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RESUMO Este trabalho monográfico consta de quatro capítulos. Uma introdução onde se levantará os tópicos a serem tratados nesta monografia com relação ao fenômeno migratório dentro de quatro momentos: a motivação para imigrar; as características básicas da sociedade receptora; as condições como se processaram essas imigrações; e o processo de integração do grupo. Num segundo capítulo, falaremos sobre a Galícia e os galegos, onde daremos uma idéia de sua localização geográfica; sua evolução através dos tempos; as razões da imigração; características dos galegos imigrantes e sua chegada nas Américas. Num terceiro capítulo daremos um breve histórico de Salvador no século XIX; falaremos sobre a chegada dos imigrantes no Brasil, enfocando, a realidade encontrada, o processo de integração do grupo, e a distribuição dos galegos pela geografia brasileira; terminaremos este capítulo mostrando dados sobre os galegos em Salvador, mais especificamente sua participação na economia da cidade. Chegaremos a conclusão de que imigrar não foi uma aventura e sim uma necessidade.

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RESUMO

Este trabalho monográfico consta de quatro capítulos. Uma introdução onde se

levantará os tópicos a serem tratados nesta monografia com relação ao fenômeno

migratório dentro de quatro momentos: a motivação para imigrar; as características

básicas da sociedade receptora; as condições como se processaram essas imigrações; e o

processo de integração do grupo. Num segundo capítulo, falaremos sobre a Galícia e os

galegos, onde daremos uma idéia de sua localização geográfica; sua evolução através dos

tempos; as razões da imigração; características dos galegos imigrantes e sua chegada nas

Américas. Num terceiro capítulo daremos um breve histórico de Salvador no século XIX;

falaremos sobre a chegada dos imigrantes no Brasil, enfocando, a realidade encontrada, o

processo de integração do grupo, e a distribuição dos galegos pela geografia brasileira;

terminaremos este capítulo mostrando dados sobre os galegos em Salvador, mais

especificamente sua participação na economia da cidade. Chegaremos a conclusão de que

imigrar não foi uma aventura e sim uma necessidade.

6

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, em primeiro lugar a Deus, por me conceder a vida e a

capacidade de discernimento para superar os obstáculos do dia a dia. A meus pais, pelo

amor e dedicação que sempre demonstraram. A meu tio Joaquim, pelo incentivo e

confiança. A meus irmãos e amigos que souberam compreender os momentos de exaltação

e angustia. Ao meus professores, por toda a gama de conhecimentos e por me fazerem

acreditar que sempre é possível. Em especial, ao meu orientador Fernando Pedrão, pela

sua paciência e simplicidade. E finalmente, a Júnior, que sem seu apoio e compreensão

esta monografia não teria sido concluída.

7

SUMÁRIO

AGRADECIMENTO S

RESUMO

1 INTRODUÇÃO 06

2 A GALÍCIA E OS GALEGOS 09

2.1 GALÍCIA - CARACTERÍSTICAS 09

2.2 OS GALEGOS - EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS 15

2.3 A EMIGRAÇÃO PARA AS AMÉRICAS 23

3 OS GALEGOS E SALVADOR 26

3.1 SALVADOR - BREVE HISTÓRICO 26

3.2 A CHEGADA DOS IMIGRANTES NO BRASIL 31

3.3 OS GALEGOS EM SALVADOR 35

4 CONCLUSÃO 45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 49

APÊNDICE 52

8

1 INTRODUÇÃO

A escolha deste tema para a pesquisa monográfica ocorreu dentre muitos

fatores, por ser a autora filha de galegos, razão que despertou especial interesse pelo tema,

bem como por haver poucos trabalhos no meio acadêmico. Sendo assim, minha

curiosidade sobre o assunto, me levou a investigar sobre o universo que envolve o

processo de emigração dos espanhóis para o mundo e em especial dos galegos para

Salvador, observando como enfrentaram o processo de adaptação e evolução na nova

terra. Através de pesquisas efetuadas em livros e artigos que tratam sobre o tema,

inclusive "via Internet", onde pude obter informações com o Sr. Domingos Gonzalez

Lopo1, em visitas aos arquivos do Consulado Espanhol, da Junta Comercial do Estado da

Bahia, à Associação dos Empresários da Calçada, ao Centro de Estudos Galegos em

Salvador, e, através de depoimentos conseguidos junto aos galegos que exerceram e ainda

exercem a atividade comercial.

Tendo os galegos que migraram para Salvador, em sua maioria, atuado no

comércio, iremos estudar as razões da escolha desta região como local da fixação de suas

atividades comerciais, as principais razões que levaram eles a mudarem de ramo, suas

contribuições sociais e econômicas para Salvador e a Galícia.

1 Professor da Faculdade de Geografia e História da Universidade de Santiago de Compostela.

9

Para melhor entender o fenômeno migratório, não se pode desvincular a sua

análise da compreensão do processo de formação histórica das sociedades envolvidas no

fenômeno. Deste modo, o estudo da migração envolve quatro aspectos. O primeiro deles

refere-se à motivação para emigrar e, neste caso, é indispensável relacionar a migração

com os aspectos sócio-econômicos da área de procedência, Galícia, captando aqueles

aspectos que podem ter atuado como fatores de expulsão, devendo ser focalizado o

condicionamento existencial do emigrante. O segundo aspecto corresponde ao estudo das

características básicas da sociedade receptora, Salvador, considerando fatos históricos que

possam ter funcionado como fatores de atração. Em terceiro lugar, é importante que se

destaquem as condições efetivas da transação e das garantias oferecidas aos migrantes no

momento da transferência de um ambiente para o outro. Finalmente, o quarto aspecto se

refere ao processo de integração do grupo, captado através da documentação existente e

das histórias contadas pelos próprios imigrantes, considerando, portanto os seus projetos e

memórias. E quando se fala de integração, deve-se admitir que trata-se de um processo

complexo que envolve diferentes momentos. A princípio, há o que se pode chamar de

adaptação, isto é, momento onde a preocupação do observador se volta para o imigrante

como indivíduo, ou seja, o momento onde o imigrante tenta contornar as tensões

provocadas pela estrutura social. Ultrapassada esta adaptação, o imigrante se volta para a

identificação dos quadros institucionais da sociedade em que agora vive, a fim de que

possa decidir em que medida participa deles e em que medida ainda se encontra vinculado

aos quadros institucionais de sua terra natal. É o momento da participação que envolve a

relação mais efetiva entre o imigrante e o novo ambiente. Por fim, deve-se considerar a

inclusão da unidade social como último momento do processo de integração.

(Braga, 1995, p. 27)

10

Utilizaremos aqui, o conceito de integração ao invés de utilizarmos o conceito

de assimilação, pois integração além de mais abrangente não tem o sentido unilateral que é

sugerido pela assimilação. Neste processo, tem-se a impressão de que o indivíduo se

despoja de toda a sua cultura anterior e é absorvido pela nova sociedade. A assimilação é o

conceito que nega e ignora a carga cultural que o imigrante traz consigo e, ao mesmo

tempo, não leva em conta a influência que suas idéias e costumes exercem sobre o novo

ambiente que o acolhe. Já o conceito de integração conduz ao reconhecimento de uma

diferenciação ou pluralidade cultural dentro de um marco de unidade social.

Após a descrição de quem eram os galegos, das razões que os levaram a

emigrar, das características da sociedade receptora, concluiremos citando os benefícios

sócio-econômicos dos galegos para a sociedade soteropolitana, sua integração com a

mesma e os benefícios proporcionados também à Galícia.

11

2 A GALÍCIA E OS GALEGOS

2.1 GALÍCIA: - CARACTERÍSTICAS

Para uma melhor compreensão do processo de migração que viveu o povo da

Galícia, convém registrar algumas de suas características básicas, como localização

geográfica, clima, atividades econômicas e população.

