexos na sociedade e a própria condição humana do

trabalhador portador do vírus, uma vez que a ocorrência da contaminação impõe a

condição de sobrevirem situações relacionadas à discriminação e ao estigma que

passam a serem temas relevantes da pesquisa.

O capítulo segundo tem por objeto a análise da relação de trabalho do

portador do HIV, quando então se estabelece a perspectiva da aplicabilidade das

normas da OIT, bem como a sua aplicabilidade no direito interno.

Nessa parte se busca também analisar como o direito brasileiro, de forma

analoga, tem abordado a questão, haja vista a ausência de legislação trabalhista

específica à tutela desta relação.

No mesmo capítulo destina-se parte à análise da proteção dos direitos da

personalidade aplicada à relação de trabalho do portador do HIV, investigando os

direitos humanos fundamentais de personalidade no Direito do Trabalho, as

características dos direitos de personalidade, a dignidade da pessoa humana e a

discriminação nas relações de trabalho, sobretudo a proteção da intimidade do

trabalhador soropositivo.

O capítulo terceiro da dissertação apresenta uma discussão jurisprudencial

em que se faz uma análise comparativa das decisões judiciais envolvendo o tema,

sobretudo no que tange a aplicabilidade das normas internacionais e da tutela dos

direitos da personalidade na relação de trabalho.

Finalmente a pesquisa se encerra com as Considerações Finais, em que são

feitas as considerações finais acerca da investigação, por meio da análise crítica do

material levantado e suas consequências à atividade empresarial.

A inserção e aderência desta dissertação esta vinculada a Linha de Pesquisa

"Obrigações e Contratos Empresariais – Responsabilidade Social e Efetividade" do

Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, uma

vez que a pesquisa compreende análise desta relação empresarial estabelecida pelo

portador do HIV e seu tomador de serviços (empresa).

O problema se estabelece no sentido de quais seriam as garantias do

portador do HIV ou daquele acometido pela AIDS, quando inserido numa relação de

trabalho, levando-se em consideração as normas da OIT e os direitos da

personalidade.

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1. A SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA E O SEU

DESENVOLVIMENTO NO ORGANISMO HUMANO – ASPECTOS SOCI AIS

RELACIONADOS À CONDIÇÃO HUMANA, ESTIGMA E DISCRIMIN AÇÃO

1.1 DA UTILIZAÇÃO DOS TERMOS HIV e AIDS

1.1.1 O Vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida: HIV

Antes de se adentrar a abordagem jurídica especifica do tema, importante se

faz o entendimento e a conceituação da terminologia vírus, para que então se possa

efetivamente explicar e entender o porquê aquele, em específico, exige atenção e

tratamento especiais.

A terminologia deriva do latim virus, que pode ser traduzido como veneno ou

toxina. Os vírus nada mais são do que microscópicos agentes causadores de

infecção, os quais apresentam genoma constituído de uma ou várias moléculas de

ácido nucleico (DNA ou RNA), que, por sua vez, possuem a forma de fita simples ou

dupla9.

Vírus são composições bastante simples, quando comparados a células, e

não são considerados organismos, pelo fato de serem desprovidos de organelas ou

ribossomos, ao tempo em que é destituído de todo o potencial bioquímico ou, em

outras palavras, as enzimas, de maneira que são incapazes de gerar a energia

metabólica indispensável à proliferação e multiplicação10.

Justamente por não terem a capacidade de se multiplicar sozinhos, são

relegados à categoria de parasitas intracelulares obrigatórios, ante a dependência

de células para se proliferarem. Além disso, ao reverso dos organismos vivos, os

vírus são incapazes de aumentar em tamanho e de se dividir. Por isso, a partir das

9 ADELBERG, Edward; MELNICK, Joseph; JAWETZ, Ernest. Microbiologia médica . 20.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. p. 524. 10 SANTOS, Norma Suely De Oliveira; ROMANOS, Maria Teresa Vilella; WIGG, Marcia Dutra. Introdução à Virologia Humana . 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2008. p. 150.

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células hospedeiras, os vírus obtêm: aminoácidos e nucleotídeos; maquinaria de

síntese de proteínas (ribossomos) e energia metabólica.

Em que pese serem inertes fora do ambiente intracelular, uma vez instalado

na célula, sua capacidade de replicação é surpreendente e absurda: um único vírus

é capaz de se multiplicar, em poucas horas, milhares de novos vírus.

Além disso, chama a atenção o fato de eles formarem a maior diversidade

biológica do planeta, a ponto de ser possível encontrar mais tipos de vírus que

bactérias, plantas fungos e animais juntos.

O HIV é um retrovírus linfotrópico e neurotrófico que pertence à subfamília

Lentiviridae e, como todos os vírus, o da imunodeficiência humana (HIV) se reproduz

utilizando o material genético da célula hospedeira, geralmente um linfócito CD411.

Longe de tentar explicar o complexo processo de invasão e multiplicação do

vírus no organismo humano por ele contaminado, resta esclarecer que o HIV sofre

rápida e fácil mutação após se fixar no núcleo da célula até então saudável e, após

esse processo, rompe sua membrana e lança no corpo a versão já madura do vírus,

o que, por sua vez, recomeça todo o processo12.

Segundo a World Health Organization, o vírus do HIV pode ser transmitido via

sexo vaginal, anal e oral sem a utilização de preservativo, adoção da mesma seringa

ou agulha por mais de uma pessoa, transfusão de sangue contaminado e pela mãe

para o filho durante a gravidez, o parto ou a amamentação, bem como via

instrumentos não esterilizados e aptos a cortar ou furar o corpo13.

A infecção pelo HIV começou a ser observada na metade do século XX. Os

primeiros relatos afirmam que surgiu na África Central, provavelmente pela mutação

do vírus do macaco. Alguns estudos mostram que a possível causa dessa

transmissão possa ter-se dado pela manipulação de carnes de chimpanzés

infectados na África. A doença foi transmitida a algumas comunidades,

disseminando-se rapidamente a todo o mundo14. O caso mais antigo confirmado de

11

KINEL-TAHAN, Yanel. Mechanisms of Development. 11.ed. Ohio: Springer, 2009. p. 230. 12 SANTOS, 2008, p. 150. 13

SANTOS, loc.cit. 14

BRITO, Luciano Abreu. Transmissão vertical do HIV e características associadas em maternidade, Brasil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Pa ulo , São Paulo, 27 de março de 2010, Caderno 4, p. 54.

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18

infecção por HIV foi encontrado no sangue coletado de um homem africano em

195915.

O vírus somente foi identificado em 1983, no Instituto Pasteur, na França,

pela equipe chefiada pelo doutor Luc Montaigner, a qual o batizou de LAV

(Lymphadenopathy – associated virus). No entanto, fora o pesquisador norte-

americano Robert Gallo, atuante no Instituto Nacional de Saúde dos Estados

Unidos, quem primeiro publicou a descoberta, oportunidade em que chamou o novo

vírus de HTVL-III (Human T cell leukemia/Lymphotropic virus type III). A questão

acabou resolvida com o reconhecimento da coautoria e o vírus recebeu outra

nomenclatura, passando, então, a ser conhecido como HIV (Human

immunodeficiency Virus) 16.

Três anos depois, descobriu-se outro retrovírus capaz de causar a AIDS,

encontrado em alguns países da África Ocidental, o qual foi denominado de HIV-2,

ou Vírus da Imunodeficiência Humana do tipo-2, assim nominado para diferenciar do

primeiro, agora chamado HIV-1. É certo, também, que além destes dois tipos,

existem outros vários subtipos. No Brasil há registro da existência do HIV-1 e HIV-2,

ressaltando-se que ambos entram no organismo pelo sangue e pelas secreções

sexuais17.

É de forma bastante acelerada que a Medicina avança no aprofundamento e

estudo do vírus e suas consequências no organismo humano.

1.1.2 A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida: AIDS

A partir deste esclarecimento inicial a respeito do HIV, é importante ressaltar

que, ao contrário do que se pensa, HIV e AIDS não possuem o mesmo significado e

tampouco representam o mesmo mal, porquanto, conforme está explicado no tópico

anterior, o HIV é o vírus causador da doença denominada AIDS18.

15

SMELTZER, Suzanne; BARE, Brenda. Tratado de enfermagem médico cirúrgica . 12.ed. Rio de Janeiro: Ganabara, 2005. p. 2.456. 16

DUARTE, Alberto José da Silva. Infectologia e ginecologia e obstetrícia . 4.ed. São Paulo: Atheneu, 1997. p. 198. 17

VERONESI, Ricardo; FOCCACIA, Roberto. Doenças causadas por vírus . 4.ed. São Paulo: Atheneu, 2002. p. 83-171. 18 RACHID, Mohamed; SCHECHTER, Mauro. Manual de HIV/AIDS . 8.ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2005. p. 224.

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19

Diferenciando o vírus da imunodeficiência humana e AIDS, ensina MARIA

HELENA DINIZ:

SIDA ou AIDS é a síndrome da imunodeficiência adquirida, pela qual o sistema imunológico do seu portador não consegue proteger seu corpo, facilitando o desenvolvimento de inúmeras moléstias, sendo causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) [...] 19.

Atualmente, é incontroverso o fato de que o HIV passa por um período de

incubação antes da manifestação da doença, cujo interregno, em muitos casos,

pode alcançar e até ultrapassar uma década. Neste contexto, é perfeitamente

correto afirmar que alguém pode ser portador do vírus sem necessariamente estar

com AIDS20.

No final dos anos 70 e começo dos anos 80, a comunidade médica e

científica presenciou de forma perplexa, jovens, geralmente homens, com opção

sexual pelo mesmo gênero, adoecerem rapidamente e perecerem por conta do

surgimento repentino de doenças incomuns para aquela faixa etária.

Entre esses males, sobressaíam duas graves moléstias: um câncer de vasos

sanguíneos raríssimo, denominado sarcoma de Kaposi e uma pneumonia causada

por microorganismo chamado Pneumocystis carinii (nomenclatura recentemente

alterada para Pneumocystis jirovesi), os quais, é importante ressaltar, não

costumavam conduzir com frequência ao óbito, mas em portadores do vírus criavam

verdadeiro potencial de letalidade21.

Cientes de que uma nova e avassaladora enfermidade surgia, o mundo,

nitidamente preocupado se voltou à sua observação e ao se constatar que as

vítimas eram compostas por homossexuais, a moléstia começou a ser chamada de

câncer gay ou peste gay22.

Os norte-americanos, por sua vez, apelidaram a doença de GRID (sigla em

inglês para imunodeficiência relacionada aos gays) e, após constatarem que não só

19 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito . 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 225. 20 PINTO, Teresinha; TELLES, Isabel. AIDS e Escola : Reflexões e propostas do EDUCAIDS. São Paulo: Cortez, 2000. p. 13. 21

RACHID, 2005, p. 224. 22

ROSISTOLATO, Rodrigo Pereira da Rocha. Gênero e cotidiano escolar: dilemas e perspectivas da intervenção escolar na socialização afetivo-sexual dos adolescentes. Scielo , Maranhão, v.17, n.296, p. 23, jan. 2009.

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os homossexuais, mas também os haitianos, hemofílicos, heroinômanos (viciados

em heroína injetável) e hookers (profissionais do sexo na língua inglesa) também

apresentavam seus sintomas, passaram a chamá-la de ‘doença dos cinco Hs’.

Muito embora no continente europeu o grupo acometido pela moléstia fosse o

mesmo, na África, a situação era bem diferente. Lá se apurou que homens e

mulheres se infectavam por contato heterossexual23.

A sigla AIDS, do inglês Adquired Immune Deficiency Syndrome, ou Síndrome

da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), somente foi criada em 1981 pelo Centro de

Controles de Doenças dos Estados Unidos, após a constatação de que os

heterossexuais e mulheres, até aquele momento considerados livres da epidemia,

também estavam infectados com o vírus24.

No Brasil, onde a doença seguiu os padrões americanos, passou a ser

conhecida pela sigla em inglês, AIDS, ao contrário de Portugal, de países africanos

de língua oficial portuguesa e de países de língua latina, que usam SIDA.

A expressão ‘síndrome’ fora eleita em consideração à observância de que os

sintomas apresentados pelos manifestadores da doença eram vários e

diversificados, enquanto ‘imunodeficiência’ reflete o ataque da moléstia ao sistema

imunológico humano, deixando-o deficitário e, finalmente, ‘adquirida’ porque deriva

de um fator externo, qual seja a presença do HIV no organismo25.

A doença, que durante os anos 80 já era considerada uma pandemia,

justamente por se verificar sua presença em todos os continentes, tornou-se uma

das mais temidas do século e, diante da total ausência de informações concretas e

específicas sobre os mecanismos de transmissão, levaram a um generalizado

estado de pânico na sociedade mundial.

À época, a esmagadora maioria das pessoas se recusava terminantemente a

apertar a mão de alguém contaminado, inclusive deixando de permanecer no

mesmo ambiente fechado, preocupadas com a eventual e possível contaminação

pelo ar, tal qual ocorre com a gripe. Havia, ainda, inúmeras dúvidas quanto ao fato

de a AIDS poder ou não ser repassada por mosquitos ou em piscinas, banheiros

públicos, uso compartilhado de talheres, ou até mesmo pelo beijo26. Após detido

23

PINEL, Arletty; IGLESI, Elisabete. O que é AIDS . 3.ed. São Paulo: Brasileirese, 1996. p. 23. 24

RUBEO, Afonso Delgado. 96 perguntas sobre AIDS . 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 56. 25

RUBEO, loc.cit. 26

PINEL, 1996, p. 56.

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21

estudo sobre a progressão da doença no organismo, concluiu-se que a infecção pelo

HIV manifesta-se clinicamente como um processo trifásico27.

ANDRADE E PEREIRA asseveram que o corpo humano demora, em média,

de duas a quatro semanas para acusar a presença do vírus no organismo, período

conhecido como incubação, ao tempo que 5% das pessoas contaminadas,

aproximadamente, desenvolvem AIDS dentro de três anos contados a partir da

contaminação pelo vírus, 20 a 25% em seis anos, 50% dentro de 10 anos e cerca de

12% dos indivíduos contaminados permanecerão assintomático por mais de 20

anos28.

O Ministério da Saúde, por sua vez, explica, quanto ao desenvolvimento da

doença, que a incidência do vírus no organismo ataca o sistema imunológico,

iniciando-se, então, a primeira fase chamada de infecção aguda, a qual perdura até

o surgimento dos primeiros sinais da doença, demorando o corpo de trinta a

sessenta dias para produzir anticorpos anti-HIV.

Aduz que os primeiros sintomas são muito parecidos com os de uma gripe,

pois é comum o enfermo desenvolver febre e sentir mal-estar, razão pela qual a

maioria dos casos passa despercebido inclusive pelos médicos29.

A próxima fase é marcada pela forte interação entre as células de defesa e as

constantes e rápidas mutações do vírus, mas, incapazes de enfraquecer o

organismo o suficiente para permitir novas doenças, pois, nesta fase, os vírus

amadurecem e morrem de forma equilibrada. Esse período, que pode durar muitos

anos, é chamado de assintomático, tendo em vista que não provocam aparentes

modificações no estado de saúde do contaminado30.

No entanto, devido ao ataque persistente e ininterrupto do vírus ao sistema

imunológico, as células de defesa começam a funcionar com menos eficiência até

serem definitivamente destruídas, enfraquecendo gradativamente o organismo,

deixando-o vulnerável a infecções de toda a ordem.

Logo, a fase sintomática inicial é caracterizada pela significativa redução dos

linfócitos T-CD4 – glóbulos brancos do sistema imunológico – que chegam a ficar

abaixo de 200 unidades por mm³ de sangue. Em adultos saudáveis, esse valor varia 27

VERONESI, 2002, p. 83-171. 28

RUBEO, 1997, p. 56. 29Sintomas e fases da AIDS. Ministério da Saúde , Brasília, jul.2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/sintomas-e-fases-da-aids>. Acesso em: 15 set 2012. 30 Sintomas e fases da AIDS. Ministério da Saúde , Brasília, jul.2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/sintomas-e-fases-da-aids>. Acesso em: 15 set 2012.

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22

entre 800 a 1.200 unidades. Os sintomas mais comuns são: febre, diarreia, suores

noturnos e emagrecimento31.

A redução das células defensivas do corpo provoca a queda da imunidade,

permitindo o surgimento das temidas doenças oportunistas, merecedoras deste título

por se aproveitarem da fraqueza do organismo.

Com a baixa imunidade, atinge-se o estágio mais avançado da doença, a

AIDS. Quem alcança este estágio, seja por desconhecer a presença do vírus ou por

não seguir o tratamento apropriado e indicado pelos médicos, corre o risco de sofrer

de hepatites virais, tuberculose, pneumonia, toxoplasmose e alguns tipos de câncer,

que podem conduzir ao óbito precoce32.

É notável o avanço médico e científico operado nas últimas três décadas,

porém, em que pese os vários estudos acerca do tema, até o momento não se

revelou uma terapêutica de eficácia comprovada para a cura da AIDS, existindo

somente uma ação combinada de medicamentos antirretrovirais, que tem como

função inibir a reprodução do vírus e auxiliar na prevenção de infecções

oportunistas33.

Mencionado avanço evidencia, num futuro próximo, a possibilidade de

obtermos uma vacina para extermínio do vírus.

1.2 DAS RELAÇÕES SOCIAIS ENVOLVENDO OS PORTADORES DO HIV/AIDS –

ASPECTOS COMPORTAMENTAIS

1.2.1 A Condição Humana e a Pessoa Portadora do HIV/AIDS

Entre as inúmeras significações, pode-se afirmar que o Direito existe para

mecanizar e regular as condutas e as relações operadas entre os seres humanos.

Ainda que não de maneira organizada, é correto afirmar que sua criação nos remete

à origem do próprio homem, época em que os mais fracos se submetiam ao

31Sintomas e fases da AIDS. Ministério da Saúde , Brasília, jul.2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/sintomas-e-fases-da-aids>. Acesso em: 15 set 2012. 32 Sintomas e fases da AIDS. Ministério da Saúde , Brasília, jul.2012. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/sintomas-e-fases-da-aids>. Acesso em: 15 set 2012. 33 RACHID, 2005, p. 201.

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regramento e às vontades do mais forte ou mais poderoso, cuja vitória,

indiscutivelmente, lhes garantia a sobrevivência.

Segundo Hanna Arendt, nenhuma vida humana é possível sem a presença de

outros seres humanos. Todas as atividades humanas são condicionadas pelo fato

de que os homens vivem juntos, o que estabelece que a condição humana não

possa ser entendida com o mesmo significado de natureza humana34.

A condição humana é sistematizada assim em três fundamentais aspectos:

Labor, trabalho e ação35. O labor tem como característica ser um processo biológico

essencial para a sobrevivência da espécie, o trabalho o processo de transformação

de coisas naturais em artificiais e a ação a caracterizada pela necessidade do

homem viver em sociedade.

A ação seria o único elemento que não poderia ser imaginado fora da

sociedade do homem, porque é uma prerrogativa do homem e depende da presença

de outros, uma vez que a atividade do trabalho não requer necessariamente a

presença de outros, apesar de que um ser que trabalhasse em completa solidão não

seria humano.

A economia que se baseia na premissa de que os homens agem em relação

às suas atividades econômicas, só veio adquirir caráter científico quando os homens

tornaram-se seres sociais e passaram a seguir padrões de comportamento sob pena

de serem considerados associal ou anormal.

1.2.2 O Trabalho Como Condição Humana Para a Vida em Sociedade

Seguindo ainda o pensamento desenvolvido por ARENDT36, força de trabalho

seria algo que o homem possui por natureza e o acompanharia até sua morte, que

difere do chamado ‘produto’, uma vez que a força de trabalho não acabaria ao final

da produção, ou seja, “O labor não deixa atrás de si vestígio permanente”. “O que os

bens de consumo são para a vida humana, os objetos de uso são para o mundo do

34 ARENDT, Hannah. A condição humana . 10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 245. 35 ARENDT, loc.cit. 36 ARENDT, 2007, p. 232.

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24

homem”. O primeiro permite a vida; o segundo é necessário aos relacionamentos

humanos.

Em suma, o homem se torna dependente e condicionado daquilo que produz,

significando ‘A condição humana’, como sendo as condições que o homem se impõe

e se submete para viver em sociedade.

Outra distinção entre trabalho e labor se estabelece uma vez que o labor

exige o consumo imediato enquanto trabalho não.

Seria por meio da troca de produtos, troca intermediada pelo valor de troca,

que se dão as relações humanas, visto que, durante a produção os homens

encontram-se isolados uns dos outros. “Sem isolamento nenhum trabalho pode ser

produzido” 37.

“Somente quando pára de trabalhar e quando o produto está acabado é que o

trabalhador pode sair do isolamento” 38.

Os aspectos comportamentais da vida em sociedade que envolve o Trabalho,

o Labor e a Ação apresentam significativa peculiaridade quando a pessoa

investigada apresenta algum tipo de desequilíbrio física ou mental, sobretudo

quando tal desequilíbrio teve como causa uma doença ou moléstia grave.

As relações em sociedade destas pessoas que são portadoras de uma

moléstia grave foram bem analisadas pela socióloga americana SUSAN SONTAG:

Eis uma característica da visão comum da peste: a doença invariavelmente vem de outro lugar. Os nomes recebidos pela sífilis na última década do século XV, (...) constituem um excelente exemplo da necessidade de encarar uma doença temida como algo estrangeiro. (...) Mas essa observação (...) revela uma verdade mais importante: a de que há uma ligação entre o imaginário da doença e o imaginário do estrangeiro. Suas raízes se encontram talvez no próprio conceito de errado, sempre identificado como não nós, o estranho39.

SONTAG alertava que "tais fantasmas florescem porque consideramos a

tuberculose e o câncer muito mais do que como doenças que comumente são (ou

eram) fatais. Nós os identificamos como a própria morte” 40 e que "a doença é o lado

37

Ibid, 174. 38 ARENDT, loc.cit. 39 SONTAG, Susan. A aids e suas metáforas . 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 7. 40 SONTAG, 1989, p.25.

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sombrio da vida, uma espécie de cidadania mais onerosa. Todas as pessoas vivas

têm dupla cidadania, uma no reino da saúde e outra no reino da doença” 41.

Acrescenta ainda, citado autor, que "nada é mais punitivo do que atribuir um

significado a uma doença quando esse significado é invariavelmente moralista.

Qualquer moléstia importante cuja causa é obscura e cujo tratamento é ineficaz

tende a ser sobrecarregada de significação” 42.

A ideia de que a AIDS vem castigar comportamentos divergentes e a de que

ela ameaça os inocentes não se contradizem em absoluto. Tal é o poder, a eficácia

extraordinária da metáfora da peste: ela permite que uma doença seja encarada ao

mesmo tempo como um castigo merecido por um grupo de ‘outros’ vulneráveis e

como uma doença que potencialmente ameaça a todos. [...] Mais do que o câncer, e

de modo semelhante à sífilis, a AIDS parece ter o poder de alimentar fantasias

sinistras a respeito de uma doença que assinala vulnerabilidades individuais tanto

quanto sociais. O vírus invade o organismo; a doença (ou, na versão mais recente, o

medo da doença) invade toda a sociedade43.

Com o passar do tempo e com o advento da sociedade, entretanto, sentiu-se

a necessidade de se criarem e se adotarem regras, ainda que simplificadas, com o

intuito de se facilitar e se restringir o comportamento humano nocivo àquele

ambiente social.

1.2.3 Os Conceitos de Estigma e Discriminação

É muito comum na doutrina haver uma confusão acerca das definições do

que se entende por preconceito, discriminação e estigma, o que impõe já de forma

inicial um esclarecimento acerca desses conceitos.

IVAIR AUGUSTO ALVES DOS SANTOS44 afirma que o preconceito não pode

ser tomado como sinônimo de discriminação, pois esta é fruto daquele, ou seja, a

discriminação pode ser provocada e motivada pelo preconceito.

41 SONTAG, loc.cit. 42 Ibid, 1989, p.76. 43 Ibid, 1989, p. 80. 44 SANTOS, Ivair. O movimento negro e o Estado (1983-1987): O caso do conselho de participação e desenvolvimento da comunidade negra no governo de São Paulo. São Paulo: CONE, 2007.

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26

Discriminação é um conceito mais amplo e dinâmico do que o preconceito.

Ambos têm agentes diversos: a discriminação pode ser provocada por

indivíduos e por instituições e o preconceito, só pelo indivíduo. A discriminação

possibilita que o enfoque seja do agente discriminador para o objeto da

discriminação45.

Enquanto o preconceito é avaliado sob o ponto de vista do portador, a

discriminação pode ser analisada sob a ótica do receptor.

Para MAURÍCIO GODINHO DELGADO, discriminação seria a "... conduta

pela qual se nega à pessoa tratamento compatível com o padrão jurídico assentado

para a situação concreta por ela vivenciada...” 46.

O mesmo autor47 lembra também ser de suma importância estabelecer que a

constituição repudia toda e qualquer manifestação que importe em distinção das

pessoas em razão de fatos injustamente desqualificantes.

Já para MÁRCIO TÚLIO VIANA48, existiriam duas formas de discriminação,

uma contrária à lei e outra praticada com as próprias regras, sendo a primeira

visível, reprovável de imediato e a segunda, despercebida.

O estigma por sua vez é definido por CARLOS ROBERTO BACILA como:

[...] um sinal ou marca que alguém possuiu que recebe um significado depreciativo (...) gera profundo descrédito e pode também ser entendido como defeito, fraqueza ou desvantagem. Daí a criação absurda de duas espécies de seres: os estigmatizados e os “normais”, pois, afinal, considera-se que o estigmatizado não é completamente humano49.

Com base nessa distinção, poderíamos estabelecer duas hipóteses a serem

aplicadas ao empregado quando este for portador do HIV.

45Dissertação de Mestrado . Disponível em:<http://www.dhnet.org.br/dados/dissertacoes/a_pdf/disserta_ivair_santos_movimento_negro_sp. df>. Acesso em: 16 setembro 2012. 46 DELGADO, Maurício Godinho. Proteções contra discriminação na relação de empreg o. 2.ed. São Paulo: Editora livraria dos tribunais, 2000. p. 113. 47 Ibid, p. 54. 48 VIANNA, Márcio Túlio. Direito de Resistência . 2.ed. São Paulo: SP: Editora livraria dos tribunais, 1996. p. 210. 49 BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: um estudo sobre os preconceitos . Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 24-25.

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A primeira seria quando o trabalhador, tão somente é portador do vírus, e este

não compromete em nada a sua prestação de serviços em razão do vírus não se

manifestar junto ao sistema imunológico.

Nessa hipótese, a capacidade laboratícia não estaria comprometida, contudo,

o sentimento de estigma poderia acompanhar o trabalhador, independente do fato

de a questão ser de conhecimento da empresa e dos colegas de trabalho.

A outra hipótese seria quando o vírus atua junto ao sistema imunológico do

empregado, possivelmente comprometendo sua capacidade laborativa.

Nesse caso, não obstante incidam as regras de suspensão contratual em

decorrência da necessidade de afastamento previdenciário, em muitos casos

haveria também a possibilidade de ocorrerem atitudes de cunho discriminatório por

parte do empregador ou até mesmo preconceituoso por parte de seus colegas de

trabalho, seja pelas marcas impostas pela doença e tratamento, seja pela origem do

contágio.

1.2.4 O Direito como Regulador das Relações Sociais

RUDOLF VON IHERING50 sustenta que a conquista dos direitos, desde

sempre, se deu através da luta, ante a necessidade de impor aquilo que se julga

correto e aplicável dentro do contexto social em que se vive, seja no que se

relaciona a um único indivíduo ou a todo um agrupamento, de maneira que se deve

ser firme diante de possíveis opositores, angariando aliados e simpatizantes da

mesma causa a ser conquistada, sempre visando ao bem comum dos agrupados.

Nesse contexto, prossegue o autor classificando o Direito, sob dois enfoques:

objetivo e subjetivo. Segundo afirma, “o sentido objetivo é o conjunto de princípios

jurídicos aplicados pelo Estado à ordem legal da vida. Já o subjetivo é a transfusão

da regra abstrata no direito concreto da pessoa interessada” 51.

Portanto, sob a perspectiva objetiva, o Direito é a criação de normas jurídicas

aptas a regularem determinadas relações sociais, ao passo que o enfoque subjetivo

emana da aplicação de referidos regramentos ao caso concreto, seja para proteger

50 IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito . 23.ed. São Paulo: Forense, 2008. p. 4. 51

IHERING, 2008, p. 4.

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28

o homem ou para lhe aplicar uma sanção na hipótese do descumprimento de uma

regra de conduta.

A trajetória do Direito do Trabalho não se distancia desse contexto, pois, ao

se debruçar sobre a evolução histórica do trabalho, sob a ótica filosófica, percebe-se

as profundas alterações nas relações dos trabalhadores perante aqueles que

necessitavam da força do trabalho.

Assim, a prestação do serviço humano se transmutou de singela prestação

servil exploradora e desumana para uma prestação subordinada, assalariada e com

dupla dependência.

Isso porque, se determinado indivíduo exerce uma atividade laboral, o faz

para de ela retirar, no mínimo, seu sustento, de maneira que só fará sentido sua

escolha se houver outro que dependa daquela mão de obra ou precise produzir o

bem da vida ou, ainda, usar e gozar dos frutos da produção realizada pelo

trabalhador. A relação de trabalho, portanto, passa a ser uma relação de

interdependência52.

São notórias e indiscutíveis as consequências advindas da percepção pelo

elo mais fraco dessa relação de interdependência, podendo-se tomar como exemplo

a própria Revolução Francesa, durante a qual burguesia e proletariado, ao se unirem

na busca de um interesse comum, derrubaram a monarquia e iniciaram a fase do

liberalismo nas relações políticas, sociais e de trabalho, brigando pela mínima

interferência do governo nas relações sociais e econômicas, a tal ponto que o

Estado, antes detentor do domínio absoluto das ligações interpessoais, passa a

mero garantidor da efetividade da acepção do trabalho, ganhando maior relevância a

autonomia das vontades53.

Apesar do avanço operado na França, foi durante a Revolução Industrial,

iniciada na Inglaterra, que a complexidade das relações de trabalho se verificou, pois

a confecção da máquina a vapor, seguida da descoberta da eletricidade, impingiu

novo ritmo à produção nas indústrias, com principal destaque para a têxtil e a

metalúrgica, pois foi aí que o trabalho manufaturado fora substituído pela fábrica, a

52 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria ger al do direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 11. 53 ibid, 2001, p. 15.

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qual evoluiu para a linha de produção, forçando a divisão e a especialização do

trabalho54.

No entanto, o progresso conquistado até ali desencadeou um processo

sofrido e decadente para aqueles que eram hierarquicamente inferiores, pois os

empregadores detinham com exclusividade os meios de produção e, lastreados na

livre iniciativa e no liberalismo desenfreado, passaram a explorar intensamente a

mão de obra, determinando que os trabalhadores exercessem suas atividades por

períodos demasiadamente longos e sem intervalos, em ambientes insalubres,

desrespeitando a saúde e relegando o bem estar e a vida do empregado à própria

sorte55.

MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO afirma que:

Na última década de oitocentos, os Estados iniciam uma intervenção normativa sistemática nesta área, pondo termo ao abstencionismo legislativo que caracterizara o século. A partir desta época, regulariza-se a emissão de legislação avulsa em matéria de tempo de trabalho, de condições de trabalho, de segurança e higiene no trabalho, de acidentes de trabalho e de jurisdição laboral, em boa parte pelo impulso da doutrina social da Igreja. (2005, p. 37) 56.

