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119 Capítulo 5 O projecto colaborativo Para uma melhor compreensão do que constituiu o contexto deste estudo, este capítulo descreve o projecto colaborativo que lhe está subjacente, ao longo de um período de cerca de ano e meio, que corresponde ao período de recolha de dados. Assim, começo por referir a constituição do grupo e do seu historial, fazendo depois uma descrição dos diferentes aspectos que constituíram objecto de reflexão e análise no seio do grupo. 5.1. O grupo Constituição Destacam-se três momentos principais no processo que conduziu à constituição do grupo. O primeiro corresponde ao contacto com as duas professoras que inicialmente tinha pensado desafiar para este projecto, Joana e Teresa. Este grupo avançou com as primeiras entrevistas e algumas reuniões de trabalho, no início do ano lectivo de 2003/04. As duas professoras e a investigadora já

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Capítulo 5

O projecto colaborativo

Para uma melhor compreensão do que constituiu o contexto deste estudo, este capítulo

descreve o projecto colaborativo que lhe está subjacente, ao longo de um período de cerca de ano e

meio, que corresponde ao período de recolha de dados. Assim, começo por referir a constituição do

grupo e do seu historial, fazendo depois uma descrição dos diferentes aspectos que constituíram

objecto de reflexão e análise no seio do grupo.

5.1. O grupo

Constituição

Destacam-se três momentos principais no processo que conduziu à constituição do grupo. O

primeiro corresponde ao contacto com as duas professoras que inicialmente tinha pensado desafiar

para este projecto, Joana e Teresa. Este grupo avançou com as primeiras entrevistas e algumas

reuniões de trabalho, no início do ano lectivo de 2003/04. As duas professoras e a investigadora já

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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tinham colaborado no âmbito de um projecto e ambas, de uma forma particular Teresa, ficaram

satisfeitas por estarem perante uma nova oportunidade para trabalhar e investigar – nas palavras de

Teresa para “procurar e aprender, fazer outras coisas para além das aulas” (TET1). Considerava ela

que o dia-a-dia de professora não lhe possibilitava ou estimulava essa procura. No entanto, a

incompatibilidade de horários entre as duas professoras e a impossibilidade de reunir

sistematicamente ao Sábado, inviabilizou a concretização do projecto nesse ano lectivo. Um

adiamento na sua implementação, no entanto, seria incompatível com os prazos deste estudo. Com

uma certa tristeza e insatisfação concluiu-se que não era viável avançar com o projecto. Teresa disse

mesmo: “Não me sinto bem, nunca desisti de nada, gosto sempre de levar aquilo em que me

envolvo até ao fim” (TR2) mas ficou acordado que, quando este estudo estivesse terminado,

pensaríamos num novo projecto conjunto, ficando assim esta janela aberta.

Um segundo momento, em pleno segundo período do ano lectivo de 2003/2004,

correspondeu à decisão de constituir um novo grupo. Tratava-se de uma tarefa urgente. Conversei

com uma professora com quem já me encontrava a trabalhar num contexto diferente e que, por

isso, estava ao corrente do projecto iniciado com Joana e Teresa. Essa professora, Carla, aceitou

com entusiasmo participar e sugeriu mais três colegas: Eva, Maria e Sónia. Foi acordada então uma

conversa com Eva e Sónia dado que Maria era professora do 2.º ciclo. Eva aceitou participar. Sónia,

no entanto, encontrava-se na fase de escrita da sua tese de mestrado e tinha uma criança muito

pequena e, portanto, reduzida disponibilidade. Ficou, então, constituído um novo grupo de trabalho

por Carla, Eva e eu própria.

O terceiro momento corresponde à inclusão no grupo de uma terceira professora, Maria, em

Fevereiro de 2005. Após uma discussão sobre o envolvimento do grupo no trabalho, Carla sugeriu

novamente que se convidasse Maria para o integrar. Segundo Carla, poderia ela constituir uma mais

valia na medida que tinha uma atitude muito crítica perante tudo o que fazia e aquilo em que se

envolvia. Por seu lado, Maria já tinha manifestado curiosidade e interesse pelo nosso trabalho, daí

que, logo que contactada, tenha aceite o desafio com o entusiasmo que, mais tarde, vim a saber

ser-lhe característico.

1 TET – Transcrição da entrevista de Teresa. 2 TR – Transcrição de uma reunião de trabalho. Neste caso não está numerada para que não se confunda com as reuniões do grupo do estudo.

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Capítulo 5 – O projecto colaborativo

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Segue-se uma apresentação sucinta de cada uma destas três professoras que corporizaram

o projecto.

As professoras. Carla, com 43 anos de idade, é solteira e tem cerca de 23 anos de serviço.

Escolheu a profissão de professora de Matemática como primeira prioridade e gosta imenso do que

faz. Tem a preocupação por criar situações diversificadas para que os alunos se sintam bem e,

essencialmente, gostem e aprendam Matemática. Assim, esteve envolvida na criação de um

laboratório de Matemática na escola onde lecciona. Gosta de trabalhar em grupo e procura criar

oportunidades para isso na escola, nomeadamente com colegas do departamento.

Eva é casada, tem aproximadamente 45 anos de idade e 23 anos de serviço, incluindo dois

que leccionou durante a licenciatura. Pensou seguir Artes, tendo acabado por entrar num curso que

combinava Matemática e Desenho. Reconhece que no início lhe foi bastante penoso dar aulas. Com

o correr do tempo foi-se adaptando e, agora, fá-lo com gosto. Participa em projectos e trabalhos de

grupo na escola, embora raramente tome a iniciativa de os promover. Tal como Carla é licenciada

em Matemática.

Maria foi a última a integrar o grupo. Com 52 anos e cerca de 31 anos de serviço, é casada

e tem dois filhos. Começou por estudar Engenharia Química e, posteriormente, quando decidiu que

pretendia manter-se ligada ao ensino, optou pela licenciatura em Biologia e Geologia na

Universidade do Minho. Gosta de leccionar e revela muitas preocupações pedagógicas. Manteve,

desde o início da sua profissão, uma intensa actividade sindical. Durante 7 anos foi presidente do

conselho directivo de uma escola próxima de Braga.

