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BÁRBARA DE OLIVEIRA LOPES O PAPEL DO JORNALISTA NO JORNALISMO COLABORATIVO: ESTUDO DO CASO DO BLOG DO NASSIF UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO (UNINOVE) COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO SÃO PAULO – 2008

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TCC de Bárbara de Oliveira Lopes

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BÁRBARA DE OLIVEIRA LOPES

O PAPEL DO JORNALISTA NO JORNALISMO COLABORATIVO: 

ESTUDO DO CASO DO BLOG DO NASSIF

UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO (UNINOVE)COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO

SÃO PAULO – 2008

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BÁRBARA DE OLIVEIRA LOPES

O PAPEL DO JORNALISTA NO JORNALISMO COLABORATIVO: 

ESTUDO DO CASO DO BLOG DO NASSIF

Trabalho de conclusão de curso apresentado como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em   Comunicação   Social   com   habilitação   em Jornalismo   pela   Universidade   Nove   de   Julho   – Uninove.

Orientadora: Profa. Patrícia Quevedo Kay

UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO (UNINOVE)COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO

SÃO PAULO – 2008

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RESUMO

O papel  do jornalista no jornalismo colaborativo: Estudo do caso do Blog do 

Nassif. O objetivo deste trabalho é fazer um estudo da interação entre jornalista e leitores no 

blog   mantido   por   Luis   Nassif.   Por   meio   da   análise,   descobriu­se   que   os   leitores   são 

convidados a participar das coberturas e sua participação é incentivada com a publicação de 

textos de leitores na área principal do blog e do elogio público a essa participação. Nassif 

também compartilha com os leitores a observância pelas regras da comunidade. A análise teve 

como base o estudo do jornalismo colaborativo e  suas   implicações  em conceitos  teóricos 

como gatekeeping e agenda setting. Com isso, observa­se que esses conceitos não funcionam 

da mesma maneira na internet, por esta ser um ambiente em que não há escassez de espaço, 

como em meios impressos ou de tempo, como em meios eletrônicos (rádio e televisão). 

Palavras­chave: jornalismo colaborativo, internet, conteúdo gerado por usuários.

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Para o Gustavo, minha força e minha inspiração

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SUMÁRIO

Introdução............................................................................................................................ 51. A internet e a contracultura............................................................................................ 7

1.1. Aspectos técnicos..................................................................................................... 81.1.1. O computador........................................................................................................ 81.1.2. A internet............................................................................................................ 101.2. Implicações culturais............................................................................................. 121.3. Trabalho colaborativo............................................................................................ 15

2.  Do jornalismo pessoal ao jornalismo colaborativo..................................................... 172.1. Origens................................................................................................................... 172.2. Jornalismo alternativo na internet......................................................................... 182.3. Tipos e funções da participação............................................................................ 232.4. Implicações para o jornalismo tradicional…........................................................ 26

3. O Blog do Nassif.......................................................................................................... 293.1. Biografia................................................................................................................ 293.2. O Blog e a participação dos leitores...................................................................... 293.3. O Blog, a mídia e a internet................................................................................... 313.4. Cobertura do acidente da TAM............................................................................. 323.5. Conclusão.............................................................................................................. 35

Bibliografia........................................................................................................................ 37

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INTRODUÇÃO

A discussão sobre quem é e o que faz um jornalista não é nova. Isso porque a matéria­

prima do jornalismo, a notícia, é, em última análise, de difícil definição, objeto de estudo de 

incontáveis pensadores.  A notícia separa­se da informação em geral apenas por um limite 

muito tênue, e mesmo este por vezes desaparece. A multiplicidade de papéis do jornalista no 

mercado de trabalho e a defesa aguerrida que a categoria faz da restrição dessas atividades a 

profissionais credenciados tornam essa uma questão complexa – ainda mais levando­se em 

conta que o jornalismo sempre conviveu com produções feitas por amadores, militantes de 

determinada causa ou aficionados por determinado assunto. 

A   complexidade   aumenta   com  o   advento  da   internet   e   a   entrada   em  cena   novos 

modelos de produção e difusão de informações. O trabalho colaborativo no desenvolvimento 

de programas de computador e na criação de fóruns sobre variados assuntos, que acompanha 

a internet desde sua criação, no começo deste século chegou ao jornalismo. O jornalismo 

colaborativo ou participativo ganhou densidade e atenção pública com o material produzido 

por usuários após os atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. 

O   crescimento   do   jornalismo   colaborativo   coincidiu,   também,   com   crescentes 

questionamentos   sobre   a   indepedência   dos   meios   tradicionais.   Redações   cada   vez   mais 

enxutas   e   a   concentração   das   empresas   jornalísticas   em   poucos   grandes   conglomerados 

acenderam discussões sobre a qualidade do serviço prestado e sobre a democratização da 

imprensa.

Este novo contexto representa um desafio e uma oportunidade para o jornalista. Ele 

passa  a   ter   a  disposição  ferramentas   inéditas   até   então,  porém precisa  desenvolver  novas 

habilidades para se sobressair. A participação dos leitores, que passam a ser colaboradores, 

co­autores, é mais uma chance de enriquecer o trabalho do jornalista que uma ameaça a sua 

profissão.

Neste  trabalho,  decidimos analisar  o blog do renomado jornalista  Luis Nassif  para 

descobrir quais habilidades novas estavam sendo colocadas em prática. Nassif, que construiu 

sua  carreira  na  grande  imprensa,   também sempre manteve um olhar  crítico  em relação à 

cobertura  da  mídia   em casos  polêmicos.  Sua  adesão  ao   formato  blog,   em 2006,   já   veio 

acompanhada do convite à participação dos leitores. Restava saber se isso se deu, e de que 

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forma.

Para descobrir, após uma leitura dos arquivos do Blog do Nassif, coletamos textos que 

têm como assunto a  participação dos  leitores,  comentários  sobre a  mídia  tradicional  e  os 

novos meios que surgem. Esta compilação, que pode ser consultada no Anexo I,  permitiu 

traçar   um   retrato   da   relação   que   o   jornalista   estabeleceu   com   seu   público.   Além   disso, 

decidimos analisar a cobertura de um caso específico: o acidente com o vôo 3054, da TAM, 

em julho de 2007. Tratava­se de um caso difícil, pela necessidade de conhecimentos técnicos 

de aviação e pela politização por que a investigação passou em alguns momentos. Reunimos 

os posts sobre o acidente publicados em julho e agosto de 2007 no Anexo II. 

Para dar embasamento teórico à  nossa análise,  que forma o terceiro capítulo deste 

trabalho, resolvemos estudar o surgimento da internet e sua relação com os ideais libertários 

da   contracultura,   no   primeiro   capítulo.   O   segundo   capítulo   traz   um   breve   panorama   do 

jornalismo não como empresa, mas como exercício da liberdade de expressão, antes e depois 

da   internet.  Também no  segundo  capítulo,   trazemos  a   contribuição  de  alguns  autores  no 

tocante a conceitos teóricos da área de comunicação dentro do novo contexto. 

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1. A INTERNET E A CONTRACULTURA

“Estamos criando agora um espaço no qual o povo do planeta pode ter um 

novo tipo de relacionamento: quero poder interagir totalmente com a consciência que 

está tentando se comunicar comigo”.

John Perry Barlow, músico e fundador da Electronic Frontier Foundation 

(apud CASTELLS, 1999, p. 443)

A   internet   como   é   hoje   existe   pelo   encontro   de   dois   grupos   aparentemente 

antagônicos:  hippies  e militares. Mas a verdade é que nos anos 1960 e 1970, as principais 

universidades americanas eram o ponto de convergência de ambos, especialmente na busca 

pela inovação. A contracultura teve um papel­chave para o modelo de  comunicação mediada 

por computadores, que por sua vez possibilitou a existência de novos modelos de jornalismo, 

como o jornalismo colaborativo.

Desde   o   advento   da   internet,   muitos   estudiosos   vêm   se   entusiasmando   com   as 

mudanças   e   o  potencial   de  mudanças   trazidos  pelas   novas   tecnologias.  Para  muitos,  é   a 

realização de fato do conceito de aldeia global de McLuhan, inicialmente desenvolvido para 

explicar a transformação no universo da comunicação causada pela televisão. McLuhan foi o 

principal teórico a enfatizar que as mudanças tecnológicas – como a invenção da escrita ou da 

imprensa – trazem mudanças cognitivas para a sociedade. A teoria da mídia, que tinha pouco 

crédito nos  meios  acadêmicos nos  anos  1980,  principalmente por  sua falta  de ênfase nos 

aspectos sociopolíticos, ganhou novo fôlego ao ser adaptada para o estudo da era digital.

É dentro dessa perspectiva que diversos autores vêm apontando a importância da era 

digital, como algo que tem impacto mesmo sobre quem não está diretamente envolvido. "Esse 

[a revolução da tecnologia da informação] é (...), no mínimo, um evento histórico da mesma 

importância   da   Revolução   Industrial   no   século   XVIII,   induzindo   um   padrão   de 

descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura” (CASTELLS, 1999, p. 

68).

Diferentemente da televisão, que se constitui basicamente como uma via de mão única, 

a internet trouxe como seu principal ganho a comunicação multidirecional, estabelecendo, de 

fato, uma teia.

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O que torna a  internet   tão  interessante? Dizer  que ela é   'anarquista'  é  um modo 

grosseiro e falso de apresentar as coisas. Trata­se de um objeto comum, dinâmico, 

construído,  ou pelo menos  alimentado  por  todos que o utilizam.  Ele  certamente 

adquiriu esse caráter de não­separação por ter sido fabricado, ampliado, melhorado 

pelos informatas que a princípio eram seus principais usuários. Ele faz uma ligação 

por ser ao mesmo tempo o objeto comum de seus produtores e de seus exploradores. 

(LÉVY, 1996, p.  128­9)

Embora aspectos técnicos e culturais ocorram simultaneamente, optamos por tratá­los 

em tópicos separados, para preservar a cronologia e aprofundar o estudo de ambos.

1.1. ASPECTOS TÉCNICOS

1.1.1. O computador

A inovação se  tornou um fator  chave para  o  Departamento de Defesa do governo 

americano a partir da Segunda Guerra. Um dos pontos estratégicos era a decodificação de 

mensagens inimigas e a elaboração de modelos de criptografia, além do desenvolvimento de 

armas ­ que chegou à bomba atômica. Castells se refere a Segunda Guerra como "a mãe de 

todas as tecnologias" (1999, p. 78). A divisão do mundo após o fim do conflito continuou 

impulsionando as pesquisas militares e, mais que isso, ampliando os campos de interesse das 

forças armadas. Com a Guerra Fria, a competição com os soviéticos deixou de ser apenas de 

poder bélico, mas também uma disputa pelos corações e mentes de todo o mundo.

Em fevereiro de 1946, seis meses após o fim da Segunda Guerra, com patrocínio das 

forças   armadas,   uma   equipe   da   Universidade   da   Pensilvânia   desenvolveu   o   primeiro 

computador  para uso geral,  o  ENIAC (Computador  e  Integrador  Numérico Eletrônico,  na 

sigla   em   inglês).   O   desenvolvimento   da   máquina   havia   começado   em   1943.   O   Exército 

investiu 500 mil dólares nas pesquisas, com o objetivo de ter uma ferramenta para cálculos 

balísticos.  O ENIAC pesava  30   toneladas  e  ocupava uma área  de  180 metros  quadrados. 

Quando foi acionado, seu consumo de energia foi tão alto que as luzes da Filadélfia piscaram.

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Em   1947,   físicos   da   empresa   Bell   Laboratories,   em   Nova   Jersey,   inventaram   o 

transistor ­ o ENIAC utilizava válvulas a vácuo. A fabricação do transistor passou a ser feita 

com silício em 1954, com o feito creditado à Texas Instruments. A empresa patenteou, três 

anos  mais   tarde,  o  Circuito   Integrado,  que  permitia   a   integração  de  diversos   transistores 

miniaturizados  em um chip.  Um dos   inventores  era  Robert  Noyce,   fundador  da  Fairchild 

Semiconductors e, mais tarde, da Intel, ambas no Vale do Silício, na Califórnia.

A Fairchild passou, em 1959, a utilizar o processo plano para a fabricação de circuitos 

integrados. "Em apenas três anos, entre 1959 e 1962, o preço dos semicondutores caiu 85% e a 

produção   aumentou   vinte   vezes,   sendo   que   50%   dela   foi   destinada   a   usos   militares" 

(CASTELLS,   1999,   p.77).   Essa   tendência   de   barateamento   do   processamento   em 

computadores foi descrita por outro co­fundador da Intel, Gordon E. Moore, em um artigo de 

1965. Ele afirma que o número de transistores que podem ser colocados em um circuito pelo 

mesmo custo cresce exponencialmente e dobra a cada dois anos. A afirmação ficou conhecida 

como Lei de Moore. O preço médio de um circuito integrado caiu de 50 dólares em 1962 para 

1 dólar em 1971. A mudança do coração das inovações em microeletrônica para o Vale do 

Silício acabaria se consolidando ao longo dos anos seguintes.

Foi   na   década   de   1970   que   "as   novas   tecnologias   da   informação   difundiram­se 

amplamente,   acelerando   seu   desenvolvimento   sinérgico   e   convergindo   em   um   novo 

paradigma" (CASTELLS, 1999, p. 76). Em 1971, o engenheiro da Intel Ted Hoff inventou o 

microprocessador. Em 1975, o engenheiro Ed Roberts, da fabricante MITS, no Novo México, 

criou uma "caixa de computação", batizada de Altair. A máquina era vendida em kits pelo 

correio,   por   meio   de   anúncios   em   revistas   voltadas   para   aficionados   por   eletrônica.   A 

expectativa da MITS era de vender apenas algumas centenas de exemplares, mas apenas no 

primeiro mês, milhares de unidades foram vendidas. O Altair foi a fagulha que acendeu o 

estopim   da   revolução   do   computador   pessoal   nos   anos   seguintes.   Seu   design   serviu   de 

inspiração para o Apple I e, posteriormente, para o Apple II.

A história da Apple acabou se tornando uma das lendas do Vale do Silício. Fundada 

em 1976, com capital de 91 mil dólares, a empresa atingiu, em 1982, a marca de mais de 500 

milhões de dólares em vendas. Em 1981, a IBM (que nos anos 1950 também havia recebido 

patrocínio militar) lançou uma máquina com o nome de Computador Pessoal (PC, na sigla em 

inglês), que se tornaria o nome genérico do microcomputador. Como o PC foi desenvolvido 

com base em tecnologias desenvolvidas para a IBM por terceiros, ficou sujeito à clonagem, 

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que logo foi praticada em escala maciça, especialmente na Ásia. Embora tenha sido um golpe 

para a IBM, isso permitiu a popularização do PC em lugar dos computadores da Apple. Em 

1984, a Apple lança o Macintosh, o primeiro computador a usar mouse e interface gráfica, 

baseado, pelo menos parcialmente, em pesquisas que a Xerox fazia na época.

O Altair também acendeu o entusiasmo de dois estudantes da Harvard, Bill Gates e 

Paul Allen. Eles apresentaram para a MITS uma implementação da linguagem BASIC para o 

Altair.  Quando a companhia aceitou a proposta, Gates abandonou a faculdade e mudou­se 

para o Novo México e lá fundou a Microsoft.

Nas  últimas  décadas,  os  computadores  aumentaram  incrivelmente  a  capacidade  de 

processamento, armazenamento e memória, em uma escala que pode ser descrita de acordo 

com   a   Lei   de   Moore.   Por   trás   disso,   está   uma   das   características   mais   importantes   da 

revolução da informação: sua capacidade de se realimentar. Segundo Castells, o custo médio 

do  processamento   da   informação   caiu   de   aproximadamente   US$  75   por   cada   milhão  de 

operações, em 1960, para menos de um centésimo de centavo de dólar em 1990. A tecnologia 

e   o   design   para   fabricação   de   computadores   passaram   a   ser   aperfeiçoados   pelo   uso   de 

computadores.

O   que   caracteriza   a   atual   revolução   tecnológica   não   é   a   centralidade   de 

conhecimentos   e   informação,   mas   a   aplicação   desse   conhecimento   e   dessa 

informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/ 

comunicação   da   informação,   em   um   ciclo   de   realimentação   cumulativo   entre   a 

inovação e seu uso. (CASTELLS, 1999, p. 69)

É também o que Lévy caracteriza como "máquina darwiniana".

Os sistemas darwinianos apresentam uma capacidade de aprendizagem não­dirigida 

ou   (o  que  dá   no  mesmo  do  ponto  de  vista  de  uma   teoria  do   espírito)  de  uma 

capacidade de autocriação contínua. (...) As máquinas darwinianas arrastam consigo 

seus ambientes no caminho de uma história irreversível. (LÉVY, 1996, p. 102)

1.1.2. A internet

Além do desenvolvimento de hardware e software, a internet também é resultado de 

avanços   em   telecomunicações   e   em   optoeletrônica   (o   uso   de   cabos   de   fibra   ótica   para 

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transmissão de dados).

Em 1969, a Agência de Projetos de Pesquisas Avançadas (ARPA, na sigla em inglês), 

do   Departamento   de   Defesa   dos   Estados   Unidos,   lançou   o   projeto   de   uma   rede   de 

comunicação que fosse invulnerável a ataques nucleares. Vale lembrar que a experiência da 

Segunda Guerra havia mostrado a   importância de um meio de comunicação segura como 

estratégia bélica. O modelo escolhido utilizava a troca de pacotes de dados e um sistema em 

que não houvesse um comando central. Cada ponto da rede poderia se comunicar diretamente 

com outro e com mais de um ponto ao mesmo tempo. Em uma rede com um servidor ou 

comando central,  um ataque  inimigo que  atingisse  esse  centro  derrubaria   toda  a   rede.  O 

sistema de comutação de pacotes de dados era um novo conceito na época ­ o comum então 

era a comutação de circuitos, como na comunicação telefônica.

Batizada de ARPANET, estabeleceu seus  primeiros  quatro nós  na Universidade da 

Califórnia em Los Angeles, no Stanford Research Institute, na Universidade da Califórnia em 

Santa   Bárbara   e   na   Universidade   de   Utah.   "Estava   aberta   aos   centros   de   pesquisa   que 

colaboravam com o Departamento de Defesa dos EUA, mas os cientistas começaram a usá­la 

para suas próprias comunicações, chegando a criar uma rede de mensagens entre entusiastas 

de ficção científica”. (CASTELLS, 1999, p. 83)

Em   1971,   Ray   Tomlinsom,   um   programador   da   BBN,   empresa   contratada   pelo 

Departamento de Defesa, desenvolveu e mandou a primeira mensagem eletrônica. Esse tipo de 

comunicação rapidamente se difundiu: em 1973, 75% do tráfego da ARPANET eram e­mails. 

Em 1973, um novo serviço foi incorporado, a transferência de arquivos, via FTP (Protocolo de 

Transferência de Arquivos, na sigla em inglês).

O crescimento da rede foi rápido. Em setembro de 1971, a rede contava com 15 nós e 

23 hosts conectados à ARPANET, em universidades e centros de pesquisa do governo. Nesse 

ano,   com a   rede  bem estabelecida,   a  ARPA  transferiu   a   operação  da  ARPANET para   a 

Agência de Comunicações do Departamento de Defesa. Em 1983, com 213 nós, a parte militar 

da rede foi desmembrada, formando a MILNET. 

Um dos  usos  mais  populares  da   internet  começou a  ser   feito  no  ano seguinte:  os 

grupos de discussão. Também passam a ser registrados os primeiros domínios (endereços na 

internet). Os primeiros chats, do IRC, datam de 1988.

Porém vem de 1991 um dos marcos mais importantes. Uma equipe do Centro Europeu 

de Pesquisa Nuclear (CERN, na sigla em francês), liderada por Tim Berners Lee, criou a 

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WWW – world wide web, rede de alcance mundial – um aplicativo que organizava os sites de 

acordo com sua informação. 

Não montaram a  pesquisa  na  tradição  da ARPANET, mas com a contribuição da 

cultura dos  hackers  da década de 1970. Basearam­se parcialmente no trabalho de 

Ted Nelson que, em seu panfleto de 1974, 'Computer Lib', convocava o povo a usar o 

poder dos computadores em benefício próprio. Nelson imaginou um novo sistema de 

organizar   informações   que   batizou   de   'hipertexto',   fundamentado   em   remissões 

horizontais. (CASTELLS, 1999, p.88)

O CERN distribuiu gratuitamente o software WWW. Ele foi fundamental para fazer 

com que a internet saísse dos ambientes acadêmicos e técnicos e atingisse o grande público. 

Ao longo dos anos 1990, estima­se que a internet tenha dobrado de tamanho a cada 

ano,  com exceção de  1996 e  1997,  que  tiveram um crescimento ainda mais  explosivo.  A 

segunda metade da década também marca a descoberta da rede por empresas de todos os 

tamanhos, que passaram a investir no potencial da internet. Ações de empresas de internet 

tiveram enorme valorização em bolsas de valores. Essa “corrida pelo ouro” acabou não se 

mostrando   sustentável   com  o   estouro   da   chamada   “bolha   ponto­com”,   em  2001,   quando 

diversas empresas foram à falência.

Em meados dos anos 2000, passam a ocupar lugar de destaque  sites  que oferecem 

ferramentas para que os usuários possam personalizar e publicar conteúdos. Essa categoria de 

sites foi agrupada sob o rótulo de Web 2.0. 

1.2. IMPLICAÇÕES CULTURAIS

O desenvolvimento da internet correu simultaneamente à  revolução nos costumes e 

com a convergência geográfica para a Califórnia.

Enquanto empresas grandes e bem estabelecidas do leste eram rígidas (e arrogantes) 

demais para reequipar­se constantemente com base em novas fronteiras tecnológicas, 

o Vale do Silício continuou produzindo muitas novas empresas e e praticando troca 

de   experiências   e   difusão   de   conhecimentos   por   intermédio   da   rotatividade   de 

profissionais e de cisões parciais. Conversas noturnas em bares e restaurantes, como 

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o Walker's Wagon Wheel Bar e o Grill in the Mountain View, fizeram mais pela 

difusão da   inovação   tecnológica  que   a  maioria  dos   seminários  de  Stanford.   (...) 

Outro fator importante da formação do Vale do Silício foi a existência de uma rede 

de empresas de capital de risco desde o início. (CASTELLS, 1999, p. 101­ 102).

Com isso, técnicos e engenheiros ganhariam a vizinhança de escritores, artistas em 

geral e de hippies de todo o país, que convergiram para a Califórnia. Já no século XIX, por 

sua   localização  e   com a  corrida  pelo  ouro  e  o   estabelecimento  de  diversas   indústrias,  o 

condado de São Francisco abrigava um grande número de imigrantes, especialmente latinos e 

asiáticos   (o  bairro  de  Chinatown se   formou  por  volta  de  1850),   criando  ali   uma  cultura 

poliglota. Desde os anos 1940, a Universidade da California em Berkeley abrigava poetas de 

vanguarda, como Kenneth Rexroth, Madeline Gleason e Robert Duncan. Foi também entre 

meados da década de 1940 e a década de 1960 que começou a aparecer a Geração Beat, como 

ficou conhecido o grupo de escritores, incluindo Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. 

Burroughs,   que   desafiava   os   valores   americanos   tradicionais,   se   interessava   por 

experimentações com drogas e pela espiritualidade oriental. A realização de leituras e festivais 

fez com que o período ficasse conhecido como Renascença de São Francisco e começasse a 

consolidar a imagem da região como centro da contracultura.

Em 1967, dois anos antes da criação da ARPANET, São Francisco havia sido palco do 

chamado "Verão do Amor", que reuniu cerca de cem mil jovens de todos os Estados Unidos. 

Essa concentração foi crucial  para a visibilidade do movimento  hippie.  A cidade já  era o 

epicentro da contracultura, onde fervilhavam música, drogas psicodélicas, liberdade sexual e 

revolta política. O ano de 1968 ficou marcado pelos protestos jovens ao redor do mundo.

Nos EUA, as contradições da Guerra do Vietnã davam lugar a um forte movimento 

de resistência pacifista. A deserção e a desobediência civil assumiam dimensões de 

radical   atitude   política.   Surgia   uma   Nova   Esquerda   valorizando   o   domínio   da 

problemática pessoal ou de lutas tidas como secundárias ­ a liberação sexual, a luta 

dos   negros,   das   mulheres,   as   reivindicações   minoritárias.   Bob   Dylan,   Allen 

Ginsberg,   Black   Panthers...   novos   símbolos   e   formas   culturais   tomavam   corpo, 

expressando   aquilo   que   Herbert   Marcuse,   filósofo   de   cabeceira   da   nova 

intelligentsia, chamou de a Grande Recusa. (HOLLANDA, GONÇALVES, 1982, p. 

69)

Pierre Lévy cita um exemplo de como contracultura e tecnologia se conectaram na 

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época:

O movimento social californiano Computers for the People quis colocar a potência 

do cálculo  dos computadores  nas  mãos dos  indivíduos  ,   liberando­os  ao  mesmo 

tempo da tutela dos informatas. Como resultado prático desse movimento "utópico", 

a partir do fim dos anos 70 o preço dos computadores estava ao alcance das pessoas 

físicas,   e   neófitos   podiam   aprender   a   usá­los   sem   especialização   técnica.   O 

significado social da informática foi completamente transformado. (LÉVY, 1999, p. 

125)

Stewart   Brand   é   um   escritor   que   ficou   conhecido   pelos   catálogos   Whole   Earth, 

publicados duas vezes por ano entre 1968 e 1972, com outras edições eventuais até 1998. O 

objetivo   era   catalisar   a   emergência   de   um   domínio   de   poder   pessoal,   por   meio   da 

disponibilização de tecnologias simples para indivíduos interessados em criar comunidades 

sustentáveis ­ as comunidades hippies que pipocaram nos Estados Unidos nesse período.

“Os revolucionários do computador pessoal eram a contracultura”, [Stewart] Brand 

me lembrou (...). O co­fundador da Apple Steve Jobs viajou para a Índia em busca 

de iluminação; o fundador e desenvolvedor do Lotus 1­2­3, Mitch Kapor, havia sido 

um professor de meditação transcendental. Eles eram cinco ou dez anos mais novos 

que os hippies,  mas eles  vieram do mesmo zeitgeist  dos anos 1960,  e adotaram 

muitas das idéias de libertação pessoal e iconoclastia. (RHEINGOLD, 1994,cap.2)

Steve Jobs, fundador de uma das mais importantes empresas de tecnologia até hoje, a 

Apple,   compara  os   catálogos  Whole  Earth  a   uma   espécie   de  Google   em papel,   em  um 

discurso em uma cerimônia de formatura na Universidade de Stanford: 

Quando eu era jovem, havia uma publicação  incrível chamada  The Whole Earth 

Catalog,   que   foi   uma   das   bíblias   da   minha  geração.   Foi   criada  por  um  sujeito 

chamado Stewart Brand perto daqui em Menlo Park, e ele a trouxe à vida com seu 

toque poético.   Isso foi  no fim dos anos 1960,  antes  de computadores  pessoais  e 

publicação   informatizada,   então   era   feita   com   máquinas   de   escrever,   tesouras   e 

câmeras  polaróide.  Era uma espécie  de  Google em papel,  35 anos de o Google 

existir: era idealista, e repleta de dicas elegantes e grandes idéias. (JOBS, 2005)

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1.3. TRABALHO COLABORATIVO

Um dos  usos  da   internet  é   facilitar  o   trabalho  colaborativo entre  equipes  que  não 

necessariamente mantêm contato pessoal,  ou que estão distantes geograficamente. Os dois 

maiores exemplos deste tipo de trabalho são o movimento software livre e o desenvolvimento 

da enciclopédia virtual Wikipedia.

Softwares  livres   são   aqueles   que   podem   ser   usados,   estudados,   modificados   e 

redistribuídos   sem   restrições   (ou   com   poucas   restrições)   de   direitos   autorais.   Além   do 

programa em si, o usuário pode acessar seu código­fonte, algo como a receita do programa. 

Os direitos autorais passaram a se aplicar também a programas de computador em 

1980. A caixa­preta fechada dos softwares começou a incomodar programadores, entre eles 

Richard  Stallman,  que  então  trabalhava  no  Laboratório  de   Inteligência  Artificial  do  MIT 

(Massachusetts Institute of Technology). Em 1983, Stallman anunciou o Projeto GNU, para o 

desenvolvimento de um sistema operacional livre através da contribuição em massa. Ele criou 

o termo “software livre” e, em 1986, a ONG Fundação Software Livre. Além da programação, 

as atividades da fundação estão voltadas para o ativismo.