A Galícia está situada a noroeste da Espanha e tem toda sua costa banhada

pelo Oceano Atlântico. É limitada ao norte, pelo Golfo de Biscaia; ao sul, por Portugal; ao

leste, pelo próprio território espanhol, através de suas províncias de Castilla-León e

Astúrias. Tem uma superfície de 29.156 Km² e uma população de 2.720.445 habitantes.

(Braga, 1995, p. 57) O galego é a língua cooficial junto com o castelhano e o espanhol.

Por seu clima, esta região pertence à parte úmida da Espanha, apresentando

características climáticas tipicamente atlânticas, com pluviosidade superior a 2.000 mm

anuais na zona costeira.

A população rural, de estrutura minifundiária representa mais de 65% da total.

A base principal da economia está baseada na agropecuária, com destaque na agricultura

para o cultivo da batata, do milho, do centeio, de legumes e frutas e na pecuária para o

12

rebanho de bovinos e suínos. Também merece destaque a pesca com a indústria de seus

derivados, e as atividades portuárias em Vigo e na Coruña.

Estando dividida em quatro províncias, é uma das 14 regiões da Espanha.

Diga-se de passagem que a divisão político-administrativa da Espanha é semelhante à do

Brasil, como se pode observar no mapa n.º 01. Assim, a Galícia é uma região que tem 4

províncias, que corresponderiam aos nossos Estados. Suas capitais têm o mesmo nome da

província e são cidades incluídas entre as maiores da região. Cada província está dividida

em “ayuntamientos”2, cujas sedes são cidades ou vilas. Além disso, cada “ayuntamiento”

tem “paróquias”3, que são localidades de maior importância, e os “lugares”4 que são

menores em tamanho e importância. A maior das províncias é a de Lugo, com 9.881 Km²,

seguida de La Coruña, com 7.903 Km², Ourense, com 6.979 Km², e, finalmente,

Pontevedra, com 4.393 Km². O mapa n.º 02 dá a idéia de uma dessas províncias, a de

Pontevedra, de onde imigrou a grande maioria do grupo que foi entrevistado, com os seus

61 “ayuntamientos”. Neste mesmo mapa há um destaque para o “ayuntamiento” de Puente

Caldelas, havendo, ao lado, a sua reprodução com algumas de suas paróquias e outros

aglomerados de população. O mapa n.º 03 é do município de Puente Caldelas e apresenta

em destaque as suas 9 paróquias, além dos outros “lugares” deste “ayuntamiento”. Mostra,

por sua vez, os seus limites com outros municípios, conforme aparece no mapa anexo.

Deste município imigrou grande contingente de galegos para tentar a sorte em Salvador.

2 Localidade independente administrativamente, equivalente aos nossos municípios. 3 Pequenos povoados subordinados aos municípios. 4 Pequenos aglomerados populacionais próximos as "Paróquias".

13

MAPA N.º 01

FONTE: NOMENCLATOR. INE

ELABORAÇÃO: R.G. ROMANÍ BARRIENTOS

14

MAPA N.º 02

15

MAPA N.º 03

16

É bom ressaltar que a aldeia galega não é só um espaço geográfico de grande

significado dentro da organização administrativa da Galícia, mas é também um organismo

social que ocupa um lugar no pensamento e nas emoções dos galegos. (Braga, 1995, p. 63)

Pode-se admitir que esta é a configuração da Galícia já desde há muito tempo.

Mas, como se sabe, o fenômeno da urbanização, que só se intensificou na Galícia há

relativamente pouco tempo, tenha produzido um forte impacto sobre a estrutura da

propriedade galega e gerando transformações bastante significativas.

17

2.2 GALEGOS: EVOLUÇÃO ATRAVÉS DOS TEMPOS

Desde os primórdios e afastados tempos da pré-história, existem registros de

que os habitantes pré-celtas5 da Galícia estiveram ocupados da caça predatória e da

agricultura de coleta, não se fixando em locais de moradia estáveis. Com o passar do

tempo foi se caracterizando como uma sociedade eminentemente agrícola, trabalhando

também com animais de criação.

Nos fins do século XVII a Galícia vivia uma situação peculiar com relação ao

crescimento de sua população, que era mais ou menos equilibrado, ainda que a densidade

demográfica fosse elevada. É que, tanto a taxa de natalidade como a de mortalidade eram

altas. No início do século XVIII, a situação se modifica quando algumas iniciativas no

campo da saúde fazem com que a taxa de mortalidade seja reduzida, provocando quase

uma explosão demográfica. Assim, quando se considerava que os recursos econômicos

existentes não eram suficientes para manter este contingente adicional da população, a

solução inicial parecia ser a expulsão do excedente através da emigração. Castela,

Andaluzia e Madrid, na Espanha, foram as primeiras áreas a receber tal excedente, logo

seguidas de Lisboa e Porto, em Portugal.

5 O povo galego é originário dos Celtas. Sua presença identifica-se com a expansão Celta na Europa Ocidental, cerca de 1.000 A.C..

18

Nem a cultura da batata, nem a cultura do milho, procedente das Américas,

conseguem conter o fluxo migratório que se instala na Galícia, ainda que este fluxo se

destine apenas à própria Península Ibérica.

As tentativas feitas, no século XVIII, no campo da indústria, não conseguiram

mudar o panorama econômico da Galícia, mesmo considerando que muitas delas foram

bem sucedidas, sobretudo as realizadas no campo da indústria têxtil, com a cerâmica e

com as sardinhas enlatadas. Ainda que já empregando mão-de-obra assalariada,

característica básica da economia capitalista, a tecnologia tradicional utilizada impedia

saltos mais efetivos nas iniciativas industriais.

No século XVIII, continua sendo a terra a força determinante dos sistemas

econômico e de estratificação social. Em um polo, estavam uma minoria bem situada

economicamente, com base na propriedade de terras, e, no outro extremo, uma maioria de

camponeses vivendo do trabalho na terra. A partir de então, começa a se delinear o que

poderiamos chamar de uma camada intermediária, formada dos que estavam vinculados

ao comércio, ao artesanato, a pesca e aos serviços urbanos mais classificados. Como

resultado da polarização referida, a terra era também a razão de ser dos conflitos que

foram registrados na Galícia, neste século.

Já o século XIX foi marcado por transformações profundas, ocorridas na

estrutura social, conseqüência inevitável do que havia sido desencadeado na segunda

metade do século anterior. O mundo assistia à queda do feudalismo e a Europa vivia de

perto os efeitos da revolução burguesa e os esforços para a implantação do capitalismo.

19

Na verdade, se Portugal e Espanha se distanciaram do resto da Europa

Ocidental, na Galícia isto se registrou com a própria Espanha. É comum que, quando um

sistema econômico começa a ser questionado, surjam nele sinais do futuro regime. Da

mesma forma, quando se instala um novo regime, permanecem vestígios do sistema

passado. A Galícia pode ser apontada como um bom exemplo do que ocorreu, neste

sentido, na transição do feudalismo para o capitalismo. A evidência desta situação deu

origem ao que pode ser considerado como subdesenvolvimento, isto é, uma situação de

fragilidade econômica, resultante do impacto recebido por uma economia tradicional de

uma economia mais desenvolvida, que pressionava a primeira. Este fato não constitui uma

etapa do desenvolvimento. É uma condição estrutural peculiar. A Galícia não conseguiu

acompanhar o desenvolvimento e a transição econômica da Espanha e fica discriminada e

oprimida dentro do próprio território nacional. Suas instituições não conseguem

acompanhar nem as mudanças políticas que conduzem à formação do Estado liberal, nem

as de ordem econômica e social que levam à estruturação do sistema capitalista e da

conseqüente sociedade de classes. A Galícia chegava assim, ao meado do século XIX,

empobrecida, discriminada pelo governo central e isolada dentro de seu próprio país.

Até a década de 80 do século XIX, além das capitais das quatro províncias,

somente Vigo (porto pesqueiro), Santiago de Compostela (cidade de peregrinação, capital

intelectual e sede do governo da Galícia) e Ferrol eram as aglomerações urbanas

representativas da Galícia. Mesmo assim, os arredores dessas cidades eram áreas agrícolas.

