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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL EVILENE PESSOA DE NEGREIROS O PETI NO ENFRENTAMENTO AO TRABALHO INFANTIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DO OLHAR DAS FAMÍLIAS INSERIDAS NO PROGRAMA E ATENDIDAS PELO CRAS BOM JARDIM, FORTALEZA / CE. FORTALEZA 2013

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

EVILENE PESSOA DE NEGREIROS

O PETI NO ENFRENTAMENTO AO TRABALHO INFANTIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DO OLHAR DAS FAMÍLIAS INSERIDAS NO PROGRAMA E ATENDIDAS

PELO CRAS BOM JARDIM, FORTALEZA / CE.

FORTALEZA 2013

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EVILENE PESSOA DE NEGREIROS

O PETI NO ENFRENTAMENTO AO TRABALHO INFANTIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DO OLHAR DAS FAMÍLIAS INSERIDAS NO PROGRAMA E ATENDIDAS

PELO CRAS BOM JARDIM, FORTALEZA / CE.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social da Faculdade Cearense como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Serviço Social.

FORTALEZA 2013

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EVILENE PESSOA DE NEGREIROS

O PETI NO ENFRENTAMENTO AO TRABALHO INFANTIL: UMA ANÁLISE A

PARTIR DO OLHAR DAS FAMÍLIAS INSERIDAS NO PROGRAMA E ATENDIDAS PELO CRAS BOM JARDIM, FORTALEZA / CE.

Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/ ____/____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________

Ms. Ana Paula da Silva Pereira Orientadora

__________________________________

Ms. Silvana Maria Pereira Cavalcante Universidade Estadual do Ceará

__________________________________

Esp. Maria Márcia Silva Nogueira Prefeitura Municipal de Fortaleza

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Aos meus Pais, Nilce e José Augusto, o imenso amor, o

apoio, a confiança e os ensinamentos que constituíram

um valioso tesouro que me acompanha (e acompanhará)

ao longo de minha caminhada.

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AGRADECIMENTOS

À Deus Pai criador, a presença constante na vida dessa filha tão teimosa. Os “nãos”,

que muitas vezes desviaram-me do caminho ilusório e desejado, mas que me

levaram para o caminho traçado por ti.

Aos meus pais, o amor incondicional dedicado a mim e as minhas irmãs, assim

como a educação construída a partir do respeito e do diálogo.

Às minhas irmãs Eveline e Aline, o companheirismo, e em especial à Aline (minha

caçula), os empréstimos de livros e a sua prontidão, sempre que necessário.

Ao Hedy, a presença companheira, o apoio e paciência, o bom humor quase

inabalável e, sobretudo, o seu amor.

Às minhas amigas, Angélica, Marisa, Raquel, Mayara, Daiane, Jamylly e Carla

Lúcia, agradeço-lhes os quatro anos de amizade, diálogo e cumplicidade.

À minha orientadora Ana Paula, o apoio, as palavras encorajadoras. Pessoa

essencial nesse momento de minha vida acadêmica.

Aos amigos Cláudio Henrique, Rosemery Gadelha e Ribeiro, que compartilharam

comigo um pouco de suas experiências e com quem pude partilhar minhas

angústias e alegrias.

Aos profissionais do CRAS Bom Jardim, sempre tão prestativos e acolhedores, o

apoio na realização da minha pesquisa, em especial a educadora Kelly por sua

colaboração e carinho.

À todas as responsáveis familiares entrevistadas, a participação na referida

pesquisa e contribuição generosa.

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“[...] Artigo VII Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo [...]”.

(Os Estatutos do Homem / Autor: Thiago de Mello)

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RESUMO

O trabalho infantil é uma violação de direitos que prejudica a criança e o adolescente de desenvolver-se plenamente, podendo ocasionar danos socioeconômicos, físicos e emocionais, como problemas de saúde, defasagem e abandono escolar, baixa qualificação profissional na fase adulta, entre outros. A referida violação apresenta como causas, além da situação de pobreza vivenciada por muitas famílias, a naturalização do trabalho infantil, que reproduz a ideia do trabalho como solução para as famílias em situação de vulnerabilidade e risco social de manterem seus filhos distantes da ociosidade e/ou da criminalidade, em detrimento dos estudos e do convívio familiar e social. Esta ideia fortemente propagada no séc XIX pelas classes dominantes, ainda está bastante presente no senso comum, estigmatizando a população pobre e desvalorizando os direitos de proteção integral à infância e a adolescência previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Como forma de atender a demanda da sociedade em garantir a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes e combater o trabalho infantil, em 1996, surge o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) principal programa, no âmbito federal, com o propósito de proteger e retirar crianças e adolescentes até 16 anos (salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos) do trabalho infantil. Este trabalho se propõe analisar o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) na efetivação do enfrentamento ao trabalho infantil, a partir dos discursos das famílias inseridas no referido programa. A pesquisa foi realizada no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) do Bom Jardim, em Fortaleza/CE, com os (as) responsáveis familiares das famílias incluídas no PETI, na qual seus filhos estão inseridos no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) para crianças e adolescentes de 06 a 15 anos. A referida pesquisa utilizou-se da abordagem qualitativa, com a realização de entrevistas, fundamentando-se no método hermenêutico-dialético para a análise dos discursos. A partir das análises, foi possível traçar o contexto socioeconômico das famílias participantes da pesquisa, compreender as causas que levaram à inserção das crianças e/ou adolescentes no mundo do trabalho pelo próprio grupo familiar ou em empregos informais, bem como analisar a percepção das famílias sobre o PETI.

PALAVRAS CHAVES: Trabalho Infantil, Violação de Direitos, Proteção Social e PETI.

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ABSTRACT Child labour is a violation of rights that affects the full development of children and teenagers, and may cause socioeconomic, physical and emotional damages, like health problems, high school lag and dropout, low professional qualification in adulthood, among others. Such violation presents as causes, beyond the poverty experienced by many families, the naturalization of child labour, which reproduces the idea of working as a solution for families in vulnerable situations and social risk to keep their children away from idleness and / or criminality, instead of studies and the social and family life. This idea strongly propagated in the nineteenth century by the ruling classes, is still very present in the common sense, stigmatizing the poor population and devaluing the rights of full protection of childhood and adolescence provided for in the Statute of Children and Adolescent

(Estatuto da Criança e do Adolescente). In order to meet the demand of society to ensure the effectuation of the rights of children and teenagers and combat child labor, in 1996, Eradication of Child Labour Program (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI) was created. It is the main federal program for the purpose of protect and remove children and teenagers up to 16 years of child labour (except as an apprentice at the age of 14).This study aims to analyze the Eradication of Child Labour Program(PETI) in effecting coping child labor from the speeches of the families included in this program. The research was conducted at the Reference Center for Social Assistance (CRAS) of Bom Jardim, in Fortaleza / CE, with family households included in PETI, in which their children are placed in Service Coexistence and Strengthening Linkages (SCFV) for children and teenagers from 06 to 15 years. That research used the qualitative approach, making of interviews, taking account of the hermeneutic-dialectic method for the analysis of discourse. From the analysis, it was possible to trace the socioeconomic background of families participating in the research, understand the causes that led to the inclusion of children and / or teenagers in the workplace by the family group or informal jobs, as well as to analyze the perception of families about PETI. KEYWORDS: Child Labour, Rights Violations, Social Protection and PETI.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CLT: Consolidação das Leis do Trabalho

CNAS: Conselho Nacional de Assistência Social

CRAS: Centro de Referência da Assistência Social

CREAS: Centro de Referência Especializado da Assistência Social

DIEESE: Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente

FNPETI: Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LA: Liberdade Assistida

LOAS: Lei Orgânica da Assistência Social

MDS: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MTE: Ministério do Trabalho e Emprego

NOB: Norma Operacional Básica

NOB/ RH: Norma Operacional Básica de Recursos Humanos

ONG: Organização Não Governamental

OIT: Organização Internacional do Trabalho

ONU: Organização das Nações Unidas

PBF: Programa Bolsa Família

PAIF: Proteção e Atendimento Integral à Família

PAEFI: Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos

PETI: Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PNAS: Política nacional de Assistência Social

PSB: Proteção social básica

PSC: Prestação de Serviços à Comunidade

PSE: Proteção social especial

SCFV: Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos

SEAS: Secretaria de Assistência Social

SETRA: Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate á Fome

SUAS: Sistema Único da Assistência Social

UNICEF: Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1 – PANORAMA HISTÓRICO SOBRE O TRABALHO INFANTIL ........................... 14

1.1 O ser criança como sujeito de direitos versus a situação atual do trabalho

infantil no Brasil ...................................................................................................... 20

1.2 As causas do trabalho infantil ......................................................................... 25

1.3 Os prejuízos do trabalho precoce na infância ................................................ 30

2 – A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E O PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO

DO TRABALHO INFANTIL (PETI) .......................................................................... 34

2.1 A origem do PETI e seus marcos legais .......................................................... 38

2.2 A inserção do PETI no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) ......... 40

2.3 A estrutura do PETI em Fortaleza .................................................................... 45

3 – UMA ANÁLISE DO PETI A PARTIR DA PERCEPÇÃO DAS FAMÍLIAS

INSERIDAS NO REFERIDO PROGRAMA ............................................................... 48

3.1 O serviço de convivência e fortalecimento de vínculos (SCFV) do CRAS

Bom Jardim na execução do PETI ......................................................................... 48

3.2 O perfil das famílias participantes da pesquisa ............................................. 50

3.2.1 A situação da criança ou do adolescente no programa .................................... 51

3.2.2 A identificação do trabalho laboral no qual as crianças e adolescentes estavam

(ou estão) submetidas ............................................................................................... 53

3.2.3 A ocupação dos pais ........................................................................................ 54

3.2.4 A renda familiar ................................................................................................ 54

3.2.5 A percepção quanto aos programas sociais ..................................................... 55

3.3 O que pensam as famílias sobre o PETI.......................................................... 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 61

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 64

APÊNDICE A ............................................................................................................ 69

APÊNDICE B ............................................................................................................ 70

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INTRODUÇÃO

Reconhecer a necessidade de prevenir e erradicar o trabalho infantil é

reconhecer que o trabalho precoce implica em efeitos negativos sobre a formação

do indivíduo, podendo acarretar em prejuízos socioeconômicos, físicos e

emocionais, ressaltando que a infância e a adolescência são etapas da vida que

devem ser dedicadas fundamentalmente ao convívio familiar e social.

A luta contra a exploração do trabalho infantil é uma das estratégias

principais para a redução da pobreza e para a melhoria dos indicadores sociais

(KASSOUF, 2005). Entretanto, o enfrentamento a referida violação se defronta com

questões de ordem sociocultural, como a naturalização do trabalho infantil, no qual o

trabalho surge como solução para afastar as crianças e adolescentes em situação

de vulnerabilidade e risco social da carência e/ou da criminalidade, estigmatizando a

classe pobre e desvalorizando os direitos deste público à proteção integral, previstos

no Estatuto da criança e do Adolescente (ECA).

Em decorrência disso, as políticas públicas, por meio de projetos e

programas sociais, buscam garantir a efetivação dos direitos das crianças e dos

adolescentes e combater o trabalho infantil. Em parceria com diversos setores dos

governos estaduais, municipais e sociedade civil, o PETI é o principal programa, no

âmbito federal, com o propósito de proteger e retirar crianças e adolescentes até 16

anos (salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos) do trabalho infantil.

A presente pesquisa se propõe analisar o Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (PETI) na efetivação do enfrentamento ao trabalho infantil, a partir

dos discursos e representações das famílias inseridas no referido programa,

apresentando como objetivos específicos, conhecer o contexto socioeconômico das

famílias participantes desta pesquisa, compreender as causas que levaram à

inserção das crianças e/ou adolescentes no mundo do trabalho pelo próprio grupo

familiar ou em empregos informais, bem como analisar a percepção das famílias

sobre o PETI.

O interesse pelo tema se deu a partir do segundo semestre do curso de

Serviço Social (2010.1), momento no qual a pesquisadora iniciou seu trabalho como

educadora social, o que lhe permitiu uma aproximação com a realidade das crianças

e adolescentes que vivenciavam ou ainda vivenciam essa violação de direitos na

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cidade de Fortaleza. Esta experiência proporcionou a participação em estudos de

aprofundamento sobre a temática, acrescentando subsídios ao seu percurso

acadêmico.

A pesquisa foi realizada no CRAS – Centro de Referência da Assistência

Social do Bom Jardim, em Fortaleza/CE, especificamente com os (as) responsáveis

familiares das famílias incluídas no PETI, na qual seus filhos estão inseridos no

Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) para crianças e

adolescentes de 06 a 15 anos. A amostra foi por acessibilidade, composta por cinco

(05) responsáveis familiares, majoritariamente mulheres, na faixa etária de 31 a 49

anos.

Para atender aos objetivos propostos utilizou-se a pesquisa qualitativa,

pois conforme Minayo (2012, p.21) “ela trabalha o universo dos significados, dos

motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”. Como

instrumento de coleta de dados foi usado a entrevista de forma semi-estruturada,

pois estas combinam perguntas fechadas (estruturadas) e abertas, na qual o

pesquisado poderá falar livremente sobre o tema abordado, sem condições

prefixadas pelo pesquisador.

As entrevistas foram realizadas no referido CRAS na última quinzena de

maio de 2013, com datas previamente marcadas com a colaboração da educadora

social do PETI, responsável pelo referido serviço. Para a sua realização foi

formulado questionário (Apêndice A) com perguntas referentes à criança ou

adolescente (sobre trabalho no qual era submetido antes da inserção no programa,

a sua escolaridade, entre outras), à família (renda familiar, participação em outros

programas sociais) e sobre o PETI.

Após a coleta de dados foi executada a organização das informações

colhidas por meio de tabulação, a partir da transcrição das entrevistas e dados

informados nos questionários e em seguida a análise por meio do método de

interpretação de sentidos. Para Minayo (2012, p.105) este método “é uma tentativa

de avançarmos mais na interpretação, caminhando além dos conteúdos de textos na

direção de seus contextos e revelando as lógicas e as explicações mais abrangentes

presentes numa determinada cultura acerca de um determinado tema”.

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A fundamentação da análise de dados se deu através do método

hermenêutico-dialético, por se mostrar o mais indicado para a referida pesquisa, pois

situa o sentido dos discursos coletados contextualizando as suas realidades,

agregando a visão crítica com base nas contradições e práticas sociais.

A união da hermenêutica com a dialética leva a que o intérprete busque entender o texto, a fala, o depoimento como resultado de um processo social (trabalho e dominação) e processo de conhecimento (expresso em linguagem) ambos frutos de múltiplas determinações mas com significado específico. Esse texto é a representação social de uma realidade que se mostra e se esconde na comunicação, onde o autor e o intérprete são parte de um mesmo contexto ético-político e onde o acordo subsiste ao mesmo tempo que as tensões e perturbações sociais (MINAYO, 1994b, p.227).

As interpretações dos dados possibilitaram uma significação mais

completa aos conteúdos analisados, contribuindo para os resultados obtidos a partir

das informações coletadas na pesquisa.

O referido ensaio monográfico está dividido em três capítulos, no qual o

seu primeiro capítulo, intitulado “Panorama histórico sobre o trabalho infantil”, aborda

a realidade da exploração da mão de obra infantil em vários períodos da história,

das antigas civilizações à Revolução Industrial, bem como um percurso histórico do

trabalho infantil no Brasil, destacando-se algumas legislações importantes que

iniciaram o seu enfrentamento, com ênfase na promulgação do ECA; apresenta as

várias concepções de infância construídas historicamente, a criança como sujeito de

direitos versus a negação da infância, explorada pelo trabalho no atual contexto

brasileiro e discute sobre as causas e consequências do trabalho infantil.

O segundo capítulo, “A política de assistência social e o programa de

erradicação do trabalho infantil”, realiza uma trajetória da referida política,

apresentando suas normativas, enfatizando a integração do PETI ao Sistema único

de Assistência Social (SUAS); os marcos legais e históricos do PETI e o referido

programa em Fortaleza/CE.