Em 1988, foi publicada a Licença Pública Geral GNU, uma alternativa aos direitos de 

propriedade intelectual. Foi sob essa licença que Linus Torvalds publicou, em 1991, um dos 

programas essenciais para o sistema operacional sonhado por Stallman. Surgia assim o Linux 

(ou GNU/Linux). 

O fator   significativo  no  êxito  do  Linux  foi  seu  interminável  aprimoramento   em 

conseqüência da contribuição de milhares de usuários, que descobriam novos usos e 

aperfeiçoavam   o  software,   depois   divulgando   esses   aperfeiçoamentos   na   Rede, 

gratuitamente,   retribuindo   assim   o   presente   técnico   que   haviam   recebido.   Esse 

esforço   constante   e   multifacetado   para   melhorar   a   comunicabilidade   da   rede 

constitui um notável exemplo de como a produtividade de cooperação tecnológica 

através da rede acabou por aperfeiçoá­la. (CASTELLS, 1999, p.441)

   O Linux possui uma fatia de mercado atualmente em cerca de 1%, o bastante para 

incomodar a Microsoft, que tem hegemonia nesta área com o Windows. Além disso, o sucesso 

do Linux inspirou o desenvolvimento de outros programas livres, como o navegador Mozilla 

Firefox, que detém mais de 20% de seu mercado. 

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Seguindo a mesma filosofia, foi criada, em 2001, a Wikipedia. Fundada por Jimmy 

Wales   e   Larry   Sanger,   também   sob   uma   licença   que   previa   livre   uso,   modificação   e 

redistribuição.  A enciclopédia criada por  eles  utiliza o  software wiki,  que possibilita  que 

qualquer   pessoa   edite   o   material   ou   publique   novas   páginas.   Porém,   as   mudanças,   as 

diferentes versões de cada verbete ficam armazenadas para consulta, com indicação de quem 

fez a alteração. 

No final de 2001, a Wikipedia já tinha 20 mil artigos, em 18 idiomas. Atualmente, há 

edições em 161 idiomas. A edição em inglês da enciclopédia superou a marca de 2,6 milhões 

de verbetes. A versão em português possui cerca de 445 mil artigos. O medidor de audiência 

na internet Alexa colocou a Wikipedia entre os quinze sites mais populares. Outra medida de 

seu sucesso é o volume de doações arrecadadas, que sustentam um orçamento estimado em 

quase 6 milhões de dólares no biênio 2008/2009. 

Para   lidar   com   as   preocupações   sobre   a   confiabilidade   dos   artigos,   a   Wikipedia 

desenvolveu um modelo de comunidade, que pode indicar se um artigo sofre de parcialidade 

ou carência  de  citações,  ou  até  mesmo fechar  a  edição de  verbetes   relacionados  a   temas 

polêmicos do noticiário. Em comparação com a tradicional Enciclopédia Britânica, a revista 

cientfíca Nature encontrou um nível similar de acuracidade. 

Também tornou­se um modelo para outros empreendimentos colaborativos. A “família 

Wikimedia” conta com um dicionário (Wiktionary), um canal de notícias (Wikinews), uma 

biblioteca de livros virtuais (Wikibooks), entre outros projetos. 

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2. DO JORNALISMO PESSOAL AO JORNALISMO COLABORATIVO

“Não retrate a comunidade. Seja a comunidade”.

Tim Porter, escritor1

2.1. ORIGENS

Ao   lançarmos   um   olhar   sobre   a   história   da   imprensa,   percebe­se   que   a 

profissionalização e a institucionalização nunca foram absolutas. A onipresença dos grandes 

jornais,  do rádio e da televisão podem ofuscar um pouco esta  realidade,  mas publicações 

alternativas   têm   estado   presentes   em   todos   os   momentos,   especialmente   durante   crises, 

situações de instabilidade política, tragédias, etc.

Em   seu  Nós,   os   Media,   Dan   Gilmor   narra   como   panfletos   contribuíram   para   a 

independência e formação dos Estados Unidos. “Nos finais do século XVIII, um dos nossos 

primeiro   panfletários,   Thomas   Paine,   inspirou   muita   gente   com   seus   escritos   acerca   da 

revolta,  da   liberdade  e  da  governação”   (2004,  p.  22).  Um dos  adeptos  dos  panfletos  era 

Thomas Jefferson. Os autores anônimos dos Federalist Papers, que se dedicaram a analisar a 

Constituição   proposta   e   discutir   o   funcionamento   da   nova   república,tiveram   papel 

importantíssimo para a aprovação da Constituição nos estados americanos. A Carta, aliás, tem 

como primeira emenda a garantia da liberdade de expressão.

No Brasil, um dos momentos que fez disparar o gatilho da imprensa alternativa foi a 

ditadura militar. Kucinski, em sua pesquisa sobre o assunto, afirma que no Brasil, entre 1964 e 

1980,   “nasceram e  morreram cerca  de  150  periódicos  que   tinham como   traço  comum a 

oposição intransigente ao regime militar” (2003, p. 13). O número inclui jornais de âmbito 

regional   ou  com  temáticas   específicas,   como os   feministas.  Entre   os   de  maior   destaque, 

estavam Pasquim, Movimento, Opinião e Versus.  O autor aponta ainda que no apogeu desse 

tipo   de   publicação,   nos   anos   entre   1975   e   1977,   os   oito   maiores   somavam   até   160   mil 

exemplares por semana. 

Ele também destaca a ocorrência desse fenômeno em outros momentos de agitação 

política.

1 http://www.timporter.com/firstdraft/archives/000347.html. Último acesso em 12/12/2008

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Apesar de complexo, o fenômeno alternativo teve contornos nítidos no tempo, como 

outros   surtos   na   história   do   nosso   jornalismo,   entre   os   quais   o   dos   pasquins 

irreverentes e panfletários do período da Regência, que atingiu seu apogeu em 1830 

com cerca de cinqüenta títulos, e o dos jornais anarquistas de operários, meio século 

depois, com quase quatrocentos títulos. Nos três momentos, pequenos jornais sem 

fins mercantis, produzidos precariamente, às vezes por um só homem, como eram 

muitos pasquins, dirigiam­se à sociedade civil e às classes subalternas criticando o 

Estado e propondo mudanças. (KUCINSKI, 2003, p. 21)

Nos anos 1980 e 1990, proliferam em diversos países fanzines. Dessas publicações 

amadoras, feitas por fãs de alguns fenômenos da cultura pop, há registro desde os anos 1930. 

Porém a explosão do movimento punk e de seu do it yourself (faça você mesmo) trouxe nova 

vitalidade   para   o   gênero,   em   uma   época   marcada   pela   estagnação   econômica   e   pelo 

desemprego   em   diversas   partes   do   mundo.   Normalmente   em   edições   fotocopiadas   ou 

mimeografadas   e   enviadas  pelo   correio,   sem qualquer   regularidade,  os   zines  nasceram e 

morreram aos milhares. Nos Estados Unidos e na Grã­Bretanha, alguns dos mais respeitados 

críticos culturais começaram suas carreiras nesse tipo de revista. Entre eles, Greil Marcus e 

Lester Bangs. (STONEMAN, 2001)

2.2. JORNALISMO ALTERNATIVO NA INTERNET

O advento da internet, além de facilitar a criação de publicações, aumentou de forma 

avassaladora seu alcance. Uma das primeiras ferramentas desenhadas para o novo meio, o 

wiki, em 1994, tinha como objetivo justamente possibilitar a criação colaborativa de conteúdo. 

O uso mais conhecido do wiki é a enciclopédia online Wikipedia, mas há sites jornalísticos 

que usam a ferramenta, como o WikiNews.  (GILLMOR, 2005)

Em 1997, surge o Slashdot, site dedicado a notícias de tecnologia, em que os usuários 

podem   enviar   links   para   matérias   publicadas   em   outros   sites.   A   novidade   trazida   pelo 

Slashdot,  entretanto,  é  o  diálogo  que  se  desenvolve  nos  comentários  de  cada  notícia.  No 

começo,  enquanto  havia  um grupo pequeno de  usuários,  apenas  o  fundador  do  site,  Rob 

Malda, organizava as mensagens e separava o “joio do trigo”. Porém, um ano depois, cerca de 

50 mil pessoas participavam do espaço. Acompanhando o crescimento de seu site, Malda foi 

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aprimorando uma ferramenta de programação que permite que qualquer usuário com alguma 

assiduidade venha a se tornar um moderador temporariamente e dar notas aos comentários. O 

número de notas é limitado. Quem navega pode optar por ver apenas as entradas com notas 

mais altas, na escala que vai de ­1 a 5. O histórico de notas recebidas pelo usuário compõe seu 

“carma” e usuários com carmas mais elevados ganham privilégios, como terem mais chances 

de serem escolhidos moderadores.

Steve Johnson incluiu o Slashdot como um dos casos em seu livro Emergência, sobre 

sistemas do tipo bottom­up (de baixo para cima). Trata­se de sistemas que se organizam sem 

uma liderança central, mas que, a partir de regras próprias e com a ação de indivíduos, cria 

um todo “inteligente” (não necessariamente no sentido da inteligência humana) e evolutivo. 

Em linguagem mais técnica, são complexos sistemas adaptativos que mostram um 

comportamento   emergente.  Neles,   os   agente   que   residem  em  uma  escala   acima 

deles: formigas criam colônias; cidadãos criam comunidades; um software simples 

de reconhecimento de padrões aprende a recomendar novos livros. O movimento das 

regras de nível baixo para a sofisticação de nível mais alto é o que chamamos de 

emergência. (JOHNSON, 2003, p. 14)

O  feedback  –   tanto   positivo   como   negativo   –   é   um   dos   mecanismos   para   o 

funcionamento de comunidades. No caso do Slashdot o  feedback positivo é dado pelo valor 

atribuído   à   participação;   o   negativo,   pela   escassez,   já   que   os   poderes   de   moderação   se 

esgotam. 

O problema para Malda era como construir um sistema homeostático que levasse o 

site naturalmente àquele estado, sem que nenhum indivíduo estivesse no controle. A 

solução a que ele chegou seria  imediatamente reconhecido hoje:  uma mistura de 

feedbacks   positivo   e   negativo,   uma   dose   de   acaso   estruturado,   interações   entre 

vizinhos e controle descentralizado. De um certo ângulo, o Slashdot hoje se parece 

com uma colônia de formigas. De outro, parece uma democracia virtual. O próprio 

Malda compara­o às tarefas de um júri. (JOHNSON, 2003, p. 115)

O Slashdot foi pioneiro em um modelo que atualmente é utilizado em diversos sites, 

como a gigante de vendas online Amazon e o respeitado Epinions, de resenhas de produtos. 

Ambos computam tanto notas dadas pelos usuários aos artigos como os próprios usuários são 

avaliados, pela freqüência e qualidade de participação. Também é o exemplo para sites de 

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jornalismo colaborativo que atuam sem a presença de uma equipe de edição centralizada, 

como veremos adiante.

Em 1999, dois acontecimentos tiveram grande impacto na maneira como as pessoas 

passaram a usar a internet: os protestos anti­globalização e o surgimento dos blogs.

Desde   meados  dos   anos   1990,  movimentos   populares   e   anti­capitalistas   como   os 

zapatistas no México, o Movimento dos Sem Terra brasileiro, o inglês Reclaim the Streets, a 

Rede de Mulheres Indígenas da América do Norte, e outros começaram a se articular em uma 

rede, que em 1998 ganhou o nome de Ação Global dos Povos. Um dos princípios dos grupos 

envolvidos era a ausência de hierarquia; a organização deveria ser horizontal. A primeira ação 

internacional foi o “Carnaval contra o Capitalismo”, que ocorreu em 18 de junho de 1999, 

enquanto o G8 se reunia na Alemanha. Com o lema “Nossa resistência é tão transnacional 

quanto o capital”, foram realizados protestos simultâneos em distritos financeiros de mais de 

40 países, incluindo Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, França, Israel e Nigéria. 

A internet – emails e a lista de discussão – foi um fator­chave para a abrangência do 

movimento e contato entre os grupos. Mas ainda havia o entrave do pouco espaço na mídia 

tradicional  para  os  protestos.  Na  reunião  de  criação  da  Ação  Global  dos  Povos,  um dos 

participantes havia dito: “O inimigo global é relativamente bem conhecido, mas a resistência 

global que ele enfrente raramente passa através do filtro da mídia” (LUDD, 2002, pp. 15­16).

Assim, para as próximas manifestações, os movimentos criaram seu próprio veículo 

na internet, o Indymedia – Independent Media Center (Centro de Mídia Independente). O site 

foi   ao   ar   em   24   de   novembro   de   1999,   dias   antes   dos   protestos   contra   a   reunião   da 

Organização   Mundial   do  Comércio   (OMC)   em  Seattle,   nos  Estados  Unidos.   A  primeira 

entrada  dá   o   tom do  que  viria:   “A web  alterou  dramaticamente  o   equilíbrio  entre  mídia 

multinacional e ativista. Com apenas um pouco de programação e algum equipamento barato, 

podemos   estruturar   um   website   automatizado   que   rivaliza   com   as   corporações” 

(INDYMEDIA, 1999). 

A OMC começou a sua reunião no dia 30, mas as negociações do que seria a Rodada 

do Milênio, sobre a diminuição das barreiras comerciais, sequer iniciaram2, devido a diversos 

fatores, entre os quais os massivos protestos que ocorreram na data. O Indymedia foi o espaço 

em que ativistas,  curiosos  e   jornalistas  buscaram notícias,   fotos,  áudio  e  vídeos sobre  as 

2 Um novo encontro aconteceu em novembro de 2001, em Doha, no Qatar, e a agenda estabelecida então ficou conhecida como Rodada de Doha. As negociações, ainda em andamento, até a última reunião em 2008 em Genebra, não levaram a um acordo, principalmente pela discordância entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

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manifestações e a repressão policial – o próprio Centro de Mídia Independente, aliás, recebeu 

“uma violenta  visita  do  FBI”,   como  lembra  Gillmor   (2004,  p.  148).  Atualmente,  há  150 

versões locais e autônomas do Indymedia. A brasileira permite que qualquer pessoa publique 

conteúdo, mas remove da página inicial spams, textos repetidos e em desacordo com a política 

editorial do site. Esse material é reunido em uma seção chamada “Artigos escondidos”, para, 

de acordo com o coletivo editorial, dar transparência ao processo. 

Se   o   Indymedia   era   a   possibilidade   de   publicar   com   apenas   um   pouco   de 

programação,   na   mesma   época   surgia   uma   ferramenta  que  permitia   criar   seu   espaço  na 

internet mesmo a quem não tinha nenhum conhecimento de linguagem HTML. Os  blogs  – 

abreviação para web log (registro de web) – são páginas de internet que publicam entradas em 

ordem cronológica   inversa,  ou seja,  as  mais   recentes  acima das  mais  antigas.  A primeira 

comunidade de blogs foi a Open Diary, que foi ao ar em outubro de 1998. Além de oferecer a 

criação de diários, a Open Diary logo implementou uma funcionalidade para que usuários 

pudessem colocar comentários em entradas de outros diários, que depois se tornaria uma das 

características mais comuns desse tipo de publicação. Em meados de 1999, mais de 10 mil 

diários faziam parte da comunidade. Também em 1999, surgiram outros dois serviços online 

para   criação   e   hospedagem   de  blogs:   o   LiveJournal   e   o   blogger.com,   que   rapidamente 

alcançaram extrema popularidade. O blogger.com foi comprado pelo Google em 2003, por 

valores não revelados.

Com o acesso cada vez maior e mais barato à conexão à internet por banda larga, os 

blogs experimentaram uma explosão. O mecanismo de ranqueamento de blogs Technorati cita 

a pesquisa da Universal McCann para referendar sua visão de que os blogs vieram para ficar: 

em todo o mundo, 184 milhões de pessoas já criaram um blog e 346 milhões de pessoas – 

77% dos usuários ativos de internet – lêem blogs. O próprio Technorati tem indexados 133 

milhões de blogs desde 2002, dos quais 1,5 milhão haviam publicado algum conteúdo nos sete 

dias anteriores à elaboração do relatório, em junho de 2008. (TECHNORATI, 2008) 

O espectro formado por todos essas páginas vai de projetos individuais a publicações 

coletivas, dos mais amadores aos corporativos; seu conteúdo vai de textos literários e fotos, 

passa por cartuns e culinária, até abordagens sofisticadas.

Segundo Dan Gillmor, 

Nos últimos 150 anos, dispusemos essencialmente de dois meios de comunicação: 

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de um para  muitos   (livros,   jornais,   rádio  e   televisão)  e  de  um para  um (cartas, 

telégrafo   e   telefone).   Pela   primeira   vez,   a   Internet   permite­nos   dispor   de 

comunicação de muitos  para muitos  e  de alguns para  alguns  ...  De muitos  para 

muitos, de alguns para alguns. Nestes dois casos e em todos os outros, o blogue é o 

meio de comunicação. (GILLMOR, 2004, pp. 42 e 45)

As novas ferramentas para publicação já haviam conquistado algum espaço, mas um 

período de tragédia as colocou à prova como instrumento de informação alternativa à mídia 

tradicional. A cobertura do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos 

mobilizou milhares de pessoas que levaram à internet seus relatos, imagens, informações e 

comentários. 

De acordo com o Pew Internet  Project,  em pesquisa citada por  Bowman e Willis 

(2003,   p.   7),   os   ataques   geraram   o   maior   volume   de   tráfego   para   os   sites   de   notícias 

tradicionais na história da Web até então. Muitos sites não deram conta da enorme demanda e 

o público se voltou para e­mails, blogs e fóruns.  

 Gillmor (2004), falando sobre um dos blogs que ascenderam na época, o InstanPundit, 

de Glenn Reynolds, descreve da seguinte forma:

Actualmente, InstanPundit.com goza de enorme aceitação. Reynolds está sempre a 

publicar comentários cortantes, de tendência libertária e conservadora3, sobre uma 

grande diversidade de questões. Tornou­se uma estrela num firmamento que, ainda 

há muito pouco tempo, não poderia ter existido, um firmamento que conseguiu o 

maior  impulso no dia mais cruel  da história  americana recente.  O dia que ficou 

congelado no tempo, mas as explosões dos aviões contra aquelas torres trouxeram 

uma redobrada onde de calor ao glaciar dos meios de comunicação e o gelo continua 

a derreter­se. (GILLMOR, 2004, p. 39)

Foi   a   partir   deste   momento   que   ganhou   em   popularidade   os   termos   jornalismo 

cidadão, jornalismo participativo ou jornalismo colaborativo – além dos termos mais comuns 

na área de tecnologia mídia gerada pelo usuário e conteúdo gerado pelo usuário. (Em inglês, 

citizen journalism  tem um caráter muito mais voltado à produção feita pelos cidadãos; em 

português, a expressão pode indicar a cobertura de assuntos relacionados à  cidadania. Por 

3 Libertário, no contexto político americano, é aquele que defende mínima intervenção do Estado na economia (redução de impostos, privatização da Previdência Social, pouca regulação do mercado) e em outros aspectos da vida social, como direito ao aborto, ao porte de armas, liberação da prostituição, jogos de azar e de drogas. (Nota da autora)

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isso, neste trabalho optamos por “jornalismo colaborativo”).

Os desdobramentos do 11 de Setembro também levaram a uma cobertura intensa na 

internet   e   ao   reconhecimento,   por   alguns   veículos   importantes,   das   possibilidades   que 

surgiam.   Para   cobrir   as   manifestações   em   diversos   lugares   que   precederam   a   invasão 

americana no Iraque, a BBC News fez um apelo para que seus leitores enviassem fotos tiradas 

com câmeras digitais ou celulares com câmeras embutidas e publicou as melhores em seu site 

(BOWMAN e WILLIS, 2003, p.8). Os autores também citam pesquisa mostrando que, nos 

primeiros dias da guerra do Iraque, 17% dos americanos com acesso à internet usaram o meio 

como principal fonte de informação sobre a guerra; logo após o 11 de Setembro, eram apenas 

3%. (BOWMAN e WILLIS, 2003:8).

2.3. TIPOS E FUNÇÕES DA PARTICIPAÇÃO

O estudo do Media Center define jornalismo participativo como "o ato de um cidadão, 

ou   grupo   de   cidadãos,   participa   ativamente   no   processo   de   coletar,   reportar,   analisar   e 

disseminar   notícias   e   informação.   O   intuito   dessa   participação   é   produzir   a   informação 

independente,   confiável,   precisa,   abrangente   e   relevante   de   que   necessita   a   democracia" 

(BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 9). 

Essa participação pode se dar de diversas maneiras, muitas das quais estão em um 

terreno pantanoso quanto a serem de fato jornalismo ou não. Lasica (2003) propõe que em 

geral o jornalismo participativo se enquadra em uma das seguintes categorias:

1. Participação   do   público   em   veículos   mainstream  –   que   inclui   blogs   de 

membros da equipe do veículo com espaços para comentários, fóruns, artigos escritos por 

leitores e fotos e vídeos enviados pelo público. No Brasil, a maioria dos jornais e portais de 

notícias (Folha de S. Paulo/UOL, Estado de S.Paulo, O Globo, Terra, entre outros) conta com 

espaços do gênero;

2. Sites de notícia independentes ­ que podem ser desde blogs individuais até sites 

voltados a nichos ou comunidades locais. Os blogs dos jornalistas Luis Nassif e Pedro Dória 

(que não são subordinados às empresas onde eles  trabalham) estão nessa categoria,  assim 

como o blog coletivo de tecnologia Gizmodo. Outra iniciativa de interesse no Brasil é o Rio 

Body Count, em que, a exemplo do Iraq Body Count, seus criadores computam as mortes por 

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violência no Rio de Janeiro.

3. Sites participativos – em que o material produzidos pelo público é o principal 

recurso.   O   coreano   OhmyNews   é   o   exemplo   mais   famoso,   com   milhões   de   visitantes 

diariamente e dezenas de milhares de colaboradores. O OhmyNews conta com uma equipe de 

profissionais   que   faz   a   edição   do   material   e   os   colaboradores   recebem   um   pagamento 

simbólico em dinheiro.

4. Sites colaborativos – em que, além de enviar material, o público em geral pode 

participar do processo de edição. É o que acontece no Slashdot, no Kuro5hin e no brasileiro 

Overmundo.

5. Mídia magra  – listas de discussão por e­mail e newsletters. No Brasil, o Ex­

Blog do César Maia pode ser considerado um exemplo. 

6. Sites de transmissão pessoais – entre os quais estão os podcasts e videocasts.

Bowman   e   Willis   (2003)   fazem   uma   classificação   partindo   da   função   que   a 

colaboração do público pode exercer: 

1. Comentário – o mais comum e talvez o mais importante nível de participação. 

Isso se aplica tanto ao espaço para comentários em sites de notícias como textos de opinião e 

análise.  “...  alguns defendem que o blog é  a próxima geração das páginas  de editoriais  e 

opinião dos jornais” (BOWMAN e WILLIS, 2003, p.33). 

2. Filtragem e  edição  –  que   incluem filtragem,  classificação,   ranqueamento  e 

apontamento de links. São os casos em que ocorre seleção e julgamento editorial. O escândalo 

da demissão de procuradores da República no governo Bush levou o então ministro da Justiça 

americano,   Alberto   Gonzáles,   a   renunciar.   O   caso   foi   trazido   à   tona   por   Joshua   Micah 

Marshall, do blog Talking Points Memo, que recebeu o prêmio George Polke pela cobertura. 

“Informado   por   leitores   em   vários   cantos   do   país,   percebeu   que   havia   uma   série   de 

procuradores   públicos   sendo   demitidos.   Invariavelmente,   eram   procuradores   que   haviam 

aberto   processos   contra   políticos   republicanos   locais.   Não   havia   ninguém   no   jornalismo 

tradicional atento a estas histórias que eram, essencialmente, pequenas e regionais”. (DÓRIA, 

2008) 

3. Checagem – um dos exemplos trazidos por Gillmor (2004, pp.185­186) é o de 

Kayceen Nicole, que criou um blog para falar sobre sua luta contra a leucemia. Entre 2001 e 

2002, o espaço teve milhares de visitas de internautas que enviavam mensagens de apoio e 

ofertas de auxílio, até que sucumbiu à doença. Porém, em 18 de maio de 2001, um usuário 

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questionou no MetaFilter se ela existia de verdade. Um grupo de usuários tomou para si a 

tarefa de descobrir: investigaram registros, trocaram informações, e revelaram a farsa. Se este 

é  um caso mais profundo, não devemos perder de vista o trabalho cotidiano de checagem 

feitos pelo público de blogs e jornais. 

4. Reportagem   de   base  ­   “Assumindo   a   forma   de   testemunhas   ou   relatos   de 

primeira­mão, usuários de internet participam do processo de reportagem e reunião de fatos, 

muitas vezes produzindo notícias de impacto (BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 33). Também 

se enquadram nessa categoria a participação de especialista ou diletantes, que publicam em 

seu blog ou em outros espaços, especialmente quando se trata de assuntos que não têm uma 

boa cobertura da mídia tradicional. 

5. Reportagem extensiva – envolve a publicação de material complementar a uma 

matéria.  Muitos   jornalistas  usam seus  blogs  para  públicar   íntegras  de  entrevistas,  versões 

menos editadas de textos, etc. 

6. Reportagem “código aberto” e revisão pelos pares – alguns sites começam a 

permitir que leitores avaliem determinado material antes mesmo de sua publicação oficial, de 

maneira similar à revisão por pares feitas em publicações científicas. Recentemente, a revista 

Wired   criou  um   blog4  para   acompanhar   a   elaboração   de  um   perfil   do   roteirista   Charlie 

Kaufman para a edição de novembro. Foram publicados e­mails internos (mas não de fontes), 

áudio, vídeos, rascunhos de texto e de diagramação, numa espécie de  making off em tempo 

real da reportagem. 

7. Transmissão de áudio e vídeo

8. Compra,   venda   e   anúncios  ­   “O   ethos   igualitário   que   move   o   jornalismo 

participativo não se resume meramente à disseminação de notícias e informação, mas também 

abrange comércio e anúncios” (BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 36). Há casos bem sucedidos 

de jornalistas independentes que conseguiram levantar fundos com a doação de leitores, como 

Chris Allbritton, que em 2003 pediu contribuição financeira a seus leitores para ir ao Iraque 

fazer reportagens sobre o conflito. No total, 342 pessoas enviram cerca de 14,5 mil dólares 

(GILLMOR,   2004,   p.158).   Outro   exemplo   é   o   site   Kuro5hin,   que   permite   que   leitores 

comentem os anúncios. 

9. Gerenciamento  de conteúdo  –  em que as  pessoas  usam blogs  para  coletar, 

armazenar e compartilhar conhecimentos sobre determinado assunto. 

4 http://blog.wired.com/storyboard/ . Último acesso em 12/12/2008.

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2.4. IMPLICAÇÕES PARA O JORNALISMO TRADICIONAL

A  participação  do  público   traz  à   tona  novamente  questionamentos   sobre  o  que  é 

jornalismo, o que é notícia, quem são os jornalistas. As discussões, por exemplo, se blogs são 

jornalismo, tema da matéria de capa da revista Imprensa de setembro de 2008 (para a revista, 

a discussão acabou: não são, como afirma na capa), acontecerem em 2003 em um programa 

da rede de televisão pública americana, PBS (LASICA, 2003). 

Como descreve o relatório do Media Center:

Claramente,  o jornalismo está  em processo de redefinição, se ajustando às forças 

desordenantes   que   o   cercam.   Assim,   não   é   surpreendente   que   discussões   sobre 

formas   de   jornalismo   participativo,  como  os   blogs,   sejam   freqüentemente 

consumidas   por   debates   defensivos   sobre   o   que   é   jornalismo   e   quem   pode, 

legitimamente, se autodenominar jornalista. (BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 11)

Na transposição para outro ambiente, a internet, alguns dos paradigmas do jornalismo 

sofrem alterações5, borrando ainda mais os limites entre informação e notícia. Neste trabalho 

vamos nos deter nas implicações da internet em duas teorias do jornalismo: agenda setting e 

gatekeeping. 

A   hipótese   do  agenda   setting  propõe   que   “a   mídia,   pela   seleção,   disposição   e 

incidência   de   suas   notícias,   vem  determinar   os   temas   sobre  os   quais   o   público   falará   e 

discutirá” (BARROS FILHO, 1995, p. 169).   Simultaneamente, os assuntos excluídos pela 

mídia não entram na agenda de debates das pessoas. 

Porém,  uma das   características  da   internet  é   a  personalização  do  noticiário  que  o 

público recebe. Amplificada, essa personalização pode ser definida como o The Daily Me, a 

previsão feita por Nicholas Negroponte em 1995 que os leitores poderiam escolher apenas os 

tópicos e fontes que lhes interessassem (apud BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 7). 