No fim do século XIX, a Galícia se esvaziava em consequência do fenômeno

migratório.

20

Podemos observar que de 1900 a 1930 há uma progressiva transferência da

população do setor primário para os setores secundário e terciário, sendo que da década de

20 para a de 30 este fenômeno se faz notar com muita evidência. Da década de 30 a de 40,

há uma retração nos setores da indústria e dos serviços, enquanto a população volta a

crescer no setor da agricultura. Acontece que de 20 para 30 a Galícia recebia o retorno da

imigração, pois os que haviam emigrado, sobretudo aqueles que saíram para a América,

enviavam regularmente, importâncias significativas para a realização de obras importantes

nas suas aldeias, além de fazerem investimentos em diferentes cidades e vilas. É também

nos anos 30 que grandes mudanças se efetivam. Os camponeses galegos se libertam do

"Foro"6 e passam a ser proprietários das terras pelas quais pagavam arrendamento,

podendo explorá-las para sua manutenção e até comercializar o excedente.

A Espanha e a Europa, no início dos anos 30, viviam um momento de

transformações positivas. Entretanto, na segunda metade da década de 30, em 1936,

precisamente, toda a Espanha se vê envolvida em uma guerra civil que se prolongou até

1939, ano do início da Segunda Guerra Mundial. As consequências desta guerra foram

sentidas com muita força em toda a Europa, mesmo nos países que não estavam

participando de uma forma direta.

As pressões econômicas e sociais foram também muito fortes na Galícia. O

meio urbano sofreu este impacto com maior intensidade, gerando deslocamentos de parte

da população para o meio rural. Esta é a razão pela qual se nota o aumento da população

no setor agrícola no censo de 40 e, consequentemente, queda nos dois outros setores. Este

foi um período muito duro tanto para a Galícia, como para toda a Espanha. Mas, a partir

6 Espécie de arrendamento, onde o camponês pagava para usufruir economicamente da terra.

21

da década de 50, a Galícia retoma o equilíbrio que vinha encontrando antes das guerras e

as transformações parecem definitivas. A preocupação agora, era aumentar a quantidade,

preservando a qualidade. Sabe-se que a Galícia ainda era uma região discriminada, quando

comparada com as demais da Espanha, mas já se podia admitir melhoras bem como uma

maior conscientização e, consequentemente, reivindicações mais objetivas.

Não podemos esquecer que a Espanha viveu um momento político e sócio-

econômico muito difícil, uma vez que a guerra civil havia arrasado a economia do país,

gerando sérios problemas sociais, além de passar a viver sob um regime autoritário. Esta

situação desencadeou uma grande insatisfação e uma série de manifestações de protesto

que custaram ao país uma evasão de muitos talentos, inclusive de galegos.

A ditadura franquista vivida pela Espanha, de 1939, quando terminou a guerra

civil, até 1975, quando morreu o ditador Franco, por não ter participado diretamente da

segunda grande guerra, culminou por deixar a Espanha, e como consequência a Galícia, à

margem dos planos de recuperação européia e em situação de completo isolamento. O país

entrou em uma política de racionamento e fechou suas fronteiras, mesmo porque tinha

grandes afinidades com os países derrotados. O governo tentou se empenhar em

reconstruir a economia com os recursos do próprio país, mas os seus planos pareciam

fadados ao fracasso, pois estavam em desacordo com os planos mais abrangentes de toda a

Europa. As conquistas feitas no campo econômico não tinham estabilidade e o que se

constatava eram períodos cíclicos de avanço e recuo.

Ainda hoje, observa-se na Galícia uma preocupação com a agricultura. O

governo vem criando programas específicos para solucionar os problemas que surgem

22

nesta área. Mas a par de uma estrutura montada para enfrentar os problemas econômicos

da comercialização dos produtos agrícolas, parte da área rural da Galícia, os núcleos das

aldeias, mantêm uma feição peculiar. Continuam nas casas os membros mais velhos da

família e conservam a “finca”7, onde eles mesmos, sós ou com auxílio de alguém a quem

pagam para trabalhar, mantêm a produção para o consumo pessoal ou, no máximo, levam

um pouco do excedente para a feira, do município.

Assim, se o meio rural da Galícia passa por transformações importantes,

organizando sua produção em moldes mais racionais e rentáveis, nele permanece a

"Paróquia" que se reestrutura, se veste de uma nova roupagem, de modo a se constituir em

uma unidade de transição entre o rural e o urbano.

Com as transformações ocorridas na estrutura da sociedade como um todo e na

estrutura da propriedade rural, houve uma transferência da população do campo para a

cidade e o conseqüente aumento da área urbana. Na medida em que as cidades e vilas iam

criando serviços e indústrias para absorver a população que migrava do meio rural, as

áreas mais próximas iam sendo conquistadas e incorporadas. Ali eram construídas

fábricas, estabelecimentos comerciais, depósitos de materiais de construção, etc. Iam

sendo feitos loteamentos para construção de novas casas. Nesse particular, os emigrantes

que retornavam à Galícia, ou mesmo aqueles que continuavam fora, mas queriam ter uma

boa casa para as temporadas passadas na Galícia, construíam muitas casas nas aldeias, nas

vilas e nas cidades. Às vezes, bairros inteiros. Nesses processos de crescimento, de

urbanização e de industrialização, grandes áreas antes consideradas rurais, foram

incorporadas ao meio urbano e tiveram uma valorização excepcional. Terras consideradas

7 Pequenos pedaços de terra para plantação próximos a casa.

23

pelos galegos e pelos próprios imigrantes como sem valor, passaram a ser utilizadas para a

construção de casas, implantação de indústrias, construção de hotéis, áreas de lazer ou

para outras iniciativas.

Agora, era a situação econômica do país, os investimentos feitos pelos

imigrantes na Galícia e a valorização das terras, que davam um impulso a toda a região da

Galícia. Como consequência, as aldeias e vilas que mais cresceram foram ampliando os

seus limites, enquanto que as mais distantes foram se esvaziando, porque os mais jovens

iam saindo para as cidades e vilas, onde surgiam possibilidades efetivas de absorvê-los.

Estas aldeias, continuam sendo local de morada para os mais idosos, e passaram a ser,

para os mais jovens, os locais onde se reúnem nos feriados, fins de semana, etc. As casas

estão sendo reformadas, recebendo um toque de conforto e guardando o que era de mais

pitoresco: a “finca”, o “canastro”8, e o "cruzeiro"9, por exemplo.

Como espaço geográfico, as "paróquias" não têm grandes dimensões e,

consequentemente, não têm grandes populações. Ao contrário, são pequenas, umas

próximas das outras, formando um traçado de conjunto muito interessante, quando se

escondem nas encostas das montanhas ou se espalham nos locais mais planos. São poucas

casas que se arrumam em função de um espaço maior que é ocupado pela Igreja e pelo seu

átrio. É bem verdade que muitas delas estão crescendo, sobretudo aquelas que são sede do

município. Ali, as atividades giram em torno do trabalho com a terra e do cuidado com

uns poucos animais. Por isso mesmo, ainda que muitas delas estejam situadas nas

montanhas, houve sempre a preocupação de buscar um local propício para o cultivo dos

8 Local onde era armazenada a colheita do verão que seria consumida durante o inverno. 9 Cruz de pedra muito típica na Galícia

24

pomares e hortas. Mas é como mecanismo social que as aldeias assumem dimensões

fantásticas. Ainda que estejam submetidas, administrativamente, à sede do município, a

"paróquia" tem a sua própria organização e identidade, que surgem dos seus próprios

costumes.

Assim, o que se observa é que a Galícia não consegue efetivar, internamente,

as transformações inerentes ao capitalismo. Vive o tempo do capitalismo, mas sua

estrutura continua eminentemente feudal. A única forma de participar do processo de

desenvolvimento do capitalismo mundial é a indireta, através da emigração. Parte

significativa de sua força de trabalho vai participar daquele processo fora dos limites da

própria Galícia.