O terceiro capítulo, denominado “Uma análise do PETI a partir da

percepção das famílias inseridas no referido programa”, discorre sobre o SCFV do

CRAS Bom Jardim na execução do PETI, além de apresentar um breve diagnóstico

social sobre o território onde está inserido; descreve o perfil das famílias

participantes da pesquisa, destacando algumas informações relevantes sobre o

contexto socioeconômico no qual vivenciam, e finaliza com a análise sobre os

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discursos apresentados pelas entrevistadas sobre o PETI, buscando revelar os

valores incorporados socialmente e seus significados, contrapondo-os às estruturas

e relações sociais construídas historicamente.

Nas considerações finais, foram postas as questões mais relevantes da

pesquisa, relacionando os objetivos propostos aos alcançados, os desafios e

dificuldades encontradas para a sua realização, entre outros. A referida pesquisa

não se propõe esgotar o estudo do tema, mas de humildemente contribuir para

futuras pesquisas, além de unir esforços na luta contra todas as violações dos

direitos das crianças e adolescentes.

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1 – PANORAMA HISTÓRICO SOBRE O TRABALHO INFANTIL

O trabalho infantil, hoje, é reconhecido como um dos principais desafios a

ser enfrentado mundialmente, no que se refere à violação dos direitos das crianças e

adolescentes. Entretanto, a exploração da força do trabalho infantil não se trata de

uma prática recente, pois está enraizada na história civilizatória de muitos povos.

Antecedendo a exposição do tema no contexto brasileiro, será realizada

uma breve abordagem sobre a categoria trabalho, enquanto processo fundante do

ser social, e acerca da situação das crianças submetidas ao trabalho, em vários

períodos históricos, de acordo com seus modos de produção.

Segundo Lukács, a categoria trabalho apresenta-se nas obras marxianas

como categoria central, sendo considerada condição de existência do homem,

independente da forma de sociedade, tratando-se de “uma necessidade natural

eterna, que tem a função de mediatizar o intercâmbio orgânico entre o homem e a

natureza, ou seja, a vida dos homens” (MARX apud LUKÁCS, 1979, p.16).

O trabalho proporciona uma “dupla transformação”, pois ao mesmo tempo

em que o homem modifica a natureza por meio do trabalho, ele também é

transformado pelo seu trabalho.

Para Lukács (1979), o trabalho constitui a categoria intermediária que

permite o salto ontológico das formas pré-humanas para o ser social. O trabalho,

enquanto centro do processo de humanização do homem, “torna-se protoforma de

toda a práxis social”.

O trabalho é, portanto, resultado de um pôr teleológico que (previamente) o ser social tem idealizado em sua consciência, fenômeno este que não está essencialmente presente no ser biológico dos animais. É bastante conhecida a distinção marxiana entre a abelha e o arquiteto. Pela capacidade de prévia ideação, o arquiteto pode imprimir ao objeto a forma que melhor lhe aprouver, algo que é teleologicamente concebido e que é uma impossibilidade para a abelha (ANTUNES, 2000, p.138).

Embasando-se no conhecimento Lukacsiano, Antunes (2000) reflete a

atividade produtiva humana como sendo simultaneamente, a produção do objeto de

sua necessidade e a produção de si mesma enquanto seres sociais e singulares. O

homem, no ato de produzir e reproduzir objetos de sua necessidade, produz a si

mesmo genérica e individualmente.

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Assim como narra o poeta Vinícius de Moraes, em seu poema Operário

em Construção, escrito em 1956, o trabalho surge como base da vida humana:

[...] Que o operário faz a coisa e a coisa o operário [...] Tudo, tudo o que existia era ele quem o fazia, ele um humilde operário, um operário que sabia exercer a profissão. [...] Foi dentro da compreensão desse instante solitário que, tal sua construção cresceu também o operário.

1

A partir da atividade laborativa, os homens puderam diferenciar-se no

mundo orgânico, passando a submetê-lo e a manipulá-lo. Porém, segundo

Granemann (2009, p.4), a relativa autonomia não pode desconsiderar que “sem a

vida natural, sem a permanência da sua dimensão, cancela-se o ser social e a

existência mesma da sociabilidade.”

Todavia, no modo de produção capitalista, a concepção emancipatória do

trabalho – de criadora de liberdade e identidade são desqualificadas. As esferas da

sociabilidade humana são apropriadas pelo capital, transformando o trabalho “em

atividade que produz uma sociabilidade alienada” (IDEM, p.04), servindo para

atender as demandas dos capitalistas, sobretudo a partir da exploração da força da

mão de obra dos trabalhadores. Como esclarece Marx (2005, p. 111):

O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto mais número de bens produz. Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias. Produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como mercadoria, e justamente na mesma proporção com que produz bens.

De acordo com o filósofo alemão (2005), no capitalismo o homem após

produzir o objeto por meio de seu trabalho, já não se reconhece no produto criado,

tornando-se alheio a ele. O objeto se apropria do trabalho realizado, sendo ele a

objetivação do trabalho. “A realização do trabalho aparece na esfera da economia

política como desrealização do trabalhador, a objetivação como perda e servidão do

objeto, a apropriação como alienação” (IDEM, p. 111).

Era ele [o operário] que erguia casas onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas. Ele subia com as casas que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia de sua grande missão: Não sabia, por exemplo que a casa de um homem é um templo, um templo sem religião. Como tampouco sabia que a casa que ele fazia sendo a sua liberdade era a sua escravidão (MORAES, 1956).

2

1 Cf. Site (letras.mus.br/vinicius-de-moraes/87332).

2 Cf. Site (letras.mus.br/vinicius-de-moraes/87332).

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16

Posteriormente, as mudanças ocorridas a partir da década de 1970 na

relação capital/trabalho, até a chegada nos moldes atuais de produção e de uma

economia política neoliberal, provocaram um processo de reestruturação produtiva,

de desemprego estrutural, gerando várias conseqüências, entre elas: a precarização

das relações de trabalho, o aumento da pobreza, o agravamento da exploração da

mão de obra não só de adultos, mas também da força do trabalho infantil.

Segundo Ferreira (2001), o trabalho infantil esteve presente no curso do

crescimento das antigas civilizações. As crianças eram submetidas a trabalhos

artesanais, no plantio e colheita, na guarda dos rebanhos, na carpintaria e

marcenaria3.

No feudalismo europeu – ocorrido no século IX, os camponeses viviam

praticamente da agricultura e artesanato. Todos trabalhavam para o sustento dos

nobres feudais, incluindo as crianças que iniciavam a partir dos cinco anos de idade

nas lavouras de trigo, de cevada e centeio, durante todo o processo de preparação

da terra, até a colheita. Trabalhavam também no transporte das safras atravessando

longas distâncias, além de cuidarem das cabras e ovelhas. Caso ocorresse o

desaparecimento de algum dos animais, as crianças apanhavam severamente. A

alimentação dos servos se reduzia a sobra da mesa dos senhores feudais, mesmo

com a abundância de comida (IDEM, 2001).

Na Inglaterra do século XVIII, o início da Revolução Industrial provocou

um agravamento na utilização da mão de obra infantil. Conforme Marx (2004;

BOSCHETTI e BEHRING, 2009), o advento da maquinaria reduziu a necessidade da

força muscular para a realização do trabalho nas indústrias, permitindo assim o

ingresso das mulheres e das crianças no interior das fábricas.

[...] de poderoso meio de substituir trabalho e trabalhadores, a maquinaria transformou-se imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família do trabalhador, sem distinção do sexo e de idade, sob o domínio direto do capital [...] (MARX, 2004, p. 451).

A utilização do trabalho infantil representava para os donos das fábricas uma

mão de obra barata, dócil e de fácil controle4, além de reproduzir o pensamento da

3 A autora acrescenta que há relatos de crianças trabalhando em minas, olarias e embarcações

marítimas desde os três anos de idade. 4 Cf. RIZZINI, Irma. 1999.

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17

sociedade burguesa, na qual o trabalho serviria para moralizar os filhos da população

proletária.

De acordo com Ferreira (2001), as crianças trabalhavam cerca de 15 horas

semanais nas tecelagens e muitos sofriam de complicações pulmonares devido as fibras

vegetais. O escasso tempo para o descanso e a pouca alimentação deixavam o pequenos

trabalhadores fracos, sonolentos e sem concentração, sendo as causas dos acidentes de

trabalho, muitas vezes fatais, ou de mutilações5.

No Brasil, os primeiros relatos do trabalho infantil foram sobre a época da

colonização (IDEM, 2001). Na troca por objetos, como espelhos e contas coloridas,

entregues pelos colonizadores brancos, os índios brasileiros juntamente com suas

crianças extraíram o pau-brasil e ergueram as primeiras vilas. Contudo, na reação à

tentativa dos colonizadores em escravizá-los e a impor horários e disciplina no

trabalho executado nas lavouras, muitos fugiram para o interior ou buscaram resistir

à repressão e aos trabalhos forçados. Em decorrência disso, vários povos indígenas

foram exterminados.

Segundo a autora supracitada (2001), em meados de 1550 iniciou-se a

chegada dos negros ao Brasil para trabalharem nas regiões açucareiras em regime

de escravidão, calculando-se que tenham sido aprisionados aproximadamente três

milhões em solo brasileiro e que muitos outros tenham morrido nos porões dos

navios negreiros. Dessas inúmeras pessoas escravizadas várias eram crianças.

Um relato de 1943, referente aos desembarques no Rio de Janeiro, registra que cerca de três quartos dos africanos recém-chegados na região eram homens, e cerca de dois terços desse lote tinham entre 10 e 20 anos (FERREIRA, 2001, 64).

No período da escravidão, as crianças nascidas, quando não vendidas,

enfrentavam as mesmas condições desumanas do trabalho escravo sofridas por

seus pais, trabalho esse exaustivamente árduo. Elas trabalhavam na colheita da

cana-de-açúcar, rodando café e na seleção de grãos, na construção de cestos e

enxadas, além de realizarem a limpeza dos pátios. Algumas eram incluídas nas

tarefas domésticas, como copeiros, ajudantes de cozinha e criados dos filhos dos

senhores de engenho (IDEM, 2001).

5 Ver também o filme DAENS: um grito de justiça. O filme retrata as precárias condições de

trabalho nas indústrias do séc. XIX e a situação desumana na qual vivia os operários - homens, mulheres e crianças. Nesse período ocorreram as primeiras manifestações trabalhistas por mudanças no processo de trabalho.

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Com o fim do regime escravocrata, os negros não tiveram nenhuma forma

de sobrevivência garantida, necessitaram se submeter à venda da mão de obra

considerada desqualificada, único meio de obterem o próprio sustento. De acordo

com a análise realizada por Florestan Fernandes (1964, p. 5 apud SPRANDEL,

2004, p.116),

A sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar-se e de transformar-se para compreender aos novos padrões e ideais de homem, criado pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e do capitalismo.

Desta maneira, o trabalho infantil sai dos muros das casas de engenho

para as ruas, se inserindo posteriormente ao processo de industrialização e

urbanização.

De acordo com Cosendey (2002), a industrialização no Brasil se deu no

início do séc. XX, surgindo como marco nas relações trabalhistas, dando um fim às

relações de trabalho familiar e inaugurando às relações de trabalho nos moldes do

modo de produção capitalista. Com a industrialização, ocorreu o deslocamento de

grandes contingentes populacionais, oriundos do campo, para se aglomerarem nos

principais centros urbanos, na tentativa de melhores condições de vida. Inicia-se a

exploração da mão de obra de homens, mulheres e crianças em rígidas jornadas de

trabalho e com parcos salários. Nas fábricas, as crianças recebiam remuneração

menor do que a dos adultos, mesmo realizando trabalho equivalente.

A partir das mudanças ocorridas em conseqüência do processo de

industrialização e urbanização, muitos problemas sociais foram agravados, entre

eles, a situação de miséria, as precárias condições de moradia e de trabalho, as

situações de abandono, a violência e o trabalho infantil.

No artigo Pequenos trabalhadores do Brasil, a autora Irma Rizzini (1999)

retrata fielmente a situação vivida pelas crianças trabalhadoras na indústria têxtil no

final do séc. XIX e início do XX, ressaltando ter sido este ramo o que mais utilizou a

mão de obra de menores de 18 anos e de mulheres durante o processo de

industrialização brasileira. Segundo a autora, na cidade de São Paulo em 1894, 25%

dos operários oriundos de quatro indústrias têxteis eram menores de idade.

Em decorrência da exploração desenfreada sofrida pelos operários,

ocorre a eclosão de várias manifestações e greves em reivindicação dos direitos

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trabalhistas. A luta dos trabalhadores por melhores condições de vida, de trabalho e

pela proibição do trabalho infantil fizeram com que fossem criadas posteriormente

leis em favor das crianças e adolescentes. A seguir, destaque a algumas legislações

no que se refere à exploração do trabalho de crianças e adolescentes.

Em 1927, a primeira legislação voltada para a infância e adolescência

ficou conhecida como Código de Menores (Decreto 17.943 – A). O referido código

iniciou a regularização do trabalho infanto-juvenil, “manteve a idade de 12 anos para

ingresso ao trabalho, mas o Decreto Lei 220.242 de 1932 e as Constituições de

1934, 1937 e 1946 mantiveram a idade de 14 anos” (CONSENDEY, 2002, p.48).

O Código de Menores trazia em sua concepção um forte peso da punição

e do controle, “visava reprimir as crianças e adolescentes considerados

“delinqüentes”, ou “em vias de delinquir” e que representavam um perigo a

sociedade” (SALUM, 2010, p. 57). Estes eram vistos como objeto de intervenção do

Estado.

Posteriormente, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, art.4026, lei

5452, aprovada em 1º de maio de 1943, estabeleceu a proibição do trabalho para

pessoas menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz7 e garantindo proteção

especial aqueles em idade legal.

Conforme Salum (2010), com a promulgação do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA – Lei no 8.069) em 1990, em meio ao processo de

democratização do país, o estatuto assume os princípios apresentados na

Constituição de 1988, pautados na perspectiva dos direitos humanos e na

democracia. Como reflexo das mobilizações sociais, esta lei carrega entre seus

maiores objetivos, a mudança da concepção de crianças e adolescentes ligada às

leis anteriores, concebendo-os como sujeitos de direitos e propondo um novo olhar

as políticas de proteção integral, dando-lhes a assistência devida para o seu pleno

desenvolvimento. Em seu capítulo V – artigos 60 a 69, o ECA estabelece o “Direito a

profissionalização e a Proteção no trabalho”8.

6 CLT; Art. 402. “Considera-se menor para os efeitos desta Consolidação o trabalhador de quatorze até dezoito anos” (alteração realizada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000). 7 Conforme art.60º do ECA, aprendiz a partir de quatorze anos de idade.

8 O ECA define como criança àqueles com até 12 anos e adolescente os de 12 até 18 anos.

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A legislação brasileira encontra-se em consonância com a Convenção

Internacional dos Direitos da Criança, aprovado pela Organização das Nações

Unidas (ONU) em 1989, e com as Convenções nº 138/1973 e nº 182/1999 da

Organização Internacional do Trabalho (OIT) que tratam, respectivamente da idade

mínima de 16 anos e proíbem as piores formas de trabalho infantil, consideradas

para menores de 18 anos (CONSENDEY,2002).

O item a seguir apresenta algumas concepções de infância, a criança

vista como sujeito de direitos a partir da Constituição Federal de 1988 e do ECA em

contraponto a negação da infância, por meio do trabalho infantil no contexto

brasileiro.

1.1 O SER CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITOS VERSUS A SITUAÇÃO

ATUAL DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL

A criança é um ser que requer inteira proteção para seja resguardado

seus direitos e garantido o seu pleno desenvolvimento. Desta forma, visando

promover a garantia dos direitos de crianças e adolescentes, a Constituição Federal

brasileira de 1988 prevê a ampla proteção, com primazia no atendimento à suas

necessidades, conforme diz o seu artigo 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (PLANALTO, 1988).