Antecedentes. Duas professoras, Carla e Eva, frequentaram uma oficina de formação que

coordenei. As três professoras, para além de trabalharem há vários anos na mesma escola,

frequentaram, em conjunto, uma outra acção de formação sobre a utilização de materiais

manipuláveis e tecnológicos, organizada por um centro de formação de Braga. Outras experiências

poderiam ser referidas. Estas contudo, revelam a proximidade de interesses entre as três

professoras e a investigadora. Importa referir que inicialmente apenas Maria e a investigadora não

se conheciam pessoalmente.

No primeiro contacto com Eva e Carla em Fevereiro de 2004, pedi a ambas que: (i) se

disponibilizassem para, quinzenalmente, participarem numa sessão de trabalho; (ii) permitissem a

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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presença da investigadora nas suas aulas; e (iii) participassem de forma crítica no grupo,

manifestando dificuldades e sugerindo abordagens e tópicos de discussão. Logo na primeira reunião

foi discutido e aprovado um plano de trabalho para o projecto. Maria, quando integrou o grupo, em

Março de 2005, tomou conhecimento do andamento dos trabalhos e aceitou as condições já

acordadas. No entanto, dado o carácter do projecto, que será referido de forma mais cuidada na

secção que se segue, este era periodicamente revisto, tendo tido Maria a possibilidade de contribuir

para essas revisões.

O projecto

Aspectos gerais. Conforme referido atrás, o desafio que este grupo viveu foi o de construir

um projecto de investigação colaborativo em torno da problemática da comunicação matemática na

sala de aula. Enumero, de seguida, uma série de objectivos específicos e actividades que foram

previstas para as sessões de trabalho conjunto. Como expliquei antes, o seu ajustamento final foi

sendo pensado e discutido em conjunto com as professoras envolvidas.

Os objectivos específicos foram os seguintes:

Identificar alguns dos factores mais relevantes, bloqueadores (ou facilitadores) da comunicação na sala de aula de Matemática.

Reflectir sobre as práticas que possibilitam a correcção (ou potenciação) desses factores.

Explorar o recurso a materiais manipuláveis como meio de desenvolver a comunicação matemática na sala de aula.

Explorar as relações entre o tipo de tarefas propostas aos alunos e o desenvolvimento da comunicação matemática na sala de aula.

Identificar os modos de organização do trabalho na sala de aula no sentido de desenvolver a comunicação matemática.

As actividades desenvolvidas nas sessões conjuntas foram:

Discussão de tópicos eleitos como relevantes pelos elementos do grupo. Esta escolha teve em conta, prioritariamente, as dificuldades das professoras

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relativamente ao desenvolvimento de experiências de comunicação matemática na sala de aula. Outros tópicos escolhidos tiveram a ver com a procura de mais informação, incorporando sucessivamente mais elementos que podiam contribuir para a reflexão sobre as aulas, aumentando o leque de aspectos a merecer atenção por parte do professor numa aula. Estas discussões tiveram sempre um suporte bibliográfico;

Discussão de diálogos de aula retirados da literatura;

Planificação de tarefas a propor na sala de aula com vista a incentivar a comunicação matemática;

Discussões de problemas decorrentes do trabalho de investigação;

Reflexão sobre as práticas (as transcrições das aulas gravadas constituíram aqui um elemento relevante);

Organização de uma apresentação conjunta para divulgação da experiência a outros professores.

A componente de divulgação limitou-se, durante o período de tempo em que se realizou a

recolha de dados, a uma acção de formação, organizada pelo grupo, para todos os professores de

Matemática do agrupamento, desde o 1.º ao 3.º ciclo. A preocupação com a divulgação escrita teve

apenas lugar após o período de observação, o que não foi problemático uma vez que o trabalho

continuou (e continua ainda!) após essa fase.

Ficou previsto que cada uma das sessões fosse calendarizada em grupo, e que tivesse um

responsável para preparar, coordenar e fazer a respectiva síntese, assim como um relato a

apresentar no início da sessão subsequente. Na prática, foi difícil coordenar o papel do responsável,

acabando por ser a investigadora a assumir com mais frequência esse papel. Foi organizado um

arquivo, construído pelo grupo, de artigos e outros documentos que se revelaram úteis para análise,

discussão e reflexão. As tarefas e transcrições das aulas também foram incorporadas nesse arquivo

que funcionou como um recurso para alimentar a reflexão durante várias sessões conjuntas e para a

preparação de outras. Este arquivo constituiu um elemento particularmente útil para a organização

da acção de formação, na fase final, e para a preparação do acolhimento a Maria na fase

intermédia.

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Fases do projecto. O projecto decorreu, tal como estava previsto, em três fases, embora a

sua calendarização sofresse algumas alterações. Essas três fases inicialmente previstas eram as

seguintes:

Fase 1: Negociação dos objectivos e formas de trabalho. Planificação das actividades a realizar. (Fev. 2004)

Fase 2: Desenvolvimento, intercalando reuniões de discussão de tópicos com reuniões para planificação de tarefas e sua reflexão. Divulgação de algum trabalho elaborado no âmbito do projecto. (Desde Março de 2004 a Maio de 2005)

Fase 3: Conclusão, incluindo a elaboração de mais materiais de divulgação e uma reflexão por parte das professoras envolvidas, através de um relatório conclusivo de todo o projecto. (Junho a Dezembro de 2005)

A primeira fase ocorreu sem qualquer percalço tendo sido elaborado o plano do projecto

(anexo 4). Durante a segunda fase importa lembrar que mais uma professora, Maria, integrou o

grupo. Esse momento foi importante para o grupo inicial, dado que constituiu um momento de

reflexão e discussão para a selecção de aspectos mais relevantes do trabalho já realizado para

apresentação na integração desta nova professora. No entanto, esta fase não contou com qualquer

divulgação, ao contrário do que estava inicialmente previsto. A terceira fase tomou contornos pouco

definidos dado que o conjunto das professoras se manifestou favorável a que o projecto

prosseguisse. Assim, em Julho de 2005, em plena terceira fase, foi decidida, unanimemente, a

continuação do projecto. A decisão que foi para a investigação muito recompensador, teve o efeito

de diluir o horizonte temporal previsto para o termo do projecto.