A deterioração da condição humana fora tamanha que homens, mulheres e

crianças começaram a perecer diante do trabalho diuturno e sem descanso,

iniciando-se, assim, manifestações populares em toda a Europa nos séculos XVIII e

XIX, as quais resultaram na criação de normas avulsas acerca do período do labor

desenvolvido, bem como a segurança daqueles que o desempenham e a higiene no

local de trabalho.

54 VIANNA, Segadas; SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho . 16.ed. São Paulo: Editora livrarias dos tribunais, 1996. p. 39. 55 NASCIMENTO, op.cit., p. 18. 56

RAMALHO, Maria do Rosário. Direito do trabalho : Situações laborais individuais. 3.ed. Lisboa: Almedina, 2009. p. 37.

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30

2. O DIREITO E AS RELAÇÕES DE TRABALHO ENVOLVENDO O

TRABALHADOR SOROPOSITIVO

2.1 O DIREITO BRASILEIRO E A TUTELA DO TRABALHADOR PORTADOR DO

HIV/AIDS

2.1.1 A Proteção do Trabalho na Constituição de 1988

A Constituição brasileira estabelece como princípios fundamentais à

dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade entre todos, os valores

sociais do trabalho, a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e

de critério de admissão de sexo, idade, cor ou estado civil, a justiça social

assegurada pela redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno

emprego, conforme seus artigos 1º, III; 3º, IV; 5º, caput e I; 7º, XXX e 170, VII e

VIII57.

Contudo, existem dois direitos fundamentais que desempenham um papel

preponderante no contexto macroeconômico, mas, apenas um deles será tratado

com mais eloquência, pois correlacionado com as relações de trabalho envolvendo

pessoas portadoras de HIV.

Entende-se por direitos macroeconômicos, aqueles fundamentais relativos à

propriedade (art. 5º , caput, XXII e ss. da CRFB) e da liberdade profissional, descrita

no artigo 5º, inciso XIII, da Carta Maior, pois a atividade empresarial, enquanto

liberdade individual encontra como se verá, lastro constitucional.

Logo, diante da relevância com o assunto tratado, é a liberdade profissional

que garante constitucionalmente que cada qual eleja e exerça qualquer trabalho,

ofício ou profissão, desde que, obviamente, possuam as qualidades especiais

estabelecidas em lei para tanto. Ou seja, aquele portador do vírus e detentor da

AIDS, por mais agudo que esteja o quadro da doença, está apto a exercer

dignamente qualquer profissão ou função de sua área dominante, devendo os

57

RAMALHO, 2009, p. 37.

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empregadores não somente agir com parcimônia, bem como dignamente, aceitando

as condições daquele capaz de realizar com afinco as atividades correspondentes a

seu cargo, justamente por não haver que se falar em dano ao empregador o simples

fato de aceitar para a equipe de trabalho um indivíduo doente, sob a justificativa de

que ele não desempenhará as atividades como uma pessoa sadia.

Qualquer pensamento diverso do exposto acima afronta diretamente a

dignidade da pessoa humana, além de ser considerado eticamente reprovável

perante a sociedade58.

De certa forma, a oração do inciso, ao prescrever “atendidas às qualificações

que a lei estabelecer” fixou uma reserva legal, porque atribuiu ao legislador uma

competência, da qual ele pode se valer ou não.

Tanto o é que, justamente por isso, segundo o teor do dispositivo, a escolha

da profissão não foi expressamente assegurada.

Porém, logicamente, o livre exercício de um determinado trabalho, ofício ou

profissão pressupõe que sua escolha também seja livre, isso porque há de se

interpretar o dispositivo extensivamente, significando, a título exemplificativo, que

uma decisão de uma universidade pública de fechar um curso representa uma

intervenção estatal na liberdade profissional dos atingidos, porque cercearia sua

liberdade de escolher aquela determinada profissão59.

Ainda, aproveita-se a redação do inciso para os casos onde o empregador,

por motivos injustificáveis, com notável preconceito contra pessoa portadora do HIV,

não contrata ou não disponibiliza a vaga para àquela determinada pessoa,

ignorando, assim, suas qualificações e aptidões60.

Insta salientar ainda a necessidade de realizar um exame mais completo

acerca da constitucionalidade das leis acima destacadas, indicando os quesitos que

deveriam ser investigados com o fim de comprovar a técnica-jurídica capaz de

instruir decisão judicial dogmaticamente correta61.

Acerca da liberdade de profissão disciplinada pela Carta Magna é tratada por

LEONARDO MARTINS, in verbis:

58 CAMARGO, Marcelo Novelino. Leituras Complementares de Direito Constitucional . 3.ed. Bahia: Juspodivm, 2009. p. 263. 59

RAMALHO, 2009, p. 37. 60 CAMARGO, op.cit., p. 263. 61 CAMARGO, loc.cit.

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A liberdade de profissão ou de ofício representa, no entanto, a despeito da ordem em que surgem no dispositivo do art. 5°, XIII , CF uma liberdade matriz em relação à liberdade de trabalho, o que se dá em face do caráter efêmero desta em relação àquela. Em sendo a liberdade de trabalho uma liberdade que traz um plus de proteção, que tem suas raízes na liberdade profissional (atividade individual voltada à subsistência econômica), tal adição não poderá resultar na contradição da raiz, ou seja, a não proteção da profissão ilícita deve ser entendida à não proteção do trabalho ilícito, assim como a proteção da atividade duradoura foi estendida à atividade não duradoura da liberdade de trabalho. Trata-se portanto, de uma ocorrência material, que deve prevalecer quando se considera a área de proteção do art. 5°, XIII, da CF em seu conjunto. O teor do dis positivo embasa este entendimento62.

Expicado isso, claro está que o trabalho ilícito não comporta o rol de direitos

tutelados pela Constituição, mas tão somente aqueles trabalhos que são

considerados dignos e lícitos, fazendo-se necessária a junção a essa norma, do

princípio da dignidade da pessoa humana, em que tal dispositivo se apresenta como

integrador da ordem jurídica, assumindo funções extremamente relevantes no

trabalho de qualquer jurista que se preze.

Assim, há que se abordar este princípio, pois se apresenta como instrumento

de solução no caso de lacunas deixada pelo legislador na hora de criar leis, ou até

mesmo nas relações conflituosas entre normas que se encontram num mesmo nível

hierárquico ou, ainda, entre os próprios princípios dotados de carga valorativa nos

casos concretos, os quais detêm o poder de vincular todos os envolvidos na ordem

jurídica, porquanto apresentam um caráter de comando de dever ser, assim como

uma disposição legislativa ordinária, funcionando tais princípios como regras de

conduta, bem como funcionando como elemento de complementariedade do próprio

homem63.

Dessa forma, para que seja respeitado o princípio da dignidade da pessoa

humana e, ainda, não ser o empregado portador do vírus mais vulnerável do que os

demais trabalhadores, prejudicado por uma ordem superior que fira seus direitos

minimamente dignos, deve-se analisar, profundamente e entender o significado da

expressão vida digna.

62 CAMARGO, 2009, p. 265. 63 SILVA, Elizabet Lelal. Emancipação do Trabalhador e Dignidade no Trabalho . 2.ed. Porto Alegre: Frabriseditor, 2011. p. 13.

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2.1.2 A Função Social da Empresa e a Relação de Trabalho

A função social atrela-se à descoberta da dimensão social do direito, onde

parte-se da conceituação de IHERING64, que prioriza uma ética material, ligada a

dados sociais objetivos, sendo esses, denominados como os interesses decorrentes

das relações e forças sociais.

Ainda que IHERING65 tenha refletido aceca da função social do contrato, uma

vez considerado puramente individual, anuiu com a possibilidade de inserção destes

na vida social. Contudo, tal teoria necessita ser acrescida de uma característica

importante, sendo que o fim para o qual o contrato serve não é puramente individual,

mas sim de solidariedade social, cujo resultado é a moderação do poder da vontade

como critério único para definição do conteúdo do direito.

Assim, a função social é causa do contrato, devendo ser considerada como

instrumento do controle e da adequação valorativa das declarações de vontade, pois

o aspecto objetivo da causa precisa estar em consonância com seu reflexo

subjetivo, restando configurado como a vontade individual dirigida a um interesse

concreto66.

Cabe salientar que a ideia de função enseja a necessidade de correlação

entre o ato praticado pelos particulares e a finalidade para a qual o modelo jurídico

do contrato foi criado, existindo, desta forma, os princípios da autonomia privada,

socialidade, eticidade e funcionalidade.

Portanto, o contrato não pode ser visto e definido somente a partir da sua

estrutura, tendo em vista que o mesmo serve de instrumento de autocomposição e

autorregularão das relações privadas e não como autodeterminação e liberdade de

exercício das atividades econômicas67. Isto porque, a eficácia do contrato atrela-se

ao princípio da relatividade de seus efeitos, sendo vedada a exteriorização de suas

consequências sobre terceiros ou até mesmo considera-los como parte do contrato.

64

IHERING, 2008, p. 5. 65

CAMARGO, 2009, p. 263. 66

SILVA, 2011, p. 13. 67

SILVA, loc.cit.

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34

Dessa forma, foi em razão da função social dos contratos que nasceram as

Leis do Abuso do Poder Econômico, do Inquilinato e do Código do Consumidor,

sendo coerentemente lógica a possibilidade da utilização deste para regulamentar a

proteção conferida aos portadores do HIV nas relações de trabalho, pois, conforme

exposto, é considerado hipossuficiente da relação jurídica, assemelhando-se, por

assim dizer, ao consumidor e ao inquilino.

Cabe ressaltar que o interesse social, advindo da função do contrato, não é

oposto ao interesse das partes, mas sim uma atribuição do ordenamento sob a

perspectiva normativa68. Consequentemente, tal função social serve de proteção aos

interesses particulares de um dos contratantes, tendo por pressuposto de sua

finalidade imediata, a natureza econômica e particular e a mediata a natureza social

e geral.

Isto posto, é visível que a preservação do mercado e da própria integridade

da autonomia privada faz parte do interesse social, promovendo assim, a circulação

de bens e serviços com segurança jurídica e previsibilidade.

Em contrapartida, a tipicidade social possui máxima importância para

determinar os casos em que a liberdade contratual é extrapolada, quando o mesmo

não corresponde ao tipo social, podendo ser fruto de criatividade empresarial ou

negocial dos agentes privados, devendo ser transformado para se amoldar ao tipo

ou acabar rejeitado pelo ordenamento jurídico em razão da falta de correspondência

entre sua função social típica e o preceito decorrente da estipulação entre as

partes69.

Ao se falar em função social do contrato, imediatamente deve-se associar ao

disposto no artigo 42170 do Código Civil, o qual preceitua, em outras palavras, que a

função social do contrato é que delimitará a liberdade de contratar.

Esta previsão legislativa, embora de caráter civil, está relacionada ao Direito

do Trabalho por ser correlata ao previsto no parágrafo único do artigo 8º da CLT, e

dela emerge discussão sobre os limites a serem respeitados ao direito potestativo do

empregador encerrar o contrato de trabalho.

Nesses termos a discricionariedade de extinção contratual deve se amoldar

ao principio do fim social do contrato com observância da dignidade da pessoa

68

IHERING, 2008, p. 3. 69

CAMARGO, 2009, p. 263. 70 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

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humana, da valorização social do trabalho, do fim social da propriedade e da busca

do pleno emprego71.

No campo prático, verifica-se que já nos idos de 2003, a questão era debatida

judicialmente desde então prevalecendo o respeito deste parâmetro, podendo ser

indicado pela decisão proferida pelo juízo da 4º Vara do Trabalho de São Paulo e,

mantida em grau de recurso originário pelo Tribunal Regional seguida por sua

confirmação pelo TST em situação que embora não tenha se considerado como

discriminatória a dispensa de empregado portador de HIV fora ele reintegrado com

supedâneo nos princípios da função social da empresa e do contrato ressaltando-se

que “qualquer meio de produção deve visar à valorização do trabalho humano, de

forma propiciar condições de vida digna, contribuindo para o bem estar e distribuição

da justiça social” 72.

Note-se, por oportuno, que principalmente naquela época não havia

estabilidade legislativa para beneficiar o detentor do vírus, podendo-se afirmar que a

questão da função social, diante de sua evidente importância, bastava à

reintegração, justamente, por ser este trabalhador em específico, vulnerável aos

demais por serem os recursos provindos de seu emprego indispensáveis à melhora

de a sua qualidade de sobrevida.

Assim, é de se estabelecer que a função social somente será alcançada no

momento em que, no mínimo, a empresa observar a solidariedade, a justiça social, a

redução das desigualdades sociais, a busca de pleno emprego, o valor social do

trabalho, a dignidade da pessoa humana e os valores ambientais, cuja previsão vem

estampada na Constituição de 198873.

71

CAMARGO, 2009, p. 263. 72 REINTEGRAÇÃO. PORTADOR DE HIV. I - O Regional manteve procedência do pedido de reintegração do reclamante portador do vírus HIV, ao fundamento de que a questão deve ser analisada pelo prisma da função social da empresa e do contrato de trabalho, sob a nova ótica emprestada pelo Código Civil/2002. II - O recurso não comporta conhecimento, pois nenhum dos paradigmas válidos é específico (Súmula nº296/TST), não se divisa ofensa literal e direta ao art. 5º, II, da Constituição da República e os demais dispositivos constitucionais carecem do indispensável prequestionamento (Súmula nº 297/TST). ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS. I - O Regional concluiu que o adicional por tempo de serviço não era considerado para efeito de cálculo das horas extras, nem mesmo no período imprescrito, razão por que a insurgência da reclamada encontra óbice intransponível na Súmula nº 126/TST, que veda o reexame dos elementos fático-probatórios em sede de recurso de revista. II - Ainda que assim não fosse, o acórdão recorrido não enfrentou a matéria pelo prisma dos artigos. 5º, XXXVI, e 7º, XXVI, da Constituição da República, razão por que o recurso também não se viabilizaria por força da Súmula nº 297/TST. III - Recurso integralmente não conhecido. 73 CAMARGO, 2009, p. 263.

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Essas normas refletem como verdadeira intervenção estatal no domínio

econômico, perfazendo compulsório seu cumprimento.

Ao contrário do que pode parecer, a função social da empresa não

representa, necessariamente, que somente o interesse da maioria será observado, à

medida que a própria empresa, em comportamento positivo, se beneficiará ao

respeitá-la, porquanto sua atividade será mais lucrativa devido a menor tendência do

poder estatal intervir em suas decisões, isto porque, prevalecerá o respeito às

normas Constitucionais e Infraconstitucionais impostas pelo legislador74.

Ademais, a observação dos preceitos éticos importará em maior

confiabilidade e segurança diante da coletividade, acabando por se tornar parte

fundamental ao melhor funcionamento da sociedade a qual está inserida, auxiliando

sobremaneira ao desenvolvimento do mercado nacional através da qualidade dos

seus serviços e produtos.

A conclusão acima externada resplandece, também, do inegável fato de a

empresa depender do mercado para continuar ativa, necessitando de mão de obra

qualificada bem como de consumidores para obter resultados favoráveis, e será

através do comportamento ético esperado que se alcançará o reconhecimento e

aceitação da sociedade.

Nestes termos, a empresa moderna não se restringe a uma função

econômica, justamente por ter visto suprimida o absoluto poder de dispor dos bens

de produção e da propriedade, ante a mitigação pelo constituinte da previsão de

cumprir a função e o dever social75, que nada mais é do que a necessidade de se

manter em consonância com os direitos e interesses dos mais diversos públicos com

os quais acaba interagindo, devendo sempre contribuir para o crescimento

ininterrupto das pessoas proporcionando-lhes, dessa forma, melhor desenvolvimento

social com relações econômicas mais justas.

Falar em responsabilidade social é buscar a concretização de valores de

modo a conciliar a necessária captação de lucros, inerente à atividade pecuniária e,

ao mesmo tempo, contribuir ativamente com os interesses da sociedade e seu bem

comum.

Nos dizeres de PATRÍCIA ALMEIDA ASHLEY:

74 CAMARGO, loc.cit. 75 VIANNA, 1996, p. 39.

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O compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de modo específico, agindo proativamente e coerentemente no que tange seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela. A organização, nesse sentido, assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei, mesmo que não diretamente vinculadas a suas atividades, mas que possam contribuir para o desenvolvimento sustentável dos povos. Assim, numa visão expandida responsabilidade social é toda e qualquer ação que possa contribuir para melhoria da qualidade de vida da sociedade.76

Assim, a responsabilidade social deve ser vista como uma maneira de

veicular as atividades empresariais de tal jeito que a tornem parceira e

corresponsável pelo desenvolvimento do grupo, significando que só será

socialmente responsável quando alcançar a capacidade de entender e dirimir os

interesses e anseios das mais diversas partes, leia-se: funcionários, acionistas,

fornecedores, consumidores, prestadores de serviço, meio ambiente e governo,

conciliando, ainda, tudo isso a capacidade de incorporá-los no programa de suas

atividades, atendendo as demandas de todo este universo social e não unicamente

dos proprietários77.

Neste diapasão, no momento que uma empresa efetivamente direciona seus

serviços de molde a proporcionar o aumento do bem estar, tanto no que concerne

ao ambiente interno quanto ao externo, alcança o status de empresa cidadã, pois,

deste modo, estará agindo em consonância com o direito e sua função social,

sempre zelando pelo princípio da boa fé em todas as etapas do negócio e

promovendo uma concorrência saudável e leal78, tornando-se fruto da sociedade e

dela tirando seu sustento de maneira a fechar um ciclo econômico saudável.

A função social, importante ressaltar, não se limita unicamente à empresa,

mas sim a toda espécie de conglomerado que possua relações com a sociedade,

em outras palavras, que tenha o poder de ser manobrada de modo antissocial ou

mal-intencionado, em detrimento de muitos.

76 ASHLEY, Patrícia Almeida. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 7. 77 VIANNA, 1996, p. 39. 78 VIANNA, loc.cit.

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38

Acerca do tema, inclusive, vale lembrar o consignado no artigo 153, da

Constituição de Weimar, no sentido de que: “A propriedade gera obrigações. Seu

uso deve ser ao mesmo tempo um serviço em prol do interesse geral” 79.

É certo que o interesse do todo merece maior relevo no que concerne ao

mundo empresarial, por se tratar de legítima célula de produção econômica, da qual,

evidentemente, a vida laboral e financeira do homem se inicia.

Tal assertiva deriva do fato de que a empresa representa verdadeiro

organismo produtivo, seja pelo que oferece à comunidade, ainda que sob a condição

de lucro, pelas relações de emprego que gera, das quais não somente o trabalhador

dependerá, mas toda sua família, não havendo como se negar, portanto, que,

independentemente do regime político em que está inserida, sempre haverá uma

função que deverá atender aos anseios do povo80.

Importante ressaltar que, sob a ótica do direito moderno, o conceito de

propriedade se mistura com o próprio conceito de função social, na medida em que

se tornou óbvio que o detentor da riqueza, ou seja, o proprietário, possui grande

responsabilidade sobre aquilo que construiu, sendo defeso a ele transformar o que

gerou em algo improdutivo, estéril, incapaz de gerar emprego e sustento à

população que anseia por trabalho, parecendo extremamente razoável, para estes

casos, a intervenção governamental no sentido de obriga-lo a cumprir a função

social a que se destina.

Por isso, nada mais lógico que a função social da empresa também seja

digna da mesma relevância impingida à propriedade, porquanto, como dito, aqui se

concentra considerável fonte de riquezas, com inúmeras possibilidades de geração

de emprego e sustento aos pretensos trabalhadores, não havendo que se distinguir

o conceito de direção da empresa com o exercício de propriedade.

Assim, a função social da empresa deve ser compreendida como o respeito

aos interesses e direitos daqueles que não são a empresa em si, mas encontram-se

ao redor dela81, ou seja, a comunidade como um todo.

É o poder-dever do empresário, atribuída pela legislação, de dar à atividade

empresarial destinação compatível com o interesse da coletividade, não

significando, entretanto, uma condição que apenas limita o exercício da atividade

79 VIANNA, 1996, p. 39. 80 VIANNA, loc.cit. 81 GODINHO, 2000. p. 97-114.

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empresarial, mas sim, a proteção da própria pessoa jurídica contra a truculência da

economia de mercado.

Um Estado Democrático de Direito, a exemplo do Brasil, constitui-se em um

aglomerado de órgãos e entidades públicas, atuando avidamente nas políticas

econômicas, constitucionalmente voltadas para a prática dos direitos fundamentais.

Logo, para garantir que se alcançará a função social, pode e deve o Estado

interferir no domínio econômico, editando normas jurídicas especialmente para este

fim82. A necessidade desta intervenção existe porque a relação entre a democracia e

a economia de mercado é delicada e conflituosa.

Tal aspecto é evidenciado pelo fato de que “a economia de mercado, ao

mesmo tempo em que estimula a democracia, igualmente propicia uma série de

desigualdades de que lhe são contrárias” 83, estando ambos em conflito permanente,

delimitando e limitando um ao outro.

A relevância desta intervenção é explicada, também, pela necessidade de se

distribuir melhor as riquezas, pois uma elevada concentração de riqueza é também

empecilho ao próprio desenvolvimento econômico.

Tanto que o regramento pátrio regula em diversos momentos a atividade

empresarial, a fim de ajustá-la e protegê-la, objetivando propiciar à empresa o pleno

exercício da sua função social. São exemplos destas normas reguladoras, o artigo 1º

da Constituição de 1988, que estabelece como fundamentos da República

Federativa do Brasil, dentre outros, os valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa, e a dignidade da pessoa humana, e o artigo 170, também da Carta Maior,

que estabelece os princípios da ordem econômica.84

Não se pode olvidar que o rol do artigo supratranscrito é exemplificativo, pois

a condição ao exercício da empresa está prevista na Constituição nos princípios

orientadores da atividade empresarial, quais sejam: livre iniciativa empresarial,

82 GODINHO, 2000, p. 97-114. 83 GODINHO, loc.cit. 84 Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único - É assegurado à todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

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defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades

regionais e sociais, e busca pelo pleno emprego. Este não é um rol taxativo, não

sendo uma fórmula fechada, pois tal questão é mais que apenas de direito, é justiça

social.

Quanto ao fundamento dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, é

correto afirmar que a subsistência do homem, como indivíduo, e o crescimento do

país, são assegurados através do trabalho, que engloba não somente o trabalhador

subordinado, mas também o autônomo e o empregador, enquanto empreendedor do

crescimento do país85.

O princípio da livre iniciativa garante a todos a prerrogativa de captar clientela,

em idênticas condições, sem vantagens jurídicas individuais. Através deste princípio

o Estado confere à empresa o exercício de sua função social ao não permitir que

sejam formados blocos empresariais, que anulam a competição em detrimento dos

consumidores e da própria geração de empregos, afetando diretamente a sociedade

como um conjunto.

Ressalta-se que o exercício da livre iniciativa depende da garantia de que

seja proporcionada a valorização do trabalho e a existência digna do homem,

portanto, deduz-se, que a liberdade econômica é relativa, pois está condicionada à

busca pelo bem-estar coletivo.

Quanto à proteção do consumidor pelo Estado, não se faz correto o

entendimento de sê-lo contrário à atuação empresarial86, uma vez que a proteção do

consumidor pelo Estado assegura ao mercado sua ampliação e proteção e,

consequentemente, o exercício da função social.

O Estado, na sua função controladora e reguladora, concede ao consumidor,

o beneficio de ser o centro da relação de consumo, como hipossuficiente, na relação

de negócios com o empresário, impondo a adoção do princípio da vulnerabilidade.

Por isso, posiciona-se o Estado como defensor dos interesses do

hipossuficiente, garantindo, assim, a ampliação e proteção do mercado, a

preservação da livre concorrência e do direito de outrem, a regulação do mercado

interno como forma de evitar o monopólio privado, o controle da política de

consumo, o aprimoramento da tecnologia de produção.

85

GODINHO, 2000, p. 97-114. 86

GODINHO, loc.cit.

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Conclui-se, portanto, que ao permitir à empresa exercer sua atividade de

forma saudável e lucrativa, o Estado e, consequentemente, a sociedade, são

proporcionalmente beneficiados. Tais benefícios advém, principalmente, da

possibilidade, pelo Estado, de implementação de suas políticas governamentais,

além da concretização do desenvolvimento nacional, permitindo a erradicação da

pobreza e marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e

regionais, permitindo a promoção do bem de todos87.

A atividade empresarial exercida de forma lúcida e pautada em sua função

social estabelece uma das características de nosso estado democrático.

2.2 DAS MEDIDAS ANTIDISCRIMINATÓRIAS

2.2.1 Lei 9.029/95 – “Lei Antidiscriminação”

A Lei 9.029/95, também conhecida como ‘Lei Antidiscriminação’88, proíbe a

exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas

discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de

trabalho.

Contudo, não obstante referida legislação ter sido elaborada com o objetivo

claro de proteção a ato discriminatório praticado contra a mulher, acaba por

regulamentar também a vedação contra todo e qualquer ato discriminatório o que

obviamente incluiria aqueles relacionados aos empregados portadores do HIV.

Ao contrário do que se defende neste trabalho, há quem diga que seja

impossível se utilizar por analogia, da presente legislação a fim de proporcionar ao

portador do vírus proteção de seus direitos contra a discriminação, sob o

fundamento de que a referida lei não faz menção aos soropositivos, e, se essa fosse

a vontade do legislador, a norma traria previsão específica.

Essa interpretação apresenta grande equívoco, haja vista que a lei em

comento, em sua parte inicial, faz menção da proibição a qualquer ato

87

GODINHO, 2000, p. 97-114. 88

GODINHO, loc.cit.

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discriminatório, e, por sua vez, coloca como rol exemplificativo e não taxativa das

possibilidades de discriminação89. Isso porque, os dispositivos da Lei 9.029/95

relacionam-se com o artigo 3º, inciso IV, da Constituição de 1988 a qual anuncia a

vedação a quaisquer formas de discriminação.

Vale salientar que a citada Lei representa simples enunciado normativo com a

finalidade de se reportar à norma maior; sendo assim, deve-se respeitar a norma e

não o enunciado normativo, conforme reporta ROBERT ALEXY: “É recomendável,

portanto, que os critérios para a identificação de normas sejam buscados no nível da

norma, e não no nível do enunciado normativo” 90.

Partindo dessa premissa, os Tribunais Regionais do Trabalho, em uníssono,

vêm acolhendo a aplicabilidade da Lei 9.029/95 sob a justificativa da necessidade e

extrair de seu enunciado normativo o verdadeiro sentido da norma.

Assim, entendem que da mesma forma que é direito postetativo do

empregador promover a contratação e dispensa de seus empregados, não cabe a

ele dispensar o trabalhador portador do vírus valendo-se de preconceito ou ato

discriminatório.

Ainda, em que pese inexistir em nosso ordenamento jurídico normativo legal

que impeça a dispensa do portador de HIV, é o entendimento jurisprudencial pátrio

que o objetivo fundamental da Carta Magna fora vedar e repudiar atitudes

discriminatórias, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista

ser fundamento basilar do Estado democrático de direito.

Assim, tal princípio se sobrepõe à inexistência de dispositivo legal que

assegure ao trabalhador portador do vírus estabilidade no emprego.

Tomando-se, por analogia, os termos da Lei 9.029/05, a qual veda a adoção

de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de

emprego ou sua manutenção, assegurando sempre a readmissão do trabalhador

vítima de discriminação, colocando como penalização ao empregador que o

dispensa ressarcir integralmente o empregado por todo o período de afastamento 91.

89

GODINHO, 2000, p. 123. 90 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais . São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2008, p. 54. 91 RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA. DISCRIMINAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. Na linha do entendimento consubstanciado nos precedentes desta Corte, tendo a reclamada ciência de que o empregado é portador do vírus HIV e dispõe de condições de trabalho, o mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir a ocorrência de ato discriminatório e arbitrário." (RR - 14/2004-037-02-00.0, Relatora Ministra Dora

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De tal modo, o estado de saúde do empregado não pode ser causa de

dispensa do trabalho, sendo irrelevante a doença que apresente, não podendo ser

discriminado por este motivo, acoplando, assim, o portador do HIV92.

Dessa forma, os tribunais, ao interpretarem a incidência da Lei sobre o prisma

constitucional, agem acertadamente, pois, o que está em voga atualmente na

sociedade é a dignidade do trabalhador, sendo considerada a última e máxima

instância, ou seja, o bem maior a ser protegido, devendo, de qualquer modo,

priorizar a abolição de quaisquer práticas discriminatórias.

A aplicação da Lei dá-se com referência ao artigo 8º da CLT, que preleciona

que o direito comum deve ser aplicado subsidiariamente ao direito do trabalho,

sempre vedado naquilo que for incompatível com os princípios fundamentais da

pessoa humana93.

Contudo, não obstante a referida legislação ter sido elaborada com o objetivo

claro de proteção a ato discriminatório praticado contra a mulher, acaba por

regulamentar também a vedação contra todo e qualquer ato discriminatório, o que,

obviamente, incluiria aqueles relacionados aos empregados portadores do HIV.

Uma das questões que buscam a legislação mencionada seria coibir o

chamado abuso de direito, quando, então, nos termos do artigo 4º, da Lei 9.029, de

13 de abril de 1995, estaria proibido o rompimento da relação de trabalho por ‘ato

Maria da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 07/12/2007). Recurso ordinário conhecido e desprovido. 92 AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS.LEGITIMIDADE ATIVA. O art. 129, III, da Constituição da República de 1988 autoriza o Ministério Público a promover, mediante ação civil, a defesa dos interesses sociais difusos e coletivos. Por sua vez, o art. 83, III, da Lei Complementar nº 75/93 atribui ao Ministério Público do Trabalho competência para promover, no âmbito da Justiça do Trabalho, ação civil pública visando à defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. O interesse de agir do Ministério Público do Trabalho, ao ajuizar ação civil pública trabalhista, radica no binômio necessidade-utilidade da tutela solicitada no processo, com a finalidade de que a ordem jurídica e social dita violada pelo réu seja restabelecida. Assim, tratando-se o pleito de tutela inibitória, destinada a vedar prática discriminatória dirigida a empregados portadores do vírus da AIDS ou de qualquer outra enfermidade, e de tutela condenatória, consistente no pagamento de indenização por danos morais coletivos reversíveis ao Fundo de Amparo do Trabalhador - FAT, o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para ingressar com a ação civil pública. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA. DISPENSA DE EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS DA AIDS E OUTRAS ENFERMIDADES. ATO ATENTATÓRIO ÀS GARANTIAS FUNDAMENTAIS. 93 Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

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discriminatório’, considerando a dispensa, no caso, em desacordo com sua

finalidade social94.

É bem verdade que a referida legislação não veda expressamente a dispensa

por motivo de doença; contudo, veda a ruptura contratual por motivo de sexo,

origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade (artigo 1o).

Sendo assim, estaria a sua aplicabilidade autorizada pelo artigo 8º da CLT,

que autoriza o uso da analogia, como forma de suprir lacuna na interpretação do

Direito do Trabalho95.

Sendo o artigo 1o, da Lei 9.029/95, regra exemplificativa, e com base no

disposto no artigo 3o, IV, da Constituição de 1988, aplicar-se-ia a regra a todo e

qualquer tipo de discriminação.