Em 13 de julho de 1990, o ECA causou uma mudança pontual na

legislação, trazendo a concepção de crianças e adolescentes como sujeitos de

direito, dando um novo enfoque às políticas de proteção integral à este público,

reforçando a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela ONU

em 1989.

O ECA considera a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,

além dos direitos fundamentais universalmente reconhecidos, ressaltando a

necessidade de cuidados e prevendo no seu art. 101 as medidas de proteção a

partir da responsabilização dos pais, da sociedade - por meio dos conselhos

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tutelares, e do Estado, pela viabilização do desenvolvimento das crianças e

adolescentes.

Segundo Ariès (1978), a separação da vida em infância, adolescência,

juventude, maturidade e velhice, foi iniciada somente no séc.XVII, não levando em

conta as características específicas de cada etapa. A criança era vista como um

adulto em miniatura, participando da vida social e do trabalho como adultos.

O dicionário Aurélio (apud LAJOLO, 2001, p.231) apresenta a seguinte

conceituação de infância:

Período de vida que vai do nascimento à adolescência, extremamente dinâmico e rico, no qual o crescimento se faz, concomitantemente, em todos os domínios, e que, segundo os caracteres anatômicos, fisiológicos e psíquicos, se divide em três estágios: primeira infância, de zero a três anos; segunda infância, de três a sete anos; e terceira infância, de sete anos até a puberdade.

Outrossim, Lajolo (2001) diz que as palavras infância, infante e suas

derivações, trazem a ideia de ausência de fala, composto do prefixo – in, que indica

negação e do particípio do presente do verbo latino fari, que significa falar, dizer.

Portanto, de acordo com Ferreira (2010), a ideia de infância teve uma

construção social e histórica associada à carência, à imaturidade, à incompletude,

enfim, à incapacidade de compreender e de se fazer compreensível, sendo o adulto

chamado a falar e a tornar-se responsável por elas. A criança não era percebida

como um ser de direito.

De acordo com Irene Rizzini (2011), na obra O Século Perdido, o Brasil

no final do séc. XIX passa por uma mudança social e política, na busca de uma

identidade nacional, com ideal de tornar-se um país culto e civilizado. Nesse período

de transição do regime monárquico para a república, a infância adquire um

significado social, concebida juntamente a formação do pensamento social

brasileiro.

Primeiramente, vista como futuro da nação, a infância representava a

esperança, quando bem educada (ou reeducada), a fim de atender os anseios da

sociedade. O Estado se utilizava de métodos higienistas, através da psicologia ou

pedagogia, para mostrar às famílias como educar e vigiar seus filhos. No entanto,

aqueles sem famílias ou oriundos de famílias inaptas às devidas responsabilidades,

eram entregues aos cuidados do Estado (RIZZINI, 2011).

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Em seguida, a infância se distancia do ideário da inocência e começa a

ser vista como ameaça à sociedade, sendo representada como delinqüente, sujeita

à criminalidade, devendo ser afastada dos ambientes impróprios, principalmente das

ruas e das casas de detenção.

A criança intitulada como “perigosa” ou perigosa em potencial tratava-se

daquela advinda das classes populares, „abandonada materialmente e moralmente‟,

compreendida como um mal social que necessita de imediata intervenção. Faz-se

uma distinção da infância:

[...] de um lado, a criança mantida sob os cuidados da família, para a qual estava reservada a cidadania; e do outro, o menor, mantido sob a tutela vigilante do Estado, objeto de leis, medidas filantrópicas, educativas/repressivas e programas assistenciais [...] (RIZZINI, 2011, p.29).

Importante ressaltar que os indivíduos e as famílias pobres somente

seriam consideradas “virtuosas” e dignas se pertencessem ao mundo do trabalho,

adultos e crianças, “disciplinados”, porém, sob constante vigilância, pois se

acreditava que eram mais propensos aos vícios e as doenças em consequência das

condições de moradia (os cortiços, a promiscuidade, entre outros). Contrariamente,

a ociosidade era compreendida como o caminho de todos os vícios, principal

responsável pela criminalidade.

O trabalho, como forma de moralizar e educar as classes populares,

sobretudo as crianças pobres, com objetivo escuso e dúbio de protegê-las em

defesa da sociedade, esteve presente no discurso da classe dominante como

maneira de esconder sua real finalidade, de moldá-las para futuro, para se tornarem

aptas a trabalharem no crescimento da nação.

A elite letrada, que dominava a arena política à época, tinha diante de si uma opção a fazer: promover a educação (“para civilizar”), sem, no entanto, abrir mão dos privilégios “herdados”. Sabia-se ser preciso instruir o povo, capacitando-o para o trabalho, como único meio de atingir o progresso. O paradoxo estava em fazê-lo, mantendo o povo sob vigilância e estrito controle, como uma necessidade política de preservar a ordem pública (CARVALHO, 1990 apud RIZZINI, 2011, p.27-28, grifo do autor).

A visão ambígua da infância, conforme Rizzini (2011), perpassa e se

instala no pensamento das sociedades modernas, inseridas no desenvolvimento

urbanístico e industrial, influenciando a história das políticas sociais, da legislação e

da assistência à infância no Brasil, no qual suas ideias e práticas se processam até

os dias atuais.

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Após muitas lutas em defesa da infância e da adolescência, várias

conquistas foram alcançadas, principalmente na mudança de paradigma das

legislações anteriores9 que tratavam este público como objetos de intervenção do

Estado. Com o processo de democratização do país é promulgado o ECA, em 1990,

com premissas oriundas da Constituição Federal de 1988, passando a serem

compreendidos como sujeito de direitos (SALUM, 2010).

Contudo, neste ano de comemoração dos vinte e três anos do ECA, muito

do que está previsto no campo legal ainda necessita ser garantido no cotidiano e na

vida de milhares de crianças e adolescentes. Cabe a nós a reflexão sobre a atual

situação e a real condição desse público como sujeitos de direito efetivos.

O ECA confere à criança e ao adolescente também direitos que lhes são

particulares, como exemplo o direito de brincar, praticar esportes e divertir-se (artigo

16, IV). De acordo com Ariès (1978), “o sentimento da infância corresponde à

consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue

essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem” (ARIÈS, 1978, p.156).

Por isso, a criança precisa ter o direito à infância respeitado. E dentre as

particularidades da infância, o brincar se revela como algo essencial para o

desenvolvimento da criança, ressaltando-se que, segundo Marques (2001),

representa uma atividade que propicia uma vida mais feliz e mais completa ao ser

humano. “O ser criança existirá onde existir um tempo e um espaço livres para o

brincar. Brincar é criar, criar é viver” (MARQUES, 2001, p.105).

No artigo 4º, o ECA prevê sobre a proteção integral às crianças e

adolescentes:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Entretanto, o que se vê diariamente nos grandes centros urbanos do

Brasil e no meio rural, é a negação aos direitos supracitados e o desaparecimento

da infância. Muitas situações do cotidiano destroem abruptamente o direito de ser

9 O Código de Menores de 1927 e sua reformulação de 1979.

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criança. Situações de violação graves, como violência, maus-tratos, abandono,

erotização precoce, abuso e entre elas, a exploração do trabalho infantil.

O Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e

Proteção do Trabalhador Adolescente, publicado em 2004, apresenta o seguinte

conceito de trabalho infantil:

Aquelas atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, independentemente da sua condição ocupacional (MTE, 2004, p.9).

Segundo o Decreto nº 6.481, datado de 12 de junho de 2008, ficou

aprovada a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil10 (Lista TIP) ratificando as

atividades laborais vistas como prejudiciais à saúde e à segurança e aquelas

prejudiciais à moralidade, estando entre elas: o trabalho doméstico; o trabalho nas

ruas; na agricultura; na indústria, no comércio e nos serviços.

Em 2002, de acordo com a OIT, havia uma estimativa no mundo de

aproximadamente 211 milhões de crianças e adolescentes entre 05 e 14 anos de

idade em situação economicamente ativas, sendo que um pouco mais de 111

milhões estariam em atividades reconhecidamente perigosas. Em 2008, estima-se

que houve um aumento para 215 milhões de meninos e meninas entre 05 e 17 anos

de idade em situação de trabalho, dentre estas 115 milhões exercendo atividades

que ofereceriam riscos (UNICEF, 2012).

Conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

(PNAD) de 2007, no Brasil havia 5,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17

anos com alguma ocupação. Destes, 64% são do sexo masculino, totalizando 3,6

milhões, enquanto as meninas representam 36%, ou pouco mais de 2 milhões com

alguma ocupação (PNAD 2007).

Em relação ao tipo de ocupação das crianças e adolescentes de 5 a 17

anos, cerca de 63% delas trabalham com atividades não-agrícolas, ou seja, podem

tanto realizar tarefas domésticas como em indústrias, comércio ou outras situações.

Essa porcentagem soma em números absolutos quase 3,6 milhões de pessoas. Já

10

O referido decreto originou-se da recomendação da OIT de imediata eliminação das piores formas de trabalho infantil a partir da Convenção nº182/99.

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25

as atividades agrícolas ocupam 37% de meninos e meninas na faixa etária,

totalizando 2,1 milhões que trabalham no campo (PNAD 2007).

Na PNAD 2008, o Nordeste se manteve como a região com o maior

índice de ocupação com 12,3% e o Sudeste com o menor índice, com 7,9% de

ocupação.

O Ceará é o quinto Estado brasileiro em incidência de trabalho infantil,

equivalente a 293.668 crianças e adolescentes explorados na sua força de trabalho,

de acordo com os dados da PNAD referente a 2009 (IBGE 2010).

Os dados quantitativos, segundo José de Sousa Martins (1993) mostram

que estes meninos e meninas estão impossibilitados de viver sua infância

plenamente. “[...] Nem crianças, nem estudantes, nem trabalhadores, [...] lutando

pela sobrevivência através de atividades marginais, operando nas sobras do sistema

[...]”.

No próximo item serão discutidas possíveis causas da exploração do

trabalho infantil e a criação de mitos que potencializam e legitimam sua

naturalização.

1.2 CAUSAS DO TRABALHO INFANTIL

A incidência do trabalho infantil está associada a diversos e complexos

fatores que influenciam na inserção da mão de obra infantil no mercado informal de

trabalho. Segundo a Gestão do Programa de Erradicação do Trabalho infantil no

SUAS (MDS, 2010), a pobreza é a principal causa da situação de trabalho infantil,

pois é utilizada como uma das formas de garantir a sobrevivência econômica das

famílias, destacando-se também a reprodução sociocultural de mitos que justificam a

exploração do trabalho infantil e a ausência de universalização das políticas de

atenção aos direitos das crianças, adolescentes e suas famílias.

Para a compreensão da pobreza como causa relevante do trabalho

infantil, faz-se necessário inicialmente conhecer as diferentes concepções de

pobreza e de questão social criadas no período do liberalismo clássico – séc. XIX, e

suas formas de enfrentamento; no capitalismo monopolista – séc. XX e no contexto

neoliberal, em meio à crise capitalista (MONTAÑO, 2012).

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26

Com base nos estudos de Montaño (2012), nos anos de 1830 a 1848

ocorreu a “decadência ideológica da burguesia” (LUKÁCS, 1992 apud MONTAÑO,

2012, p. 271) diante da revolta da classe proletária. Iniciou-se a mudança na

concepção de “questão social”, influenciada pelo pensamento

positivista/conservador, desvinculando-a da questão econômica. A ideia de “social”,

a partir do pensamento burguês, tornou-se desassociada do fundamento estrutural,

político, econômico, percebida como a-histórica e naturalizada.

Começa‑se a se pensar então a “questão social”, a miséria, a pobreza, e

todas as manifestações delas, não como resultado da exploração econômica, mas como fenômenos autônomos e de responsabilidade individual ou coletiva dos setores por elas atingidos. A “questão social”, portanto, passa a ser concebida como “questões” isoladas, e ainda como fenômenos naturais ou produzidos pelo comportamento dos sujeitos que os padecem (MONTAÑO, 2012, p. 272).

Segundo o referido autor, tais maneiras de perceber a questão social e

suas várias expressões, desenvolveram o que ele denomina de “cultura da pobreza”,

concepção na qual se entende a condição de vida dos pobres como fruto de suas

capacidades culturais, educacionais, de responsabilidade do indivíduo. De acordo

com essa concepção de pobreza ligada à carência, presente na Europa do séc. XVI

ao XVIII, o enfrentamento à pobreza se deu através da filantropia burguesa, com

ações segmentadas e comportamentais11.

Entretanto, no séc. XIX, a partir das lutas e reivindicações da classe

proletária, a assistência dada aos pobres (Lei dos pobres) foi vista como causa da

acomodação e motivo da condição de pobreza vivenciada. O pobre sem ocupação

passou a ser considerado perigoso à sociedade, ocorrendo a partir daí a

criminalização da pobreza.

Em troca das ações filantrópicas, nesse período a pobreza passou a ser

enfrentada com ações repressivas e de reclusão. De acordo com a apreciação de

Montaño (2012), ambos os enfrentamentos utilizados culpabilizavam o indivíduo pela

situação de pobreza que vive, não a refletindo como um produto dos aspectos

estruturais do sistema social.

Segundo o autor supracitado, no contexto do capitalismo monopolista

presente no séc. XX, de produção fordista/keynesiano, a questão social passou a

11

Cf. MONTAÑO, 2012, p. 273. Em 1601, a Lei dos Pobres (Poor Law) destinava-se a amparar os trabalhadores pobres, aparato oficial por meio da taxa dos pobres.

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27

ser entendida como resultado do desenvolvimento social e econômico (ou

subdesenvolvimento), não sendo mais a pobreza unicamente associada a causas

comportamentais e oriundas do indivíduo. A pobreza começou a ser vista como uma

disfunção no processo de distribuição, causada pelo enorme número de pessoas

fora do mercado de trabalho, sem uma fonte de renda, e, portanto, gerando a

diminuição na procura e consumo por bens e serviços.

O enfrentamento à pobreza, de acordo com as orientações keynesianas,

seguiu o processo de redistribuição, com o objetivo de viabilizar o acesso à

demanda de bens e serviços por meio das políticas sociais estatais. Diante desta

questão, Montaño (2012) faz a seguinte crítica: “Com isso, desloca-se a gênese da

“questão social” da esfera econômica, do espaço da produção, da contradição entre

capital e trabalho para a esfera política, no âmbito da distribuição, como uma

questão entre cidadãos carentes e o Estado” (IDEM, p. 276).

Já no contexto neoliberal e de atual crise do capitalismo, Montaño (2012)

nos apresenta certas semelhanças e diferenças na compreensão da pobreza e de

seu enfrentamento, comparando-as com concepções antes citadas.

A pobreza é novamente pensada como um problema de âmbito pessoal e

de carência, retomando-se a responsabilidade da intervenção social à filantropia,

através de ações da sociedade civil (ONGS) e de empresas. O Estado por sua vez

atua minimamente na área social, de maneira focalizada e precária.

No pensamento neoliberal, a pobreza também está associada à uma

insuficiente distribuição, assim como nas formulações keynesianas, porém ao

contrário de se gerar ações redistributivas, o Estado impulsiona o capital na tentativa

de resguardá-lo diante da crise.

Em resumo, o enfrentamento à pobreza forjado pelo pensamento

neoliberal utiliza a seguinte estratégia:

A estratégia neoliberal orienta‑se numa tripla ação. Por um lado, a ação

estatal, as políticas sociais do Estado, orientadas para a população mais pobre (cidadão usuário); ações focalizadas, precarizadas, regionalizadas e passíveis de clientelismo. Por outro lado, a ação mercantil, desenvolvida pela empresa capitalista, dirigida à população consumidora, com capacidade de compra (cidadão cliente), tornando os serviços sociais mercadorias lucrativas. Finalmente, a ação do chamado “terceiro setor”, ou da chamada sociedade civil (organizada ou não), orientada para a população não atendida nos casos anteriores, desenvolvendo uma

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28

intervenção filantrópica (MONTAÑO, 2012, p. 277 apud MONTAÑO, 2002, p. 186 e ss.).

