cap_01 tc baseada em mindfulness

17
Uma Conceitualização Comportamental de Uma Conceitualização Comportamental de Problemas Clínicos Baseada na Aceitação Problemas Clínicos Baseada na Aceitação 1 Maya, uma estudante universitária, pro- curou terapia porque estava sentindo uma ansiedade intensa, que dificultava muito a realização dos trabalhos e pro- vas da faculdade. Ela relatou ter medo de não conseguir terminar a faculdade e nunca ser capaz de se sustentar ou de ajudar a sustentar os pais, que estavam envelhecendo. Ela se descreveu como uma pessoa ansiosa, e via sua ansieda- de como uma prova de sua “fraqueza”. Maya contou dos inúmeros métodos e estratégias que experimentara para se sentir menos ansiosa e mais auto- confiante. Embora descrevesse alguns períodos da sua vida durante os quais se sentira melhor, de modo geral ela achava que suas tentativas de controlar a ansiedade tinham falhado. Quando questionada sobre evitação, Maya deu muitos exemplos de situações que evita- va, tais como telefonar para os pais por- que sabia que eles perguntariam sobre a faculdade. Quando perguntamos sobre sua vida social, ela disse que não tinha tempo para fazer amigos porque preci- sava dedicar seu tempo aos trabalhos escolares, já que levava muito tempo para terminá-los. Ela também comentou que “se sentia pouco à vontade” quan- do estava com grupos de pessoas, o que também contribuía para que evitasse contatos sociais. Maya disse que estava tão atarefada com os trabalhos da facul- dade que não tinha muito tempo para se sentir sozinha ou triste, mas, depois de questionada, conseguiu lembrar de momentos em que se sentira brevemen- te assim quando não estava “se manten- do ocupada”. Ela também relatou pe- ríodos de comer compulsivo seguidos por comer restritivo. Maya queria parar de comer compulsivamente e via o seu comer restritivo como uma das poucas capacidades que possuía. Começaríamos o tratamento de Maya entendendo como suas experiências e com- portamentos estavam ligados e eram com- preensíveis, mesmo que parecessem para ela compartimentalizados e confusos. Tra- balharíamos junto com ela para desenvolver uma conceitualização e usá-la como base para criar um plano de tratamento indivi- dualizado. Esse plano seria fundamentado no modelo conceitual geral que sustenta a abordagem terapêutica cognitivo-compor- tamental baseada na aceitação e é apresen- tado neste capítulo. Definir esse modelo subjacente é essencial, pois ele serve de fun- damento para a formulação individualizada das dificuldades de cada cliente. O mode-

Upload: juliane-matos

Post on 06-Nov-2015

9 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Este é o primeiro capítulo do livro de Terapia Cognitivo-Comportamental baseada em mindfulness e aceitação, disponível pela editora Artmed.

TRANSCRIPT

  • Uma Conceitualizao Comportamental de Uma Conceitualizao Comportamental de Problemas Clnicos Baseada na AceitaoProblemas Clnicos Baseada na Aceitao

    1

    Maya, uma estudante universitria, pro-curou terapia porque estava sentindo uma ansiedade intensa, que dificultava muito a realizao dos trabalhos e pro-vas da faculdade. Ela relatou ter medo de no conseguir terminar a faculdade e nunca ser capaz de se sustentar ou de ajudar a sustentar os pais, que estavam envelhecendo. Ela se descreveu como uma pessoa ansiosa, e via sua ansieda-de como uma prova de sua fraqueza. Maya contou dos inmeros mtodos e estratgias que experimentara para se sentir menos ansiosa e mais auto-confiante. Embora descrevesse alguns perodos da sua vida durante os quais se sentira melhor, de modo geral ela achava que suas tentativas de controlar a ansiedade tinham falhado. Quando questionada sobre evitao, Maya deu muitos exemplos de situaes que evita-va, tais como telefonar para os pais por-que sabia que eles perguntariam sobre a faculdade. Quando perguntamos sobre sua vida social, ela disse que no tinha tempo para fazer amigos porque preci-sava dedicar seu tempo aos trabalhos escolares, j que levava muito tempo para termin-los. Ela tambm comentou que se sentia pouco vontade quan-do estava com grupos de pessoas, o que

    tambm contribua para que evitasse contatos sociais. Maya disse que estava to atarefada com os trabalhos da facul-dade que no tinha muito tempo para se sentir sozinha ou triste, mas, depois de questionada, conseguiu lembrar de momentos em que se sentira brevemen-te assim quando no estava se manten-do ocupada. Ela tambm relatou pe-rodos de comer compulsivo seguidos por comer restritivo. Maya queria parar de comer compulsivamente e via o seu comer restritivo como uma das poucas capacidades que possua.

    Comearamos o tratamento de Maya entendendo como suas experincias e com-portamentos estavam ligados e eram com-preensveis, mesmo que parecessem para ela compartimentalizados e confusos. Tra-balharamos junto com ela para desenvolver uma conceitualizao e us-la como base para criar um plano de tratamento indivi-dualizado. Esse plano seria fundamentado no modelo conceitual geral que sustenta a abordagem teraputica cognitivo-compor-tamental baseada na aceitao e apresen-tado neste captulo. Definir esse modelo subjacente essencial, pois ele serve de fun-damento para a formulao individualizada das dificuldades de cada cliente. O mode-

  • 34 Lizabeth Roemer & Susan M. Orsillo

    lo tambm um ponto de partida que nos permite escolher estratgias de avaliao e mtodos clnicos especficos e uma pedra de toque qual voltaremos repetidamente para avaliar o curso e o progresso da terapia.

    O modelo contm trs elementos prin-cipais que se inter-relacionam. Primeiro, os problemas clnicos so vistos como de-correntes da maneira pela qual os clientes (e os seres humanos em geral) costumam se relacionar com suas experincias internas. Esse relacionamento pode ser caracterizado como fundido (Hayes, Strosahl e Wilson, 1999), emaranhado (Germer, 2005) ou enganchado (Chodron, 2007) e se dis-tingue por uma superidentificao com os prprios pensamentos, sentimentos, ima-gens e sensaes. Em outras palavras, todo o mundo se sente triste de vez em quando, mas uma cliente que est fundida com suas experincias internas talvez se defina por essa tristeza. Por exemplo, Maya se define como fraca devido sua ansiedade. Essa identificao ou fuso excessiva com expe-rincias internas pode desencadear uma cascata de respostas problemticas. A ansie-dade deixa de ser vista como uma emoo natural que vem e vai; ao invs, ela passa a ser vista como um estado definidor ou que abrange tudo, o que pode fazer com que a pessoa a veja como intolervel ou inaceit-vel. O segundo elemento do modelo a evi-tao experiencial, ou os esforos emocionais, cognitivos e comportamentais para evitar ou escapar de pensamentos, sentimentos, lembranas e sensaes que causam sofri-mento (Hayes, Wilson, Gifford, Follette e Strosahl, 1996). Os clientes adotam a evita-o experiencial esperando melhorar sua vida, mas, paradoxalmente, ela costuma levar maior sofrimento ou pior qualidade de vida (p. ex., Hayes et al., 1996). A evita-o experiencial est estreitamente ligada ao modo pelo qual os clientes se relacionam com suas experincias internas. Se um clien-te est fundido com uma emoo e v essa emoo como potencialmente esmagadora e perigosa, fica extremamente motivado a adotar estratgias destinadas a evitar ou

    modificar essa experincia interna. No caso de Maya, sempre que ela sente ansiedade, v isso como um reflexo de sua fraqueza inerente, como uma ameaa, e tenta se livrar dela, mas suas tentativas geralmente fracas-sam, o que acaba aumentando seu senso de si mesma como uma pessoa fraca. O auto-monitoramento revela que Maya come para aliviar sua ansiedade, mas depois fica ainda mais ansiosa pelo medo de engordar, o que tenta controlar restringindo a alimentao. Assim, esses dois comportamentos parecem ter uma funo de evitao em termos ex-perienciais. O elemento final do modelo a restrio ou constrio comportamental, que ocorre quando o indivduo que est lutando com suas experincias internas no conse-gue realizar aes consistentes com aquilo que mais importante para ele (isto , ao valorizada; Wilson e Murrell, 2004), o que perpetua seu sofrimento e insatisfao. Quando as experincias internas so julga-das negativamente e vistas como perigosas, a ao motivada mais por uma tentativa de evitar estados desagradveis do que pelo desejo de realizar comportamentos gratificantes. Maya passou a evitar muitos aspectos de apoio social, incluindo estar com amigos e falar com os pais, porque ge-ralmente sente ansiedade nessas situaes. Seus ocasionais sentimentos de tristeza si-nalizam que ela no est vivendo sua vida de maneira significativa e satisfatria (isto , consistente com seus valores), mas ela evita esses sentimentos estudando muito, o que perpetua o ciclo.