Reuniões de trabalho

As reuniões do projecto foram estruturadas de diversas formas e mesmo os locais onde se

realizaram foram diversificados. As primeiras seis reuniões decorreram em casa de Eva dado que

esta tinha compromissos familiares e não lhe era possível ausentar-se por muito tempo. No ano

lectivo seguinte, todas as reuniões decorreram numa sala de trabalho da escola.

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Quanto à organização das reuniões, previamente ficava agendado o assunto de discussão

para a reunião seguinte e a data dessa reunião. Habitualmente seguia-se uma periodicidade

quinzenal. Nem sempre era possível cumprir tudo o que se planeava para uma reunião. Por vezes

surgia um assunto pertinente para alguma das professoras: algo que tinha ocorrido numa aula, uma

notícia lida no jornal, uma alteração na calendarização das aulas, um texto por ler... Noutras

ocasiões a abordagem de alguns tópicos prolongava-se mais, o que levava, por vezes, à necessidade

de adiar outros.

Como grupo procuramos discutir e reflectir em torno de temas que consideramos

pertinentes, tentando intersectá-los com a reflexão sobre as aulas e sobre o papel do professor

nelas.

Ao longo do tempo, algumas decisões foram tomadas no sentido de rentabilizar mais o

trabalho do grupo. Isto passou-se quer no esforço por identificar um conjunto de temas que cada

uma considerava mais relevantes e que pretendia discutir, quer na própria dinâmica do grupo que

foi sofrendo algumas alterações.

No conjunto das 25 reuniões que realizamos de Março de 2004 a Julho de 2005, vou

distinguiu seis tipos: discussão de episódios de aula, discussão de um documento, discussão de um

tema, planificação de aulas, análise e reflexão sobre episódios de aula de uma das professoras e

reflexão sobre o próprio projecto. A discussão de episódios de artigos teve mais predominância no

início, enquanto não havia elementos de discussão oriundos da prática das próprias professoras,

estes últimos tornaram-se dominantes a partir de certa altura. Uma tabela com um panorama

sucinto do conjunto de todas estas reuniões é fornecida no anexo 5. Na secção 5.2 é feita uma

leitura transversal dos tópicos que mais alimentaram as discussões e reflexões ao longo do projecto.

Aulas gravadas e analisadas

À partida estava acordado que a investigadora só assistia e gravava aulas sob proposta da

própria professora ou, pelo menos, com o seu acordo explícito. Claro que estando perante um

conjunto de professoras muito diferente, o percurso de cada uma dentro do próprio grupo foi,

também, muito distinto. Na tabela 5.1. encontram-se todas as aulas que foram objecto de análise

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durante as reuniões. Todas estas aulas, à excepção das assinaladas com *, foram objecto de análise

na escrita dos casos relativos a cada uma das professoras (capítulos de 6 a 8).

Tabela 5.1. Aulas gravadas e analisadas de cada professora

Carla Eva Maria

9 Junho 2004 13 Maio 2004 17 Fevereiro 2005 Aula 1: Factorização de polinómios.

Problemas em grupo. *

Bloco 1: À procura dos pentaminós.

7 Dezembro 2004 5 Janeiro 2005 2 Maio 2005 Aula 2: O problema da planificação das visitas de estudo.

Bloco 1: GraphMat. Bloco 2: Consumos de água (aula 1).

7 Janeiro 2005 13 Maio 2005 9 Maio 2005

Aula 3: Funções lineares no GraphMat.

Bloco 2: O telemóvel na minha escola (aula 1).

Bloco 2: aula 2.

14 Janeiro 2005 18 Maio 2005 12 Maio 2005 Aula 4: Cubos, números e sequências.

Bloco 2: aula 2. Bloco 2: aula 3.

12 Maio 2005 1 Junho 2005 16 Maio 2005 Estatística. * Bloco 2: aula 3. Bloco 2: aula 4. 19 Maio 2005 3 Junho 2005 19 Maio 2005 Estatística. * Bloco 2: aula 4. Bloco 2: aula 5. 8 Junho 2005 Bloco 2: aula 5.

O projecto não se desenrolou apenas em torno destas aulas. Na verdade, muitas

planificações de tarefas e de aulas bem como diversos relatos e reflexões tiveram lugar ao longo das

suas reuniões.

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5.2. Reflexões e discussões no grupo

Nesta secção procuro fazer um relato, o mais fiel possível, do que constituíram as reuniões

do projecto. Assim, começo por apresentar os temas centrais das nossas discussões e, na

subsecção seguinte, as reflexões do grupo sobre o trabalho efectuado.

Temas

Vários foram os temas presentes nas nossas discussões. Uns mais directamente

relacionados com a comunicação, e muitos outros que surgiam no contexto das planificações ou

reflexões sobre as aulas. Assim, não pretendendo ser exaustiva, vou percorrer alguns dos que

constaram nos diálogos do grupo e que estiveram presentes, de forma transversal, nas várias

reuniões.

Linguagem matemática. Discussões em torno da linguagem matemática utilizada na sala de

aula, particularmente pelo professor, foram recorrentes desde o início do projecto. O facto da

linguagem ser percebida pelos alunos foi um aspecto recorrente quer a propósito de episódios da

literatura como, e essencialmente, em contexto de reflexão sobre as próprias aulas. Também foi

objecto de discussão recorrente o rigor da sua utilização por parte do professor bem como a forma

como se deve zelar por um rigor cada vez maior por parte dos alunos. Assim, sublinhava-se, por um

lado, a preocupação em “fazer com que [todos] os miúdos percebam” (Carla, TR5). Argumentava-

se, por outro lado, o reconhecimento que a utilização de uma linguagem correcta é necessária: “Se

eu nunca usasse os termos matemáticos correctos, eles nunca iam aprender” (Eva, TR15). Foi

consensual que, sendo o professor visto como o representante, na sala de aula, da comunidade

matemática, precisa de utilizar a linguagem matemática clara e correcta. Eva diz mesmo: “Nós

devemos ser um bocadinho rigorosos na linguagem porque se não formos um bocadinho rigorosos e

não utilizarmos os termos próprios da matemática, eles não avançam no conhecimento, eles estão

sempre a falar numa linguagem muito...” (TR25).