 Atualmente, a maioria dos portais e sites de notícias estrangeiros incluem opções para 

personalização da página inicial. No iGoogle, do Google, o usuário pode escolher destaques 

de diversos sites e sua disposição na página; no MyTimes, do The New York Times, é possível 

escolher entre editorias do jornal,  sugestões de jornalistas da equipe e material externo; o 

Yahoo oferece, com o MyYahoo, um serviço similar. 

5 Algumas dessas mudanças já começavam a acontecer com a transmissão televisiva via cabos de fibra ótica, que possibilitou o surgimento de canais como a CNN.

Page 29: Jornalismo colaborativo nassif

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Mas não é  necessário sequer  ir  até  os sites.  O RSS (Really Simple Sindication  ou 

Distribuição Realmente Fácil)  é um elemento que é cada vez mais presente nos sites que têm 

atualizações freqüentes.  Com um programa conhecido como agregador,  o usuário pode se 

inscrever  ou  assinar  os   sites  que  deseja  acompanhar.  Nesse  agregador,  o  usuário  passa  a 

receber as atualizações de seus sites preferidos. “De um momento para o outro, o sistema RSS 

põe a Internet a funcionar como deve ser. Em vez de procurar tudo, a Internet traz até nós o 

que pretendemos, nas condições por nós estabelecidas” (GILLMOR, 2004, p. 54). Boa parte 

dos agregadores também apresentam ferramentas de redes sociais, ao permitir que o usuário 

também receba atualizações indicadas por seu grupo de amigos. Outro uso interessante é feito 

pelo Google, ao oferecer assinaturas para resultados de buscas por determinadas palavras­

chave. Assim, o usuário pode ficar sabendo sempre que houver um novo resultado para aquela 

busca. 

Com o largo espectro temático e ideológico dos blogs e sites e a cultura do link e dos 

comentários, o poder do agenda setting se divide em número cada vez maior de mãos. Por 

outro lado, o Daily Me não é tão individual como previsto. Como afirmam Bowman e Willis 

(2003), a idéia do Daily Me está sendo substituída pelo Daily We. 

O conceito de gatekeeping estabelece que o fluxo de notícias dentro dos meios de 

comunicação passa por zonas filtro que definem qual material será aceito e qual será rejeitado. 

O jornalista atua, portanto, como um porteiro. Bruns (2003) lembra que o conceito já vinha 

sendo questionado, antes mesmo da internet, devido à contaminação pela influência crescente 

das assessorias  de imprensa e especialistas em manipulação (spin doctors),  que debilita o 

processo de gatekeeping.

O gatekeeping se baseia na noção de que há uma realidade identificável de eventos, 

que ultrapassa os  canais  de  publicação,   limitados  seja  pelo  espaço,  no  caso dos  veículos 

impressos,  seja  pelo   tempo,  no  caso  da   televisão e do  rádio.  Na  internet,  porém, não há 

escassez de espaço;  pelo contrário,  há  uma  tendência a capacidades cada vez maiores de 

armazenamento, como um dos corolários da Lei de Moore.

Com a internet, afirma Bruns (2003, p.4), "não apenas há uma multidão de portões 

pelos quais informação e eventos potencialmente noticiáveis emergem à arena pública, como 

também existe  um igual  número de critérios  para  avaliar  a   'noticiabilidade'  para  públicos 

específicos".  O uso de hiperlinks permite ao autor apontar diretamente para fontes e para 

outros pontos de vista.

Page 30: Jornalismo colaborativo nassif

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Ao gatekeeping, o autor contrapropõe o conceito de gatewatching. Os gatewatchers 

atuam como bibliotecários especializados, selecionando quais informações são confiáveis na 

área que cobrem. Os publicadores, que podem ser pessoas comuns ou partidários de uma 

causa,   não   levam   a   informação   para   o   usuário,   mas   sim   permite   que   ele   venha   até   a 

informação.  Ao  manter   os   benefícios   do  gatekeeping,   o   gatewatching  permite   confrontar 

diversos problemas na abordagem do gatekeeper:

• as matérias têm potencial para ser mais profundamente informativas, já que 

os leitores podem explorar material das fontes diretamente, e de maneira completa;

• a velocidade do noticiário  aumenta,   já  que notícias  podem ser  publicadas 

assim que uma fonte de informação é encontrada na internet, sem a necessidade de 

esperar   jornalistas   escreverem   suas   matérias   ou   gatekeepers   completarem   sua 

avaliação;

• o processo de edição se torna mais transparente e não se evita que leitores 

chequem as fontes de uma notícia; ao contrário, isso é encorajado;

• o viés pessoal  do editor pode ainda afetar sua matéria,  mas como leitores 

estão mais inclinados a consultar fontes originais, esse viés tem efeito reduzido;

• gatewatchers  não  precisam  de  grandes  habilidades   jornalísticas,   e   sim  de 

habilidades para pesquisa geral online. (BRUNS, 2003, pp. 8­9)

Em relação ao terceiro e ao quarto tópico, um ponto interessante a ser considerado é o 

uso   que   as   próprias   fontes   fazem   da   internet.   O   Departamento   de   Defesa   do   governo 

americano,   por   exemplo,   publica   em   seu   site6  a   íntegra   das   entrevistas   importantes   do 

secretário e de seu adjunto. Assim, o público tem como conhecer o contexto em que foram 

dadas as declarações e julgar se foram editadas de maneira inadequada. 

Qual  a   indústria  que,  por   tradição,  se  encontra  entre  as  menos  transparentes? O 

jornalismo. Temos sido uma caixa negra e, nos anos recentes, apenas conseguimos 

tornarmo­nos  ligeiramente menos opacos.  O público,  porém, está   a  exigir  maior 

transparência no nosso domínio e a fazer seu próprio jornalismo quando nós não 

conseguimos responder de maneira satisfatória … Não estamos habituados, por mais 

saudáveis que nos sintamos, a ser analisados da mesma maneira que analisamos as 

outras pessoas. (GILLMOR, 2004, p. 74)

6 http://www.defenselink.mil/transcripts/

Page 31: Jornalismo colaborativo nassif

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3. O BLOG DO NASSIF

3.1. BIOGRAFIA

Luis  Nassif   nasceu   em 1950,   em Poços  de  Caldas,  Minas  Gerais.  Formou­se   em 

jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Trabalhou na 

revista Veja, de 1970 a 1979. A seguir, foi para o Jornal da Tarde, onde criou a seção “Seu 

Dinheiro”, de finanças pessoais, e o “Jornal do Carro”. Em 1983, foi para a Folha de S.Paulo, 

onde foi colunista e membro do conselho editorial. Escrevia principalmente sobre economia, 

embora um de seus espaços no jornal fosse uma coluna de crônicas.  Ele ficou na Folha de 

1983 a 2006, com um intervalo entre 1987 e 1991. Em 1987, criou a Agência Dinheiro Vivo, 

de notícias de economia em tempo real. 

É  vencedor do Prêmio Esso de Reportagem, em 1986, por sua cobertura do Plano 

Cruzado;  do Prêmio Ayrton Senna,  na categoria  Jornalista  Econômico,  em 2003;  recebeu 

menção honrosa do prêmio Jabuti de 2003, categoria crônica; vencedor do prêmio de Melhor 

Jornalista de Economia da Imprensa Escrita do site Comunique­se em 2003, 2005 e 2008. Ele 

atuou como comentarista econômico na TV Cultura e na TV Bandeirantes. É  membro do 

Conselho do Instituto de Estudos Avançados da USP e do Conselho de Economia da Fiesp. 

Já   lançou   os   livros  O   Menino   de   São   Benedito   e   Outras   Crônicas  (2001),  O 

Jornalismo dos Anos 90  (2003) e  Os Cabeça­de­Planilha  (2007). Além do trabalho como 

jornalista, Nassif também é cantor e compositor, pesquisador de samba e choro. 

Criou o Blog do Nassif em 30 de maio de 2006, pouco antes de deixar a Folha. O blog 

continuou hospedado pelo UOL, portal pertencente ao grupo Folha da Manhã, que edita a 

Folha   de   S.   Paulo,   até   setembro   de   2006.   Desde   então,  está   hospedado   no   portal   iG 

(www.projetobr.com.br/web/blog/5). 

Em 2007, Nassif lançou o Dossiê Veja, série de textos denunciando manipulações e 

distorções intencionais no noticiário da revista semanal. 

3.2. O BLOG E A PARTICIPAÇÃO DOS LEITORES

Desde o  início,  Nassif  abriu  espaço no blog para as  manifestações  de  leitores.  No 

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primeiro post, de apresentação (“O Blog”, 30/5/2006), ele já destaca essa participação: 

Sempre que levanto um tema polêmico, costumo receber e­mails consistentes, de 

pessoas com diferentes opiniões. Pretendo abrir espaço para esse tipo de comentário, 

mais do que para os comentários curtos e impressionistas dos blogs convencionais. 

Por   isso   mesmo,   quem   tiver   comentários  maiores   a   fazer,   poderá   escrever  para 

[email protected] Os melhores serão publicados,  dentro dos limites  de 

espaço do blog”. (Anexo I)

Cerca de uma semana depois, é publicado o primeiro comentário de leitor como post 

na área principal  do  blog (“Do leitor”,  6/6/2006,  Anexo I).  Em 17/7/2006,  é  publicado o 

primeiro post com o objetivo exclusivo de fazer elogio público à participação dos leitores (“O 

Blog e os leitores”, Anexo I). Esse procedimento é uma constante no blog (por exemplo, nos 

posts “O acidente da Gol”, 17/11/2006; “Livro em rede”, 27/11/2006; e “A discussão sobre o 

Youtube”,  9/1/2007, Anexo I)  e uma dos mecanismos utilizadas para atrair  a participação 

qualificada.  Com   o   tempo,   o   grupo  de   leitores,   especialmente  o  de   contribuidores   mais 

freqüentes, passa a ser referido como comunidade. 

Também são criadas seções específicas para a participação dos leitores. A primeira é a 

“Trivial variado”, com estréia em 20/3/2007 (“Trivial variado”, Anexo I), com o objetivo de 

ser  um  post  no qual  os   freqüentadores  poderiam publicar  quaisquer  comentários  que não 

estivessem relacionados com os assuntos dos outros posts do dia. Com o tempo, o “Trivial” 

acabou por se tornar um espaço para publicação de textos literários, poemas, discussões sobre 

arte e cultura e outros temas mais leves. Em agosto de 2008, criou outra seção com objetivo 

similar, a “Fora de pauta” (“Fora de pauta”, 26/8/2008, Anexo I), publicada diariamente por 

volta do meio­dia. 

Com o crescimento da popularidade do blog e aumento no número dos comentários, 

alguns  posts  são dedicados também a esclarecer as “regras de convívio” no espaço (cabe 

destacar que os comentários passam por moderação e só vão ao ar – integral ou parcialmente 

– depois de aprovados). É o caso dos posts “O Estatuto da Gafieira” (3/11/2006), “Estatuto da 

gafieira”   (5/2/2007),   “Convivência   democrática”   (17/6/2007),   “Filtros   nos   comentários” 

(6/7/2007), entre outros (Anexo I). A moderação veta a publicação de comentários de teor 

ofensivo   ou   grosseiros,   como   define   um   dos  posts:   “Críticas   pesadas   contra   terceiros 

continuarão a não ser aceitas. Contra o blogueiro (desde que não contenham elementos de 

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injúria, calúnia ou difamação) serão aceitas, mas desde que o comentarista se identifique. Só 

faltava   abrir   um   espaço   democrático   para   receber   porradas   de   anônimos”   (“Estatuto   da 

gafieira”,  5/2/2007, Anexo I). Outro comportamento comum é fechar os comentários ou pedir 

aos   freqüentadores  que  não o  façam quando se  trata  de  posts  com a   resposta  de alguém 

criticado no blog, como em “A Abril se manifesta” (2/2/2008). 

O  Projeto  Brasil   surge  de   forma  paralela,   como  “um empreendimento   jornalístico 

independente que oferece os conteúdos e ferramentas necessárias para a discussão estruturada 

de   temas   estratégicos  para   o   desenvolvimento  nacional   (...)   tem  como  objetivo  principal 

mudar   o   foco  das  discussões  na   imprensa  brasileira”7.  Além do  conteúdo  produzido  por 

equipe própria, o Projeto Brasil se alimenta de fóruns de discussão. Os fóruns estão divididos 

em “comunidades”,   termo  usado   aqui   com  sentido   levemente  diferente   do   anteriormente 

mencionado, já que neste caso os participantes são cadastrados em uma rede social, criam 

perfis, podem criar grupos e interagir de formas diferenciadas em relação ao blog. São elas: 

“Comunidade do Blog Luis Nassif Online”, “Comunidade Verso & Prosa” e “Comunidade 

Projeto Brasil Gestão”. 

A relação entre o Projeto Brasil, os fóruns e o  blog é evidenciada nos  posts  sobre o 

desenvolvimento do Projeto, com o objetivo de “1. Dar dar mais visibilidade aos artigos dos 

comentaristas do Blog, publicando no PB aqueles comentários mais elaborados. 2. Permitir 

mais tempo de vida às discussões permanentes, que serão transferidas para o Fórum Online” 

(“Blog e Projeto Brasil”, 12/11/2007, Anexo I). 

3.3. O BLOG, A MÍDIA E A INTERNET

Neste   período,   destacam­se   as   discussões   sobre   o   comportamento   da   imprensa 

tradicional (“O papel da mídia”, 22/6/2006; “O papel da mídia – 2”, 22/6/2006, Anexo I), por 

sinal, assunto analisado por Nassif no livro  O Jornalismo dos Anos 90,  e também sobre as 

novas tecnologias e o novo modelo de comunicação surgido delas (“Conhecimento em rede”, 

29/9/2006; “A nova era da comunicação”, 24/10/2006, Anexo I). Um texto em especial mostra 

sua visão em relação à internet e aos blogs:

A homogeneização do pensamento acabou deixando ao relento fatias importantes do 

7 Fonte: http://www.projetobr.com.br/c/portal/layout?p_l_id=PUB.1013.29. Último acesso em 12/12/1008.

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público, do leitor intelectualmente mais exigente àquele cujas preferências políticas 

deixaram de ser contempladas pelo conjunto da mídia.

Todo   esse   quadro   se   formou   no   momento   em   que   a   proliferação   de   blogs,   na 

Internet,   criou   novos   espaços   de   opinião.   Antes,   tinha­se   o   jornal   dando   a 

visibilidade a seus colunistas, emprestando parte de seu prestígio e recebendo, de 

volta, a agregação de mais leitores e prestígio. Com os blogs, o aval não é mais do 

jornal, mas é individual, do blogueiro.

Os blogs são apenas a parte mais visível de um processo de criação de novos centros 

de   opinião,   como   grupos   de   discussão,   fóruns,   ONGs.   E   novos   atores   de   peso 

entrando no jogo, como as empresas de telefonia e os portais.

Nos próximos anos, a mídia brasileira passará pelas maiores transformações da sua 

história. Os jornais que entenderem o processo continuarão no jogo” (“O jogo da 

convergência digital”, 29/8/2006, Anexo I).

A observação crítica da cobertura da imprensa sobre os assuntos em pauta – e falta de 

cobertura   sobre  determinados  assuntos  –  é   um dos  aspectos  mais   relevantes  do  Blog  do 

Nassif,   que   trespassa   os   comentários   sobre.   E,   como   espécie   de   epílogo   virtual   a  O 

Jornalismo dos Anos 90, em de janeiro de 2008, lançou a série “O caso Veja” (“O fenômeno 

Veja”, 30/1/2008), denunciando o uso da revista semanal de maior circulação do País para 

promover   empresas   ou   atacar   adversários,   a   partir   de   interesses   comerciais   ou   intrigas 

pessoais. 

Até novembro de 2008 foram escritos 24 capítulos,  vários deles mostrando a atuação 

de jornalistas e colunistas a serviço do banqueiro Daniel Dantas, acusado de diversos crimes 

financeiros.   “O   caso   Veja”   também   contou   com   a   colaboração   de   leitores,   tanto   no 

levantamento de material  a pedido de Nassif  (tendo como exemplo o post “Preparativos”, 

16/2/2008, Anexo I), como na investigação e análise. Sobre isso, diz Nassif: “Foi um trabalho 

minucioso de pesquisa feito por vocês … Quando pedi a ajuda de vocês, houve quem risse do 

pedido. Esse povo não sabe o que é o trabalho cooperativo em rede” (“A rede e os g00db0ys”, 

21/2/2008, Anexo I). 

3.4. COBERTURA DO ACIDENTE DA TAM 

A cobertura do acidente com o vôo 3054 da TAM é um caso exemplar da participação 

do público no Blog do Nassif. Este material foi escolhido para análise por se tratar de um 

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tema em que aspectos técnicos têm grande relevância, mas que ainda assim apresentou um 

forte   caráter   político.   Assim,   com   informações   difíceis   de   serem   contestadas   por   não­

especialistas   e   acontecendo   em   meio   a   um   momento   de   grande   polarização   política,   a 

cobertura jornalística fica sujeita a manipulações e sensacionalismo. O material produzido 

pelo blog (jornalista e leitores) é uma narrativa tanto das investigações das causas do acidente 

como de como a imprensa se comportou em relação ao caso.  Porém, como destacado no 

capítulo anterior, momentos de tragédia acabam disparando uma grande participação amadora 

no noticiário.

O acidente aconteceu em 17 de julho de 2007, quando uma aeronave Airbus A320 da 

TAM Linhas Aéreas, vinda de Porto Alegre, teve problemas na aterrissagem no aeroporto de 

Congonhas,   em   São   Paulo,   e   chocou­se   contra   um   prédio   da   TAM   Express.   No   total, 

morreram   199   pessoas,   sendo   187   que   estavam   a   bordo   (181   passageiros,   dos   quais   19 

funcionários da TAM, e 6 tripulantes). É o pior acidente da aviação no Brasil.

Foram levantados 37 posts no Blog do Nassif a partir da madrugada de 18 de julho de 

2007 até o fim do mês de agosto do mesmo ano (Anexo II). Outros posts no período faziam 

referência indireta ou referência a assuntos relacionados (como a gestão da Agência Nacional 

de Aviação Civil ou o desempenho comercial da TAM). Neste trabalho, porém, reduzimos 

nossa seleção aos textos relacionados diretamente ao acidente. 

O primeiro post sobre o acidente publicado por Nassif é uma contribuição feita por 

leitor (“Sobre a pista de Congonhas”, 18/7/2007, Anexo II).  O conteúdo é  uma sugestão à 

convocação   dos   leitores­especialistas   do   blog.   Outros   12   dos   posts   selecionados   contêm 

comentários   ou   e­mails   enviados   por   leitores,   seja   com   texto  próprio,   seja   reproduzindo 

material  de outra fonte.  Deste último caso,  temos os posts  “A hidroplanagem na aviação” 

(18/7/2007), em que a leitora Silvana reproduz texto do site Air Safety Group, e “FAA aprova 

sistema aéreo brasileiro” (19/7/2007), com texto da BBC enviado pela leitora Luzete (Anexo 

II). 

Dos textos de autoria dos comentadores, destaca­se o post “O peso do Airbus da TAM” 

(2/8/2007), em que o leitor Gustavo faz um trabalho de cruzamento de informações oficiais da 

Airbus, publicadas em seu site, do número de passageiros e quantidade de combustível no 

avião, de acordo com o publicado na imprensa, e outras, para fazer um cálculo independente 

do peso do avião. Na ocasião, havia a hipótese de que o excesso de peso pudesse ser um dos 

fatores responsáveis pelo acidente. O cálculo, feito com base em informações públicas, era 

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inédito na cobertura até aquele momento. 

Também é digno de menção o post “Dos leitores” (29/7/2007), com um apanhado de 

comentários curtos (em geral com quatro ou cinco frases), que tratam, em maioria, de como a 

imprensa  vinha   tratando  o   acidente.  A  crítica  à   abordagem da  grande   imprensa   também 

aparece nos comentários publicados como texto principal dos leitores André Borges Lopes 

(“A dura mudança de rota”, 29/7/2007) e weden (“A segunda morte dos pilotos”, 2/8/2007).

Luis Nassif chama os leitores à colaboração com a cobertura em cinco posts: 

• “Sobre a pista de Congonhas” (18/7/2007), que embora reproduza comentário 

de leitor, é endossado ao ser publicado como texto principal;

• “A   propósito   do   furo   do   JN”   (19/7/2007),   em   que   se   dirige   aos   leitores 

especialistas   em   dois   momentos:   “os   leitores   especialistas   me   corrijam,   se 

estiver errado” e “Solicito que os leitores especialistas expliquem melhor essa 

questão,  para que se possa avaliar  as  seguintes  questões...”.  Menos de duas 

horas   depois   da   publicação   deste   post,   é   publicado   “O   uso   do   reverso” 

(20/7/2007), com resposta do leitor Antonio Carlos de So aos questionamentos 

do jornalista;

• “A questão IPT x ANAC” (23/7/2007), em que o convite aparece na seguinte 

forma: “Quem tiver elementos, fique à vontade para enriquecer a discussão”. O 

post foi editado posteriormente de modo a incluir comentários dos leitores José 

e Paulo Travaglini;

• “O manual do Airbus” (25/7/2007), em que é publicado o link do manual “para 

nossos especialistas”;

• “A defesa pós­morte” (1/8/2007), em que embora não nomeie leitores como 

interlocutores, é constituído apenas de duas perguntas que, pelo contexto, não 

podem ser consideradas apenas como recurso retórico.

Por fim, merece citação o post “O acidente aéreo e o Blog” (15/8/2007), com elogios à 

participação dos leitores: 

Encontrei minha colega Maria Lídia, da TV Gazeta. Me disse que a cobertura do 

acidente, pelo seu jornal, se orientou fundamentalmente pelas análises e informações 

que vocês ajudaram a colocar no Blog.

Especialmente o cálculo do peso do avião, preparado pelo Gustavo, que, segundo 

ela, deixou todos seus entrevistados da área surpresos, por perceber que ali estava 

um dos pontos centrais, que a cobertura da grande mídia não aprofundou.

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35

3.5. CONCLUSÃO

John Seely  Brown,  cientista­chefe  da  Xerox  Corp.,   descreve   assim o   jornalismo 

participativo no livro Elementos do Jornalismo: “Em uma era em qualquer um pode 

ser um repórter ou comentarista na Web, caminhamos em direção a um jornalismo 

de mão dupla. O jornalista se torna um líder de fóruns ou um mediador, mais do que 

simplesmente um professor ou palestrante. O público deixa de ser consumidor para 

ser pro­sumidor, um híbrido de consumidor e produtor”. (KOVAC e ROSENSTIEL, 

apud BOWMAN e WILLIS, 2003, p. 9)

Esse   jornalismo de mão dupla é  o  que caracteriza o  Blog do Nassif.  Embora  não 

disponha de ferramentas tecnológicas sofisticadas, o relacionamento entre jornalista e leitores 

marca essa nova era. Ao convidar textualmente os leitores a participar e pedir ajuda; publicar 

comentários na área principal do blog; e fazer elogios aos leitores, Nassif passa de jornalista­

professor para jornalista­mediador. 

Na cobertura do acidente da TAM, são utilizados todos esses mecanismos, tendo como 

resultado um material que em alguns aspectos superou em qualidade o produzido pela grande 

imprensa. Ele também media a comunidade ao indicar parâmetros gerais de comportamento 

nos comentários e  ao compartilhar  esse  trabalho com os leitores – pedindo que reportem 

algum comentário fora das regras da casa, por exemplo.  

Mesmo sendo um blog individual no Blog do Nassif se verificam pelo menos três das 

funções   de   participação   descritas   no   capítulo   anterior:   comentário,   filtragem   e   edição   e 

checagem. A primeira é a mais evidente. Mas se encontra filtragem e edição no envio de links 

para textos de outros sites e checagem no trabalho do leitor em relação ao peso do avião. 

Além   disso,   pode­se   afirmar   que,   devido   ao   espaço   privilegiado   destinado   à 

participação dos leitores, o Blog do Nassif situa­se a meio caminho entre um site de notícias 

independente   e   um   site   participativo,   de   acordo   com   a   classificação   de   J.D.   Lasica, 

mencionada no capítulo anterior.

As   características   do   gatewatching   também   aparecem   na   cobertura   analisada.   Um 

exemplo bem claro é o convite à consulta a uma fonte, no caso, o manual do Airbus, aeronave 

que   sofreu  o   acidente.   Isso,   como  visto   anteriormente,   torna  o  processo  de   edição  mais 

transparente.

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É importante ter em consideração que o princípio que move a participação em sites de 

notícias é diferente da produção jornalística tradicional. 

Tudo se resume a algo de muito simples: os leitores (ou telespectadores ou ouvintes) 

sabem mais do que os profissionais dos media. Uma verdade por definição: eles são 

muitos e nós, nas mais das vezes, somos um só. Necessitamos de reconhecer o que é 

óbvio   e,   no   melhor   sentido   da   palavra,   valer­nos   dos   conhecimentos   deles. 

(GILLMOR, 2004, p. 119)

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BIBLIOGRAFIA

BARROS FILHO, Clóvis. Ética na Comunicação – da informação ao receptor. São Paulo: 

Editora Moderna, 1995.

BOWMAN, Shayne e WILLIS, Chris. We Media: How audiences are shaping the future of 

news   and   information.  The   American   Press   Institute,   2003.   Disponível   em 

http://www.hypergene.net/wemedia/. Último acesso em 12/12/2008.

BRUNS,   Axel.  Gatewatching,   not   gatekeeping:  Collaborative   online   news.   Australia: 

Media   International:,   2003.   Disponível   em  http://eprints.qut.edu.au/archive/00000189/. 

Último acesso em 12/12/2008.

BUARQUE   DE   HOLANDA,   Heloísa   e   GONÇALVES,   Marcos   Augusto.  Cultura   e 

participação nos anos 60. São Paulo : Brasiliense, 1982.

CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura – Volume 1: A 

sociedade em rede. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999.

DÓRIA, Pedro.  O blog, o ministro, sua renúncia e uma sociedade melhor. 25/02/2008. 

Disponível   em  http://pedrodoria.com.br/2008/02/25/o­blog­o­ministro­sua­renunciae­uma­

sociedade­melhor/.  Último acesso em 12/12/2008.

GILLMOR, Dan. Nós, os media. Lisboa: Editorial Presença, 2005.

INDYMEDIA.  Welcome   to   Indymedia.  24/11/1999.   Disponível   em 

http://seattle.indymedia.org/en/1999/11/2.shtml. Último acesso em 12/12/2008.

JOHNSON, Steven.  Emergência: a dinâmica de rede em formigas, cérebros, cidades e 

softwares. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003.

Page 40: Jornalismo colaborativo nassif

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KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. 

São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual. São Paulo: Editora 34, 1996.

____________ Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

LUDD, Ned (org.).  A Urgência das Ruas: Black Block, Reclaim the Streets e os Dias de 

Ação Global. São Paulo: Editora Conrad, 2002. 

RHEINGOLD,   Howard.  The   Virtual   Community:   Homesteading   on   the   Electronic 

Frontier. Disponível em www.rheingold.com/vc/book. Último acesso em 12/12/2008.

STONEMAN, Phil.  Fanzines: Their Production, Culture and Future. Escócia: University 

of   Stirling,   2001.   Dissertação   (mestrado).   Disponível   em  http://www.lundwood.u­

net.com/fandissy/fdtitle.html.  Último acesso em 12/12/2008.

TECHNORATI.  State   of   the   Blogosphere   2008.  Disponível   em 

http://www.technorati.com/blogging/state­of­the­blogosphere/. Último acesso em 12/12/2008.