    Os modelos baseados na aceitao fo-ram apresentados com detalhes por vrios tericos clnicos/pesquisadores, tais como Hayes, Strosahl e Wilson (1999); Linehan (1993a); Segal e colaboradores (2002); e Ja-cobson e Christensen (1996; ver Hayes, Follette e Linehan, 2004, para uma reviso minuciosa). Neste captulo, (1) reunimos elementos dessas abordagens, e de aborda-gens cognitivo-comportamentais tradicio-nais, para salientar o que consideramos os elementos centrais de uma conceitualizao comportamental baseada na aceitao, (2)

  • A Prtica da Terapia Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitao 35

    revisamos brevemente algumas pesquisas que confirmam esse modelo e (3) ilustramos como o modelo pode ser aplicado a proble-mas clnicos especficos. Conclumos com uma viso geral de como esse modelo se traduz em uma interveno e, nos dois cap-tulos seguintes, discutimos como ele orienta o planejamento, a avaliao e a realizao de tratamentos especficos.

    A nossa abordagem ao entendimento de comportamentos clnicos problemticos se baseia em uma conceitualizao compor-tamental. Isto , acreditamos que as respos-tas so aprendidas por meio de associaes e consequncias, e tentamos identificar a funo das respostas problemticas para de-terminar estratgias de interveno. Vemos as dificuldades humanas como decorrentes de uma combinao de predisposies bio-lgicas, fatores ambientais e hbitos apren-didos que levam a uma srie de reaes e comportamentos que acontecem automati-camente, sem a pessoa perceber e sem uma escolha aparente. A aprendizagem acontece de vrias maneiras. Podemos aprender pela experincia direta. Por exemplo, uma mulher que foi estuprada poderia aprender uma associao entre o cheiro de uma colnia especfica e perigo, o que a motiva a evitar pessoas com aquele cheiro. Tambm apren-demos pelas consequncias que se seguem, consistentemente, a determinados compor-tamentos, ou os reforando ou os punindo e, assim, alterando a sua frequncia, como quando uma pessoa continua bebendo excessivamente por causa das proprieda-des calmantes do lcool. A aprendizagem tambm ocorre por modelagem e observao, como quando vemos as reaes e os com-portamentos de nossos pais e irmos, e pela instruo, como quando nos dizem para agir de certa maneira ou no demonstrar certas emoes. Esses padres de comportamento aprendidos em geral tm uma funo til, particularmente no curto prazo; todavia, conforme os contextos mudam ou novos comportamentos se tornam disponveis para ns, certos padres deixam de nos servir bem. Isso acontece, especialmente,

    quando passamos a responder de modo in-flexvel (isto , dar a mesma resposta em si-tuaes bem variadas). Por exemplo, pode-mos aprender com a nossa famlia a fingir que est tudo bem quando estamos sofren-do, e esse comportamento pode ser adapta-tivo se os nossos pais nos castigam respon-dendo com crticas ou indiferena sempre que demonstramos tristeza ou raiva. Mas a superaprendizagem dessa resposta (isto , fazer isso de modo rgido e inflexvel) ti-picamente desadaptativo. Mascarar o nosso sofrimento em um relacionamento romnti-co pode impedir o desenvolvimento de uma intimidade genuna ou nos tornar incapazes de expressar claramente nossas necessida-des e desejos. Podemos, inclusive, aprender a esconder o nosso sofrimento to rpida e consistentemente que deixamos de perceber o nosso estado emocional verdadeiro, o que limita a nossa capacidade de nos beneficiar-mos da funo das emoes.

    Um problema central, ento, a natureza habitual, insensvel (ao contexto) e automti-ca dessas respostas. Em um modelo compor-tamental baseado na aceitao, trs tipos de respostas habituais so vistos como alvos de interveno clinicamente importantes. Em primeiro lugar, qualidades aprendidas de conscincia (particularmente a conscincia das experincias internas) so vistas tanto como uma causa quanto como uma conse-quncia de problemas clnicos e um foco de tratamento importante. A conscincia pode ficar profundamente diminuda (um aspecto comum das respostas automticas), limita-damente focada em deixas e acontecimentos desagradveis, ou condenatria e crtica. Em segundo lugar, a funo experiencialmente evitante de muitos comportamentos supe-raprendidos pode ser problemtica. Isto , comportamentos clinicamente relevantes como evitar certas situaes, ingerir lcool, comer demais e inrcia geral podem ser mantidos, especificamente, por ter a funo de reduzir, eliminar ou evitar temporaria-mente pensamentos, sentimentos ou sen-saes. Por fim, acreditamos que deixar de realizar aes que so valiosas para a pessoa

  • 36 Lizabeth Roemer & Susan M. Orsillo

    (e, s vezes, realizar impulsiva e automatica-mente aes que no so valorizadas, devi-do a sua funo experiencialmente evitante) contribui para o sofrimento e para diminuir a qualidade de vida.

    CONSCINCIA INTERNA RESTRITA, EMARANHADA, FUNDIDA

    Limites na conscincia interna

    Muitas teorias clnicas salientam o possvel papel dos dficits da conscincia interna, ou experiencial, nas dificuldades psicolgicas e o papel da conscincia aumentada na promo-o do bem-estar psicolgico.1 Consistente-mente com esses modelos, de uma perspec-tiva comportamental baseada na aceitao, dficits de conscincia podem se manifestar de vrias maneiras que indicam problemas clnicos (essas diferentes maneiras podem coocorrer no mesmo indivduo). Primeiro, os clientes via de regra esto inconscientes de suas experincias internas, no reconhe-cendo respostas emocionais, cognitivas ou fisiolgicas que precedem comportamentos problemticos (p. ex., alexitimia). Os clien-tes tambm podem compreender erroneamente suas respostas internas, rotulando sensaes fisiolgicas como fome quando, de fato, elas refletem sofrimento, ou confundir uma emoo ameaadora (como ansiedade) com outra, mais aceitvel pessoalmente (como raiva). A conscincia diminuda ou incorreta reduz a capacidade da pessoa de usar suas respostas emocionais de modo funcional, e pode lev-la a reagir de uma maneira que a atrapalhe. Por exemplo, um cliente cronica-mente solitrio pode lhe dizer que no par-ticipa de eventos sociais porque no gosta deles, quando, na verdade, os est evitando devido sua ansiedade no reconhecida, e gostaria muito de socializar mais com os outros. Uma cliente pode se surpreender por reagir agressivamente a um colega porque ela no percebeu que sentia ressentimento e raiva pelas atitudes de menosprezo e desres-

    peito desse colega. Embora Maya estivesse muito consciente de suas experincias inter-nas de ansiedade, ela tinha maior dificulda-de para perceber e identificar sua experincia de tristeza, de modo que no estava ciente de como sua vida era insatisfatria para ela. Em resumo, os indivduos podem ou evitar ou adotar comportamentos indesejados de-vido falta de conscincia emocional, e essa conscincia prejudicada pode interferir na sua capacidade de escolher agir, em vez de reagir s situaes.

    A falta de conscincia emocional, como muitas caractersticas clinicamente relevan-tes, provavelmente aprendida. As pessoas podem ser ensinadas pelos pais a desconfiar de suas reaes emocionais, como quando eles dizem criana para no ter medo em uma situao ameaadora ou descartam sentimentos de tristeza por uma perda ou desapontamento (Linehan, 1993a). Se os pais habitualmente respondem criana dessa maneira, ela pode passar a confiar em fontes externas para saber como est se sentindo em uma determinada situao. As crianas podem ser castigadas por serem emotivas e recompensadas por serem racionais ou calmas, serenas e impertur-bveis, o que as ensina a ignorar suas ex-perincias internas na esperana de que as emoes negativas desapaream.