Foi também consensual que ao promover mais momentos de discussão na sala de aula, os

próprios alunos sentem necessidade de utilizar uma linguagem comum para que se entendam

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mutuamente. De outra forma, “se começam a falar e não têm termos para as coisas, cada um

entende uma coisa diferente” (Eva, TR15). Outro aspecto bastante discutido, e que acabou por ser

assumido como essencial na comunicação, foi a necessidade de deixar que o aluno fale livremente,

clarificando a sua visão. Eva reconhece que não nos devemos “prender no aspecto formal” da

linguagem, tendo Carla acrescentado: “pois, se nós estamos sempre a corrigir, a tendência é o

aluno calar-se” (TR15). Mais tarde Eva assume como fundamental ajudar o aluno a melhorar a

linguagem que utiliza: “Obrigar não, mas fomentar que eles usem a linguagem apropriada, não

digam, por exemplo, aquele sinal, digam o nome do sinal” (TR25).

Escrita. Aspectos relacionados com o registo escrito foram dos primeiros a emergir nas

discussões do grupo. A propósito da leitura das normas profissionais (NCTM, 1994), Carla surgiu

com uma proposta: A elaboração de um ‘capítulo de livro’ pelos alunos do 9.º ano que explicasse os

conteúdos da unidade de números reais. Segundo ela, tratava-se de uma oportunidade para

aprofundarem os conhecimentos dessa unidade sobre a qual ainda persistiam muitas dúvidas.

Propôs isso como trabalho de grupo a realizar fora das aulas e entusiasmou Eva a fazer uma

proposta similar aos seus alunos para depois poderem trocar capítulos, entre as turmas.

Passadas duas semanas, na reunião seguinte, Carla surgiu com uma nova ideia já posta em

prática. Propôs aos alunos mais problemáticos que entregassem no início de cada aula um ‘registo

da aula’ anterior onde constasse: o sumário, o que perceberam, as dúvidas, aquilo que após a aula

conseguiram recuperar, a forma como ultrapassaram essas dificuldades e os exercícios que

resolveram (anexando a sua resolução). Os alunos contemplados eram de nível 1 e deles já Carla

tinha quase desistido. Estas duas propostas bem como alguns dos ‘registos de aula’ efectuados

foram objecto de análise nas reuniões.

Outros elementos escritos dos alunos foram objecto de análise como, por exemplo, registos

na realização de tarefas em grupo ou respostas a questões de testes.

Negociação de significados. Associado ao ponto anterior, da linguagem, também se

discutiram muito as questões relacionadas com a negociação de significados. Embora este aspecto

tenha sido falado ao longo das reuniões, importa destacar dois tipos de momentos em que a

discussão se tornou mais profunda: (i) reuniões de análise e reflexão sobre as próprias aulas; e (ii)

reuniões de reflexão sobre o projecto

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Nas reflexões sobre as aulas foram importantes não só os exemplos de episódios onde se

presenciava a negociação de significados como, pelo contrário, aqueles onde a professora, na sua

reflexão, constatava que podia ter dialogado mais com os alunos para conseguir uma maior

percepção dos significados que eles atribuíam a determinados conceitos. Nos próximos capítulos

encontram-se vários exemplos destes momentos de reflexão e discussão.

Nas reuniões de reflexão sobre o projecto, destaco de uma forma particular a reunião de

preparação da entrada de Maria (R15), dado que constituiu um momento de discussão alargada

onde foi possível fazer uma selecção de episódios exemplificativos, bem como a elaboração de um

pequeno texto com alguns termos já trabalhados no grupo e sua definição. Em particular

relativamente à negociação de significados, foi assumido como fundamental um conjunto de

aspectos a ter em conta, que passo a elencar e que ficaram registados no texto elaborado para

Maria:

- Os alunos têm que perceber que os desacordos são normais e essenciais para que ocorra a

aprendizagem. É importante que aprendam a discordar de uma forma construtiva, tendo sempre em conta que se discute as ideias e não as capacidades de cada um.

- Para que possam discordar e justificar as suas opiniões têm que ouvir com atenção as opiniões dos seus colegas.

- Para que se estabeleça a negociação é necessário que nem o professor, nem um bom aluno exerça um domínio sobre os restantes intervenientes. Têm que se aceitar uns aos outros como iguais ou, pelo menos, respeitar mutuamente as diferentes perspectivas. (R15)

Ainda na mesma reunião foi discutido o seguinte texto sobre negociação de significados, e

que passou a fazer parte do material para fornecer a Maria:

Negociação de significados, modo como os intervenientes partilham entre si as formas como

encaram os conceitos e processos matemáticos, os fazem evoluir e ajustar ao conhecimento configurado pelo currículo. A aprendizagem matemática envolve sempre a construção progressiva de um quadro de significados através do qual o aluno evolui na sua apropriação pessoal do conhecimento matemático. O significado matemático é atingido através do estabelecimento de conexões entre a nova ideia e os conhecimentos prévios do sujeito, podendo estes não se restringir ao campo da Matemática. A negociação requer a participação activa dos intervenientes em que cada um torna visível os seus significados. Segundo vários autores a possibilidade da negociação de significados diminui com o aumento do controlo exercido pelo professor sobre a dinâmica da aula, isto porque o significado não é transmitido do professor para o aluno. Por outro lado, também não é construído de uma forma autónoma pelo aluno, é necessário que se estabeleçam interacções entre os alunos e entre alunos e o professor. (R15)

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Comunicação na sala de aula de Matemática: Um projecto colaborativo

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Maria, que das três professoras foi a mais sensível a este aspecto, apresentava muitas vezes

exemplos de episódios das suas aulas a propósito dos quais reflectia sobre a sua capacidade de

negociar com os alunos.

Interacções. O tipo de interacções estabelecidas na sala de aula foi outro tópico que

também esteve presente desde o início do projecto e de forma recorrente. Mais uma vez se sentiu

aqui que os momentos de reflexão sobre as próprias aulas foram os mais produtivos. O recurso a

episódios vividos pelas próprias professoras ajudava a clarificar e consolidar o que para nós se

tornava essencial em termos de interacções.