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ANEXO I – Excertos do Blog do Nassif sobre mídia e participação dos leitores, publicados entre maio de 2006 e agosto de 2008

30/05/06 09:04

O Blog Depois de algum tempo de resistência, resolvi aderir aos blogs. Em parte, por acreditar que o futuro do jornalismo está na Internet. Em parte, devido à enorme e revitalizante interação com o público leitor. Durante alguns anos, em lugar de temas econômicos, publiquei crônicas na minha coluna de domingo na "Folha". Era uma maneira de trazer à tona uma veia literária de juventude, que o jornalismo tinha contido por alguns anos. Mas também uma forma de passar a mensagem de que um país não se fazia apenas com a vã economia. Havia valores relevantes, que absorvi ao longo da infância e da adolescência, do início da maturidade, que pareciam desaparecidos nessa geléia geral da internacionalização dos anos 90. E havia uma enorme demanda dos leitores por temas dessa natureza. As crônicas me renderam enorme satisfação e um prêmio de finalista do Jabuti, categoria contos e crônicas, com o livro "O Menino de São Benedito". Quando a "Folha", por razões editoriais internas, decidiu suspender a publicação, passei a prospectar a Internet, através de sistemas de mailing, de ferramentas de extração de endereços. E aí e emoção redobrou. Você assistia os e-mails sendo disparados, ía recebendo os retornos, acompanhando os lidos, os não lidos, e o mailing foi sendo enriquecido com pedidos de inclusão que muito me honraram, como os de Ivan Lessa, Jader de Oliveira, Artur da Távola, os incentivos de Moacir Scliar, dentre outros. Apenas uma coisa me incomodava. Com o fim das crônicas na "Folha", perdi os meus "velhinhos", um público mais velho, pouco afeito à Internet, mais chegado ao papel, mas que aquecia meu coração com suas cartas e bilhetes. O formato do Blog será o seguinte: 1. Durante a semana prevalecerão os comentários políticos e econômicos. 2. Nos finais de semana, as crônicas e comentários sobre músicas, além de trechos de livros meus já publicados. Orgulho-me muito do nível de meus leitores. Sempre que levanto um tema polêmico, costumo receber e-mails consistentes, de pessoas com diferentes opiniões. Pretendo abrir espaço para esse tipo de comentário, mais do que para os comentários curtos e impressionistas dos blogs convencionais. Por isso mesmo, quem tiver comentários maiores a fazer, poderá escrever para [email protected] Os melhores serão publicados, dentros dos limites de espaço do blog. O Blog será dividido em quatro categorias principais, o Blog propriamente dito, Crônicas, Minhas Músicas e Livros. Todo o material blogado sairá obrigatorimente na página do Blog. Mas ficará armazenado, inclusive para efeito de pesquisa, nas janelas correspondentes a cada categoria. Em Crônicas pretendo trazer reminiscências, um pouco de historiografia e temas ligados à história da música. Em Minhas Músicas, vou expor pesquisas com músicas marcantes ou com lançamentos de novos autores. Eventualmente, incluirei composições minhas. Em Livros, trechos de livros já publicados, e ensaios de novos livros em que estou trabalhando. Para temas mais complexos, pretendo exercitar um tipo de cobertura já ensaiada em discussões como a da TV Digital e a da transposição das águas do São Francisco. Haverá uma interação com o site do Projeto Brasil (www.projetobr.com.br) e uma explicação didática dos diversos ângulos envolvidos na discussão, assim como a participação de cada ator trazendo seus argumentos, rebatendo os argumentos da parte contrária, tudo no tempo real que a Internet permite praticar. Espero poder cumprir um papel dentro desse espaço precioso que o UOL me abriu.

06/06/06 10:35

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Do leitor A venda de dados públicos

Não sou de escrever muito, ainda menos para colunistas ou jornalistas (gente que não conheço em geral).

A indignação me leva no entanto a fazê-lo, pois li a noticia na Folha Online sobre a possibilidade de o governo paulista vender os dados dos cidadãos às empresas privadas.

Uma das diversas conseqüências prejudiciais ao cidadão é, para citar a própria matéria, "uma loja poderá negar um serviço a alguém que já cumpriu pena por algum crime". Ora, isso já configura uma dupla pena. Alguém deve ser julgado por um crime e pagar a pena. Mas divulgar o cadastro e torná-lo acessível a todos (mediante pagamento) seria acrescentar uma outra pena, passível de durar eternamente, à primeira.

Poderia citar outros abusos potenciais, tantos são: uma empresa poderia negar um emprego a um postulante se souber que ele ja entrou com uma ação trabalhista no passado...

Esperando que a reação de todos faça o governo paulista recuar nesse atentado ao direito do cidadão.

Atenciosamente,

Felipe Ribeiro Cunha

22/06/06 22:50

O papel da mídia

Como muitos leitores estão discutindo o papel da mídia, coloco no Blog minha coluna do último domingo na "Folha", sob o título "A Mídia e o Fator Lula".

NO INÍCIO dos anos 90, a inacreditável entrevista de Pedro Collor para a revista "Veja" inaugurou a era de maior poder da mídia, desde o início dos anos 50. Descobriu-se a notícia-espetáculo, os fatos inverossímeis baseados em fontes suspeitas, mas que atendiam à sede de show.Denúncias graves não foram apuradas, denúncias vazias viraram manchete, forçou-se a barra, mas o presidente caiu. Ainda que à custa de um pequeno Fiat Elba.

Seguiu-se um longo período de denúncias inverossímeis, ou interessadas. Criou-se até essa obra-prima do jornalismo ficcional, o "roteiro Frankestein", que consiste em juntar pedaços de notícias verdadeiras, porém irrelevantes, e compor um roteiro com denúncias graves, porém falsas.

Ao longo dos anos 90, esse tipo de jornalismo gerou peças de ficção famosas, como a capa de "Veja" sobre Chico Lopes -segundo a qual o lobista amigo de Lopes, ele e o banco que pagava as informações se comunicavam por meio de três celulares, e o banqueiro Salvatore Cacciolla obtinha as informações por meio do "grampo" dos aparelhos, no dia da mudança de câmbio, o "grampo" falhou, por isso Cacciolla quebrou.

Agora, está-se em plena era da globalização e da internet, com dois fenômenos concomitantes, com implicações relevantes para o futuro das democracias. O primeiro, os

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amplos fluxos migratórios para os países centrais, gerando um novo tipo de cidadão-eleitor, as minorias étnicas, cada vez mais atuantes.

O segundo, a internet trazendo, em um primeiro momento, enorme balbúrdia de informações e, principalmente, de opiniões, catarses, espetáculo. Agora, quando esse tipo de recurso freqüenta intermitentemente a internet, as caixas de e-mails, os blogs, os comentários nos blogs, quando o exercício vazio da indignação pode se expressar de várias maneiras, o papel fundamental da grande mídia é o de estabelecer parâmetros.

É esse o diferencial: o aval à informação. Muito mais do que em qualquer outra época, há a necessidade do rigor da apuração, justamente porque existe uma overdose de notícias, boatos e opiniões exigindo o avalista.

Pergunto: estamos preparados para isso? A cobertura dos escândalos do mensalão e pós-mensalão deixa uma enorme dúvida no ar. Havia uma betoneira de denúncias a serem apuradas. Em vez disso, quando esgotou a fase inicial das denúncias, recorreu-se a uma overdose de denúncias sem comprovação, somada a uma incapacidade ampla de ir atrás de pistas consistentes, de entender a complexidade dos grandes golpes, de separar o escândalo de episódios triviais. Em alguns órgãos, juntou-se uma dose de agressividade, desrespeito e preconceito sem paralelo até na campanha do impeachment.

Chega-se ao final de um ciclo, que começou com a campanha do impeachment, que derrubou um presidente, e termina com a do mensalão, que não foi capaz de abalar a popularidade de outro presidente.

O exercício do jornalismo precisa ser urgentemente repensado. E não se trata de um problema de forma. É de fundo, de conteúdo.

22/06/06 19:59

O papel da mídia - 2 Quando topei montar o Blog, sabia de antemão da excelência dos leitores. Agradeço bastante as observações postadas na matéria anterior.

Mas vamos a alguns pontos que não são ainda muito claros. Como muitos leitores observaram, a grande mídia obedece a uma lógica econômico-financeira também. Nos anos 30, Ortega y Gasset já tinha estudos muito interessante sobre esse papel da mídia de massa.

Vamos analisar a notícia, então, como produto. Cada produto, em qualquer campo, pode ter características diversas, inclusive como posicionamento de mercado. Mas possui características intrínsecas, que não podem ser desrespeitadas, sob pena de se perder público.

Há um tipo de jornalismo sensacionalista, há o jornalismo de entretenimento, há o show de TV. No caso do jornalismo de opinião, uma das qualidades intrínsecas é a credibilidade. Não há como fugir disso. Pode-se mudar a natureza, tornar-se um veículo sensacionalista, e disputar o mercado nessa faixa, não na faixa da opinião.

Uma das características da credibilidade é a sobriedade. E aí se entra no nó: como casar credibilidade/sobriedade com a necessidade de vender o produto notícia? Como evitar que não se transforme em algo chato e insosso.

Eu diria que a fórmula é fácil de definir, e difícil de implementar: com talento, com pauta criativa, com rigor na apuração. "Cria" notícias quem não tem fôlego suficiente para

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pensar pautas criativas, com texto atraente e enfoques originais.

Por isso mesmo, em plena era da Internet, as armas do jornalismo convencional estão na recuperação do exercício objetivo dos valores jornalísticos.

17/07/06 08:26

O Blog e os leitores

Quem tem bons leitores, não morre pagão. Gostaria de parabenizar os leitores do Blog em geral pelo elevado nível das argumentações, pela aceitação do contraditório, por se praticar a democracia com argumentos, fugindo-se do simplismo, embora o clima de campanha eleitoral às vezes esquente o sangue de um ou de outro. Vocês estão ajudando o Blog a cumprir o papel a que se dispôs: ir contra as unanimidades e o maniqueísmo.

29/08/06 08:50

O jogo da convergência digital

Coluna 30/08/2006

Um dos temas mais instigantes dos próximos anos, especialmente no Brasil, será o papel das novas mídias de opinião, concorrendo com a mídia tradicional. Nos anos 90, em que pesem inúmeros exageros cometidos com a espetacularização da notícia, a mídia brasileira tentava cultivar alguma forma de pluralismo. O desafio era atingir o mais largo espectro de leitores. Havia o esquerdista e o direitista de plantão, e uma cobertura supra-ideológica, cujo maior objetivo era conseguir repetir o feito da derrubada de um segundo presidente. Fernando Henrique Cardoso foi alvo dessas tentativas. Mas, a não ser na cobertura financeira e seu falso viés técnico, não havia um componente ideológico, apenas compromisso com o show. Calhava da esquerda petista e seus procuradores fornecerem o roteiro para o show.

Esse modelo prosseguiu com o atual governo, a partir do episódio Waldomiro Diniz. Mas a campanha contra Lula foi um divisor de águas por várias razões. A maior de todas é não ter conseguido nem derrubar nem afetar a popularidade do presidente fora do campo da opinião média midiática. É o fim de um ciclo de prestígio da mídia tradicional, que começou com a campanha das diretas e atingiu seu auge com a queda de Collor.

Havia denúncias graves a serem apuradas, é fato, mas a mídia cedeu a uma radicalização cada vez maior. O movimento do pêndulo saiu da diversidade anterior para uma gradativa homogeneização da análise, se deslocando para a direita. Mais que isso, assumindo um profundo corte ideológico que, não raras vezes, enveredou pelo preconceito social -em que pese, repito, a gravidade evidente de muitas das denúncias—com um viés de intolerância em alguns veículos impossível de se sustentar ao longo do tempo: cansa o leitor, esgota.

À medida que a campanha contra Lula avançava --e ele resistia--, criou-se um jogo de braço com perdas para todos os lados. Perdeu o governo Lula, pela resistência radical que passou a provocar na opinião média midiática, perdeu mais ainda a mídia em geral, por ter comprometido a diversidade de pensamento e a objetividade das apurações e

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análises. A homogeneização do pensamento acabou deixando ao relento fatias importantes do público, do leitor intelectualmente mais exigente àquele cujas preferências políticas deixaram de ser contempladas pelo conjunto da mídia.

Todo esse quadro se formou no momento em que a proliferação de blogs, na Internet, criou novos espaços de opinião. Antes, tinha-se o jornal dando a visibilidade a seus colunistas, emprestando parte de seu prestígio e recebendo, de volta, a agregação de mais leitores e prestígio. Com os blogs, o aval não é mais do jornal, mas é individual, do blogueiro.

Os blogs são apenas a parte mais visível de um processo de criação de novos centros de opinião, como grupos de discussão, fóruns, ONGs. E novos atores de peso entrando no jogo, como as empresas de telefonia e os portais.

Nos próximos anos, a mídia brasileira passará pelas maiores transformações da sua história. Os jornais que entenderem o processo continuarão no jogo.

25/09/06 13:13

Despedida

Pessoal,

Encerro, agora, minha parceria com a UOL.

A partir de amanha estarei de casa nova. Gostaria de agradecer a equipe da Marion, sempre prestativa, profissional, com um senso de camaradagem e de equipe raros nos dias de hoje.

Quem quiser continuar acessando o Blog, clique em www.luisnassif.com.br. A partir de amanhã estará com um novo direcionamento, mas com o mesmo layout e divisão temática. Muda apenas a hospedagem.

PS -- Alguns leitores indagam se a saída tem algo a ver com artigos que escrevi. De forma alguma. Os Blogs são individuais, disponíveis a todos os assinantes da UOL. Nunca houve nenhuma pressão aqui, na UOL. A mudança tem a ver com projetos profissionais e a decisão foi comunicada à UOL há duas semanas.

29/09/06 15:05

Conhecimento em rede

Pessoal,

se quiserem conhecer de perto o poder fantástico do trabalho em rede, especialmente nas redes de conhecimento, dêem uma clicada na aba ECONOMIA e leiam os comentários colocados no post sobre a fruticultura de Petrolina.

Como jornalista, não tinha a menor idéia sobre os problemas apontados pelos leitores. Clique aqui

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24/10/06 07:00

A nova era da comunicação Na aba ECONOMIA a Coluna Econômica analisando a nova era dos blogs, e o divisor de águas na mídia: o episódio das fotos do dinheiro do dossiê.

28/10/06 09:08

Toc toc Aqueles dois enxames de abelhas africanas que invadiram o blog depois do debate já se foram? Posso entrar sem risco?

Então proponho aprofundarmos o debate sobre essa questão da Amazônia, que me pareceu um tema muito interessante. E, sem eleição açulando as abelhas, ficará mais fácil retomar o espírito original do Blog.

Adendo

Por absoluta exaustão com as abelhas africanas -- os dois grupos de skinheads da política que invadiram o Blog ontem -- vou tomar a liberdade de vetar os comentários partidários. Precisamos despoluir a Amazônia e o blog.

03/11/06 15:44

O Estatuto da Gafieira Minha colega Eliane Cantanhede se ofendeu com e-mails abusivos que recebeu, com ofensas de toda ordem.

É um abuso, de fato. Mas não é conveniente partidarizar os ofensores, nem julgar que as ofensas façam parte de um processo de "vilanização" da mídia.

Conforme se poderá conferir nos comentários colocados nos posts sobre o debate, havia um clima exacerbado e generalizado de torcida organizada. As ofensas saíam de partidários do PT e do PSDB, em doses iguais. E olha que bloqueei muitos comentários, inclusive com ofensas contra colegas jornalistas.

Esse pessoal não pode ser colocado na categoria de petistas ou tucanos. Eles têm o mesmo nível das torcidas organizadas futebolistas. Alguns estão em processo de aprendizado político e democrático -- um dia aprendem. Outros, estão contaminados pelo clima de radicalização. Todos estão se esbaldando com essa segunda explosão da Internet.

Ë questão de tempo para que amadureçam ou sejam enquadrados. Como em toda comunidade que se forma, no início é o caos. Depois, entram as regras tácitas ou explícitas. Quem desobedece acaba sendo expelido pelo próprio grupo.

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07/11/06 23:16

Projeto Brasil Esta noite houve o jantar de lançamento do Projeto Brasil 2007. O jantar reuniu um grupo de empresas e instituições parceiras.

Foram definidos os principais temas que serão desenvolvidos, assim como as ferramentas que, em breve, serão implantadas aqui, para facilitar a participação dos leitores.

No jantar comuniquei aos convidados que a qualidade dos leitores do Blog era garantia mais que suficiente de discussões de alto nível.

Entre as instituições parceiras, estão a Cepal, a Escola de Economia da FGV-SP, a GV-Law, a Unicamp como um todo, o Instituto de Economia da UFRJ, a Fundação Nacional da Qualidade e a Apex.

11/11/06 10:07

A mídia e os direitos fundamentais No meu livro "O Jornalismo dos anos 90" abordo dezenas de episódios em que a mídia atropelou os direitos mais comezinhos de vítimas de arbitrariedades policiais e do Ministério Público, que se associou a chantagistas para divulgar dossiês incriminatórios contra adversários, que desrespeitou sigilo fiscal, telefônico e pessoal de pessoas, expondo-as a manchetes e capas, sem comprovação do crime.

Contei o caso da filha de Chico Lopes, cujo computador pessoal foi apreendido pela Polícia Federal, o grampo no BNDES, a loucura do dossiê Cayman, em que se deu aval a uma falsificação evidente e grosseira, ao vazamento de contas telefônicas sigilosas na CPI dos Precatórios.

Quando a "Folha" comemorou 80 anos, participei de uma mesa redonda com colegas do jornal. Nela, se enaltecia o papel da mídia pelo fato de, no dia anterior, um senador da República, Jader Barbalho, ter sido algemado pela PF. Questionei o ato. Disse que quando se avalizava uma arbitrariedade dessa ordem contra um senador da República, mesmo com o passado e a má reputação de Jader, estava se investindo contra direitos individuais básicos, e dando autorização para o delegado de periferia usar o pau-de-arara.

Perguntei, na ocasião, se o compromisso da mídia era dar tudo o que o leitor queria, ou ser a guardiã de valores da civilização, mesmo em um país onde direitos individuais são tão pouco considerados.

Digo que sempre fui minoria nessas discussões. Cada vez que se desrespeitavam os direitos de qualquer pessoa, classe média para cima, vinha a cantilena de que se o pobre tinha o direito desrespeitado, porque essa preocupação com os direitos dos ricos. Ou seja, buscava-se a igualdade na uniformização do desrespeito.

A questão do desrespeito aos direitos básicos foi sempre uma constante nas publicações desde a campanha do impeachment. Grampos foram utilizados despudoradamente, assim como dossiês. E digo despudoradamente porque, muitas vezes, se destacavam frases sem nenhum significado, e a publicação adicionava as interpretações que queria sobre outras partes do grampo que, não sendo divulgadas, impediam o leitor de conferir

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sua veracidade.

Por tudo isso, não há o menor sentido nesse carnaval em torno do fato de dois telefones da "Folha" terem ido parar no inquérito da compra do dossiê. Está claríssimo, para qualquer leitor inteligente, que entraram exclusivamente devido ao fato de constarem no telefone de um dos suspeitos.

A seguir, dois dos capítulos do livro. Sugiro que leiam à luz do que foi a mídia nos últimos anos. O livro era crítico em relação aos anos 90, mas terminava com uma visão otimista, de que a única saída da mídia seria aprimorar-se, porque os leitores seriam cada vez mais exigentes e não aceitariam carne de terceira.

O uso dos grampos e dossiês

Um dos piores recursos utilizados para esquentamento de notícias foi o uso indiscriminado dos dossiês. Dessa facilidade se aproveitaram alguns dos piores chantagistas da República, tanto para jogadas políticas quanto comerciais.

Partia-se de um ato criminoso, o grampo, e -pior— conferia-se ao dossiê do chantagista mais valor do que a um processo jurídico. Passava-se ao leitor a impressão de que, por ter sido obtido de modo clandestino, tudo o que o grampo revelava era verdadeiro.

Os principais estratagemas para "esquentar" grampos eram os seguintes:

Frases fora do contexto - A conversa telefônica informal é basicamente coloquial. Experimente analisar uma conversa sua, ao telefone, e, depois, levantar a quantidade de declarações que, tiradas do contexto, podem dar margem a interpretações dúbias. O que se fazia era mencionar trechos da conversa e, depois, o chantagista, através do repórter, tirar suas próprias conclusões e tentar induzir o leitor.

O ápice dessa manipulação foi o "grampo" em cima de um dos irmãos Bragança - tido como homem do ex-presidente do Banco Central Chico Lopes - em que ele dizia que "a reunião foi desmarcada". E o repórter concluía - sem uma prova sequer - que a "reunião" só poderia ser a do Banco Central, onde se deliberaria sobre eventuais mudanças no câmbio.

Outro caso clássico foi o das centenas de horas de gravação da Polícia Federal em cima de suspeitos de escândalos da Sudene. A reportagem era rica em adjetivos que descreviam as transcrições - "chocante", "inacreditável". Mas a transcrição das principais passagens mostrava declarações pífias. Os esquemas existiam, eram pesados. Mas nada justificava os atentados que se cometeram contra a objetividade jornalística.

Estratagema semelhante - de manipulação de frases em conversas "grampeadas" -- foi tentado na disputa Ambev x Kaiser, em cima de um grampo sobre o advogado Airton Soares. O episódio foi desmascarado a tempo.

A fonte secundária -- Outra jogada usual era o "grampo" em cima de uma pessoa, em geral suspeita, onde ela mencionava relações com pessoas do governo. Não se ia conferir se a pessoa tinha acesso à fonte mencionada, ou se simplesmente se se valorizava perante o interlocutor. Um bandido conversava com outro bandido sobre um terceiro personagem ao qual ele sequer tinha acesso. Era suficiente para se considerar a conversa como definitiva

O caso da compra de votos para a reeleição foi típico. Houve o grampo em cima de um político secundário, que dizia ter sido convencido pelo governador Amazonino Mendes a votar pela reeleição. Ele supunha que a razão do interesse do governador fosse o "dinheiro do Sérgio Motta".

Era evidente que a forma de cooptação política não era a mala preta levada na calada da noite para Manaus, mas verbas liberadas legalmente através do orçamento nas mãos dos

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aliados políticos - uma prática fisiológica condenável, mas que nada tinha a ver com a maneira com que se embrulhou a denúncia.

A denúncia foi importante para combater as práticas fisiológicas, mas sua premiação foi um dos principais estímulos ao uso indiscriminado pela mídia de práticas criminosas, como grampos e dossiês.

A verdade parcial - Recurso bastante utilizado no dossiê Cayman, ou na cobertura do caso Chico Lopes, era juntar um conjunto de fatos, alguns não apenas inverídicos como inverossímeis, e outros reais, porém secundários. A partir destes, concluir que o conjunto era real.

Nesse episódio tinha-se um caso real - a conta aberta no banco de Cayman. Não se sabia de quem era, quem movimentava os recursos e quanto recurso era movimentado. Podia simplesmente ser uma conta aberta pelo chantagista para armar a jogada, podia ser uma conta real. Pouco importava. Em torno de um fato verdadeiro e não conclusivo - a existência da conta - se armou toda a ficção.

O caso Chico Lopes foi um clássico de ficção também. Tinham-se duas informações: o número da conta do banco Pactual em Nova York e três números de celulares que pertenceriam a Bragança, o amigo de Lopes. Em cima dessas informações criou-se a história de que a conta do Pactual era utilizada para pagar Chico Lopes, e os três celulares eram utilizados por Bragança para poder trocar informações com Chico sem ser grampeado.

Na verdade, o número da conta era apenas o número de registro do banco em Nova York. E os números dos três celulares constavam da declaração de renda de Bragança. Essa informação jamais foi divulgada, depois que a denúncia saiu na "Veja", apesar de cartas enviadas para lá por acusados.

Manual de Sobrevivência

Preparei um Manual de Sobrevivência na Selva, com algumas indicações simples e óbvias sobre como se precaver contra as falsas matérias.

Dossiê Cayman, reportagens sobre Chico Lopes, armação em torno do depoimento da conselheira do Cade (Conselho Administrativo de Direito Econômico) Hebe Tolosa na Polícia Federal, o sujeito que se dizia lobista do diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (que, depois, descobriu-se que era meio desequilibrado), todos esses fatos comprovam que não há mais o menor controle de qualidade na produção jornalística como um todo.

Conhecimento

Parte dos leitores tende a considerar que tudo sai em letra impressa é, por princípio, verdadeiro. Um pouco de ceticismo não faria mal. Tipo, toda denúncia é por princípio falsa, a menos que apresentem provas de que é verdadeira. Trata-se de princípio básico de direito, que reza que o acusador tem o ônus da prova.

Verossimilhança

É o critério inicial básico para se avaliar uma matéria: conferir se tem lógica. Se a denúncia diz que o sujeito que quebrou recebia do presidente do BC informações privilegiadas sobre o câmbio, a denúncia não tem lógica: se recebesse, teria enriquecido e não quebrado. Da mesma maneira, supor que quatro políticos, sem afinidades pessoais entre si, pudessem abrir uma conta conjunta, e batizá-la com suas iniciais é algo tão extravagante que deveria desqualificar a denúncia no seu nascedouro.

Evidências

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Há denúncias que vêm acompanhadas de provas, outras que apresentam meras conclusões. O repórter que chegou à determinada conclusão, mesmo que não revele a fonte ou não disponha de provas, tem por obrigação revelar todos os elementos que lhe permitiram concluir. Quem tem elementos, apresenta. Quem não apresenta, é porque não tem. Se não pode apresentar testemunhas, o repórter tem, no mínimo, que apresentar fatos, circunstâncias, detalhes que lhe foram contados, para que o leitor possa avaliar se a suposição tem base ou se é chute. Se não apresentar, é chute.

Fitas

Não acredite no jornalista que, ao mencionar determinadas gravações, use adjetivos tonitruantes para qualificá-las ("explosivas", "impactantes"), mas não mostre nem a cobra nem o pau. Só acredite nos trechos entre aspas, e só acredite naquilo que você está lendo. Se o trecho mencionado não significar nada para você, é porque não tem significado algum mesmo. Qualquer conclusão que a matéria apresente, que não for aquela que você pode tirar objetivamente da frase entre aspas, é cascata. Se os trechos do "grampo" que foram publicados não tiverem importância, é porque o que não foi publicado tem menos importância ainda.

17/11/06 15:10

O acidente da Gol Estou juntando várias informações deixadas por leitores há um mês, quando abrimos aqui as discussões sobre o acidente da Gol. Algumas, só apareceram hoje na cobertura dos jornais.

Daqui a pouco apresento os dados dessa fantástico trabalho em rede possibilitado pela Internet.

27/11/06 08:47

Livro em rede Pessoal,

no primeiro balanço de contribuições ao livro, posso dizer que estão confirmadas todas as minhas expectativas de que o conhecimento difuso de que o país dispõe hoje em dia é amplo, rico, e não captado pelos canais convencionais da mídia. As contribuições ao blog foram excelentes.

Muito obrigado, e o livro continua.

07/12/06 17:47

A (i)lógica do Copom

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Na aba de ECONOMIA, uma contribuição preciosa de um leitor não-economista para a mandracaria das atas do COPOM.

16/12/06 12:18

A rede venceu Há uns dez anos, o Reinaldo, um japonesinho gênio, meu guru para a área de informática, veio me contar a grande nova: uma tecnologia desenvolvida pela Citryx, empresa americana, que permitia que, a partir de um servidor - local ou remoto - baixar programas até em máquinas XT, e rodar usando a memória do servidor. Me dizia ele: "Essa tecnologia mudará a história da Internet".

Demorou, mas esse dia chegou com a maturidade da Web 2. E pergunto, como ficará a Microsoft nisso?

Primeiro, a Microsoft tinha a vantagem de dominar o sistema operacional, primeiro o DOS, depois o Windows. Utilizou essa vantagem cometendo toda sorte de abusos, não abrindo os códigos para os concorrentes. Com essa manobra, conseguiu alijar todos os grandes desenvolvedores de aplicativos da era DOS, a Boreland e seu Quatro Pro, o Wordperfect, a Lótus e seu 123, o Wordstar, o Visicalc, o Supercalc, e tantos outros programas que fizeram história.

Quando os concorrentes começaram a aprender a atuar, ela se prevaleceu do controle sobre os formatos hegemônicos. Eu podia gostar do Amipro ou do Smartsuite, mas não usava porque não conseguia falar com o Word e o Excel.

Quando a padronização avançou e os concorrentes desenvolveram interfaces para ler os programas do Office, a Microsoft passou a se valer da integração com seus sistemas de rede. E aí se revelou o gênio de Bill Gates.

Lá atrás, quando começou a era da micro-informática, além do sistema operacional a Microsoft avançou na tecnologia de redes (matando a Novell), nos bancos de dados (conquistando nichos de pequenas e médias empresas), no navegador (matando o Netscape), e outros sistemas de infra-estrutura. E essa integração entre Exchange, SQL, depois o Sharepoint garantia uma sobrevida à família Office e ao Windows - ainda os carros chefe da companhia.

Esse momento acabou, e Bill Gates se aposentou. A rede avançou, amadureceu, definiu critérios de padronização e confirmou a predição do jovem desenvolvedor do Netscape, que sonhava que, a partir dos navegadores, acabaria o predomínio do Windows como sistema operacional e do Office como aplicativo.