    Dificuldades na qualidade da conscincia interna

    Os clientes com conscincia limitada das nuanas de suas emoes tambm podem, simultaneamente, relatar uma conscincia aumentada de seu sofrimento geral, o que pode ser desorientador para eles e seus terapeutas. Por exemplo, as pessoas com transtorno de pnico so hiperconscientes de suas sensaes fisiolgicas, as que tem transtorno de ansiedade generalizada (TAG) so dolorosamente conscientes de suas preocupaes, e aquelas com depresso so muito conscientes de seu estado de humor negativo. Entretanto, essa conscincia dife-re significativamente da conscincia que a

  • A Prtica da Terapia Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitao 37

    psicoterapia procura cultivar. Primeiro, essa conscincia pode no ser clara, no sentido de que a pessoa percebe que se sente angus-tiada, mas no capaz de apontar com pre-ciso mudanas especficas e sutis em seu estado emocional, fisiolgico ou cognitivo. Por exemplo, um cliente pode descrever um ataque de pnico que durou duas semanas (o que no possvel em termos fisiolgi-cos) ou dizer que se sente mal, sem saber claramente se est sentindo tristeza, raiva, medo ou uma emoo mista. A conscincia da pessoa pode ser crtica, acusatria ou reati-va. Por exemplo, uma cliente com episdios depressivos recorrentes pode perceber sua tristeza e ficar muito angustiada por estar triste novamente, pensar que sua tristeza um sinal de que uma depresso debilitante est retornando, e ficar apavorada com sua ocorrncia. Essas reaes, provavelmente, perpetuam e pioram a tristeza, possivel-mente levando depresso, em vez de pro-mover um funcionamento adaptativo. Maya um exemplo desse tipo de qualidade de conscincia. Ela ficava muito consciente de qualquer sinal de ansiedade e respondia a eles se acusando e criticando, o que perpe-tuava a sua ansiedade. A conscincia tam-bm pode ficar mais limitada ou seletiva. Por exemplo, as pessoas com transtornos de ansiedade podem ficar to conscientes de uma possvel ameaa que no percebem outras deixas do ambiente que sinalizam segurana, ou podem ficar to concentradas em suas respostas ansiosas que no detec-tam a ocorrncia de respostas emocionais positivas. Essa ateno seletiva ansiedade exacerba ainda mais sua impresso de que a ansiedade imutvel e global.

    Todos esses exemplos de como a quali-dade da conscincia experiencial pode ser problemtica podem ser pensados como aspectos de uma categoria mais ampla de superidentificao, ou fuso (Hayes, Strosahl e Wilson, 1999) ou emaranhamento (Germer, 2005), com a prpria experincia interna de uma maneira que inibe o funcionamento adaptativo. Diferentes abordagens baseadas na aceitao empregam diferentes termos

    para identificar essa qualidade e enfatizar aspectos um pouco diversos, mas compar-tilham uma conceitualizao desse relacio-namento enganchado como uma fonte de sofrimento ou problemas clnicos e um alvo de interveno importante. Esses modelos so consistentes com modelos comporta-mentais tradicionais de medo do medo (Goldstein e Chambless, 1978), angstia em relao s emoes2 (Williams, Chambless e Ahrens, 1997), condicionamento interocep-tivo (p. ex., Barlow, 2002), teorias cognitivas da sensibilidade ansiedade (p. ex., Reiss, Peterson, Gursky e McNally, 1986) e crenas metacognitivas (p. ex., Wells, 1995), cada um dos quais sugere que reaes negativas s experincias internas ou avaliaes negati-vas dessas experincias explicam como elas progridem, de respostas humanas naturais que vm e vo, para padres mais rgidos de respostas problemticas. Embora uma discusso detalhada desses modelos esteja alm do escopo deste livro, alguns so des-tacados devido a sua possvel utilidade nas formulaes clnicas.

    Reatividade e julgamento das experincias internas

    Muitos modelos de problemas clnicos ob-servam que as respostas internas se tornam problemticas devido s reaes da pessoa a essas respostas, e no s respostas em si (p. ex., Barlow, 1991; Borkovec e Sharples, 2004).3 Enquanto toda uma srie de respos-tas internas vem e vai, naturalmente, para todos ns, o ser humano tambm desen-volveu a capacidade de responder a essas experincias de certas maneiras que po-dem lev-lo a ficar mais rgido, cravado ou inflexvel, o que resulta em problemas clnicos. Por exemplo, modelos de pnico observam que ataques de pnico so co-muns na populao, mas apenas algumas pessoas desenvolvem transtorno de pni-co, e essas parecem ser as que sentem uma apreenso ansiosa em relao a futuros ata-ques de pnico (Barlow, 1991). Igualmente, modelos comportamentais sugerem que os indivduos com transtorno de pnico apren-

  • 38 Lizabeth Roemer & Susan M. Orsillo

    deram a sentir ansiedade em resposta s suas sensaes corporais (condicionamento interoceptivo; Barlow, 2002). Essa angstia ou apreenso parece ser o elemento crucial do transtorno de pnico, e os tratamentos bem-sucedidos a tomam como alvo direto: os indivduos continuam tendo sensaes de pnico, mas j no sentem aquela ansie-dade aumentada em resposta a essas sen-saes. A conscincia reativa s sensaes corporais que caracteriza os indivduos com transtorno de pnico tambm fica limitada, de modo que eles se concentram apenas nas sensaes de estimulao e podem ter uma conscincia emocional limitada. Por exemplo, um estudo recente descobriu que os indivduos que relatavam um nvel ele-vado de sintomas de pnico relatavam mais respostas emocionais negativas e mais ten-tativas de evitao emocional em respos-ta a um clipe com conotaes positivas do que aqueles no propensos ao pnico (Tull e Roemer, 2007); portanto, esses indivduos respondem a todos os tipos de sintomas de estimulao com ansiedade, em vez de dis-criminar as fontes dessa estimulao.

    Os modelos baseados na aceitao que enfatizam o mindfulness (um construto ti-rado de tradies budistas, mas usado em contextos seculares para propsitos de pro-moo e interveno de sade por exem-plo, Kabat-Zinn, 1990; Segal et al., 2002), que foi definido como uma conscincia sincera, de momento a momento, no julgadora (Kabat-Zinn, 2005, p. 24), tambm enfati-zam a importncia das reaes s prprias experincias, salientando o papel que essa conscincia julgadora, crtica, pode desem-penhar no sofrimento humano ou nos pro-blemas clnicos. Em geral, os clientes julgam a si mesmos ou suas reaes como fracos, loucos, irracionais ou burros. Ao per-ceber suas experincias internas eles reagem com julgamentos crticos, o que desencadeia tentativas de evitar essas experincias. Es-ses julgamentos podem ter origem no modo pelo qual seus cuidadores responderam a eles quando crianas. De fato, os clientes ge-ralmente conseguem reconhecer que as pa-

    lavras crticas que usam para descrever suas respostas so as mesmas palavras que os pais habitualmente usavam para critic-los. Esses julgamentos tambm podem ter origem na percepo de que os outros no parecem ter as mesmas reaes internas (porque eles no conseguem observar as experincias internas das outras pessoas), ou ser perpetuados por essa percepo. Maya talvez no reconhea que seus amigos e familiares tambm sentem ansiedade em certas situaes. Ela pode ter ouvido os pais ou outros se referirem s pes-soas que expressavam ansiedade como fra-cas, e isso a levou a ver a prpria ansiedade dessa maneira. Esse tipo de julgamento pro-vavelmente a impedir de compartilhar suas experincias de ansiedade com as pessoas e tambm de ficar sabendo que elas tem expe-rincias semelhantes.

    Embora os clientes com frequncia re-latem crenas de que esse tipo de postura crtica ajuda a motiv-los a mudar, parece mais provvel que essa perspectiva contri-bua para o sofrimento e o prejuzo. O cls-sico modelo de Linehan (1993a) do trans-torno da personalidade borderline salienta o papel etiolgico de um ambiente anulador sobre a subsequente desregulao da emo-o, da cognio e do comportamento. Os indivduos, ento, aprendem a anular ou invalidar a sua experincia, o que contribui ainda mais para a desregulao. A presen-a de uma postura julgadora, autocrtica (e a ausncia de autocompaixo) pode ser vista como um fator causal ou mantenedor em uma grande variedade de problemas apresentados (ver Neff, Rude e Kirkpatrick, 2007, para evidncias da associao entre autocompaixo e bem-estar psicolgico). Por exemplo, quando as pessoas ficam tris-tes e comeam a criticar suas respostas, essa viso negativa de si mesmas pode diminuir sua motivao para fazer mudanas com-portamentais ou viver plenamente a vida. As pessoas com ansiedade social geralmen-te julgam a si mesmas de uma forma que exacerba seu medo do julgamento alheio, reduz sua disposio para realizar vrias aes quando isso poderia provocar julga-

  • A Prtica da Terapia Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitao 39

    mentos, e aumenta seu sentimento de esta-rem inseguras no mundo devido a algum tipo de falha pessoal. As crticas de Maya em relao a si mesma por sentir ansiedade exacerbam seu medo de no ser bem-suce-dida, o que aumenta a sua ansiedade, em lugar de diminu-la.