Em torno deste aspecto foram discutidos alguns textos como, por exemplo, Matos e

Serrazina (1996), Sherin (2002), Alro e Skovsmose (2004) e Araújo (2004). Nem sempre estes

textos eram lidos na totalidade. Por vezes a investigadora organizava uma síntese do artigo ou

seleccionava alguns extractos. Contudo, todas as professoras tinham na sua posse o texto completo,

que era fornecido previamente.

O padrão de interacção I-R-A/S (Introdução- Resposta- Avaliação/Seguimento) a que o grupo

se referia como padrão de sanduíche, segundo a denominação de Stubbs (1987), foi porventura o

mais falado. De facto, todas as professoras sentiam que utilizavam este padrão de uma forma

excessiva. Maria diz: “Pergunto-me. Será inevitável? Será simplesmente difícil?” (TR22). Carla, por

seu turno, manifestou-se bastante favorável às propostas de Marian Sherin (2002) como forma de se

afastar do seu discurso em ‘sanduiche’. Esta autora propõe a organização das aulas de forma cíclica

e estruturada em três fases: criação de ideias, comparação e avaliação dessas ideias e filtragem.

Com as duas primeiras fases o professor estimula a participação dos alunos e a produção de ideias

por parte deles. É necessária alguma habilidade para ‘provocar’ e ‘ouvir’ sem muito envolvimento

visível. A terceira fase constitui uma forma de orientar a aula e garantir a sua produtividade, retoma

aí as questões e retorna à dinâmica da primeira fase.

Questões. Relacionado com o ponto anterior está a análise das questões que o professor

coloca aos alunos. Partimos da classificação de Love e Mason apresentada de forma clara e

organizada em Matos e Serrazina (1996) e em Ponte e Serrazina (2000). Assim, a distinção entre

questões de confirmação, focalização e inquirição esteve presente na análise e reflexão sobre as

aulas dadas por cada uma das professoras. Por vezes não havia consenso na classificação de

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Capítulo 5 – O projecto colaborativo

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determinada questão e por isso a discussão centrava-se na intenção da professora ao colocá-la.

Logo na primeira aula de Carla sentimos a necessidade de classificar um tipo de questões que

surgiram com alguma frequência e que não se enquadravam, do nosso ponto de vista, em nenhuma

das categorias anteriores. Tratavam-se de questões de mera retórica em que a professora respondia

de imediato sem aguardar qualquer resposta. Baptizamos essas questões de pseudo-questões.

É de salientar que apesar de procurarmos discutir todo o tipo de questões que surgiam nas

aulas, a preocupação era essencialmente com a elaboração de questões de inquirição. Estas eram,

de facto, as questões que pretendiamos ter mais presentes ao longo das aulas. A título de exemplo,

vejamos a resposta convicta de Carla à pergunta de Maria sobre se o professor podia dar sugestões:

Pode dar e deve, por exemplo, quando o aluno diz isto é assim por isto assim assim, podemos dizer ‘e com este exemplo também funcionará?’ Desafiar! ‘Também dará nesta situação?’ Perguntas do tipo, se outro do grupo responde de forma diferente, perguntar: ‘o que tu disseste é o mesmo que ele disse?’ (TR16)

Estas preocupações de Carla estão associadas às propostas de Sherin (2002) referidas

acima.

Normas sociomatemáticas. As normas sociomatemáticas foram discutidas em diversos

momentos. Logo na reunião 5, discutiram-se alguns episódios relativos a algumas das normas

propostas por Yackel e Cobb (1998). A análise de cinco episódios propostos pelos autores foi

importante. Cada um aponta para aspectos diferentes: a diferença matemática, a noção de ser

matematicamente válido, tornar o raciocínio dos alunos um tópico explícito de discussão, uma

explicação matemática aceitável e o pensamento focado na explicação. Os dois primeiros foram sem

dúvida, os que mais debates suscitaram.

Curiosamente as professoras eram sensíveis ao que estava em jogo nas normas

sociomatemáticas, mas nunca utilizavam tal termo. Sempre que me referia a estas, Eva pensava

que me estava a referir às publicações das normas profissionais ou curriculares (NCTM, 1991,

1994). Assim, para a reunião 18, resolvi organizar um pequeno texto sobre as normas

sociomatemáticas que foi discutido no grupo. Nessa altura recorreu-se a episódios anteriormente

abordados que se encontravam no dossier de grupo.

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Tarefas. As discussões em relação ao tipo de tarefas propostas aos alunos na sala de aula

estiveram presentes, mais ou menos explicitamente, em muitas reuniões. Efectivamente, para

planificar uma aula era necessário equacionar as vantagens e desvantagens de determinada tarefa,

tendo em conta os objectivos propostos para a sua implementação.

Lembro a este propósito a discussão de uma das aulas de Carla em que esta propôs um

problema e o formulou em alíneas para que assim os alunos, segundo ela, “conseguissem resolver”.

A proposta bem intencionada acabou por provocar uma maior confusão e uma homogeneidade nas

resoluções comprometendo, assim, a discussão final. Esta aula, a que nos referiremos com

pormenor no próximo capítulo, deu origem a uma discussão sobre diferentes tipos de tarefas,

constituindo um marco importante para o percurso do grupo.

A questão das tarefas foi ainda abordada a propósito de um artigo de Araújo (2004) sobre

comunicação na sala de aula de Matemática (R13). A autora salienta a importância da participação

activa dos intervenientes no processo de negociação. Sublinha também a necessidade dos alunos se

sentirem responsabilizados pela própria aprendizagem e estabelece um paralelo entre essa

responsabilização e o tipo de propostas colocadas pelos professores.

Era consensual que tarefas abertas proporcionavam aos alunos um trabalho mais

interessante, com espaço para a criatividade e potenciador da sua autonomia. No entanto, a sua

implementação nem sempre foi fácil. A atitude de defesa das professoras, particularmente as duas

do 3.º ciclo, preocupadas com os conteúdos a cumprir, dificultou a sua exploração tal como todas

desejaríamos.

Ouvir o aluno. Um outro tema importante nas reuniões foi o reconhecimento de que o

professor precisa de ouvir o aluno e zelar para que este também ouça os colegas com atenção.