A partir do navegador, em setores de larga abrangência - como pesquisa, email e aplicativos - os concorrentes chegaram com uma tecnologia superior, recuperando os valores da simplicidade (que a Microsoft perdeu, criando programas cada vez mais complexos e funcionalidades cada vez menos essenciais) e um modelo de negócios muito mais eficiente, conquistaram os novos mercados. Qual o melhor buscador do meu desktop com sistema operacional Windows? O Google. Qual o melhor buscador dos meus e-mails que ficam no Outlook? O Google.

Ao mesmo tempo, o trabalho em rede, que já se consagrara no desenvolvimento do sistema operacional Linux, ganhou a maturidade com o extraordinário Firefox e o Thunderbird. Os aplicativos da web encontraram sua linguagem universal no Java, da Sun. Os aplicativos explodiram depois que a Sun colocou o Staroffice à disposição da comunidade. Agora, o próprio Google começa a oferecer os aplicativos virtuais, que

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podem ser baixados gratuitamente através da Internet. O Linux avança em desktops. E se tem a oportunidade, pela primeira vez, da massificação do mais perfeito sistema operacional da era dos PCs, o da Apple.

A Microsoft tenta avançar em todas essas frentes. Lançou o bom Live Messanger, tem o Hotmail. Mas não há mais os ganhos de sinergia. Agora, cada produto desses tem um CEO à frente. Só que, em cada frente, há um projeto de Bill Gates dirigindo cada concorrente.

A rede venceu.

A discussão está ótima e as informações são preciosas. Mas alguns leitores observam que o Blog não é de especialistas. Por isso solicito aos nossos especialistas que procurem empregar uma linguagem mais didática e menos técnica, para que todos (inclusive eu) possamos aproveitar melhor esse conhecimento.

27/12/06 10:10

MBAs, headhunters e TAM O caso TAM propiciou uma boa discussão, nos comentários, sobre as distorções desses cursos de MBA e do papel dos "headhunters" (empresas de colocação de executivos).

Quem quiser poderá conferir nos comentários dos posts sobre a TAM. Amanhã vamos ampliar esse debate, que é atualíssimo.

09/01/07 10:34

A discussão sobre o YouTube Pessoal,

parabéns pela discussão sobre o caso YouTube. Apesar de ser um assunto que está pegando fogo, em sua maioria absoluta (os 120 primeiros comentários que li), são análises de nível civilizado, com ótimos argumentos de lado a lado. Até as "abelhas" que ocasionamente invadem o Blog se renderam ao bom nível da discussão em que vocês se empenharam.

Creio que temos, ali, ótima matéria prima para discutir um dos grandes temas emergentes: a privacidade, o Estado nacional e os provedores de conteúdo da rede.

02/02/08 15:44

A Abril se manifesta

A Editora Abril enviou carta ao iG, respondendo à série que estou publicando. Reproduzo aqui a carta (que o iG posta no Último Segundo):

“ A EDITORA ABRIL, responsável pela publicação da revista VEJA, repudia veementemente

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as informações divulgadas no blog do jornalista Luis Nassif nos dias 18.12.2007, 10.01 e 11.01.2008.

Ao contrário do que quer fazer crer Luis Nassif, o jornalismo praticado pela revista Veja jamais esteve mancomunado com os interesses alheios à postura adequada de órgão informativo ético. A revista Veja sempre postou-se pelo exercício de um jornalismo honesto, sério e imparcial, portanto, bastante contrário às acusações descabidas de Nassif.”

Resposta - Em vez de repudiar, faria melhor a Abril em analisar mais detidamente os fatos narrados.

Solicito aos comentaristas que se abstenham de comentários neste post especificamente, já que o direito de resposta é sagrado.

05/02/07 16:23

Estatuto da gafieira Pessoal,

Para aqueles que estão chegando agora, algumas regras de conduta do Blog, já que até as gafieiras têm estatutos:

1. Há alguns elementos desequilibrados que volta e meia azucrinam o Blog. Em particular, um professor de exatas da Unicamp que passou meses perturbando, entrando com codinomes variados. Quando descrevi o perfil do perfeito desequilibrado das salas de chat, ele se identificou com o retrato e passou a enviar e-mails com ameaças físicas. Decidi poupá-lo de um BO ou de revelar sua identidade pública (já que ele assume os vários personagens que cria) com a condição de que parasse de azucrinar. Agora ele está de volta.

2. A presença desses elementos impõe uma regra. Críticas pesadas contra terceiros continuarão a não ser aceitas. Contra o blogueiro (desde que não contenham elementos de injúria, calúnia ou difamação) serão aceitas, mas desde que o comentarista se identifique. Só faltava abrir um espaço democrático para receber porradas de anônimos.

3. O clima do blog está o melhor possível. Começa a haver diversidade maior de opiniões, e uma civilidade exemplar entre pessoas que pensam de forma diferente. Como existem vários blogs que até usam como matéria prima a guerra santa entre torcidas políticas, que tal os poucos briguentos irem brigar por lá, e depois de saciados, voltarem para discutir em alto nível por aqui? Não é uma boa proposta? Tem uns briguentos bons de argumentos que, quando passarem a recorrer só aos argumentos, vão ajudar bastante na discussão.

23/02/07 23:46

A comunidade do Blog

Hoje fui dar uma palestra para os 600 participantes do encontro anual do INDG, a consultoria de qualidade dos professores Falconi e Godoy. Inclusive com show após a palestra.

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Fiquei feliz de encontrar vários integrantes do Blog. Essa interatividade, realmente, cria uma afinidade impossível na relação estática de colunista e leitor de jornal.

20/03/07 12:20

Trivial variado Pessoal,

como muitos utilizam alguns posts para mensagens off-topics, que nada tem a ver com o assunto, vou postar todo dia uma nota especial para tal tipo de mensagem. Podem deixar aqui seus off-topics.

21/03/07 20:52

O sistema Projeto Brasil Amigos,

Hoje fizemos os penúltimos testes do novo sistema do Projeto Brasil que entrará brevemente no ar. Está uma lindeza, trabalho de craque da Facilit, rapaziada do Porto Digital de Pernambuco.

A idéia será montar a primeira plataforma aberta de discussão de políticas públicas.

As ferramentas serão as seguintes:

1. O site permitindo a montagem de comunidades e trabalho colaborativo. Estarão disponíveis dezenas e dezenas de trabalhos, apresentações, PDFs sobre os mais diversos temas de políticas públicas.

2. Haverá um Fórum de Discussão estruturado, em que os leitores cadastrados poderão participar com comentários, artigos e trabalhos. Os leitores com mais colaborações terão uma área própria, onde poderão colocar seu perfil, fazer upload de seus trabalhos e artigos.

3. Cada fórum de discussão terá um documento wiki associado, com uma espécie de ata das conclusões a que se for chegando. Esse conjunto constituirá o WikiPB, com todas as informações consolidadas permanentes do Projeto.

4. Haverá uma ferramenta chamada Painel de Controle, que permitirá listar projetos públicos por atividade, com prazo e responsável. Com a ajuda de vocês montaremos um monitoramento porreta das promessas de governos.

5. O Fórum será linkado ao Blog, de tal maneira que os comentários maiores e mais consistentes serão transferidos para o Fórum, para permitir aprofundar a discussão.

Tem mais ferramentas, que oportunamente divulgarei aqui.

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30/05/07 01:09

A blogosfera Agradeço o empenho de vocês na votação da revista Imprensa .

Mas do que o resultado em si, tem sido importante para mostrar a relevância do instrumento Blog dentro do universo da mídia em geral.

Até agora, 2.508 votos dados à categoria, a todos os candidatos, muito mais do que a votação de todas as demais categorias. Apesar de ser permitido repetir o voto a cada dia, a assiduidade dos votantes é sinal claro da afinidade que se cria na comunidade que se forma em torno de um Blog.

A beleza da história é que essa afinidade está permitindo montar uma comunidade que pensa de forma diversificada, com várias competências somando esforços e praticando diariamente a pluralidade e a tolerância.

30/05/07 10:31

A diversidade nos blogs Enviado por: Paulo de Freitas Dia

Nassif,

Eu mesmo sou a prova viva da importância dos blogs na diversificação e disseminação das diversas correntes de opinião.

Sou um eleitor histórico do PDSB, principalmente do Serra. Era um daqueles indignados com o governo Lula, após as crises que estouraram no primeiro governo. Embarquei naquela história de que era o governo mais corrupto, de que o bolsa família era não mais que um programa assistencialista, que o Lula era um populista de marca maior, manipulador dos pobres...etc. Enfim, toda aquela campanha irracional que irrompeu em meados de 2005.

Ano passado comecei acompanhar seu blog, pois era seu leitor na Folha. Logo em seguida os blogs do Mino Carta e Paulo Henrique Amorim. Foi então que comecei a ter a outra versão dos fatos. Principalmente baseado nas análises extremamente equilibradas que você faz neste espaço.

Para mim os mitos foram caindo. Por exemplo, o mito de gestor eficiente concedido ao Alckimin. Mito esse denunciado por você como falso. E os fatos (segurança, educação, febem, metrô) corroboraram o que você vinha antecipando.

Hoje tenho (ou pelo menos penso ter...rs) uma visão muito mais equilibrada e menos maniqueísta do cenário político brasileiro. E freqüento blogs dos mais variados matizes (desde Zé Dirceu até Reinaldo Azevedo e os podcasts do Mainardi).

Continuo um eleitor do PSDB, mas muito mais crítico e racional, tanto ao PSDB quanto ao governo Lula. Arrisco dizer que esse segundo governo Lula começou muito mais pró-ativo do que o segundo governo FHC, e mesmo com as barbeiragens na política econômica, deixará um legado mais positivo.

É engraçado quando comparo minha visão atual com familiares ou amigos que se

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informam apenas pelas mídias tradicionais. Eles não fazem idéia da riqueza, da diversidade e profundidade dos temas tratados nos blogs. E como esse instrumento nos ajuda a vislumbrar as mais variadas questões pelos mais variados ângulos.

P.S: acompanho seu blog desde o primeiro dia, lá no UOL. E digo feliz que nunca fiz parte das "abelhas assassinas". O bom combate resulta sempre de boas argumentações, em detrimento de baixarias e ofensas pessoais.

05/06/07 00:52

Novo portal do Projeto Brasil Prezados amigos,

depois de um longo tempo, de passar por vários desenvolvedores que nos deixaram na mão, está finalmente pronto o novo sistema do Projeto Brasil (www.projetobr.com.br).

Parte do sistema está no ar. Esta semana passaremos fazendo os últimos ajustes. Será possível criar comunidades de discussão, participar dos fóruns de discussão, enviar artigos, trabalhos, baixar apresentações.

O sistema terá as seguintes ferramentas:

1. Blog (vai entrar no ar até o final de semana) integrado com o fórum de discussões, de maneira a automatizar o envio para o fórum dos comentários de maior fôlego.

2. Fórum de discussões, permitindo deixar arquivos para download e permitindo que os leitores façam upload de artigos e trabalhos.

3. Documento wiki, que será desenvolvido à medida que os fóruns vão levando a conclusões.

4. Painel de controle: ferramenta que permitirá identificar projetos de governo e listar tarefas, prazos e responsáveis.

Para participar do Projeto Brasil há dois caminhos:

1. Individualmente, basta entrar no endereço e se cadastrar, cadastro simples, com nome e email. Até o final da semana será disponibilizada uma área para cada cadastrado, onde estarão armazenadas todas suas contribuições.

2. Comunidade. Você poderá juntar um grupo de pessoas em torno de determinado tema, montar uma discussão restrita ao grupo, e depois postar para os demais usuários as conclusões.

Esta semana e a próxima serão de ajuste. Por isso convido vocês a se cadastrarem e ajudarem nas sugestões para o aprimoramento do sistema.

Endereços:

Para cadastro.

Fórum sobre biocombustíveis.

Mapa da Burocracia, incorporando os comentários que vocês postaram naquela nota estimulando o levantamento das obrigações burocráticas inúteis.

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Gestão das Universidades Públicas, em cima dos comentários sobre indicadores de gestão nas universidades.

Experimente, e depois passe sua avaliação para darmos os retoques finais no portal.

17/06/07 13:47

Convivência democrática Pessoal,

o Blog está com uma diversidade ótima. Bons debatedores com pontos de vista divergentes, boas informações e análises.

Às vezes o clima esquenta e, sem perceber, enveredam pelas brigas e ataques pessoais. Já temos exemplos de sobra da pocilga em que se transformam Blogs assim, ou quando coordenados por blogueiros desequilibrados, ou quando o próprio grupo não dá uma parada para respirar e voltar ao normal.

Por isso, pé na tábua, ênfase nos argumentos, mas respeito pela diversidade e amistosidade.

28/06/07 00:19

O Blog e os temas complexos Boa discussão sobre os agressores da moça no Rio.

Reparem: a única coisa que escrevi foi que o pai de um criminoso tem o direito, como pai, de se condoer da situação do filho. Em dois trechos salientei que não estava defendendo os agressores. Porque salientei? Para ressaltar o óbvio mesmo sabendo, de antemão, que em momentos de catarse nem o óbvio reiterado é aceito.

Mas é importante uma reflexão sobre essa profícua discussão.

Na morte do menino João, por exemplo, analisando os antecedentes dos assassinos, coloquei aqui a hipótese de que foi muito mais uma tragédia, depois de uma tentativa de assalto, do que fruto de uma mente criminosa. Crime? Crime. Mas de uma natureza menos drástica do que se fosse manifestação clara de premeditação e crueldade.

O post foi invadido por um grupo de indignados, com as ilações mais loucas possíveis. Eu estaria defendendo os criminosos apenas porque eram pobres e eu seria lulista adversário da classe média. Há muito já desisti de entender essas relações e causalidade invocadas nessas discussões, em que se politiza até cartilha de orientação sexual.

Agora se tem um quadro oposto. Não defendi os rapazes e nem poderia. Espancar uma mulher humilde não é defensável. Como há uma unanimidade em torno do caso, se quisesse ganhar aplausos fáceis faria como alguns colegas meus e estimularia a catarse. Quem pode ser contra quem defende a punição exemplar de quatro filhinhos de papai que bateram em uma empregada doméstica?

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De que adiantaria? Colheria aplausos, insuflaria ainda mais o espírito de vingança e o que nós todos ganharíamos em termos de informação, de opiniões divergentes? Nada. Daí a provocação de defender o direito do pai de... prantear a tragédia provocada pelo filho. O mínimo! Não defendi a libertação dos agressores, não minimizei o episódio, não julguei o pai, não pretendi dar aulas de como ser pai. Defendi o seu direito de prantear a atitude de um filho que cometeu um crime. O direito ao luto. Não pode porque é de classe média.

Releiam os comentários. Dá para entender o clima maluco em que nosso país se meteu, com acusações políticas a torto e a direito, desqualificação de quem pensa de forma diferente?

Meus amigos freqüentadores habituais do Blog criticaram minha posição mas encararam de forma democrática. Mas porque temos um histórico de relacionamento. Alguns que acabaram de chegar entraram chutando a porta. Porque não temos relacionamento ainda.

Um dos inicialmente agressivos, o Rogério K, depois de uma discussão com o Weden, entendeu o espírito da comunidade do Blog, e mudou o comportamento.

Reparem a responsabilidade que paira sobre os ombros do bloguista. Pode-se induzir o blog a entrar em baixaria ampla, ou podem-se definir regras que permitem a convivência civilizada.

Felizmente, temos aqui no Blog um pessoal de alto nível e um ambiente de troca civilizada de idéias.

Mesmo na divergência, em um tema complexo como o que coloquei, conseguimos ir até o final com um mínimo de baixaria.

03/07/07 23:19

Os modelos de Estado Os leitores do Blog usam o anonimato não para atacar, desqualificar, difamar, espalhar escatologia e ofensas. É para ensinar. Não é uma maravilha?

Aproveitem as ótimas lições anônimas.

Enviado por: Outro economista

Nassif, para dar solidez teórica e empírica ao seu ótimo comentário, sugiro a leitura do livro de Peter Hall & David Soskice, Varieties of Capitalism. Oxford, 2001.

Grosso modo, as análises conduzidas por esses autores enfocam as diversidades do ambiente institucional que condiciona, contorna e suporta os comportamentos dos agentes econômicos e suas interações estratégicas.

Assim, argumentam que as nações prosperam não por se tornarem similares, mas por construírem suas "vantagens institucionais comparativas". As análises classificam dois tipos ideais de economia de mercado: liberal e coordenada. Entre as nações do primeiro tipo encontram-se os países anglo-saxões, como os EUA, o Reino Unido, Austrália, entre as do tipo coordenado estão a Alemanha, a França e o Japão.

No modelo liberal o mercado media a relação entre os atores, num contexto de competição, no modelo coordenado, o apoio institucional é permanente suportando a interação estratégica, a colaboração e a complementaridade. Vale a pena conhecer para

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dissolver o pensamento único, mostrando que existem outras alternativas para o desenvolvimento socioeconômico para o Brasil se inspirar (e não copiar).

Enviado por: Filosofo

Caro Nassif,

Mais ou menos na linha do teu post, há interessante obra de Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna (êta nome grande) que identifica dois modelos teóricos sobre a forma de influência no processo de formação da vontade política quando da elaboração das políticas públicas previdenciárias. O primeiro, europeu, é o "neocorporativismo", reflexo do chamado corporativismo societal, que surge a partir das mudanças ocorridas nos sistemas de seguridade feitos na década de 1970.

Nele, há uma negociação generalizada entre Estado e representantes do Capital e do Trabalho, em instâncias governamentais nas quais participam sindicatos fortes, que também controlam a atuação Estatal. Neste processo, o Estado cede parte de sua autoridade decisória numa relação negociada com grupos representativos. O segundo modelo de influência é o "lobbying" norte-americano, no qual a estratégia legislativa decorre da competição entre interesses individuais e fragmentados das inúmeras facções da sociedade.

Há uma multiplicidade de canais de acesso às decisões governamentais através dos lobistas. Ela defende a tese de que o modelo brasileiro migrou do sistema neocorporativo, com sistemas de integração negociada, para o de "lobbying", com competição de grupos de interesses no "mercado político".

Dentre os fatores que levaram a essa modificação, cita-se o regime presidencialista forte, a baixa representatividade da estrutura partidária, a formação de canais privilegiados durante os regimes autoritários que desmontaram a estrutura hierarquizada de representação montada por Getúlio Vargas e outros. (VIANNA, Maria Lucia Teixeira Werneck. A americanização (perversa) da seguridade social no Brasil, p. 53 a 192).

06/07/07 11:27

Filtros nos comentários Devido ao acúmulo de comentários, muitos deles liberados através do celular, em pleno trânsito, é possível que passem alguns que fujam ao espírito do Blog.

Solicito que vocês me ajudem a identificar eventuais cochilos na liberação dos comentários. Especialmente os frequentadores habituais do Blog, solicito que mantenham-se críticos, mas evitem extrapolar. A melhor maneira de responder aos ataques baixos é ignorá-los ou tratá-los com crítica civilizada.

06/07/07 21:04

Depois das moscas assassinas

Passei o dia todo fora, pegando depoimentos para meu próximo livro. Mil perdões para os leitores fiéis que tiveram que conviver o dia todo com as moscas assassinas. Mas foi por uma boa causa.

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Graças à colaboração de vocês, nessas duas semanas desmontamos uma ofensiva macartista contra uma cientista, desmascaramos uma ofensiva manipuladora contra um curso. Aos poucos vai sendo jogado luz sobre essas manipulações, inclusive essa história maluca de que pedi a cabeça de parajornalistas.

Os escritos de vocês têm ajudado muito a entender os jogos retóricos-escatológicos dos neocons tupininquins, a desmontar falsificações grosseiras. E, principalmente, ajudaram alguns dos agressores, depois que entenderam o espírito do Blog, a se transformarem em abelhas laboriosas, interessadas na troca civilizada de idéias e informações.

Bem vindos os novos leitores que chegaram atraídos por acusações e se integraram ao clima de discussões sem ofensas do Blog. Petistas, tucanos, conservadores, esquerdistas, somos todos cidadãos interessados na troca civilizada de idéias.

Agora, vamos dar um tempo porque ninguém aqui tem estômago de ferro para conviver com tanta escatologia.

02/08/07 09:44

Manera, frufru

Lembrando a música de Fagner para pedir aos leitores que evitem acusar pessoas de "canalhas" e adejtivos similares. Colabore com a campanha Blog Limpo.

/09/07 23:01

Noblat e o Blog

O jornalista Ricardo Noblat teve a gentileza de indicar este Blog no seu. Creio que somos amigos, dos tempos heróicos do jornalismo que combatia a ditadura. Em muitos temas, nossas posições são divergentes. Em grande parte, nossos públicos são distintos.

Mas temos em comum o fato de, em determinados momentos de nossas vidas profissionais, termos recusado a imposição da linha editorial das respectivas publicações em que trabalhávamos. E também o fato de termos partido para o vôo solo dos Blogs, ele pioneiramente, eu, depois.

Independentemente de posições doutrinárias, somos ambos jornalistas, em um momento em que o jornalismo tem sido atropelado por um neo-jornalismo oportunista e inescrupuloso, que analisa a relação custo/benefício da injúria/difamação vs as condenações a que estão sujeitos.

O Blog do Noblat fica em www.noblat.com.br

PS – Vamos retribuir a gentileza de Noblat pedindo aos que discordam dele não aproveitar esse espaço para colocar comentários ofensivos.

22/09/07 10:55

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Regras de conduta De tempo em tempos precisamos dar uma freada de arrumação para não perder o foco do Blog. Peço a compreensão de todos para os seguintes princípios que devem nortear o Blog:

1. Aqui é um lugar público. Isto é, pode ser freqüentado por pessoas de todas as linhas de pensamento, desde que preservados princípios de civilidade.

2. O clima de descontração permitiu que alguns grupos se formassem. É um prazer acompanhar a maneira como se conhecem, se relacionam, se aproximam, mesmo tendo pensamento divergente.

3. Por outro lado, essa informalidade, e o relacionamento dos grupos, podem induzi-los ao processo de demarcação de espaço, a atuarem contra “invasores”, baseados no critério antiguidade. Processo que lembra um pouco os ambientes das velhas salas de chats de anos atrás.

Pessoal, por aí não dá. Todos os visitantes são sempre bem vindos. É normal, em um primeiro momento alguma resistência contra outras pessoas que passem a participar mais ativamente das discussões. Mas, depois, a poeira tem que assentar.

O aumento da diversidade é benéfica ao Blog e a todos que participam das discussões.

Espero que outras amizades e relacionamentos se formem a partir do Blog. O que mais me compraz é ver a aproximação entre pessoas de pensamento diverso, a troca civilizada de idéias, o contraditório bem exercido.

Desde a infância em Poços de Caldas, minha casa sempre foi portas abertas. Em toda minha vida fiz sempre questão de cultivar as diferenças, e entender a grandeza dos diversos personagens, independentemente de linha política. Já recebi Olavo de Carvalho e José Genoíno em casa; fui amigo de Roberto Campos e de meu mestre Antônio Cândido; tenho a maior admiração por Otávio Gouvêa de Bulhões e Celso Furtado.

Portanto, vamos colocar a hospitalidade e a diversidade como marca do Blog. Quem sair da linha será vetado, como sempre. Se algum comentário mais grosseiros passar, vocês me alertem. Mas, viva a diferença!

E vamos colocar o Brasil no foco da discussão, porque o futuro chega muito depressa para perdermos muito tempo com disputas ideológicas.

23/09/07 23:37

De blogueiros e colunistas

O professor Carlos Chaparro lançou em Portugal o livro “Sotaques d’aquém e d’além mar”, comparando jornalistas do Brasil e de Portugal. O livro é de 1997 e será relançado no país. No seminário em que participamos, na sexta, me presentou com um exemplar, indicando uma página com uma entrevista que fez comigo na época, sobre o fenômeno dos colunistas.

Olha como o mundo gira, mas as coisas não mudam:

“O colunista funciona como referência, âncora opinativa, para um público perdido entre tantas informações nem sempre bem tratadas. Mas porque nos tornamos uma espécie de eixo ideológico da discussão pública, somos ‘patrulhados’ por pessoas e segmentos sociais. Meu mérito, como colunista, tem sido o de superar o leitor ‘patrulheiro’, o leitor ativista que existe entre os chamados formadores de opinião, para os quais escrevemos. Penso, também, que o personalismo é um perigo, pela influência nefasta que pode

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exercer”.

Para Nassif, o colunista tornou-se importante no jornalismo brasileiro, “porque rompeu o monopólio dos donos de jornais”. Mas está ameaçado pelo “excesso de julgamentos morais, tentação em que cai quando se tem argumentos”.

11/11/07 12:18

Direitos autorais

Solicito aos leitores que enviam colaboração que, quando o material for fruto de pesquisa, indiquem as fontes consultadas, para evitar problemas de plágio. E lembro que uma boa pesquisa sempre é valiosa.

12/11/07 14:41

Blog e Projeto Brasil

A nova versão do Projeto Brasil está sendo colocada no ar entre hoje e amanhã. Minha idéia, desde o começo, era a integração das duas plataformas. A idéia é a seguinte:

1. Dar dar mais visibilidade aos artigos dos comentaristas do Blog, publicando no PB aqueles comentários mais elaborados.

2. Permitir mais tempo de vida às discussões permanentes, que serão transferidas para o Fórum Online.

3. Vários de vocês já estão cadastrados no Projeto Brasil. Em breve colocarei instruções para quem quiser se associar às comunidades que forem sendo criadas. Penso em criar uma especificamente para os frequentadores do Blob.

30/01/08 20:01

O fenômeno Veja

Recentemente, estimulei uma competição com um blogueiro da revista – contratado especificamente para atacar os adversários de Veja . Havia duas razões relevantes para tanto.

Primeiro, para demonstrar que, com a Internet, cessou o predomínio das grandes publicações. É possível, mesmo sem ter um grande órgão da imprensa tradicional por trás, mobilizar pessoas para esse trabalho cooperativo, de disseminar informações. É o verdadeiro trabalho em rede, no qual – graças à Internet – cada pessoa dá sua colaboração, pegando as informações e levando para seus círculos de conhecidos.

Segundo, para que essa rede, formada nesse período, ajude a dar visibilidade a essas reportagens que passo a publicar.

Não será um desafio fácil. Estaremos enfrentando o esquema mais barra-pesada que

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apareceu na imprensa brasileira nas últimas décadas. E montado em cima de um tanque de guerra: uma publicação com mais de um milhão de exemplares.

Tenho convicção de que a força do jornalismo e do trabalho em rede permitirão decifrar o enigma Veja. Para tanto, conto com a mobilização de todos vocês. Não se trata mais de um mero exercício esportivo de aquecer uma eleição de Blog. Trata-se, agora, de uma questão nacional que, tenho certeza, ajudará a reabilitar o exercício do jornalismo, mesmo na grande imprensa.

O macartismo e o jornalismo de negócios

O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja. Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico.

Para entender o que se passou com a revista nesse período, é necessário juntar um conjunto de peças.

O primeiro, são as mudanças estruturais que a mídia vem atravessando em todo mundo.

O segundo, a maneira como esses processos se refletiram na crise política brasileira e nas grandes disputas empresariais, à partir do advento dos banqueiros de negócio que sobem à cena política e econômica na última década.

O terceiro, as características específicas da revista Veja, e as mudanças pelas quais passou nos últimos anos.A partir de agora, e nos próximos dias, publicarei, em capítulos, a história que tenta explicar esse fenômeno de anti-jornalismo.

No capítulo 1 – “Os Momentos de Catarse e a Mídia” – analisam-se as pré-condições que abriram espaço para o estilo que tomou conta da revista nos últimos anos.

No capítulo 2 – “A Mudança de Comando”, o que significou a ascensão de Eurípides Alcântara e Mário Sabino ao comando da revista de maior circulação do pais. Clique aqui.O endereço para acessar as matérias é http://luis.nassif.googlepages.com/home. Ou clicando aqui.

A partir dessa página se terá acesso aos capítulos que serão publicados.

10/02/08 13:39

Comunidade porreta

Sugiro moderação e humildade. Mas não tenho dúvidas de que a comunidade que se formou aqui, no Blog, tem o melhor e o mais diversificado quadro de comentaristas da mídia brasileira - em todos seus formatos.

Não basta ter Blog e Internet. É preciso comentaristas do nível de vocês. Alguns passam dias sem falar nada sobre temas apresentados. De repente, um baita tema complexo e, pimba!, lá vem uma aula impossível de se encontrar na mídia convencional.

Outros exercitam a capacidade de argumentação em diversos temas, trazendo enfoques novos ou ajudando a identificar ângulos não explorados.