    Conscincia emaranhada ou fundida

    Amplamente, os modelos baseados na acei-tao que enfatizam o mindfulness destacam uma qualidade de conscincia que leva ao sofrimento e comparam-na com uma qua-lidade de conscincia que pode ser mais libertadora. Segundo esses modelos, ns co-mumente ficamos enganchados na nossa experiencia interna, parcialmente por v-la como mais indicativa da realidade do que ela , e parcialmente por julg-la, por no gostar dela e querer que seja diferente do que . Assim, em vez de simplesmente sen-tir raiva, ns temos raiva, no gostamos da raiva e desejamos que ela v embora.4 Em vez de experienciar uma resposta de medo, definimo-nos como uma pessoa medrosa. Paradoxalmente, essas respostas nos engan-cham mais justamente nas emoes que es-tamos tentando evitar.

    natural desejar que certas experincias internas fossem diferentes do que so, con-siderando como certas reaes emocionais, cognitivas ou fisiolgicas podem ser desa-gradveis, e considerando tambm nossas experincias comuns de socializao (p. ex., algum nos dizer no se preocupe, fique feliz).5 Acredita-se, contudo, que esse de-sejo de que as nossas experincias internas fossem diferentes do que so, especialmente quando nos apegamos a elas e agimos a par-tir delas, aumenta seu carter desagradvel sem diminuir as experincias em si. Hayes, Strosahl e Wilson (1999) descrevem um pro-cesso semelhante em sua descrio das emo-es limpas versus sujas. As emoes limpas so as que sentimos em resposta a um acon-tecimento, enquanto as emoes sujas sur-gem do nosso grande desejo e esforo para fazer com que as emoes limpas desapare-am, o que s aumenta o nosso sofrimento.

    A tendncia humana de confundir expe-rincias internas transitrias com indicaes de verdade permanente ou realidade uma causa provvel ou um fator que contribui para esse desejo de sentir ou pensar diferen-temente do que sentimos e pensamos. Por exemplo, se estamos ansiosos em relao a uma apresentao prxima e pensamos que no seremos capazes de faz-la, pode-mos tomar esse pensamento como uma in-dicao de que somos incapazes de fazer a apresentao. Quando ficamos magoados com um comentrio da nossa companheira e pensamos que ela no se importa verda-deiramente conosco, podemos tomar isso como uma indicao de seus sentimentos verdadeiros e permanentes. Inversamente, podemos tomar a nossa experincia transi-tria de raiva e desamor por nossa parceira como uma indicao dos nossos verdadei-ros sentimentos e temer que o relaciona-mento tenha terminado. Quando sentimos tristeza e nos consideramos definidos por essa experincia, podemos desenvolver um senso estigmatizado de ns mesmos como danificados. Essa fuso entre a nossa expe-rincia e a nossa percepo da realidade tor-na as experincias internas particularmente poderosas e, provavelmente, est por trs o nosso desejo de que fossem diferentes do que so. Se o pensamento de que a nossa parceira no se importa verdadeiramente conosco fosse s um pensamento, que sur-gisse e desaparecesse naturalmente e no refletisse necessariamente a realidade, ele no seria to aversivo e perturbador.6

    Hayes e colaboradores (p. ex., Hayes, Strosahl e Wilson, 1999) escreveram muito sobre o papel que a fuso cognitiva pode desempenhar nos problemas psicolgicos e o processo de desenvolvimento dessa fuso. A teoria da estrutura relacional (TER, relatio-nal frame theory, RFT; Hayes, Barnes-Holmes e Rosche, 2001) sugere que ns, constante-mente, derivamos relaes entre eventos, palavras, sentimentos, experincias e ima-gens conforme nos envolvemos com nosso ambiente, interagimos com os outros, pen-samos, observamos e raciocinamos. Essas

  • 40 Lizabeth Roemer & Susan M. Orsillo

    relaes resultam em estmulos internos (p. ex., imagens, pensamentos, sentimen-tos, lembranas) que assumem as funes dos eventos aos quais esto ligados. Isto , a lembrana de um acontecimento doloroso pode eliciar as mesmas reaes do prprio acontecimento, e pensamentos e sentimen-tos podem provocar reaes comparveis aos contextos externos com os quais foram associados. A aprendizagem relacional tem um componente adaptativo. Por exemplo, ela nos permite imaginar situaes a fim de antecipar nossas possveis reaes a elas e fazer escolhas sem ter de vivenciar de fato cada opo. Podemos descrever nossas ex-perincias para algum e essa pessoa pode, indiretamente, imaginar a nossa experincia subjetiva. Dessa maneira, podemos apren-der muito alm da nossa experincia dire-ta, aumentando exponencialmente o nosso potencial e a nossa flexibilidade. A aprendi-zagem relacional tambm prepara o terreno para a fuso entre as experincias internas e os acontecimentos que elas refletem, e as experincias internas passam a eliciar ansie-dade, tristeza, raiva ou angstia, como se os prprios eventos estivessem acontecendo. Essa fuso pode provocar evitao expe-riencial, de modo semelhante ao que acon-tece na moderna teoria da aprendizagem do pnico descrita acima, em que o condi-cionamento interoceptivo (isto , o condi-cionamento a sensaes internas) faz com que sensaes corporais sejam associadas ansiedade e angstia, resultando no trans-torno de pnico. As respostas em si podem no ser problemticas, mas uma experincia fundida delas . A ansiedade de Maya em relao faculdade ou em situaes sociais no problemtica em si, mas suas reaes a qualquer sintoma de ansiedade que sur-ja tornam a ansiedade mais perturbadora e global, criando dificuldades para ela.

    A fuso ou o emaranhamento foram identificados como um componente impor-tante na recada depressiva. Segal e cola-boradores (2002) sugerem que a depresso resulta de padres aprendidos de estilos de pensamento negativo e respostas ruminati-

    vas ativados por um estado de humor ne-gativo. Esses hbitos de processamento da informao alimentam a si mesmos, baixan-do cada vez mais o humor e dificultando a recuperao. A incapacidade de ver pen-samentos apenas como pensamentos (em outras palavras, de recuar ou descentrar-se desses processos de pensamento e obser-v-los) um elemento crucial dessa espiral depressiva. A conscincia objetiva, a qual-quer momento, ajudaria a alterar a trajetria e permitiria maior flexibilidade na resposta comportamental. Portanto, nesse modelo, a conscincia negativa crtica caracteriza a de-presso, e a ausncia de uma conscincia mais descentrada, desemaranhada desse processo de pensamento negativo a perpetua. Estudos descobriram que a terapia cognitiva bem--sucedida aumenta esse descentramento (Teasdale et al., 2002), sugerindo que pode haver um ingrediente ativo nas interven-es cognitivas e nas intervenes compor-tamentais baseadas na aceitao.

    EVITAO EXPERIENCIAL

    Uma das consequncias mais relevantes, cli-nicamente, de um relacionamento fundido, emaranhado, com as experincias internas que isso provavelmente leva a rgidos es-foros para alterar ou evitar as experincias internas evitao experiencial. O trabalho seminal de Hayes, Strosahl e Wilson (1999) sobre o papel da evitao experiencial nos problemas clnicos nos d um fundamento importante para os modelos comportamen-tais baseados na aceitao. Ao salientar a importncia de se considerar a funo, e no a forma, das apresentaes clnicas, Hayes e colaboradores sugerem que muitos proble-mas clnicos diversos podem ser compreen-didos como tendo a funo de evitao ex-periencial. Comportamentos como abuso de substncias, autoagresso deliberada e sin-tomas como preocupao ou ruminao po-dem ser todos estratgias destinadas a alte-rar a forma ou a frequncia das experincias internas (pensamentos, sentimentos, sensa-

  • A Prtica da Terapia Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitao 41

    es, imagens). Isto , so todos tentativas (geralmente malsucedidas) de reduzir ou eliminar experincias internas indesejadas, perturbadoras. Esses esforos de evitao frequentemente parecem ter efeitos parado-xais, resultando num aumento dos alvos da evitao (p. ex., os pensamentos, sentimen-tos ou sensaes indesejados) e num sofri-mento psicolgico mais geral (para revises, ver Purdon, 1999; Salters-Pedneault, Tull e Roemer, 2004), interferindo na qualidade da vida. s vezes, esses efeitos ocorrem em diferentes canais de resposta. Por exemplo, em um experimento, instruir os participan-tes para esconderem sua expresso emocio-nal enquanto assistiam a um clipe emocio-nante resultou num aumento paradoxal de ativao fisiolgica (Gross e Levenson, 1993, 1997). Ao tentar evitar a angstia, as pessoas podem facilmente ficar presas em um ciclo, que aumenta essa angstia e estimula um esforo maior de evitao. Vrios estudos demonstraram uma relao significativa entre relatos de evitao experiencial e rela-tos de uma grande variedade de problemas clnicos (ver Hayes, Luoma, Bond, Masuda e Lillis, 2006, para uma reviso), e estudos experimentais demonstraram que indiv-duos instrudos na aceitao experiencial demonstram menor sofrimento subjetivo em resposta a estressores no laboratrio comparados queles que so instrudos na supresso experiencial (p. ex., Eifert e He-ffner, 2003; Levitt, Orsillo e Barlow, 2004). Maya relatou se esforar muito para evitar que os outros percebessem sua ansiedade, o que pode ter aumentado sua tenso e sofri-mento. Ela tambm disse que tentava tirar da cabea os pensamentos ansiosos, mas que eles frequentemente voltavam com in-tensidade ainda maior.