A aplicabilidade da Lei 9.029/95 traz à discussão outra questão relevante que

diz respeito à hipótese da discriminação vir a ser considerada presumida, o que

importaria na obrigação do empregador em reintegrar ou readmitir o empregado aos

seus quadros funcionais.

Nesse sentido, ao empregado caberia tão somente o ônus de demonstrar que

o fato de ele ser portador do HIV chegou ao conhecimento do empregador e, sendo

assim, mesmo que os motivos da dispensa sejam omitidos pelo empregador, haveria

a presunção do ato discriminatório.

Tal presunção seria a juris tantum, uma vez que caberia ao empregador

provar o desconhecimento total acerca do fato do empregado ser portador do HIV,

para que então a hipótese do ato discriminatório restasse afastada, bem como a

aplicabilidade da Lei 9.029/95.

2.2.2 A vedação à Dispensa Arbitrária - Constituição de 1988 – Art. 7º, I

Com a promulgação da Constituição democrática de 1988, pela primeira vez,

fora introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, a proteção da relação de

emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, mediante a previsão de

indenização compensatória.

94

GODINHO, 2000, p. 154. 95

ibid, 2000, p. 123.

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A dispensa arbitrária pode ser também denominada como dispensa

imotivada96, tratando-se de prerrogativa do empregador, mas desde que pague a

verba indenizatória decorrente de seu ato.

A Constituição consagra, em seu artigo 7º, I, a vedação à chamada dispensa

arbitrária, uma vez que, tal enfoque normativo, atrela-se aos princípios fundamentais

da dignidade da pessoa humana e igualdade.

Partindo dessa premissa legal, é estabelecido que todo o ato de ruptura

contratual sem motivação lógica, afronta, diretamente, este dispositivo

constitucional.

Acerca do tema, trata EDILTON MEIRELLES:

Desse preceito, a primeira lição que se extrai é que é direito do trabalhador a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. Logo, se a lei busca proteger o trabalhador contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, assegurando-lhe esse direito social, constitucional e fundamental, é porque ela não tem como jurídica a despedida imotivada. A despedida injusta, arbitrária ou sem justa causa, portanto, ao menos a partir da Constituição Federal de 1988, passou a ser ato antijurídico, não protegido pela nossa legislação.97

Portanto, a dispensa arbitrária ou sem justa causa é ilícita, não constituindo

direito obrigatório ao empregador, e, caso este venha a despedir um empregado

sem justa causa, tal ato é caracterizado um abuso de direito, uma vez que qualquer

empregado está constitucionalmente protegido deste ato unilateral do empregador.

Assim, tal regra constitucional dispõe acerca da proteção da relação de

emprego contra a dispensa arbitrária, estabelecendo o pagamento de indenização,

entre outros direitos.

Ocorre que o inciso I do artigo 7º da Constituição brasileira, é tratado pela

doutrina e jurisprudência como norma de eficácia limitada, devido à previsão de

reserva de lei que a complemente, tornando-a inócua.

Contudo, o intuito do Constituinte na elaboração da norma baseou-se na ideia

de que para a consagração do Estado Democrático de Direito, o trabalho humano

96

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 439.041/95.5. Relator: Ministro João Oreste Dalazen. Diário da Justiça da União , Distrito Federal, 05 maio 2003. Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 11 novembro 2011. 97 MEIRELES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego. São Paulo: Editora livraria dos tribunais, 2005. p. 234.

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exerce um papel central na construção de uma sociedade verdadeiramente justa e

desenvolvida, priorizando o valor do trabalho humano.

Dessa forma, não há o que se falar em inoquização da determinada norma

constitucional, pois a valorização do trabalho humano fora constitucionalizado,

revestindo-se de juridicidade e, portanto, exalando a necessidade de concretização

no plano fático-jurídico.

Nessa esteira, é o entendimento de MARTHIUS LOBATO:

Sendo assim, deve-se interpretar os direitos sociais dos trabalhadores como forma não meramente de promessas, mas como mecanismo concreto de realização de direitos. São, portanto, dotadas de eficácia jurídica, que não podem se tornar vazias, ou inconsequentes, na medida em que já estão prontas para produzir efeitos concretos98.

Assim, afirmar que o direito brasileiro, em razão de inexistir a lei

complementar citada acima, admite denúncia vazia do contrato de trabalho,

perfazendo letra morta da Constituição ou, no mínimo, em vez de interpretá-la, sob o

prisma de sua necessidade de concretude, é transformar a Magna Carta em mera

promessa constitucional99.

Ademais, não se pode entender que a proibição arbitrária ou sem justa causa,

prevista na Constituição de 1988, dependa de lei complementar com a finalidade de

ter eficácia jurídica, porquanto tal prática está camuflada por preconceito e

discriminação, os quais não suscitam qualquer dúvida de que necessária se faz a

proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa100.

De qualquer forma, depara-se, indubitavelmente, com uma norma de eficácia

plena que necessita de complementação sobre os efeitos do descumprimento da

garantia constitucional.

Sobretudo, diante da descomunal inércia do legislador infraconstitucional,

haja vista o descumprimento deste comando essencial, não há como negar os

efeitos concretos que a Constituição confere, a fim de corroborar o princípio da

dignidade da pessoa humana.

98 LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional para a efetividade dos direi tos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: Editora livraria dos tribunais, 2006. p. 46. 99 DELGADO, 2000. p. 125. 100 GODINHO, 2000, p. 124.

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Especialmente porque, a dispensa de empregados configura como abuso de

direito, onde é facilmente vislumbrado, por exemplo, quando um empregado é

dispensado, sem qualquer motivação, estando ele acometido de problemas de

saúde provenientes de doenças, ou quando a dispensa é utilizada para permitir a

contratação de outro trabalhador, para exercer a mesma atividade com menor

salário101, ou seja, o ato do empregador torna-se abusivo no momento em que o

pretenso direito potestativo de resilição contratual se utiliza, diretamente, a fim de

diminuir a condição social do trabalhador, afrontando, inegavelmente, a promessa da

proteção aos direitos fundamentais garantidos por todo o aparato constitucional102.

A proteção contra a dispensa arbitrária, portanto, encontra fundamentos em

todo o ordenamento jurídico, transcendendo a própria discussão que paira em torno

da aplicabilidade do art. 7°, I, da Constituição de 1988.

Dessa forma, a dispensa que não for fundada em justa causa, nos estritos

termos do art. 482 da CLT, terá, impreterivelmente, que ser embasada em algum

motivo concreto, sob pena de ser considerada arbitrária.

Pois a indenização prevista no inciso I, do art. 10, do ADTC, diz respeito,

somente, à dispensa sem justa causa, que não se considere arbitrária, visto que

esta última está proibida, dando margem não à indenização, mas à restituição das

coisas ao estado anterior, ou seja, a reintegração do trabalhador ao emprego ou

uma indenização compensatória103.

A fim de esclarecer mais o tema tratado, vale lembrar a existência de algumas

hipóteses de dispensa, lembrando sempre a incidência da aplicação dos preceitos

constitucionais legais, sob o âmbito individual, quais sejam: I) a dispensa imotivada

(que se equipara à arbitraria); II) a motivada (mas sem justa causa, dando ensejo ao

recebimento pelo empregado de uma indenização equivalente a 40% sobre o

FGTS); III) a com justa causa (art. 482 da CLT, devidamente comprovada,

provocando a cessação do vínculo sem direito à indenização por parte do

trabalhador); e IV) a discriminatória (prevista na Lei n. 9.029/95, dando ensejo à

reintegração ou indenização compensatória) 104.

101 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. In: ZANELLA, Andréia (Coord.) Direito do trabalho, reflexões atuais . Curitiba: Juruá, 2007. p. 31. 102 Ibid, 2007, p. 33. 103 LOBATO, 2006, p. 46. 104

LOBATO, 2006, p. 44.

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Ressalta-se ainda, para a necessidade de se distinguir a dispensa arbitrária

da dispensa sem justa causa, devendo-se levar como premissa que a dispensa sem

justa causa, trata-se daquela que não tem base em uma causa considerada justa

pela lei (art. 482, CLT), mas que deve possuir um motivo (causa) 105.

Por sua vez, a dispensa arbitrária não se embasa em motivo disciplinar,

técnico, econômico ou financeiro algum, de acordo com o art. 165 da CLT,

possuindo eficácia plena, sendo que sua aplicação não pode ser evitada.

Caso contrário, tal instituto dá ensejo à reintegração ao emprego ou à

condenação do empregador ao pagamento de uma indenização compensatória,

sendo assim considerada como uma proteção da relação de emprego.

Adota-se ainda, como parâmetro legal a regra contida no art. 496, da CLT, por

interpretação analoga, sendo assim, o Juiz do Trabalho poderá, considerando

desaconselhável a reintegração, verificando o grau de incompatibilidade resultante

do dissídio, optar pela condenação do empregador ao pagamento de uma

indenização106.

Tal regra, cumulada com o art. 495 da CLT, refletem a tradição jurídica

brasileira quanto ao tratamento à efetivação das regras que versam a respeito da

estabilidade de emprego. E, recepcionadas pela ordem constitucional, isto porque,

tais regras, têm sido aplicadas aos casos de estabilidade provisória.

Assim, o ordenamento jurídico nacional, possui, portanto, todos os

instrumentos para a coibição da dispensa arbitrária, isso deve-se estender também

para os trabalhadores portadores do HIV, pois, uma vez verificada a existência do

vírus por parte do empregador, sabe-se que ele utilizará de qualquer método para

dar a dispensa motivada ou, até mesmo, imotivada.

Partindo desse pressuposto, a legislação brasileira não traz expressamente

dito se o soro positivo tem ou não direito à estabilidade, assim como detém os

membros sindicais e da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), a

gestante, o diretor de corporativa de empregados, o empregado acidentado.

Pode até ser utópico tal intento, mas, partindo da premissa de que o Direito

é um sistema que deve acompanhar a evolução da sociedade, bem com sempre 105 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Direito do trabalho contemporâneo In: Maria Emília (Coord.). Direito ao trabalho : um direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2009. p. 202. 106 ARAÚJO, Tarcísio Patrício de; LIMA, Roberto Alves de. Direito do trabalho contemporâneo: flexibilização e efetividade. In: Maria Emília (Coord.). Direito ao trabalho : um direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2009. p. 222.

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estar em aliança com a justiça, há grandes chances de se aventurar a respeito da

estabilidade do portador do vírus. Isto porque, tal empregado, indiscutivelmente,

encontra sérias dificuldades de encontrar emprego digno, seja pela existência de

ferrenha discriminação, seja pela falta de conhecimento social, pelo próprio mercado

de trabalho ou, até mesmo, pelos dias em que o soropositivo teria de faltar ao

trabalho pelo acometimento de eventuais infecções oportunistas.

Deve-se analisar com mais cuidado esse aspecto, por se tratar o portador do

HIV de pessoa visivelmente vulnerável, assim, aplicar o princípio da igualdade, no

que tange a máxima em tratar igual os desiguais na medida das suas

desigualdades107.

Verificando tal princípio, a Lei federal n. 7.670/88 estende aos portadores da

doença a concessão para tratamento de saúde, art. 104 e 105 da Lei 1.711,

aplicável aos funcionários públicos, entendida pela jurisprudência com a

possibilidade de interpretação analógica ao art. 8º da CLT que faculta ao julgador

valer-se, para as razões de decidir, dos princípios da equidade e da analogia.

Dessa forma, por enquanto, caberá ao magistrado valer-se dos princípios

elencados pela Carta Magna para melhor decidir acerca dos litígios envolvendo

empregados portadores do vírus.

2.2.3 A Omissão Legislativa e o Novo Entendimento Sumulado do TST

Justamente por ser a síndrome um mal que, inadvertidamente, ainda está

associado ao sexo e às drogas injetáveis, seus portadores ou convivem com a

discriminação ou, não raras vezes, com o sentimento de pena a eles devotado, o

qual, inclusive, geralmente começa dentro da própria família e se estende ao

ambiente de trabalho.

A inexistência de um regramento específico acerca do tema dificulta

sobremaneira a relação laboratícia, gerando grande resistência em se admitir o

direito à estabilidade aos soropositivos.

107 LOBATO, 2006, p. 46.

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A estabilidade, citado por DUARTE, ainda não positivada para os acometidos

pelo HIV/AIDS, pode ser compreendida como o direito do trabalhador de não ser

demitido, ao menos se houver a ocorrência de uma falta considerada grave o

suficiente para obstar a relação de confiança estabelecida entre os contratantes,

inviabilizando a continuidade do pacto empregatício108.

Mesmo entre os estudiosos há aqueles que se opõem a esse direito,

indicando que não existe a estabilidade ou reintegração, admitindo-se, entretanto,

sua ocorrência para os casos específicos do empregado estar com seu contrato de

trabalho suspenso para o tratamento da AIDS ou se a dispensa objetivar o não

exercício do direito à licença para o tratamento da doença, sob o pretexto de que os

arts. 5º, XLI e 7º, I, relacionados, consecutivamente, à proibição da discriminação e

despedida arbitrária, são desprovidos de regulamentação.

FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO, por sua vez, defende a

impossibilidade da dispensa dos infectados pelo vírus, em que pese a ausência

legislativa acerca do tema, garantindo aos empregados soropositivos a estabilidade:

Aos que contraíram a doença são devidos o respeito, a solidariedade e a esperança da sociedade, logo, não se pode admitir a dispensa, por parte do empregador, em relação ao trabalhador portador do vírus HIV. No mínimo, seria uma dispensa discriminatória [...] 109.

Até então, o que se tinha de mais próximo a um regramento específico é um

projeto de lei proposto pela Senadora Roseana Sarney, em trâmite no Senado

Federal desde 2006, impondo restrições à dispensa discriminatória ou sem justa

causa do infectado, ainda que não lhe garanta a estabilidade empregatícia,

dispondo, inclusive, sobre a fixação de indenização quando de sua inobservância110.

O fato de o legislativo ainda ser omisso ao direito de estabilidade do

soropositivo dava margem a decisões contraditórias pelos Tribunais Regionais,

porquanto, conforme mencionado, até o momento o que se veda é a dispensa

discriminatória, cuja comprovação é dificultosa e por vezes impossível.

108 DUARTE, 2006 apud MARGONAR, 2006. p.19. 109 GODINHO, 2000, p. 110. 110 GODINHO, 2000, p. 114.

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A dificuldade da mencionada comprovação deriva do fato de, salvo raras

exceções, a dispensa por conta da existência da moléstia ocorre de maneira velada,

além da evidente hipossuficiência do empregado perante seu empregador e o temor

reverencial que este sente em relação àquele.

Ademais, não é difícil imaginar que o próprio detentor da doença se sinta

humilhado com sua própria condição, deixando de recorrer ao judiciário para evitar

sua exposição, até porque não terá certeza que alcançará o bem da vida pretendido.

Isto porque, o próprio trabalhador sente-se rejeitado pelo mundo social em que vive,

devido à sua fragilidade verificada pela doença em si, pois está fadado a carregar a

carga negativa ao longo de toda a sua existência, ainda que tenha, por conta da

moderna medicação distribuída gratuitamente pelo Estado, possibilidade de uma

sobrevida longa e produtiva, relembrando-se que, muitas vezes, a discriminação que

enfrenta atrapalha o próprio tratamento, a medida que sua autoestima sofre

diminuição.

Logo, se faz imprescindível que o legislador volte sua atenção para esta

questão, objetivando tornar mais claros os direitos acerca da estabilidade deste

trabalhador, através de um texto concreto e objetivo, de maneira a beneficiar ambos

os polos da relação.

Por fim, cabe salientar, que o trabalhador portador do HIV/AIDS precisa,

urgentemente, de proteção legal referente à estabilidade laboral diante de tantas

discriminações constantemente vivenciadas no ambiente de trabalho, as quais

acarretam inúmeros prejuízos sociais.

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3. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE APLICADOS AO DIREIT O DO

TRABALHO

3.1 DIREITOS DA PERSONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

3.1.1 Direitos da Personalidade - Características

O Direito da Personalidade esta intrinsicamente ligado ao Direito da dignidade

da Pessoa Humana, atrelado ao coração do Estado Democrático de Direito criado

pela Carta Magna de 1988, intitulado como cláusula Pétrea.

ELIMAR SZANIAWSKI conceitua o direito da personalidade humana como

sendo “as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria

pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos” 111.

Também é o posicionamento de SÍLVIO ROMERO BELTRÃO: “Com os

direitos da personalidade, quer-se fazer referência a um conjunto de bens que são

tão próprios do indivíduo, que chegam a se confundir com ele mesmo e constituem

as manifestações da personalidade do próprio sujeito” 112.

Assim, acerca do tema, os direitos da personalidade são classificados como

capazes de “dar conteúdo à personalidade” 113.

Desse modo, o reconhecimento do direito da personalidade é fundamentado

na dignidade da pessoa humana, conforme acima exposto, existente anteriormente

e independentemente do direito positivo, considerado como atinente ao próprio

homem, sendo considerado desdobramento do princípio anteriormente citato e

integra o rol dos direitos gerais114.

Tratando a respeito do tema, ELIMAR SZANIAESKI ensina:

111 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da personalidade e sua tutela . São Paulo: Editora revista dos tribunais, 1993. p. 35. 112 BELTRÃO, Sílvio Romero. Direitos da Personalidade . São Paulo: Atlas, 2005. p. 24. 113 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade . 2.ed. São Paulo: Quórum, 2008. p.43. 114 Ibid, p.32.

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A dignidade do homem e o direito ao livre desdobramento de sua personalidade são, portanto, elementos integrantes do direito geral de personalidade que, através da ordem jurídica, são garantidos como um direito subjetivo a respeito de todas as pessoas. Cumpre salientar, ainda, que a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade115.

Tendo em vista que os direitos da personalidade são interligados à condição

humana do indivíduo, é imprescindível que tal direito seja juridicamente tutelado pelo

Direito Pátrio.

Ensina SÍLVIO ROMERO BELTRÃO:

O fundamento dos direitos especiais da personalidade está na cláusula geral, como emanação do princípio da tutela da dignidade da pessoa humana, com a imposição de que todas as manifestações desta dignidade sejam juridicamente tuteladas. Assim, o reconhecimento do regime aberto dos direitos da personalidade fundamenta-se no princípio da dignidade da pessoa humana, onde todos devem respeitar tal princípio, objetivando sua caracterização como direito absoluto. Além dos tipos previstos na Constituição Federal e no Código Civil, são direitos da personalidade os que verdadeiramente forem emanação da personalidade humana116.

Agora, relacionando o tema dos direitos da personalidade com a relação ao

portador do HIV, é óbvia a necessária utilização por analogia desses princípios, pois,

ainda hoje, os doentes sofrem ante a ausência de maiores avanços a respeito do

direito à vida desses portadores.

Assim, é dever do Estado tutelar esses direitos, respeitando sempre a vida e

tratando os soropositivos com respeito e dignidade, fornecendo, se necessário,

medicamentos e internamento gratuito sob o intento de preservação do direito à

vida, ligado ao direito da personalidade.

Ora, tal direito não se restringe somente ao fato da mantença da vida, mas

também se relaciona com a expansão do ser humano, intuindo atingir esse direito de

forma que viva dignamente, abraçando, desse modo, os portadores do vírus.

115 SZANIAWSKI, op.cit., p. 56. 116 BELTRÃO, Sílvio Romero. Direitos da Personalidade . São Paulo: Atlas, 2005. p. 55.

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De fato, é inquestionável que, de certa maneira, o Estado está garantindo aos

detentores da doença uma sobre vida digna sob o prisma da saúde pública,

porquanto lhes disponibiliza gratuitamente toda medicação necessária à

manutenção de sua integridade física, bem como profissionais especializados na

área de infectologia com hospitais estruturados e aptos a receber e tratar esses

pacientes, revelando, assim, o descompasso entre a garantia de uns direitos em

detrimento de outros117.

Conforme elencado, esses direitos devem perpassar a esfera Constitucional

para o ramo das relações de trabalho que envolve o trabalhador soropositivo, pois

ele está sujeito a inúmeros atos unilaterais do empregador que, por vezes, apontam

como ações preconceituosas e discriminatórias. Devendo, assim, o manto de

proteção trabalhista constitucional acoplar esses indivíduos vulneráveis e

hipossuficientes da relação jurídica.

3.1.2 Os Direitos Humanos Fundamentais da Personalidade

Os Direitos Fundamentais ou Direitos do Homem são tão antigos como a

própria humanidade, existindo vários registros históricos no qual se evitava a

opressão dos fracos e propiciava o bem-estar do povo, sendo que tal intento

aproxima-se da finalidade existencial dos direitos dos homens118.

Assim, tais direitos revelam-se com a evolução da sociedade, e estes surgem

ou nascem a partir do momento que se tornam necessários, ou nos momentos em

que, simplesmente, devem existir, como foi o caso da Revolução Francesa, na qual

se consagraram os direitos máximos que devem ser protegidos pela sociedade,

quais sejam: a liberdade, a igualdade e a fraternidade.

A presença da religião também foi marcante para a manifestação dos direitos

fundamentais, uma vez que a maioria dos códigos morais, que ainda regem a vida

de muitas pessoas, está fortemente arraigada nas diversas doutrinas religiosas, que

117

SZANIAWSKI, 1993, p. 56. 118 SILVA, 2011, p. 38.

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pregam, entre outros preceitos, a dignidade da pessoa humana, o respeito ao

semelhante, a paz e a fraternidade119.

Dessa forma, no decorrer do processo histórico, muitas alterações legislativas

se verificaram, principalmente na seara dos direitos fundamentais, colaborando com

o aumento e com a garantia dos direitos do homem, porque, como é cediço, é

vedada a redução dos direitos anteriormente consagrados para o cidadão120.

Visto, porém, que esta dissertação tem como finalidade abordar os direitos

fundamentais do trabalho, a análise histórica que passará neste contexto terá como

base os dados e fatos importantes para a concretização dos direitos trabalhistas,

sem, contudo, desconsiderar os demais instrumentos que contribuíram para a

formação e a concretização dos direitos fundamentais121.

Para um melhor entendimento do tema, antes de se abordar a questão dos

direitos fundamentais de personalidade privada correlacionada com o direito do

trabalho, necessário se faz analisar aqueles afetos ao início do pensamento

cognitivo acerca dos princípios basilares Constitucionais, quais sejam: o direito à

dignidade, à personalidade, à integridade e à privacidade da pessoa humana.

Com o propósito de uniformizar o entendimento acerca do conceito do direito

que os indivíduos têm ao respeito à vida privada, bem como diante da dificuldade

inerente a ele, principalmente pelas diferenças culturais, as tradições e os costumes

dos diversos povos, fatores que tornam o trabalho de discricionariedade um tanto

delicado, o Conselho da Europa criou normas gerais de proteção da esfera íntima da

pessoa, obrigando os países-membros signatários a promulgarem leis de proteção à

vida privada de seus cidadãos122.

Neste contexto, sobressaem dois sentidos relacionados a proteção à vida

privada, sendo um em lato sensu, no qual a proteção consiste em todas as regras

jurídicas que têm por finalidade proteger a vida pessoal e familiar, enquanto o outro,

verificado mais na prática, em sentido estrito, na medida em que tem por comum

escopo proteger as pessoas contra atentados particulares123.

119 MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais . 4.ed. Atlas: São Paulo, 2008. p. 4. 120 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional . 6.ed. Livraria Almedina: Coimbra, 1993. p. 493. 121 SILVA, 2011, p. 40. 122

SILVA, loc.cit., p. 40 123 SZANIAWSKI, 2003, p. 290.

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Há forte polêmica no que se refere à natureza jurídica dos direitos à

personalidade da pessoa humana, por se tratar de assunto que ascende diversas

manifestações e elucubrações que dificultam a sistematização dos direitos da

personalidade e, a respeito da intimidade ou esfera íntima de alguém. Assim, a falta

de uma terminologia exclusiva para designar os diversos tipos das manifestações da

personalidade humana dificultam, sobremodo, a busca do termo para designar os

direitos e a tutela da esfera íntima de uma pessoa, por questão de coerência com

nosso pensamento, uma vez que ele é unitário124.

Sobre esse aspecto, a melhor terminologia a ser utilizada denomina-se o

direito ao respeito à vida privada, ou, simplesmente, direito à vida privada, isso

porque tais expressões englobam as diversas outras tipificações e subtipificações,

levando-nos à noção de um direito geral ao respeito da dignidade da pessoa

humana, sendo tal assunto ventilado às relações trabalhistas que envolvam pessoas

portadoras de HIV.

Tal assertiva deriva, entre outros fatores, do fato de muitos empregadores

dispensassem seus empregados acometidos pelo vírus, por imaginar que seu

caráter permanente e irrevogável o torna menos apto a desenvolver o labor para o

qual fora contratado.

Dessa forma, tal atitude afronta, preponderantemente, o direito ao respeito à

vida privada, conforme elucubrado anteriormente, ao tempo que, tais discussões,

devem ser objeto para criação de leis que tratem com mais apreço estas relações

trabalhistas125.

Nessa esteira, conclui-se, por oportuno, que tais direitos acima tratados são

privilegiados pela Constituição, desde a sua promulgação, salvaguardando o

trabalho humano não só como instrumento de dignificação do homem e de inclusão

social, mas também de mecanismo de desenvolvimento da Nação. Sendo, dessa

forma, inconcebível um desenvolvimento econômico que despreze o elemento

humano, mercantilizando-o126.

Vale ressaltar além do mais, que a inobservância do direito ao respeito à vida

privada afronta tais direitos fundamentais, sendo estes correspondentes às normas

dotadas de supremacia dentro do Estado Constitucional e democrático de direito.

124

SILVA, 2011, p. 40 125 SZANIAWSKI, 2003, p. 321. 126 GODINHO, 2000, p. 132.

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Deve-se analisar que tais normas é que dão resposta a questões macro políticas e

macroeconômicas, dependendo de sua área de incidência127.

É neste contexto que a vida humana, maior bem jurídico de nosso

ordenamento, deve ser tutelada.

3.1.3 A Dignidade da Pessoa Humana e o Trabalhador Portador do HIV/AIDS

A Constituição de 1988, em seu artigo 1°, inciso II I, expressou como

fundamento na legislação Pátria que a dignidade da pessoa humana integra um dos

fundamentos basilares que constituem o Estado Democrático de Direito. Assim

sendo, o homem se tornou o principal personagem do cenário jurídico nacional, uma

vez que, a partir deste complexo de normas, buscou-se, cada vez mais, a proteção

da dignidade da pessoa humana, constituindo o direito por causa do homem,

centralizando todos os cuidados do ordenamento jurídico, requerendo, assim, a

atenção do pensamento contemporâneo.128

Ainda, a doutrina atual tem buscado apresentar argumentos que visam

enquadrar o princípio da dignidade da pessoa humana em situações sociais, ou

seja, no seio da comunidade, conforme ilustra com precisão o doutrinador

PERLINGIERI .

As formações sociais, mesmo quando se colocam em planos diferentes, têm autonomia e capacidade de auto-regulamentação, mas sempre no âmbito do ordenamento no qual são destinadas a ter precípua relevância. Homologar, aprovar, controlar atos e atividades de uma formação social significa garantir, no seio da comunidade, o respeito à dignidade das pessoas que dela fazem parte, de maneira que se possa consentir a efetiva participação às suas vicissitudes129.

Nessa esteira, o homem convivente em sociedade revela seu papel de agente

transformador no meio em que vive, sendo essencial à existência daquela, devendo

esta, respeitar o homem social. Tal é o entendimento de INGO WOLF SARLET:

127 CAMARGO, 2004, p. 262. 128 SILVA, 2011, p. 19. 129 PERLINGIERI, 2002 apud FERMENTÃO, 2007, p. 43.

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A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e considerações por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais130.

A Carta de Direitos Constitucionais, conforme correlacionado anteriormente,

preleciona que o cidadão tem direito a uma vida digna, ou seja, que pode manifestar

sua vontade livremente, guiado pela capacidade de autodeterminação, de maneira

que a simples constitucionalização desta garantia não é o suficiente, porquanto é

indispensável uma forte conscientização social, bem como uma postura

governamental mais comprometida e objetivada a conceder àquele cidadão formas e

métodos para que efetivamente consiga viver dignamente.

Também, como é sabido, não basta simplesmente criar políticas públicas

incentivando tal prática, mas, sim, a necessidade de uma ação efetiva de cada

indivíduo que compõe a sociedade; em outras palavras, significa dizer que todos os

seres humanos, capazes ou não, desempenham um papel na comunidade onde

estão inseridos, sempre visando agir eticamente e conforme o Direito Pátrio131.

Assim, certo se faz que, o princípio da dignidade da pessoa humana revela-se

elemento essencial para que se possa tratar dos assuntos na seara do Direito do

Trabalho, visando as possíveis condições a serem colocadas para um empregado

portador do HIV, ou já acometido pela AIDS, inclusive procedendo a análise do

ambiente onde se encontra, verificando se houve inserção ao meio ou fora excluído

dele, procurando, sempre, resguardar seus direitos, justamente por ser ele mais

suscetível às injustiças do que outro não portador do vírus.

Sobre esse aspecto, o direito do trabalho surgiu com o término da primeira

Guerra Mundial, pois, nenhuma Constituição ousou deixar de lado o tema referente

aos princípios e normas que estabeleciam a nova ordem, garantindo os direitos

econômicos e sociais dos trabalhadores, assim denominando-se como

130 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 . Porto Alegre: Editora livraria do advogado, 2006. p. 30. 131

SARLET, loc.cit.

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constitucionalismo social, corroborado pela Carta de Direitos, a qual prescrevia a

inclusão dos preceitos relativos à defesa social da pessoa, das normas de interesse

social e garantias de alguns direitos fundamentais132.

No Brasil, com a Constituição de 1934, os direitos fundamentais do

trabalhador começaram a ter uma maior significância, porém foi com o advento da

Constituição de 1988, que se estabeleceu ama significativa evolução dos direitos do

trabalhador, o que impôs modificações sociais, culminando com o surgimento de

uma legislação voltada para o entendimento das necessidades sociais, com a

finalidade de garantir a manutenção do princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim, com a evolução do Direito do Trabalho, inúmeros outros direitos foram

surgindo em épocas distintas, inclusive de natureza fundamental, e foram sendo

classificados de acordo com os fatos e tempos históricos que lhes deram origem,

sendo que tais fatos denominam-se, atualmente, como gerações de direitos ou

dimensões133.

Ocorre que muito se evoluiu acerca do tema, contudo, tais direitos precisam

avançar para tornar efetivas todas as normas que almejam proteger os direitos dos

trabalhadores, com especial foco ao trabalhador portador de HIV, a fim de garantir

atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Agora, para especificar mais o tema a ser abordado, necessária se faz a

análise dos direitos da personalidade atribuídos à pessoa humana na condição de

trabalhador, devendo-se dividir em cinco aspectos apropriados para o estudo: a) da

integridade física; b) da personalidade moral; c) de determinadas liberdades; d) dos

interesses sindicais; e) como se dão as responsabilidades do empregador134.

Conforme se observa do sistema jurídico italiano, a liberdade de iniciativa

econômica privada atrelada ao empregador estabelece o dever deste de compor um

ambiente que garanta ao máximo a integridade física e moral do prestador de

serviços, a fim de que os locais e os instrumentos de trabalho fornecidos permitam

ao trabalhador cumprir a prestação sem perigo para a própria integridade pessoal135.