Em temas políticos ainda há muita polarização. Mas nas discussões mais técnicas existe um show de diversidade e inteligência. Dá gosto ver economistas de diversas tendências discutindo na aba de Economia e, ao mesmo tempo, sendo questionados pela lógica de comentaristas que não tem formação econômica - mas possuem a lógica férrea das exatas ou o uso inteligente do bom senso.

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Joga-se um post de armas e aparecem especialistas de todos os calibres. De reflorestamento, acontece o mesmo. Entram temas internacionais, e lá vêm diversidade e informação. Quando entra a questão racial, duvido que qualquer órgão de imprensa tenha conseguido apresentar quadro tão diversificado e de alto nível quanto as discussões que ocorreram no Blog. Tecnologia, nem se fala.

Não sei se vocês se deram conta, mas - acredito eu - estamos no estágio mais próximo do que será qualificado, em pouco tempo, de jornalismo do futuro, colaborativo, dentro da lógica da construção do conhecimento.

É fantástico apreciar a evolução do relacionamento dessa comunidade de inteligência. Existem comentaristas que ajudam a moderar as brigas, a acalmar os mais agressivos; outros colaboram na parte tecnológica; existem os provocadores adoráveis, os poetas, os tímidos que, vez por outra, dizem presente - e enche meu coração saber que, além dos que se manifestam, existe um público que não escreve mas se diz presente. E existe essa solidariedade - especialmente nos momentos das grandes batalhas - que só se encontra na família.

Estou animadíssimo com a entrada no ar, em breve, do sistema de Comunidades do Projeto Brasil. Aí, sim, toda essa riqueza de informações e análise poderá ser sistematizada e organizada. E poderemos provar que a Internet não é apenas a capacidade de trabalhar grandes massas de informação. Mas também o exercício de moldar o caráter de um veículo.

Cláudio Abramo dizia que o jornalismo é o exercício do caráter. Ele ficaria surpreso em acompanhar no dia a dia o desenvolvimento do caráter do Blog, através da interatividade, das contribuições de cada comentarista, do papel assumido por cada um, encontrando seu lugar e seu papel no Blog.

16/02/08 11:17

Preparativos

Vou abusar de vocês.

O que necessito:

1. Uma das maiores espertezas difamatória é o jogo das falsas relações. Tipo: fulano era amigo de beltrano, que conhecia sicrano, que aprontou tal coisa. Logo... Para o futuro livro, seria interessante se alguns de vocês pudessem montar um quadro com esse tipo de expediente, a partir dos arquivos da Veja.

2. Preciso ter uma idéia da quantidade de blogs e sites que colocarm links para a série (tanto com o endereço do Blog quanto do Google Pages). Esqueci qual o endereço que fazia esse tipo de levantamento.

16/02/08 21:41

Trivial do exército blogueiro

Segundo o site de buscas Technorati, neste momento existe a seguinte rede de blogs linkados conosco:

683 que colocaram o link www.projetobr.com.br

237 com www.luisnassif.com.br

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211 com luis.nassif.googlepages.com

50 com www.projetobr.ig.com.br

21/02/08 09:18

A rede e os g00db0ys

Chamo a atenção de vocês para um resultado genuíno do trabalho em rede. O trecho abaixo fecha o capítulo "Lula é meu álibi", no dossiê Veja. Foi um trabalho minucioso de pesquisa feito por vocês (clique aqui para ler o capítulo).

Quando pedi a ajuda de vocês, houve quem risse do pedido. Esse povo não sabe o que é o trabalho cooperativo em rede.

O bad boy e os g00db0ys

No domingo, quando publiquei o Capítulo sobre esse suspeito dossiê italiano, cujo link estava na coluna de Mainardi, o leitor João Alcântara, juiz aposentado, analisou o documento e ajudou a reforçar as suspeitas de fraude:

1) O documento não tem começo nem final. O documento tem duas numerações. Uma, aparentemente a numeração oficial do inquérito. Outra, uma numeração específica do documento. Por exemplo, a primeira página tem o número 1 (que é do dossiê entregue a Mainardi) e o número 136 (que provavelmente é do inquérito da polícia italiana). Significa que foram escondidas as 135 primeiras páginas do inquérito original. O que continham?

2) A diferença da numeração no inicio do arquivo é de 135 paginas. Já no final é de 140, indicando que foram suprimidas 5 paginas, sem motivo algum. Entre a penúltima e a última página estão faltando a 317 e 318.

3) Depois, a numeração do documento vai até a página 75 (que corresponde à página 210 do documento original). A partir daí, acaba a numeração original. É um claro sinal de que alguma coisa, que não interessava, foi suprimida do documento original.

4) É só conferir a página 97 do documento. Começa a falar de Motta Veiga (o principal contato de Dantas com a mídia) e, de repente, acaba.

Há indícios fortes de que Mainardi divulgou intencionalmente uma fraude.

Mais tarde, um trabalho investigativo feito pelos próprios leitores do Blog permitiu reforçar as suspeitas sobre as fontes de Mainardi.

Acompanhe os nossos sherlocks:

1. O leitor Aton Fon abriu as propriedades do PDF com o relatório sobre a Telecom Italia, e descobriu a data em que o documento foi preparado: criado em 21 de janeiro e modificado pela última vez no dia 22 de janeiro.

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2. O leitor Salles pegou a dica e foi até o blog de Janaína Leite - que já admitiu ter como fonte Rodrigo Andrade, do Opportunity. Lá, ele levantou um post que falava sobre os problemas da Telecom Itália. Endossava todas as hipóteses do Opportunity, mas não mencionava a fonte de suas informações.

O nome do post era estranho: gOOdbOys, assim mesmo, com zero em lugar do O. E foi publicado no dia 21 de janeiro, mesmo dia em que o PDF foi criado.

3. Aí, consultou o texto da jornalista para entender o que vinha a ser esse g00db0ys.

4. Curioso, foi até o relatório sobre a Telecom Itália, indicado por Mainardi na sua última coluna. E o que achou?

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A expressão era a mesma do relatório sigiloso sobre a Telecom Itália, inclusive com os zeros em lugar do "0". Janaína, que tem como fonte o Opportunity, tinha se baseado no mesmo relatório de Mainardi, que diz ter como fonte italianos.

A rede ajudou a desmascarar a pantomima em torno do relatório que Mainardi garantia ter recebido da Itália.

07/04/08 10:39

Baixando a bola

O clima ficou pesado com essa guerra irracional em torno do relatório de despesas do Planalto - que alguns teimam em chamar de dossiê. Que tal baixarmos a bola, aqui, e retomarmos as discussões mais técnicas e menos passionais?

08/04/08 10:33

Trabalho colaborativo

Pessoal,

são muitos os comentários postados. Às vezes passa um ou outro com acusações, palavrões e torpezas menores e maiores.

Peço que me alertem rapidamente quando identificarem alguns desses comentários.

Pontos principais a serem evitados:

1. Acusações pessoais.

2. Grosserias contra adversários.

3. Palavrões: o nosso Legião, como sempre, tem colocado comentários saborosíssimos, que se perdem pelos palavrões.

4. Provocações ou excesso de proselitismo.

26/08/08 12:49

Fora de pauta

Vou colocar todo dia, ao meio dia, esse Fora de Pauta para os temas fora de pauta que entram em outras notas.

Aparentemente o Trivial não está cumprindo bem essa função depois que ficar mais para trás, na lista de notas publicadas.

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ANEXO II – Excertos do Blog do Nassif sobre o acidente com o vôo TAM 3054, publicados em julho e agosto de 2007  

18/07/07 00:50

Sobre a pista de Congonhas Enviado por: RobertoOla Nassif,após este acidente com a aeronave TAM, um ponto que apareceu nas reportagens e que parece ser importante é o fato da pista recem-inaugurada ainda não contar com os sulcos (grooving) para sua melhorar aderencia.

Pelo que andei lendo, este processo soh poderia ser realizado algum tempo apos a conclusão da pista, devido ao processo de cura da massa asfaltica. Fica a pergunta. Abrir a pista sem o grooving é um procedimento corriqueiro ou foi uma decisão de arriscada. Analisando os fatos agora, provavelmente vai haver uma disputa que impeça o raciocínio.

Não seria o caso de abrir aqui no blog uma consulta para que alguns especialistas indicassem qual é o padrão internacional para esse procedimento?

18/07/07 01:14

Prospectando as causas do acidente Participei agora do "Jornal da Cultura". Foi entrevistado um especialista em segurança de vôo, pelo telefone, um coronel da Aeronáutica. Pelo que conversei fora do ar, pelo que ouvi no ar, pelo que ouvi nas rádios e li no noticiário online, há uma jogo complexo pela frente. Não dá para se chegar a conclusões precipitadas sobre as causas do acidente com o Airbus da TAM.

Aventou-se a possibilidade do avião da TAM ter pousado a uma velocidade superior ao normal. Não está confirmado, mas será fácil conferir através dos equipamentos de controle de vôo.

Se isso ocorreu, há duas hipóteses a serem analisadas. Ou foi um problema do piloto ou um problema mecânico. Como o Airbus é um avião que praticamente pousa sozinho, segundo os especialistas, seria mais um problema mecânico. Repito: caso se comprove que desceu, mesmo, em velocidade superior ao normal.

Mas essa é apenas uma hipótese. A segunda hipótese é a questão da pista de Congonhas, que teria sido liberada sem estar plenamente segura. Também não será difícil comprovar essa possibilidade. Nesse caso tem-se um problema sério aí, independentemente do pouso do avião ter sido normal ou em velocidade excessiva.

Batendo na pista, teria ocorrido a hidroplanagem, o excesso de água fazendo as rodas do avião rodarem em falso. E aí, o piloto teria tentado inutilmente arremeter novamente, mas sem forças no motor. A questão fundamental é: mesmo que o avião tenha descido em velocidade superior ao normal, o estado da pista foi decisivo ou não para o acidente ter ocorrido?

***

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Se a primeira hipótese se confirmar, minimiza um pouco a responsabilidade da Infraero com a pista de pouso. Se não se confirmar, tem-se uma encrenca administrativa e política das maiores.

A Infraero foi colocada na cota das alianças partidárias. No governo FHC, foi entregue ao grupo do governador mineiro Itamar Franco. No governo Lula, ao neopetista Carlos Wilson, deputado de Pernambuco. Nos últimos anos houve um festival fantástico de investimentos em modernização de aeroportos, e construção de novos aeroportos, ao mesmo tempo em que em várias cidades aeroportos regionais eram abandonados.

Não haverá como se fugir de uma investigação séria e profunda das causas desse acidente.

18/07/07 01:21

A apropriação da ANAC Seja qual forem os resultados das investigações do acidente da TAM, a superlotação do aeroporto de Congonhas é a prova cabal de como as agências reguladoras - Departamento de Aviação Civil (DAC), antes, ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), depois - foram apropriadas pelas companhias aéreas.

Até os anos 90 havia uma aviação extremamente regulada, com quase nenhuma autorização para novas linhas, preços administrados e nenhuma competição. Ocorreu uma desregulamentação em nível internacional, que foi implantada no Brasil à moda brasileira: sem a definição prévia das regras do jogo e dos órgãos reguladores.

Graças a esse modelo, a TAM conseguiu alçar vôo, VASP, Varig e Transbrasil rodaram, surgiu a Gol.

A aviação é um setor estratégico para o país. Caberia às autoridades definir a malha aérea, de maneira a distribuir melhor os vôos, ampliar os vôos regionais, redefinir os hubs (aeroportos onde cruzam vôos para várias regiões) nacionais.

Nada disso aconteceu. Não houve estudos técnicos, não houve reformulação. Provocou-se o esvaziamento da aviação regional e a definição de vôos e de aeroportos passou a depender dos interesses comerciais das companhias aéreas.

Nem assim se chegou ao livre mercado. A autorização para novos vôos continuou burocrática e os critérios de aprovação nunca foram suficientemente claros. Consolidou-se um oligopólio nefasto, concentrado nos principais aeroportos, deixando abandonados diversos aeroportos regionais.

18/07/07 11:06

O inventário do desastre O noticiário de hoje dos jornais permite manter as análises preliminares sobre o acidente da TAM que escrevi ontem.

Para sistematizar de forma mais clara as notícias até agora divulgadas:

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Causas indiretas

1. A sobrecarga do aeroporto de Congonhas, em função da falta de um modelo de planejamento da malha aérea, depois da desregulamentação do setor e da apropriação das agências reguladoras pelas grandes companhias aéreas.

2. A crise aérea continuada, desde o acidente da Gol, que provavelmente influiu na pressa da Infraero de liberar as pistas sem as tais ranhuras necessárias para aumentar a segurança.

Possíveis causas diretas

1. Pouso mal feito. Nos diversos jornais há a informação de que o piloto desceu fora do ponto a uma velocidade excessiva. Depois, a frenagem falhou. Há três hipóteses para isso:

a. Falhou devido à chamada hidroplanagem, excesso de água na pista.

b. Falhou devido a problemas no reverso do avião.

c. Falhou devido a uma falha pessoal do piloto.

2. A pista de Congonhas. Há indícios suficientes, nos últimos dias, de que estava escorregadia e arriscada para pousos. O argumento de que todos os demais aviões, com exceção do acidentado, conseguiram pousar não é atenuante. O grau de segurança de uma pista não se mede apenas pela ausência de acidentes em pousos bem feitos, mas pela maneira com que consegue prevenir pousos mal feitos.

Parte importante a ser levantada é o relatório do Ministério Público, quando pediu a suspensão dos vôos de Congonhas por falta de segurança.

18/07/07 11:30

A hidroplanagem na aviação Enviado por: Silvana

Do site Air Safety Group

Todo piloto sabe o que é pousar numa pista molhada e o perigo que isso representa. É quando se torna grande o risco de uma derrapagem, ou melhor, uma aquaplanagem. O fenômeno é mais comum do que se supõe, e não é tão simples como parece. Um estudo realizado pela McDonnell Douglas em 1997 aponta as pistas contaminadas por água ou gelo como a quarta maior causa de acidentes em pousos e táxis nos Estados Unidos entre 1992 e 1996. A Flight Safety Foundation define que a aquaplanagem (também chamada de hidroplanagem) inicia-se no ponto a partir do qual a elevação hidrodinâmica sob os pneus equivale ao peso do veículo conduzido sobre as rodas. A partir desse ponto, qualquer aumento da velocidade acima desse valor crítico elevará completamente o pneu do pavimento - é aí que a aquaplanagem se inicia. São vários os tipos de aquaplanagem e vários fatores podem desencadear o evento.

Mas, felizmente, nem tudo está perdido: há também várias técnicas para recuperar o controle da aeronave. Esse perigoso "escorregão" pode ser dos seguintes tipos:

Hidroplanagem viscosa: Com a pista já definida como molhada, uma pequena camada de

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água pode atuar como um lubrificante, permitindo que os pneus deslizem. Este tipo tem a agravante de poder ocorrer em velocidades menores que as dos outros tipos de hidroplanagem e numa camada de água extremamente delgada (cerca de um milionésimo de polegada). O pior é que a chuva não é a única vilã: a umidade de garoa e sereno também pode causar o fenômeno.

Hidroplanagem dinâmica: Ao contrário da viscosa, a hidroplanagem dinâmica ocorre normalmente em velocidades maiores, em água parada com a espessura de um décimo de polegada ou mais. Durante este tipo de hidroplanagem a água não consegue escapar pelos sulcos dos pneus e a roda gira sem a menor tração, literalmente sobre a camada de água.

Hidroplanagem de borracha retornada: Resulta do travamento dos freios em uma pista molhada ou úmida, o que cria uma super aquecida camada de vapor devido à fricção dos pneus contra a superfície da pista. Quando isso ocorre, a borracha do pneu funde-se enquanto roda sobre o vapor, deixando marcas de derrapagem acinzentadas ou brancas na pista. Vítimas desse tipo de aquaplanagem surpreendem-se com a sensação física muito semelhante a dos outros tipos de aquaplanagem, apesar das marcas deixadas na pista. Mas esse tipo normalmente não causa problemas em aeronaves equipadas com sistema de frenagem com modulating anti-skid, que impede o travamento das rodas.

Consultores e profissionais da indústria aeronáutica são unânimes em uma conclusão: o problema da aquaplanagem seria minimizado se todas as pistas fossem construídas de maneira igual, isto é, todas utilizando as técnicas de construção que minimizam os efeitos da aquaplanagem.

As técnicas são duas: a utilização de grooving (sulcos transversais) e a aplicação de cobertura PFC (Porous Friction Course).

Em 1968 a NASA já testava coberturas anti-aquaplanagem para pistas para determinar qual seria a melhor em condições de pavimento seco ou molhado. Tom Yager, engenheiro de pesquisas do NASA"s Aircraft Landing Dynamics Facility em Hampton, Virgínia, nos Estados Unidos, opina que a solução ideal é uma pista de concreto com 1,5 % de cobertura com fendas transversais (grooving) de ¼ de polegada (cerca de 6 mm) de profundidade e ¼ de polegada de largura com uma polegada (aproximadamente dois centímetro e meio) de separação entre elas.

Foi verificado que enquanto a média das pistas sem grooving fornecia uma razão de frenagem molhado para seco de dois para um, uma pista com fendas dentro das medidas acima fornecia uma razão de um para um.

No ponto de vista de custos, quanto maior o espaço entre as fendas, melhor. "Mas percebemos que a fricção (atrito) em uma pista com um espaçamento de duas polegadas entre as fendas ficava comprometida em 20%" informa Tom. Os padrões da FAA americana pedem fendas de ¼ por ¼ polegadas com uma distância entre elas de 1,5 polegadas (pouco mais de 3 cm), especificações que freqüentemente não são consideradas em aeroportos para aviação geral naquele país - é o que a FAA pretende corrigir em breve.

A causa dessa falta de uniformidade é o de sempre: a NASA alega que os testes de atrito realizados pela FAA são inadequados, do que a FAA, claro, discorda.

Entre o certo para uma e o certo para a outra, as pistas são construídas de diversas maneiras. O grooving na pista principal do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, ocupa uma extensão de 1.746 m. No caso da pista auxiliar, a extensão é de 1.437 m e, em ambos os casos, a largura da área sulcada é de 30 metros (15 metros de cada lado do eixo das pistas). A profundidade e a largura dos sulcos obedecem ao padrão de 6 mm por 6 mm, sendo que o espaçamento utilizado em Congonhas é de 3 cm entre cada sulco.

Já no caso de aeroportos que utilizam a cobertura PFC de ¾ de polegada (quase dois

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centímetros) a água escoa rapidamente através da cobertura e sai para as laterais através do substrato não-poroso. Mas, tão importante quanto o material usado, é a manutenção adequada. Principalmente durante os meses quentes de verão, o grooving na área de toque pode ficar cheio de borracha de pneu, reduzindo o coeficiente de atrito.

A superfície PFC pode igualmente acumular borracha, reduzindo ou anulando o atrito nestas áreas, tornando-as lisas. A manutenção da camada de grooving em Congonhas é realizada com uma periodicidade semestral ou anual, dependendo da utilização. A borracha e outros resíduos são retirados com jatos de água sob alta pressão e um equipamento avalia as condições de atrito e aderência da camada de concreto asfaltico. Quando há necessidade, os sulcos são refeitos utilizando-se um equipamento que risca o piso com discos de diamante. Um cuidado todo especial refere-se às áreas pintadas com faixas e números.

O engenheiro da NASA recomenda a adição de areia, saibro ou elementos equivalentes à tinta utilizada para as faixas ou números para tornar a área áspera. "Pilotos que tocam sobre eles perceberão que, quando molhados e sem aditivos antiderrapantes, são tão lisos quanto gelo e lá não há aumento da velocidade de rotação da rodas. Inclusive, alguns pilotos afirmam que mesmo secas essas áreas são tão escorregadias quanto pouso em asfalto molhado. Óleo, então, em uma pista molhada... nem se fala! O risco de hidroplanagem é evidente e imediato. O sistema anti-skid pode se tornar inoperante, pois as rodas não atingem o ponto de rotação em que ele começa a funcionar".

Foi o que aconteceu com um Learjet 35 em fevereiro de 1998 em Greenville, Carolina do Sul, EUA. O piloto aplicou os freios, houve hidroplanagem, as rodas atingiram a grama e só então a rotação das rodas atingiu o ponto de ativação do anti-skid, iniciando a frenagem da aeronave.

Naturalmente, as condições da aeronave também são muito importantes na hora do pouso. Pneus inflados abaixo dos parâmetros requeridos estarão mais propensos a aquaplanar. E os pneus do trem de nariz, que normalmente são inflados abaixo da pressão dos pneus do trem principal, irão aquaplanar antes das rodas principais. As aeronaves com dois pneus no trem do nariz, como é o caso das de grande porte, devem ter ambos inflados com mesma pressão. Caso contrário, a aeronave tenderá a puxar para a direção do pneu menos inflado, aumentando a possibilidade de aquaplanagem em pistas molhadas. Essa tendência de puxão para a direita ou esquerda será ainda mais evidente se houver pneus com pressões diferentes nos trens direito ou esquerdo.

A velocidade na qual a hidroplanagem ocorrerá em uma pista sem grooving e sem cobertura porosa (PFC) dependerá sempre da pressão dos pneus, de acordo com a NASA. A fórmula que a agência aeroespacial norte-americana utiliza para determiná-la é 7,7 vezes a raiz quadrada da pressão do pneu. É aconselhável utilizar, nesta equação, a pressão menor, do trem de nariz, para a determinação da velocidade.

Por exemplo: em uma aeronave cujos pneus do trem de nariz tenham sido inflados com 70 psi (pounds per square inch), a hidroplanagem em uma pista com significante acúmulo de água ocorrerá inicialmente a partir desse conjunto de trem e a 64,4 nós. Um pneu usado estará mais propenso a aquaplanar do que um pneu mais novo devido à diminuição da profundidade das fendas. Uso desigual (pneus novos e usados, juntos) também pode causar um efeito similar ao de pneus com pressões desiguais. Pista e pneus em condições adequadas, o fator restante a considerar é á técnica do pouso em si.Embora o NTSB (National Transportation Safety Board) tenha concluído que em muitos acidentes onde a hidroplanagem foi a causa determinante, o piloto deveria ter iniciado uma arremetida a partir do ponto em que determinou falta de ação dos freios, John Lowery, piloto de aviação executiva e professor da Embry-Ridle Aeronautical University analisa que, após o toque e acionamento de freios aerodinâmicos e reversores, a partir da descoberta da falta de tração dos freios restará um tempo mínimo para uma arremetida bem-sucedida. Em uma pista molhada, por garantia, evite tocar sobre os números ou faixas pintadas.

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Mesmo nos EUA, apesar das recomendações resultantes de testes da NASA, ainda são poucas as pistas que possuem areia ou outro material que garanta o atrito das áreas pintadas. - O importante, como afirma John Lowery, piloto de aviação executiva e professor da Embry-Ridle Aeronautical University, é tocar firmemente e concentrar o máximo possível de peso nas rodas o quanto antes (método muito usual nos EUA). Além disso, desça rapidamente o trem de nariz, mantendo o manche para a frente para garantir um contato firme e atrito máximo das rodas com a pista e acione de imediato todos os freios aerodinâmicos. Eles devem ser aberto o mais cedo possível, ainda na fase de maior velocidade da rolagem na pista durante o pouso.

- Uma vez iniciada a aquaplanagem, para recobrar o controle o ideal é soltar os freios por completo, para a rotação das rodas atingir o ponto de ativação do anti-skid, e simultaneamente, leve o comando do reverso para idle. Isso vale para o tipo modulating anti-skid. Se não for este o caso, a pressão nos freios deve ser mantida entre firme para pesada para evitar que eles travem. Se a aeronave começar a guinar aplique mais empuxo para ajudar a recuperar controle direcional. Na derrapagem do trem de nariz, a aplicação de empuxo poderá ser o único meio de recuperar a direção.

- Se a hidroplanagem ocorre em um pouso com vento cruzado, a aeronave quase com certeza tenderá a aproar a direção do vento, à medida que as forças do vento ajam sobre o estabilizador vertical. As forças do vento de través são proporcionais ao quadrado da velocidade do mesmo vento. Dez nós de vento de través, por exemplo, quadruplicará as forças laterais produzidas por um vento de través de cinco nós.

- Fique sempre alerta quanto à possibilidade de falha do sistema de frenagem já a partir do momento em que receber a informação de que a pista está molhada.

- Colaboração: Solange Galante (jornalista especializada em aviação)Fonte: ATR News

18/07/07 11:32

A falta do modelo aéreo Enviado por: Ricardo Lima

Nassif,

O grooving é de suma importância e ajuda sobremaneira a frenagem da aeronave.

Esta pista de Congonhas sempre foi crítica (não é a primeira reforma que recebe). Há diversos relatos pertinentes de pilotos sobre a questão. Infelizmente (nenhuma novidade nisto), a pressão econômica dita as regras da aviação, como você muito bem expôs, desde a abertura dos céus, a desregulamentação do setor, momento em que a seriedade no setor deu espaço aos aventureiros. A verdade é que hoje em dia a segurança de vôo tem peso secundário nas decisões administrativas, e só tem impacto nos speeches bonitos que fazemos para justificar algum atraso ou decisões mais contundentes. As autoridades contam sempre com o fator estatística para suas decisões, e você sabe que a probabilidade de um acidente na aviação é sempre remota. Bem, demorou muito tempo, mais de década, mas aconteceu!

Enfim, nosso sistema de aviação é uma vergonha! A infra-estrutura é feita para o comércio. Shoppings sofisticados nos aeroportos, mas nossas pistas, nossos auxílios à navegação e ao pouso são obsoletos, inoperantes ou inexistentes. Ou será que a comunicação na rota Brasília-Manaus não apresenta mais problemas?! E a operação com

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chuva no Santos Dumont?! E o ILS da pista 29 de Brasília que nunca funciona?! E o ILS da pista 35L de Congonhas que tem a rampa de planeio tão deficiente?! Será que ele foi um fator contribuinte neste evento?!

Minha aposta é que chegarão a conclusão que os pilotos erraram e, mais uma vez, nada de significativo acontecerá. O Presidente da República não será instado a explicar por que contigencia (sic) dinheiro de tudo quanto é orçamento, o presidente da Infraero dirá que foi uma fatalidade, o governador do estado dirá que no próximo mês se concluem as obras do aeroporto etc. etc.

P.s. algo significativo seria impedir a operação de Congonhas em chuva, ou com aviões acima de 100 assentos etc. etc. O que acha?!

18/07/07 11:47

Congonhas e as normas de segurança Enviado por: Afonso

Congonhas está fora das normas internacionais de segurança por não possuir área de escape adequada. Sabe-se (e a imprensa deveria ir atrás) que a distância entre a pista e os fingers está fora das normas de segurança. A obra (dos fingers) só pode ser realizada, pois a Infraero possui um "parecer independente" alegando que, apesar de fora da norma, o risco é bem pequeno de acidente. A obra não tem nem 1 ano, e já temos uma tragédia.Sempre defendi o fechamento desse aeroporto maluco, a construção do trem bala ligando RJ/SP e um trem expresso para Cumbica. É mais seguro e econômico. Bem, optou-se pelo piso de mármore.

Enviado por: Ricardo Freire

Nassif,

Congonhas funcionava bem enquanto era um aeroporto regional voltado para executivos, com vôos mais caros. Com a exceção das ligações ao Rio, BH e Curitiba, qualquer vôo que partisse para alguma capital precisava, necessariamente, fazer escala numa cidade do interior. Os vôos para Salvador passavam em Ilhéus ou Porto Seguro, os para Porto Alegre, como o de ontem, faziam escala em Joinville ou Caxias do Sul, para ir a Brasília era preciso parar em Ribeirão Preto, Floripa, só parando em Navegantes antes (ou Curitiba).

(...) Foi quando se deu a uniformização da aviação brasileira: TAM/Varig reivindicaram, e conseguiram, os privilégios que a Gol tinha para voar para qualquer lugar a partir de Congonhas. As tarifas da Gol subiram quase ao nível de Varig/TAM, e o serviço de bordo de Varig e TAM desceram quase ao nível da Gol.

Num quarto momento, pós-Varig, Congonhas se torna não só o aeroporto preferencial do paulistano para viajar a qualquer lugar do Brasil, como se vê alçado à condição de "hub" de conexões. Passageiros de todo o Brasil vêm a Congonhas para trocar de avião!

Aí tem ganância das companhias aéreas, burrice do paulistano (já faz tempo que usar Congonhas é masoquismo) e má gestão da Infraero -- que está claramente mais interessada em obras de ampliação (do Santos Dumont? Para quê???), aeroshoppings, fingers, edifícios-garagem, viadutos de acesso (Porto Alegre, Recife), túneis de acesso (Congonhas), contratos de licitação de publicidade, e menos focada na operação técnica -- pistas e equipamentos.