25

2.3 A EMIGRAÇÃO PARA AS AMÉRICAS

Conforme verificamos no tópico anterior, é importante salientar os diferentes

motivos que levaram os galegos a emigrar nos séculos XVIII, XIX e XX. Enquanto que

no século XVIII as dificuldades sociais e econômicas da Galícia eram agravadas pela alta

densidade demográfica e pela incapacidade de produzir alimentos suficientes para

alimentar sua população, no século XIX o fator principal foi a crise do Feudalismo que

provocou o isolamento da Galícia em relação a própria Espanha e por consequência sua

estagnação socio-econômica. Já no início do século XX, os motivos foram as crises

originadas pelas Guerra Civil e Segunda Guerra Mundial, e o retorno da população da

zona urbana para a zona rural, causando nesta última um aumento significativo de sua

densidade demográfica.

Além disso, a pouca expectativa de uma melhor condição de vida no meio

rural da Galícia, já que esta se encontrava com uma densidade demográfica bastante alta e

a fama que tinha as Américas de ser um paraíso de oportunidades e de enriquecimento

rápido e fácil, fizeram com que muitos galegos, quase todos camponeses, se aventurassem

a procurar novos caminhos, através da emigração.

No início, a preferência dos galegos foi por outras regiões da Espanha, e logo

após para as Américas. A escolha desta última foi muito em função, à semelhança do

26

idioma e a proximidade desta região com os portos portugueses que tinham maior

freqüência em relação aos portos espanhóis. Isto demonstra o porque de encontrarmos

uma predominância galega em relação ao contigente imigratório espanhol.

Foram muitos intelectuais que emigraram para a América, sobretudo para a

Argentina. O fluxo migratório que se dirigiu para o Brasil, e que havia se iniciado por

volta de 1880, era de camponeses na sua maioria.

Os três principais portos da Espanha, por onde saíram os galegos imigrantes

foram: La Coruña, Villagarcia-Carril e Vigo. Os que saíram da Coruña, em geral foram

para o México, Cuba e Porto Rico, enquanto os que saíram de Pontevedra (Villagarcia e

Vigo) foram para Argentina, Uruguai ou vieram para o Brasil.

As origens hispânicas, e, consequentemente a língua, tiveram uma influência

muito forte na opção feita pela Argentina, Cuba, Uruguai, México e Porto Rico. No caso

do Brasil, em princípio o que influenciou favoravelmente foi a disposição para receber

imigrantes em virtude de sua extensão territorial, a consequente necessidade de ocupação

do território e de mão-de-obra para exploração de suas riquezas naturais. Outros fatos,

como a exigência de requisitos legais das diferentes políticas imigratórias, favoreceram a

vinda dos galegos para o Brasil.

Apesar das dificuldades econômicas por que passava a Galícia, os imigrantes

não encontraram nenhum apoio do governo. A Espanha, não compartilhou a posição

liberal da maioria dos países industrializados e até procurou limitar a corrente migratória

com medidas que dificultavam as condições da emigração.

27

No caso da Galícia, em que esta seria beneficiada com a evasão de parte da

população num momento de grande densidade demográfica, não foram tomadas medidas

que facilitassem a saída. O governo preferia direcionar a corrente migratória para as

próprias colônias ultramarinas.

Em 1853, houve por parte do governo da Espanha a primeira iniciativa da

legislação sobre imigração. Desde então, havia uma convicção de que todo cidadão tinha o

direito de emigrar da forma como desejasse, sendo esta convicção confirmada através de

um documento da Conferência Internacional de Imigração, realizada em 1889. Somente

em 1907, foi promulgada a "Lei da Imigração", que afastou, pelo menos legalmente, as

barreiras de saída do país, mas, na prática estas medidas de assistência não se efetivaram.

No caso do Brasil, quando era intenso o processo migratório, foram tomadas

medidas restritivas que mesmo sem impedir a entrada dos que chegavam, buscou controlar

a imigração, tornando-a mais seletiva.

Assim, observa-se que para a grande maioria dos imigrantes galegos, a busca

de novos caminhos através da imigração foi fruto da sua incapacidade de produzir

alimentos suficientes para toda a população, sendo este o principal fator de expulsão. Os

galegos cruzaram o oceano atrás de melhores condições de vida para eles e para suas

famílias.

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3 OS GALEGOS E SALVADOR

3.1 SALVADOR - BREVE HISTÓRICO

Iniciaremos este capítulo dando um breve histórico de como era a cidade de

Salvador no século XIX, para em seguida mostrarmos como os galegos se distribuíram pelo

Brasil, mais especificamente no comércio da cidade de Salvador, e suas inúmeras

contribuições econômicas e sociais para as comunidades galega e soteropolitana.

Fundada em 1549, Salvador foi a primeira capital do Brasil, posição que

manteve até 1763. A Baía de Todos os Santos já era conhecida pelos navegadores

portugueses desde 1501. Sua localização estratégica na costa brasileira, propiciava as

ligações marítimas Portugal-Brasil-África-Ásia, e a eqüidistância entre as regiões Norte e

Sul do Brasil, aliada as condições requeridas para o abrigo seguro e a correta manobra das

embarcações, determinaram a sua escolha como local ideal para a construção da capital do

Brasil.

Característica comum de algumas cidades lusitanas, Salvador está dividida

geograficamente em dois níveis distintos: a estreita planície litorânea da cidade baixa,

29

limitando-se com a superfície mais elevada da cidade alta, acidentada e cortada por vales

profundos.

No século XVI, restringia-se entre o Pelourinho e a Praça Castro Alves, no

sentido Norte-Sul; limitava-se a Leste pela escarpa de falha e a Oeste até um vale não

ocupado até então, que corresponde à atual Baixa dos Sapateiros. O enriquecimento e a

expansão da lavoura cacaueira no Recôncavo Baiano se reflete na cidade que continua

crescendo no século XVII. Data da segunda metade deste século e a primeira do século

XVIII a construção de palácios e solares, conventos e igrejas, que marcam os limites dessa

nova fase de expansão urbana, predominantemente pelo alto das colinas: para o Norte o

Convento do Carmo e a Capela de Santo Antônio; para o Sul o de São Bento e para Oeste o

do Desterro.

A transferência da capital para o Rio de Janeiro assinalou gradativa diminuição

do ritmo de crescimento. Assim, até o século XIX, a cidade limitava-se a Leste pelo Dique

do Tororó (construído durante a ocupação holandesa); ao Sul pelo Forte de São Pedro e ao

Norte pelo do Barbalho.

É bom lembrar que Salvador tem uma história curiosa, além de ser a primeira

cidade e capital do Brasil. Foi uma cidade precocemente importante, antes mesmo de

quaisquer indícios do processo de industrialização, pois nasceu e cresceu como capital

colonial e como centro exportador. No porto de Salvador embarcavam muitos produtos que

saíam para o exterior (açúcar, algodão e fumo). Depois que deixou de ser capital do país,

em meados do século XVIII, passou a viver oscilações decorrentes dos desequilíbrios

internos dos ciclos da economia nacional, sofrendo, em seguida, um processo de

30

decadência ou deterioração. Mesmo assim, conservou a tradição urbano-cosmopolita e

também os grupos locais de elite.