Tendo em vista tal apontamento, deve o empregador, quando obtiver ciência

de que contratou o portador do vírus, certificar-se de que o ambiente de trabalho a

ele concedido para desempenhar suas atividades é seguro e digno, assegurando ao

132 SILVA, 2011, p. 42. 133 SILVA, 2011, p. 48. 134 Ibid, p. 42. 135 SILVA, loc.cit.

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prestador de serviços qualidade de vida, e, consequentemente, a mantença do

princípio da dignidade da pessoa humana136.

Ainda, devem os empregadores adotar todas as medidas necessárias para a

tutela dos direitos não apenas no que toca a integridade física do empregado,

conforme relatado acima, mas também da personalidade moral dele, como, aliás, se

verifica na prática pela edição da Portaria 1.246, do Ministério do Trabalho e

Emprego, de 28 de maio de 2010, especificamente em seu art. 2º, ao preceituar que

“Não será permitida, de forma direta ou indireta, nos exames médicos por ocasião

da admissão, mudança de função, avaliação periódica, retorno, demissão ou outros

ligados à relação de emprego, a testagem do trabalhador quanto ao HIV”.

Tal proibição, sem dúvida, revela uma vitória das garantias fundamentais do

portador do vírus no ambiente empregatício, porquanto, até então, era comum às

empresas deixarem de contratar o infectado, sob o pretexto de serem inaptos ao

exercício das atividades137.

Cabe salientar que o trabalhador ficava sujeito às normas e aos ideais da

empresa, pois hipossuficiente da relação, sendo, este, na maioria das vezes, afetado

pelas condutas coercitivas da empresa, que requisitava exames periódicos ou

iniciais, afetando a honra do sujeito.

Ora, tal atitude afrontava o ânimo subjetivo da pessoa, que tem seu direito à

livre escolha de trabalho, à igualdade, à vida digna, subtraídos rotineiramente pelas

empresas, pois estas pretendiam, somente, o ganho de espaço e crescimento no

polo econômico, tratando seus empregados de forma indigna e antiética.

Além do direito à integridade, existe o direito à honra do trabalhador, sendo

este constituído pelo conjunto de qualidades que, socialmente consideradas,

caracterizam a reputação de uma pessoa, daí porque, existentes nas situações em

que o empregador age a fim de diminuir o empregado ou colocá-lo em situação

vexatória, humilhando-o e atentando contra sua reputação138.

Uma vez que tal discriminação é extremamente danosa para o trabalhador,

que vira alvo de preconceito, tanto na contratação quanto na manutenção de

trabalho, ou quando são dispensados, muitas vezes sob a justificativa de que o

portador do vírus pode acarretar prejuízo à atividade econômica da empresa, seja

136

SILVA, loc.cit. 137

SILVA, 2011, p. 42. 138 GUNTHER, Luiz Eduardo. Tutela dos direitos da personalidade na atividade e mpresarial . Curitiba: Juruá, 2009. p. 166.

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por não ser aceito pelos próprios colegas de trabalho, ou, até mesmo, por afastarem

os clientes.

O caso mais típico em que se verifica afronta à honra do trabalhador é

justamente colocá-lo em situações que o humilhem, como, por exemplo, falar em

público acerca de sua doença, ou até mesmo dispensá-lo por este motivo, sendo

que este ato viola seu direito fundamental da dignidade da pessoa humana, haja

vista que o direito à honra está intrinsecamente correlacionado com aquele139.

Deve-se recordar, ainda, que os dois direitos citados anteriormente, ou seja, o

direito à honra e à intimidade são os desmembramentos mais importantes do direito

à personalidade, este, por sua vez, não abrange somente à honra e a intimidade,

mas também o direito à imagem, ao segredo e à identidade.

Esta questão, inclusive, pode incidir nas relações de trabalho, uma vez que

fica vedado ao empregador divulgar informações acerca do empregado, sem prévia

autorização, e, nos casos de soropositivos, tal informação propagada ilicitamente

pode gerar grandes transtornos ao trabalhador, afrontando, conforme exposto

acima, os direitos fundamentais da pessoa humana, mais especificamente seu

direito à honra e ao sigilo de informações, atingindo sua dignidade140.

Dessa forma, o trabalhador não é obrigado a informar à empresa que padece

da moléstia, ou mesmo que é portador do vírus, até porque esta condição por si só

não impede o trabalho nem prejudica suas atividades cotidianas. Uma vez que a

Constituição da República garante, conforme exposto acima, o direito à intimidade,

sendo esta informação correlacionada apenas à pessoa, pode e deve o trabalhador

optar por informar ou não o empregador acerca de sua condição141.

Certo está que, diante de uma situação constrangedora provocada pelo

empregador em relação ao empregado portador de HIV, pode, este, vir a sofrer um

sentimento de estigma, conforme tratado anteriormente.

Caso haja a dispensa do empregado portador do vírus, o patrão deve provar

que esta ocorreu por outra causa, pois, tal atitude é considerada discriminatória,

uma vez que o “mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz

139

SILVA, 2011, p. 42. 140

GUNTHER, 2009, p. 166. 141

GUNTHER, loc.cit.

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presumir a discriminação e arbitrariedade”142; esse é o entendimento consolidado

pela Seção Especializada em Dissídios Individuais I do Tribunal Superior do

Trabalho.

Assim, o trabalhador, como se pode avaliar, só mais recentemente, durante

os finais do século XX e início do século XXI, passa a ter uma respeitabilidade que

vai muito além da garantia do recebimento de um salário digno para sua

sobrevivência e dos seus familiares. Busca, agora, respeitá-los em todos os

aspectos relacionados aos seus direitos da personalidade143.

Ocorre que existe, ainda, em todos os setores da sociedade, enorme carga

de preconceito e discriminação quanto aos portadores de HIV e, não se vislumbra,

no sistema jurídico pátrio, a expressa estabilidade para eles nas atividades

empregatícias, devendo o Juiz se submeter, nos casos concretos, ao princípio da

interpretação conforme à Constituição, respeitando os direitos fundamentais que

dela são emanados, entre os quais, os princípios gerais do direito à dignidade da

pessoa humana, à vida e ao trabalho.

Nessa esteira, a dignidade da pessoa humana se realiza, conforme descreve

ALESSANDRO SEVERINO VALLER ZENNI, “no esforço livre de dinamização do ser

homem na busca de seu acabamento”144.

Dessa forma, para que seja respeitado o princípio da dignidade da pessoa

humana e, ainda, não ser o empregado portador do vírus mais vulnerável do que os

demais trabalhadores, prejudicado por uma ordem superior que fira seus direitos

minimamente dignos, deve-se analisar, profundamente e entender o significado da

expressão vida digna.

Assim, a melhor definição acerca do que seja dignidade esta contida nas

palavras de JOSÉ FRANCISCO DE ASSIS DIAS:

A palavra dignidade é um dos grandes sustentáculos da nossa língua e da nossa cultura (...). O significado desta raiz, corresponde ao “ser conveniente, conforme, adequado”. Atribui-se às qualidades, as relações enquanto capazes de conformar-se aos homens e às coisas, às tarefas e às

142 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 9142600-66.2003.5.04.0900. Relator: Ministro Carlos Alberto Reis de Paula. Diário de Justiça da União , Distrito Federal, 06 set. 2007. 143 GUNTHER, 2009, p. 168. 144 ZENNI, Alessandro Severino Valler. O retorno à metafísica como condição para a concretização da dignidade da pessoa humana . Maringá: Cesumar, 2004. p. 8.

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atividades. O significado da palavra “digno” parece ser “justo”. Aquilo que não é “digno” é “injusto”145.

Para o entendimento acerca do princípio da dignidade da pessoa humana,

deve-se levar em conta a existência de proteção ao homem, pois está intimamente

ligado àquele e relacionado à Justiça146.

Nessa mesma esteira, manifesta-se FÁBIO KONDER COMPARATO, in

verbis:

A dignidade transcendente é um atributo essencial do homem enquanto pessoa, isto é, do homem em sua essência, independentemente de suas qualificações específicas de sexo, raça, religião, nacionalidade, posição social, ou qualquer outra. Daí decorre a lei universal de comportamento humano, em todos os tempos, denominada por Kant de imperativo categórico: “age de modo a tratar a humanidade, não só em tua pessoa, mas na de todos os outros homens, como fim, e jamais como meio147.

Por fim, chega-se à conclusão de que a dignidade da pessoa humana

somente se constitui mediante a possibilidade da existência do ser humano de

maneira íntegra; em outras palavras, respeitando sua condição humana, pois a

essência é sempre a mesma, qual seja, o respeito ao homem em sua integralidade,

pois esta dignidade é inerente ao próprio existir do ser humano148.

Ademais, a condição humana para a pessoa portadora do vírus deve ser

considerada na sua essência, levando-se sempre em conta a dor e o sofrimento de

um ser vivente em carregar para toda a vida uma carga possivelmente fatal,

devendo, o empregador propor benefícios aos indivíduos, ou, ao menos, tratá-lo com

igualdade diante de seus semelhantes.

Acerca do tema, preleciona MARCELO DE ALMEIDA VILLANÇA AZEVEDO:

145 DIAS, José Francisco de Assis. Direitos humanos : Fundamentação ontoteleológica dos direitos humanos. Maringá: Unicorpore, 2005. p. 248. 146 SILVA, 2011, p. 18. 147 COMPARATO, Fábio Konder. Fundamentos dos direitos humanos : In cultura dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 73. 148 SILVA, op.cit., p. 13.

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Relativamente às pessoas portadores do vírus da AIDS, é vedada a divulgação de sua condição mórbida, não podendo adentrar-se em sua esfera de confidencialidade, que é reservada ao próprio intelecto. Devem ser observados os sagrados princípios que salvaguardam a dignidade humana de quem quer que seja149.

Assim, a constatação de que o indivíduo é portador de HIV não influencia em

nada a sua vida laboral e, tampouco, coloca em risco a vida de colegas e clientes da

empresa, o qual não interessa a revelação da condição da soropositividade do

empregado que possui amplo direito de decidir a quem deve revelar sua doença.

3.2 GARANTIAS DO TRABALHADOR DECORRENTES DOS DIREITOS DA

PERSONALIDADE

3.2.1 O Direito de não ser Discriminado

O direito de não ser discriminado conquistou status de princípio do Direito do

Trabalho, tamanha sua relevância em um tempo que se pretende a implementação

de um estado de bem-estar social, o que compreende ao direito de não sofrer

nenhuma espécie de segregação em razão de critérios que não sejam efetivamente

técnicos.

Como já apresentado no Capitulo I, MAURICIO GODINHO DELGADO150

define a discriminação como sendo a conduta pela qual se nega ao individuo, diante

de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico

ajustado para a situação concreta por ela vivenciada.

No início da fase da descoberta da doença, aliada a falta de orientações e

informações sobre as formas de contaminação, leva o portador da doença a um

inevitável ciclo discriminatório que pode englobar, inclusive e principalmente, o seu

ambiente de trabalho:

149 AZEVEDO, Marcos de Almeida Villaça. Aids e responsabilidade civil . São Paulo: Atlas, 2002. p. 64. 150 GODINHO, 2009, p. 718.

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Quando se conhece a condição de portador do vírus, a vida pessoal do ser humano sofre um grande alvoroço, face ao desespero que essa ciência incute na sua alma. Daí se iniciam processos de discriminação que atingem o portador, em sua vida profissional e familiar (JORGE NETO, 2009, p.314).

Desse modo, o princípio da “não discriminação” possui grande relevância na

esfera do Direito do Trabalho.

3.2.2 O Direito à Integridade Psicológica

Para muitos, a simples menção da palavra AIDS causa repulsa, sendo

indiscutível que, ainda, a doença seja motivo de segregação e até marginalização

dos infectados, que não raramente continuam equivocadamente sendo associados

ao mundo obscuro da promiscuidade e utilização de drogas.

Sem querer adentrar no vasto campo da psicologia, pode-se afirmar com

certeza que um diagnóstico positivo para o HIV reduz seu portador a um estado de

profunda impotência, vergonha e medo, atos a conduzi-lo a um estado latente de

depressão, ante ao impacto moral, social, profissional e familiar que o sujeita a uma

existência diferenciada da até então vivida, pois, a partir da constatação do vírus no

organismo, além de toda a carga psicológica, deverá lidar com a mudança de um

estilo de vida.

Assevera MARCOS DE ALMEIDA VILLAÇA AZEVEDO que:

[...] o diagnóstico de soropositividade pode ser vivido como um ‘cataclisma apocalíptico’, pois a presença, dentro de si, de um vírus destrutivo produz estupefação no funcionamento mental e lança o sujeito em um precipício desintegrador, sem nenhum ponto onde possa agarrar-se151.

Não se pode olvidar, ademais, que o último século fora marcado pelo culto ao

belo e ao perfeito, não estando a sociedade, principalmente a ocidental, preparada

para conviver com questões relacionadas à morte e, quando somamos esse fator ao

dado de que há milhares de portadores do vírus entre a faixa etária de 20 a 45 anos,

151 AZEVEDO, 2002, p. 62.

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em evidente fase de produtividade, a carga impingida pela moléstia sofre

considerável aumento152.

Inquestionável, por todo o exposto, é a necessidade da manutenção da

integridade psicológica do infectado, para minimizar-lhe os traumas inerentes à sua

condição, de molde a garantir-lhe que nada “possa afetar a saúde mental e o

equilíbrio da pessoa, sendo recomendável a contínua incrementação de

instrumentos sanitários estatais para a preservação da higidez mental do povo”153.

Ainda neste século, até mesmo pelas estreitas vias do contágio, a AIDS é

fator de segregação e, não raro, de marginalização dos seus portadores.

O diagnóstico da doença pode levar o seu portador a uma intensa e profunda

depressão, composta de impotência, vergonha e desesperança perante a família e a

sociedade.

MARCOS DE ALMEIDA VILLAÇA AZEVEDO anota que:

[...] o diagnóstico de soropositividade pode ser vivido como um ‘cataclisma apocalíptico’, pois a presença, dentro de si, de um vírus destrutivo produz estupefação no funcionamento mental e lança o sujeito em um precipício desintegrador, sem nenhum ponto onde possa agarrar-se154.

A situação pode piorar, ainda por muitos outros fatores. A sociedade,

especialmente a ocidental e capitalista, não possui a melhor maneira de lidar com

questões relativas à morte, privilegiando como prioridades o culto à beleza, poder,

etc. associado a este fator é necessário levar em conta que a doença acomete,

principalmente jovens com idades entre 20 (vinte) e 49 (quarenta e nove) anos, e, no

entanto, em plena idade produtiva.

Diversas vezes, no entanto, que a descoberta da enfermidade pode impingir

traumas de toda ordem no individuo, sejam eles transitórios ou permanentes. Daí a

necessidade da manutenção de sua integridade psicológica, lhe advindo o direito a

exigir que não ocorra ou cesse qualquer expediente, nos termos empregados por

CARLOS ALBERTO BITTAR155: que possa atingir a saúde mental e o equilibro do

152 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade . 7.ed. São Paulo: Forense, 2008. p. 121. 153 BITTAR, 2008, p. 121. 154

AZEVEDO, Marcos de Almeida Villaça. Aids e responsabilidade civil . São Paulo: Atlas, 2002. p. 74. 155 BITTAR, 2008, p. 47.

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individuo, sendo aconselhável a contínua incrementação de instrumentos sanitários

estatais para a preservação da higidez mental do povo.

O direito de não sofrer qualquer tipo de humilhação ou chacota, em virtude do

diagnostico positivo da AIDS, principalmente em seu ambiente de trabalho.

3.2.3 O Direito à Intimidade e a Vida Privada

De relevante repercussão empírica, especialmente no meio ambiente de

trabalho, o direito à intimidade e à vida privada como consequências dos direitos da

personalidade são frequentemente discutidos em relação aos soropositivos.

Saliente-se, preliminarmente, que a linha tênue que aparta estas duas figuras

(intimidade e vida privada) quase sempre leva os intérpretes a uma confusão

semântica e não poucas vezes a considerar os dois termos como sinônimos.

LUIZ ALBERTO DAVID ARAÚJO e VIDAL SERRANO NUNES afirmam em

relação à distinção terminológica entre intimidade e vida privada:

Podemos vislumbrar, assim, dois diferentes conceitos. Um, de privacidade, onde se fixa a noção das relações interindividuais que, como as nucleadas na família, devem permanecer ocultas ao público. Outro, de intimidade, onde se fixa uma divisão linear entre o ‘eu’ e os ‘outros’, de forma a criar um espaço que o titular deseja impenetrável mesmo aos mais próximos156.

A intimidade mantém uma relação direta com o direito de se manter invisível

diante aos olhos da sociedade, o direito de guardar algo apenas para si ou manter

restrito aos entes queridos. A linha que separa a intimidade e a vida privada é tênue

e não encontra unanimidade na doutrina.

SÜSSEKIND, apregoando conceito discordante sobre intimidade, a ela se

refere como sendo:

156

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional . 3.ed São Paulo: Saraiva, 2002, p 110.

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[...] tudo aqui que acontece quatro paredes, reservadamente para a própria pessoa ou para o círculo mais restrito de sua família e compreende tanto o ambiente domiciliar quanto o local de trabalho. O ato patronal que invade esses recantos e propaga fatos ou ações antes de domínio restrito, sem o consentimento do trabalhador, ou mesmo versão distorcida do ocorrido, constitui, em princípio, lesão configuradora do dano moral157.

Seguindo os passos de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes

Júnior, REGIANE MARGONAR158 comenta que, o mais adequado, seria se referir

apenas em violação da vida privada do empregado soropositivo e não violação da

intimidade, ao raciocínio que as ofensas aos direitos dos portadores soropositivos,

enquanto funcionários, ocorre em relação a sua vida social e não na intimidade de

sua vida privada.

Tendo em vista os contornos que assume o contrato de trabalho, diante dos

elementos que caracterizam e relação empregatícia, sobretudo a subordinação,

encontra-se o funcionário soropositivo exposto à ofensa do seu direito à invasões ao

seu direito à vida privada. Também o candidato ao trabalho pode sofrer infundadas

invasões ao seu direito de intimidade ou vida particular, todas elas impugnadas pelo

ordenamento jurídico159.

Não tem fundamento nenhum, qualquer atitude empresarial que exija testes

pré-admissionais ou periódicos onde se tenha por intuito verificar a soropositividade

do empregado ou candidato ao emprego.

A Portaria nº. 1246, de 28 de maio de 2010, do Ministério do Trabalho e

Emprego vedou a realização de qualquer exame do trabalhador em relação a AIDS,

seja admissional, durante a relação de emprego ou mesmo demissional.

No entanto, a jurisprudência já vinha proibindo a realização deste tipo de

exame em respeito ao direito do empregado na manutenção de sua vida privada a

salvo de indiscrições, inclusive do empregador, cujo poder de direção não lhe

possibilita a invasão da seara da intimidade de seus subordinados ou candidatos a

um emprego em virtude do direito do empregado ou candidato ao emprego de não

157

SÜSSEKIND, 1996, p. 631. 158 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS . São Paulo: Editora livraria dos tribunais, 2006. p. 114. 159

Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012.

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69

revelar sua suas intimidades que ele não pretende que venha ao conhecimento de

outras pessoas e que somente a ele interessam160.

No que tange ao trabalhador doente de AIDS, comenta MARCELO DE

ALMEIDA VILLAÇA AZEVEDO:

Em relação às pessoas portadoras do vírus da AIDS, é vedada a divulgação de sua condição mórbida, não podendo adentrar-se em sua esfera de confidencialidade, que é reservada ao próprio intelecto. Devem ser pautados os sagrados princípios que tutelam a dignidade humana de quem quer que seja161.

A AIDS em sua fase assintomática em nada incomoda o desempenho da

prestação laborativa e tampouco põe em risco a saúde ou a vida dos colegas de

trabalho e clientes, não interessando a ninguém conhecer da condição de

soropositividade do empregado ou candidato ao emprego, que deve ter o direito de

decidir a quem confidenciar sobre seu estado de saúde.

160

Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012. 161

AZEVEDO, 2002, p. 64.

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4. A PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TR ABALHO (OIT)

E O TRABALHADOR PORTADOR DO HIV/AIDS

4.1 A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – CRIAÇÃO,

COMPOSIÇÃO E DIRETRIZES

4.1.1 A OIT e sua Criação

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) surgiu no final da Primeira

Grande Guerra, em 1919, com a edição do Tratado de Versalhes, cujos signatários

representavam os dez países de maior importância do continente Europeu, além da

participação de outros Estados-Membros como, inclusive, o brasileiro, o qual se fez

presente desde a primeira reunião da Conferência Internacional do Trabalho162.

Órgão vinculado à ONU, sua criação tinha como principal objetivo promover a

Justiça Social, através da representação de trabalhadores, empregadores e

autoridades governamentais, todos com iguais direitos e com a finalidade

estabelecer diretrizes e orientações que visem o alcance da justiça social,

erradicando a opressão econômica e a ausência de oportunidades profissionais, que

geram as mais graves violações aos direitos fundamentais e trabalhistas163.

Sediado, primeiramente em Genebra e, posteriormente, modificado para

Montreal, o Tratado de Versalhes, constituído por seus delegados, adotou a

Declaração da Filadélfia, a qual tornara-se, desde então, a carta de princípios e

objetivos da OIT. Reafirmando, ainda, que a paz permanente baseia-se, somente,

na justiça social164.

A OIT, recentemente, a fim de que todos os Estados membros adotassem,

lançou um Código de Convenções e Recomendações Internacionais Trabalhistas,

162 DELGADO, 2000, p. 97. 163

Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012. 164 História. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/content/hist%C3%B3ria>. Acesso em: 15 maio 2012.

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que versa, especificamente, sobre a liberdade de associação, emprego, política

sindical, condições de trabalho, seguridade social, relações industriais e

administração do trabalho, entre outras, prevendo ainda, por intermédio de uma rede

de escritórios especializados em mais de quarenta países, a assistência técnica,

assessoria e capacitação de seus membros165.

Os membros da OIT, desde o seu nascimento, procuraram adotar,

aproximadamente, 188 Convenções Internacionais a respeito do trabalho e 200

Recomendações sobre inúmeros temas relacionados ao trabalhador, ao emprego,

segurança no trabalho.

Assim, em 1998, a Conferência Nacional do Trabalho aprovou a Declaração

dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho que versa sobre os quatro

princípios essenciais a que todos os membros da OIT estão sujeitos, ou seja, a

liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a

eliminação de todas as formas de trabalho forçado, a efetiva abolição do trabalho

infantil e a eliminação de todas as formas de discriminação no emprego ou

ocupação166.

Assim, diante da rápida globalização, bem como do surgimento de

dificuldades e déficits das políticas em matéria de crescimento do emprego, a OIT,

visando à promoção de oportunidades de emprego digno e produtivo aos cidadãos,

instituiu o Trabalho Decente como objetivo central de todas as suas políticas e de

todos os seus programas167.

A OIT, tem fundamental importância para que se estabeleça um padrão

mundial de tutela aos direitos mínimos dos trabalhadores.

4.1.2 Estratégia, Objetivos e Composição

A noção de Trabalho Decente comporta a promoção de oportunidades para

mulheres e homens da sociedade mundial conseguir um trabalho produtivo,

adequadamente remunerado, podendo exercer em condições de liberdade, 165 OIT Organização Internacional do Trabalho. Organização das Nações Unidas . Set.2005. Disponível em: < http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/>. Acesso em: 18 setembro 2012. 166 OIT Organização Internacional do Trabalho. Organização das Nações Unidas. Set.2005. Disponível em: < http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/>. Acesso em: 18 setembro 2012. 167 OIT Organização Internacional do Trabalho. Organização das Nações Unidas. Set.2005. Disponível em: < http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/>. Acesso em: 18 setembro 2012.

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segurança, equidade e dignidade, sendo este tópico o eixo central dos objetivos

estratégicos da OIT168.

A referida estratégia divide-se em quatro objetivos específicos criados pela

OIT, a saber: o respeito às normas internacionais do trabalho, focalizando os

princípios e direitos fundamentais do trabalho, a promoção do emprego de

qualidade, a extensão da proteção social e, por fim, o fortalecimento do diálogo

nacional.

A OIT é formada por três órgãos sendo. São eles: Conferência ou Assembleia

Geral, Conselho de Administração e Repartição Internacional do Trabalho.

A Assembleia Internacional é constituída por representantes dos Estados-

membros.

No mínimo, uma vez por ano, as sessões são realizadas. Nessas sessões

são estabelecidas regras no âmbito da OIT.

São nesses momentos que são elaboradas as convenções e recomendações

internacionais da OIT. As Convenções e as Recomendações constituem os

principais instrumentos de atuação da OIT junto aos seus Estados-membros.

4.2 AS CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES DA OIT E A TUTELA DO

TRABALHADOR PORTADOR DO HIV/AIDS

4.2.1 A Distinção Entre as Convenções e as Recomendações

Os membros da OIT criaram, com o intuito de instrumentalizar juridicamente o

direito do trabalho, normas internacionais, as quais, estabelecem condições e

princípios básicos sobre o direito dos trabalhadores, dividindo-se em Convenções

168 OIT Organização Internacional do Trabalho. Organização das Nações Unidas. Set.2005. Disponível em: < http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/>. Acesso em: 18 setembro 2012.

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(Tratados Internacionais legalmente vinculativos) e Recomendações (diretrizes não

vinculantes) a serem seguidas por seus estados componentes169.

Ambas, são criadas pelos governos representativos das classes de

trabalhadores e empregadores, que se reúnem anualmente na Conferência

Internacional do Trabalho da OIT. Quando adotadas pelos seus membros, são

submetidas à autoridade competente, ou seja, geralmente o Parlamento, para o

exame detalhado170.

Segundo a própria OIT define, Convenções171 seriam Tratados Internacionais

que, uma vez ratificados pelos Estados-Membros, passam a integrar a legislação

nacional.

A aplicação das normas pelos países é examinada por uma Comissão de

Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT que recebe e avalia

queixas, dando-lhes seguimento e produzindo relatórios de memórias para

discussão, publicação e difusão.

As Convenções prelecionam, basicamente, os princípios a serem aplicados

pelos Países Membros nas suas legislações e práticas nacionais, proporcionando

diretrizes mais detalhadas sobre sua aplicação, muito embora, para que haja

obrigatoriedade, necessário se faz a ratificação dessas Convenções por seus

membros, entrando em vigor um ano após este ato, devendo ainda, o país aderente,

encaminhar ao Secretário da Organização Internacional, em intervalos regulares, as

memórias de aplicações da Convenção, sob pena de responder a procedimentos

reclamatórios referentes às violações das normas internacionais172.

169 Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012. 170 Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012. 171 OIT Organização Internacional do Trabalho. Organização das Nações Unidas. Set.2005. Disponível em: < http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/oit/>. Acesso em: 11 setembro 2011. 172 Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012.

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74

Já, as Recomendações173 seriam as normas da OIT que não obtiveram um

número suficiente de adesões para que elas viessem a transformar-se numa

Convenção, mas possuem natureza autônoma, ou seja, não vinculativas a nenhuma

convenção.

Para tanto, passa a ter validade apenas como sugestão ao Estado, como

mera indicação, a fim orientar seu direito interno. Ela não é ratificada pelo Estado-

Membro, ao contrário do que ocorre com a Convenção, mas é submetida à

autoridade competente no direito.

A Convenção passa a ter vigência no direito interno do Estado após doze

meses de sua ratificação, enquanto não existir ainda uma harmonização quanto à

integração das recomendações em nosso ordenamento jurídico.

Relativamente ao trabalhador portador do HIV, temos na OIT a Convenção nº

111, ratificada pelo Brasil, que proíbe a discriminação no emprego, a Convenção

158, que veda a despedida arbitrária mas que não se encontra atualmente em

vigência no país, ambas de referência genérica, uma vez que se aplicam também a

outras hipóteses de discriminação e despedida arbitrária e a Recomendação 200,

ratificada pelo Brasil e destinada especificamente ao trabalhador soropositivo e que

busca estabelecer condições de trabalho dignas ao portador do HIV174.

O ratificação as Convenções e cumprimento das Recomendações da OIT,

impõe ao Estado-Membro não só condição de Estado Democrático de Direito como

também de respeitador dos Direitos Humanos.

4.2.2. A Aplicabilidade das Convenções e Recomendações no Direito Brasileiro

Invocando o processualista GIUSEPPE CHIOVENDA, Jurisdição é:

A função estatal que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei, mediante a substituição, pela atividade dos órgãos públicos, da atividade de

173 Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011. 174

Convenções e recomendações. Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho , distrito Federal, set.2012. Disponível em: <http://www.aljt.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=34>. Acesso em: 30 setembro 2012.

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particulares ou de outros órgãos públicos, quer para afirmar a existência da vontade da lei, quer para torná-la praticamente efetiva175.

A jurisdição consiste na substituição definitiva e obrigatória da atividade

intelectiva do juiz à atividade intelectiva, não só das partes, mas de todos os

cidadãos, no afirmar existente ou não existente uma vontade concreta de lei

concernente às partes.

Segundo MOACYR AMARAL DOS SANTOS:

A jurisdição é uma das funções da soberania do Estado, função de poder, do poder Judiciário, consistindo no poder de atuar o direito objetivo, que o próprio Estado elaborou, compondo os conflitos de interesses e dessa forma resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei176.

Aliado ao conceito de jurisdição, temos que essa função do Estado deve ser

exercida, quando se tratar de Direito do Trabalho, de acordo com as peculiaridades

do processo trabalhista e do próprio direito material, caracterizado, sobretudo, por

diretrizes de proteção ao trabalhador e de normas imperativas177.

Nesse contexto, e relativamente à interpretação do Direito a ser aplicada ao

contrato de trabalho, tem-se que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),

quando possui regras próprias, afastaria a aplicação do direito comum.

Impõe-se que a análise acerca da Lei aplicável ao contrato de trabalho, deve

primeiramente ser interpretada à luz da Constituição e da CLT, que disciplinam os

direitos e obrigações das partes no contrato de trabalho.

Não obstante o princípio predominante da aplicação da lei junto ao contrato

de trabalho ser o da territorialidade, algumas situações são consideradas exceção,

uma vez que a peculiaridade o afasta, justificando-se, basicamente, em razão da

hipossuficiência do trabalhador.

Essa constatação restou bem sintetizada no entendimento de ARNALDO

SÜSSEKIND, sobre o tema:

Reconhecendo, embora, a importância dos aspectos econômicos que fundamentam o Direito Internacional do Trabalho, afigurasse-nos, todavia,

175 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil . 2.ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 17. 176

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil . 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 67. 177

CHIOVENDA, op.cit., p. 17.

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que seu principal esteio é de caráter social e concerne à universalização dos princípios da Justiça Social e da dignificação do trabalhador178.

É certo que razões de ordem econômica constituíam sério obstáculo à

consecução desses ideais; mas são exatamente esses ideais que configuram a

finalidade preponderante do direito universal do trabalho.

Nesse caso, as condições mais vantajosas ao trabalhador prevaleceriam,

caso a legislação estrangeira fosse contrária à nacional, e não violasse a ordem

pública.

De acordo com ARNALDO SUSSEKIND179, as Convenções da OIT, quando

ratificadas pelo Brasil, constituem autênticas fontes formais de direito.