Apesar de no início do projecto Carla, por exemplo, afirmar que ouvia os seus alunos, na análise de

determinadas aulas foi-se apercebendo que por vezes ouvia apenas aquilo que estava à espera. Eva

constata que é muito difícil prestar atenção a muitos alunos em simultâneo, para além de todos os

outros aspectos a ter em conta numa aula. Por isso mesmo, parecendo à partida evidente e simples

foi sendo desenvolvido ao longo do projecto e discutido a partir de exemplos tanto das aulas

analisadas como de episódios vividos por cada uma das professoras e partilhados no grupo.

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Capítulo 5 – O projecto colaborativo

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Muitos foram os momentos em que este aspecto se discutiu. Tal aconteceu, por exemplo,

logo numa das primeiras reuniões (R4), a propósito de episódios de aula relatados num artigo de

Pirie (1996). Esta autora apontava para a importância do professor ouvir o aluno contextualizando

aquilo que diz e não proferindo afirmações e comentários precipitados. Não havendo consenso

relativamente à atitude do professor explicitada no episódio, esta reunião foi contudo um marco

importante na sensibilização para estes aspectos. A propósito de um outro artigo, de Marian Sherin

(2002), discutiu-se a importância dos alunos se ouvirem mutuamente. Foi discutido, ainda o papel

do professor na orquestração de uma discussão onde os alunos são convidados a fazer

comparações entre as diferentes opiniões e argumentar defendendo e convencendo da veracidade

das suas opiniões.

Importa salientar que todas as professoras sentiram que evoluíram no que diz respeito à sua

capacidade de escuta.

Discussões em grande grupo. Relacionado com o aspecto anterior, foram analisados alguns

episódios e artigos que relatavam situações de discussão em grande grupo. Por exemplo, o artigo

referido acima (Sherin, 2002) propõe um esquema de aula organizado por várias fases em que o

papel do professor se torna fundamental. Nesta proposta o professor deve lançar questões de

orientação mas, por outro lado, colocar-se à margem da discussão ouvindo aquilo que os alunos são

capazes de discutir. Este artigo constituiu um marco importante no grupo (R11). Carla, na

introdução feita a Maria quando esta entrou no grupo, falou com entusiasmo dos aspectos que nele

havia considerado essenciais e nas repercussões que estes podiam ter nas suas aulas. Carla

apresentava uma sensibilidade particular para as discussões em grande grupo.

Ainda em relação a este tópico, foram elencadas algumas dificuldades na sua gestão. Por

exemplo, ao nível do ouvir atentamente os alunos; do conseguir agarrar as situações e colocar

questões e desafios pertinentes; do gerir o tempo e de assegurar a profundidade da discussão.

Trabalho de grupo. Várias foram as planificações feitas que contemplavam o trabalho em

pequeno grupo ou em pares na sala de aula. Este foi visto como facilitador da comunicação entre os

alunos e considerado como uma oportunidade para os alunos discutirem e chegarem a conclusões,

de forma mais autónoma, sem a constante intervenção do professor que, como disse Eva, “Quando

estamos presentes temos tendência a intervir e a rectificar” (TR6). Importa referir que para Eva as

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aulas de trabalho “em grupo [dão] muita confusão” (TR9), preferindo colocar os alunos a trabalhar

aos pares. Discutiu-se, a propósito, a diferença entre ter os alunos a trabalhar em grupo ou a

organização de verdadeiro trabalho de grupo. A título de exemplo, numa das reuniões, Maria falou

do facto dos seus alunos na disciplina de ciências estarem sempre em grupo mesmo que não

necessariamente a fazer trabalho de grupo: “Em ciências trabalham sempre em grupo, não, estão

sentados sempre em grupo; nem sempre trabalham em grupo” (TR18). Esta mesma professora

apontava para a importância de responsabilizar os alunos pelo trabalho feito em grupo.

Ainda em relação aos trabalhos de grupo abordou-se uma preocupação habitual que tem a

ver com a formação dos grupos. Este aspecto foi de novo discutido a propósito de um incidente na

aula de Eva aquando da formação dos grupos. Foi o caso de uma aluna com quem ninguém queria

trabalhar e que provocou uma situação de gestão difícil para a professora e, obviamente,

desagradável para a aluna.

Autoridade. Em diversas reuniões falou-se da autoridade representada pelo professor na sala

de aula e da forma como este exerce essa autoridade. Numa das reuniões onde este aspecto foi

assunto de diálogo, reunião 17, discutiu-se um pequeno texto que organizei na sequência da leitura

de um livro de Alrø e Skovsmose (2002) em que os autores falam das diferentes autoridades

presentes na sala de aula (professor, livro de texto e soluções) e da influência destas na maior ou

menor autonomia dos alunos.

Foi também discutida a autonomia do professor, nomeadamente na relação que estabelece

com o manual e o programa.

Materiais. Algumas aulas planificadas e discutidas no âmbito do projecto envolviam a

utilização de materiais, que, por sua vez, eram analisados e experimentados nas próprias reuniões.

As reuniões decorriam numa sala próxima do laboratório de Matemática o que facilitava o recurso a

materiais manipuláveis, tecnológicos ou mesmo escritos. Muitas foram as situações em que Carla, a

propósito de determinado conteúdo ou dificuldade encontrada, se socorria de materiais para propor

determinada exploração com os alunos. Por sua vez, Maria, aproveitava essas sugestões ou nas

suas turmas ou com os alunos do Apoio Pedagógico.

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Capítulo 5 – O projecto colaborativo

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A utilização de material tecnológico, calculadoras e computadores e o seu impacto na

problemática da comunicação, foi também assunto de diálogo. Quer durante a planificação de aulas,

quer na reflexão que tinha lugar após a aula.

A certa altura chegaram a ser objecto de análise determinados aspectos dos manuais e da

sua utilização. Em relação ao conteúdo, discutiram-se alguns conceitos e sua apresentação e

definição. Foi o caso, por exemplo, da hierarquia dos quadriláteros, definição de prisma,

histogramas e gráficos de barras, entre outros.