Salvador se apresentava aos olhos de um europeu do século XIX como uma

cidade imponente e notável. Capital do Estado da Bahia, a cidade baixa era o centro dos

negócios. Era junto ao mar que as atividades comerciais se exerciam, num estreito espaço,

limitado por duas construções religiosas: ao sul, a basílica de Nossa Senhora da Conceição,

que se ergue no bairro chamado “da Preguiça”, e ao norte, a Igreja de Nossa Senhora do

Pilar. Esse espaço, de apenas dois quilômetros de comprimento, era cortado, até 1870, por

uma única rua paralela ao mar. Nela estavam os prédios da Alfândega, do Celeiro Público,

do Arsenal da marinha e o da Bolsa de Mercadorias, construído em 1816 em estilo

neoclássico. Era também nessa rua que ficavam os entrepostos e armazéns onde se

guardavam os produtos destinados a exportação e os que chegavam por mar. Nela se

concentravam ainda uma profusão de bazares, lojas e mercados em que se podia comprar

todo tipo de mercadorias, de legumes frescos à escravos. (Mattoso, 1992, p. 435-436)

A revolução dos meios de transporte após a chegada do automóvel em 1901 e a

instalação do bonde elétrico em 1914, comandam as modificações do quadro e o

crescimento da cidade. O comércio interior também se desenvolve nesse período,

colonizando a Rua Chile e a Av. Sete de Setembro (São Pedro), onde se concentrava parte

do comércio de luxo, a Rua Dr. J.J. Seabra (Baixa dos Sapateiros), com o comércio

retalhista pobre, e a Calçada cujo comércio basicamente atacadista, estava ligado ao

mesmo tempo à estação ferroviária e ao bairro de Itapagipe.

31

Houve uma estagnação econômica em Salvador no período 1920-40. Em duas

décadas houve um crescimento de apenas 10.000 habitantes. Na medida em que surgem

alterações efetivas na organização produtiva, de pronto surgem também modificações na

dinâmica de crescimento da população.

Por volta de 1950, quando o petróleo é descoberto no Recôncavo baiano,

Salvador inicia uma outra etapa de crescimento que se vê ativada, tanto pelo dinamismo da

administração pública do Estado, como pelo começo de implantação de algumas indústrias

e dos serviços de apoio necessários à manutenção dessas indústrias. Abrem-se estradas para

os centros mais importantes do país e Salvador retoma sua dinâmica de crescimento. Em

consequência, de 1940 a 1960, se tem a população mais que duplicada.

Ainda na década de 50, Salvador concentra quase todo o comércio atacadista do

Estado. Enquanto o comércio varejista da capital representa 45,60% do total do Estado, o

comércio atacadista representa 83,88%. Basicamente, este comércio atacadista estava quase

todo concentrado na cidade baixa, mais precisamente no bairro da Calçada, onde existia

uma significativa participação da comunidade galega.

Até a década de 50, admite Elisabeth Jelin, quando a população era um pouco

mais de 400 mil habitantes, que a estagnação de Salvador só foi alterada em função das

atividades burocráticas. E só mais tarde é que as atividades industriais arrastam

contingentes populacionais de outras áreas. (Jelin, 1974, p. 53-78)

A partir daí o crescimento se acelera e mantém uma dinâmica, dando a esta

capital uma população de mais de 2.200.000 de habitantes em 1999, distribuídos em uma

32

área de 709,5 Km², o que corresponde a uma densidade demográfica de mais de 3.000

hab./Km².

Esta era um pouco da Salvador encontrada pelos galegos em sua chegada.

Muitos foram os motivos para o crescente movimento migratório que se direcionou para

Salvador, como também iremos conhecer as principais razões da diminuição gradativa

deste processo migratório no decorrer do século XX.

33

3.2 A CHEGADA DOS IMIGRANTES NO BRASIL

Para alguns estudiosos, a história da imigração no Brasil tem que ser entendida

através da percepção de três momentos. O primeiro deles abrange o período que vai desde

1808, data da abertura dos portos do Brasil às nações amigas, até 1850, quando o tráfico

dos escravos era legalmente suspenso. O segundo momento acompanha o

enfraquecimento do regime escravocrata até sua total abolição, em 1888. O terceiro

momento se inicia nesta data e se estende até os anos 60 do século XX.

Que o ano de 1808 seja considerado como marco inicial da imigração no

Brasil é perfeitamente compreensível, a despeito de que estrangeiros tenham chegado ao

Brasil antes desta data, e até mesmo galegos a Salvador. Mas aquela data pode ser referida

como o momento do desencadeamento do processo migratório.

O ano de 1850 pode ser considerado como linha divisória entre os dois

primeiros períodos, porque nele tiveram início as primeiras providências objetivas para

abolição gradativa do regime escravocrata no Brasil. Mas foi exatamente quando a

escravidão começou a perder sua força que uma outra força, o latifúndio, passou a

desenvolver uma forte ação repulsiva com relação à imigração, uma vez que dificultava,

ou até mesmo impedia, a formação da pequena propriedade que, em tese, facilitaria a

fixação do imigrante no meio rural. Somente em fins de 1908 que uma medida importante

34

na área da legislação sobre migração facultou a posse das terras aos estrangeiros radicados

no Brasil.

Existem registros da presença de imigrantes galegos em Salvador desde o

início do século XIX. No entanto, só se pode pensar em corrente migratória a partir do ano

de 1850, e com maior intensidade, a partir de 1880, mais especificamente em 1883,

quando chegaram em Salvador os três primeiros imigrantes galegos. Este momento

corresponde exatamente ao período em que a Galícia passava por grandes dificuldades

econômicas e, como consequência, uma quantidade significativa de galegos procurou a

solução para seus problemas na imigração. A razão deste fluxo migratório crescente foi

fruto do êxito obtido pelos primeiros imigrantes galegos que aqui chegaram e retornaram à

sua aldeia de origem, aparentando uma situação econômica privilegiada. Pelo prestígio

que passaram a gozar, conseguiram influenciar parentes e amigos, num raio de ação

superior ao limite da própria aldeia.

A força desse fluxo migratório leva a Galícia a perder grande parcela da

população masculina entre os 12 e 20 anos, geralmente solteiros, enquanto que as

mulheres vieram com mais de 20 anos e geralmente casadas. Este desequilíbrio provocado

por esta enorme predominância de homens jovens foi um dos processos mais traumáticos

provocados pela imigração. Basicamente camponeses, vieram tentar a sorte grande nas

terras do Brasil.

A distribuição dos galegos pela geografia brasileira respondeu sobretudo às

possibilidades econômicas que o país oferecia em cada momento.

35

A zona de Manaus e Pará no auge econômico da exploração do caucho; pólos

de nascente industrialização como o de São Paulo e Santos; a atração comercial dos portos

atlânticos como o da Bahia, Recife, Pernambuco e etc. Posteriormente o Rio de Janeiro

como capital política do país tornou-se um ponto de atração para os imigrantes.

A maioria destes imigrantes galegos, no Brasil, permaneceu no meio urbano,

escolhendo sempre as capitais dos distintos Estados ou as cidades de maior importância e

dedicando-se sobretudo ao comércio de "secos e molhados" e ao setor hoteleiro do Brasil.

No Pará, no final do século passado, numerosos galegos, na maioria vindos de

Ourense (região da Galícia), foram recrutados para trabalhar em colônias agrícolas e

terminaram se concentrando em Belém, dedicando-se às atividades de hotelaria. Na

Amazônia, participaram da construção da linha férrea brasileira Madeireira Mamoré. Em

Pernambuco constituíram o grupo mais extenso dentro do universo espanhol, mesmo com

a presença pouco significativa. No Rio de Janeiro, provindos na sua maioria de

Pontevedra (70% dos espanhóis), dedicaram-se sobretudo ao comércio alimentício e dos

negócios de hotelaria. São Paulo recebeu o maior contigente de espanhóis por causa da

expansão do café. Em Santa Catarina, também são majoritários e se dedicaram

basicamente a atividade comercial.

Pelo que representa a colônia galega em Porto Alegre não se compara com a

existente em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Porém, devido ao caráter fronteirício

deste Estado, com dois países receptores de grandes números de imigrantes galegos,

Argentina e Uruguai, imprime forte influência sobre a coletividade galega de Porto

Alegre.

36

Mas, foi sem dúvida na Bahia, que a colônia galega se fez mais presente em

relação ao contingente espanhol. Aqui, como veremos a seguir, se notam fortes traços da

cultura galega nos diferentes aspectos socioculturais da vida cotidiana de Salvador.