Conforme o referido autor, a pobreza no sistema de produção capitalista é

inerente à relação de exploração entre o capital / trabalho, resultado da acumulação

privada do capital e da apropriação indevida do trabalho alheio – mais valia, na

relação entre exploradores e explorados.

Portanto, o enfrentamento à pobreza no capitalismo, por meio de medidas

de abastecimento de bens e serviços (políticas compensatórias) não alcançam o

objetivo de combater ao cerne da questão, da concentração privada do capital. Pelo

contrário, são ações paliativas que reproduzem e ampliam a desigualdade e o

pauperismo (Pobreza Absoluta e Relativa)12.

No entanto, as concepções de pobreza criadas pelas classes dominantes

em meio ao pensamento liberal clássico e neoliberal, vinculadas à carência e/ou à

criminalidade, legitimam e reproduzem até os dias atuais a ideia do trabalho como

solução moral e de ajustamento, sem levar em consideração a idade e o tipo de

trabalho. Daí surge algumas justificativas que reforçam e estimulam a exploração do

trabalho infantil.

[...] não se pode deixar de mencionar os séculos de construção de uma ideologia, que considera essa atividade como a mais nobre exercida pelo homem, como panaceia para todos os males, como remissão para o crime, como única forma legítima de aquisição de riqueza e de acesso aos meios de vida (DIEESE 2001, p.192 apud JAYME, NETO E NEVES, 2002, p.91).

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Socioeconômicos – DIESSE (2001, apud JAYME, NETO E NEVES, 2002), não

apenas nos países considerados de terceiro mundo, mas no mundo inteiro há a

incidência de trabalho infantil, porém existe a prevalência da exploração da força de

trabalho de crianças pertencentes às minorias étnicas e de classes em situação de

vulnerabilidade social, com o uso do argumento moral do trabalho. “À parcela rica da

sociedade, cabe colocar seus filhos menores de 16 anos na escola e tolerar, aceitar

e, algumas vezes, até incentivar a atividade remunerada para crianças e

adolescentes pobres” (DIEESE, 2001 apud JAYME, NETO E NEVES, 2002, p. 92).

12

CAMPBELL, Tom (2004, 97). Pobreza Absoluta: Privação dos bens materiais, implicando uma situação inferior aos padrões definidos como necessários a vida; e Pobreza Relativa: Estar situado no extremo inferior da escala adotada para comparar as posses do grupo em estudo.

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29

As expressões “É melhor trabalhar do que ficar nas ruas” e “É melhor

trabalhar do que roubar”, ainda estão muito presentes no cotidiano, reproduzidas

pelo senso comum. Representam um discurso construído a partir de uma falsa

dicotomia, que apresenta à criança e ao adolescente em situação de vulnerabilidade

social o trabalho como única alternativa de ocupação do seu tempo livre. Essas

afirmações reduzem este público à sujeitos desprovidos de direitos,

desconsiderando os direitos conquistados pelo ECA, de proteção integral. Retomam

a concepção de pobreza do séc. XX, vinculada a ideia preconceituosa de

criminalidade (MDS, 2010a).

O trabalho relacionado como solução para a pobreza afasta crianças e

adolescentes do espaço do aprendizado, seja da escola ou do lazer. Compreende-

se que a situação de vulnerabilidade social das famílias faz com que estas utilizem

estratégias de sobrevivência, e entre elas, a inserção de seus filhos no trabalho.

Entretanto, segundo Jayme, Neto e Neves (2002), o trabalho infantil deve ser

discutido e percebido como um reforço ao ciclo vicioso da pobreza, pois, as crianças

que trabalham e estudam possuem um baixo rendimento escolar, quando não,

abandonam a escola devido à sobrecarga de atividades, refletindo futuramente na

falta de qualificação profissional.

Desta forma, crianças e adolescentes que trabalham não se tornam mais

capazes no futuro, pelo contrário, essa situação aprofunda a desigualdade social, já

que estes poderão reproduzir quando adultos, assim como seus pais possam ter

reproduzido, a prática de colocarem seus filhos no trabalho precoce, perpetuando e

renovando o ciclo da pobreza. Segundo Padilha (2008, p. 221-222), “ainda é

incipiente a consciência coletiva de que o trabalho infantil condenável constitui-se na

principal arma da reprodução das condições de pobreza e indigência em que vivem”.

A discussão sobre a relação entre o trabalho infantil e a pobreza, tem

como objetivo mostrar que esta não é a exclusiva causa que leva a exploração do

trabalho de crianças e adolescentes. A baixa renda familiar trata-se de uma das

causas mais relevantes, porém faz-se necessário questioná-la, percebendo além da

situação financeira das famílias, as tradições e os padrões sociais, econômicos e

culturais igualmente como causas fundamentais (JAYME, NETO E NEVES, 2002).

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30

A grande questão está na naturalização do trabalho infantil, na tolerância

e no incentivo à realização de atividades mal remuneradas, na maioria bicos13, por

menores de 16 anos, sem problematizar a exploração vivenciada por eles, como

ressalta o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF):

[...] sempre que uma criança é envolvida em trabalhos perigosos, alguém – um empregador, um cliente ou um pai – se beneficia do seu trabalho. É este elemento de exploração que é omitido por aqueles que vêem o trabalho infantil como um fator inseparável da pobreza (UNICEF, 1997, p.21 apud JAYME, NETO E NEVES, 2012, p.93)

Contudo, desconstruir a rede que alimenta e legitima o trabalho infantil

não é tarefa fácil, exige a realização de um trabalho em conjunto do Estado, por

meio das políticas públicas e da sociedade civil. As ações e estratégias intersetoriais

de prevenção e enfrentamento ao trabalho infantil, devem não apenas retirar a

criança e o adolescente da situação de trabalho, mas assegurar que eles tenham

garantido a proteção integral dos seus direitos, destacando aos órgãos de controle

social e ao PETI (MDS, 2010a).

O ECA, sem dúvida, tem um papel importante na luta em defesa dos

direitos da infância e adolescência, pois traz alterações primordiais no que tange a

exploração do trabalho precoce, além da participação de organização da sociedade,

seja na sua formulação ou na co-gestão de políticas para esse público.

O item seguinte relata sobre os agravos e consequências do trabalho

infantil na vida de crianças e adolescentes.

1.3 OS PREJUÍZOS DO TRABALHO PRECOCE NA INFÂNCIA

O trabalho infantil acarreta vários danos na vida de crianças e

adolescentes, interferindo diretamente no desenvolvimento físico, psíquico,

cognitivo, repercutindo na vida social e econômica de suas famílias, ocasionando

conseqüências diversas.

Os prejuízos sociais causados em decorrência do trabalho infantil

compreendem os danos educacionais, desde a defasagem escolar até o abandono

dos estudos, gerando efeitos para o futuro, principalmente da inserção em campos

de trabalho precarizados, devido desqualificação profissional.

13

No Dicionário Aurélio, a palavra „bico‟ quer dizer biscate, pequenos ganhos eventuais.

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31

Com base na pesquisa realizada por Kassouf (1999 apud KASSOUF,

2007), referente aos dados da PNAD, “quanto mais jovem o indivíduo começa a

trabalhar, menor é o seu salário na fase adulta da vida e essa redução é atribuída,

em grande parte, a perda dos anos de escolaridade em razão do trabalho na

infância”.

A baixa escolaridade e o mau desempenho escolar, motivados pela

situação de trabalho vivenciada na infância, têm como efeito a limitação de

oportunidades de emprego a locais que não exigem uma boa qualificação, porém

com baixa remuneração. Essa realidade reproduz o ciclo de pobreza na qual as

famílias em situação de vulnerabilidade e risco social estão inseridas,

impossibilitando que haja uma ascensão social que permita uma melhor condição de

vida.

Como salienta Silva (2002, p.170):

A criança não é mais aprendiz de ofícios, mas é diretamente envolvida no mundo do trabalho de forma pervertida e precária, em prejuízo de outras instâncias de sociabilidade, como, por exemplo, da escola, da vizinhança, da comunidade, da praça, do parque, da cultura etc. Vai criando outros espaços e instâncias de sociabilidade, como a violência na rua, no mundo das drogas, no mercado informal e prematuro, no mundo da infração. Enfim, se instala no mundo social de violências, perdendo a possibilidade de viver o seu tempo da infância.

No que se refere às consequências físicas do trabalho infantil, vale

lembrar a predominância dessa prática entre as famílias mais vulneráveis

economicamente e por isso sem a garantia de uma alimentação de boa qualidade

nutricional. Essa realidade ocasiona um possível déficit corporal em seus

componentes, como argumenta Consendey (2002), para justificar a desvantagem

que essas crianças e adolescentes, além do próprio processo de desenvolvimento

da idade, vivenciam na realização de atividades laborais. Por causa das diferenças

físicas, biológicas e anatômicas das crianças, quando comparadas aos adultos, elas

são mais sensíveis ao calor, barulho, produtos químicos, radiações, menos

tolerantes a ocupações de risco, que podem trazer problemas de saúde e danos

irreversíveis. E, por consequência, esse público está sujeito a lesões como

deformação óssea, atrofia muscular, intoxicação, perda de membros, picada ou

mordida de animais, queimaduras (CONSENDEY, 2002; FORASTIERI, 1997 apud

KASSOUF, 2007).

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32

A autora supracitada apresenta também a exposição de jovens a

atividades que exigem além de suas capacidades físicas, citando como exemplo

crianças e adolescentes iniciando a carreira como jogadores de futebol, com joelhos

lesionados pelo desgaste físico.

Sobre o assunto, Consendey (2002, p. 51) acrescenta que:

A percepção da criança é difusa e desorganizada. Para se ter mais precisão, depende de um período de amadurecimento onde não há queima de etapas. Esse fato em si, falta de atenção, é agravante para que aconteçam acidentes de trabalho. “Acidentes” esses, muitas vezes irreversíveis, tornando o jovem inválido, quando não lhe tira a vida.

De acordo com a economista Kassouf (2001b apud KASSOUF, 2007), a

partir de dados brasileiros, quanto mais cedo o indivíduo começa a trabalhar, pior

será o seu estado de saúde em sua vida adulta, mesmo controlando a renda, a

escolaridade e outros fatores.

A exposição à trabalhos insalubres, perigosos e/ ou exaustivos não

prejudica somente ao desenvolvimento físico e a saúde, mas também se manifesta

na maneira de como este público enxerga o mundo ao seu redor e na percepção de

si dentro do contexto social onde vive. O trabalho infantil, realizado

predominantemente por crianças e adolescentes pobres, gera inúmeras

consequências psicológicas complexas.

Conforme Silva (2002), em pesquisa feita com crianças e adolescentes

que trabalhavam no Mercado Ver-o-Peso, em Belém do Pará, a preocupação com a

sobrevivência da família, as dificuldades diárias vivenciadas, a responsabilização

com o trabalho e outras atividades, muitas vezes em detrimento da escola, do lazer

e da brincadeira, fazem parte do cotidiano das crianças trabalhadoras, realidade

esta que cria uma “adultização da infância”. Por isso se observa que “é cada vez

menos raro que crianças sejam obrigadas a ter uma vida de adultos, condenadas a

um presente cruel e a um futuro igualmente sombrio” (CERVINI E BURGER, 1991

apud SILVA, 2002).

Esse amadurecimento precoce da infância atrelado a responsabilidade

por atribuições e afazeres dos adultos, impossibilita que a criança vivencie

atividades próprias da idade, ressaltando a negação do direito de brincar, privando-a

de desenvolver a identidade típica do ser criança, representada principalmente por

sua capacidade lúdica.

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33

A perda da capacidade lúdica devido à exploração do trabalho infantil

interfere no desenvolvimento do afeto e da afetividade, prejudicando a sociabilidade

das crianças e adolescentes nas relações familiares e comunitárias, podendo

comprometer a vida adulta (MDS, 2010a).

Em suma, Silva (2002) resume os danos provocados pelo trabalho

precoce:

Além da perda precoce de seu corpo de criança, seu físico exigido diariamente, não lhe favorece beleza, mimetiza-se à figura do pai com seus trejeitos e responsabilidades e, assim, perde o encanto e a referência peculiar de sua idade; a convivência social indevida também fragiliza sua alegria e a ternura própria dos que priorizam o prazer da pipa “chinando”, daqueles que, pela imantada natureza humana, elegem o valor maior para a peteca colorida que suplanta o do trabalho.

O segundo capítulo apresenta a trajetória da Política de Assistência

Social, com destaque a LOAS, a PNAS e o SUAS e a integração do PETI a referida

política.

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2 – A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E O PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO

DO TRABALHO INFANTIL (PETI)

No contexto histórico brasileiro, por muito tempo o enfrentamento às

expressões da questão social, sobretudo da pobreza, esteve ligada à ações

assistencialistas, no viés da caridade e da benesse, distante da ideia de direito

social.

Segundo Behring e Boschetti (2009; SPOSATI, 2009), no início do séc.

XX houve a primeira conquista no campo dos direitos sociais no Brasil como

resultado da luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, gerando as

primeiras iniciativas de legislação trabalhista. Contudo, a ampliação das políticas

sociais no Brasil, ocorrida nos tempos da ditadura (1937 -1945 e 1964 – 1984), foi

utilizada no sentido de favor e tutela, em contraponto as restrições dos direitos civis

e políticos.

Entretanto, Granemann (2009) ressalta como marco de expansão das

políticas sociais no Brasil a Constituição Federal de 1988, que articulou a política de

seguridade social e dotou-a de fontes de financiamento, prevendo-lhe um sistema de

gestão descentralizado e participativo.

A partir da Constituição Federal Brasileira de 1988, conforme Sposati

(2009, p.13), foi vislumbrada a garantia dos “direitos humanos e sociais como

responsabilidade pública e estatal”, realizando mudanças conceituais que foram

significativas para o cenário político e social. A referida Constituição apresenta a

Seguridade e as três políticas de Proteção Social que a compõe: a Saúde, a

Previdência e a Assistência Social.

Sposati (2009, p.14) salienta que:

A inclusão da assistência Social significou, portanto, ampliação no campo dos direitos humanos e sociais e, como conseqüência, introduziu a exigência de a assistência social, como política, ser capaz de formular com objetividade o conteúdo dos direitos do cidadão em raio de ação, tarefa, aliás, que ainda permanece em construção.

Todavia, a ampliação das políticas de proteção social não se restringiu

apenas a instituição dos ditames constitucionais. Segundo Jaccoud (2009), com a

chegada dos anos 90, mas principalmente nos anos 2000, o Brasil passou a

expandir-se no campo das políticas públicas, buscando responder às reivindicações

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35

da sociedade, referente ao enfrentamento de várias expressões da questão social. A

autora cita os programas Bolsa Família e PETI, que atendem a uma grande fração

da população brasileira e na qual seus impactos foram considerados importantes no

combate a situação de pobreza e de “desproteção social” (JACCOUD, 2009, p. 64).

Em 1993, com a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social

(LOAS), foi de fato regulamentada a nova forma de se pensar a Política de

Assistência Social14, como política social pública. A referida lei em seu 1º artigo nos

apresenta sua conceituação de Assistência Social:

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (Art. 1º/ LOAS).

A LOAS afirma os seguintes princípios que norteiam a Política de

Assistência Social Brasileira, são eles: a Supremacia do atendimento; a

Universalização dos direitos sociais; o respeito à dignidade do cidadão; a igualdade

de direitos no acesso ao atendimento e a divulgação ampla dos benefícios, serviços,

programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder

Público e dos critérios para sua concessão.