Neste elencar de tópicos abordados nas reuniões, poderiam ainda ser referidos aspectos

como a criatividade, a autonomia, a confiança nos alunos, a predisposição para aprender ou ainda a

avaliação. De todos eles se foi alimentando o decorrer deste projecto. No entanto, com esta secção

apenas pretendia dar uma ideia das preocupações presentes no grupo e da forma como elas foram

preenchendo as reuniões de trabalho.

Sobre o próprio trabalho do projecto

Algumas das reuniões de trabalho tinham na agenda a reflexão sobre o andamento do

próprio projecto. Foi o caso da reunião 12 (10 de Dezembro de 2004) e da reunião 25 (11 de Julho

de 2005). Outros houve em que se fez essa mesma reflexão mas sem esta estar previamente

agendada. Foi o caso da reunião 7 (6 de Julho de 2004) que correspondeu ao final do ano lectivo de

2004/05, da reunião 15 (28 de Janeiro de 2005) que antecedeu a entrada de Maria, e da reunião

21 (9 de Maio de 2005) onde se discutiu a divulgação do trabalho realizado no âmbito do projecto.

Essas reflexões tinham o efeito de imprimir ao grupo uma dinâmica nova para as reuniões

seguintes. O facto de cada uma partilhar o que de mais positivo encontrava no trabalho já realizado

ajudava a que se trabalhasse nesse sentido com mais cuidado. Levava também a que se

conhecessem melhor os interesses de cada uma. Por exemplo, na reunião 12 foi apontado por Eva

e Carla a necessidade de planificar mais actividades em conjunto. Ambas constataram a dificuldade

que sentiam em cumprir tarefas que envolvessem ler material fora das reuniões. Por outro lado,

manifestei algum descontentamento relativamente à experiência de fazer sínteses de artigos pois

não dava margem para a diversidade de leitura que tornaria as discussões mais ricas. Estas

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manifestações levaram a que nas reuniões que se seguiram procurássemos levar mais material para

planificar aulas de forma atempada e tendo em conta os aspectos já discutidos até então. Carla, por

seu turno, chegou em Janeiro com a proposta de convidarmos Maria para integrar o grupo o que se

veio a revelar um elemento importante pela sua postura crítica e activa.

Importa sublinhar que na reunião 25, no final do ano lectivo, se fez de forma mais completa

a reflexão acerca daquilo que havia sido realizado ao longo do projecto. Calendarizou-se uma acção

de formação para os professores de Matemática do agrupamento, distribuíram-se tarefas para a sua

preparação e calendarizaram-se reuniões de trabalho na semana anterior à sessão, prevista para

Setembro de 2005.

Maria propôs que o projecto continuasse dado que ainda há pouco tinha começado e a sua

percepção pessoal de que tinha pela frente um grande caminho para percorrer. Carla e Eva

mostraram-se também satisfeitas com a proposta. Manifestei-me disponível para continuar o

projecto embora a recolha de dados tivesse já terminado.

5.3. Reflexão sobre o projecto

Ao longo dos primeiros quatro meses, procurámos criar uma linguagem comum e

estabelecer uma relação de maior proximidade. Já nos conhecíamos mas de uma forma superficial.

Como referi, as professoras Eva e Carla tinham frequentado uma oficina de formação por mim

organizada, o que pode ter contribuído para projectarem em mim um estatuto de formadora dentro

do grupo, estatuto esse que tive alguma dificuldade em contornar. Por outro lado, fazíamos todas

parte de um grupo de professores que se juntavam pontualmente em torno de determinadas

preocupações. Nessa altura, em particular, participávamos numa série de encontros em torno da

utilização das balanças algébricas.

As duas professoras são, como o leitor pode verificar na leitura dos casos respectivos

(capítulo 6 e 7), muito diferentes o que enriquece o trabalho, mas comportou também algumas

complicações que não foram fáceis de ultrapassar. A Carla olha muito para o seu trabalho e pensa

naquilo que eventualmente não fez bem e podia fazer melhor. A Eva, por outro lado, tem mais

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Capítulo 5 – O projecto colaborativo

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tendência para acentuar as dificuldades exteriores ao professor, como por exemplo, dificuldades de

aprendizagem dos alunos, comportamento destes na sala de aula, atitude dos pais, etc. Uma

culpabiliza sempre o professor e a outra procura sempre a sua desculpabilização. Nem sempre foi

para mim óbvia a forma adequada de gerir e interpelar estas duas atitudes. Senti, nomeadamente,

que perdi algumas oportunidades de discutir a sua forma de encarar o papel do professor.

Uma das minhas preocupações iniciais relacionava-se com a forma de me exprimir. A minha

tendência é falar do professor na sala de aula, incluindo-me a mim nesse papel também. Procurava

pensar na minha prática sempre que lia um artigo ou discutia uma aula e isso ajudava-me a

compreender as situações e a falar sobre elas pois não me colocava de fora. No entanto,

questionava-me se esta atitude não corresponderia a uma dificuldade em assumir um papel

diferente dentro do grupo de professoras. Com o tempo esta preocupação foi-se dissipando dado

que me sentia cada vez mais integrada no grupo, sentindo que a minha presença se tornara

completamente natural.

Preocupava-me, porém, a rentabilização do tempo dedicado às reuniões. Procuramos que

em cada reunião ficasse agendado o que se faria na reunião seguinte. Embora se tenha feito quase

sempre o que estava agendado, o tempo realmente ocupado com esses aspectos era apenas uma

percentagem, do meu ponto de vista reduzida, do tempo da reunião. Surgiam sempre assuntos na

discussão relacionados com os alunos, aulas, colegas, exames, escola em geral, preocupações

diversas. Procurei fazer o papel de “concentradora”, dizendo frequentemente, “vamos voltar a …”

ou “isto veio a propósito de …” ou ainda “Olhem, vamos lá!” para tentar voltar ao assunto em

discussão. Este papel era também assumido por Maria e Eva. Esta dispersão, mesmo que

expectável, tornava difícil a realização de uma síntese da reunião e mais tarde a análise de dados.

Ficava por vezes a percepção de que os assuntos ficavam pouco consistentes e as discussão

acabavam por atingir pouca profundidade.