    As tentativas de evitao experiencial costumam ser vigorosas e difceis de mudar por muitas razes. Primeiro, as respostas evitantes em geral so negativamente refor-adas no incio por uma imediata reduo no sofrimento. Isto , aes destinadas a reduzir o sofrimento provavelmente levam a uma reduo inicial na angstia, e essa remoo

    de um estmulo indesejado aumenta a fre-quncia do comportamento que o precedeu. Um entendimento comum do uso excessivo de substncias nos d um exemplo especial-mente saliente desse processo (p. ex., Marlatt e Witkiewitz, 2005). Embora o uso de subs-tncias possa ter vrias consequncias nega-tivas aparentes no longo prazo, ele costuma resultar numa mudana inicial do humor que sentida como agradvel e redutora do estresse. Essa consequncia extremamente reforadora, em especial para pessoas que experienciam um grande sofrimento e/ou reagem de modo particularmente negativo a ele. Assim, o comportamento tende a conti-nuar, embora suas consequncias no longo prazo (p. ex., problemas em relacionamentos e em outras reas de funcionamento, tole-rncia aumentada, sintomas de abstinncia na ausncia do uso e a incapacidade de pro-cessar ou resolver realmente o sofrimento que habitualmente evitado) perpetuem e aumentem o sofrimento. Modelos seme-lhantes foram apresentados para o comer restritivo (p. ex., Heffner, Sperry, Eifert e Detweiler, 2002) e a autoagresso deliberada (Chapman, Gratz e Brown, 2006). O padro de Maya de comer compulsiva e restritiva-mente se encaixa nesse modelo. Ela descreve uma reduo inicial na ansiedade quando come excessivamente, mas sua ansiedade aumenta conforme comea a se preocupar com o peso. Ento ela restringe a ingesto de alimentos, mais uma vez reduzindo sua ansiedade, mas tornando-se emocionalmen-te vulnervel devido nutrio reduzida, o que aumenta o risco de ficar angustiada e comer demais novamente.

    Alm das consequncias naturais que servem para manter e perpetuar estratgias experiencialmente evitantes, provvel que foras sociais tambm mantenham essas es-tratgias. Embora vrios tericos psicolgi-cos (p. ex., Hayes, Strosahl e Wilson, 1999; May, 1996) e budistas (p. ex., Chodron, 2001) tenham observado a ubiquidade da dor emo-cional, com frequncia recebemos dos outros a mensagem de que deveramos ser capazes de controlar o nosso sofrimento emocional

  • 42 Lizabeth Roemer & Susan M. Orsillo

    pela pura fora de vontade. E, por no ter acesso a sua experincia, tambm pode nos parecer que os outros conseguem evitar a dor emocional. Maya comentou que seus amigos e irmos no tem as mesmas ansie-dades que ela, mas foi capaz de reconhecer que essas pessoas talvez tambm no perce-bam a ansiedade dela, dada a sua tendncia a escond-la. Alm disso, o comportamento de evitao ou fuga pode ser funcional, e fica difcil percebermos sua ineficincia na redu-o do sofrimento interno. Evitar e escapar de contextos ameaadores adaptativo e funcional em termos evolutivos, mas a nossa incapacidade de escapar permanentemente das nossas experincias internas (alimentada por nossa capacidade de imaginar e lembrar) faz com que essas mesmas estratgias sejam inteis e, de fato, prejudiciais quando dirigi-das a respostas internas.

    A evitao experiencial tambm ub-qua porque o nosso relacionamento fundi-do e emaranhado com a nossa experincia interna motiva naturalmente essas tentati-vas. Se a sensao de ansiedade for expe-rienciada como equivalente a um desastre iminente e os pensamentos negativos sobre ns mesmos forem experienciados como in-dicadores da realidade, ser muito grande a motivao para evitar tais sensaes e pen-samentos. Se, por outro lado, essas expe-rincias forem vistas como algo que vem e vai, nenhuma delas mais verdadeira ou per-manente que a anterior, ento o profundo desejo e esforo de evit-las e delas escapar ser diminudo. Inversamente, cada tenta-tiva de evit-las pode aumentar o perigo a elas associado, contribuindo para o ciclo e instigando novos esforos de evitao.

    A pesquisa, a teoria e a observao cl-nica sugerem que a evitao experiencial uma maneira til de conceitualizar uma srie de apresentaes clnicas. Alm dos sintomas comportamentais com funo ex-periencialmente evitante descritos acima, alguns processos internos comuns tam-bm podem refletir esforos de evitao experiencial. O modelo de preocupao de evitao (Borkovec, Alcaine e Behar, 2004)

    afirma que a preocupao excessiva crnica (considerar repetidamente possveis resul-tados negativos futuros) pode ter, em parte, a funo de reduzir a excitao fisiolgica. Embora a preocupao em si seja uma expe-rincia interna da qual as pessoas geralmen-te querem se livrar, estudos mostram que a preocupao, na verdade, tem a funo po-sitiva de reduzir a excitao fisiolgica em resposta a imagens ou situaes temidas (p. ex., Borkovec e Hu, 1990). Essa propriedade negativamente reforadora da preocupao aumenta a sua frequncia. As pessoas, pro-vavelmente, continuaro se preocupando devido a esse efeito fisiolgico de alvio, mesmo que no estejam cientes dele. Mas a preocupao tambm perpetua associaes ameaadoras ao interferir no processamento completo dos acontecimentos temidos. Uma mulher que tem medo de socializar com os colegas no almoo pode reduzir sua tenso preocupando-se, durante toda a refeio, com a ida ao dentista naquela tarde, mas isso a impede de perceber que, embora so-cializar com os colegas possa provocar um certo medo, essa interao tambm pode ser muito agradvel, o que diminuiria o senti-mento de medo. Os processos ruminativos em pessoas deprimidas podem ter uma fun-o semelhante, reduzindo nveis mais pro-fundos de tristeza e dor, mas mantendo um estado de humor negativo generalizado.

    Clientes com problemas clnicos diver-sos tambm se empenham mais intencio-nalmente em tentativas de evitar experin-cias internas. Por exemplo, indivduos com transtorno obsessivo-compulsivo descrevem seus rituais cognitivos como uma estratgia que reduz o sofrimento no momento, mas a ansiedade e o medo prejudiciais so manti-dos ao longo do tempo. Clientes com trans-torno de estresse ps-traumtico tentam evi-tar pensamentos, sentimentos e lembranas associados aos traumas que viveram. Embo-ra possam obter algum alvio momentneo com essas tentativas, acabam percebendo que as recordaes voltam repetidamente, talvez com maior frequncia, devido a esses esforos para recha-los. Indivduos com

  • A Prtica da Terapia Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitao 43

    dependncia de substncias ou problemas de abuso tentam ignorar pensamentos e im-pulsos de usar, o que faz com que retornem com maior fora. Casais em relacionamentos com sofrimento podem tentar, repetidamen-te, repelir a raiva, a mgoa ou a preocupao em resposta ao parceiro, e descobrem que essas reaes voltam mais intensamente.

    A evitao experiencial tambm pode ajudar a explicar apresentaes clnicas em que a evitao no to bvia. Por exemplo, Toni e Janelle descreveram um padro de interao em que, durante o estresse, Toni expressava raiva e irritao, enquanto Janel-le se retraa, ficava amortecida e expressa-va pouca emoo. Toni sentia o retraimento de Janelle como rejeio, o que aumentava a sua raiva, enquanto Janelle sentia a raiva de Toni como ameaadora, o que aumenta-va seu retraimento. Uma sondagem mais profunda na experincia de cada parceira revelou que Toni sentia, primeiro, ansieda-de e medo de rejeio. Essa vulnerabilida-de era ameaadora para ela, que a evitava pela raiva, atacando Janelle. Sua ansiedade aumentava quando Janelle se retraa, o que instigava exploses de raiva. Janelle, igual-mente, temia a rejeio e tentava reduzir sua angstia se retraindo e se fechando emo-cionalmente; seu sofrimento era aumentado pelo comportamento raivoso de Toni. Esse entendimento compartilhado pode ajudar Toni e Janelle a cultivarem empatia uma pela outra (dada a experincia compartilha-da que esto tendo, apesar de manifestaes comportamentais bem diferentes; Jacobson e Christensen, 1996). Elas podem partir des-se entendimento compartilhado para criar maneiras alternativas de se aproximar e responder uma outra, s vezes tolerando o maior sofrimento, mas buscando uma reso-luo mais eficiente para ambas.