Conforme Alves e Campos (2012), a Política de Assistência Social vem no

passar dos anos implementando mecanismos que viabilizam a construção dos

direitos sociais para seus usuários, destacando a Política Nacional de Assistência

Social (PNAS/2004) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS/2005) que se

trata da materialização do conteúdo da LOAS, estabelecendo a corresponsabilidade

entre os entes federados (União, Estados, DF e Municípios). Ressalta-se ainda a

análise das características socioterritoriais e diferenças locais instituindo em todo

território nacional o modelo de gestão descentralizada e participativa, para regular,

cofinanciar e organizar as ações socioassistenciais.

Outras normativas contribuíram na fundamentação da oferta de serviços,

no âmbito da Política de Assistência Social, são eles: a Norma Operacional Básica –

14

Vale ressaltar que, antes da CF/88 não havia uma concepção nacional de Assistência Social, mesmo com a existência da Secretaria de Assistência Social instalada no Ministério da Previdência e Assistência Social (SPOSATI, 2009, p.15).

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36

NOB/SUAS, 201215; a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos – NOB-

RH/SUAS, 2007; o Protocolo de Gestão Integrada de Serviços16, Benefícios e

Transferência de Renda no âmbito do SUAS, 2009; a Tipificação Nacional de

Serviços Socioassistenciais, 2009; as Portarias nº 842 e 843de 28 de dezembro de

201017.

Destarte, os projetos, serviços, programas e benefícios da Assistência

Social passaram a ser acompanhados e avaliados com suporte nos princípios que

fundamentam a proteção social, em consonância com a Constituição Federal de

1988 e a LOAS - previstos na PNAS, e que determinam as ações a serem realizadas

pelo SUAS (MDS, 2010a). Os princípios que dão essa fundamentação são os

seguintes: a Matricialidade Sociofamiliar, a Territorialização, a Integração à

Seguridade Social e a Integração às políticas sociais e econômicas.

Entre os princípios supracitados destaca-se a matricialidade

sociofamiliar18 como eixo estruturante das ações da Assistência Social, no intuito de

fortalecer as condições para que famílias possam prover a proteção devida aos seus

membros (SPOSATI, 2009).

Foi nesse processo de construção que o Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (PETI) foi integrado a Política de Assistência Social, sendo inserido

ao SUAS em 2005.

No mesmo ano ocorre a criação da Portaria nº 666 (28/12/05),

responsável pela integração do PETI ao Programa Bolsa Família (PBF). Essa

15

A resolução CNAS nº130, de 15 de junho de 2005, que aprovou a NOB/SUAS 2005 foi revogada pela Resolução CNAS nº33/2012 que aprova a NOB/SUAS 2012. A nova versão passou a vigorar a partir de 03/01/2013. (http://www.mds.gov.br/cnas/noticias/publicada-hoje-a-nova-norma-operacional-basica-nob-suas-2012). 16

O referido Protocolo tem como finalidade uniformizar os procedimentos para a gestão integrada mediante a articulação de serviços, benefícios e transferência de renda para o atendimento das famílias do Programa Bolsa Família (PBF), PETI e Benefício de Prestação Continuada (BPC). 17

A Portaria nº 842 “dispõe sobre a oferta de serviços de proteção social básica do SUAS com os recursos originários do Piso Básico de Transição - PBT, estabelece o co-financiamento dos serviços de proteção básica para idosos e/ou crianças de até seis anos e suas famílias por meio do Piso Básico Variável – PBV”, entre outras medidas, enquanto a Portaria nº 843 “dispõe sobre o cofinanciamento federal, por meio do Piso Fixo de Média Complexidade - PFMC, dos serviços socioassistenciais ofertados pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social - CREAS e pelos Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua, e dá outras providências”. Pesquisar em: http://www.mds.gov.br/acesso-a-informacao/legislacao/assistencial/portarias/2010/MDS%20Portaria%20no%20843%20de%2028%20de%20dezembro%20de%202010%20-Creas%20e%20Creas%20Pop-%20-%20Parte%20I.pdf 18

Segundo Sposati (2009, 43), “trata-se do núcleo intergeracional, presente no cotidiano e que opera tanto o circuito de ralações afetivas como de acessos materiais e sociais. Fundamenta-se no direito à proteção das famílias, mas respeitando seu direito à vida privada”.

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integração possibilita a garantia da Universalização do PETI, pois: racionaliza e

aprimora os procedimentos de gestão do PBF e do PETI; amplia a cobertura de

atendimento das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil; bem como

aumenta as ações dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, para

crianças e adolescentes do PBF em situação de trabalho infantil (MDS, 2010a).

O PETI trata-se de um programa Federal que visa à proteção e retirada

de crianças e adolescentes de até 16 anos das práticas do trabalho precoce, salvo

na condição de aprendiz a partir de 14 anos19. Como programa integrante da PNAS,

o referido programa baseia-se em suas normativas para a criação de seus princípios

norteadores:

a) Reconhecimento da criança e do adolescente como sujeito de direito e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento que não podem, em hipótese alguma, vivenciar situações de trabalho, devendo a todo o momento ser protegidas dessa prática; b) Garantia dos direitos da criança e do adolescente retirados da prática do trabalho infantil; c) Reconhecimento de que o trabalho infantil é proibido no Brasil, exigindo a eficaz e imediata intervenção pública para a interrupção, não reincidências e prevenção dessa situação (MDS, 2010a, p. 52).

Como política em construção, ressalta-se em 2009 a aprovação pelo

Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), da Tipificação Nacional de

Serviços Socioassistenciais (Resolução nº109, datada de 11/11/09), em resposta a

VI Conferência Nacional da Assistência Social. A referida resolução visa estabelecer

bases de padronização nacional na prestação dos serviços socioassistenciais (MDS,

2009).

Em decorrência da tipificação ocorrem algumas mudanças referentes ao

enfrentamento do trabalho infantil pela política de assistência social, devendo este

acontecer articuladamente, através de Serviços de Proteção Social Básica (PSB) e

de Proteção Social Especial (PSE), no âmbito do SUAS (MDS, 2010a).

19

Cf. Lei de Aprendizagem (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10097.htm).

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38

2.1 A ORIGEM DO PETI E SEUS MARCOS LEGAIS

O PETI foi implantado pela Secretaria de Assistência Social (SEAS) em

1996, em decorrência das várias denúncias de trabalho escravo de crianças em

diversos Estados do Brasil, principalmente na zona rural, nas carvoarias e canaviais.

Em resposta à solicitação da sociedade, representada especialmente pelo

Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – FNPETI, o PETI

foi criado pelo Governo Federal, inicialmente no Mato Grosso do Sul, em articulação

com os Governos Estaduais e municípios, sendo posteriormente lançado na zona

canavieira de Pernambuco e na zona sisaleira da Bahia, bem como em Sergipe e

Rondônia, tendo atuação focada nas áreas rurais. Progressivamente o programa foi

alcançando a outras regiões do país e atingindo também as áreas urbanas (MDS,

2010a; PADILHA, 2008).

O FNPETI, criado em 1994, teve significativa atuação nas intervenções no

âmbito do enfrentamento ao trabalho infantil, com a participação de vários agentes

sociais, de entidades governamentais e não-governamentais, entidades de classes,

entre outros. Suas ações inspiraram e contribuíram para abordagem da temática,

articulação dos esforços dos governos (federais, estaduais e municipais) e da

sociedade civil, surgindo como fruto dessa experiência o PETI (SILVA, NEVES JR,

ANTUNES, 2002; MDS, 2010a).

Em 2001, a SEAS através da Portaria nº 458, instituiu as diretrizes e

normas do PETI, estabelecendo o seu enfrentamento inicial às piores formas de

trabalho infantil realizadas por crianças e adolescentes de 7 a 14 anos de idade em

trabalhos considerados perigosos, insalubres, penosos eu degradantes, além do

atendimento aos adolescentes até 15 anos de idade em situação de extremo risco

e/ou em caso de exploração sexual. Posteriormente, a portaria supracitada sofre

alterações pela criação da Portaria nº 666 (2005), responsável pela integração do

PETI ao Programa Bolsa Família (PBF). Com a nova portaria, o PETI amplia o seu

foco de atendimento para as diversas formas de trabalho infantil de crianças e

adolescentes com idade até 16 (dezesseis anos) 20, salvo o trabalho na condição de

aprendiz a partir dos 14 anos.

20

Conforme a idade mínima estabelecida pela Emenda Constitucional nº20/1998. Na referida Portaria, as atividades da jornada ampliada passaram a ser denominadas atividades socioeducativas.

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39

Referente às bases históricas e legais de combate ao trabalho infantil,

vale ressaltar que a temática tomou visibilidade internacionalmente nos anos 80,

principalmente pela criação da Declaração Universal dos Direitos da Criança, em

1989, consagrando a doutrina de proteção integral e de prioridade absoluta da

infância. Entretanto, a emergência da referida questão tornou-se imprescindível

devido ao agravamento da exploração da mão de obra infantil por muitos países em

desenvolvimento com a finalidade de diminuir os custos da exportação de seus

produtos (AMARAL, CAMPINEIRO E SILVEIRA, 2000).

Neste sentido, a introdução de uma Cláusula Social nas regras do comércio internacional, proibindo a utilização de mão-de-obra infantil na fabricação de produtos exportados, é uma demanda de diversos governos e de grande parte do sindicalismo internacional (VEIGA, 1998 apud AMARAL, CAMPINEIRO E SILVEIRA, 2000, p. 3).

No Brasil, a “pressão” sofrida em decorrência da discussão internacional

sobre o tema encontrou condições favoráveis, que potencializaram seus impactos.

Nos anos 80, o fim do sistema ditatorial e a redemocratização do país, permitiram a

intensificação das demandas sociais, provocando um intenso movimento nacional de

defesa da criança e do adolescente, que possibilitou a introdução do artigo 227 na

Constituição de 1988, expressando os direitos da criança na perspectiva da doutrina

de proteção integral e estabelecendo os deveres do Estado, da sociedade e da

família para o seu cumprimento.

Contudo, o ECA é o importante dispositivo legal brasileiro de proibição ao

trabalho infantil, pois regula as conquistas em favor da infância e juventude, de

garantia de pleno desenvolvimento, além dos direitos fundamentais

consubstanciados na Constituição Federal de 1988 e consequentemente, gera a

implantação de uma rede de conselhos de defesa dos direitos desses segmentos.

Salienta-se a relevância de órgãos internacionais como a OIT e a

UNICEF, reiterando as Convenções nº138/1973 e nº182/1999 da OIT, mencionadas

anteriormente, ratificadas no país nos anos de 2001 e 2000, respectivamente.

No campo da Assistência Social, a LOAS apresenta entre seus objetivos,

“a proteção à família, à maternidade, à infância à adolescência e à velhice” e o

“amparo às crianças e adolescentes” (artigo 2º). Na prestação de serviços, a referida

lei (art. 23, § 2o, I) destaca a criação de programas priorizando “às crianças e

adolescentes em situação de risco pessoal e social, em cumprimento ao que está

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40

previsto no art. 227 da Constituição Federal e no ECA, no seu art. 4º, parágrafo

único.

Outra importante normativa trata-se da Lei de Diretrizes Básicas da

Educação Nacional (Lei nº 9394/96), que no contexto da educação estabelece “a

progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o

regime de escolas de tempo integral”. A mudança busca ampliar a permanência e o

convívio escolar também em atividades lúdicas que propiciem o fortalecimento na

prevenção e enfrentamento ao trabalho infantil.

.

2.2 A INSERÇÃO DO PETI NO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

(SUAS)

O SUAS, no seu desafio de dar materialidade à política de assistência

social, de acordo com as determinações da LOAS, estabelece a “centralidade do

Estado21 na garantia da existência de serviços estatais como articuladores dos

serviços socioassistenciais necessários” (COUTO, 2009, p. 206).

A política de seguridade apresenta um conceito fundamental que é o da

proteção social, compreendida como “[...] uma soma de ações [...], que visa proteger

o conjunto ou parte da sociedade de riscos naturais e/ou sociais decorrentes da vida

em coletividade” (IDEM, p. 210 apud MENDES; WUNSCH; COUTO, 2006, p. 212).

Desta forma, a proteção social presente na estrutura da PNAS está composta de

dois modelos de proteção afiançadas: a proteção social básica (PSB) e a proteção

social especial (PSE) de alta e média complexidade.

O PETI é um programa de âmbito nacional que articula ações tanto da

PSB quanto da PSE. Para melhor entendimento sobre o referido programa faz-se

necessário conhecermos os objetivos, serviços e ações realizadas por ambas, de

acordo com as formulações do SUAS.

A proteção social básica tem característica preventiva. A PNAS apresenta

seus objetivos:

21

Para Couto (2009) a centralidade do Estado na gestão da Política Pública tem o objetivo de garantir que esta atenda de fato “quem dela necessitar”, valendo-se dos seguintes princípios: a igualdade de acesso, a transparência administrativa e a seriedade na utilização dos recursos públicos.

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41

[...] prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, entre outras) (BRASIL, 2004, p.33).

Os serviços executados pela PSB são referenciados pelo Centro de

Referência da Assistência Social (CRAS), unidade pública estatal considerada porta

de entrada da política de assistência social, responsável por organizar a rede

socioassistencial e a oferta dos serviços vinculados a PSB, pois está localizado nas

áreas de vulnerabilidade social22, permitido um maior acesso dos usuários aos

serviços ofertados. (MDS, 2010a).

Segundo a PNAS (2004), seus serviços buscam fortalecer as famílias em

que os vínculos familiares e comunitários estejam fragilizados, procurando

restabelecer os laços, através do incentivo ao protagonismo de seus entes e pela

oferta de serviços que promovam o convívio, o acolhimento e a socialização.

A PSB possui os seguintes serviços continuados previstos na Tipificação

Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009): o Serviço de Proteção e

Atendimento Integral à Família (PAIF) e quatro Serviços de Convivência e

Fortalecimento de Vínculos (SCFV) organizados nas faixas etárias para crianças até

06 anos; crianças e adolescentes de 06 a 15 anos; para adolescentes e jovens de

15 a 17 anos e para Idosos com idade igual ou inferior a 60 anos, em situação de

vulnerabilidade social.

Na referida tipificação fica estabelecida a prioridade do atendimento de

crianças e adolescentes de 06 a 15 anos, incluídos no PETI, no Serviço de

Convivência e Fortalecimento de Vínculos, além da oferta do Serviço de Proteção e

Atendimento Integral à Família. Desta forma, o supracitado SCFV agrega as

atividades socioeducativas e de convivência do PETI.

22

Para Bronzo (2009, p.173), “o enfoque da vulnerabilidade e dos riscos permite uma ponte mais direta com o campo das políticas públicas, ao explicitar as diferentes estratégias que devem ser desenvolvidas para fazer frente a riscos específicos e fortalecer a capacidade de resposta das famílias, para a redução de sua vulnerabilidade. Vulnerabilidade relaciona-se, por um lado, com a exposição ao risco e, por outro, com a capacidade de resposta, material e simbólica que, indivíduos, famílias e comunidades conseguem dar para fazer frente ao risco ou ao choque (que significa risco)”.

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42

O SCFV para crianças e adolescentes de 06 a 15 anos tem o objetivo de

complementar ação protetiva das famílias, formar espaços de convivência, que

contribuam para a participação, cidadania, protagonismo e autonomia das crianças e

adolescentes, conforme suas demandas, perspectivas e capacidades. O PETI

orienta a oferta de atividades de 15 horas semanais para as crianças e adolescentes

retirados da situação de trabalho na área urbana, e de 10 horas semanais nas zonas

rurais, a ser realizadas pelos SCFV23, com acompanhamento obrigatório da

frequência, pois a participação deste público inserido no PETI constitui

condionalidade para transferência de renda às famílias (MDS, 2010b).