No entanto, as recomendações aprovadas pela Conferência Internacional do

Trabalho atuam apenas como fontes materiais de direito, porque servem de

inspiração e modelo para a atividade legislativa.

Sobre a sua vigência no Brasil, o mesmo autor prossegue:

(...) as recomendações, por tratarem, como geralmente ocorre, de matéria sobre a qual à União Federal compete legislar, devem ser submetidas ao Congresso Nacional, para que delas tome conhecimento e promova ou não, total ou parcialmente, com a sanção do Presidente da República, a conversão de suas normas em lei. Excepcionalmente, quando a recomendação versar matéria da competência dos decretos executivos ou regulamentares, caberá apenas ao Presidente da República adotar as medidas adequadas que entender (art. 84, IV, da CF)180.

Ainda a respeito da aplicabilidade das Recomendações da OIT, é importante

destacar que o Brasil parece ainda não ter definido bem como se devem receber as

recomendações da OIT em seu ordenamento jurídico, fato esse já identificado por

LUIZ EDUARDO GUNTHER e JORGE FONTOURA181, quando da análise da

aplicabilidade da Recomendação nº 190 no país.

178

SUSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho . 22.ed. São Paulo: LTR, 2005. p. 1570. 179 Ibid, p. 336. 180

CHIOVENDA, 2000, p. 17. 181 FONTOURA, Jorge; GUNTHER, Luiz Eduardo. A natureza jurídica e a efetividade das recomendações da OIT . 3.ed. Curitiba: Editora revista da faculdade de direito da UFPR, 2001. p. 32. 101. CHIOVENDA, op.cit., p. 17.

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Acredita-se que, relativamente à aplicabilidade das Convenções e

Recomendações da OIT pela Jurisdição brasileira, estas teriam sua eficácia interna

prevista no § 2º, do artigo 5º, da Constituição de 1988, que assim estabelece: “Os

direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do

regime e princípios por ela adotados, ou os tratados internacionais em que a

República Federativa do Brasil seja parte”182.

Nesse sentido, os tratados e convenções, em que o Brasil foi signatário, não

teriam a necessidade de lei infraconstitucional, quando se tratar de direitos

fundamentais.

Sobre a interpretação do texto constitucional, LENIO LUIZ STRECK183 ensina

que “se alguém pensar que pode primeiro interpretar a Constituição para depois

aplicá-la, é porque ainda está preso às amarras da hermenêutica clássica”.

Também, FLÁVIA PIOVESAN comunga do mesmo entendimento:

Inadmissível, por consequência, a inércia do Estado quanto à concretização de direito fundamental, posto que a omissão estatal viola a ordem constitucional, tendo em vista a exigência de ação, o dever de agir no sentido de garantir direito fundamental. Implanta-se um constitucionalismo concretizador dos direitos fundamentais184.

Cabe aos Poderes Públicos conferir eficácia máxima e imediata a todo e

qualquer preceito definidor de direito e garantia fundamental.

Esse princípio intenta assegurar a força dirigente e vinculante dos direitos e

garantias de cunho fundamental, ou seja, objetiva tornar tais direitos prerrogativas

diretamente aplicáveis pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

O Supremo Tribunal Federal tem entendido que a ratificação pelo Brasil de

um Tratado Internacional, passa a fazer parte do direito interno brasileiro, como

legislação ordinária, sem garantia de qualquer privilégio hierárquico a eles.

Não obstante essa interpretação do Supremo tem-se que, quando a

Constituição incorpora em seu texto direitos fundamentais provenientes de tratados,

está ela própria atribuindo-lhes uma natureza especial e diferenciada, qual seja ‘a

182

CHIOVENDA, loc.cit. 183 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica em crise : Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Editora livraria do advogado, 2005. p. 322. 184

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Interna cional. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 35-36.

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natureza de norma constitucional’, passando tais direitos a integrar o elenco dos

direitos constitucionalmente protegidos, e nos termos do artigo 60, § 4º, IV,

denominados como ‘cláusulas pétreas’.185

Finalmente, se verifica que os direitos humanos sobrepõem todos os seus

impeditivos, mesmo aqueles constitucionais, o que determina que um tratado

internacional de proteção a direitos humanos possa ampliar a previsão

Constitucional, e em razão do contido no artigo 5º, § 2º, impõe a modificação do

próprio texto constitucional.

4.2.3 Convenção 111 e a Discriminação nas Relações de Trabalho

A Convenção 111 da OIT186, ratificada pelo Brasil, busca o combate a todas

as práticas discriminatórias na relação de trabalho estabelecendo, em seu artigo 1º,

a discriminação como o seguinte conjunto de práticas:

a) Toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo,

religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito

destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de

emprego ou profissão;

b) Toda e qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito

destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de

emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Estado-Membro

interessado depois de consultadas as organizações representativas de patrões e

trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.

Relativamente à sua interpretação no âmbito interno, tem-se que a questão

deveria ser regulamentada pela legislação ordinária para aplicação específica aos

portadores do HIV, coibindo as demissões imotivadas e discriminatórias, impondo

sanções com o objetivo de inibir tais condutas.

Ademais, a referida Convenção aborda que a discriminação refere-se à

violação dos direitos humanos, elencados na Declaração Universal dos Direitos

Humanos, obrigando os países-membros a adotarem uma política com o intuito de

185

MARTINS, Sergio Pinto. Convenções da OIT . São Paulo: Atlas, 2009. p. 354. 186 Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011.

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promoverem a garantia aos direitos de igualdade, oportunidade e tratamento em

matéria de emprego e profissão, elencado em seu art. 2º.

Partindo dessa premissa, a Organização Mundial da Saúde e a Organização

Internacional do Trabalho criaram, acertadamente, a Declaração da Reunião

Consultiva da AIDS e o Local de Trabalho, tratando, especificamente das condições

laborais para o portador de HIV, declarando, ainda por cima, a inexistência de

qualquer risco de contaminação ou transmissão do vírus de um empregado

contaminado a um cliente ou aos seus pares187.

Assim, a citada declaração prioriza o tratamento igualitário dos soropositivos

com os outros empregados, devendo o empregador, contando com a ajuda de

sindicatos trabalhistas e do Governo, respeitando sempre o direito de sigilo,

desprender principal atenção a eles, com o fim de erradicar o preconceito e a

discriminação no ambiente de trabalho, determinando e estudando as medidas

educacionais a serem adotadas a fim de informar corretamente, se necessário, os

trabalhadores não infectados, para que estes procurem adotar atitudes humanitárias

e éticas no tratamento ao portador do vírus188.

A Convenção 111 dá enfoque à criação de novas leis, determinando a

vedação às atividades de discriminação, bem como a revogação de disposições

discriminatórias, priorizando, ainda, a aplicação e a fiscalização dessas leis.

Isso porque a pessoa portadora do HIV pode ser alvo de discriminação em

qualquer momento do contrato de trabalho, ou seja, na admissão (quando o

empregador pergunta acerca da doença, exigindo exames de saúde), em seu curso

(a exclusão do soropositivo do ambiente de trabalho pelos seus colegas ou que este

desempenhe funções inferiores devido à doença, determinado pelo empregador) ou

no momento de dispensa (quando o empregador o dispensa após notificar que o

trabalhador é portador do vírus)189.

Mesmo diante da ausência de regulamentação da questão no âmbito do

direito interno, a ratificação pelo Brasil impõe a sua integração em nosso

ordenamento jurídico e, portanto, nos termos da Convenção, a prática de referidos

atos assume um caráter pejorativo e ilícito. 187 ALVES, Rubens Valtecides. O Princípio da não discriminação no emprego . Dissertação Mestrado. São Paulo: PUC, 2001. 188 SOUZA, Mauro Cesar Martins de. AIDS e suas implicações nas relações de emprego sob a óptica das garantias fundamentais do vírus hiv, no direito do trabalho brasileiro . Tese de Doutorado. São Paulo: PUC, 2001. 189 ALVES, 2009. p. 34.

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80

A questão relativa à discriminação do trabalhador combatida pela

recomendação 111, da OIT, deve também ser analisada sob o enfoque da Lei 9.029,

de 13 de abril de 1995, conforme já abordado no Capítulo II.

A referida lei veda, mesmo que de forma concisa, a prática de qualquer ato

discriminatório e que limite o acesso do trabalhador ao emprego almejado; contudo,

não colocou em seu texto, expressamente, a questão da discriminação em relação

aos trabalhadores que possuem estado de saúde precário.

Haja vista este infortúnio, se estabelece que se essa lei não discriminou

expressamente a determinação, sendo ela de natureza penal, não suporta

interpretação extensiva190.

Entretanto, para que tenha eficácia com relação aos trabalhadores doentes,

necessário é a utilização da Convenção 111 da OIT cumulada com os artigos da

Constituição Brasileira.

Por se tratar, a citada Convenção, de uma norma proibitiva à discriminação na

formação profissional, permitindo, assim, aos estados-membros a possibilidade de

acrescentar como discriminatório qualquer ato de exclusão que confronte

diretamente o princípio da igualdade nas relações de trabalho, sendo, perfeitamente

aplicável a esse ponto a vedação à discriminação aos portadores de HIV191.

Ademais a Convenção 150 da OIT complementa a Convenção 142, ambas

ratificadas no Brasil, em que sugere que sejam adotadas medidas a fim de garantir a

reintegração dos trabalhadores que possuem inferioridade física no ambiente de

trabalho, estendendo, dessa forma, aos soropositivos192.

Combater a discriminação e desigualdades não esta apenas relacionado ao

cumprimento das mencionadas Convenções da OIT esta sobretudo vinculado ao

cumprimento da Constituição de 1988.

4.2.4 Convenção 158 e a Garantia Contra a Dispensa Imotivada

190 ALVES, loc.cit. 191 SOUZA, 2001. p. 43. 192 SOUZA, loc.cit.

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81

A Convenção 158 da OIT193 assinada em Genebra, Suíça, dispõe a respeito

da extinção da relação de emprego por iniciativa do empregador.

Não obstante o Decreto Legislativo 68, de 17 de setembro de 1992, tê-la

aprovado, deixou o Poder Executivo de depositar o instrumento de ratificação junto à

OIT, o que ocorreu tão somente em janeiro de 1995.

Conforme estabelece o disposto no artigo 16 da própria Convenção, a entrada

em vigor junto aos estados-membros dar-se-ia doze meses após a sua ratificação, o

que, no Brasil, ocorreu em 5 de janeiro de 1996.

Tendo o decreto de promulgação sido publicado em 10 de abril de 1996, esta

passou a ter vigência no país até 20 de novembro de 1996, quando então o poder

executivo, através de comunicado à OIT, e do Decreto 2.100, de 20 de dezembro de

1996, promoveu a denúncia da Convenção tendo como motivo justificador a politica

de ‘reforma econômica e social e de modernização’, o que praticou efeitos a partir de

20 de novembro de 2006, ante a previsão do artigo 17 da Convenção194.

A Convenção 158 da OIT, não obstante ter encerrado sua oficial vigência no

país em 20/11/1997, teria a sua aplicabilidade em plena consonância com os

ditames da Constituição de 1988, sobretudo, considerando o artigo 7º, inciso II,

norma de conteúdo programático, capaz de produzir efeitos, e de eficácia

mediata195.

Como já mencionado anteriormente, a Constituição de 1988 estabelece como

um de seus princípios fundamentais e consagrados a Igualdade.

Neste sentido ainda o artigo 7º, inciso I, veda a chamada despedida arbitrária,

o que importaria em estabelecer que todo ato de ruptura contratual que não tivesse

uma motivação, seria por conclusão lógica uma ofensa ao dispositivo

constitucional196.

Ocorre que, para a maioria dos intérpretes do Direito, a regra insculpida no

artigo 7º, inciso I, da Constituição de 1988, seria uma norma de eficácia limitada ou

ainda condicionada a regulamentação, o que importaria em estabelecermos que a

193 Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011. 194

SOUZA, op.cit., p. 42. 195

SOUZA, 2001. p. 43. 196

SOUZA, loc.cit.

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82

despedida sem justa causa seria modalidade diversa da chamada despedida

arbitrária197.

Sendo assim, a dispensa sem justa causa estaria autorizada pelo poder

potestativo do empregador, devendo este indenizar o empregado que tem

assegurado o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o acréscimo sobre o Fundo

de Garantia do Tempo de Serviço previsto no artigo 10, inciso I, do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, o aviso prévio, a remuneração das férias

vencidas e proporcionais e o 13º salário proporcional198.

Em contrapartida, temos também aqueles que interpretam ser auto-aplicável a

regra constitucional, o que ensejaria na impossibilidade do empregador se utilizar da

despedida sem justa causa como forma de extinguir o contrato de trabalho.

Nessa linha de raciocínio temos a lição de LEONARDO VIEIRA WANDELLI:

A racionalidade formal-positivista põe-se a serviço da banalização da despedida injusta, à medida que bloqueia a normatividade dos princípios e direitos fundamentais que permitiriam coibir-se a despedida em uma série de casos em que ela é tratada como simples e neutro exercício de um direito potestativo pelo empregador199.

A despedida arbitrária ou sem justa causa, portanto, não se constitui em

direito potestativo do empregador, é um ilícito. E se o empregador não tem direito a

despedir arbitrariamente, logo ele não pode abusar do direito (que não tem) de

despedir. Logo, a despedida sem justa causa importaria, mesmo que indenizado o

empregado, um ato de abuso de direito, agravado pela vulnerabilidade do

empregado portador do HIV, que deverá estar protegido deste ato unilateral do

empregador.

4.2.5 Recomendação 200, o HIV e o Mundo do Trabalho

197

Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011. 198

Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011. 199

WANDELLI, Leonardo Vieira. Despedida abusiva : O direito (do trabalho) em busca de uma nova racionalidade. São Paulo: Editora livraria dos tribunais, 2004. p. 88.

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83

A Recomendação 200, da OIT200, é sem dúvida alguma a diretriz mais

específica acerca do tema, uma vez que de forma taxativa apresenta

recomendações práticas no intuito de garantir condições de trabalho dignas às

pessoas portadoras do HIV.

Contudo se destaca na Recomendação 200 a orientação aos Estados-

membros a adotarem políticas nacionais para a proteção do empregado portador do

HIV, bem como que os Estados criem instrumentos para a aplicação de tais regras.

A Recomendação 200 estabelece como princípios norteadores da relação de

trabalho do portador do HIV201:

a) a resposta ao HIV e à AIDS deveria ser reconhecida como uma

contribuição para a concretização dos direitos humanos, das liberdades

fundamentais e da igualdade de gênero para todos, incluindo os trabalhadores, suas

famílias e dependentes;

b) o HIV e a AIDS deveriam ser reconhecidos e tratados como uma questão

que afeta o local de trabalho, a ser incluída entre os elementos essenciais da

resposta nacional, regional e internacional para a pandemia, com plena participação

das organizações de empregadores e de trabalhadores;

c) não deveria haver discriminação ou estigmatização dos trabalhadores, em

particular as pessoas que buscam e as que se candidatam a um emprego, em razão

do seu estado sorológico relativo ao HIV, real ou suposto, ou do fato de pertencerem

a regiões do mundo ou a segmentos da população considerados sob maior risco ou

maior vulnerabilidade à infecção pelo HIV;

d) a prevenção de todos os meios de transmissão do HIV deveria ser uma

prioridade fundamental;

e) os trabalhadores, suas famílias e seus dependentes deveriam ter acesso

à serviços de prevenção, tratamento, atenção e apoio em relação a HIV e AIDS, e o

local de trabalho deveria desempenhar um papel relevante na facilitação do acesso

a esses serviços;

f) a participação dos trabalhadores e o seu envolvimento na concepção,

implementação e avaliação dos programas nacionais sobre o local de trabalho

deveriam ser reconhecidos e reforçados;

200 OIT. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11/11/2011 201 http://www.oitbrasil.org.br/content/recomenda%C3%A7%C3%A3o-sobre-o-hiv-e-aids-e-o-mundo-do-trabalho

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g) os trabalhadores deveriam beneficiar-se de programas de prevenção do

risco específico de transmissão pelo HIV no trabalho e de outras doenças

transmissíveis associadas, como a tuberculose;

h) os trabalhadores, suas famílias e seus dependentes deveriam gozar de

proteção da sua privacidade, incluindo a confidencialidade relacionada ao HIV e à

AIDS, em particular no que diz respeito ao seu próprio estado sorológico para o HIV;

i) nenhum trabalhador deveria ser obrigado a realizar o teste de HIV ou

revelar seu estado sorológico para o HIV;

j) as medidas relativas ao HIV e á AIDS no mundo do trabalho deveriam

fazer parte das políticas de desenvolvimento e dos programas nacionais, incluindo

aquelas relacionadas ao trabalho, educação, proteção social e saúde; e

k) proteção dos trabalhadores em ocupações particularmente expostas ao

risco de transmissão do HIV.

As políticas a serem implementadas devem promover o combate e a

prevenção do HIV através de legislação interna específica sobre o tema, impondo a

atenuação do impacto da AIDS no mundo do trabalho, promovendo-se a assistência

e o apoio aos trabalhadores infectados e afetados e buscando-se a eliminação do

estigma e da discriminação com o intuito de fortalecer a proteção e a dignidade dos

empregados e de todas as pessoas que convivem com ele.

Estabelece assim as seguintes políticas:

a) adotar políticas e programas nacionais relativos ao HIV e à AIDS e o

mundo do trabalho e à segurança e saúde no trabalho onde estes ainda não

existam;

b) integrar suas políticas e programas sobre o HIV e a AIDS e o mundo do

trabalho nos planos de desenvolvimento e nas estratégias de redução da pobreza,

notadamente na estratégias relativas ao trabalho decente, às empresas sustentáveis

e à geração de renda, conforme o caso.

A recomendação enfatiza que tais medidas se tomadas no local de trabalho,

ou através dele, teriam como objetivo reduzir a transmissão do HIV e atenuar o seu

impacto, garantindo o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais,

assegurando a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, garantindo

ações para prevenir e proibir a violência e o assédio no local de trabalho,

promovendo a participação ativa de mulheres e homens na resposta ao HIV e à

AIDS, promovendo o envolvimento e o empoderamento de todos os trabalhadores,

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independentemente da sua orientação sexual ou porque façam ou não parte de

grupos vulneráveis, promovendo a proteção da saúde sexual e reprodutiva e os

direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e homens, garantindo a efetiva

confidencialidade dos dados pessoais, inclusive dos dados médicos.

Esta Recomendação representa um grande avanço na defesa dos

interesses do trabalhador.

Por meio de programas informativos, é possível conscientizar a sociedade

de que a AIDS não é uma punição ou castigo, e, sim, uma enfermidade. Apesar da

sua incurabilidade, com os avanços da medicina, pode-se levar uma vida normal,

por tempo indeterminado, sendo esta hoje, uma doença crônica. Desse modo, a

prevenção será mais eficiente, e as vítimas desta doença não terão medo de

procurar tratamento, nem de serem rotulados como pessoas promíscuas ou

marginais. A adoção de tal comportamento, os portadores de HIV terão mais

oportunidades de levar uma vida normal como qualquer outro indivíduo202.

A Recomendação 200 corresponde a importante ferramenta para a inclusão

do portador do HIV no mercado de trabalho.

4.2.6 A Questão Peculiar Envolvendo os Profissionais de Saúde

Conforme abordado interiormente, o Brasil tem como um de seus

fundamentos o valor social do trabalho (art. 1º, IV), bem como a valorização do

trabalho humano como fundamento da ordem econômica e a busca do pleno

emprego (art. 170) e o trabalho como base da ordem social (art. 193), com o objetivo

de assegurar a todos uma existência digna, promover o bem de todos, reduzir as

desigualdades sociais e construir uma sociedade livre justa e solidária.

Ocorre que, numa analise abrangente onde outros princípios constitucionais

também são analisados, poderíamos enfrentar um aparente conflito na medida em

que alguns trabalhadores portadores do HIV ao exercerem determinada atividade

profissional poderiam estar gerando risco de contaminação do vírus a outras

pessoas.

202

Discriminação em matéria de emprego e ocupação. OIT Organização Internacional do Trabalho , Distrito Federal. ago.2010. Disponível em: <http://www.oit.org.br/node/472>. Acesso em: 11 novembro 2011.

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86

Um assunto que merece uma abordagem por sua importância na vida pratica

pois em razão do procedimento a ser tomado pelos empregadores quando

constatado o HIV em um de seus empregados.

Tal exemplo é mais comumente verificado na relação de trabalho onde o

profissional do ramo da saúde (médico, enfermeiro, dentista, etc.) portador do HIV,

estaria eventualmente produzindo o risco de contaminação a terceiros quando de

seu contato com os pacientes, em razão de ser o sangue um dos principais meios

de contaminação.

Nessa situação primeiramente deve se considerar que existem consideráveis

evidências clínicas e epidemiológicas mostrando que o HIV não se transmite pelo

trato respiratório ou por contato casual qualquer que seja a situação (em escolas, no

ambiente familiar ou no trabalho). Como em outras tantas doenças, o profissional de

saúde infectado deverá continuar trabalhando enquanto sua condição física o

permitir203.

Destaca-se ainda que muitos dos procedimentos de contato com sangue e

outras secreções corpóreas acontecem em várias outras situações não cirúrgicas,

no sentido estrito do termo. Entre elas: colheita de sangue, atendimentos em Centro

de Terapia Intensiva (CTI), atendimentos em pronto-socorro, e em necropsias.

Sendo que a restrição ao trabalho destes profissionais infectados não seria o

único, nem o mais eficaz método de reduzir o risco de transmissão do HIV do

profissional para o paciente.

Traria impacto muito mais efetivo nesses casos, a ocorrência de uma melhor

definição dos procedimentos invasivos com risco de transmissão, identificação dos

fatores associados com risco de exposição sangue-sangue, com modificação dos

mesmos, e maior exigência às indústrias de equipamentos médicos quanto ao item

biossegurança.

Tais procedimentos sim importariam na redução do risco de transmissão

ocupacional do HIV do que a proibição de exercício profissional ao trabalhador

infectado.

Ademais o afastamento do trabalho, destes profissionais criaria uma falsa

sensação de segurança nos pacientes em relação aos verdadeiramente

soronegativos ou com teste falso-negativo.

203 GRECO DB, Castro Neto M. O caso da AIDS: epidemia da doença, epidemia do medo e seus subprodutos. In: Rigotto R (Coord.). Isto é trabalho de gente . São Paulo: Tupinambras, 1993.

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87

Por fim, se a uma severa politica de precaução não for adotada, o risco de

contaminação em procedimentos como de pronto-socorro, ainda que pequeno,

permanecerá.

Seria impossível, nestes casos, estabelecer uma condição que não venha a

estabelecer uma ofensa a direitos fundamentais do profissional infectado pelo HIV

ou com AIDS.

O risco de infecção é mínimo em geral e, provavelmente, será quase nulo na

maior parte dos procedimentos, desde que as medidas cautelares como o

treinamento a existência de condições de trabalho suficientes para a salvaguarda

de todas as medidas .Sendo assim, e estabelecido que o risco de contaminação

pelo HIV por meio de procedimento do profissional de saúde é extremamente baixo,

desde que as precauções devidas, e estabelecidas a este profissional a ampla tutela

para o exercício de suas atividades profissionais204.

Desta forma a adoção da Recomendação 200, que estabelece dentre outras

medidas a proteção da sua privacidade, incluindo a confidencialidade relacionada ao

HIV e à AIDS e sobretudo na medidas de proteção dos trabalhadores em ocupações

particularmente expostas ao risco de transmissão do HIV, que é o presente caso.

204

GERBERDING, J.L.: SANDE, M.A. Care providers infected with HIV. In: COLEN, P.T.; SANDE, M.A.; VOLBERDING, P.A. (Coord.). The AIDS knowledge base . Massachusetts: The Medical Publishing Group, 1990.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde que se têm noticias da existência do homem, há também notícias de

desumanidade e bons gestos, do mal e do bem, do egoísmo e da solidariedade, da

vida e da morte. Desse modo, é o ser humano: ambíguo, imprevisível,

surpreendente, mutável. O aspecto negativo da natureza humana é o que se

destaca e fica em evidencia quase como rotineira. Povos e comunidades se

destroem por crença, ódio, orgulho e a falta de tolerância.

Não se pode negar a evolução do ser humano, com seus comportamentos

positivos de amor e seus exemplos de solidariedade. Sua história social, cultural e

política deixa evidente a dimensão ética e solidária existente na atualidade. No

entanto, sempre houve lutas por poder e glória. Os detentores do poder agiam em

prejuízo dos mais fracos, que eram influenciados sobre o que era certo e o que era

errado com as conveniências dos poderosos. Também o efeito dessa influência está

nos preconceitos e nas indiferenças existentes, nos dias de hoje, contra aqueles que

se atreveram a não seguir os padrões preestabelecidos.

A AIDS trouxe consigo uma gama de reações, que pela falta de conhecimento

e informação e pelas teorias mistificadoras associadas a ela, causou grandes

ofensas aos Direitos Humanos. Sua natureza contagiosa, sua incurabilidade e

consequências fatais para aqueles que a contraem, tomadas em conjunto,

formalizaram uma definição em relação à enfermidade. Apesar de tais

peculiaridades referirem-se a informações científicas, os preconceitos advindos em

torno dele levaram a graves ofensas dos direitos humanos.

A Síndrome se mostra como uma grande barreira, na era moderna dos

direitos humanos. Sua incidência gerou uma grande preocupação em relação às

suas regras e princípios, no que se refere à saúde pública, a dignidade da pessoa

humana e á não discriminação. A enfermidade tem peculiaridades próprias:

objetivas, do ponto de vista prático, como o tratamento direto pelos médicos, o

perigo de contágio e a higiene adequada; subjetivas, do ponto de vista da situação

delicada, que assume o portador do HIV/AIDS, dos preconceitos e da iminência do

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óbito. O doente deve ser tratado com especial atenção e ter sua cidadania

preservada, não sofrendo discriminações e sendo respeitado dignamente,

principalmente pelo Estado e seus órgão de saúde.

Desde o surgimento dos primeiros casos de AIDS, no final da década de

setenta, Século XX, essa grave enfermidade se propagou ligeiramente por vários

países e passou a constituir um dos mais importantes problemas de saúde pública

em nível global, particularmente pela sua grande letalidade.

Hoje, não se pode mais falar em grupo de risco, pois qualquer pessoa que

não se protege durante a relação sexual poderá estar sob o risco de contaminação.

A AIDS é uma doença que se desenvolve muito lentamente no organismo. A

doença já pode estar bastante tempo no organismo, antes de surgirem os primeiros

sintomas.

Uma pessoa portadora do vírus poderá ficar até 10 (dez) anos sem

desenvolver a doença e apresentar seus principais sintomas. Isso se deve ao fato de

o sistema imunológico do indivíduo ir controlando o vírus.

Chega um estágio em que o vírus ataca o sistema imunológico de maneira

intensa, começando a surgir os primeiros sintomas.

O Estado Democrático de Direito pressupõe justiça e igualdade, tendo

fundamento na vontade soberana do povo e visa a proteção do homem, sua

dignidade e seus direitos.

A relevância do Poder Judiciário exprime de forma essencial, e até mesmo

fundamental, no contexto da AIDS. A luta pela conquista dos direitos dos portadores

iniciou-se com aqueles que eram diretamente atingidos pela enfermidade, tanto no

sentido biológico, como no sentido moral.

É essencial a presença do Estado e fundamental para que haja proteção dos

direitos dos portadores do HIV.

Como resultado de tais medidas, a atuação do Poder Judiciário tornou-se

essencial para a efetivação dos direitos dos portadores do HIV.

O Direito do Trabalho é o conjunto de normas jurídicas destinadas a regular

as relações entre tomadores de serviços e trabalhadores, e, além disso, outros

aspectos da vida destes últimos, mais precisamente, em função da sua condição de

trabalhadores.

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90

Logo, o direito do trabalho é chave fundamental para o fim das desigualdades,

para que finalmente a justiça social se realize a fim de oferecer ao ser humano uma

melhor condição social de trabalho e de vida.

Em diversos ramos do direito esses aspectos podem ser tomados

isoladamente; por exemplo, no campo do Direito Constitucional, tem-se o direito à

saúde, que é dever do Estado (artigo 196), o que envolve o aspecto objetivo da

doença; no campo do Direito Civil, temos a reparação por danos morais, o que

envolve o aspecto subjetivo. Mas é no Direito do Trabalho que esses aspectos se

confundem, se entrelaçam, tornando a matéria de grande importância quando se

fala de AIDS.

Estando o portador de HIV num ambiente em que se sinta bem, útil e bem

relacionado, sua reação à enfermidade pode ser positiva, chegando até mesmo a

não desenvolvê-la, permanecendo apenas como portador assintomático do vírus. O

trabalho oferece uma sensação de utilidade, o que influi na autoestima do portador e

em sua estabilidade emocional, que é essencial para a sua reação à AIDS.

O que se espera, é que no futuro as empresas passem a entender o que é a

AIDS, e desse modo passem a respeitar o portador. Se houver o respeito de todos

os que convivem com o portador no ambiente de trabalho, essa atitude se estenderá

para outros lugares, como o lar, as escolas e os hospitais, e finalmente será possível

presenciar o respeito à dignidade da pessoa humana e à consolidação da justiça.

Entre as mais variadas formas de preconceito e discriminação contra o

portador do HIV no âmbito trabalhista, a mais frequente é a despedida arbitrária ou

sem justa causa.

O regime geral do direito brasileiro sobre a proteção da relação de emprego

contra a despedida sem justa causa é traçado pelo artigo 7º, I da Constituição de

1988. O texto constitucional prevê expressamente que a lei complementar

completará os contornos desse regime geral, bem como regulamentará a

indenização compensatória, entre outros direitos.

Boa parte das pessoas associam a AIDS a uma imediata incapacidade para

diversas atividades, entre elas o trabalho, assim como acreditam que pode ocorrer a

contaminação pelo vírus por meio do simples relacionamento social. No entanto, não

há porque excluir o portador do convívio social por medo do contágio.

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A AIDS só pode ser transmitida de uma pessoa para outra pela troca de

fluidos e não através do abraço, beijo, toque, uso de talheres e pratos ou do convívio

social.

No Judiciário, as hipóteses mais enfrentadas dizem respeito à análise de ser

nula toda dispensa que tiver por fundamento o fato de o empregado ser portador do

HIV e que determinam a reintegração ao emprego.

Outra hipótese estaria atrelada a completa vedação a dispensa do empregado

soropositivo, por considerá-la obstativa do direito de acesso aos benefícios

previdenciários, ao tratamento médico de saúde e à aposentadoria, determinando a

reintegração do empregado às suas funções.

Os Tribunais, por falta de norma legal que assegure a estabilidade do

trabalhador soropositivo, têm utilizado a analogia, a equidade e os princípios gerais

de direito. Como já afirmado anteriormente, o desapego ao formalismo exacerbado

por parte dos magistrados no atual sistema jurídico tem possibilitado uma maior

efetividade dos direitos fundamentais, inclusive no que tange a aplicabilidade das

normas da OIT.

A norma internacional se apresenta como relevante fonte a tutela dos direitos

do portador do HIV, as Convenções e as Recomendações da OIT, onde se

destacam a Convenção 111; a Convenção 158 e a Recomendação 200, seriam o

maior exemplo.