37

3.3 OS GALEGOS EM SALVADOR

Conforme dados obtidos através dos Livros de Registro de entrada de

Passageiros da Capitania dos Portos desta capital, chegaram a Salvador entre 1883 e 1950,

17.737 espanhóis. O que podemos notar é o início de uma corrente migratória espanhola a

partir da segunda metade do século XIX e que se mantém na primeira metade do século

XX. Já nos dados obtidos junto ao Consulado, dos galegos que vieram para Salvador entre

1919 e 1936, 95% eram homens contra 5% de mulheres. Segundo essa mesma fonte, os

imigrantes galegos que vinham trabalhar no comércio representavam 73%, contra 24% em

outras atividades profissionais, e 3% eram donas de casa. Apresentavam na sua maioria

um nível de escolaridade até o primeiro grau. Aqui chegados não freqüentavam nenhuma

espécie de cursos, salvo raríssimas exceções.

A grande parte dos galegos que vieram para Salvador eram da província de

Pontevedra e de alguns municípios de outras províncias galegas limítrofes com

Pontevedra. Principalmente de Ourense. São na maioria, indivíduos oriundos de

comunidades rurais – aldeias e vilas – onde se dedicavam predominantemente à atividade

agrícola, organizados num tipo de sociedade que conserva, quanto a sua base econômica,

muitas características próprias das sociedades camponesas. Mesmo assim, quase todos

estabeleceram-se na cidade como empregados de armazéns ou de padarias, de portugueses

ou de galegos que haviam chegado no século XIX, pois, como não dispunham de um

capital maior e não contavam com qualquer apoio do governo, tiveram que disputar um

38

espaço na própria cidade, nas proximidades do porto onde desembarcavam. Aqui não

tinham condições de comprar terras e também acabavam de sair dos problemas vividos no

meio rural na Galícia, não querendo arriscar-se em uma nova experiência. Lá na Galícia,

percebiam que as possibilidades de absorção em outras atividades eram muito remotas,

mas, de toda maneira, os que decidiram não emigrar para as Américas foram pressionados

e tiveram que sair para locais mais próximos, tentando as iniciativas que se abriam nas

formações urbanas. Os primeiros que chegaram a Salvador trouxeram um pequeno capital

que serviu de base para a montagem do negócio inicial. As instalações eram precárias,

mesmo porque o comércio existente em Salvador não dispunha de estabelecimentos mais

sofisticados. Certamente, a opção pela atividade comercial não parecia uma escolha

natural, no entanto foi o meio encontrado para conseguir a sobrevivência, e conseguir ser

dono do próprio negócio. Trabalhar no campo como empregado, parecia ir de encontro

com a sua condição de proprietário na Galícia, mas nem todos trouxeram economias.

Alguns vieram apenas com esperanças e ilusões de conquistar uma riqueza rápida e fácil.

Porém, o que encontraram foram inúmeras dificuldades. As mais citadas em seus

depoimentos foram, por exemplo: a grande diferença climática; as instalações encontradas

para moradia, principalmente a cama e a alimentação.

Alguns aspectos marcaram o processo migratório dos galegos para Salvador e

para o Brasil de forma mais ampla. O primeiro deles é o fato de não receberem apoio

oficial do governo da Espanha, nem do governo do Brasil. Foi então uma imigração

espontânea, ainda que pressionada por fatores sócio-econômicos.

O segundo aspecto refere-se a forma em que estes imigrantes se estabeleceram

na cidade. Não tendo compromissos oficiais, não ocupavam espaços delimitados, como

39

ocorria com a maioria dos imigrantes que vieram para o Brasil. Ao contrário, espalharam-

se por toda a área urbana, ocupando pontos estratégicos, como foi o caso do bairro da

Calçada, com a finalidade de disputar a preferência dos clientes. A medida que

conquistavam a cidade, conquistavam também ocupações nas atividades comerciais dos

galegos de Salvador. Eles iam conquistando novos espaços.

Estes dois aspectos levaram o grupo a uma situação paradoxal: de um lado

evitar a formação de guetos, mas por outro lado, parece ter pressionado os componentes

do grupo na busca e obtenção de meios que impedissem o seu afastamento. Seria, talvez,

uma forma de não perder os laços com a terra natal. Em todo processo de migração há um

primeiro momento, o da adaptação, em que o imigrante é visto com certas restrições e em

que ele próprio se coloca em “posição de defesa”, considerando as diferenças existentes

no novo ambiente.

Outra característica desta corrente migratória, foi como aconteceu o

crescimento do grupo. Quando os comerciantes galegos se estabeleciam e precisavam de

alguém para lhes ajudar no trabalho, mandavam chamar na Galícia, filhos, parentes e

amigos, que na sua maioria eram crianças entre 10 e 15 anos, que vinham para trabalhar

das seis da manhã até as oito da noite, e dormiam em camas com colchão de palha num

quarto, geralmente nos fundos do armazém. Seus salários eram pagos em forma de vales,

e, quando pediam prestação de contas, quase sempre estavam devendo aos seus patrões.

Como resultado dessa forma de recruta, o grupo ia se formando com uma população

predominantemente da mesma região. No caso Salvador, quase uma totalidade pertence a

província de Pontevedra (96%), mais especificamente do município de Puente Caldelas e

de seus arredores.

40

Esta imigração foi predominantemente de uma população masculina jovem, de

modo que as aldeias se despovoaram. Lá não ficaram mais nada além de mulheres,

crianças e velhos. Este fato gerou um impacto muito grande na estrutura da família

imigrante galega de Salvador. Mesmo considerando que aqueles que imigraram voltavam,

quase sempre para casar com mulheres galegas, mas como enfrentavam dificuldades

financeiras, retornavam e deixavam a mulher, e muitas vezes, filhos na Galícia, forçando

essas mulheres a arcarem com as responsabilidades da casa, vendo-se então obrigadas a

cuidar da terra e dela tirar o sustento para a família. Muitos imigrantes quando conseguiam

se estabelecer, mandavam buscar sua família na Galícia, mas outros muitas vezes

construíam uma nova família na Bahia e não davam nenhuma ajuda a família que haviam

deixado na Galícia.

O fato dos galegos não se casarem com brasileiras, era por que seus armazéns

não eram freqüentados pela classe média e alta da população baiana, o que gerava uma

separação entre o imigrante e a população local. Houve uma certa discriminação, e como

resposta um certo retraimento. Mas, quando os filhos de galegos, muitos já nascidos na

Bahia, começaram a freqüentar escolas e fizeram amizades com seus colegas e suas

famílias, houve uma melhor aceitação das famílias galegas junto à sociedade

soteropolitana.

Por volta de 1950, o movimento migratório foi perdendo sua força já que as

condições financeiras oferecidas por outros países da Europa eram melhores que as

existentes no Brasil. O grupo que antes teve cerca de 30 mil componentes foi diminuído,

ao tempo que consolidava sua posição econômica. Hoje, conforme informação obtida

41

junto ao Consulado, existem cerca de 3 mil galegos de origem, que pelas raízes fixadas em

Salvador, os impedem de voltar a sua terra natal para morar.

Não podemos deixar de dar destaque a participação dos galegos no comércio

de Salvador e sua contribuição para a economia da Bahia. Em fins do século XIX,

possuíam 25 firmas, predominando o ramo de alimentos e bebidas. Esta característica

predominante das casas comerciais atuarem como armazéns de secos e molhados,

padarias, tavernas e pastelarias perdurou durante este século. Envolveram-se, em menor

número, com pequenas fábricas como de alambiques e fabricação de charutos, lojas de

louças, vidros, ferramentas, etc. Comércio varejista, preferencialmente de gêneros

alimentícios, mas sempre abertos a negociar com diversos artigos, desde que o negócio

fosse lícito e pudesse convir à sociedade, conforme expressavam os contratos na Junta

Comercial da época. Nascem como pequenos empreendimentos e com base no grande

sacrifício do proprietário e muitas vezes na exploração do trabalho dos próprios patrícios,

vão acumulando riquezas. No fim do século XIX, a maioria delas já apresentam um

capital social acima de vinte contos de reis, quantia significativa para a época.

Mas é realmente no século XX que os galegos, consolidam a sua participação e

demonstram a sua força no comércio de Salvador.