Outrossim, destaca-se que os SCFV devem ser compostos de

aproximadamente 20 participantes, podendo ser realizados em unidades públicas ou

em entidades não governamentais do território de abrangência do CRAS de

referência, sendo estas devidamente reconhecidas pelo Conselho de Assistência

Social, com supervisão de responsabilidade da gestão municipal por todos os

serviços prestados (MDS, 2010b).

Para a oferta dos referidos serviços, o programa ressalta que estes sejam

em locais adequados, que apresentem boa iluminação, acessibilidade, ventilação,

condições sanitárias e de segurança adequadas, a fim de garantir proteção e bom

atendimento.

O PAIF trata-se do trabalho social com as famílias, no intuito de fortificá-

las na sua missão protetiva, além de atuar na prevenção a ruptura dos laços

familiares e comunitários, realizando a promoção do acesso aos direitos e a busca

da melhoria na qualidade de vida. Reforça-se que todos os serviços de PSB,

executados no território de abrangência do CRAS, principalmente os SCFV, devem

ser referenciados pelo PAIF, para organizar e hierarquizar os serviços referenciados

a CRAS, de acordo com a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais

(2009), em atendimento as diretrizes de descentralização da PNAS (2004).

A proteção social especial tem como foco de seus serviços:

[...] Famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social e/ou de violação de direitos por ocorrência de situações como: abandono, maus-

23

A tipificação orienta a realização em turnos diários de até 4 horas, flexibilizando de acordo com a avaliação da equipe técnica responsável pelo serviço, devendo considerar as particularidades, visando à proteção integral da criança e do adolescente (MDS, 2010b).

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43

tratos físicos e/ou psíquicos, abuso e exploração sexual, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras (MDS, 2010a).

As ações realizadas pela PSE exigem um caráter especializado e mais

flexível em suas intervenções, demandando um grande nível de articulação com a

rede socioassistencial, na busca em obter eficácia nos encaminhamentos propostos

de atendimento às famílias. Sua gestão necessita manter um estreito diálogo com

outras políticas públicas, e em diversos casos com o Poder Judiciário, o Ministério

Público, os Conselhos Tutelares e as instituições que compõem o Sistema de

Garantia de Direitos (PNAS, 2004; MDS, 2010a).

A PSE diferencia seus atendimentos em média e alta complexidade, de

acordo com a especificidade das demandas observadas nas situações de violação e

do agravamento.

Na alta complexidade, os serviços são orientados a garantir segurança de

acolhida dos indivíduos e/ou famílias, em situação de ameaça, abandono ou

violação de direitos, com vínculos familiares e/ou comunitários rompidos ou

extremamente fragilizados (MDS, 2009).

De acordo com a PNAS (2004), a média complexidade possui serviços de

atendimento especializado para famílias e indivíduos com direitos violados e/ ou em

situação de risco pessoal e social, cujos vínculos familiares estejam mantidos,

embora fragilizados.

O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) é a

unidade pública estatal, de atendimento e referência para o acompanhamento

especializado, no âmbito do SUAS, no qual se ofertam serviços continuados de

média complexidade, conforme Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.

O CREAS tem como público alvo as famílias e indivíduos em situação de

risco pessoal e social, com violação de direitos, em conformidade com as demandas

identificadas no território, tais como: violência física, psicológica e negligência;

violência sexual: abuso e/ou exploração sexual; afastamento do convívio familiar

devido à aplicação de medida de proteção; situação de rua; abandono; vivência de

trabalho infantil; discriminação em decorrência da orientação sexual e/ou raça/etnia;

descumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família e do Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) derivado de violação de direitos,

cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto de Liberdade Assistida

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44

(LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) por adolescentes, dentre

outras.

No caderno de orientações técnicas de gestão do PETI no SUAS (MDS,

2010a), dois dos serviços ofertados pela PSE na média complexidade recebem

destaque pela contribuição direta nas ações de enfrentamento ao trabalho infantil: o

Serviço Especializado em Abordagem Social, de oferta do CREAS ou de unidade

específica de referência e o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a

Famílias e Indivíduos (PAEFI), executado pelo CREAS.

O Serviço Especializado de Abordagem Social tem o papel de identificar a

incidência de trabalho infantil e de mapeá-lo através de trabalho social de

abordagem realizado nos territórios. Observa-se que o referido serviço atua na

abordagem de diversas situações de violação de direitos, além do trabalho infantil,

por meio de busca ativa continuada e programada nos logradouros públicos em

geral (MDS, 2009).

De acordo com as orientações técnicas do PETI (MDS, 2010), a referida

equipe articula junto à coordenação do programa ou pessoa responsável pelo PETI

no município, e ao PAEFI ou a equipe técnica da PSE, a inclusão da família no

programa, com imediata inserção da criança ou do adolescente no SCFV, o

acompanhamento especializado e sua inserção nas políticas públicas, com foco na

garantia de direitos.

O PAEFI executa um papel importante, pois realiza orientação, apoio,

atendimento especializado e acompanhamento às famílias com membros em

situação de ameaça ou risco social, e/ ou direitos violados, na busca de fortalecer os

vínculos familiares, comunitários e sociais, com intuito de reparar os danos

causados pela violação de direitos, romper com as causas que geram a violação

dentro da família, com o objetivo de prevenir a reincidência. Trabalha também com

as famílias em descumprimento com o PBF e PETI, nos casos de situações de risco

pessoal e social ligados a violação de direitos, ressaltando-se a reincidência do

trabalho infantil.

O acompanhamento familiar do PAEFI se dá por no mínimo três meses,

com a finalidade de efetivar a retirada da criança ou adolescente da situação de

trabalho, acompanhar as condicionalidades referentes à saúde, à frequência do

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45

SCFV e da escola (condicionalidades do PBF), bem como identificar outras

possíveis violações a fim de superá-las. Após a esperada superação das violações

por intermédio do PAEFI, a família deverá ser encaminhada para o CRAS de

referência para acompanhamento do PAIF.

Em resumo, com a sua integração ao SUAS, o PETI passa a ter as

seguintes bases fundamentais:

A transferência direta de renda às famílias com crianças ou adolescentes

retiradas da situação de trabalho e incluídas no programa, através do registro

no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CADÚNICO);

A identificação da incidência de trabalho infantil através do Serviço

Especializado de Abordagem Social;

A participação destas crianças/adolescentes nos SCFV e o acompanhamento

familiar através dos CREAS (PAEFI) e dos CRAS (PAIF), por referência e

contrarreferência, de acordo com as circunstâncias específicas vividas pelos

usuários, de forma articulada. (MDS, 2010a).

2.3 A ESTRUTURA DO PETI EM FORTALEZA

A política municipal de assistência social em Fortaleza desde janeiro de

2013 é de responsabilidade da Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e

combate à fome (SETRA), sendo o PETI coordenado por uma pessoa de referência

na PSE, responsável por sua operação e gestão. A Capital do Estado atende a meta

de 1.890 crianças e adolescentes assistidas pelo programa24, número distribuído em

vagas nos SCFV, para a realização de atividades socioeducativas e de convivência.

Fazendo-se um breve retrospecto, até o segundo semestre de 2009, o

referido programa foi executado pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH),

passando posteriormente para a coordenação da extinta Secretaria Municipal de

Assistência Social (SEMAS) em 2010. Neste mesmo ano foi implantado o Serviço

Especializado de Abordagem Social, serviço continuado responsável em identificar,

através de busca ativa, crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil,

dentre outras violações de direitos, em todo o território, nos logradouros públicos em

geral. Atualmente, o serviço é formado por educadores sociais divididos em quatro

24

Informação obtida junto à coordenação do PETI em Fortaleza.

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46

(04) equipes que compõem os quatro (04) CREAS do município, localizados nas

regionais II, III, V e IV25.

A implantação do referido serviço nos CREAS, conforme Gomes, Fasolo e

Lima (2012), permitiu utilizar como estratégias de enfrentamento ao trabalho infantil

o mapeamento e a inserção da equipe de abordagem nos locais com maior

incidência desta violação. Após a abordagem e a identificação das crianças e

adolescentes, o CREAS realiza as seguintes ações: Inclui as famílias no PAEFI para

acompanhamento familiar; executa a inclusão das famílias no PETI, por meio do

registro no CADÚNICO, para acesso aos benefícios de transferência de renda; e

paralelamente, o encaminhamento imediato da criança ou adolescente para o SCFV,

serviço no âmbito da PSB.

Segundo as autoras supracitadas, as famílias com situação de trabalho

infantil são foco prioritário das intervenções do PAEFI e do Serviço de Abordagem,

destacando-se que a partir da implantação do Serviço de Abordagem Social, ocorreu

um aumento significativo na quantidade de crianças e adolescentes inseridas no

PETI, havendo o acréscimo de 243 no ano de 2010, para 1.052 em 2011.

O PAEFI em Fortaleza acompanha as determinações nacionais,

buscando garantir o que orienta a tipificação (2009), no que se refere aos

profissionais que compõe a equipe CREAS e ao acompanhamento especializado no

qual deverá prestar as famílias em situação de violação de direitos, além do trabalho

articulado com os CRAS, devido a sua localização mais próxima dos usuários da

política de assistência social e do trabalho realizado pelo PAIF de fortalecimento das

condições protetivas das famílias em situação de vulnerabilidade e risco social.

O Serviço Especializado de Abordagem Social no município, além das

abordagens sociais nos diversos espaços públicos da cidade, realiza visitas

domiciliares de averiguação de denúncias referentes à situação de trabalho infantil;

acompanhamento das entidades e unidades executoras do SCFV/PETI, de acordo

com as regionais de referência; e a inclusão das famílias no programa, por meio do

registro no CADÚNICO, com a marcação no campo específico de trabalho infantil.

25

Endereços de funcionamento dos CREAS municipais: CREAS II: Rua Manoel Jesuino, 153 - Mucuripe; CREAS III: Rua Dom Lino, 1001 – Rodolfo Teófilo; CREAS V: Av. B, nº 554 – Conjunto Ceará; CREAS VI: Rua Crisanto Moreira Rocha, nº650, José de Alencar.

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47

Atualmente o programa possui 17 SCFV, sendo eles executados por 07

unidades públicas e 10 entidades não governamentais. Os serviços estão presentes

nos seguintes bairros, de acordo com suas regionais:

REGIONAL I – Cristo Redentor, Vila Velha, Floresta;

REGIONAL II – Serviluz, Mucuripe;

REGIONAL III – Antonio Bezerra, Autran Nunes, Planalto Pici;

REGIONAL V – Parque São José, Bom Jardim, José Walter, Parque Santo

Amaro;

Regional VI – Jangurussu; João Paulo; Palmeiras, Ancuri.

O terceiro capítulo será dedicado a apresentação dos dados da pesquisa

realizada sobre o PETI, com famílias atendidas pelo CRAS Bom Jardim e inseridas

no referido programa, bem como a análise dos discursos coletados por meio de

entrevistas.

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48

3 – UMA ANÁLISE DO PETI A PARTIR DA PERCEPÇÃO DAS FAMÍLIAS INSERIDAS NO REFERIDO PROGRAMA

3.1 O SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS (SCFV)

DO CRAS BOM JARDIM NA EXECUÇÃO DO PETI

O cenário da pesquisa, o SCFV do CRAS Bom Jardim26, para crianças e

adolescentes de 06 a 15 anos, executa atividades socioeducativas e de convivência

do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) desde o primeiro semestre

de 2012, funcionando nos horários da manhã e da tarde, de segunda a sexta-feira,

com meta de atendimento de 50 vagas distribuídas entre os dois horários de

funcionamento.

As atividades socioeducativas do PETI, inseridas no SCFV, são

realizadas por uma educadora social27 que executa as ações do serviço com base

em dois eixos estruturantes: a Convivência Social e a Participação28. De acordo com

o caderno de orientações técnicas sobre o SCFV para crianças e adolescentes de

06 a 15 anos (MDS, 2010b), as atividades são compostas de jogos variados

(esportivos, recreativos, matemáticos); oficinas que desenvolvem artes manuais

(desenhos, pintura, entre outras), teatro, dança, música, contação de história e

leitura, entre outras atividades29. Mensalmente são realizados planejamentos

pedagógicos com os educadores sociais de todos os SCFV.

Para melhor entendimento do campo pesquisado e dos próprios sujeitos

da pesquisa, será realizada uma breve aproximação do contexto territorial, social e

de suas particularidades, a partir do Diagnóstico do referido CRAS30, realizado em

2012.

26

Endereço: Avenida Coronel Virgílio Nogueira, s/n - Parque Santa Cecília – bairro Bom Jardim. 27

A referida educadora trabalha no PETI há aproximadamente 09 anos. 28

Os eixos estruturantes são formulados para orientar temas, atividades e organização do serviço, visando colaborar na elaboração de uma proposta que atinja as demandas e peculiaridades do público de cada SCFV. A Convivência Social é vista como o principal eixo, pois agrega em si o papel dos serviços de PSB, buscando fortalecer os vínculos familiares e comunitários. O eixo da Participação, de caráter democrático e descentralizador, fundamenta-se na compreensão e concepção da infância e da adolescência (MDS, 2010). 29

“As atividades podem ser organizadas em diferentes dimensões, aproveitando a experiência do orientador social e do facilitador de oficinas, sempre com a preocupação de garantir diversidade, qualidade e criatividade” (MDS, 2010, p.110). 30

O Diagnóstico Socioterritorial dos CRAS de Fortaleza (2012) é um documento que sistematiza o conhecimento das equipes dos CRAS de Fortaleza sobre seu território de abrangência.

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49

O CRAS Bom Jardim é um equipamento localizado na regional V,

considerada a mais populosa e com mais vulnerabilidades sociais, resultado de um

processo histórico de exclusão socioespacial desta área territorial da cidade (IBGE

2010 apud DIAGNÓSTICO CRAS, 2012). O referido CRAS iniciou o seu

funcionamento em setembro de 2004, no Parque Santa Cecília, estando inserido na

área de abrangência do Grande Bom Jardim, território que é composto por 05(cinco)

bairros: Canindezinho, Granja Portugal, Siqueira, Granja Lisboa e Bom Jardim

(esses dois últimos referenciados pelo CRAS).

Conforme informações coletadas no Diagnóstico Social do CRAS

supracitado, o grande Bom Jardim possui uma população de aproximadamente

423.168 habitantes, desse total, mais de 50% encontram-se na faixa etária de 15 a

49 anos, e 44,39% sobrevivem com uma renda de até um salário mínimo. Na sua

maioria exercem trabalhos informais, fazendo bicos e/ou serviços temporários e

esporádicos. Verifica-se, entre os trabalhadores, que 8,99% trabalham com carteira

assinada e a renda média dos moradores é de até dois salários mínimos, o que

significa que a maioria dos trabalhadores não possui os direitos trabalhistas

garantidos.

O Bom Jardim possui um baixo Índice de Desenvolvimento Humano - IDH

(0,403) e elevado Índice de Valores Humanos (6,23). De acordo com o Diagnóstico

do Centro de Defesa da Vida Herbet de Sousa31 (apud DIAGNÓSTICO

SOCIOTERRITORIAL DOS CRAS DE FORTALEZA, 2012), sua origem é marcada

pela migração de muitas pessoas advindas do interior, além disso, quase metade de

sua população (49,8%), é constituída por moradores oriundos de outros bairros de

Fortaleza.

No que se refere ao nível de escolaridade dos responsáveis familiares do

bairro, destaca-se que 20,08% não possuem instrução ou tem até um ano de

escolaridade. Essa realidade contrasta-se aos dados de Fortaleza, cujo percentual

de chefes de família com esse nível de escolaridade é de 12, 94%.

Em relação ao índice de analfabetismo, Fortaleza registra 14,59% de

analfabetos para a metrópole, enquanto no Grande Bom Jardim este percentual é de

31

Organização não governamental, sem fins econômicos, localizada no Grande Bom Jardim, na Rua Fernando Augusto, 987- Parque Santo Amaro.

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50

22,46% (34.358 pessoas), destacando-se o bairro Siqueira com 25,58% da

população residente com mais de cinco anos de idade ainda analfabeta.