Outro aspecto que me preocupava, era o intervalo de tempo que por vezes decorria entre a

aula e a reunião onde esta era reflectida. Como as reuniões tinham uma periodicidade quinzenal,

por vezes o intervalo tornava-se excessivo prejudicando a reflexão realizada. Procurei, logo após cada

aula conversar com a professora no sentido de perceber as suas impressões da aula e qual ou quais

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os episódios que destacava. Só depois tratava das transcrições e discutíamos esses e outros

episódios da aula, na reunião conjunta.

Importa destacar alguns aspectos que inicialmente dificultaram o funcionamento do grupo e

que, aos poucos, foram ultrapassados: (i) A incompatibilidade de horários, aspecto que, tal como

referi no início deste capítulo, impediu que o grupo inicial funcionasse; apesar de neste segundo

grupo não ter sido impeditivo, foi um factor que introduziu alguma perturbação na dinâmica do

grupo. (ii) Falta de disponibilidade mental durante a reunião devido às preocupações exteriores ao

trabalho do grupo. Por exemplo, preocupações como um filho para ir buscar a determinada hora ou

a necessidade de ir ao supermercado antes do jantar. Ou outras ainda, de carácter profissional,

como a acumulação de testes para corrigir, uma reunião de departamento para preparar, as provas

globais para construir ou uma reunião de um projecto de escola logo a seguir. (iii) Poucos hábitos de

utilização de correio electrónico, o que dificultou a comunicação para além das reuniões presenciais.

Importa apontar o facto de Maria ter sido de todas a que mais evoluiu neste aspecto dado que

começou logo por criar o seu endereço electrónico e passou a usá-lo com alguma regularidade. Eva

e Carla já tinham endereço electrónico, no entanto, a sua frequência de utilização era tão reduzida

que impossibilitava qualquer comunicação. (iv) Pouca disponibilidade para leituras, chegando-se por

vezes às reuniões sem que todos os elementos tivessem lido o material correspondente, mesmo que

em diagonal. Este problema estava associado à falta de disponibilidade mas, sobretudo, à falta de

hábitos.

Este projecto constituiu uma aprendizagem importante para todos os seus elementos. Para

as professoras, foi uma oportunidade para saírem do isolamento que constitui tantas vezes a sua

profissão. Para mim, uma oportunidade de contacto com a realidade escolar e as vivências destas

professoras. Para as professoras, o contacto com a teoria revelou-se importante permitindo que

fundamentassem as suas opções com mais segurança. Para mim, como investigadora, o contacto

com a prática permitiu-me que tivesse uma melhor percepção das dificuldades de implementação

de determinadas propostas, umas associadas à personalidade da professora e outras aos contextos

onde são implementadas.

O facto do projecto continuar, e de continuar por proposta das professoras, foi para mim

motivo de satisfação pois revela que não permaneceram nele por inércia e que para elas aquilo que

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Capítulo 5 – O projecto colaborativo

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foi feito teve porventura uma importância e um alcance maior do que, visto do exterior, se possa

imaginar. Dedico a próxima secção à continuação do projecto.

5.4. Continuação do projecto

Tal como já foi referido, em Julho de 2005 o grupo decidiu continuar a dinâmica iniciada

neste projecto. Logo no início do ano lectivo de 2005/06 estava prevista a organização de uma

acção de formação para professores de Matemática do agrupamento. As primeiras reuniões tiveram

lugar no início de Setembro, quer para a preparação da acção quer para a reflexão posterior. A

última destas reuniões foi também dedicada à programação do trabalho para o ano lectivo que se

seguia. Ponderou-se aí a entrada de Laura, professora do 2.º ciclo que tinha participado na acção e

manifestado interesse em integrar o grupo. A marcação de um tempo comum estava a ser

complicada na medida que os horários estavam muito preenchidos. Importa lembrar que, neste

início de ano lectivo se estava a marcar, pela primeira vez, no horário dos professores uma

componente não lectiva. Maria lembrou-se que podiam tentar a atribuição de um período de, pelo

menos, 90 minutos comum a todas. Carla considerou uma óptima ideia e, logo no momento, foi

com Eva ao conselho executivo sugerir isso mesmo. Ficou assim atribuído um período de dois

blocos lectivos (90 minutos) comum às quatro professoras para possibilitar a continuação do

projecto.

De então para cá o grupo continuou a reunir, agora com uma periodicidade semanal e com

mais uma professora. Para além de mim, participaram, a partir desse momento, duas professoras

do 2.º ciclo e duas do 3.º ciclo. O grupo continuou com um registo semelhante ao que tinha sido o

seu até ali. A planificação de tarefas e aulas foi reforçada tendo em conta a reflexão que havia sido

feita no final do ano lectivo anterior. Assim, a leitura de documentos e respectiva discussão, a

análise de aulas das próprias professoras, e a planificação de aulas preencheram as horas de

trabalho do grupo. O dossier organizado pelo grupo passou a estar disponível num armário da escola

para consulta de todos os professores do departamento.

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Sendo semanal a periodicidade das reuniões, tornou-se mais notório o apoio que o grupo

representava para as professoras: além do mais era um momento onde muitos assuntos confluíam

e preocupações vinham à tona nas discussões. Naturalmente, as reuniões não rendiam todas de

igual modo, por vezes a dispersão era grande, mas, apesar disso, constituía um espaço de trabalho

e, regularmente, o seu próprio funcionamento era assunto de discussão, o que permitia uma

reorientação dos objectivos. Importa referir que apesar do projecto contar com 90 minutos

semanais, como esse era o último tempo da tarde, raras foram as vezes em que não se excederam

as duas horas de trabalho.

De igual modo, no final do ano lectivo foi programada a continuação do projecto para o ano

seguinte. Foi avaliado consensualmente o valor que este espaço de discussão tinha para a evolução

de cada uma. Reconheceu-se, também, que as mudanças que se pretendem implementar requerem

um processo de maturação para que sejam estáveis. Valorizou-se, ainda, a preocupação em apoiar

as colegas em cada momento, razão pela qual, por vezes, se descuravam os assuntos agendados e

se abraçavam outros sentidos mais urgentes. No capítulo 9, encontra-se informação mais

pormenorizada sobre esta fase de continuação do projecto, em particular são fornecidos exemplos

de tarefas programadas e analisadas neste novo ciclo de reuniões.