No período de 1900 a 1950, são 590 firmas galegas registradas em Salvador,

com destaque para as décadas de 20 e 40. Em relação a década de 20 podemos atribuir a

explicação no maior fluxo do contingente imigratório, já na década de 40 o que se observa

é em boa parte resultante dos efeitos da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial.

Tanto é assim que no período de aguçamento da xenofobia nacional, o ano de 1942, os

42

galegos registram 55 firmas na Junta Comercial10, sendo 81% delas do ramo de alimentos e

bebidas.

Entretanto, a partir da década de 40, já diversificam sua participação na

economia com firmas em outros ramos, como representação, importação e exportação (22

casas), fábricas (21 casas), tecidos e calçados (10 casas), materiais de construção (10

casas), joalherias (10 casas), acessórios e automóveis (04 casas), lojas e artigos funerários

(03 casas).

É neste período, que suplantam a posição dos portugueses mantida durante o

século XIX, tornando-se os principais retalhistas estrangeiros de gêneros alimentícios em

armazéns, vendas e padarias. No decorrer da década de 40, são 54 firmas que já atingem

mais de 100 contos de reis, sendo que 23 delas superam o patamar de 400 contos de reis ou

quatrocentos mil cruzeiros11.

Portanto, de uma forma geral, tem-se uma grande soma de recursos dispersos

entre muitas firmas a par de volumosos capitais concentrados em poucas mãos.

A participação galega ganha maior realce sobretudo a nível de impacto social,

na medida que se adicione aos dados já estabelecidos a respectiva localização nos

empreendimentos comerciais. Das 300 firmas cuja localização foi obtida nos documentos

da Junta Comercial, no período de 1909 a 1950, 272 delas estavam situadas nas freguesias

10 O receio das perseguições deve ter conduzido os galegos a demonstrar o completo acatamento à legislação

brasileira. 11 Em 1942 a moeda brasileira deixa de ser réis para tornar-se cruzeiro. Registro de Aumento de Capital.

Livro de Registro de Firmas. Arquivo Público do Estado da Bahia.

43

da Sé, Paço, São Pedro, Vitória, e Conceição da Praia, e apenas 28 em áreas afastadas ou

periféricas, como Brotas, Mares, Penha e São Caetano.

Enfim, fica perfeitamente evidenciado o forte poder econômico e a grande

expressão exercida pelos galegos no comércio de Salvador durante a primeira metade do

século XX. Mas, para se atingir tal êxito devemos atribuir à um mecanismo fundamental: à

associação de galegos. Das 25 firmas, registradas entre 1882 e 1899, apenas 03 delas eram

mistas, sendo quase a sua totalidade firmada entre sócios galegos. Desde cedo eles

compreenderam a necessidade da junção entre capital e trabalho galego para o sucesso do

empreendimento. Até o fim da década de 40, 70% delas são coletivas, e 41% destas tem

em sua composição societária somente irmãos e parentes. Fica portanto evidenciado, a

predominância grupal e familiar das associações galegas.

Se, por um lado os galegos compreenderam a necessidade da formação de

firmas entre seus próprios patrícios, financiavam a vinda de parentes e amigos

provenientes de suas aldeias para trabalhar em seus estabelecimentos, pois enxergaram

nesta possibilidade uma mão-de-obra mais barata, capaz de trabalhar 12, 14, 16 horas por

dia, sem descanso muitas vezes nos sábados e domingos12. Sabiam que os que de lá

vinham, tinham neles, o único referencial para a sobrevivência e conhecimento do novo

mundo. Apesar da realidade aqui encontrada, os recém-chegados se submetiam a esta

desumana jornada de trabalho, pois não possuíam condições financeiras de retornar a Galí-

12 Falamos de uma época anterior a implantação da Consolidação das Leis Trabalhistas de 1949, quando não

havia limite estabelecido para a jornada de trabalho, nem previsão de descanso semanal, nem muito menos

férias remuneradas. Também ainda não havia restrições legais quanto ao número de empregados estrangeiros

em cada estabelecimento comercial.

44

cia, e quando conseguiam juntar o capital necessário para a viagem de retorno, faltava-

lhes coragem de serem recebidos como fracassados. Através destes dados, portanto, fica

evidenciado que um dos segredos do sucesso dos comerciantes galegos em Salvador,

estava calcado na exploração da força do trabalho. Um outro segredo do sucesso estava na

participação dos patrões nas diversas atividades do estabelecimento comercial, sempre a

frente de seus negócios.

Pode ser atribuído também aos comerciantes galegos, as primeiras vendas à

crédito feitas aos seus consumidores, através das chamadas "Cadernetas". Estas

funcionavam num sistema semelhante aos atuais Cartões de Crédito. Os clientes tinham

uma data definida para o pagamento das compras efetuadas durante o decorrer do mês.

A ascensão financeira dos comerciantes galegos e a sua participação na

economia de Salvador, proporcionou a estes uma diversificação de investimentos do

capital até então acumulado. Podemos caracterizar que três foram as frentes básicas de

investimentos: o reinvestimento do capital na própria empresa, como forma de preservar a

prosperidade e a segurança do grupo, proporcionando o melhoramento das instalações e o

fortalecimento do negócio; a compra de propriedades urbanas em Salvador, geralmente

destinadas a aluguel, propiciando assim uma nova fonte de renda; e, a compra de

propriedades na Galícia, sobretudo para um grupo que teve na carência de terras, uma forte

razão para imigrar.

Antigamente, quando o sistema ferroviário chegava até Aracaju e a via de

escoamento da cidade era apenas pelo Largo do Tanque, o comércio da Calçada era um

grande centro atacadista de alimentos, possuindo comerciantes, inclusive galegos como os

45

"Irmãos Vasquez", que tinham clientes desde o Norte de Minas até Aracaju, passando por

todo o interior do Estado.

Além da decadência do transporte ferroviário que dificultou as vendas, e a

abertura de novas estradas com a criação do Pólo Petroquímico de Camaçari, outro fator

que levou a decadência econômica dos comerciantes galegos donos de armazéns na

década de 50, foi o surgimento do supermercado com Mamede Paes Mendonça. No

início, os comerciantes galegos achavam que seriam exterminados, pois apesar de vender

com prazo de 30 dias, não tinham como competir com os preços apresentados pelos

supermercados. Havia também uma mentalidade entre os galegos em não contrair dividas

e comprar sempre à vista. Assim como na década de 50 e 60, com a inflação alta, os donos

de supermercados que comprovam com prazos de 30 e 60 dias e vendiam à vista,

arriscavam e jogavam seu dinheiro no mercado financeiro, conseguindo assim altos

ganhos com a inflação. Então, os comerciantes galegos foram obrigados a mudar de ramo.

Muitos partiram para a construção civil, outros abriram joalheiras, postos de gasolina,

casas de material de construção, hotéis. Enfim, a maioria dos galegos conseguiu

sobreviver as mudanças na economia baiana, e também boa parte deles aumentou seu

patrimônio com relação ao possuído antes da imigração para a Bahia.

As suas associações aqui fundadas, propiciaram à comunidade galega manter

vivos os laços com a sua terra natal e também contribuiu para uma maior integração hoje

existente entre ela e a sociedade local. Como exemplo, podemos citar as associações que

tinham o propósito de arrecadar contribuições dos imigrantes galegos residentes em

Salvador para realizar festividades e também enviar importâncias para suas aldeias a fim

de construírem escolas, igrejas ou o que fosse necessário. Dentro deste espírito criou-se

46

entre outras: a Sociedade Amigos de Gajate (SAGA), Sociedade Filhos de Anta,

Sociedade Amigos de Moscoso.