    Complexidades da evitao experiencial

    A evitao experiencial uma parte crucial dos modelos comportamentais baseados na aceitao porque os esforos rgidos de

    controle experiencial parecem ter uma srie de consequncias clinicamente relevantes, o que a torna um alvo til de interveno. Antes de descrever essas consequncias com mais detalhes, importante notar que, em certos contextos, tentativas de modificar a experincia interna podem no ser pro-blemticas nem prejudiciais. Infelizmente, o aparente sucesso dessas estratgias pode alimentar e manter esforos desadaptativos de controle interno. A aplicao habilidosa da terapia comportamental baseada na acei-tao depende de um claro entendimento das complexidades do controle experiencial e dos contextos em que tentar influenciar as nossas experincias internas poderia ser algo benfico, em vez de prejudicial.

    Em muitos casos, os esforos para mo-dular as nossas experincias internas podem ser benficos. Por exemplo, poderamos nos concentrar na nossa respirao antes de falarmos em pblico e descobrir que isso reduz um pouco nossos batimentos carda-cos, permitindo-nos apresentar melhor o material para a nossa audincia. Por outro lado, essa concentrao na respirao pode no ter nenhum efeito sobre nosso ritmo cardaco ou, inclusive, aument-lo. Percebe-mos que no conseguimos deixar de pensar sobre um erro que cometemos no trabalho ou em algo que no queramos ter dito a um amigo, e decidimos voltar nossa ateno para um filme ou um livro numa tentativa de diminuir nossa ruminao. Essa distra-o poderia nos dar certo alvio, ou podera-mos perceber que a nossa mente volta sem-pre ao que aconteceu, independentemente daquilo em que tentamos prestar ateno. Se conseguirmos tolerar a possibilidade de qualquer uma dessas consequncias do nosso comportamento, no h nenhum problema em procurarmos fazer coisas que modulem ou alterem as nossas experincias internas. Quando elas funcionam, permitem-nos ex-pandir nossa conscincia, adquirir outras perspectivas, ter novas experincias e au-mentar a nossa flexibilidade. Se conseguir-mos aceitar o fato de que s vezes elas no funcionam, podemos continuar vivendo

  • 44 Lizabeth Roemer & Susan M. Orsillo

    nossa vida com as experincias internas que fomos incapazes de alterar.

    Podem surgir problemas quando co-meamos a tentar, rigidamente, eliminar ou evitar experincias internas perturbadoras e quando esse objetivo se torna um motiva-dor proeminente do nosso comportamento, conscientemente ou no (a evitao expe-riencial muitas vezes se torna um processo automtico). Esses esforos habituais, rgi-dos, so problemticos porque (1) frequen-temente no funcionam, (2) interferem na funo das respostas emocionais, (3) perpe-tuam um relacionamento problemtico com as experincias internas e (4) prejudicam o funcionamento. Como vimos acima, as ten-tativas de evitar ou suprimir nossos pensa-mentos ou sentimentos no costumam ter sucesso e, ao invs, intensificam os alvos de supresso ou evitao. E provvel que sejam mais ineficientes quando mais quere-mos que funcionem; de fato, nossos esfor-os podem piorar o nosso sofrimento em vez de melhor-lo. A experincia de Maya ao estudar para os exames mostra bem esse processo. Quando ela tem pensamentos e sensaes de ansiedade, tenta tir-los da ca-bea dizendo a si mesma para se concentrar no material que est estudando. Ela desco-bre que quanto mais tenta se acalmar e mais intensamente deseja que a ansiedade desa-parea, mais ansiosa e fora de controle se sente. Isso faz com que seja difcil conseguir estudar, o que aumenta ainda mais a sua an-siedade.

    Consequncias da evitao

    A evitao ou supresso de respostas emo-cionais que acontecem naturalmente (isto , emoes primrias, segundo Greenberg e Safran, 1987, ou emoes que se originam natural e funcionalmente de um contex-to especfico) pode exacerbar o sofrimento emocional e interferir no processamento emocional bem-sucedido. Pesquisas exten-sivas sobre tratamentos baseados na expo-sio para transtornos de ansiedade reve-lam a importncia de o cliente experienciar

    seu medo durante a exposio a estmulos temidos, para que possa ter pleno acesso a suas associaes assustadoras e incorporar associaes novas, no ameaadoras (Foa e Kozak, 1986). Por exemplo, os clientes que apresentam expresses faciais de medo mais intenso (Foa, Riggs, Massie e Yarczo-wer, 1995) e os que relatam maior ansiedade subjetiva (refletindo um maior envolvimen-to emocional; Jaycox, Foa e Morral, 1998) na primeira sesso de terapia de exposio tem melhores resultados com esse tratamento. A evitao ou distrao inibe essa nova apren-dizagem de associaes no assustadoras. Portanto, a evitao experiencial provavel-mente mantm o sofrimento, em vez de per-mitir que as respostas emocionais sigam seu curso e novas aprendizagens se desenvol-vam. A ansiedade constante de Maya pode resultar, em parte, de seus repetidos esfor-os para suprimir ou limitar sua experincia ansiosa, o que provavelmente interfere com o fluxo e refluxo natural de suas respostas de ansiedade e medo, e ela no experiencia o declnio natural que acompanharia a con-tinuada exposio a deixas de ameaa.

    A evitao experiencial tambm pode interferir em outros aspectos do valor fun-cional das respostas emocionais. As emo-es nos do informaes importantes so-bre nossa interao com o ambiente, nos dizendo quando nossas necessidades esto sendo frustradas, quando uma ameaa est presente ou quando perdemos algo valio-so (p. ex., Frijda, 1986; Greenberg e Safran, 1987; Linehan, 1993a, 1993b). As nossas res-postas emocionais nos ajudam a comunicar nossas necessidades aos outros na forma de expresses que ocorrem rpida e automa-ticamente. A evitao habitual e rgida das nossas respostas emocionais provavelmente interfere no nosso entendimento das nossas interaes com os outros e das nossas neces-sidades e desejos. Por exemplo, um cliente que est evitando seus crnicos sentimentos de tristeza e desapontamento distraindo-se com lcool poderia estar perdendo a infor-mao que essa tristeza poderia lhe dar, tal como a sua insatisfao com o atual em-

  • A Prtica da Terapia Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitao 45

    prego e a necessidade de buscar maneiras de melhorar essa situao ou procurar um novo emprego. Da mesma forma, o constan-te foco de Maya em seu trabalho a impede de perceber a tristeza e a solido que po-deriam motiv-la a cultivar seus relaciona-mentos sociais e familiares.

    A evitao experiencial tambm pode afetar nossa avaliao da nossa conscincia interna ou nossas reaes a ela. Um estudo revelou que instrues para suprimir pen-samentos especficos levaram a relatos de ansiedade aumentada em relao a esses pensamentos (Roemer e Borkovec, 1994). Outro descobriu que os indivduos orien-tados a controlar as sensaes fisiolgicas avaliaram essas sensaes como mais per-turbadoras do que aqueles orientados a aceit-las, mesmo que a intensidade das sensaes fosse semelhante entre os grupos (Levitt et al., 2004). Esforos constantes para eliminar pensamentos, emoes, sensaes e lembranas especficas provavelmente levaro a um julgamento mais negativo desses eventos internos quando eles recor-rerem, instigando maiores esforos para evit-los. fcil entrar em um ciclo em que a reatividade s experincias internas leva a tentativas de controle que aumentam a reatividade a essas experincias. A respos-ta crtica de Maya a seus sintomas ansiosos provavelmente piorou por suas tentativas repetidas e malsucedidas de reduzir esses sintomas, fazendo-os parecer mais ameaa-dores e globais.

    A evitao experiencial tambm pode promover reaes mais crticas s nossas experincias internas porque ela inibe nossa capacidade de receber validao por parte dos outros. Uma estratgia comum para evitar o sofrimento esconder as respostas emocionais. Alm do efeito que isso pode ter sobre a nossa excitao fisiolgica (possivel-mente a aumenta; Gross e Levenson, 1993), mascarar a nossa angstia impossibilita os outros de responderem empaticamente nossa experincia ou compartilhar conos-co lutas semelhantes. A validao externa uma maneira de cultivar a autocompaixo

    (reconhecer quo humanas so as nossas respostas), enquanto esconder o sofrimento pode aumentar o nosso sentimento de que nossas lutas so nicas, fazendo com que fique mais fcil julgar e criticar essas expe-rincias.