A Convenção 158 atingem de forma contundente as causas da dispensa,

representando os direitos do trabalhador moderno. Como convenção internacional,

tem penetrados inúmeros sistemas de direito do trabalho, em nações signatárias,

alterando legislações ultrapassadas e arcaicas e fora do contexto mundial de

proteção do hipossuficiente. É de suma relevância a enumeração de alguns

dispositivos que apresentam a possibilidade de maior respeito por parte das

empresas em relação aos seus funcionários.

Apesar de, a Convenção 158 da OIT, ainda não se aplique de modo eficiente

em nações que têm legislação interna incompatível com seus preceitos, como é o

caso do nosso País, representa um grande passo em direção ao progresso das

relações trabalhistas, tendo como objetivo de humanizar tais relações.

Relativamente a Convenção 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, temos a

vedação a todo e qualquer ato de discriminação no ambiente de trabalho.

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Em seus dispositivos, estão previstos os princípios de tutela ao trabalho e de

proteção à intimidade do empregado, diante o poder do empregador. Assim, seu

artigo XXIII: “Artigo XXIII – 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de

emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o

desemprego”.

Por fim a Recomendação 200, que não obstante o seu caráter informativo,

tem no trabalhador portador do HIV o seu o seu objeto exclusivo impondo diretrizes

e sugestões aos empregadores que possuem em seu quadro trabalhadores nesta

condição bem como estabelecendo politicas públicas aos países no sentido de

estabelecer uma condição digna de trabalho aos portadores do vírus.

Essas interpretações, que evoluíram no decorrer dos anos, desde o

surgimento da doença até os dias atuais, pois as primeiras decisões da Justiça do

Trabalho declaravam sua incompetência para julgar a matéria. Atualmente os

tribunais reconhecem sua competência e têm julgado as causas relacionadas ao

tema, inclusive com a recente edição de Súmula pelo TST onde se estabeleceu de

forma presumida que a dispensa do portador do HIV é discriminatória gerando a

obrigação do empregador em reintegrar o empregado.

Essa conquista na seara Judicial deve-se aos próprios portadores e às

pessoas ligadas a eles, e que desde o início lutam e reivindicam seus direitos,

assumindo sua condição sem medo da intolerância e da discriminação e com a

distribuição de solidariedade.

Nesse sentido, apesar de várias demonstrações de incompreensão e

intolerância diante à AIDS, pode-se vislumbrar alguma esperança no fato de a

doença não ter evoluído sem ter sido questionada. Um grande número de

voluntários e organizações vem se empenhando no combate à discriminação e ao

preconceito e ao fornecerem informações e expressarem solidariedade, tais

organismos provam que essas são as únicas respostas verdadeiramente eficientes

para barrar o avanço da AIDS.

Portanto, devemos considerar essa evolução não como uma conquista

isolada dos portadores do HIV/AIDS; devemos encará-la, também, como uma

conquista do Poder Judiciário, pois através dessas decisões os Tribunais estão

fazendo valer o significado de justiça, contribuindo assim com a humanização do

mundo jurídico.

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Ao inibir o preconceito e a discriminação, anulando as despedidas arbitrárias

e sem justa causa, os Tribunais estão dando um grande exemplo para a população

de que a AIDS não é um mito, mas uma doença como qualquer outra e que apesar

de a medicina não ter encontrado a cura até então, não transforma seus portadores

em párias e nem os condena imediatamente à morte.

A AIDS não pode ser vista como um flagelo, um castigo divino devido à

iniquidade humana.

Toda empresa deve estar bem preparada para orientar seus empregados

sobre as questões pertinentes à saúde. Tendo em vista essas situações, ficou

estabelecida a responsabilidade do empregador de fomentar programas de

prevenção e informação sobre HIV/AIDS.

Deve ser ressaltado que esta enfermidade não é transmitida pelo contato

social e que o empregado pode e deve continuar ativo em suas atividades laborais,

podendo permanecer sem qualquer tipo de preconceito e discriminação. A

convivência com ele não oferece qualquer risco à saúde dos demais colegas de

trabalho.

O portador de HIV tem toda capacidade de desenvolver projetos e realizar

suas funções como qualquer outro trabalhador. Não se pode admitir que este seja

afastado de suas funções, principalmente do trabalho, pois mantê-lo trabalhando

pode favorecer no tratamento, podendo significar-lhe a vida.

O trabalho representa para o soropositivo não só o estímulo para continuar

lutando contra o vírus, como também representa o único meio de sobrevivência e

custeio para adquirir medicamentos necessários para o tratamento e manutenção

diária de sua carga viral.

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ANEXOS

ANEXO A – Recurso de Revista nº TST-RR-409/2003-004-02-00.1

REINTEGRAÇÃO. PORTADOR DE HIV. I - O Regional manteve procedência do pedido de reintegração do reclamante portador do vírus HIV, ao fundamento de que a questão deve ser analisada pelo prisma da função social da empresa e do contrato de trabalho, sob a nova ótica emprestada pelo Código Civil/2002. II – O recurso não comporta conhecimento, pois nenhum dos paradigmas válidos é específico (Súmula nº 296/TST), não se divisa ofensa literal e direta ao art. 5º, II, da Constituição da República e os demais dispositivos constitucionais carecem do indispensável prequestionamento (Súmula nº 297/TST). ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS. I – O Regional concluiu que o adicional por tempo de serviço não era considerado para efeito de cálculo das horas extras, nem mesmo no período imprescrito, razão por que a insurgência da reclamada encontra óbice intransponível na Súmula nº 126/TST, que veda o reexame dos elementos fático-probatórios em sede de recurso de revista. II - Ainda que assim não fosse, o acórdão recorrido não enfrentou a matéria pelo prisma dos arts. 5º, XXXVI, e 7º, XXVI, da Constituição da República, razão por que o recurso também não se viabilizaria por força da Súmula nº 297/TST. III – Recurso integralmente não conhecido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista, nº TST-RR-

409/2003-004-02-00.1, em que é Recorrente TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO

PAULO S. A. - TELESP e Recorrido GILBERTO DE OLIVEIRA SANTOS.

O Tribunal do Trabalho da 2ª Região, pelo acórdão de fls. 442/450, negou

provimento ao recurso ordinário do autor e deu provimento parcial ao apelo da

reclamada, para excluir da condenação diferenças de adicional de periculosidade e

reflexos.

Os embargos declaratórios de fls. 451/452 foram julgados improcedentes pelo

acórdão de fls. 455/456.

Irresignada, a reclamada interpõe recurso de revista às fls. 458/470, com fulcro nas

alíneas “a” e “c” do art. 896 da CLT.

Despacho de admissibilidade às fls. 484/487.

Contra-razões às fls. 491/494.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, na forma

do art. 82 do Regimento Interno do TST.

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É o relatório.

V O T O

CONHECIMENTO

REINTEGRAÇÃO. PORTADOR DE HIV

O Regional manteve a decisão de 1º grau que julgara procedente o pedido de

reintegração do reclamante portador do vírus HIV, em razão da função social da

empresa e do contrato de trabalho.

Asseverou o Colegiado:

Há reiterada jurisprudência do TST admitindo a reintegração, mas tão-somente nas hipóteses em que comprovado cabalmente ato discriminatório na dispensa, o que não se configurou, conforme exame do próprio juízo de origem. Ressalto que a inicial, no tópico dano moral, se apóia na alegação de notória discriminação, o que não se extrai de todo o processado. Incontroverso que a reclamada tinha ciência do fato de que o reclamante era portador de HIV desde 1998, somente procedeu à dispensa em 4 de dezembro de 2002, após transcurso de prazo considerável. E nos autos há ainda elementos que permitem concluir que a medida não se relacionou com o estado físico do empregado. Por outro lado, a reclamada, em época de reordenamento de sua estrutura, convencionou com o Sindicato da categoria profissional, Plano Incentivado de Desligamento, sustentando plenamente plausível a inclusão do reclamante no mesmo em decorrência de sua insatisfação, expressamente manifestada em correspondência apresentada às vésperas da implantação do Plano, e a necessidade de redução da mão-de-obra. Não se vislumbra nenhum ato de segregação por parte do empregador, mas também acertada a decisão do juízo ‘a quo’, porque efetivamente há que se dar preponderância à função social da empresa e ao bem maior a proteger: o direito à vida. (fls. 446/447).

Acrescentou o Regional que o reconhecimento do direito à reintegração

decorre da nova ótica jurídica imposta aos contratantes pelo Código Civil de 2002,

que preconiza, no art. 421, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e

nos limites da função social do contrato”, sobretudo quando o empregador não sofre

restrição patrimonial pela manutenção do vínculo de emprego.

Irresignada, a Telesp recorre de revista, argumentando, primeiramente, a

inexistência de preceito legal ou convencional amparando o direito à reintegração do

autor, razão por que reputa vulnerado o art. 5º, II, da Constituição da República.

Sustenta que, ao condenar a reclamada, o TRT está criando lei nova, em

violação aos arts. 2º, 22, 37, § 3º, III, e 44 da Carta Magna. Transcreve arestos para

estabelecer dissenso pretoriano.

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Os julgados proferidos por Turmas do TST (1º de fls. 466 e o de fls. 466/467) são

inservíveis ao cotejo, diante do disposto na alínea “a” do art. 896 da CLT.

Os demais não se revestem da especificidade exigida na Súmula nº 296/TST, pois

nenhum deles analisa a discussão acerca do direito de reintegração no emprego de

portador do vírus HIV pelo prisma do fundamento norteador do acórdão recorrido,

qual seja, a função social da empresa e do contrato de trabalho sob a nova ótica

emprestada pelo Código Civil/2002, especialmente em seu art. 421.

Dessa forma, o recurso não se viabiliza pela via da alínea “a” do art. 896 da

CLT.

Não houve emissão de tese pelo Regional à luz dos arts. 2º, 22, 37, § 3º, III, e

44 da Carta Magna, tampouco houve interposição de embargos declaratórios para

provocá-lo nesse sentido, circunstância que atrai a incidência da Súmula nº

297/TST.

Não há como divisar ofensa ao art. 5º, inciso II, da Constituição Brasileira,

visto que não é pertinente de forma direta à hipótese, pois erige princípio genérico

(princípio da legalidade), cuja ofensa somente se afere por via oblíqua, a partir da

constatação de afronta a norma de natureza infraconstitucional. Assim, não se

constata o atendimento ao art. 896, “c”, da CLT.

Não conheço.

ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. INCLUSÃO NA BASE DE

CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS

O Colegiado manteve a sentença no tema em epígrafe, assentando que:

O adicional por tempo de serviço, ao contrário, é parcela salarial e deve compor a remuneração, como já deferido pelo ‘a quo’(sic), inclusive atentando-se que a partir de dezembro de 1996 houve reconhecimento da tese, através de norma coletiva que previu expressamente o cômputo, como admitido pela recorrente. Nem se diga que no período imprescrito o título foi regularmente pago, porque tal não se induz do documento n. 114 do primeiro volume de documentos, em que as horas extras foram apuradas exclusivamente com base no salário normal e adicional de periculosidade. (fls. 449).

A recorrente aduz que os documentos colacionados aos autos indicam que

foram efetivamente cumpridos os termos do acordo coletivo em que as partes

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transigiram a forma de pagamento das horas extras. Aponta mácula aos arts. 5º,

XXXVI, e 7º, XXVI, da Constituição da República.

Infere-se da leitura do excerto acima transcrito que o Regional concluiu que o

adicional por tempo de serviço não era considerado para efeito de cálculo das horas

extras, nem mesmo no período imprescrito, razão por que a insurgência da

reclamada encontra óbice intransponível na Súmula nº 126/TST, que veda o

reexame dos elementos fático-probatórios em sede de recurso de revista.

Ainda que assim não fosse, o acórdão recorrido não enfrentou a matéria pelo prisma

dos arts. 5º, XXXVI, e 7º, XXVI, da Constituição da República, razão por que o

recurso também não se viabilizaria por força da Súmula nº 297/TST.

Não conheço.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por

unanimidade, não conhecer integralmente do recurso de revista.

Brasília, 30 de agosto de 2006.

MINISTRO BARROS LEVENHAGEN

Relator

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ANEXO B – Recurso de Revista nº TST-RR-124400-43.2004.5.02.0074

RECURSO DE REVISTA – EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV DISPENSA IMOTIVADA PRESUNÇÃO DE ATO DISCRIMINATÓRIO DIREITO À REINTEGRAÇÃO. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a dispensa imotivada de empregado soropositivo é presumidamente discriminatória, salvo comprovação de que o ato decorreu de motivo diverso. Viabilizado o recurso por divergência válida e específica, merece reforma a decisão do Regional, para que se restabeleça a r. sentença que concedeu ao reclamante o direito à reintegração. Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-

124400-43.2004.5.02.0074, em que é Recorrente FERNANDO CÉSAR FESTANTE

e Recorrido BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.

O e. Regional, pelo acórdão de fls. 670-681, complementado às fls. 707-710,

por força de embargos de declaração, deu provimento ao recurso ordinário do

reclamado, para declarar a legalidade do ato de dispensa do empregado.

Inconformado, o reclamante interpõe recurso de revista às fls. 712-722, que

foi admitido pelo despacho de fls. 728-730.

Contrarrazões apresentadas às fls. 731-743.

Sem remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

O recurso de revista é tempestivo (fls. 711 e 712) e está subscrito por

advogado habilitado (fls. 24 e 596). Dispensado o preparo.

CONHECIMENTO

EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV – DISPENSA IMOTIVADA –

PRESUNÇÃO DE ATO DISCRIMINATÓRIO – DIREITO À REINTEGRAÇÃO

O e. Regional, pelo acórdão de fls. 670-681, complementado às fls. 707-710,

por força de embargos de declaração, deu provimento ao recurso ordinário do

reclamado, para declarar a legalidade do ato de dispensa do empregado.

Seu fundamento foi de que:

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Registre-se, como bem frisou a recorrente em sua defesa e nas razões do presente apelo, que o demandante não demonstrou um único fato ou indicou um preposto da demandada que tivesse lhe causado o mal noticiado. Demais disso, a moléstia que acometeu o reclamante foi diagnosticada em 1998, tendo ele permanecido, mesmo com os afastamentos, até fevereiro de 2004. ora, não se pode presumir que por ser portador de tal doença tenha sofrido qualquer tipo discriminação e, em especial, em razão da rescisão contratual levada a efeito mais de cinco anos depois de ter adquirido a moléstia. Convém ressaltar, por outro lado, que o fato de ter sido transferido também não revela ato discriminatório, até porque, como o próprio demandante admitiu, em depoimento, ‘não pediu para ser transferido para o Nasbi, mas como criaram um núcleo novo e estavam precisando solicitaram ao depoente para lá se transferir’(fl. 233 destaquei). Acrescento, ainda, que não é verdade que o reclamante tenha sido o único funcionário despedido naquela ocasião, porquanto a sua primeira testemunha revelou que ‘na época houve dispensa de um funcionário no núcleo Bela Vista e um do núcleo Mooca’ (fl. 234). Outro fato que merece destaque refere-se à homologação da rescisão contratual que, embora conste no verso de referido documento ressalva, nada foi mencionado a respeito de ser o reclamante detentor de garantia de emprego ou ser portador de deficiência equiparada. Esclareço que há farta jurisprudência que reconhece, por presunção juris tantum, que o ato discriminatório do empregador quando, tendo tomado ciência da mencionada doença, in continenti, rompe ‘imotivadamente’ o contrato de trabalho com o portador do vírus e em razão disso, reintegra o trabalhador. Mas, essa seguramente, não é a hipótese dos autos. Releva notar que a indigitada discriminação não restou demonstrada, pois, sendo fato constitutivo de seu direito, incumbia-lhe a prova cabal e insofismável de suas alegações, o que, como já mencionado, não ocorreu. De outro turno, os dispositivos invocados e a legislação apresentada não prevêem a garantia de emprego nos moldes pretendidos pelo recorrido. Nesse sentido o ensinamento dos magistrados Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins que, traçando orientação sobre o controvertido tema ‘discriminação’, sustentam ‘Outra questão muita debatida nos Tribunais é a dispensa de portadores de HIV, como ato discriminatório. Nesse caso, o que há a ressaltar é que a prova deve ser concludente e decisiva no sentido de que a rescisão de contrato se deu por aquele fato, se positiva a prova, caberá a indenização material e moral, dada a violação à intimidade e à imagem do empregado. Merece, ainda, destacar a decisão proferida pelo Ministro Ives Gandra Martins Filho, na qual ele manteve o v. acórdão Regional, tendo como um dos fundamentos o seguinte:‘(..) Ademais, a inicial assevera que a ciência da doença, por parte do empregador, deu-se em 30/04/98, enquanto que a dispensa somente se procedeu em 29/06/01, mas de três anos depois, o que descaracterizaria o nexo causal. 2. Não demonstrada a discriminação argüida pelo Reclamante como fundamento da indenização por dano moral, cai por terra a motivação de uma eventual condenação à reintegração e à indenização. Recurso de revista não conhecido.’ (TST-RR-244/2002.013.10.00-4) Nesse contexto, merece ser acolhido o apelo da reclamada para declarar que o autor não possui garantia de emprego nos moldes em que foi postulado, descabendo a reintegração deferida pelo juízo de origem. Dessa forma, resta prejudicada a análise do item 3 do recurso da ré, na medida que tendo sido julgado improcedente o pleito principal, não há que se falar em ‘diferenças de verbas rescisórias e multa de 40% sobre o FGTS’ – fl. 407. Provejo o recurso neste particular.” (fls. 674-676 – destacou-se).

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Nas razões de revista, fls. 712-722, o reclamante sustenta, em síntese, que a

sua dispensa teve como causa a condição de soropositivo, pelo que entende haver

direito à reintegração. Aponta violação dos arts. 1º, II, 3º, IV, e 5º, caput, XII e XLI,

da Constituição Federal. Colaciona arestos.

O recurso merece conhecimento.

Com efeito, o aresto do Tribunal da 15ª Região, transcrito à fl. 718 e 719,

preenche o requisito de admissibilidade recursal, na medida em que espelha tese

divergente da expressada pelo v. acórdão.

Enquanto a decisão recorrida concluiu pela inexistência de prova de ato

discriminatório, bem como pela impossibilidade de se presumir tal situação, a

ementa transcrita sustenta que a dispensa imotivada de soropositivo é

presumidamente discriminatória.

CONHEÇO.

MÉRITO

EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV – DISPENSA IMOTIVADA –

PRESUNÇÃO DE ATO DISCRIMINATÓRIO – DIREITO À REINTEGRAÇÃO

O Regional foi categórico ao consignar que não há provas do nexo causal

entre a dispensa e a doença do reclamante a caracterizar o apontado ato

discriminatório, na medida em que a ciência da doença do reclamante ocorreu em

1998, enquanto a dispensa, apenas em 2004, ocasião em que outras dispensas

também foram registradas.

Contudo, a divergência jurisprudencial trazida na revista, que admite a

premissa de que a dispensa imotivada de portador do vírus HIV é presumidamente

discriminatória, encontra amparo na jurisprudência desta Corte:

EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA IMOTIVADA. ATITUDE DISCRIMINATÓRIA PRESUMIDA. REINTEGRAÇÃO. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que se presume discriminatória a dispensa do empregado portador do vírus HIV. Desse modo, recai sobre o empregador o ônus de comprovar que não tinha ciência da condição do empregado ou que o ato de dispensa tinha outra motivação - lícita. 2. Entendimento consentâneo com a normativa internacional, especialmente a Convenção n.º 111, de 1958, sobre Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação (ratificada pelo Brasil em 26.11.1965 e promulgada mediante o Decreto n.º 62.150, de 19.01.1968), e a Recomendação n.º 200, de 2010, sobre HIV e AIDS e o Mundo do Trabalho. 3. 3. Nesse contexto, afigura-se indevida a inversão do ônus da prova levada a cabo pelo Tribunal Regional, ao atribuir ao empregado o encargo de demonstrar o caráter discriminatório do ato de dispensa

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promovido pelo empregador. 4. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-104900-64.2002.5.04.0022, Relator Ministro Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DEJT de 2/9/2011); AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. (...) 2. DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADO PORTADOR DO HIV. REINTEGRAÇÃO. Esta Corte tem-se posicionado no sentido de que, quando da dispensa imotivada do portador do HIV, ciente o empregador da doença, resta presumida a ocorrência de discriminação. Precedentes. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TST-AIRR-195740-92.2008.5.02.0434, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT de 3/9/2010); RECURSO DE REVISTA. REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. PRESUNÇÃO DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Presume-se discriminatória a ruptura arbitrária, quando não comprovado um motivo justificável, em face de circunstancial debilidade física causada pela grave doença em comento (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS) e da realidade que, ainda nos tempos atuais, se observa no seio da sociedade, no que toca à discriminação e preconceito do portador do vírus HIV. A AIDS ainda é uma doença que apresenta repercussões estigmatizantes na sociedade e, em particular, no mundo do trabalho. Nesse contexto, a matéria deve ser analisada à luz dos princípios constitucionais relativos à dignidade da pessoa humana, à não-discriminação e à função social do trabalho e da propriedade (art. 1º, III, IV, 3º IV, e 170 da CF/88). Não se olvide, outrossim, que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem internacional (Convenção 111 da OIT), o rechaçamento a toda forma de discriminação no âmbito laboral. É, portanto, papel do Judiciário Trabalhista, considerando a máxima eficiência que se deve extrair dos princípios constitucionais, a concretização dos direitos fundamentais relativamente à efetiva tutela antidiscriminatória do trabalhador portador de doença grave e estigmatizante, como a AIDS. Pesa ainda mais a presunção de discriminação, no caso concreto, o fato de a Reclamada cessar o contrato de emprego com base em teste de produtividade, no qual o Reclamante certamente seria prejudicado em virtude do debilitado estado de saúde e do tratamento a que se submetia, ainda que tivesse sido facilitado pela Reclamada. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-317800-64.2008.5.12.0054, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, DEJT de 10/6/2011); RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE. PORTADOR DO VÍRUS HIV. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que o empregado, portador do vírus HIV, em face das garantias constitucionais que vedam a prática discriminatória e asseguram a dignidade da pessoa humana, tem direito à reintegração, não obstante a inexistência de legislação que assegure a estabilidade ou a garantia no emprego, presumindo-se discriminatória a sua dispensa imotivada. Recurso de revista a que se dá provimento. (TST-RR-112900-36.2005.5.02.0432, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, 5ª Turma, DEJT de 6/5/2011).

Logo, mesmo na ausência de prova de nexo causal, esta Corte vem

admitindo o reconhecimento de presunção de ato discriminatório na dispensa

imotivada de empregado soropositivo, admitindo, contudo, prova em contrário.

No v. acórdão, não há evidência do fato que motivou a dispensa do

empregado, mas tão somente a constatação de que esta se deu seis anos após a

descoberta do quadro clínico do empregado, bem como de que houve outras

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dispensas no mesmo período, o que é muito pouco para afastar a presunção de

discriminação na dispensa imotivada do reclamante.

O princípio da dignidade da pessoa humana conjugado com o valor social do

trabalho (art. 1º, III e IV, da Constituição Federal) impõe a proteção do mercado de

trabalho desse segmento extremamente discriminado na sociedade. Não fosse

assim, não seria proibida a realização de exames admissionais que investiguem a

sorologia do HIV nos candidatos a postos de trabalho.

Portanto, acertada é a jurisprudência desta Corte, quando presume

discriminatória a dispensa imotivada de empregado soropositivo, na ausência de

elementos que comprovem que a dispensa se deu por motivo adverso, merecendo,

pois, reforma a decisão do Regional.

Conhecido o recurso por divergência jurisprudencial, DOU-lhe PROVIMENTO

para, restabelecendo a r. sentença, determinar a reintegração do reclamante, no

prazo de 48hs, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (mil reais).

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho,

por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e,

no mérito, dar-lhe provimento para, restabelecer a r. sentença que concedeu ao

reclamante o direito à reintegração, fixando o prazo de 48 horas a partir da

publicação para o seu cumprimento, sob pena, na hipótese de descumprimento, do

pagamento de multa de R$1.000,00 (mil reais) por dia de atraso, nos termos dos

artigos 461-A e parágrafo 4º do artigo 461, ambos do Código de Processo Civil.

Brasília, 25 de Abril de 2012.

Firmado por Assinatura Eletrônica (Lei nº 11.419/2006)

JOSÉ PEDRO DE CAMARGO RODRIGUES DE SOUZA

Desembargador Convocado Relator

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ANEXO C - Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-153540-

72.2003.5.13.0003

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS. LEGITIMIDADE ATIVA. O art. 129, III, da Constituição da República de 1988 autoriza o Ministério Público a promover, mediante ação civil, a defesa dos interesses sociais difusos e coletivos. Por sua vez, o art. 83, III, da Lei Complementar nº 75/93 atribui ao Ministério Público do Trabalho competência para promover, no âmbito da Justiça do Trabalho, ação civil pública visando à defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. O interesse de agir do Ministério Público do Trabalho, ao ajuizar ação civil pública trabalhista, radica no binômio necessidade-utilidade da tutela solicitada no processo, com a finalidade de que a ordem jurídica e social dita violada pelo réu seja restabelecida. Assim, tratando-se o pleito de tutela inibitória, destinada a vedar prática discriminatória dirigida a empregados portadores do vírus da AIDS ou de qualquer outra enfermidade, e de tutela condenatória, consistente no pagamento de indenização por danos morais coletivos reversíveis ao Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT, o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para ingressar com a ação civil pública. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA. DISPENSA DE EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS DA AIDS E OUTRAS ENFERMIDADES. ATO ATENTATÓRIO ÀS GARANTIAS FUNDAMENTAIS. Trata-se de ação civil pública, na qual o Ministério Público do Trabalho busca a concessão de tutela inibitória destinada a vedar a dispensa de empregados portadores do vírus da AIDS ou de qualquer outra enfermidade, bem como a concessão de tutela condenatória consistente no pagamento de indenização por danos morais coletivos no importe de R$ 250.000,00 (duzentos mil reais), reversíveis ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. Na hipótese, relativamente à indenização por danos morais coletivos, o Tribunal Regional do Trabalho deu provimento ao recurso ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho para condenar o reclamado ao pagamento de indenização correspondente, por concluir que a prática discriminatória, consubstanciada no fato de o reclamado compelir empregada a pedir demissão em virtude de ser portadora do vírus HIV, configurou grave transgressão a interesses difusos da sociedade. Asseverou que o ataque aos princípios básicos de constituição da sociedade por meio da negativa de eficácia de garantias fundamentais constitui ofensa ao patrimônio moral coletivo, revelando-se útil e até necessário que se proceda à reparação pecuniária do ato atentatório às garantias fundamentais, como forma pedagógica, no sentido de inibir novas condutas ofensivas. A pretensão do reclamado de ver excluída da condenação a indenização por danos morais coletivos não se viabiliza. Nos termos em que proferida, a decisão recorrida não viola a literalidade dos arts. 2º, “caput”, da CLT, 3º e 13 da Lei nº 7.347/85, 188, I, do Código Civil e 5º, II, da Constituição Federal. No que tange à divergência jurisprudencial, os arestos colacionados não abordam a indenização por dano moral coletivo, revelando-se, pois, inespecíficos, à míngua da indispensável identidade de premissas fáticas, o que atrai a incidência das Súmulas nº 23 e nº 296, I, do TST.

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Agravo de instrumento a que se nega provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em

Recurso de Revista n° TST-AIRR-153540-72.2003.5.13. 0003, em que é Agravante

BANCO ABN AMRO REAL S.A. e Agravado MINISTÉRIO PÚBLICO DO

TRABALHO DA 13ª REGIÃO.

A Vice-Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, mediante

decisão às fls. 799, 802-803, denegou seguimento ao recurso de revista interposto

pelo Banco ABN Amro Real S.A., o que ensejou a interposição do presente agravo

de instrumento (fls. 02-21).

O Ministério Público do Trabalho apresentou a contraminuta ao agravo de

instrumento (fls. 807-811) e as contrarrazões ao recurso de revista (fls. 812-815).

Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, tendo

em vista sua condição de parte no processo.

É o relatório.

V O T O

CONHECIMENTO

O agravo de instrumento é tempestivo (fls. 02 e 804), tem representação

regular (procuração à fl. 22, substabelecimento à fl. 28) e se encontra devidamente

instruído, com o traslado das peças essenciais previstas no art. 897, § 5º, I e II, da

CLT e no item III da Instrução Normativa nº 16/99 do TST. Atendidos os

pressupostos legais de admissibilidade recursal, CONHEÇO do agravo de

instrumento.

MÉRITO

NULIDADE DO JULGADO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO

JURISDICIONAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO

A Vice-Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região denegou

seguimento ao recurso de revista interposto pelo reclamado, expendendo, quanto à

preliminar de nulidade do acórdão por negativa de prestação jurisdicional, a seguinte

fundamentação, verbis (fl. 799):

Em que pesem os argumentos da instituição financeira, no tocante à alegação de nulidade da decisão hostilizada, por negação de prestação jurisdicional, ração não lhe assiste. Com efeito, o recorrente alegou em seus embargos declaratórios haver omissão, obscuridade e contradição no v. acórdão, às fls. 664/689, quando não definiu o que representa a expressão

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‘qualquer outra enfermidade’, bem como omissão quanto à análise da documentação acostada no tocante à demissão da empregada Maria Betânia Pessoa Coelho, e a contradição entre as conclusões e a prova produzida para o deferimento da indenização por dano moral. Outrossim pediu ainda em sede de embargos de declaração o recorrente esclarecimento no que diz respeito à cobrança de multa por descumprimento da obrigação de não fazer. No entanto, convém ressaltar que sobre os pontos argüidos houve decisão com os fundamentos adotados pela Egrégia Corte Regional (fl. 719/721), fruto de seu convencimento, configurando a resposta efetiva do Estado-juiz à invocação da tutela pretendida pelo interessado, não se vislumbrando, em tese, a alegada afronta aos arts. 93, IX, da Constituição Federal e 832 da CLT. Ressalte-se, por oportuno, que consoante o disposto na Orientação Jurisprudencial nº 115 da SBDI-1 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, admite-se o conhecimento do recurso, quanto à preliminar de nulidade do julgado por negativa de prestação jurisdicional, apenas por violação dos arts. 832 da CLT, 458 do CPC ou 93, IX, da CF. Assim sendo, fica afastado o conhecimento do apelo por afronta aos arts. 5º, XXXV, LV, da Carta Magna; 897-A da CLT e 535 do CPC, além dos arestos colacionados, impertinentes, pois, para embasar a referida preliminar.

Nas razões do agravo de instrumento, o reclamado postula a reforma da

decisão denegatória, ao argumento de que o recurso de revista preencheu os

pressupostos necessários à sua admissão. Reafirma a tese de nulidade do julgado

por negativa de prestação jurisdicional, sob a alegação de que o Tribunal Regional,

mesmo instado por meio de embargos de declaração, não apreciou a questão da

indenização de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) e outras questões

importantes postas nos embargos declaratórios.

Por medida de economia e celeridade processuais, o agravante se reporta,

como se transcritos estivessem nas razões do recurso de revista e do agravo de

instrumento, a todos os termos e todas as questões, omissões, contradições e

obscuridades apontadas nos embargos de declaração, asseverando que não foram

apreciadas e sanadas pelo Tribunal Regional.

Em decorrência do articulado, reitera a violação dos arts. 832 e 897-A da

CLT, 535 do CPC e 5º, XXXV e LV, e 93, IX, da Constituição Federal e a divergência

jurisprudencial acostada no recurso de revista.

Não procedem, contudo, os argumentos do agravante.