Em se tratando da inserção em programas sociais, o bairro possui 32, 9%

de sua população inscrita no Cadastro Único do governo federal, e 2.664 famílias

beneficiadas com o Programa Bolsa Família, o que corresponde a um total de 9.557

beneficiários, conforme dados fornecidos pela base do Cadastro Único de Fortaleza

em novembro de 2011. Desse total, 16 famílias recebem o Benefício da Prestação

Continuada - BPC para pessoas com deficiência, 05 BPC idoso, e 45 são

acompanhadas pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI.

Outrossim, devido a situação de risco e vulnerabilidade social extrema

vivenciada por significativa parte da população do Grande Bom Jardim, a área é

estigmatizada e recebe a denominação de zona violenta, sendo a violência

correlacionada à situação de pobreza presente neste território. Para agravar ainda

mais o estigma, os meios de comunicação através de alguns programas

“jornalísticos”, contribuem para aumentar a imagem negativa sobre o lugar,

penalizando a comunidade e não colaborando para o alcance das reivindicações por

melhorias na infra-estrutura do referido bairro.

Por outro lado, destacam-se os movimentos sociais que lutam por

melhores condições de vida da população e as organizações da sociedade civil,

dentre elas: Associações de moradores, ONGs e equipamentos que desenvolvem

trabalhos voluntários nas áreas de educação, saúde e principalmente nas artes, com

grande número de artistas plásticos, artesões e grupos de cultura popular.

3.2 O PERFIL DAS FAMÍLIAS PARTICIPANTES DA PESQUISA

A referida pesquisa foi realizada com responsáveis familiares das famílias

incluídas no PETI, na qual seus filhos estão inseridos no Serviço de Convivência e

Fortalecimento de Vínculos para crianças e adolescentes de 06 a 15 anos.

A amostra utilizada foi por acessibilidade, composta por cinco (05)

responsáveis familiares, majoritariamente mulheres, na faixa etária de 31 a 48 anos.

As famílias pesquisadas foram inseridas no programa no período de janeiro a

outubro de 2012.

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51

Salienta-se que os nomes registrados são fictícios para garantir a não

identificação dos sujeitos da pesquisa.

As famílias das entrevistadas possuem composição familiar entre 04 e 06

pessoas. Das participantes, Elizete (32 anos), Ângela (35 anos) e Marlene (31 anos)

vivem com os filhos e os respectivos companheiros, enquanto Dalva (40 anos) e

Clara (49 anos) moram somente com os filhos.

Em relação à situação de moradia, as famílias de Ângela e Marlene

residem em casas cedidas por parentes, as demais famílias pesquisadas moram em

residência própria.

3.2.1 A SITUAÇÃO DA CRIANÇA OU DO ADOLESCENTE NO PROGRAMA

Os filhos das participantes da pesquisa, incluídos nas atividades do PETI

são: os irmãos João (15 anos) e Maria (11 anos); José (07 anos); Francisco (10

anos); Luis (13 anos) e Joaquim (13 anos).

De acordo com as entrevistas realizadas no mês de maio, das (06) seis

crianças e adolescentes, (05) cinco estão freqüentando regularmente a escola no

ensino fundamental, do 2º ao 7º ano, sendo que o adolescente João encontra-se

fora da escola, tendo deixado de frequentá-la no 5º ano.

Segundo informações do Ministério de Desenvolvimento Social e

Combate à Fome - MDS, a educação é uma das condicionalidades32 exigidas pelo

PBF e PETI, sendo considerado o abandono da escola e a baixa frequência33

descumprimentos das condicionalidades destes programas.

Além do registro desta evasão escolar, foi também identificada à evasão

ao Programa, de acordo com depoimento da senhora Marlene, mãe de João e

Maria. A responsável familiar acrescenta que seus filhos não estão mais

32

(Site: www.mds.gov.br) “As condicionalidades são os compromissos nas áreas da Educação, da Saúde e Assistência Social assumidos pelas famílias e que precisam ser cumpridos para que elas continuem a receber o benefício do Bolsa Família”. 33

(IDEM) “Frequência escolar mínima de 85% para crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos e mínima de 75%para adolescentes entre 16 e 17 anos”.

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52

participando das atividades do PETI34, e que ambos retornaram a situação de

trabalho.

Ressalta-se que é papel do CREAS, por meio da equipe do PAEFI,

realizar o devido acompanhamento das famílias em descumprimento das

condicionalidades inerentes ao PBF e ao PETI, nos casos de descumprimentos

gerados por “quaisquer situações de risco pessoal e social e/ou violação de direitos,

dentre as quais a própria reincidência de trabalho infantil” (MDS, 2010a).

A entrevistada supracitada relata a precária situação de vulnerabilidade e

risco social na qual vivencia sua família. O desemprego do casal, a falta de alimento,

o desejo de afastar o filho das ruas, são apresentados como causas que justificam a

entrada e permanência de seus filhos na reciclagem ou no trabalho informal.

“Já o João não quis saber mais do colégio, parou na 5ª série. Ele tava no PETI, a Assistente Social tinha botado ele, mas ele diz que não quer mais não, preferi trabalhar do que viver passando necessidade”. (Marlene) “Às vezes ela (Maria) sai pra pedir quando vê que não tem nada, que eu tô doidinha dentro de casa por causa dos pequenos (duas crianças de 03 e 05 anos), ela procura ajudar. Ontem foi um dos dias que não tinha nem um arroz, ela saiu e arranjou um meio quilo de arroz e aí eu fiz uma merenda pra eles”. (Marlene) “Sem a reciclagem minha situação ia ser ruim, porque eu parada ele (companheiro) parado, ele anda pra cima e pra baixo atrás de emprego, [...] Outra coisa, eu não posso forçar nem obrigar, eu acho até melhor ele (adolescente) trabalhar também, pelo menos não tá se envolvendo com gangue, tá ocupando a cabeça...” (Marlene)

Um aspecto aqui relacionado, já mencionado anteriormente, trata-se da

utilização do trabalho infantil como uma das estratégias de sobrevivência usadas

pelas famílias, em detrimento do aprendizado, seja no ambiente escolar ou nos

espaços de lazer. Essa realidade impede crianças e adolescentes de se qualificarem

profissionalmente e de ascenderem na condição de vida, reproduzindo o ciclo de

pobreza em que vivem (MARQUES, NETO E NEVES, 2002; PADILHA, 2008).

A permanência na situação de trabalho infantil e a evasão escolar estão

fortemente interligadas, pois crianças e adolescentes, devido ao processo de

desenvolvimento no qual ainda estão passando, possuem capacidade de resistência

limitada, estando mais vulneráveis às condições de trabalho, mais sujeitos ao

34

A frequência das crianças e adolescentes nas atividades do PETI também corresponde a uma condicionalidade, repercutindo diretamente no recebimento do PBF, sendo exigida igualmente frequência mínima de 85%.

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53

cansaço quando expostos a condições climáticas desfavoráveis e/ou a realização de

atividades repetitivas (MDS, 2010a). Conforme salienta Irma Rizzini (1999, p.381):

O trabalho acaba por afastar a criança e principalmente o adolescente da escola. [...] Ou simplesmente, podem estar matriculados, sem conseguirem freqüentá-la com assiduidade. A longa jornada de trabalho é um dos fatores que os leva a desistir dos estudos.

3.2.2 IDENTIFICAÇÃO DO TRABALHO LABORAL NO QUAL AS CRIANÇAS E

ADOLESCENTES ESTAVAM (OU ESTÃO) SUBMETIDAS

Segundo as entrevistadas, das (06) seis crianças e adolescentes, (03)

três trabalhavam na coleta de material reciclável e (01) um trabalhava na “limpeza”

de jeans, reiterando que João e Maria permanecem trabalhando, a menina na

reciclagem e o adolescente no trabalho informal, como vendedor. Anteriormente,

João também trabalhava na reciclagem, acompanhando a senhora Marlene e sua

irmã.

A realização das atividades laborais supracitadas, conforme as

responsáveis familiares, na sua maioria ocorria (ou ocorre) na companhia da própria

família, seja em casa ou nas ruas no bairro. O valor apurado em conjunto pelo grupo

familiar tinha o intuito de complementar à renda, sobretudo, para a compra de

alimentos.

De acordo com as entrevistas, a renda específica do trabalho realizado na

companhia familiar variava entre 12 e 50 reais por semana. O adolescente João

recebe semanalmente 80 reais.

“Era porque comprava mais alguma coisa pra ajudar né, às vezes queria comer uma coisa, uma coisa diferente não tinha aí fazia”. (Elizete) “Por causa da alimentação, porque não tinha quem me desse. Tinha Bolsa família, mas só recebia 64 reais. Agora tô recebendo 172 reais”. (Ângela) “Compra uma tirinha de arroz, é mais é o leite deles dois (filhos menores 05 e 03 anos), que eles ainda tomam mingau”. (Marlene) “Meu ex-marido trabalha. Ele demorava a chegar em casa, passava de dois dias sem vir em casa aí faltava o pão, aí era uma ajuda pra comprar a merenda da manhã...Pão, café, leite”. (Dalva) “Tem dia que a gente tá precisando e aí tem 25 reais, tem 20, e aí a gente compra comida, é mais pra comprar comida, pois como eu te falei a vida não é nada fácil, principalmente por eu ter optado cuidar deles”. (Clara)

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54

Para as mães, a inserção das crianças no trabalho não é percebida como

uma atividade laboral, mas sim como uma forma de interação e/ou defesa do grupo

familiar, ficando para os filhos mais “velhos” a responsabilidade na contribuição da

renda familiar.

Portanto Kassouf (2005, p.310) ressalta que “no caso de crianças e

adolescentes a decisão de ingresso no mercado de trabalho não se dá como no

caso de adultos – é uma decisão tomada pela família e não pelo indivíduo”.

3.2.3 OCUPAÇÃO DOS PAIS

Das (05) cinco entrevistadas, 80% atualmente realizam atividade

remunerada na própria residência ou no bairro, de maneira informal, enquanto 20%

não realizam atividade remunerada. Dos (03) três companheiros, o primeiro trabalha

sem carteira assinada, o segundo encontra-se desempregado e o último é

aposentado.

“Não, só em casa, cuidando das coisas de casa”. (Elizete) “No terminal do Siqueira eu e a (filha de 04 anos), venda de garrafinha e pedia dinheiro também”. (Ângela) “Trabalho na reciclagem com a ajuda da (filha de 1 anos)”. (Marlene) “Vendo lanche, salgados, bolo, refrigerante, caldo, canja, pudim, salada de fruta, vendo em casa mesmo”. (Dalva) “Faço desinfetante, tapete, [...] Limpo Jeans, eu pego de uma fábrica, uma certa quantidade de jeans e a gente tira ponta de linha, abre casa de botão, lá fazem o acabamento e mandam pra feira e vendem”. (Clara)

3.2.4 RENDA FAMILIAR

A renda das famílias participantes da pesquisa está entre 200 e 678 reais,

sendo que 40% recebem aproximadamente um salário mínimo, 20% recebem um

pouco mais de meio salário e 40% menos de meio salário mínimo.

As famílias pesquisadas recebem Bolsa Família no valor que varia de 172

a 238 reais. Segundo as entrevistadas, o valor recebido por pelo referido programa é

essencial para a sobrevivência das famílias.

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55

Segundo Padilha (2008), a pesquisa do IBGE realizada em 2002

relaciona a baixa renda domiciliar com a ocorrência do trabalho infantil,

apresentando o ganho do trabalho das crianças e adolescentes para a renda

familiar, no caso de famílias de baixa renda, equivalente a mais ou menos um terço

dos rendimentos do mês.

3.2.5 PERCEPÇÃO QUANTO AOS PROGRAMAS SOCIAIS

A maioria das responsáveis familiares, segundo suas respostas, possui

pouco conhecimento sobre outros programas sociais, 60% delas declaram não

conhecer outros programas, exceto o PBF, e apenas 40% informaram conhecer

também ao PROJOVEM35 e terem filhos participando no referido programa.

Referente ao Programa Bolsa Família (PBF), as entrevistadas

apresentaram algumas dúvidas e queixas sobre a transferência de renda. Algumas

usuárias não compreendem a integração do PETI a Bolsa Família, por isso, observa-

se a necessidade em rever junto às famílias, as diretrizes e princípios do referido

programa, a fim de informá-las, pois com a integração houve “a equalização da

transferência de renda, de forma a garantir que as famílias recebam apenas um

benefício” (MDS, 2010a).

Vale ressaltar que a participação das crianças nas atividades do PETI,

segundo as responsáveis familiares, ocorre essencialmente pelo recebimento da

transferência de renda do PBF, sendo para algumas das famílias o único valor

garantido no final do mês.

3.3 O QUE PENSAM AS FAMÍLIAS SOBRE O PETI

Na indagação sobre qual a finalidade do programa, 40% das

responsáveis familiares demonstraram em seus discursos o entendimento sobre

objetivo principal do PETI, que é a retirada do trabalho infantil. Uma delas, em

35

“O Projovem destina-se a promover a inclusão social dos jovens de 18 a 29 anos que, apesar de alfabetizados, não concluíram o ensino fundamental, buscando sua reinserção na escola e no mundo do trabalho, de modo a propiciar-lhes oportunidades de desenvolvimento humano e exercício efetivo da cidadania.” (Site: http://www.projovem.gov.br).

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especial, ressalta outras contribuições do programa no que se refere à orientação

para a cidadania, a importância do estudo e do brincar para a infância.

“[...] ajuda na orientação, faz entender o que é cidadania, o que é direito, o que é dever, assim, tudo se passa na cidadania, né, mostra que é necessário estudar, é necessário a criança brincar também. É muito bom, o PETI é bom”. (Clara) “Um programa para tirar a criança da rua e fora do trabalho”. (Dalva)

No entanto, em resposta ao questionamento acima, outras 60% das

entrevistadas disseram não saber explicar o propósito do programa, sendo que

desta porcentagem, 20% trouxe à tona a questão da rua como espaço negativo que

leva às drogas e à criminalidade, cabendo ao PETI a ação de prevenir a exposição a

essas situações.

“Tirar criança da rua, afastar das drogas e evitar que façam o que é errado” (Elizete).

Observa-se que a maioria das entrevistadas não menciona a retirada da

situação do trabalho infantil como objetivo principal do PETI, destacando-se duas

possíveis razões: a não compreensão do trabalho como algo que possa trazer

prejuízos ao desenvolvimento físico, social, psíquico de seus filhos e/ou a percepção

da rua (e da ociosidade) como algo que as preocupa, sendo o trabalho uma das

maneiras de mantê-los distante dos riscos.

A preocupação em ocupar o tempo ocioso dos filhos, por meio do

trabalho, a fim de livrá-los das ruas e de seus perigos, remete a concepção que foi

fortemente difundida pelas classes dominantes a partir do séc. XIX, na busca pela

civilização e moralização do país recém republicano que pregava uma “escala

fictícia de valores”, no qual classificava como dignos os pobres que trabalhavam e

viciosos aqueles sem ocupação.

Na obra O Século Perdido, a autora Irene Rizzini descreve o papel

disciplinador do trabalho

O que determinava a virtuosidade e a viciosidade de um indivíduo era, não por acaso, o cultivo ou não do “hábito do trabalho” [...]. Em contraposição, identificava-se na ociosidade a origem dos demais vícios [...] A ociosidade seria o ponto de partida, inclusive, para a criminalidade, considerada como um dos mais degradantes males da sociedade (RIZZINI, 2011, p.54).

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Segundo Rizzini (2011), as famílias pertencentes à população pobre eram

alvo da “educação saneadora”, formada por instituições da área médica e jurídica,

na qual alertava sobre a educação dos filhos, informando que estes “deveriam ser

afastados dos ambientes viciosos e evitar, acima de qualquer coisa, a „escola

perniciosa da rua‟”.