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Não importa se foi ou não foi a falta de ranhuras na pista que causou essa tragédia. Mesmo com todo o caminhão de dinheiro gasto inutilmente, é preciso repensar já o modelo de uso de Congonhas.

18/07/07 15:20

Relatório preliminar do acidente Aqui um relato da rádio CBN sobre um relatório preliminar da Aeronáutica sobre o acidente.

19/07/07 15:57

Das manchetes perigosas Não existe profissão mais ingrata no jornalismo que o "mancheteiro", especialmente o da primeira página. A manchete vai ajudar o jornal a brigar na banca, vai permitir diferenciá-lo dos concorrentes, é a parte mais visível do jornal.

Ainda nos anos 80, o velho e ainda insuperável "Jornal do Brasil" tinha uma receita mágica de manchete. Supunha que qualquer notícia de forte impacto seria explorada no mesmo dia pela televisão e pelas rádios. Por isso, sua manchete sempre focava o pós-evento. Se morresse alguém relevante, por exemplo, a manchete mencionaria o local do enterro, para ficar em um exemplo bem simples.

Hoje em dia, em plena era do excesso de notícias, com TV aberta e cabo, rádios e Internet, os jornais ainda não aprenderam a lição. Se for conferir, as manchetes de quase todos sobre o acidente da TAM baseavam-se na falsa percepção de que seria o primeiro contato do seu leitor com a notícia.

Um jornal que vem tentando avançar os limites da manchete é "O Globo", mas ainda sem conseguir chegar perto do ainda insuperável "Jornal da Tarde" do Murilinho e do Fernando Mitre.

Mas a veia artística do mancheteiro muitas vezes extrapola. É o caso de hoje: "Infraero, Anac, Decea, Cindacta, FAB... e não se sabe o que houve", é uma manchete forçada que não reflete as matérias internas.

O "mancheteiro" mesclou duas questões que nada têm a ver entre si. Uma, o da sobreposição de órgãos reguladores na aviação - tema relevante, mas de pouco apelo popular. Outro, a apuração das causas do acidente - tema de muito apelo popular, mas impossível de ser apurado em prazo tão curto. Deu um ornitorrico.

Aliás, a manchete poderia ampliar a lista de órgãos para Casa Civil, Estado Maior da Aeronáutica, Presidência da República, Santa Casa da Misericórdia, que o resultado seria o mesmo da submanchete da página 3: "Investigadores afirmam que é cedo para determinar as causas". Ao contrário do que supõe a manchete, dez órgãos investigando não tornarão a apuração dez vezes mais rápida.

19/07/07 18:20

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Os desastres aéreos Recebo via email esse endereço do site Desastres Aéreos, com relação de problemas ocorridos com aviões da TAM e links para matérias publicadas.

Não sei a quantidade de problemas mecânicos ou fora de controle (tipo colisão com urubus). Nem sei se o quanto essa quantidade de problemas está acima da média mundial e nacional.

Não se trata de minimizar responsabilidade de ninguém. Se a incidência de acidentes for elevada, é problema da TAM e é das autoridades reguladoras e fiscalizadoras

19/07/07 20:49

FAA aprova sistema aéreo brasileiro Enviado por Luzete

Adriana Stock, da BBCDe Nova York

Apesar da crise aérea no Brasil e do acidente com o vôo 3054 no aeroporto de Congonhas, a autoridade americana para aviação civil acredita que o sistema de aviação brasileiro está de acordo com os padrões internacionais de segurança.

"O Brasil está OK com os padrões internacionais da Organização Internacional de Aviação Civil (Icao, na sigla em inglês)", diz Les Dorr, porta-voz da Agência Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA, na sigla em inglês).

Desde o início da década de 1990, a FAA tem um programa que avalia as autoridades de aviação em cada país, isto é, se o governo está seguindo as regras internacionais de segurança determinadas pela Icao.

Os países são classificados nas categorias um e dois. Na categoria um, o país segue as regras. Na dois, não segue. O Brasil está na categoria um. (...)

Segundo o Conselho Internacional de Aeroportos (AIC, em inglês), associação com sede em Bruxelas que agrupa aeroportos comerciais de 178 países, a maior preocupação internacional em relação à segurança aérea no Brasil diz respeito ao sistema de tráfego aéreo.

"A situação no Brasil vem sendo observada desde o acidente com a Gol, no ano passado. Mais que o estado dos aeroportos, o que mais nos preocupa é o sistema de tráfego adotado no Brasil", afirmou Eduardo Flores, secretário da entidade para a América Latina.

(...) Para o especialista, o Brasil, assim como a América Latina de forma geral, enfrenta dois tipos de problema no tráfego aéreo: um de infra-estrutura e outro humano.

"No caso do Brasil, exige muita atenção o fato de o controle ser realizado por militares. Os requerimentos e procedimentos da aviação civil são distintos dos da aviação militar, e é muito importante que sejam compatibilizados adequadamente", disse.

Quanto à infra-estrutura, segundo Flores, toda a América Latina deixa a desejar em manutenção permanente das estruturas aéreas e em modernização de equipamentos.

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(...)

Segundo Flores, "o Brasil precisa implementar uma política conjunta do mais alto nível, envolvendo linhas aéreas, aeroportos, controladores e Estado. O que se vê é que falta coordenação e unidade entre os diversos organismos".

19/07/07 22:28

A propósito do furo do JN Deixa ver o se entendi o furo do "Jornal Nacional", a respeito dos problemas enfrentados pelo Airbus da TAM.

Segundo o JN apurou, na sexta-feira o Airbus apresentou um problema no reverso. Segundo a Wikipedia, "modificação temporária da turbina de uma aeronave que permite que seu empuxo produzido seja direcionado para a frente (as turbinas geralmente geram empuxo para trás)". Segundo o diretor da TAM entrevistado pelo JN, o manual do avião diz que o reverso pode ser travado (isto é, anulado mecanicamente), e que o avião poderia voar dez dias sem precisar consertar a peça, desde que o tempo esteja bom e que a pista não esteja "contaminada" - termo para designar pista encharcada.

O avião não parou de voar desde então, embora o tempo tenha piorado significativamente nos últimos dias. Ou seja, tinha-se dois fatores de risco: o reverso não funcionando, e o tempo chuvoso. Na sexta-feira o avião já teria apresentado problemas na aterrissagem, mas que não foram reportados pelo piloto.

Segundo o diretor da TAM, o problema ocorreu em apenas um reverso o que, para um leigo como eu, não significa nada. Um reverso apenas funcionando faria o avião rodar (os leitores especialistas me corrijam, se estiver errado). Segundo ele, a torre não confirmou que a pista estaria "contaminada".

Mas chovia, mas se sabia que o reverso não estava funcionando, se sabia não se estava se trabalhando com a segurança máxima.

Solicito que os leitores especialistas expliquem melhor essa questão, para que se possa avaliar as seguintes questões:

1. Qual o grau de gravidade desse reverso não funcionando em dia de chuva?

2. Além da própria TAM, os reportes dos pilotos deveriam ser analisados por algum órgão regulador, ou a responsabilidade é exclusiva da empresa?

3. A partir dessas informações, dá para se atribuir a essa pane do reverso o fato do piloto não ter conseguido parar o avião? Qual a responsabilidade adicional da falta de ranhuras na pista?

20/07/07 00:07

O uso do reverso Enviado por: Antonio Carlos de So

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Caro Nassif, o reverso é primordial no pouso de uma aeronave a jato. Por ser um jato e pousar com velocidades maiores que um avião a hélice, o uso do reverso é essencial em pistas de pouca extensão como Congonhas. Os procedimentos para um pouso em pista molhada preconizam o uso do reverso no início da frenagem evitando o uso dos freios. Também deve-se evitar o uso de freios e reversos ao mesmo tempo para evitar a hidroplanagem. Além disso, é recomendado o uso dos freios com suavidade em uma pista molhada para evitar a hidroplanagem.

Na minha humilde opinião, errou a TAM em não parar a aeronave. Errou o piloto em confiar demais em sua larga experiência e pousar uma aeronave com havia apresentado problemas no reverso e sabendo que a pista de Congonhas não apresenta condições ideais de pouso em dias chuvosos. Deveria ter solicitado o pouso na pista interna. Mas, o piloto pode ter realizado o procedimento por medo de perder o emprego.

Além do problema do reverso, pergunto: está previsto passageiros viajando sem estar acomodado com cintos de segurança. A aeronave tinha excesso de passageiros, não está previsto a viagem fora dos assentos. Estas conclusões a que chego são apenas especulativas balizadas na minha pouca experiência de vôo.

20/07/07 00:16

A questão do reverso Estou procurando escrever com cuidado, para não haver precipitação nas conclusões. Mas é evidente que o reverso é fundamental para a freagem em Congonhas.

Nos últimos meses, pousei com vários aviões acionando o reverso ao máximo para conseguir chegar ao final da pista, ou aop ponto em que taxiam. Os passageiros tinham que se firmar no assento para não caírem. Objetos deixados em cima das poltronas eram arrastados para o chão. E tudo isso com céu aberto, sol. Como, agora, se vem com essa história de que o reverso é dispensável.

20/07/07 11:48

As responsabilidades da TAM A mídia está tratando com cautela a responsabilidade da TAM no acidente com o Airbus. No acidente com a Fokker, o "Jornal Nacional" chegou a colocar uma entrevista de vários minutos com um piloto anônimo, despedido da empresa, desancando a companhia.

Os cuidados atuais se devem a outras razões. Como sempre acontece nesses episódios, sai-se atirando no que se vê. Esse viés estava mais presente nas manchetes e nos colunistas. A cobertura, em si, foi mais objetiva. Depois, há enorme dificuldade para o ajuste de rota, quando os fatos colidem com a versão inicial.

Não se condene a mídia por essa cautela com a TAM. Essa deveria ser a regra. Mas é flagrante a diferença em relação ao tratamento anterior.

Ontem, por exemplo, "O Globo" deu em manchete uma relação de órgãos governamentais que atuam no setor aeronáutico, e não apresentavam nenhuma explicação para o acidente. Agora, que o "Jornal Nacional" traz a hipótese mais concreta para o acidente, o jornal foi obrigado a dar o furo em uma tímida manchetinha de uma

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coluna.

Todos os jornais deram, com destaque, a explicação da TAM de que é possível aterrissar sem o reverso. Na "Folha", um especialista anônimo (porque o anonimato para uma avaliação técnica?) diz que "o problema no reverso direito do Airbus-A320 da TAM não seria suficiente, sozinho, para provocar o acidente de terça-feira, conforme especialistas ouvidos pela reportagem".

Claro que não. "Técnicos apontam ainda que a pista do aeroporto, além de escorregadia sob chuva, é curta e sem área de escape, algo que potencializa as dificuldades", diz ele. "A aeronave não depende dos reversores para frear nas situações normais. Isso porque, embora usado praticamente em todos os pousos do tipo, ele é só um instrumento extra para ajudar a frenagem do avião, que é projetado para parar com freios das rodas e aerodinâmico".

Tudo o que ele colocou é agravante para a TAM, mas o tom é de atenuante. Estava-se em situação normal? Claro que não. Chovia, o avião voava dentro do limite máximo de peso, do limite máximo de passageiros.

Não sei se me escapou, mas não me lembro de ter lido nos jornais os problemas com as cinco aeronaves da TAM que, em dezembro, foram tiradas de operação para manutenção extraordinária, agravando os problemas dos passageiros. Só se faz manutenção extraordinária em tamanha quantidade de aeronaves quando se deixa de fazer a manutenção ordinária.

É evidente que há tempos a TAM vinha perseguindo obsessivamente índices de rentabilidade da Gol, e se descuidando de aspectos básicos da operação. Aqui mesmo, no Blog, escrevi várias matérias sobre esse desmonte da empresa, a primeira, se não me engano, em meados do ano passado.

Esse desmonte foi mais amplo do que o que se observava no atendimento aos passageiros. A notícia da manutenção extraordinária dos cinco Airbus, em dezembro passado, indicava que havia mais coisas no ar do que aviões de carreira e a perda de qualidade no atendimento.

20/07/07 14:13

Das responsabilidade e do crime Há duas situações claras e distintas nesse acidente.

Uma, as condições do espaço aéreo nacional, com toda sua precariedade, incluindo as condições de pouso em Congonhas.

Outra, tendo como dado objetivo esse cenário, a decisão de manter em vôo uma aeronave com o reverso avariado, e de ter permitido uma decolagem com as condições de tempo registradas e o peso carregado pela aeronave.

O primeiro caso é uma discussão política relevante, com desdobramento nas áreas cível e, eventualmente, na área criminal.

O segundo caso é crime. Resta saber se a responsabilidade é apenas da TAM ou se compartilhada com a agência fiscalizadora.20/07/07 19:11

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Radicalização irresponsável A radicalização política está assumindo proporções assustadoras. Está se tornando um fenômeno amplo e que, a qualquer momento, pode fugir ao controle do bom senso.

Os gestos do Marco Aurélio Garcia e do seu assessor, comemorando a "barriga" da cobertura do "Jornal Nacional" são condenáveis. Mas filmá-los dentro de sua sala, na intimidade, equivale a um grampo ilegal. É crime. Qual teria sido o comentário dos editores da Globo quando receberam o material que permitiu desviar o foco da discussão da cobertura para o gesto do assessor?

Lembro-me quando a "Veja", em um de seus momentos típicos, crucificou o jornalista Ricardo Boechat, em cima de frases tiradas de um grampo, em uma conversa informal. Um ex-diretor da revista, Mário Sérgio Conti, comentou com o então diretor da revista que se tivessem sido grampeadas as conversas deles com Pedro Collor, ninguém sairia ileso. E isso porque termos e frases (até gestos) em uma conversa privada em tudo diferem de uma manifestação pública. Muitas vezes o problema não é da frase ou do gesto: é do grampo e da publicidade dada ao ato criminoso de grampear sem autorização judicial.

Mesmo assim, tanto o gesto de Marco Aurélio como a repercussão da mídia mostram que conveniências políticas se colocaram acima da solidariedade com as vítimas ou da busca de saídas para o impasse aéreo.

Tem-se um jogo, hoje em dia, em que se condena Lula por seus erros e por erros de terceiros, na outra ponta, se ataca José Serra meramente por ter divulgado o número de mortos. Acenam-se com cadáveres do Metrô contra os cadáveres da TAM. E toda essa luta para quê? Não estão em jogo projetos de país, modelos alternativos de desenvolvimento, princípios políticos e ideológicos. É um pega-pra-capar que tem a mesma falta de lógica dos efeitos-manada.

A imprensa se machucou seriamente no período eleitoral. Não aprendeu a lição. Tem que cobrar Lula pela falta de regulação do setor aéreo, pela incompetência da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), pela politização anterior da Infraero. Tem que se cobrar um novo modelo para o setor aéreo.

Agora, quem ganha com esse tiroteio destrambelhado, com esse festival de acusações apressadas, com essa tentativa de criar um fato político em cima de grampos televisivos? Quem ganha com essa montagem de colocar uma frase solta do Ministro da Defesa reclamando de salário, como se fosse uma resposta à crise aérea?

É um preço muito alto que o país paga para se desviar o foco da discussão principal: a incompetência do governo para resolver a questão aérea, a incompetência da mídia para fazer uma cobertura técnica e isenta.

23/07/07 12:35

Apanhadão do acidente da TAM No quebra-cabeças sobre o acidente da TAM, os jornais acrescentam algumas peças a mais:

1. A "Folha" traz uma entrevista com um especialista alemão, que aponta a falta de clareza dos manuais do Airbus, na parte de frenagem.

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2. O "Estadão" traz a informação de que a torre de controle registrou seis queixas de pilotos, de que a pista estava escorregadia.

3. O "Estadão" traz matéria explicando que o problema de Manaus foi erro técnico da manutenção. O que demonstra a falta que faz programas de qualidade total no sistema aéreo. Quando todo um sistema pode cair por falha de um eletricista, alguma coisa está profundamente errada com sua gestão operacional.

4. O "Valor" aponta o advogado Ives Gandra como um dos nomes cotados para Ministro da Defesa. A escolha seria incompreensível. Ives é um advogado bem relacionado, mas nada tem a ver com Defesa, nada entende de espaço aéreo e toda sua vida consistiu em trabalhar para clientes corporativos.

Na verdade um grande nome seria o coronel Oliva, que deixou o Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e demonstrou ser dos poucos quadros do governo capaz de pensar o futuro de forma planejada, além de uma inegável vocação pública, até por conta de sua formação militar. O problema dele é ser coronel. E coronel não pode comandar general nem brigadeiro.

23/07/07 14:21

A questão IPT x ANAC Pelo que entendi do imbroglio IPT x ANAC, proponho um tema para discussão.

1. O IPT soltou um laudo avalizando o grau de adarência da pista de Congonhas.

2. A ANAC divulgou o laudo do IPT, como se fosse o documento necessário para a liberação da pista.

3. O IPT rebateu, dizendo que o laudo só falava de um aspecto da pista.

4. A discussão sobre o acidente é em torno de um aspecto da pista: o grau de adarência. E em relação a outros aspectos de segurança (o avião sem reverso e bastante carregado em dia de chuva).

Quem tiver elementos, fique à vontade para enriquecer a discussão.

Enviado por: José

Nassif,

Os pontos são os seguintes :

a) a pista tem aderência conforme projeto apresentado, ou seja, o IPT confirma que o projeto e a obra estão alinhados,

b) o IPT NÃO tem como responder se aquela aderência é suficiente para parar as aeronaves, pois esta questão passa pelo tipo de avião e seu peso, ou seja, alguns aviões pequenos pousam ali sem problemas, outros maiores pousam com pouco peso e outros maiores com muito peso requerem aquela aderência mas em um espaço maior,

c) aviação é engenharia de zero defeito, e por isto na revisão os equipamentos são trocados por horas de uso, mesmo que estejam funcionando

d) o problema em Congonhas é a incompatibilidade entre a lógica de zero defeito dos

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aviões que estão sendo usados e a estrutura existente (tipo de asfalto e comprimento da pista), ou seja, a estrutura comporta a maioria dos pousos e decolagens, mas pode ocorrer problema na combinação de situações desfavoráveis (avião pesado em dia de chuva)

e) a simples POSSIBILIDADE (entendida como um % acima da tolerância baixa que se exige em conceitos aeronáuticos) de existir problema no pouso já indica que concentrar aviões daquele tipo em Congonhas foi um ato criminoso

f) o humor negro disto tudo para quem é engenheiro como eu : quem denunciou isto foram os advogados do Ministério Público, e advogado não faz conta nem usa raciocínio cartesiano para resolver problemas.

Resumo : a pista podia ser boa, mas o aeroporto reune condições de risco que não podem ser analisadas pelo IPT, que recebeu uma ordem específica de pesquisar a aderência.

Enviado por: Paulo Travaglini

O ponto central desta questão do laudo e liberação da pista é a responsabilidade profissional.

Uma obra desse porte tem uma ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) registrada no CREA. Este documento indica quem é o Engenheiro responsável pela obra, bem como o escopo que será atendido.

O laudo do IPT é uma das informações que o Engenheiro responsável precisa para dar por concluída a obra e eventualmente liberá-la para os usuários.

Portanto a personagem central desta questão é o Engenheiro responsável da obra. (Em tempo: o Laudo do IPT tem também um Engenheiro responsável, porém responsável apenas pelo laudo e não pela obra).

O responsável pela fiscalização deste procedimento é o CREA-SP.

Suponho que as informações de ART no Crea sejam públicas, permitindo investigação por parte da imprensa.

Similarmente ao desmoronamento da obra do Metrô, o CREA-SP não se manifesta, não interfere, não vem a público justificar a própria existência.

25/07/07 11:46

Rescaldo da crise aérea O movimento dos pilotos da TAM, de denunciar as condições da pista de Congonhas, chama a atenção para essa loucura em que se transformou o setor aéreo por falta de regulação e fiscalização.

Não sei se é estratégia para defender a empresa, ou se é real. Dia desses um dos mais ativos dirigentes da antiga e combativa Associação dos Pilotos da Varig declarava que a pista era perfeitamente segura. Pista segura para quem pousa direito não é pista segura.

Agora, quando o Sr. Crise se manifesta:

1. Os pilotos resolvem boicotar Congonhas.

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2. As companhias começam a evitar Congonhas.

3. O governo decide descongestionar Congonhas.

4. Os sindicatos começam a falar mais alto contra o desrespeito ao tempo de trabalho.

Todos esses agentes não se manifestaram esse tempo todo, ofuscados pelo "boom" do setor aéreo e sem que o governo Lula agisse com planos, normas e regulamentos adequados.

E aí me dá uma dúvida enorme. A aviação, assim como outros setores da atividade, trabalha com redução de risco. Ter cem por cento de segurança é impossível, o custo seria infinito. Um sistema responsável teria todos seus agentes trabalhando para minimizar ao máximo os riscos.

Até agora, o que se viu foram análises individuais de cada problema apontado. Ora, a análise individual vale quando todos os demais fatores de risco estão sob controle. Tomar chuva mata? Não, porque muita gente toma chuva e não morre. Pneumonia mata? Também não, porque muita gente tem pneumonia e não morre. E pneumonia com chuva? Aí aumenta o risco.

Mas aí se tem o seguinte quadro que se tira, após ler os especialistas:

1. Primeiro fator de risco: a pista de Congonhas. Saliente-se que a reforma somente foi feita depois de interferência do Ministério Público. Ainda não está claro qual o efeito final do asfalto sobre o acidente. Mas, pela leitura dos jornais, é evidente que o aeroporto não possuía diversos elementos extras de segurança, como o asfalto mole no final da pista, uma área de escape maior. Com pista, ou sem pista, quando se permitiu o vôo dos Airbus, diminuiu-se a segurança do aeroporto.

2. Segundo fator de risco: o fato do avião não ter um dos reversos funcionando (a propósito, ainda não entendi - e peço que algum leitor me informe - se um reverso funcione equivale a 50% da capacidade ou a zero, pelo risco do avião rodopiar se se jogar toda a força em um motor só). Não adianta dizer que o fabricante autoriza até dez dias, e que avião pode pousar sem reverso. Pode em condições ideais de pouso. Mas é evidente que, sem o reverso, é um fator a mais de aumento do risco, que pode ser a diferença em condições anormais de pouso. E uma companhia aérea séria e uma agência reguladora séria não vão se seguir ao pé da letra manual de avião, como se isso as absolvesse de eventuais futuros acidentes.

3. Terceiro fator de risco: o peso do avião, superlotado de passageiros e com tanques cheios. Também não adianta a TAM alegar que estava pouco abaixo do peso máximo autorizado para a pista. O peso máximo vale para condições normais de vôo.

Há uma incompetência e irresponsabilidade sistêmicas, cuja culpa maior é do órgão regulador, a ANAC, mas que atinge todos os atores.

Comandantes, que eram senhores absolutos da decisão de voar, aceitaram pousar em Congonhas até o dia do acidente. A Infraero só reformou a pista depois que o MP agiu. A ANAC nada fez no período. As companhias aéreas se limitaram a essa corrida maluca em torno dos índices de rentabilidade.

Hoje em dia, há dois públicos recebendo as críticas contra o governo Lula. Um que aceita qualquer bobagem contra o governo, e um que minimiza toda crítica por estar cercada de manipulação.

Está na hora de se recuperar o bom senso e se passar a cobrar intensamente competência, e medidas que alterem estruturalmente as graves deficiências do setor aéreo. E isso para se começar a pensar em uma mudança qualitativa na forma de governar.

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Enquanto a bandeira da gestão e da qualidade não se tornar uma obsessão nacional, vai-se continuar nesse drama sem fim, que outro dia a Marina relatou aqui.

25/07/07 14:08

O olhar externo Fernando Duarte, em "O Globo" de hoje

Para Cristoph Gilgen, integrante do Conselho Técnico da IFATCA (Federação Internacional dos Controladores de Tráfego Aéreo), e controlador a serviço da Skyguide, estatal a cargo do tráfego aéreo da Suíça, o Brasil deveria aceitar uma auditoria externa independente no setor aéreo, como foi feito em seu país em 2002. Gilgen, que também participou de uma comissão da IFATCA que visitou o Brasil logo após o acidente com o Boeing da Gol, no ano passado, diz que o exemplo suíço mostra conseqüências positivas e pede um pouco mais de humildade por parte das autoridades brasileiras

No Brasil está se falando que a IFATCA está defendendo uma intervenção no setor aéreo. Foi assim na Suíça?

CRISTOPH GILGEN: Nada acontece se autoridades e governo não aceitarem ou mesmo apoiaram uma auditoria externa, ou a ida de estrangeiros ajudando na resolução de uma crise. Não adianta nem começar, se não for assim. E, a julgar pelas declarações do presidente da Infraero, fica a impressão de que o governo brasileiro não quer o apoio dos gringos, embora eu ache estranho quando ele fale de "nossos mortos". Intervenção é uma palavra muito forte, estamos falando de apoio

O exemplo da Suíça tem sido citado como caso de estudo. Você poderia falar um pouco mais sobre ele?

GILGEN: A Suíça sofreu eventos bem parecidos com os do Brasil entre 1998 e 2001. Houve desastres aéreos, incluindo o choque de dois aviões da Crossair perto do aeroporto de Zurique e a falência da Swissair. A reputação do setor aéreo na Suíça ficou bastante ruim, com sinceras dúvidas do público e da mídia sobre a eficiência e segurança. Foi quando o governo decidiu pedir ajuda e contratou os serviços de uma companhia holandesa, a NLR, que trabalhou na Suíça entre 2002 e 2003.

As coisas melhoraram muito.

Que tipo de trabalho foi feito?

GILGEN: A auditoria nos ajudou a ver exatamente onde a Suíça realmente estava em matéria de segurança aérea, mas um dos pontos principais foi trazer seriedade para as discussões bem emocionais entre políticos, mídia e opinião pública. E também paz para as pessoas diretamente envolvidas com o tráfego aéreo. Os holandeses fizeram muitas críticas, especialmente à falta de investimento no setor.

O caso brasileiro, porém, é um pouco mais complicado, como você mesmo deve ter visto durante as investigações da queda do Boeing da Gol, não?

GILGEN: O Brasil precisa de uma auditoria mais complexa, especialmente porque faltam estruturas civis mais firmes para regular o setor. Seria necessária uma agência reguladora, com a tarefa de supervisionar a aviação civil e o controle aéreo em particular. Uma espécie de olho do Estado, que asseguraria o cumprimento das normas nacionais e internacionais. Uma auditoria neutra pode determinar a real situação atual e detectar pontos-chave na modernização e mudança na malha aérea.

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Isso não é tarefa para a IFATCA.

Mas a IFATCA tem recomendações?

GILGEN: Não estamos falando de um acidente específico, até porque o do vôo JJ 3054 não parece ter nada implicando o tráfego aéreo, por exemplo. Mas são situações como o apagão de sábado e os casos de "quase" que assustam. A IFATCA acha que é necessário reestruturar tudo a respeito do controle aéreo no Brasil, com melhores condições de trabalho para os controladores, a modernização do equipamento e um melhor treinamento para os trabalhadores do setor. Segurança não é dada, mas sim suada.

Enviado por: Carlão

Não esse Gilgen que deu, tempos atrás, uma entrevista sensacionalista ao Fantástico e, pouco depois, foi revelado que havia transmitido E-mail aos controladores de vôo brasileiros, exortando-os a manterem os peixes na rêde.

25/07/07 22:20

O manual do Airbus Direto do Emule, o manual do A312, para nossos especialistas.

28/07/07 21:43

Sobre a culpa do piloto Márcio Aith, da "Veja" - um dos autores da reportagem de capa desta semana sobre o acidente com o Airbus da TAM - é repórter sólido. Quando seus textos não sofrem as alterações amalucadas dos diretores de redação Eurípedes Alcântara e Mário Sabino - como no samba do crioulo doido sobre as supostas contas de homens do governo no exterior - produz matérias consistentes.

Mesmo assim, a capa está mais parecendo uma aposta em uma das versões do que fundada em dados comprovados.

O Tonico Ferreira, do "Jornal Nacional", fez uma boa matéria sobre as hipóteses prováveis. Uma das mais consistentes é justamente essa do piloto ter acionado de maneira errada os manetes. No meio da semana, aliás, foi a hipótese mais ventilada, inclusive depois da Airbus ter soltado um comunicado reforçando os procedimentos a serem adotados com o manete, quando um dos reversos está parado.