Mas, outras associações tiveram o caráter mais abrangente, visando esta

integração. Criaram em 1911, o Centro Recreativo Espanhol, hoje Clube Espanhol, com a

finalidade de reunir o grupo para falar sobre a Galícia. Fundaram a Real Sociedade

Espanhola de Beneficência, hoje Hospital Espanhol, em 1885, com o intuito de dar melhor

atenção à saúde dos imigrantes aqui residentes. E, na área esportiva formou-se também o

Galícia Esporte Clube, em 1933, que teve como finalidade aproximar os galegos bem

sucedidos nos negócios com a população mais carente de Salvador, pois estes já

começavam a reclamar que os galegos vieram para tomar o trabalho dos soteropolitanos.

Fundaram a Escola e Teatro Caballeros de Santiago, em 1960.

Portanto, através dos dados apresentados, vemos o quanto foi importante e

representativo a participação dos imigrantes galegos na economia da Bahia e da Galícia.

Não é possível precisar exatamente onde se processaram os maiores investimentos. Mas

tem-se a certeza que ambas foram em muito beneficiadas pelos frutos desta participação.

Houve, com o passar dos tempos uma nova socialização, com a estruturação de novas

relações. Eles retornam a Galícia para veranear, vitoriosos, demonstrando seu sucesso,

mas devido as raízes aqui fincadas, não conseguem se desvincular dos laços afetivos aqui

estabelecidos.

47

4 CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho foi o de compreender as razões que levaram o povo

da Galícia a emigrar. Como se processou a imigração para o Brasil e a sua chegada em

Salvador. Analisamos também o processo de integração do grupo, suas contribuições

sociais e culturais para a sociedade soteropolitana, e a participação significativa do

comerciante galego na economia baiana.

É preciso ressaltar que os imigrantes galegos de Salvador não tiveram uma

vida fácil. Sem maiores recursos, por desconhecimento dos valores da sociedade local, e

pelo trabalho árduo e sem descanso que exerciam, não se integravam. Em alguns

momentos foram taxados de racistas, pois não se envolviam com o povo local; de ladrões,

miseráveis e exploradores, por ocuparem espaços de brasileiros e praticarem preços

abusivos em suas atividades comerciais. A expressão "Galego", assumia assim um sentido

pejorativo.

Uma pesquisa realizada em meados dos anos 40, considerou-se sobre o plano

de aceitação dos grupos estrangeiros pela sociedade local, que os espanhóis deveriam ser

expulsos do Brasil.

Em contrapartida encontraram mecanismos para suportar a dura adversidade.

Criaram associações com o propósito de não perder o vínculo com a terra natal e a sua

48

cultura e terminaram com isso, estreitando os laços e melhorando as relações com a

sociedade receptora.

À proporção que ascendiam economicamente, à medida que tinham filhos

nascidos e educados na Bahia, e o contato contínuo com os membros de várias camadas de

Salvador, determinaram a mudança das atitudes e valores da comunidade galega aqui

residente.

Consciente ou inconscientemente, terminaram por adotar valores e ideologias

da sociedade receptora, sem perder com isso o vínculo cultural e afetivo com a sua terra

natal.

A comunidade galega que hoje vive em Salvador pode se considerar como

vitoriosa, pois conseguiu se livrar do trauma que todo processo migratório causa ao grupo,

sobretudo na estrutura da família, estando totalmente integrada na sociedade baiana.

Integrada sim, assimilada não. Pois, se considerada assimilada, estaria admitindo a perda

da identidade pelo grupo, enquanto que a integração pressupõe uma diversidade cultural,

dentro de uma unidade social.

Esta comunidade como outrora o fizera, não efetua mais investimentos na

Galícia, preferem alocar recursos no Brasil, apesar de possuírem propriedades em sua terra

natal, hoje valorizadas por causa do desenvolvimento econômico que por lá está

acontecendo. Franquearam o acesso dos nacionais as suas associações. Como

consequência, apesar de figurarem como grupo próprio, não são mais rejeitados, nem

negativamente discriminados pelos baianos, estando igualmente inseridos de maneira

harmônica na dinâmica da nova sociedade de classes.

49

A presença galega na economia baiana se faz presente de uma maneira forte e

representativa. Fernandez, A Primavera, Vibemsa (hoje desmembrada em outras três por

exigência legal), biscoitos Tupi, Lojas Pery, Perini, Suarez, Leiro, FrutosDias, e etc., são

empresas que não precisam de apresentação para os soteropolitanos, além de inúmeros

hotéis, postos de gasolina, joalherias, padarias, armazéns, funerárias e empresas de

turismo.

De toda maneira, pode se admitir que não há em Salvador galegos

marginalizados. Supõe-se que a maioria está em situação boa ou razoável.

Gonzalez, Rodrigues, Alban, Duran, Sanchez, Suarez, Cal, Garrido, Blanco,

Piñeiro, Parada, Baqueiro, Vasquez, Martinez, Vidal, Bouzas, são alguns dos muitos

nomes que aparecem nos quadros econômicos, sociais, culturais e políticos da estrutura da

sociedade baiana. Alguns deles, já aparecem entrelaçados com sobrenomes brasileiros,

mostrando a integração evidente.

Hoje, nos empreendimentos galegos, a maioria dos trabalhadores são

brasileiros, não havendo distinção. Mesmo porque são grandes empresas onde não é

possível utilizar somente mão-de-obra galega.

Apesar de muitos terem obtido sucesso, muitos também não realizaram o

projeto de enriquecer e retornar à Galícia. Muitos vieram, há 40, 50, 60 anos e nunca mais

retornaram. Alguns estão podendo realizar o sonho de voltar a terra natal, graças a uma

ajuda dada pela “Xunta de Galícia”13, para imigrantes galegos que tenham mais de 30 anos

13 Instituição governamental existente na Galícia que assiste aos galegos de um modo geral, proporcionando

benefícios sociais e econômicos.

50

sem ir a Galícia, tendo suas passagens de ida e volta pagas pelo governo galego. No

entanto, para muitos o retorno definitivo à terra natal é muito doloroso, pois, depois de

anos em Salvador já se criou fortes laços afetivos com a cidade, com as pessoas (dentre

estas a própria família, filhos e netos) e, com o clima da cidade. Pois os galegos quando

lembram do frio da Galícia pensam duas vezes antes de decidirem pelo retorno definitivo.

Os imigrantes galegos nunca perderam de vista a sua pátria. Espalhados pelo

mundo sempre mantiveram sua identidade, mesmo quando se afeiçoaram à terra em que se

estabeleceram definitivamente. Para eles, a Galícia é o lugar mais lindo do mundo, e sua

aldeia a mais bela entre todas. Esta tem para ele, uma significação especial, capaz de

provocar pensamentos e emoções, que muitas vezes adicionados à saudade lhes conduzem

as lágrimas.

51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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no Brasil . Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991.

ALBAN, Maria del Rosário. A imigração galega na Bahia.. Salvador: Centro de Estudos

Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1983.

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APÊNDICE

55

APENDICE

Como base para este trabalho foram feitas doze entrevistas com galegos, que

imigraram para Salvador. Neste pequeno universo, encontramos Abílio e Perfeto Vasquez

que imigraram há mais de setenta anos, com seis e oito anos, respectivamente. E outros dez

entrevistados que chegaram após 1940. Entre estes, um chegou ainda criança, Hélio Bouzas

Vidal, hoje comerciante no bairro da Calçada, trabalhando na firma fundada por seu avô,

Manuel Bouzas. Os demais chegados após 1940, vieram entre 15 e 18 anos. Manoel

Lorenzo, único a ser entrevistado na Galícia, retornou para lá por problemas de saúde.

Todos constituíram família , exceto Joaquim Ventin.

Chegaram com lugar certo para trabalhar no comércio, e com o passar do tempo

alguns conseguiram formar seu próprio negócio. Como exemplo, temos Artur Bouzas,

sócio do Armazém Bouzas; Jaime Bouzas, sócio Hotel Brasil; Francisco Lopo, sócio da

loja de confecções "Stelamares"; José Orge, sócio das padarias "Las Palmas"; Saladino

Lorenzo, cafeicultor; Manuel Meijon, empresário do ramo da construção civil.

Por fim, José L. Barcia e Joaquim Ventin, este último já citado, estão

aposentados e não exercem nenhuma outra atividade.