De plano, frise-se que conhecimento do recurso de revista, em relação à

preliminar de nulidade por negativa da prestação jurisdicional, restringe-se à

observância da Orientação Jurisprudencial nº 115 da SBDI-1 do TST, ou seja,

violação dos arts. 832 da CLT, 458 do CPC ou 93, IX, da Carta Magna. Assim,

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afasta-se a admissão do apelo por outros dispositivos normativos e por divergência

jurisprudencial.

De outra parte, da análise das razões de recurso de revista, observa-se que o

reclamado argui a preliminar de forma genérica, não especificando em que aspectos

teria se dado a recusa da prestação jurisdicional, o que é impróprio, pois

impossibilita o exame da ocorrência, ou não, de negativa de prestação jurisdicional,

desabilitando a revista quanto à preliminar em epígrafe.

Com efeito, a análise de eventual nulidade por negativa de prestação

jurisdicional, em sede de recurso de revista, submete-se às restrições pertinentes ao

exame do apelo extraordinário. Dessa forma, a arguição de nulidade do julgado deve

ser explícita quanto aos pontos ou questões em que se deu a negativa da prestação

jurisdicional do Órgão Julgador, sendo improfícua a arguição genérica de omissão,

contradição e obscuridade ou o mero reporte às razões de embargos de declaração,

haja vista que todo o objeto da insurgência deve estar expresso nas razões

recursais.

Mesmo que assim não fosse, verifica-se não existir negativa da prestação

jurisdicional a ser declarada. Isso porque o Tribunal Regional da 13ª Região,

mediante a decisão às fls. 754-756, embora tenha rejeitado os embargos de

declaração opostos pelo reclamado, fixou, de forma expressa e fundamentada, os

pressupostos fáticos e jurídicos necessários para o deslinde da controvérsia.

Vejamos:

Diz o embargante que há omissão, obscuridade e contradição na decisão vergastada, notadamente ao não definir o que representaria a expressão “qualquer outra enfermidade”, inserida na conclusão. Acrescenta, ainda, que inexiste fundamentação para tal condenação. Sustenta, também, a existência de omissão quanto à análise da documentação acostada, precisamente no tocante à demissão da empregada Maria Betânia Pessoa Coelho. Finalmente, aponta contradição entre as conclusões e a prova produzida, para o deferimento da indenização por dano moral. Requer, por último, esclarecimento quanto à cobrança de multa por descumprimento da obrigação de não fazer. Não procedem os seus argumentos. Para a configuração da obscuridade, o ato judicial deve ser de difícil compreensão, dúbio, passível de várias interpretações, em virtude da falta de elementos textuais que o organize, conferindo-lhe harmonia interpretativa. É o conceito que se opõe à clareza, revelando-se obscuro todo ato judicial que, diante da falta de coesão lexical, não permite segura e única interpretação. Por outro lado, a omissão a ensejar a propositura de embargos de declaração só ocorre quando o juiz ou o tribunal deixa de se manifestar sobre pondo que estava obrigado a fazê-lo. Adotado um fundamento lógico que solucione a lide, inexiste omissão. Destarte, não caracteriza omissão a não-apreciação

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de todos os argumentos veiculados pela parte, mormente considerando que a decisão se encontra fundamentada. Finalmente, a contradição existiria se algo fosse afirmado na fundamentação e negado no dispositivo ou na própria fundamentação. Não há contradição entre o afirmado no acórdão e em documento. Essas hipóteses não restam configuradas nos autos. In casu, não se discute o direito individual de ex-empregado do reclamado, o qual foi objeto da reclamação trabalhista própria, cujas conclusões forma acolhidas nas razões do acórdão. Ademais, a decisão embargada também fez um exame acurado das novas provas produzidas nestes autos, para concluir acerca da conduta discriminatória do recorrente, conforme registrado às fls. 669 e seguintes. Frise-se que o objetivo da presente ação é delimitar se a ofensa do direito fundamental se limitou à individualidade da referida empregada ou se, por outro lado, alcançou direitos difusos da sociedade, merecedores, portanto, de uma tutela mais abrangente, em razão da garantia constitucional à isonomia. Outrossim, a expressão “por empregado atingido”, contida no dispositivo, fixa o momento em que se torna exigível a pena pecuniária de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), qual seja, a dispensa de funcionário em razão de ser ele portador do vírus da AIDS ou estar acometido por qualquer outra enfermidade. Isto é, o estado de saúde do empregado não pode ser causa de sua dispensa do trabalho, sendo irrelevante a doença que apresente. Nesse ponto, aliás, o texto é claro e preciso: qualquer que seja a moléstia que acomete o trabalhador, não poderá ser ele discriminado por este motivo, com demissão ou outro ato patronal que revele essa conduta infausta. O nexo causal é que dirá do descumprimento, ou não, da tutela inibitória. Finalmente, a questão de ser o sucessor responsável pela demissão de Maria Betânia Pessoa Coelho é incontroversa nos autos, tendo a defesa confirmado que a sua dispensa foi decisão da Diretoria de Recursos Humanos em São Paulo, além dos TRCT’s terem sido emitidos pelo ora embargante (fls. 202/204 e 380). Festas essas considerações, os demais argumentos expendidos pelo Banco refletem, tão-somente, o seu inconformismo com a decisão, remetendo ao reexame de prova matéria não passível de apreciação mediante embargos de declaração, que têm a finalidade específica de aperfeiçoar o decisum, afastado possíveis falhas do órgão julgador, como previsto no CPC, artigo 535, e na CLT, art. 897-A.

A decisão, portanto, não revela nenhum dos vícios relacionados nos

dispositivos acima.

Isto posto, rejeito os embargos de declaração.

Constata-se que a argumentação expendida pelo reclamante de insuficiência

na prestação jurisdicional apenas demonstra seu inconformismo com os termos da

decisão que lhe foi desfavorável, o que não caracteriza hipótese de nulidade por

negativa de prestação jurisdicional. A jurisdição foi prestada de forma completa, em

acórdão devidamente fundamentado, com o enfrentamento de todos os

pressupostos fáticos e jurídicos necessários para o deslinde da controvérsia.

Assim sendo, não estando configurada a negativa de prestação jurisdicional,

mostra-se insubsistente a invocada violação dos arts. 832 da CLT e 93, IX, da Carta

Magna.

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INÉPCIA DA INICIAL. ILEGIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM

Nas razões do agravo de instrumento, não foi renovada a argumentação

quanto à inépcia da inicial e à ilegitimidade passiva ad causam do recorrente. Assim,

à luz do princípio processual da delimitação recursal, deixa-se de examinar o

recurso de revista quanto aos temas epigrafados, porquanto caracterizada a

renúncia tácita do direito de recorrer

INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RAZÃO DA MATÉRIA.

INCOMPETÊNCIA FUNCIONAL DA VARA DO TRABALHO DE ORIGEM

O Juízo de admissibilidade do Tribunal de origem, relativamente à suscitada

incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria e à incompetência

funcional, denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelo reclamado,

adotando a seguinte fundamentação, verbis (fls. 799 e 802):

No que pertine à alegação do recorrente a respeito da inépcia da inicial e à incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria para julgar o dano moral, bem como os arestos colacionados, às fls. 730/732, e a alegada incompetência funcional, também não procede o recurso interposto, uma vez que a decisão questionada não adotou tese explicita sobre a matéria, tampouco o recorrente questionou através dos embargos declaratórios opostos, o que inviabiliza o apelo revisional neste aspecto, a teor da Súmula nº 297/TST.

Nas razões do agravo de instrumento, a reclamada pugna pela reforma da

decisão denegatória, ao argumento de que o recurso de revista preencheu os

pressupostos necessários à sua admissão. Afirma que, relativamente à

incompetência em razão da matéria, ao contrário do que assenta a decisão

denegatória, a decisão recorrida conflita com as decisões trazidas à colação no

recurso de revista.

Não procede a insurgência. A decisão agravada mostra-se irretocável.

Com efeito, quanto à suscitada incompetência da Justiça do Trabalho,

constata-se que o Tribunal Regional não se pronunciou a respeito, nem mesmo foi

instado a fazê-lo por meio dos embargos de declaração opostos, restando ausente o

necessário prequestionamento da matéria. Incidência da Súmula nº 297, I e II, do

TST.

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Ademais, sinale-se que o agravante, no particular, não infirma, de modo

específico e fundamentado, as razões exaradas na decisão denegatória do recurso

de revista, qual seja a Súmula nº 297 do TST, o que impede a verificação do acerto

ou desacerto da decisão proferida pelo Juízo de admissibilidade a quo. Não tendo

sido observado o pressuposto da regularidade formal do agravo de instrumento, que

constitui recurso de fundamentação vinculada (arts. 514, II, e 524, II, do CPC),

aplica-se a diretriz traçada na Súmula nº 422 desta Corte Superior.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS

DIFUSOS E COLETIVOS. LEGITIMIDADE ATIVA

A Corte de origem denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelo

reclamado, proferindo, quanto ao tópico, o seguinte entendimento, verbis (fls. 128-

129):

Alega o recorrente que o Ministério Público do Trabalho é parte ilegítima para postular o pedido constante da inicial, porquanto o legitimado seria o sindicato da categoria, por se tratar de disciplinamento sobre a AIDS, previsto em cláusula de Convenção Coletiva do Trabalho. Sustenta, ainda, que qualquer demanda sobre a questão deveria ser através de uma ação de cumprimento, sob pena de violação do art. 872 da CLT. Ainda sob o prisma da ilegitimidade de parte, o recorrente afirma que a questão discutida nos presentes autos trata de interesses individuais homogêneos, certos e determinados, não havendo fundamento legal para o Ministério Público do Trabalho ajuizar a presente ação civil pública. No ponto referente à ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho para postular no presente feito, observa-se da ementa do julgado, às fls. 592/599, in verbis: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Tratando-se de pleito que versa sobre direitos difusos e coletivos, assim entendidos aqueles que têm origem comum e interessam a uma coletividade, na hipótese de trabalhadores, o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para ingressar com Ação Civil Coletiva, objetivando a reparação do dano em concreto experimentado pelos obreiros. Nesse caso, atua o Parquet em defesa do grupo, tal como definido no Código Nacional do Consumidor, artigo 81, parágrafo único, incisos II e III, e artigo 82, e na Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1992), cujo artigo 25, inciso IV, letra “a”, o autoriza como titular da ação, dentre muitos, pugnar pela proteção de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos. Portanto, ao decidir dessa forma, não há que se falar em ilegitimidade do Ministério Público para propor a presente ação, e, portanto, não havendo que se falar, conseqüentemente, em violação dos arts. XXVI, e 8º, III, da Carta Magna.

No agravo de instrumento, o reclamado reafirma que o Ministério Público é

parte manifestamente ilegítima para figurar no polo ativo da presente Ação Civil

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Pública. Para tanto, sustenta que a pretensão deduzida não abrange a toda a

categoria profissional dos bancários, mas restringe-se a defesa hipotética e em tese

de pretensos portadores do vírus da AIDS. Trata-se, portanto, de interesses certos e

determinados, e não de interesses difusos e coletivos, não havendo fundamento

legal para o Parquet ajuizar a presente Ação Civil Pública. Reitera a violação dos

arts. 81 do Código de Defesa do Consumidor e aduz que a divergência

jurisprudencial restou demonstrada.

Não procede a argumentação do agravante.

De plano, registre-se que a pretensão recursal será analisada apenas quanto

à violação legal expressamente devolvida à apreciação no agravo de instrumento,

ante a ocorrência de preclusão quanto às violações legais e constitucionais

veiculadas no recurso denegado e não reiteradas no presente apelo.

Assinale-se, também, que o aresto colacionada à fl. 12 não foi transcrito no

recurso de revista, configurando inovação recursal, insuscetível de análise neste

momento processual, em observância ao princípio da congruência, consubstanciado

no art. 128 do CPC.

Feitas essas considerações, tem-se que o Tribunal Regional do Trabalho da

13ª Região, mediante o acórdão às fls. 628-634, deu provimento parcial ao recurso

ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho para considerar legítima a

sua atuação. A decisão foi proferida nos seguintes termos, verbis:

O Juízo de 1º grau, na sentença de fls. 484/488, declarou a ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho para atuar no pólo ativo da presente lede, acolheu a prefacial suscitada pelo réu – banco ABN e extinguiu o feito sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, VI do CPC. Ocorre que, de acordo com a reelaborada teoria abstrata do direito de agir, as condições da ação que autorizam a apreciação meritória de uma causa são verificadas in statu assertionis, ou seja, através de uma análise in abstractu da inicial e da contestação. Ora, nesse diapasão de raciocínio, se, na peça de ingresso, o Parquet afirmou que estava defendendo direitos difusos e coletivos, decorrente das relações de trabalho, nos termos legais, dever-se-ia considerar a sua legitimidade para figurar no pólo ativo da presente demanda. Todavia, acaso se constate posteriormente que as alegações não se sustêm, a solução será de improcedência da pretensão e não de extinção do processo sem apreciação meritória, como entendeu o Juízo de 1º grau. Outrossim, o MPT está plenamente legitimado para a defesa, não somente de interesses individuais homogêneos, mas, igualmente, de direitos difusos e coletivos, com espeque nos artigos 6º, VII, “d”, da Lei Complementar nº 75/93 e 91, c/c os artigos 81, Parágrafo Único, II e III, e 82, I, da Lei nº 8.078/90, aplicáveis a direitos de qualquer natureza, por força da determinação contida no art. 21, da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública). Alega, o Parquet, a existência, na presente demanda, de

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direitos difusos e coletivos, com inequívoca dimensão transindividual, na proporção em que pleiteia a imposição de obrigação de não fazer para que o banco ré se abstenha de demitir ou retaliar os atuais empregados ou os empregados em potencial, pelo fato de estarem lesados, bem como, a adequada condenação por dano moral coletivo em virtude da incorreta, desleal e antijurídica postura da empresa-ré. Nos dizeres de Nelson Nery Júnior, em sua obra Código de Processo Civil Comentado – Editora RT – 5ª Ed. -2001 – pg. 1518 e 1537, o que determina a classificação de um direito como difuso, coletivo, individual puro ou individual homogêneo é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Ou seja, o tipo de pretensão que se deduz em juízo. Diante de tal premissa, e analisando-se o caso concreto, a meu ver equivoca-se o Juízo sentenciante, quando conclui que o objeto da Ação Coletiva, impetrada pelo Parquet, não visa direitos difusos e coletivos e sim direito individual homogêneo. Leciona o mestre Ibrain Rocha, em sua obra Ação Civil Pública e o Processo do Trabalho, da Editora LTR, 1996, páginas 32 e 37, in verbis: A conceituação normativa dos interesses difusos foi introduzida no direito positivo brasileiro através da Lei n. 8.078/90, art. 81, parágrafo único, inciso I, que os definiu como os ‘direitos ou interesses transindividuais, de natureza indivisível, que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Consideram-se transindividuais porque ultrapassam os interesses de um indivíduo isolado, afetando diversas esferas de interesses de várias pessoas. Tem natureza indivisível porque é impossível a sua participação em cotas entre as pessoas, pois é da sua própria natureza a fluidez, mutabilidade constante no tempo e no espaço. A titularidade é de pessoas indeterminadas porque esta não pode Sr atribuída a um grupo ou pessoa que seja o dono destes interesses ou, mais especificamente, da situação de falto. Podemos definir os interesses ou direitos coletivos, no campo das relações de trabalho, como os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe profissional ou econômica ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. E, ainda, corroborando tal ensinamento, com absoluta propriedade, o Jurista Carlos Henrique Bezerra Leite, em sua obra Ministério Público do Trabalho, da Editora LTR, 1998, páginas 105, 106 e 107, ipsis litteris: “Há quem sustente inexistir direitos e interesses difusos na seara trabalhista, na medida em que já se sabe de antemão que dois são os sujeitos determinados, ou pelo menos determináveis, da relação de emprego: o empregado e o empregador (individual ou coletivamente considerados). Ousamos dissentir de tal entendimento. Lembra, a propósito, Antônio Álvares da Silva a hipótese de movimento paredista deflagrado por sindicato profissional naqueles serviços considerados essenciais e inadiáveis, cuja paralisação possa acarretar danos à comunidade (Lei n. 7.783/90, art. 11). Neste caso, não bastaria o Ministério Público do Trabalho suscitar, de ofício, o dissídio coletivo de greve. Poderia (poder-dever), sim, ajuizar ação civil pública objetivando a defesa dos interesses difusos da sociedade – e aqui os interesses são indivisíveis e os sujeitos indeterminados – destinatária daqueles serviços. (...) Percebe-se, sem esforço, que não há nos interesses difusos uma relação jurídica entre os potenciais trabalhadores, nem entre estes e os tomadores de seus serviços, mas o interesse público inerente a este tido de interesse exige uma atuação pronta e eficaz que pode ser defendida por intermédio de uma ação civil pública trabalhista.” (fls. 105, 106 e 107) “Enquanto sob a ótica meramente processual civilista os interesses individuais homogêneos possuem como pedra de toque pra distingui-los dos coletivos o fato de possibilitarem o ajuizamento de ações individuais pelos lesados, já sob o prisma trabalhista tal elemento distintivo inexistiria, pois também os interesses coletivos se revestem da mesma possibilidade jurídica (CLT, art. 195, § 2º. e 872, Parágrafo Único).” (fls. 107) Ademais, ainda em se tratando de direito individual homogêneo, o Ministério Público do Trabalho detém plena legitimidade para proposição da Ação Civil Pública

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respectiva, conforme entendimento do C. TST com relação ao tema em questão, consoante se pode observar: “PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO: ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, ILEGITIMIDADE PASSIVA E FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 83, III, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 75/93. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF/1988). Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, I e II, da CF/1988). No campo das relações de trabalho, ao Parquet compete promover a ação civil pública no âmbito desta Justiça para a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, bem assim outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (arts. 6º, VII, “d” e 83, III, da LC 75/93). A conceituação desses institutos se encontra no art. 81 da Lei nº 8.078/90, em que por interesses difusos entende-se os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, ao passo que os interesses coletivos podem ser tanto os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, como os interesses individuais homogêneos, subespécie daquele, decorrentes de origem comum no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo. Assim, a indeterminação é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinação é a daqueles interesses que envolvem os coletivos. Nesse passo, na hipótese dos autos, em que se verifica sociedade cooperativa com denúncia de fraude no propósito de intermediação de mão-de-obra, com a não-formação do vínculo empregatício, pleiteando-se obrigação de fazer e não fazer, os interesses são individuais, mas a origem única recomenda a sua defesa coletiva em um só processo, pela relevância social atribuída aos interesses homogêneos, equiparados aos coletivos, não se perseguindo aqui a reparação de interesse puramente individual. No que respeita à invocação de ilegitimidade passiva da recorrente, tendo sido a ela atribuída a lesão a direitos coletivos por estar se valendo de intermediação ilegal para contratação de empregados, é ululante a sua legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, não havendo cogitar em afronta ao art. 267, VI, do CPC.” (ORIGEM TRIBUNAL: TST DECISÃO: 08.10.2003 PROC: RR NUM: 738714 ANO: 2001 REGIÃO: 03 RECUROS DE REVISTA TURAM: 04 ÓRGÃO JULGADOR – QUARTA TURMA FONTE DJ DATA: 24-10-2003 PARTES RECORRENTE: CIA. VALE DO RIO DOCE. RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. RELATOR MINISTRO ANTÔNIO JOSÉ DE BARROS LEVENHAGEN).

Seguindo essa linha de entendimento, e verificando a legitimidade ad causam

do Ministério Público do Trabalho para a Ação Civil Pública Trabalhista, em

decorrência de previsão legal expressa, como na hipótese sub examine, tenho, pois,

como legítima, a sua atuação, na presente lide.

Dessa forma, não versando a causa sobre questão exclusivamente de direito,

mas envolvendo matéria fático-probatória, impõe-se, conseqüentemente, seja o

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processo devolvido à Vara de Origem, a fim de serem apreciados todos os demais

aspectos da lide, sob pena de supressão de instância.

Isto posto, dou provimento parcial ao Recurso para considera legítima a

atuação do Ministério Público do Trabalho no processo e determinar o retorno dos

autos à Vara de origem para apreciação dos demais aspectos da demanda.

Cinge-se a controvérsia em saber se o Ministério Público do Trabalho detém

legitimidade para ajuizar ação civil pública contendo pedido de tutela inibitória,

destinada a vedar o dispensa de empregados portadores do vírus da AIDS ou de

qualquer outra enfermidade, e de tutela condenatória, consistente no pagamento de

indenização por danos morais coletivos reversíveis ao Fundo de Amparo do

Trabalhador – FAT.

Trata-se, portanto, de um lado, de tutela preventiva, que visa a prevenir o

ilícito, e, de outro, de tutela reparatória (indenização por dano moral coletivo).

Nos termos dos arts. 1º e 3º da Lei nº 7.347/85, a ação civil pública é

destinada a conferir tutela efetiva aos direitos difusos e coletivos, tendo por objeto a

condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Impende assinalar que não há impedimento legal para a cumulação de

pedidos de tutela preventiva e ressarcitória.

A tutela inibitória funciona, nas palavras de Guilherme Marinoni, basicamente,

por meio de uma decisão ou sentença que impõe um não fazer ou um fazer,

conforme a conduta ilícita temida seja de natureza comissiva ou omissiva, e é

caracterizada por ser voltada para o futuro, independentemente de estar sendo

dirigida a impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. Este fazer ou não

fazer deve ser imposto sob pena de multa, o que permite identificar o fundamento

normativo-processual desta tutela nos arts. 461 do CPC e 84 do Código de Defesa

do Consumidor.

Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC enalteceram, sobretudo, a viabilidade da

ação civil pública inibitória, cuja função preventiva a coloca entre os mais

importantes instrumentos de tutela jurisdicional de direitos coletivos em sentido

amplo.

Sendo a inibitória uma tutela voltada para o futuro e genuinamente preventiva,

o dano não lhe diz respeito, pois este é requisito indispensável para o surgimento da

obrigação de ressarcir, mas não para a constituição do ilícito.

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O art. 129, III, da Constituição da República de 1988, autoriza o Ministério

Público a promover, mediante ação civil, a defesa dos interesses sociais difusos e

coletivos.

Por sua vez, o art. 83, III, da Lei Complementar nº 75/93 atribui ao Ministério

Público do Trabalho competência para promover, no âmbito da Justiça do Trabalho,

ação civil pública visando a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados

os direitos sociais constitucionalmente garantidos.

O interesse de agir do Ministério Público do Trabalho, ao ajuizar ação civil

pública trabalhista, radica no binômio necessidade-utilidade da tutela solicitada no

processo, com a finalidade de que a ordem jurídica e social dita violada pelo réu seja

restabelecida.

A circunstância de a demanda envolver discussão acerca de direitos que

variem conforme situações específicas, individualmente consideradas não é

suficiente, por si só, para impor limites à atuação do Ministério Público do Trabalho

na defesa de interesses sociais, sob pena de negar-se vigência ao art. 129, III, da

Constituição Federal, que credencia o Parquet a propor ação civil pública

relacionada à defesa do interesse coletivo amplo.

Assim, tratando-se o pleito de tutela inibitória, destinada a vedar prática

discriminatória fundada nas condições de saúde do empregado, e de tutela

condenatória, consistente no pagamento de indenização por danos morais coletivos

reversíveis ao Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT, o Ministério Público do

Trabalho tem legitimidade para ingressar com a ação civil pública.

Para ilustrar o entendimento acima expendido, destacam-se os seguintes

precedentes desta Corte Superior:

RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. DEFINIÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. DIREITOS DIFUSOS. LEGITIMIDADEDO MINISTÉRIOPÚBLICODO TRABALHO. 1. O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para pleitear, em ação civil pública, tutela inibitória, na defesa de direitos difusos, especialmente quando relacionados à observância de valores constitucionais, sob pena de afronta aos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade, que regem a Administração Pública. 2. O manejo de pretensão tendente ao resguardo de tais princípios integra as atribuições do -Parquet-, não se podendo condenar condição da ação em nome do mérito. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-206000-48.2006.5.01.0461, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT 24/09/2010).

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RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO ANTERIORMENTE À LEI N.º 11.496/2007. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. PAGAMENTO DE SALÁRIO ATÉ O QUINTO DIA ÚTIL DO MÊS SUBSEQÜENTE, FÉRIAS, ABONO E VERBAS RESCISÓRIAS. 1. Diante de uma interpretação sistemática dos arts. 6.º, VII, -d-, e 83, III, da Lei Complementar n.º 75/1993, 127 e 129, III, da Constituição Federal, depreende-se que o Ministério Público detém legitimidade para ajuizar Ação Civil Pública, buscando defender interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos. 2. O STF e esta Corte possuem o entendimento pacífico de que ao Ministério Público do Trabalho é conferida legitimidade para o ajuizamento de Ação Civil Pública para a defesa de direitos individuais homogêneos dos trabalhadores. 3. No caso dos autos, verifica-se que a pretensão do -Parquet- tem como finalidade o pagamento de salário até o quinto dia útil do mês subsequente, férias, abono pecuniário (art. 143 da CLT) até dois dias antes do início do período do gozo e verbas rescisórias nos prazos estabelecidos nas alíneas a e c do art. 477 da CLT, direito assegurado legal e constitucionalmente. 4. Patente, portanto, a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para o ajuizamento de Ação Civil Pública, porquanto se trata de direito social, que está sendo desrespeitado pela ora Embargada. Recurso de Embargos conhecido e provido. (TST-E-RR-734212-30.2001.5.23.5555, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, SBDI-1, DEJT 18/06/2010). EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O artigo 129, III, da CF confere legitimidade ao Parquet para tutelar os interesses difusos e coletivos, prevendo, ainda, em seu inciso IX, autorização ao Ministério Público para - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade -. O e. Supremo Tribunal Federal já decidiu que os interesses homogêneos são espécie dos interesses coletivos, registrando a máxima Corte que - Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. (...) Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas-. (RE 163231 / SP - São Paulo, Relator Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 29-06-2001). Nesse contexto, correta a e. Turma que reconheceu a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para ajuizar ação civil pública cujo objeto é que o empregador seja proibido de impedir que seus empregados anotem a real jornada de trabalho. Recurso de embargos conhecido e não provido. (TST- E-RR-173840-98.1998.5.15.0092, Relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires, SBDI-1, DEJT 09/10/2009). MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO. LEGITIMIDADE ATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. INTERESSE SOCIAL RELEVANTE. 1. Na dicção da jurisprudência corrente do Supremo Tribunal Federal, os direitos individuais homogêneos nada mais são do que direitos coletivos em sentido lato, uma vez que todas as formas de direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), passíveis de tutela mediante ação civil pública, são coletivas. 2. Considerando-se interpretação sistêmica e harmônica dos artigos 6º, VII, letras c e d, 83 e 84 Lei Complementar 75/93, não há como negar a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para tutelar direitos e interesses individuais homogêneos, sejam eles indisponíveis ou disponíveis. Os direitos e

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interesses individuais homogêneos disponíveis, quando coletivamente demandados em juízo, enquadram-se nos interesses sociais referidos no artigo 127 da Constituição Federal. 3. O Ministério Público detém legitimidade para tutelar judicialmente interesses individuais homogêneos, ainda que disponíveis, ante o notório interesse geral da sociedade na proteção do direito e na solução do litígio deduzido em juízo. Verifica-se, ademais, que o interesse social a requerer tutela coletiva decorre também dos seguintes imperativos: facilitar o acesso à Justiça; evitar múltiplas demandas individuais, prevenindo, assim, eventuais decisões contraditórias, e evitar a sobrecarga desnecessária dos órgãos do Poder Judiciário. 4. Solução que homenageia os princípios da celeridade e da economia processuais, concorrendo para a consecução do imperativo constitucional relativo à entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável. 5. Recurso de embargos conhecido e provido. (TST-E-RR-411489-59.1997.5.22.5555, Redator Ministro Lelio Bentes Corrêa, SBDI-1, DJ 07/12/2007).

Logo, revelando a decisão do Tribunal Regional consonância com a

jurisprudência dominante desta Corte Superior, a pretensão recursal não se viabiliza,

porquanto alcançado o objetivo precípuo do recurso de revista, que é a

uniformização da jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho. Incidência da

Súmula nº 333 do TST e art. 896, § 4º, da CLT.

CARÊNCIA DE AÇÃO

A Presidência do Tribunal de origem, no exercício do primeiro juízo de

admissibilidade, denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelo

reclamado, adotando, quanto à carência de ação, a seguinte fundamentação, verbis

(fls. 799 e 802):

Prossegue o recorrente alegando carência do direito de ação por impossibilidade jurídica do pedido ante a falta de amparo legal para que o recorrente seja condenado a pagar uma indenização por danos morais coletivos em favor do FATO, apelo neste tópico encontra-se desfundamentado, tendo em vista que o recorrente não apresenta o dispositivo legal ou constitucional que entende ter sido violado e sequer colaciona arestos para justificar uma possível divergência jurisprudencial. Não merece reparos a decisão denegatória. Da análise das razões recursais, constata-se que não foram indicadas violações dos dispositivos constitucionais ou infraconstitucionais, tampouco divergência jurisprudencial para fundamentar o pleito. Dessa forma, não se enquadrando em nenhuma das hipóteses de admissibilidade previstas no art. 896 da CLT, inviável a admissibilidade do recurso de revista, no tópico.

TUTELA INIBITÓRIA. VEDAÇÃO À DISPENSA OU RETALIAÇÃO DE

EMPREGADOS PORTADORES DO VÍRUS DA AIDS OU DE QUALQUER OUTRA

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ENFERMIDADE Verifica-se que, no agravo de instrumento, cuja fundamentação é

vinculada, o agravante não renova a argumentação expendida acerca da

possibilidade de se conceder a tutela inibitória consistente na proibição do recorrido

dispensar empregados portadores do vírus da AIDS ou acometidos de outras

enfermidades, tampouco reitera as violações legais e constitucionais, bem como a

divergência jurisprudencial, pertinentes ao tema, circunstância que, à luz do princípio

processual da delimitação recursal, caracteriza a renúncia tácita ao direito de

recorrer.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. ATO ATENTATÓRIO

ÀS GARANTIAS FUNDAMENTAIS.

O Juízo de admissibilidade do Tribunal de origem, quanto à indenização por

danos morais coletivos, denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelo

reclamado, adotando a seguinte fundamentação, verbis (fl. 803):

Por outro lado, a violação dos arts. 3º e 13º da Lei nº 7.347/85 não se concretizou, em virtude da interpretação razoável oferecida pelo Tribunal em torno do tema, sendo aplicada a legislação que melhor se ajusta ao caso concreto. Inteligência da Súmula nº 221/TST. No ponto relacionado com a violação do art. 818 da CLT, sob o argumento de que não ficou provado nos autos que o recorrente rescindiu o contrato de trabalho da autora pela simples razão de ser ela portadora do vírus da AIDS, observa-se que o recorrente deseja revolver matéria fático-probatória, inviável nesta fase recursal, a teor do Verbete Sumular nº 126/TST. No mais, o recorrente transcreve arestos objetivando a configuração de divergência jurisprudencial quanto aos seguintes temas: dano moral supostamente causado à coletividade e ausência de prova do nexo causal entre a ofensa e o dano, bem como os critérios para fixação da indenização do dano moral. Neste aspecto, também não prospera o apelo, senão vejamos: o aresto transcrito, à fl. 735, é oriundo do Superior Tribunal de Justiça; os arestos, às fls. 735 e 758, são oriundos do Superior Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça do Paraná e Rio Grande do Sul, bem como os arestos acostados, às fls. 736/738, originários de Varas dos Regionais, não servindo para o confronto de teses, a teor do artigo 896, “a”, da Consolidação das Leis do Trabalho. Os acostados, às fls. 751/752 e 759, não possuem a fonte ou o repositório oficial de sua publicação, encontrando óbice no Verbete Sumular nº 337/TST. Já os de fls. 749 e 754/756 também são inservíveis para o confronto de teses, uma vez que não abordam todos os aspectos da lide, aplicando-se, por conseguinte, as Súmulas nºs 23 e 296/TST.