Mas ainda é uma hipótese. Antes de se condenar o piloto morto, há que se entender o que o levou ao erro. Pode ter sido um descuido, manejando o avião como se os dois reversos estivessem funcionando - o que mostra a gravidade de voar com um aparelho sem um reverso, já que altera completamente o modo com que os pilotos foram condicionados a pousar. Mas pode ter sido um sinal errado do sistema de computação.

Segundo o JN só a degravação da caixa preta poderá elucidar o caso.

Page 86: Jornalismo colaborativo nassif

Postado domingo 12:28

Se, com o reverso pinado, a mudança do modo de pilotar é tão drástica, a ponto de ter provocado dois acidentes nos últimos anos, e se o piloto era experiente, há os seguintes fatos a serem aputados:

1. É quase impossível que uma companhia como a Airbus não tivesse colocado alertas estridentes, na hipótese de algum piloto repetir a manobra errada. Não se trata de mudança conceitual no aparelho. Trata-se apenas de cruzar dados e, na hipótese do manete estar errrado, com o reverso pinado, emitir alarmes com estardalhaço. Se não houve o alerta, ou decorreu de um descuido criminoso da Airbus, ou porque o sistema não funcionou. E aí é problema de manutenção.

2. Se o reverso pinado já tinha provocado dois acidentes com o Airbus, é evidente que qualquer sistema responsável de prevenção, seja da companhia ou do controle aéreo, trataria de listar aparelhos com esse problema e, no momento do pouso, tratar de emitir um alerta adicional ao piloto.

3. Esse conjunto de fatores, mais as condições de trabalho da tripulação, é que poderão explicar as circunstâncias em que o erro teria sido cometido.

29/07/07 13:59

A dura mudança de rota Enviado por: André Borges Lopes

Contribuições de um ex-aluno do professor Chaparro para melhor compreensão do bom jornalismo praticado pela nossa semanal preferida:

Publicado no site da revista "Veja":

"A Aeronáutica se negou a comentar neste fim de semana as INFORMAÇÕES EXCLUSIVAS divulgadas na atual edição de VEJA, que mostra que o avião da TAM que caiu em São Paulo teve erro humano no pouso." (grifo meu)

Esse "furo" sobre o possível erro de operação do piloto em função do reverso "pinado" já estava aqui no Blog, creio que no dia seguinte ao da tragédia. É considerada a versão mais provável segundo o jornal espanhol El País há pelo menos cinco dias. Tem dois antecedentes documentados e motivou, depois do acidente em Congonhas, um comunicado formal da Airbus aos usuários do avião. Haja exclusividade.

Voltando ao que está publicado no site:

"As investigações revelam ainda que, apesar da chuva, não houve aquaplanagem nem falha no sistema de freios."

Compare-se essa declaração com o título do box da página 67 da edição 2018 (semana passada) da revista impressa:

"Para a maioria dos profissionais, o sistema de freio falhou e houve aquaplanagem".

Dentre os dez "profissionais ligados à aviação" (anônimos) ouvidos pela Veja, a hipótese de falha nos freios ganhava por 8 X 1 (com uma abstenção) e a de aquaplanagem por 7 X 3. Nenhuma surpresa para quem conhece o critério da redação de Veja para selecionar a opinião de especialistas.

Page 87: Jornalismo colaborativo nassif

Para coroar, qual o título da matéria no site?

"FAB silencia sobre o erro do piloto. E especialistas confirmam falhas em pista"

Quanto à FAB, ela apenas segue fazendo o que fez desde o início dessa (e de outras) investigações de acidente: não comenta hipóteses até a conclusão das investigações.

E quais são as considerações dos "especialistas" da vez? Voltemos ao texto do site:

"Em reportagens divulgadas neste domingo pelos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, especialistas do setor aéreo confirmam outra informação de VEJA em sua última edição -- a de que as características da pista de Congonhas também contribuíram de forma decisiva para o desastre em SP. Curta e sem uma área de escape adequada, a pista agravou o acidente, por dificultar a reação dos piloto." (sic)

Ou seja: sorrateiramente, saem do texto (mas não do título) a aquaplanagem, a falta do "grooving", o "holiday on ice" do Mainardi , a "reforma inacabada", a entrega precipitada da pista pela Infraero e tudo mais o que foi incessantemente martelado por mais de 10 dias pela imprensa nativa. As "falhas" da pista decorrem do fato de ter apenas 1950 metros, não ter área de escape e estar no meio da cidade. "Falhas" que têm, pelo menos, uns 30 anos de existência, mas só agora foram reveladas por Veja em sua última edição.

Que beleza, não? Humilde sugestão minha para o próximo "furo" da Veja: "Epecialistas da Airbus, que preferem não se identificar, afirmam que avião poderia ter pousado em segurança apesar do reverso desativado, da chuva e do equívoco dos pilotos, caso a pista tivesse 10 km de extensão e Lula não estivesse na Presidência da República"

PS: curiosa essa colocação de que o suposto erro dos pilotos tenha sido a "causa inicial" do acidente. Confirmada a hipótese da manete mal posicionada, na minha opinião, a "causa inicial" é o reverso desativado, a causa secundária são os procedimentos confusos da Airbus para pouso nessas condições, a causa terciária é o erro dos pilotos em condições não usuais. Chuva, pista relativamente curta e condições do aeroporto, são agravantes.

Por outro lado, transformar um aeroporto limitado como Congonhas em principal "hub" da aviação nacional é uma evidente irresponsabilidade - que deve ser dividida entre o governo e as companhias aéreas.

ComentárioNo dia do acidente participei de uma entrevista com um especialista em segurança no Jornal da Cultura. No intervalo, ele dizia que a hipótese mais provável era do reverso não ter funcionado. No ar, fugia da hipótese. Nos dias seguintes, o efeito-manada desestimulou as análises nessa linha. Só quando começou a se esgotar a história do "grooving" e da pista é que os jornais passaram a explorar, no início timidamente, a hipótese do reverso.

29/07/07 14:08

Dos leitores enviado por: césar figueiredo

Nassif:

Page 88: Jornalismo colaborativo nassif

vejo como álibi da TAM e até uma atitude irresponsável, colocar a culpa nos pilotos.Com um reversor travado(inoperante) as manetes não têm absolutamente ação de frenagem.eficaz. Também botar culpa na pista não faz sentido,já que outras aeronaves pousaram ali imediatamente antes e depois do acidente!

Os pilotos podem ter acionado o reverso esquerdo,com empuxo total, em ato de desespero.

enviado por: Marcel Stefano

Nassif,

uma hipótese que estão ventilando mas não está muito bem explicada é de que os manetes de potência e reverso estavam em posições erradas (até aí tudo bem). Mas os jornais argumentam que essa foi a causa do avião sair à esquerda no final da pista. Esse final é que está mal explicado. Pq se o manete estava errado o avião já tenderia a sair à esquerda desde o começo do pouso e não só no final. Acredito que a curva à esquerda ao final da pista foi mais uma tentativa de cavalo de pau com o avião para tentar pará-lo "na marra" do que outra coisa.

enviado por: Marco Vitis

A imprensa deveria republicar as declarações do Coronel Franco e do Prof. Jorge Leal (da POLI - USP) que afirmaram categoricamente que o acidente fora causado pela pista. Afirmação dada no dia seguinte ao acidente. Por que um jornalista (que mereça a função) não vai perguntar a esses dois senhores por que eles mentiram para a sociedade brasileira? Daria uma boa matéria: muito instrutiva sobre o papel social da imprensa

Enviado por: Silvana

Se seguirmos a nossa mídia, chegaremos a conclusão que a caixa preta além de preta, é pobre e vota no Lula.

01/08/07 13:08

O reverso e o "spoiler" Da reportagem do Fernando Rodrigues, hoje e ""Folha", trazendo fatos novos:

"Ao tocar o chão na pista principal de Congonhas, uma voz na cabine diz: "Reverso um apenas". Ou seja, o piloto e o co-piloto sabiam que só um reversor estava operante".

"Em seguida, outra frase: "Spoiler nada...". Ou seja, os spoilers (freios aerodinâmicos na parte de cima das asas), que abrem automaticamente no pouso, não funcionaram".

"O tom fica dramático: "Desacelera, desacelera, desacelera!". Aumenta o pânico: "Não dá, não dá, não dá". Por fim, a frase já conhecida: "Vira, vira, vira"."

"Quem ouviu as gravações completas e repassou o conteúdo à Folha não quis revelar as palavras finais captadas dentro da cabine de comando, segundos antes de o avião explodir, matando 199 pessoas".

01/08/07 13:19

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A defesa pós-morte Se o piloto lembrou, pela degravação da cabine, que havia só um reverso funcionando, ainda dá para falar em erro humano no acidente? Ou foi problema mecânico mesmo?

01/08/07 16:40

O fim da operação-abafa Finalmente, o jogo clareou. Assim como ficaram claros os motivos de reportagens recentes deixando de culpar o governo, poupando a TAM e lançando a culpa sobre o piloto morto.

Foi montada enorme operação-abafa entre autoridades aeronáuticas, companhia aérea e alguns órgãos da mídia, visando transferir a responsabilidade do acidente dos ombros das autoridades e da TAM para quem não podia mais se defender.

No início, a cegueira ideológica da grande mídia, jogou toda a responsabilidade no colo do governo, da pista de Congonhas, do "grooving". Deixaram-se manipular ou manipularam fontes porque há muito se perdeu o compromisso com o jornalismo: o que importava era apenas utilizar politicamente o acidente ou garantir o escândalo do dia.

Quando autoridades aeronáuticas e a TAM perceberam que não conseguiriam esconder indefinidamente as causas do acidente, montou-se a conspirata,

Constatou-se que o acidente ou foi causado por falha humana ou por problemas mecânicos. Se por problemas mecânicos, a responsabilidade batia direto na TAM e nos órgãos fiscalizadores. Para poupar a companhia, órgãos de imprensa, que até instantes atrás eram capazes de culpar o governo até pelas chuvas, procederam a uma mudança de rota. Aceitaram isentar as autoridades, encampando a versão de que o culpado era o piloto morto.

A verdade agora vem à tona, os pilotos mortos podem dormir em paz. Mas os brasileiros dormem cada vez mais intranqüilos, com a falta de manutenção nas aeronaves e no jornalismo.

CPIs

Continuo contra CPIs. Mas a exigência do parlamento, de ouvir a transcrição dos diálogos da cabine, gravados na caixa-preta do avião, foi fundamental para elucidar essa trama.

01/08/07 17:57

O depoimento do comandante Ontem a CPI ouviu o comandante José Eduardo Batalha Brosco, que pilotou o airbus da TAM na véspera do dia do acidente. Um relato saiu no Globo Online.

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A ênfase do comandante - e da matéria - é nas condições de Congonhas. O título, aliás, é "Piloto da TAM critica pista de Congonhas na CPI". O comandante é apertado pelo relator da CPI, deputado Marcos Maia (PT-SR) sobre supostos problemas enfrentados pela aeronave.

O relato que saiu no Globo Online:

"(...) O relator pediu ainda que Brosco ajudasse a CPI a entender alguns códigos escritos por mecânicos de manutenção das aeronaves da empresa em relatórios dos movimentos, feitos no dia do acidente, na aeronave que explodiu. O piloto informou que o relatório parecia indicar que teria acontecido uma falha no sistema de flap e no trem de pouso e frenagem da aeronave e que, depois de efetuada a manutenção, isso teria sido corrigido. Depois, ressalvou, diante da pergunta do relator se isso seria a demonstração de que a aeronave já teria apresentado problemas de frenagem em Campo Grande:

- Não diz que aconteceu um problema, diz que foi feito um check. Pode ou não ter tido problema.

Para o relator, os relatórios de manutenção da aeronave que explodiu terão que ser melhor analisados e isso poderá significar a convocação dos mecânicos que fizeram essa checagem.(...)

01/08/07 22:53

Explicando a operação-abafa Alguns leitores pedem explicações mais detalhadas sobre o que considerei a operação-abafa.

É simples. Quando ocorreu a tragédia, como sempre tem ocorrido nesses momentos de catarse, a mídia saiu correndo atrás de um culpado. Com a politização a pleno vapor, o enfoque preferencial das matérias era procurar jogar a culpa no governo.

Muitas das falhas apontadas são reais, como a falta de regulação do setor, o fato das empresas aéreas terem se apropriado da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), a imprudência de permitir a super-lotação de Congonhas, a pista recém-recapeada. Mas nenhum desses fatos foi decisivo para a queda do avião.

No início, a TAM escondeu qualquer informação sobre a manutenção do avião. Aí se descobriu a que o reverso não estava funcionando. Seguiu-se um festival de informações técnicas desencontradas, alegando que o reverso não era relevante. Depois, se admitiu que o reverso pinado exigiria procedimentos diferentes do pouso normal, e por alguma razão esses procedimentos não haviam sido seguidos.

Quando ficou claro que o reverso poderia ter provocado o acidente, havia duas hipóteses: ou erro do piloto, ou problemas mecânicos. Problemas mecânicos podem ser de estrutura (softwares com bugs) ou de manutenção. Se de manutenção, a responsabilidade é da empresa, a co-responsabilidade das autoridades fiscalizadoras.

Em geral, nesses acidentes, o resultado final das investigações leva tempo para aparecer, o caso esfria, é esquecido, morre. E, por uma questão de auto-defesa, o setor sempre evita incriminar-se. Por isso mesmo, a tese do erro humano era a mais cômoda e poder-se-iam jogar as conclusões para daqui um ano, quando o assunto já estivesse esfriado.

Quando a caixa preta foi para os Estados Unidos, e os deputados decidiram acompanhar a degravação, percebeu-se que não daria para manter as conclusões em sigilo. A caixa-

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preta inevitavelmente apontaria problemas mais sérios do que a pista ou um eventual erro do piloto.

O que as fontes fizeram? Se anteciparam à CPI, procuraram a "Veja" e a "Folha, que embarcaram na tese do erro do piloto. Só que, para embarcar nessa tese, tiveram que isentar as autoridades fiscalizadoras, e deixar de lado todas as acusações indevidas que haviam lançado contra o governo. A culpa ficaria sendo exclusivamente de um piloto que não poderia se defender. Esse foi o cerne da operação-abafa.

Quando os deputados da CPI se deram conta dessa jogada, decidiram liberar os diálogos dos pilotos na cabine. E aí a operação-abafa começou a ruir.

É possível que pilotos esquecessem que o reverso não estava funcionando e adotassem os procedimentos errados. Mas a degravação mostra que, na hora do pouso, ambos estavam alertas a esse problema. Como supor que cometeriam um erro minutos depois de terem constatado o problema?

Com isso, a tese do problema mecânico se fortalece. E aí, empresa e autoridades fiscalizadoras terão que prestar contas à opinião pública.

Comentário

Por questão de justiça, ressalve-se que Fernando Rodrigues, da "Folha", não embarcou totalmente na versão da culpa do piloto. Em sua reportagem, mencionou o problema com o spoiler do avião.

02/08/07 13:57

Famílias de pilotos evitam sair e ver notícias Fabiane Leite, no "Estadão" de hoje

Maria Helena, a mulher do co-piloto Henrique Stephanini Di Sacco, do vôo 3054 da TAM, não quer mais assistir TV, ouvir rádio ou ler jornais depois que ganhou destaque o noticiário sobre possível falha humana como causa do acidente.

"Conclusões sobre o caso têm sido apresentadas apressadamente, antes do fim das investigações. Só confiamos nas informações passadas por conhecidos da família", disse ela. "E acrescento que até que, no meu entender, receba informações oficiais, ainda não pensamos em nenhuma providência sobre a divulgação de falha humana, pois a família no momento só está à espera da identificação do pai e do marido que nos faz tanta falta", informou ao ser questionada se a família tomaria providências contra as acusações contra o piloto.

Maria Helena, que é conhecida como Milena, responde rápido quando lhe perguntam sobre as possíveis causas do acidente. "Só posso falar dos 30 anos que passamos juntos."

Já a mãe do outro piloto do vôo, Kleyber Lima, que, segundo a TAM, comandava a aeronave, não anda mais nas ruas e evita conversar sobre o caso. "A gente recebe com espanto (as notícias). Conhecia bem meu tio, ele tinha mais de 20 anos de experiência. É muito difícil alguém fazer aquilo, você esquecer um manete de aceleração para frente, acho que nem um piloto começando faria isso", afirmou o sobrinho de Kleyber, Sheldon Lima, de 19 anos, que tem permanecido na casa da avó. "A mãe dele está muito traumatizada, triste em vê-lo acusado por grandes veículos de comunicação. Ela já tem idade. Costumava caminhar, fazer tricô. Não caminha mais. Ainda não conseguiu se

Page 92: Jornalismo colaborativo nassif

recuperar. Ela sofre muito, até porque ele era a vida dela e ela, a dele", continuou Sheldon. As duas famílias informaram que têm recebido assistência da TAM desde a data do acidente.

02/08/07 15:35

A segunda morte dos pilotos Enviado por: weden

Imprensa agora tenta se eximir de acusação indevida

Cinismo ou covardia? A divulgação apressada de que o acidente aéreo foi causado por erros do piloto deve-se exclusivamente à imprensa.

Nenhum órgão do Estado, nenhuma fonte do Congresso, ou das empresas envolvidas vieram, oficialmente, a público para afirmar, por meios próprios, que os pilotos eram os culpados.

Pelo contrário: a Aeronáutica sempre alertou que as investigações jamais são encaminhadas para encontrar culpados.

Isso foi dito diversas vezes pelo comandante

Apesar de duvidar da seriedade das CPIs, também não vi congressistas irem às ruas alertar para o erro dos pilotos.

Quem divulgou esta notícia, sem uma apuração mais cuidadosa, e sem o zelo necessário para não gerar manchetes sensacionalistas e acusatórias foi a revista Veja e o jornal Folha de SP.

Foram estes órgãos que estamparam sem qualquer pudor que a culpa cabia aos pilotos.

Se era uma das causas possíveis, que se publicasse apenas como causa possível.

Mas a ênfase espetacular puxando tiragens não deixou margem para outra interpretação.

Não é permitido ao jornalista errar a mão na utilização das palavras. Isto é tão grave quanto um médico que opera de forma despreparada os instrumentos cirúrgicos.

Cabe aos editores e aos repórteres, exclusivamente, escolher os termos que comporão seus textos, seus títulos.

Cabe aos editores mensurar os efeitos negativos e perniciosos que manchetes como aquelas podem ter sobre as famílias dos acusados.

Não há nenhuma força "superior", em situação democrática, que obrigue jornais a publicar o que publicam.

Cabe também aos profissionais de mídia assumir todo e qualquer erro de informação que por acaso cometam.

No entanto, começou um movimento, misto de cinismo e de covardia, para tentar afirmar que o erro de informação veio de alhures.

Ninguém que saiba o funcionamento mínimo de uma redação vai cair nessa falácia.

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A Folha de SP e a Veja, possivelmente, vão dizer que a acusação contra os pilotos partiu de outros interessados, tanto quanto um dia órgãos de imprensa disseram que um delegado era o grande responsável pelo escândalo da Escola Base.

Jornalistas e editores devem assumir seus erros e não repassá-los adiante.

Foram criticados imediatamente quando divulgaram esta falsa notícia de forma tão apressada.

De forma arrogante, não voltaram atrás, não pediram desculpas.

Agora fazem matérias sobre a dor dos familiares causada pela divulgação de uma notícia, como se estivessem reparando erros de outrem.

Não se sabe ainda de quem é a culpa, ou quais foram os fatores todos que desencadearam o acidente.

Mas uma coisa é certa: a culpa pelo segundo sofrimento da família dos pilotos é exclusivamente da imprensa.

02/08/07 23:02

O peso do Airbus da TAM Enviado por: Gustavo

Vou postar aqui um dado técnico, mais como frustação de não ver a imprensa querendo descobrir algo de fato:

Cálculos sobre o peso do Airbus A320 (Fonte: airbus.com)

Fazendo contas bastante conservadoras (que seguem abaixo com cálculos e dados oficiais), tudo indica que a aeronave da Tam estava acima do limite do peso. Três fatores serão importantes para se confirmar esses dados: 1) o cálculo DETALHADO do peso oficial da aeronave (a ser investigado por algum jornalista interessado), 2) as informações dos familiares quanto ao peso da bagagem dos passageiros, e 3) responder se há uma balança que calcule o peso das aeronaves nos aeroportos, se o computador de bordo faz isso, ou se o procedimento é o cálculo mesmo.

Para que o cálculo bruto da Tam (62,7 toneladas) esteja certo, a média de bagagem de check-in para cada passageiro teria que ser de 6,6 kg (excetuando correio e carga, daí o conservadorismo - e sabendo que o limite brasileiro é de 23 kg).

O excesso de peso poderia explicar a provável pane dos computadores (porque, para que as máquinas funcionem bem, é preciso respeitar os limites dentro dos quais elas são projetadas).

Seguem os dados:

Peso máximo de rampa: 77,4 toneladasPeso máximo de decolagem: 77 toneladasPeso máximo de aterrissagem: 66 toneladasPeso máximo com zero combustível: 62,5 toneladas *Capacidade máxima de combustível: 29.840 litros (23.872 Kg) **Peso básico operacional (PB): 42,4 toneladas ***

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Capacidade de carga paga (peso dos passageiros + bagagens)16,6 toneladasCapacidade de passageiros recomendada: 150 passageirosMédia de peso por passageiro (incluindo bagagem de mão): 75 kg

* Avião totalmente carregado faltando apenas o combustível nas asas.** Densidade do querosene: 0,8 g/cm3.*** É o avião vazio, incluindo fluído hidráulico, óleo, combustível não drenável, poltronas na versão passageiro, e os equipamentos fixos. O PB é informado pela fábrica, mas a aeronave deverá ser eventualmente pesada pois as trocas de equipamentos, pintura, modificações estruturais, grandes revisões, sujidade e umidade acumuladas poderão alterar o PB.

Vôo 3054:

Dados da segurança para pouso em Congonhas sem reverso:Carga máxima: 64,5 toneladasPeso do avião declarado pela Tam: 62,7 toneladas

Cálculos da pesagem:Valor do peso do combustível declarado pela Tam: 9,2 toneladasPassageiros e tripulação: 186 pessoas (186 x 75kg: 13.950kg)Peso básico operacional: 42,4 toneladasCombustível de saída: 9,2 toneladas (contestado por um mecânico da Tam)*Combustível de chegada: 5,2 toneladasTotal parcial: 61,55 toneladas

Para que a conta da Tam feche, o peso da bagagem (dado que não tenho) deveria ser de 1.150 kg.

Limite brasileiro de peso de bagagem (por passageiro): 23kg Peso estimado da bagagem do vôo 3054 (sem excedente): 1.150 kgPeso estimado da bagagem por passageiro (174), para que a conta da Tam feche: 6,6 kg

* (...) um mecânico que teria inspecionado a aeronave teria afirmado que ela teria 12 t de querosene. A TAM teria informado que o Airbus decolara de Porto Alegre, ponto de origem do vôo, com 9,2 t. Cálculos de consumo indicariam que o trajeto não consumiria mais do que 4 t de combustível (folhaonline).

04/08/07 10:41

Dos fatos e das manchetes Na "Folha" de hoje:

Manchete principal: "Avião acidentado não tinha defeito, afirma Airbus".

Manchete interna: "Airbus isenta avião e indica falha operacional".

Submanchete: "Nota da empresa afirma que a aeronave A-320 não apresentou defeito e que o manete não foi desacelerado corretamente pelo piloto".

Textos:

"A comissão de investigação da Aeronáutica irá analisar o motivo da falha e não se pronunciou oficialmente sobre o comunicado"

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"(...) A comissão de investigação da Aeronáutica -da qual participa representantes da Airbus- irá analisar o motivo da falha e não se pronuncio oficialmente sobre a questão, apesar de aprovar o texto da AIT. Já foi levantada a hipótese de que algum problema mecânico possa ter impedido que o manete fosse desacelerado até o ponto morto. E ainda que um defeito técnico possa ter impedido o piloto de trazer o mesmo manete para o reverso depois de tocar o solo ou ainda quando os pilotos tentavam frear após perceber o problema".

"Estadão" de hoje:

Manchete interna: "Airbus: caixa-preta não indica defeito"

Sub-manchete: "Documento comprova que manete não estava na posição correta e pilotos frearam em toda a extensão da pista"

Textos:

"Airbus chegou à conclusão de que não há registro na caixa-preta de que tenha ocorrido defeito na aeronave. A empresa não descartou a existência de falhas - informou apenas que nada foi constatado".

Outra matéria: "Aeronáutica diz que dados não são conclusivos"

Texto: "A Aeronáutica informou ontem que a nota técnica divulgada pela Airbus é apenas uma descrição das informações contidas nas caixas-pretas de dados e de voz, e não a conclusão sobre a tragédia do vôo 3054. Os militares salientaram que ainda não é possível determinar se a posição incorreta dos manetes indica erro operacional dos pilotos ou se houve pane nos computadores".

08/08/07 17:24

A notícia órfã Ontem o Ali Kamel publicou uma coluna na página de Opinião do "Globo", "A grande imprensa".

Sobre a cobertura do acidente da TAM, Kamel se defende: "A grande imprensa se portou como devia. Como não é pitonisa, como não é adivinha, desde o primeiro instante foi, honestamente, testando hipóteses, montando um quebra-cabeça que está longe do fim".

"Testando hipóteses" é outro nome para falta de discernimento. Em qualquer cobertura competente, enquanto o quadro não está claro montam-se cenários de investigação, análise de probabilidade, linhas de investigação. Evitam-se afirmações peremptórias, e apela-se para a criatividade para produzir manchetes de impacto sem recorrer conclusões taxativas.

De cara, se poderiam alinhavar várias possibilidades para o acidente da TAM, que seriam o ponto de partida. Toda a cobertura seguiria esse roteiro, procurando checar a probabilidade de ocorrência de cada possibilidade ou delas combinadas. A partir daí, o Sr Fato se incumbiria de descartar algumas hipóteses e reforçar outras.

O "testando hipóteses" do Kamel consistia em bancar aposta total na Hipótese A. Dias depois, esquecer a Hipótese A e bancar toda a aposta na Hipótese B. Depois, na Hipótese C, até acertar. Mas não houve acerto. A resposta final - a degravação dos diálogos na cabine - eliminou todas as hipóteses anteriores.

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E aí se entra no modelo de gestão da notícia adotado pelas Organizações Globo. De alguns anos para cá resolveu-se homogeneizar o entendimentos dos jornalistas em relação aos temas de cobertura. Esse papel doutrinário coube a Kamel.

Não sei qual é a experiência de Kamel no front da reportagem. Mas foram dois os resultados. Primeiro, acabou-se com a diversidade de enfoques, marca de jornalismo plural. Segundo, perdeu-se o sentimento da rua, o sentido da reportagem. Os repórteres passaram a subordinar a cobertura aos desígnios do "aquário". Houve um divórcio dos pais - o "pai" "aquário" e a mãe reportagem - e o resultado deixou a notícia órfã.

Nem vale a pena comentar as acusações generalizantes e conspiratórias de Kamel, na seqüencia do artigo, contra os críticos da cobertura. Ele não está escrevendo para os leitores. Apenas se justificando para os donos da empresa.

15/08/07 21:44

O acidente aéreo e o Blog Encontrei minha colega Maria Lídia, da TV Gazeta. Me disse que a cobertura do acidente, pelo seu jornal, se orientou fundamentalmente pelas análises e informações que vocês ajudaram a colocar no Blog.

Especialmente o cálculo do peso do avião, preparado pelo Gustavo, que, segundo ela, deixou todos seus entrevistados da área surpresos, por perceber que ali estava um dos pontos centrais, que a cobertura da grande mídia não aprofundou.

21/08/07 11:36

Rescaldo do acidente da TAM Duas informações sobre o acidente da TAM que, certamente, terão desdobramentos na esfera judicial.

Um, a informação de que, para desobstruir a pista de Congonhas, a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) apresentou à juíza uma relação de medidas de segurança, incluindo a proibição do avião pousar sem o reverso funcionando. Fica claríssimo que, ao contrário do que foi exaustivamente afirmado nos primeiros dias do acidente, pousar sem o reverso era reduzir a segurança do pouso.

Manter a diretoria da ANAC, depois da divulgação desses dados, é rematada imprudência. Assim como manter conselheiros em agências que não disponham de currículo e competência técnica comprovada.

O segundo, a informação de que no, vôo anterior do Airbus, o piloto havia errado o procedimento de pousar com o reverso pinado. Significa que a TAM foi descuidada no treinamento dos pilotos e, mesmo depois do piloto ter errado na operação, não emitiu um alerta geral para os demais pilotos.

Mesmo que se comprove que não houve erro do piloto no acidente, a informação mostra a necessidade urgente de uma auditoria completa nos sistemas de manutenção e treinamento das companhias aéreas.

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