    A evitao experiencial tambm obstrui e limita a conscincia. As tentativas de re-duzir e evitar o sofrimento provavelmente esto associadas tendncia de afastar nos-sa ateno das experincias internas. Essa falta de ateno pode reduzir a clareza da nossa conscincia interna, dificultando uma resposta adequada. Por exemplo, se Maya se zanga com os pais por eles terem feito co-mentrios crticos sobre seu desempenho na faculdade, mas se sente mal por estar com raiva, ela pode perceber apenas muito bre-vemente a sua reao e depois dirigir sua ateno para esforos internos e externos de evitar essa experincia de raiva. Em resulta-do, ela provavelmente continuar a se sentir ativada e reativa, mas no estar mais cons-ciente do que desencadeou essa reao. Ela pode interpretar mal a sua resposta como mais ansiedade, o que pode prejudicar sua capacidade de mudar a situao que eliciou sua raiva. Assim, a evitao experiencial ha-bitual pode resultar em uma conscincia in-terna reduzida, limitada ou obscura.

    Finalmente, a evitao experiencial com frequncia leva evitao comportamental ou a comportamentos que interferem no funcionamento mais amplo do indivduo. Alm dos custos mais bvios (comporta-mentos como uso de substncias, comer compulsivo ou autoagresso), a evitao experiencial pode influenciar sutilmente o comportamento impedindo que a pessoa se envolva plenamente em seus relacio-namentos, busque um trabalho que tenha significado para ela ou lide bem com con-textos estressantes da vida. Mais uma vez, a rigidez o problema central o esforo para reduzir o sofrimento pode promover o fun-cionamento em muitos contextos, mas o es-foro rgido de evitao custa de objetivos de vida significativos pode levar a uma vida restrita e insatisfatria.

  • 46 Lizabeth Roemer & Susan M. Orsillo

    CONSTRIO COMPORTAMENTAL: INCAPACIDADE DE SE EMPENHAR EM AES VALORIZADAS

    Os modelos comportamentais baseados na aceitao focalizam particularmente os cus-tos comportamentais da evitao experien-cial, que s vezes so proeminentes e s vezes sutis. Os custos comportamentais assumem a forma de comportamentos que reduzem temporariamente o sofrimento (como lim-par, arrancar o cabelo, fazer dietas rgidas ou fumar) e evitao de comportamentos por medo de sofrimento emocional. A evitao pode ser bvia, como quando Jack, um ve-terano do Vietn com transtorno de estresse ps-traumtico (TEPT), se isola em casa para evitar a ansiedade que sente em multides ou com outras pessoas, ou pode ser mais sutil, como quando Leia parece empenhada em seu trabalho, voluntria em diversas organizaes e tem uma grande rede social, mas evita diminuir a marcha para identificar o que realmente importante para ela, o que a deixa com uma sensao geral de insatis-fao que no consegue resolver. Da mesma forma, Maya se concentra nos trabalhos da faculdade e no os evita, apesar da ansieda-de que eliciam, mas evita o contato com as pessoas da sua vida e no percebe o efeito que isso est tendo sobre ela. Ela tambm pode ter perdido o contato com as razes pe-las quais a faculdade importante para ela e pode continuar seu empenho acadmico porque o que deve fazer. Os custos com-portamentais da evitao experiencial so um foco especialmente importante do trata-mento, pois enfatizam como as dificuldades interferem na vida da pessoa.

    Ironicamente, os esforos comporta-mentais para controlar, eliminar ou evitar experincias internas negativas geralmente perpetuam o sofrimento. Um homem que quer ter um relacionamento ntimo, mas teme a rejeio, pode no realizar aes que o colocariam em situaes em que pode-

    ria ser rejeitado por uma possvel parceira. Por mais que isso tenha a funo imediata de reduzir o risco de ser rejeitado, tambm aumenta a chance de ele no encontrar uma parceira. Ele se protegeu efetivamente do risco imediato da rejeio, mas aumentou o risco em longo prazo de solido e insa-tisfao global. Em geral, essas restries de comportamento acontecem automatica-mente, de modo que, embora o cliente sinta a dor associada sua vida restrita, ele no est consciente do papel que desempenham na sua perpetuao.

    s vezes a evitao fica evidente na qualidade das aes, mais que na sua ocor-rncia. Por exemplo, no nosso trabalho com clientes que apresentam transtorno de an-siedade generalizada, muitas vezes temos a impresso de que esto envolvidos nas reas da vida que so importantes para eles (tra-balhos que valorizam, passar tempo com os filhos). Entretanto, quando os clientes come-am a monitorar atentamente suas ativida-des, fica claro que eles no esto totalmente presentes quando realizam essas aes. Em vez disso, ficam se preocupando com o que vai acontecer a seguir, em outra rea. Igual-mente, os clientes podem se distrair ou se retrair emocionalmente em certos contextos, como uma maneira de evitar a angstia de uma possvel rejeio ou mgoa. Por exem-plo, Dex, um cliente que temia ser abando-nado, aparentemente estava tentando de-senvolver um novo relacionamento, mas se mantinha distante emocionalmente quando estava com a parceira, por medo desse re-sultado temido. Esse distanciamento pode-ria ter provocado um rompimento, que ele teria sentido como abandono, confirmando seu medo e reforando seu comportamen-to. Todas essas formas de no envolvimento podem limitar a satisfao e o sucesso em muitas reas, o que aumenta a evitao ex-periencial e perpetua o sofrimento.

    Os clientes tambm podem, involun-tariamente, diminuir a sua satisfao res-pondendo s situaes externas da mesma forma rgida e julgadora com que reagem s experincias internas. As abordagens basea-

  • A Prtica da Terapia Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitao 47

    das em mindfulness e aceitao salientam o papel que o julgamento de eventos externos desempenha no sofrimento. Desejar cons-tantemente que as coisas fossem diferentes do que so (p. ex., que o parceiro fosse di-ferente, que os colegas fossem diferentes) pode prolongar o sofrimento e impedir uma ao efetiva. Linehan (1993b) d o exemplo de escolher ficar preso num estado de raiva e frustrao quando se est dirigindo atrs de algum que anda muito devagar na pis-ta de alta velocidade. Ela sugere que uma alternativa seria perceber que a pessoa est dirigindo mais devagar do que gostaramos e mudar para outra pista, sem se deixar apa-nhar por essa pessoa deveria estar dirigin-do de um jeito diferente. Esse tipo de apego rgido a como as coisas ou pessoas deveriam ser geralmente um fator nas dificuldades que os indivduos tm. Ficar consciente des-sa maneira de se relacionar com o mundo pode nos ajudar a fazer escolhas melhores.

    Hayes, Strosahl e Wilson (1999) desta-cam como os padres habituais de evitao experiencial podem levar a pessoa a no prestar ateno a como quer viver a sua vida. Ao invs disso, ela faz escolhas ba-seadas em evitar a angstia. Em essncia, a pessoa escolhe um caminho baseado na evi-tao e no na aproximao, o que a impede de conseguir viver como gostaria. Muitas vezes essas escolhas acontecem fora da conscincia. O indivduo superaprende pa-dres de se envolver em ou evitar comporta-mentos e no est consciente de que existem outras opes, menos restritivas em termos comportamentais. Um primeiro passo im-portante do tratamento tornar conscientes os comportamentos, para que escolhas in-tencionais, em vez de comportamentos rea-tivos, possam comear a influenciar as aes da pessoa.

    METAS E MTODOS DE INTERVENO

    Valendo-se do modelo apresentado acima, as TCBAs procuram (1) alterar o relaciona-

    mento do indivduo com suas experincias internas, (2) reduzir a evitao experiencial rgida e aumentar a flexibilidade e escolha, e (3) aumentar a ao em direes valoriza-das. Os mtodos empregados para atingir cada uma dessas metas so descritos em detalhes por todo o livro. A seguir, apresen-tamos uma breve viso geral.

    Alterar o relacionamento com as experincias internas inclui expandir e esclarecer a cons-cincia interna para agir contra a conscincia restrita ou limitada que a pessoa geralmente vivencia. Alm disso, enfatiza-se o cultivo de um relacionamento no julgador, com-passivo com as experincias conforme elas surgem, para reduzir a reatividade, o medo e o julgamento, que sabemos que aumenta o sofrimento, motiva a evitao experiencial e prejudica o funcionamento. Finalmente, essa meta inclui cultivar uma experincia de pensamentos, sentimentos e sensaes como coisas que ocorrem naturalmente e so tem-porrias, e reduzir a experincia deles como indicadores de uma verdade permanente. Por exemplo, Maya, que habitualmente ex-periencia sensaes fisiolgicas de ansieda-de e as interpreta como uma prova de sua fragilidade, vulnerabilidade e incapacidade de lidar com as coisas, se empenharia em v-rias prticas destinadas a ajud-la a perceber as sensaes conforme surgem, sentir com-paixo por si mesma por vivenci-las, v-las como sensaes fsicas superaprendidas que eliciam uma srie de reaes, mas no a definem, e expandir sua conscincia a fim de perceber outras experincias e sensaes que coocorrem com a ansiedade, e perceber tambm que as sensaes relacionadas an-siedade vo desaparecendo com o tempo.