Nas razões do agravo de instrumento, o reclamado insurge-se contra o

deferimento da indenização por danos morais coletivos. Renova a tese de que a

ação civil pública não pode ter por objeto a condenação cumulativa em dinheiro e o

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cumprimento de obrigação de não fazer, in casu, respectivamente, a indenização de

R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) por danos morais coletivos e a

obrigação de não fazer, consistente na obrigação de não demitir empregado

portador do vírus HIV.

Reafirma que não há previsão legal dispondo sobre indenização por danos

morais coletivos, não houve discriminação no caso concreto, não houve nenhum

nexo causal entre o caso apontado e os alegados danos morais coletivos, sendo,

portanto, totalmente improcedente a respectiva condenação.

Sustenta que era seu direito rescindir o contrato de trabalho de Maria Betânia

Pessoa Coelho e que “só ficou sabendo de ser ela portadora do vírus da AIDS, após

ter sido aperfeiçoada a rescisão de seu contrato de trabalho, ou seja, bem após, ter

sido homologada pelo Sindicado dos Bancários e ter ela recebido todas as verbas

rescisórias, inclusive o ‘plus’ decorrente de sua adesão do PDI – Programa de

Desligamento Incentivado”.

Reitera a violação dos arts. 2º, caput, da CLT, 3º e 13 da Lei nº 7.347/85, 188,

I, do Código Civil e 5º, II, da Constituição Federal e aduz que a divergência

jurisprudencial restou demonstrada.

Não procede a insurgência.

O Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região reformou a decisão de 1º grau

para, na forma dos arts. 1º, V, 3º e 13 da Lei nº 7.347/85, condenar o reclamado ao

pagamento de indenização decorrente de danos morais coletivos. A decisão foi

proferida, às fls. 709-723, nos seguintes termos, verbis:

DA CONDENAÇÃO NA REPARAÇÃO DO DANO MORAL COLETIVO Concluindo-se pela existência de uma grave transgressão a interesses difusos da sociedade, há de se acolher a pretensão destinada ao ressarcimento do dano moral coletivo. Com efeito, a reparabilidade do dano moral cometido em desfavor do meio social é questão já assentada no âmbito doutrinário e jurisprudencial. O ataque aos princípios básicos de constituição da sociedade através da negativa de eficácia de garantias fundamentais constituiu uma ofensa ao patrimônio moral coletivo. Sendo assim, revela-se útil e até necessário que se procede à reparação pecuniária do ato atentatório às garantias fundamentais, como forma pedagógica, no sentido de inibir novas condutas ofensivas. É importante frisar que a reparação do dano moral não é novidade dentro da nossa jurisprudência. Mercê transcrição o brilhante acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região tratando de questão idêntica, verbis TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO DECISÃO: 12 05 2003 TIPO: R0 Nº00726 ANO: 2001 ÓRGÃO JULGADOR: 2ª TURMA PARTES

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Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLO DO TRABALHO – PROCURADORIA REGINAL DO TRABALHO DA 10º REGIÃO Recorrente: INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE – ICS Recorridos: OS MESMOS RELATOR: Juiz JOSÉ RIBAMAR O. LIMA JÚNIOR REVISORA: Juíza FLÁVIA SIMÕES FALCÃO EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO. O proceder patronal, consistente em coagir os empregados à prática de atos divorciados do seu íntimo querer, com o objetivo único de obter expressiva vantagem financeira, em detrimento de direitos por ele próprio sonegados, mas reconhecidos aos trabalhadores pelo Poder Judiciário, desafia a cominação de indenização revertida ao FAT, obrigação que também contempla caráter pedagógico.

DA OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA Para

melhor compreensão da controvérsia, passo a uma breve exposição de alguns fatos:

O Ministério Público do Trabalho, após receber denúncias da existência de coação

sobre os empregados que demandavam contra o Instituto Candango de

Solidariedade, promoveu a apuração dos fatos mediante Procedimento Preparatório

cuja cópia habita as fls.27/147 destes autos. O referido Procedimento Preparatório

traz cópia das sentenças das reclamações trabalhistas e respectivos acordos: (às

fls. 49/67); Há, ainda, requerimento do advogado de alguns dos empregados do réu,

Dr. Leador Machado, junto ao MPT, almejando providências contra as atitudes

discriminatórias do reclamado; depoimento de empregados supostamente coagidos

(às fls. 80/81 c/c 108/199); notícia da coação publicada no jornal Correio Braziliense

(às fls. 83); depoimento de empregados da Coordenação Jurídica do reclamado (às

fls. 90/97) e requerimento para anulação de acordos que contivessem vício de

vontade (às fls. 140). A tutela antecipada foi deferida, conforme despacho às fls.

152. Juntaram-se os recibos de quitação referentes aos acordos das Sras. Jovelina

de Souza, Ana Carolina Machado Teixeira e Margarete da Silva Borges (às fls. 177 e

seguintes). Foi colacionada pelo reclamado a lista de empregados e ex-empregados

que demandam na Justiça do Trabalho (às fls. 183/190). Em seguida, o Ministério

Público do Trabalho ajuizou a presente ação civil pública, asseverando que recebera

denúncia da Sra. Marta de Figueiredo Vieira da Silva de que o reclamado estaria

coagindo, por meio do advogado Robson Neves Fiel dos Santos, os empregados

que tivessem ações trabalhistas para que renunciassem a seus direitos ou

aceitassem acordos lesivos, sob pena de serem despedidos. Requereu, assim, a

condenação do reclamado para que se abstivesse de tais práticas sob pena de

aplicação de multa no valor de R$ 50.000,00 para cada empregado coagido. O

reclamado defendeu-se, aduzindo que não obrigou qualquer funcionário que tivesse

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ajuizado ação trabalhista em seu desfavor, a renunciar seus direitos sob pena de

dispensa. A decisão originária, esposando a tese autoral, deferiu o pleito. Insurge-se

o réu contra essa decisão, asseverando que "jamais obrigou qualquer empregado

seu, que lhe movesse ação trabalhista, a celebrar acordo ou renunciar seus direitos

sob pena de demissão" (às fls. 313). Sustenta que o depoimento da Sra. Ana

Carolina Machado Teixeira, utilizado como elemento de prova, está em contradição

com o documento de fls. 179. Argumenta que a lista de fls. 183/190 demonstra que

há empregados que mantêm ação na Justiça, mas que permanecem nos seus

quadros, buscando demonstrar a lisura da sua conduta. Alega, por fim, que a fita

magnética contendo gravações dos empregados, que foi utilizada nos autos, é prova

ilícita, uma vez que violaria a intimidade dos interlocutores, não podendo ser

utilizada como prova. Sem razão, contudo. Não há contradição entre o depoimento

da Sra. Ana Carolina Machado Teixeira e o documento de fl. 179. Em seu

depoimento, a Sra. Ana Carolina declarou que "procurou o Dr. Robson advogado do

Instituto Candango, eis que soube que deveria fazer um acordo ou perderia o seu

emprego" . Confirmou a ameaça de perda do emprego feita pelo Sr. Robson: "que o

Dr. Robson ainda afirmou que caso a depoente não fizesse o acordo seria

dispensada"; atestou, ainda, a falta de manifestação espontânea de vontade, pois

afirmou que embora reconhecesse a sua assinatura no documento de fl. 179 -

acordo para por fim à demanda judicial-, esclareceu que" copiou a declaração ali

constante de um texto que lhe foi entregue pelo Dr. Robson...; que ninguém obrigou

a depoente assinar;" Todavia, demonstrou a coação ao declinar que "fez o acordo

com Instituto com receio de perder o seu emprego" (às fls. 208/209). Pontuo que a

lista de nomes de empregados que demandam na Justiça do Trabalho não é

suficiente para elidir a prova da existência de coação por parte do reclamado, pois

as informações ali contidas em nada se contrapõem à existência da alegada

imputação verificada no conjunto probatório. Também não prospera a alegação da

recorrente de ilicitude da prova produzida em gravação de fita magnética, sem a

autorização de todos os interlocutores. As fitas, cuja transcrição está às fls. 69/75,

não constituem meio ilícito de prova, uma vez que contou com a autorização de um

dos interlocutores. Nesse sentido a jurisprudência da Suprema corte: "Ementa:

Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a

chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de

concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por

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caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. (Precedentes do

Supremo Tribunal HC 74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, sessão de 24-6-97,

ambos da Primeira Turma.) Não se vislumbra, portanto, a alegada violação à

intimidade. Ademais, a conclusão do Juízo originário não se lastreou no conteúdo da

referida fita, apoiando-se nas demais provas dos autos. Tal fato afasta a cogitação

de nulidade da prova. Nesse sentido aponta a jurisprudência do excelso STF:

PROVA - ILICITUDE - IRRELEVÂNCIA. Se o provimento condenatório está

lastreado nas demais provas coligidas, descabe cogitar de nulidade em decorrência

de alusão a gravação que o acusado tenha como ilícita. (Publicação: DJ DATA-08-

05-92 PP-06268 EMENT VOL-01660-03 PP-00458 RTJ VOL-00141-03 PP-00924 -

Julgamento: 31/03/1992 - Segunda Turma) Diante disso, mantenho a decisão

originária que determinou a obrigação de não fazer, consistente na abstenção de

qualquer ato discriminatório decorrente do ajuizamento de ações judiciais ou

intenção de ajuizamento, com a respectiva cominação de multa em caso de

descumprimento. Recurso desprovido no particular. III. 5 - RECURSO DO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

COLETIVOS. Requereu o autor a condenação do reclamado no valor de R$

350.000,00, correspondente a 5% do total do passivo trabalhista do Instituto

demandado (que está na ordem de R$ 7.000.000,00), a título de indenização, e que

"teria o condão, não só de recompor a ordem jurídica vulnerada, mas também de

desestimular práticas com o mesmo potencial nocivo desta em testilha" (às fls. 22).

A sentença atacada determinou "que o Requerido se abstenha da prática de

qualquer ato discriminatório decorrente do ajuizamento ou intenção de ajuizamento,

sob pena de pagamento de multa de R$ 50.000,00 por empregado ameaçado,

punido ou dispensado, a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador" (às

fls.243). Indeferiu, todavia, o pedido de indenização por danos morais coletivos, no

importe de R$ 350.000,00, entendendo que não existe norma legal ou determinação

judicial anterior que estabeleça penalidade para as atitudes patronais. Insurge-se o

autor contra essa decisão, asseverando que seu pedido encontra amparo nos

artigos 1º, 3º e 13 da Lei 7.347/85 que prevê a possibilidade de se impor

condenação nos casos de dano moral coletivo. Assevera que houve um dano moral

geral causado à "toda coletividade de trabalhadores da ré, assim como a própria

sociedade, na medida em que violada a ordem social,... Configura- se, portanto, a

lesão não só a interesse coletivos, como também a interesses difusos" (às fls. 286).

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Vejo próspero o recurso no presente tópico. À toda evidência, o procedimento

adotado pelo réu causa repulsa, na medida em que coage os trabalhadores à prática

de atos divorciados do seu íntimo interesse, com o objetivo único de obter

expressiva vantagem financeira, em detrimento de direitos por ele próprio

sonegados, mas reconhecidos aos trabalhadores pelo Poder Judiciário. Do proceder

empresarial emergem indiscutíveis prejuízos não só de ordem financeira, como

também de ordem moral, este último, alcançando todos os trabalhadores que se

encontram na mesma situação, ou seja, mantém demanda trabalhista contra o réu.

Há, outrossim, o efeito nefasto, intimidatório, em relação àqueles trabalhadores que,

tendo créditos trabalhistas sonegados, deixam de exercitar o constitucional direito de

ação. Esse conjunto de fatores externa conduta empresarial com indiscutível

potencial de lesividade aos direitos dos trabalhadores, com intensidade para atrair a

cominação de indenização, a qual, como bem observa o autor, no âmbito da ação

coletiva, tem função preventivo-pedagógica. Aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem,

fica obrigado a reparar o dano, preconiza o artigo 159, do Código Civil Brasileiro de

1916. Diante dessas considerações, tendo a conduta empresarial consubstanciado

violação aos direitos dos empregados, conforme delineado em parágrafo transato,

dou provimento ao recurso, para condenar o réu ao pagamento de indenização

revertida ao FAT, no importe de R$ 350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais), na

forma das disposições legais acima mencionadas. CONCLUSÃO Ante o exposto,

conheço dos recursos interpostos, sendo o do demandado parcialmente. No mérito,

nego provimento ao recurso empresarial e dou provimento ao do autor, para

condenar o réu ao pagamento de indenização no importe de R$ 350.000,00,

revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Tudo, nos termos da

fundamentação. É o meu voto. Por tais fundamentos, ACORDAM os Juízes da

Segunda Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, em

Sessão Ordinária, à vista do contido na certidão de julgamento (fl. retro), aprovar o

relatório, conhecer dos recursos interpostos, sendo o do demandado parcialmente.

No mérito, negar provimento ao recurso empresarial e dar provimento ao do autor,

para condenar o réu ao pagamento de indenização no importe de R$ 350.000,00,

revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Tudo nos termos da fundamentação.

Brasília (DF), 07 de maio de 2003. (data do julgamento). JOSÉ RIBAMAR O. LIMA

JUNIOR JUIZ RELATOR. (Destaque nosso.)

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Sendo assim, impõe-se a reforma da decisão de primeiro grau, para, na forma

da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, arts. 1º, V, 3º e 13, condenar o recorrido ao

pagamento de indenização decorrente de danos morais coletivos.

Considerando a capacidade econômica do Banco que, conforme relatou nas

contra-razões, tem mais de 22.000 empregados, impõe-se o acolhimento integral do

valor da indenização proposto na petição inicial, ou seja, R$ 250.000,00 (duzentos e

cinqüenta mil reais).

CONCLUSÃO

Isto posto, dou provimento ao recurso ordinário interposto pelo Ministério

Público do Trabalho, para, reformando a sentença às fls. 606/610, condenar o

BANCO ABN AMRO REAL S/A: a) a se abster de despedir empregado, ou retaliá-lo

de qualquer outra maneira, em razão de ser ele portador do vírus da AIDS ou estar

acometido por qualquer outra enfermidade, fixando, desde logo, pena pecuniária de

R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) por empregado atingido, reversíveis

ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT e sem prejuízo de outras medidas para

a efetivação da tutela inibitória; b) a pagar indenização por danos morais coletivos

de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), também reversíveis ao Fundo de

Amparo ao Trabalhador FAT.

Do cotejo entre as razões recursais e a decisão recorrida, constata-se que o

agravante não consegue infirmar os fundamentos da decisão agravada e,

consequentemente, demonstrar ofensa à literalidade dos dispositivos legais e

constitucionais apontados01535407220035130003 como malferidos, tampouco

divergência jurisprudencial, nos moldes do art. 896, a e c, da CLT.

Com efeito, consoante já assentado no exame da suscitada ilegitimidade

passiva ad causam do Ministério Público do Trabalho, a ação civil pública é

destinada a conferir tutela efetiva aos direitos difusos e coletivos, tendo por objeto a

condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, não

havendo impedimento legal para a cumulação de pedidos de tutela preventiva e

ressarcitória. Ao contrário, o art. 3º da Lei da ACP prevê, de forma expressa, o

objeto da condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não

fazer, não significando, contudo, que seja condenação alternativa, mas cumulativa, a

depender do objeto e da lesão.

Nesse sentido, vale destacar o seguinte precedente:

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONDENAÇÃO EM DINHEIRO E EM OBRIGAÇÃO DE FAZER OU NÃO FAZER. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. A partícula -ou- constante do texto do art. 3º da Lei 7.347/1985 (Lei da ACP) não estabelece uma alternativa excludente mas equivale à expressão -também-, porquanto a lei teve em vista expressar que o objeto da Ação Civil Pública não é apenas a condenação em dinheiro, mas também a obrigação de fazer e/ou a obrigação de não fazer. Assim, ao verificar que a aplicação de apenas uma das espécies de penalidade previstas na lei não enseja tutela jurisdicional integral ao bem tutelado, é permitido ao magistrado cumular a condenação de obrigação de fazer ou de não fazer com a de indenizar. Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST-RR-149900-70.2003.5.01.0302, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT 18/09/2009).

Ilesos, pois, os arts. 3º e 13 da Lei nº 7.347/85.

Quanto à indigitada violação do arts. 2º, caput, da CLT e 188, I, do Código

Civil, observa-se que o Tribunal Regional não dirimiu a controvérsia à luz dos

referidos dispositivos, tampouco foi instado a fazê-lo por meio dos embargos de

declaração opostos, circunstância que o que atrai a incidência da Súmula nº 297, I e

II, do TST, ante a ausência do imprescindível prequestionamento.

Mesmo que assim não fosse, os apontados dispositivos não impulsionariam o

recurso de revista. O art. 2º, caput, da CLT limita-se a conceituar a figura do

empregador, o segundo excetua, dos atos ilícitos, os atos praticados em legítima

defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, revelando-se, pois,

impertinentes à questão dos autos.

De outro lado, frise-se que a alegação de ofensa ao princípio da legalidade,

inserto no art. 5º, II, da Constituição Federal, também não viabiliza o acesso à via

recursal extraordinária. Isso porque, sendo princípio genérico, a violação do referido

dispositivo constitucional não se configura, em regra, de forma direta e literal,

somente se aferindo por via reflexa, a partir de eventual ofensa à norma de natureza

infraconstitucional. Nesse sentido, a Súmula 636 do excelso STF.

Por fim, no que tange à divergência jurisprudencial, nenhum dos arestos

renovados nas razões do agravo de instrumento abordam a indenização por dano

moral coletivo, revelando-se, pois, inespecíficos, à míngua da indispensável

identidade de premissas fáticas, o que atrai a incidência das Súmulas nos 23 e 296, I,

do TST.

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VALOR DA MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL E DA

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS

A Vice-Presidência do Tribunal a quo, relativamente ao tópico, denegou

seguimento ao recurso de revista, sob os seguintes fundamentos, verbis (fl. 803):

No mais, o recorrente transcreve arestos objetivando a configuração de divergência jurisprudencial quanto aos seguintes temas: dano moral supostamente causado à coletividade e ausência de prova do nexo causal entre a ofensa e o dano, bem como os critérios para fixação da indenização do dano moral. Neste aspecto, também não prospera o apelo, senão vejamos: o aresto transcrito, à fl. 735, é oriundo do Superior Tribunal de Justiça; os arestos, às fls. 735 e 758, são oriundos do Superior Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça do Paraná e Rio Grande do Sul, bem como os arestos acostados, às fls. 736/738, originários de Varas dos Regionais, não servindo para o confronto de teses, a teor do artigo 896, “a”, da Consolidação das Leis do Trabalho. Os acostados, às fls. 751/752 e 759, não possuem a fonte ou o repositório oficial de sua publicação, encontrando óbice no Verbete Sumular nº 337/TST. Já os de fls. 749 e 754/756 também são inservíveis para o confronto de teses, uma vez que não abordam todos os aspectos da lide, aplicando-se, por conseguinte, as Súmulas nºs 23 e 296/TST.

O reclamado, nas razões do agravo de instrumento, requer, caso mantida a

procedência da presente ação civil pública, a redução, com a fixação de um valor

razoável e proporcional, do valor arbitrado para o caso de descumprimento da

determinação judicial e para a indenização por dados morais coletivos. Renova um

aresto do TRT da 4º Região (fl. 20).

O recurso não alcança admissão.

O único aresto apresentado para fundamentar o pleito, além de não

apresentar a fonte oficial em que foi publicado, em desacordo com o disposto na

Súmula nº 337, I, a, TST, é inespecífico, nos termos das Súmulas nos 23 e 296, I, do

TST, porquanto não abrange os fundamentos e premissas adotados pela decisão

recorrida.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho,

por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, negar-lhe

provimento.

Brasília, 07 de dezembro de 2010.

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Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

WALMIR OLIVEIRA DA COSTA

Ministro Relator

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ANEXO D – Embargos em Recurso de Revista nº TST-E-RR-366/2000-021-15-00.6

NUMERAÇÂO ANTIGA: E-RR - 366/2000-021-15-00 PUBLICAÇÃO: DEJT - 14/11/2008

EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. DECISÃO EMBARGADA PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. TRABALHADOR PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO. A e. Turma negou provimento ao recurso da reclamada, ao fundamento de que (...) a reintegração do reclamante foi deferida em razão do ato discriminatório praticado pelo empregador, uma vez que restou incontroverso que ele era portador do vírus da aids. Nesse contexto, comprovada a atitude discriminatória da empresa, não se vislumbra malferimento aos dispositivos da Constituição Federal denunciados, mas a correta observância do que dispõem os princípios constitucionais que proíbem a discriminação e que valorizam o trabalho e protegem a dignidade da pessoa. Recurso de embargos não conhecido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de

Revista nº TST-E-RR-366/2000-021-15-00.6 , em que é Embargante COMPANHIA

BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO e Embargado SÉRGIO DE PAULA ANDRADE.

A e. 5ª Turma do c. Tribunal Superior do Trabalho, por meio do v. acórdão às fls.

322-331, negou provimento ao recurso de revista da reclamada, no tocante à

reintegração, por entender que a dispensa do autor, portador do vírus HIV, fora

discriminatória.

A empresa interpõe recurso de embargos (fls. 337-343). Sustenta que a

discriminação somente se configura se houver nexo de causalidade imediato entre o

conhecimento da doença pelo empregador e a rescisão contratual, não tendo sido

constatada tal ocorrência in casu .Denuncia ofensa a dispositivos de lei e da

Constituição Federal e divergência com os arestos que traz a cotejo. Não foi

apresentada impugnação (certidão à fl. 347), sendo dispensada a remessa dos

autos ao d. Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 83, § 2º, II, do

RITST.

É o relatório.

V O T O

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Satisfeitos os requisitos gerais referentes à tempestividade (fls. 332 e 337),

representação (fl. 335) e preparo (fls. 187, 188, 309 e 344), passo à análise dos

específicos do apelo.

1 – CONHECIMENTO

1.1 -PORTADOR DO VIRUS HIV DISPENSA DISCRIMINATÓRIA –

REINTEGRAÇÃO A e. Turma assim decidiu: Toda argumentação trazida pela

recorrente, pretendendo a reforma do julgado, será analisada conjuntamente, já que,

sob o manto das violações que aponta, questiona a possibilidade de ser deferida a

reintegração no emprego de trabalhador acometido pelo vírus HIV, muito embora,

segundo entende, não haja prova da discriminação e lei que ampare a pretensão

inicial.

Restou delimitado no julgado que as duas testemunhas arroladas pelo autor

esclarecem que o encarregado da loja informou aos funcionários sobre o fato de ser

o reclamante portador do vírus da AIDS, recomendando para que evitassem contato

com ele (fls. 35/36) .

Consta do julgado, ainda, que a segunda testemunha ouvida afirmou que

chegou a ouvir encarregados referirem-se ao reclamante como uma coisa e que não

viam a hora de se verem livres (fl. 275). Concluiu-se, então, que a prova oral

produzida pelo autor não deixa dúvida de que existiu a discriminação no ambiente

de trabalho, em razão da doença e de sua divulgação aos demais empregados,

sendo esta a causa ensejadora da rescisão contratual por iniciativa do empregador

(fls.275).

A jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que o empregado

soropositivo, em razão das garantias constitucionais que proíbem práticas

discriminatórias e asseguram a dignidade da pessoa humana, tem direito à

reintegração, mesmo não havendo legislação que garanta a estabilidade no

emprego, desde que caracterizada a dispensa arbitrária e discriminatória. Nesse

sentido:

REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. 1. Caracteriza atitude discriminatória ato de Empresa que, a pretexto de motivação de ordem técnica, dispensa empregado portador do vírus HIV sem a ocorrência de justa causa e já ciente, à época, do estado de saúde em que se encontrava o empregado. 2. O repúdio à atitude discriminatória, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 3º, inciso IV), e o próprio respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento basilar do Estado Democrático de Direito (artigo 1º,

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inciso III), sobrepõem-se à própria inexistência de dispositivo legal que assegure ao trabalhador portador do vírus HIV estabilidade no emprego. 3. Afronta aos artigos 1º, inciso III, 5º, caput e inciso II, e 7º, inciso I, da Constituição Federal não reconhecida na decisão de Turma do TST que conclui pela reintegração do Reclamante no emprego. 4. Embargos de que não se conhece. (E-RR 439.041/1998, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJ 23.05.2003, decisão unânime). EMBARGOS. REINTEGRAÇÃO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADO PORTADOR DA SIDA (AIDS) Tratando-se de dispensa motivada pelo fato de ser o empregado portador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA e sendo incontestável a atitude discriminatória perpetrada pela empresa, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, a despedida deve ser considerada nula, sendo devida a reintegração. Embargos não conhecidos.- (E-RR 217.791/1995, Rel. Min. Vantuil Abdala, DJ 02.06.2000).PORTADOR DO VÍRUS HIV. REINTEGRAÇÃO. Em circunstâncias nas quais o trabalhador é portador do vírus da Aids e o empregador tem ciência desse fato, o mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir discriminação e arbitrariedade. A circunstância de o sistema jurídico pátrio não contemplar previsão expressa de estabilidade no emprego para o soropositivo de HIV não impede o julgador trabalhista de valer-se da prerrogativa inserta no art. 8º da CLT, para aplicar à espécie os princípios gerais do direito, notadamente as garantias constitucionais do direito à vida, ao trabalho e à dignidade, insculpidos nos arts. 1º, incisos III e IV; 3º, inciso IV; 5º, caput e XLI, 170 e 193 da Carta Política, além da previsão do art. 7º, inciso I, também da Constituição Federal, que veda a despedida arbitrária. Recurso de revista conhecido e provido . (RR - 76089/2003-900-02-00, Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa, DJ 17/06/2005 ).

De fato, a Constituição Federal estabelece como princípios fundamentais,

simultaneamente, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa (artigo 1º, IV). Em

verdade, o trabalho é ao mesmo tempo um direito e uma obrigação de cada

indivíduo, mesmo porque, para viver, o homem precisa trabalhar. Não é menos

verdade que, como reflexo da liberdade humana, a liberdade de iniciativa no campo

econômico também foi acolhida pela Constituição.

A interpretação dos princípios constitucionais deve respeitar a unicidade da

Constituição da República, de modo a garantir a máxima efetividade desses

princípios. Em uma análise abstrata, não há que se falar em colisão entre os

princípios que tratam dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. De um

modo geral, ambos podem ser exigidos integralmente, sem qualquer redução.

Entretanto, no caso concreto, a valorização do trabalho desenvolvido pelo

reclamante encontrou obstáculo na livre iniciativa patronal, que não relutou em

rescindir o contrato de trabalho, utilizando-se da possibilidade de indenizar o

empregado nos moldes da legislação vigente. Ocorre que, conforme delimitado, a

reintegração do reclamante foi deferida em razão do ato discriminatório praticado

pelo empregador, uma vez que restou incontroverso que ele era portador do vírus da

aids. Até mesmo o fato de o reclamante ter problemas de relacionamento com

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colegas de serviço, está atrelado à sua condição de soropositivo, pois a

discriminação também partiu dos próprios colegas de trabalho. De tal forma, a

inexistência de texto de lei prevendo a estabilidade do trabalhador infectado pelo

vírus HIV não impede a sua reintegração no serviço, já que comprovado que a

rescisão foi motivada por atos de discriminação, em evidente afronta aos princípios

gerais do direito, especialmente no que se refere às garantias constitucionais do

direito à vida, ao trabalho, à dignidade da pessoa humana e à igualdade (artigos 1º,

III e IV; 3º, IV; 5º, caput e XLI, 7º, I, 170 e 193 da Constituição Federal).

Por fim, a alusão feita pela recorrente de que a testemunha era suspeita

não merece ser acolhida. O fato dela, testemunha, e o reclamante residirem na

mesma rua não a impede de prestar depoimento sob o compromisso de dizer a

verdade. Repita-se que a eventual discrepância detectada na qualificação da

testemunha - especificamente quanto ao seu endereço - não invalida o seu

testemunho. Quanto à alegada inexistência da discriminação, a pretensão da

recorrente encontra óbice no que consagra a Súmula nº 126 deste Tribunal Superior

do Trabalho, na medida em que uma avaliação diversa daquela constante do julgado

dependeria exclusivamente do reexame da prova produzida.

Restam, assim, afastadas as violações alegadas pela recorrente.Nestes

termos, nego provimento ao recurso de revista (fls. 328-330). Alega a reclamada

que a discriminação somente se configura se houver vínculo de causalidade direto

entre o conhecimento da doença, pela empresa, e a dispensa do reclamante. Diz

que os fatos reconhecidos pelas instâncias ordinárias afastam esse nexo e que a

dispensa do autor ocorreu de forma regular, dentro dos limites do seu direito

potestativo.

Assevera que o reclamante foi dispensado após mais de dois anos da

comunicação de sua condição de soropositivo e que durante esse período, a

empresa manteve o empregado em seus quadros, porporcionando-lhe

acompanhamento psicológico e assistencial. Argumenta que, salvo na hipótese de

dispensa discriminatória, que sustenta não ter ficado demonstrada, in casu , não há

respaldo em lei para se reconhecer estabilidade do empregado portador do vírus

HIV.

Denuncia malferimento aos artigos 1º, III e IV, 3º, IV, 5º, caput e XLI, 7º, I,

170 e 193 da CF; 10 do ADCT; 477 e parágrafos da CLT e divergência com os

arestos às fls. 342-343. Sem razão. O primeiro aresto à fl. 342, proferido pela

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mesma e. Turma prolatora do v. acórdão recorrido é inservível ao fim pretendido, na

medida em que o artigo 894 da CLT prevê o cabimento dos embargos contra as

decisões de Turmas que divergirem entre si.

O segundo aresto à mesma folha é inespecífico, porquanto expressa

entendimento de ausência de discriminação na hipótese em que a dispensa ocorreu

antes da constatação da doença. A alegação da reclamada de que a dispensa

ocorreu mais de dois anos após o conhecimento da doença, para sustentar que não

houve prática discriminatória, é aspecto fático que não foi disponibilizado nos vv.

acórdãos proferidos pelo e. Tribunal Regional e pela Turma do c. TST. Assim, a

análise do argumento esbarra no óbice da Súmula 126/TST.

Nesse contexto, comprovada a atitude discriminatória da empresa, não se

vislumbram malferimento aos dispositivos denunciados. Não conheço.

STO POSTO ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em

Dissídios Individuais do Tribunal Sup e rior do Trabalho, por unanimidade, não

conhecer do recurso de embargos.

Brasília, 06 de novembro de 2008.

HORÁCIO SENNA PIRES Ministro Relator

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Deposite-se na Secretaria do Mestrado.

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Professor (a) Orientador (a) Curitiba, ____/_____/________

Recebido em: _______/________/________

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Secretaria