Roberto DaMatta (1997, p.51) descreve a rua como um lugar perigoso,

“local de individualização, de luta e de malandragem. Zona que cada um deve zelar

por si, enquanto Deus olha por todos [...]”.

O autor supracitado salienta: “[...] até hoje a sociedade parece fiel à sua

visão interna do espaço da rua como algo movimentado, propício a desgraças e

roubos, local onde as pessoas podem ser confundidas como indigentes e tomadas

pelo que não são” (IDEM, p.54).

O significado da retirada da rua tem outro matiz na entrevista de uma das

responsáveis familiares que explicitaram o programa com o foco da retirada da

situação de trabalho infantil, porém, salientando o risco do trabalho na rua, tanto

para a criança, quanto para ela. A entrevistada ressalta o trabalho de reciclagem

realizado pelo filho como negativo e prejudicial, por se tratar de um trabalho muito

exaustivo.

“Eu achei muito bom, ter tirado ele da rua, por que não era bom pra ele não, tá juntando lata não, era arriscando acontecer uma coisa né, um acidente comigo e ele na rua [...] Ele era muito pequeno, a gente andava muito no sol, eu via que aquilo não era bom pra ele, tava maltratando muito ele, que até... (a entrevistada se emociona)... Não gosto nem de falar...” (Dalva)

É relevante perceber que, mesmo não havendo uma compreensão acerca

do objetivo fundamental do programa, 60% das responsáveis familiares ressaltam a

importância da participação dos filhos nas atividades do PETI, executadas pelo

SCFV do CRAS Bom Jardim.

“[...] foi um programa muito bom que veio pra cá para o Bom Jardim foi esse...” (Dalva) “Gosto, ele está se comportando melhor.” (Elizete) “É bom porque eu sei que ele tá num local seguro, aqui ele tá aprendendo [...]. ”(Clara) “Ele gosta daqui, o dia que ele não vem... Aqui o atendimento é bom... Ah, eu gosto daqui, gosto que meu filho venha todo dia pra cá, ave Maria, faço tudo para que ele vir e não faltar.” (Dalva)

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As informantes acima citadas acrescentam ter começado a participar das

ações do referido CRAS, em decorrência da inclusão de seus filhos no PETI, com

presença assídua no grupo de famílias. Outro aspecto observado em seus

discursos, refere-se à demonstração de uma vinculação afetiva com o CRAS e seus

profissionais.

“Grupo de família, estou incluída no meio, nunca perdi nenhuma reunião, toda reunião que tem eu venho [...] Toda mãe que bota o filho aqui no PETI passa a entrar no grupo de família, todas as mães, aí toda reunião que tem eu venho com essa minha vizinha...” (Elizete) “[...] eu aprendi muita coisa boa, entendeu, eu gosto daqui, esse CRAS é a minha segunda casa, a minha segunda família, eu tenho a família de pai e mãe... Mas o PETI é a família do coração, o CRAS é uma família de coração enorme, gente humana,... O PETI aqui é bom de mais, só ensina coisa boa.” (Clara)

A figura do Estado é apresentada à população através de seus programas

e ações, por esse motivo, mesmo não havendo um entendimento acerca de suas

atribuições, o Estado se torna fundamental no cotidiano das famílias. Para Gentilli

(2006, p.167) essa relação se dá pelo acesso a políticas públicas:

Quando políticas públicas oferecem efetividades em termos do reconhecimento de direitos (de tendência universalizante) e asseguram serviços e renda aos usuários (num padrão minimamente aceito como digno); ou quando se garantem, via organização da própria sociedade, interesses ou necessidades daqueles que, por nascimento ou sorte, são desprovidos das mínimas condições de viver dignamente realiza-se com eficácia a dimensão social da cidadania, mesmo que a política social esteja atendendo também a outros interesses políticos e econômicos.

Entretanto, das (05) cinco entrevistadas, 40% apresentam especificidades

que se distanciam das colocações anteriores. Estas informantes expõem algumas

dificuldades, que para elas prejudicam a participação dos filhos nas atividades do

PETI e dos pais nas ações do CRAS, dando destaque a falta de vale transporte para

o deslocamento das crianças e adolescentes que moram mais distantes e a

insegurança do bairro.

“Eu não queria nem colocar no PETI, aí botaram [...] não gosto muito, por causa da distância, falta vale, tenho muita dificuldade de vir deixar ele, ele sabe vir só, mas eu tenho medo é muito perigoso. [...] Muito difícil eu vir a uma reunião, uma vez ela me chamou. [...] Está vindo dois dias na semana, 4ª e 6ª [Sobre a frequência no PETI]. Não tô podendo vir toda tarde por causa da tireóide e porque sinto muita dor de cabeça, venho a pé e o sol da tarde é muito quente. Pra ele vir só não tem como”. (Ângela)

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As dificuldades estruturais do programa, seja em promover condições

pontuais para a participação das crianças e adolescentes nos SCFV e/ou dos pais e

mães nos grupos de famílias, impossibilitam o acompanhamento proposto pelo

PETI, referenciado ao PAIF, de atuar no fortalecimento familiar, sobretudo das

famílias com filhos incluídos no referido serviço, provenientes do trabalho infantil,

previsto pela Política de Assistência Social como prioridade absoluta.

A não participação efetiva das famílias pode ser entendida, em alguns

momentos, superficialmente como desinteresse e/ou falta de informação. Contudo,

das (05) famílias participantes da referida pesquisa, enfatiza-se que 40% ainda

vivenciam um conjunto de violações de direitos, sendo o trabalho infantil uma dentre

elas. Estas famílias vivenciam o desemprego e/ou o subemprego como catadores de

material reciclável, a falta de alimentação e moradia dignas, a evasão escolar, o não

acesso a políticas de emprego e renda, de segurança alimentar, de habitação, entre

outras violações.

As análises realizadas dos discursos das participantes desta pesquisa

permitiram compreender a limitada apreensão e o frágil entendimento que as

referidas usuárias possuem sobre cidadania, principalmente em reconhecê-la como

integrante de direitos e de deveres. A cidadania se torna perceptível através de algo

na esfera material, muitas vezes percebida “e vivenciada como uma concessão, ou

além, como uma “dádiva”, que a qualquer momento pode ser retirada ao humor dos

governantes” (SALES, 1994 apud TAVOLARO, 2010, p.343). Para Chauí (1994),

essa experiência dificultaria vislumbrar a cidadania como uma construção legal

dotada de positividade.

Na efetivação das políticas sociais, bem como na concretização de

programas e serviços, observa-se repercussões negativas decorrentes da falta de

continuidade, seja dos objetivos institucionais; pela sobreposição de ações e

competências; pelas instabilidades e descontinuidades decorrentes das mudanças

de governo, dentre outras. “Esses problemas concretos minam grande parte da

eficiência e eficácia dos programas sociais, portanto, os acessos à fruição e à

garantia dos direitos sociais de cidadania” (GENTILLI, 2006, p.171).

As famílias, sobretudo aquelas em situação de direitos violados,

entendem as limitações que vivenciam como parte da condição de vida inerente às

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classes pobres, na qual se identificam. Por isso, a pobreza é utilizada como principal

justificativa das famílias para a permanência dos filhos no trabalho infantil.

No entanto, observa-se como o grande entrave a falta de

intersetorialidade das demais políticas públicas em atender a finalidade de garantir o

acesso aos direitos das famílias, e, em contrapartida, fortalecendo-as como espaço

de proteção, para assim efetivar os direitos das crianças e dos adolescentes,

previstos no ECA como prioridade absoluta e integral.

Vale destacar que, além da situação de vulnerabilidade e risco social, a

reprodução sociocultural do trabalho como solução imediata para as famílias pobres,

resquício da ideia legitimada pelas classes dominantes, na qual relacionava pobreza

à carência e/ou criminalidade, ainda está fortemente presente no senso comum,

justificando a incidência do trabalho infantil também como ocupação do tempo.

Em suma, as usuárias expressam a concepção de trabalho enquanto

condição de disciplinamento, defesa e proteção, associada ao imediato suprimento

das necessidades materiais da família em geral. A maioria das entrevistadas

reproduz o discurso socialmente estabelecido de naturalização do trabalho infantil,

principalmente quando realizado no contexto familiar. Esta compreensão tem forte

influência na percepção das responsáveis familiares sobre o PETI, reiterando que

60% das informantes não possuem clareza sobre o propósito maior do programa, a

retirada o trabalho infantil.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho permitiu a realização de uma análise sobre o PETI no

enfrentamento ao trabalho infantil, a partir de entrevistas com responsáveis

familiares. A pesquisa se propôs ainda a traçar o contexto socioeconômico das

famílias, compreender as causas que levaram (ou levam) seus filhos a serem

submetidos ao trabalho infantil, bem como analisar suas percepções sobre o referido

programa. Destaca-se que a referida pesquisa também aponta outras questões

importantes que perpassam o entendimento sobre o tema abordado.

O PETI como programa social que compõe a Política Nacional da

Assistência Social (PNAS), acompanha seus princípios e destaca a matricialidade

familiar como centro de suas ações. A atenção especializada dada às famílias trata-

se da principal estratégia de se buscar a superação do trabalho infantil,

compreendendo-se que a submissão da criança e do adolescente à situação de

trabalho, poderá ocorrer, de acordo com a pesquisa realizada, em consequência do

complexo de violações de direitos na qual suas famílias estão inseridas, além da

situação de vulnerabilidade e risco social e da naturalização do trabalho infantil.

Portanto, as atuações das equipes dos CREAS e CRAS, através do PAEF e PAIF,

são primordiais para darem o suporte necessário às famílias, salientando a

importância do trabalho articulado entre as referidas equipes, a fim de fortalecerem o

grupo familiar e evitarem a reincidência do trabalho infantil.

Entretanto, para atender as demandas das famílias em situação de

violação de direitos e entre eles o trabalho infantil, é essencial que haja um trabalho

intersetorial e de transversalidade entre as políticas, com o intuito de garantir o

acesso e a efetivação dos direitos previstos na Constituição Federal de 1988, no que

se refere à moradia digna, a saúde, a alimentação, ao trabalho e no ECA, à proteção

integral aos direitos da criança e do adolescente. A sensibilização sobre as causas e

os danos ocasionados pela exploração do trabalho infantil devem alcançar as

demais políticas (educação, saúde, habitação, etc) para agregar esforços na luta

contra o trabalho infantil.

Os depoimentos de algumas participantes da pesquisa apresentam certa

descrença com relação à efetivação dos seus direitos e de suas famílias. A

cidadania se mostra como algo abstrato e a política social somente é entendida a

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partir do recebimento de um benefício material, fato que não surpreende já que

dessas famílias, seus componentes na maioria realizam trabalhos informais, sem

garantias trabalhistas e a transferência de renda do Bolsa Família, por exemplo, é

em muitos dos casos o que garante a sobrevivência. A dificuldade em acessar os

mínimos sociais faz com que as famílias e indivíduos não se percebam como

sujeitos de direitos, e por esse motivo, não reivindiquem a efetivação desses

direitos.

O olhar das famílias sobre o PETI, a partir da percepção das

responsáveis familiares, mães das crianças e adolescentes inseridas no programa,

reflete bastante a ideia de afastamento dos filhos das ruas e da ociosidade,

atribuindo ao PETI o papel de ocupação do tempo livre e não de retirada do trabalho

infantil, como já foi tratado anteriormente. Nos depoimentos são percebidos alguns

discursos que defendem a prática do trabalho quando na companhia dos pais, como

espaço de proteção. A falta de clareza sobre o programa demandam ações que

viabilizem informações sobre cidadania, bem como sobre os direitos da criança e do

adolescente, previstos no ECA.

A análise do programa, em relação ao enfrentamento ao trabalho infantil,

revelou a permanência de crianças e adolescentes inscritas no PETI na situação de

trabalho, bem como a evasão escolar e o abandono das atividades do programa. As

situações citadas correspondem a descumprimentos de condicionalidades, sendo

papel do CREAS de referência realizar o acompanhamento especializado das

famílias.

Ressalta-se que as entrevistas realizadas no campo da pesquisa foram

primordiais para perceber os desafios do enfrentamento ao trabalho infantil,

sobretudo de desconstruir a reprodução sociocultural presente no cotidiano que

naturaliza o trabalho infantil. Faz-se necessário um trabalho constante de

sensibilização para o deslocamento dessas barreiras.

Segundo as usuárias, o CRAS Bom Jardim tem realizado um trabalho

importante para as famílias com filhos nos serviços de convivência, proporcionando

um espaço de interação e convívio comunitário através do grupo de famílias.

Salienta-se a colaboração dos profissionais do referido CRAS como fundamental

para a realização da pesquisa.

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A construção deste ensaio monográfico apresentou-se como uma tarefa

desafiadora, demandando estudo, dedicação e tempo. Alguns desafios foram

enfrentados durante o percurso desta pesquisa, destacando entre eles a

necessidade de conciliar o trabalho e a academia.

A realização deste trabalho sobre a temática do trabalho infantil não

pressupunha compreender a todas as discussões acerca do assunto, mas de

contribuir para o debate sobre a garantia de direitos de crianças e adolescentes e

para futuros trabalhos.

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APÊNDICE A – Entrevista semi-estruturada a ser aplicada com os (as)

responsáveis familiares

Identificação da criança Nome:_______________________________________ Idade: _________________ Sexo:___ Escolaridade:_________________ Atividade laboral exercida pela criança ____________________________________ Local: ______________________________________________________________ Por que exercia a referida atividade? ___________________________________________________________________ Atividade remunerada? Sim/Quanto?________não_______ ...................................................................................................................................... Ocupação dos pais Os pais realizam algum tipo de trabalho? ( ) não ( ) sim Qual atividade laboral? _________________________________________________ ___________________________________________________________________ ...................................................................................................................................... Renda Familiar Quantas pessoas compõem a família: _____________________________________ Quantas trabalham: ___________________________________________________ Total da renda: _______________________________________________________ Recebe Bolsa família? ( ) sim ( ) não valor: __________ ...................................................................................................................................... A Sr (a) conhece outros programas sociais? ( ) não ( ) sim Quais? _____________________________________________________________ Participam de outros programas sociais? ( ) não ( ) sim Quais? _____________________________________________________________ ...................................................................................................................................... A Sra. conhece o PETI? ( ) não ( ) sim Sabe as atividades realizadas? ( ) não ( ) sim Quais? ______________ Qual a opinião sobre o PETI? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ OUTRAS OBSERVAÇÕES: ____________________________________________ ___________________________________________________________________

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APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Entrevistas

Convidamos você a participar de uma pesquisa intitulada “O PETI NO

ENFRENTAMENTO AO TRABALHO INFANTIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DO

OLHAR DAS FAMÍLIAS INSERIDAS NO PROGRAMA E ATENDIDAS PELO CRAS

BOM JARDIM, FORTALEZA/CE.”, que será realizada no CRAS Bom Jardim - CE,

com as famílias do PETI. Os objetivos principais deste estudo são de analisar e

refletir a atuação do programa a partir da visão das famílias.

Garantiremos o total sigilo das informações que você fornecer,

assim como seu anonimato. Seu nome não será relacionado às respostas que

você der. A entrevista não oferecerá riscos à sua saúde. Você tem o direito de deixar

de responder as questões que não se sentir confortável e de parar de participar a

qualquer momento desta pesquisa, sem nenhuma perda ou transtornos para você.

Em caso de dúvida, você poderá entrar em contato com Evilene Pessoa

(Pesquisadora) no telefone (85) 88312410 ou no endereço Rua: Alves Batista,

nº196 – Parque Genibaú.

Portanto, eu ________________________________________________

declaro que compreendi o estudo e aceito participar da entrevista.

Assinatura do participante: _____________________________________________

Polegar Direito

(analfabeto)

Entrevistador: ________________________________________________________

Assinatura do entrevistador: _____________________________________________

Local____________________________ Data______/______/______

(1ª Via Entrevistador / Pesquisador; 2ª Via participante)