    Para atingir essa meta podemos em-pregar vrias intervenes. A psicoeduca-o (descrita com detalhes no Captulo 5) ajuda a pessoa a compreender a natureza das experincias internas (especificamente a funo das emoes) e o papel que esses tipos de relacionamento com os eventos internos desempenham na manuteno do sofrimento e na restrio em sua vida. O automonitoramento ajuda a aumentar a

  • 48 Lizabeth Roemer & Susan M. Orsillo

    conscincia das experincias internas, es-pecialmente de como essas experincias vm e vo e sua conexo com contextos e comportamentos. Compreender no suficiente para modificar esses relaciona-mentos superaprendidos, profundamente arraigados. Portanto, dedica-se um tempo significativo a algumas prticas experienciais que auxiliam a cultivar novas maneiras de se relacionar com as experincias internas. Essas estratgias baseadas em mindfulness e aceitao so descritas detalhadamente no Captulo 6. O cliente vai praticar mindful-ness de modo formal (uma prtica espec-fica e planejada de uma determinada tc-nica) e informal (aplicando as habilidades ao cotidiano), tanto dentro quanto fora das sesses. Embora as prticas padro possam ser mais benficas para comear (a fim de ajudar o cliente a desenvolver as habilida-des bsicas de prestar ateno, perceber e permitir intencionalmente), elas podem ser desenvolvidas ao longo do tempo, tendo como alvo aspectos especficos que so de-safiadores para o cliente. Outras estratgias baseadas na aceitao, como desfazer a fu-so, so tiradas da TAC, tais como classifi-car ou rotular pensamentos e sentimentos para conscientiz-los como experincias separadas, em vez de fundidas.

    A segunda meta do tratamento reduzir os esforos de evitao experiencial e aumentar a escolha e a flexibilidade. Isso inclui perceber que determinados comportamentos e sin-tomas funcionam como tentativas de evitar ou escapar do sofrimento interno. O cliente tambm incentivado a praticar e aprender a escolher, em vez de reagir, em uma situa-o potencialmente evocativa, reduzindo o papel que a evitao experiencial desem-penha na determinao de suas aes. De-senvolver um relacionamento novo e no emaranhado com as experincias internas reduzir, de modo natural, o habitual im-pulso de evitar ou escapar rigidamente das experincias perturbadoras. Cultivar uma postura curiosa e convidativa em relao experincia interna ajudar a diminuir a tendncia a evit-la.

    Muitos dos mtodos descritos acima tambm tm como alvo esse objetivo do tratamento. A psicoeducao apresenta exemplos de como tentar controlar as ex-perincias pode aumentar as dificuldades. Incentivamos o cliente a examinar a sua experincia para ver se isso verdade para ele. Ns o ajudamos a aumentar a flexibili-dade percebendo como embora os pensa-mentos, sentimentos e sensaes paream puxar para determinadas aes podemos separ-los e escolher respostas, em vez de reagir. O monitoramento ajuda o cliente a ver como a evitao experiencial afeta a sua vida e a identificar deixas ou estmulos ini-ciais em contextos nos quais pode praticar uma resposta de aceitao, em vez de evita-o. As prticas baseadas em mindfulness e aceitao ajudam a desenvolver a capacida-de de aceitao, fazendo com que a pessoa responda com maior flexibilidade a contex-tos que eliciam reaes intensas.

    Finalmente, as TCBAs enfatizam a meta de intensificar a ao valorizada. Isso inclui se abster de aes que poderiam ser muito ten-tadoras no momento (por terem uma funo de evitao experiencial), mas no esto de acordo com o que o cliente quer para a sua vida, e se empenhar em aes que importam para ele, mas tem sido evitadas. Componen-tes importantes desse objetivo incluem a pessoa identificar e esclarecer o que impor-tante para ela, ter conscincia dos momentos em que pode fazer escolhas, baseada nesses valores, e agir na direo desejada.

    Todos os mtodos para promover os primeiros dois objetivos tambm atendem a este, pois empenhar-se na ao escolhi-da facilitado por um relacionamento no emaranhado e no fundido com a prpria experincia e pela capacidade de escolher uma resposta que no seja evitativa em ter-mos experienciais. Alm disso, a psicoedu-cao e o monitoramento ajudam a trazer a ateno do cliente para o que importante para ele, preparando o terreno para a ao escolhida. Escrever exerccios serve para esclarecer valores, assim como a prtica de mindfulness. Uma conscincia no reativa,

  • A Prtica da Terapia Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitao 49

    descentrada, nos permite ver refletidamente o que importa, em vez de adotar reflexiva-mente valores por presso societal ou medo (Shapiro, Carlson, Astin e Freedman, 2006). Finalmente, exerccios comportamentais en-tre as sesses, nos quais as aes so esco-lhidas e planejadas, realizadas e revisadas, permitem ao cliente expandir seu repertrio comportamental e viver mais plenamente sua vida. Essas mudanas comportamentais muitas vezes provocam novos tipos de re-lacionamentos problemticos com as expe-rincias internas e impulsos que promovem evitao experiencial, o que nos leva de vol-ta s duas metas anteriores.

    CONCLUSO

    As TCBAs utilizam essa conceitualizao de problemas clnicos, desenvolvendo uma formulao de caso individualizada que sa-lienta como os problemas apresentados pelo cliente podem ser explicados pelo modelo. As metas ou objetivos do tratamento tomam como alvo cada um desses trs elementos (e suas inter-relaes), e as estratgias de interveno so escolhidas para se atingir esses objetivos. No prximo captulo, apre-sentamos mtodos de avaliao que podem ser usados para desenvolver uma concei-tualizao de caso e plano de tratamento individualizados baseados nesse modelo. Tambm descrevemos com detalhes as es-tratgias de interveno que tomam como alvo os relacionamentos problemticos com as experincias internas, a evitao expe-riencial e a constrio comportamental (isto , a incapacidade de se empenhar em aes valorizadas).

    Notas

    1 Darren Holowka, em sua dissertao, sugere que a conscincia experiencial pode ser um fa-

    tor comum em diversas formas de psicoterapia (Holowka, 2008; Holowka e Roemer, 2007).

    2 Embora os termos medo do medo e medo da emoo tenham sido usados na literatura, esses concei-tos so mais exatamente classificados como an-siedade de ou angstia em relao ao medo e outras emoes, pois descrevem um proces-so antecipatrio ou reativo com uma durao maior do que o medo (Barlow, comunicao pessoal; ver Barlow, 1991, para uma discusso do papel da ansiedade/distimia em resposta experincia das emoes bsicas nos transtornos emocionais).

    3 Christensen e Jacobson (2000) observam um processo semelhante em casais. Eles distinguem os problemas iniciais (tais como uma diferena na frequncia desejada de atividade sexual) dos problemas reativos (as dificuldades que surgem das tentativas de cada uma das partes de lidar com esse problema, tais como hostilidade, re-traimento e acusao).

    4 Vergonha em resposta raiva ou outras reaes emocionais a emoes eliciadas pelo ambiente so exemplos do que Greenberg e Safran (1987) cha-mam de emoes secundrias, ou emoes que ocorrem em resposta a emoes primria adapta-tivas. Eles sugerem que esse tipo de resposta emo-cional deve ser tomado como um alvo particular-mente importante de interveno teraputica.

    5 Os modelos baseados em mindfulness tambm notam que encarar os acontecimentos externos julgando-os ou desejando que fossem diferentes leva ao sofrimento. Discutimos esse aspecto do mindfulness na seo sobre constrio comporta-mental.

    6 importante notar que os pensamentos no precisam ser claramente falsos para que o ato de desfazer a fuso (desfuso) ou descentr-los (des-centramento) seja benfico. Enquanto os modelos de terapia cognitiva em geral sugerem que a ir-racionalidade dos pensamentos central para os problemas clnicos, os modelos baseados na acei-tao enfatizam a natureza problemtica de se relacionar com os pensamentos de determinada maneira, tomando-os como realidades imutveis, em vez de como reaes a um dado momento. Nesse contexto, um relacionamento fundido com um pensamento que reflete com exatido uma realidade momentnea ainda seria problemtico, pois impediria um modo de responder flexvel e adaptativo, baseado numa escolha.