brasil açúcar - sem autor

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m Coleção Canavieira n? 8 Capa de HUGO PAULO Uv£s DIVULGAÇÃO DO M.I.C. INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL DIVISÃO ADMINISTRATIVA SERVIÇO DE DOCUMENTAÇÃO

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livro sobre produção açucareira no Brasil

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Page 1: Brasil Açúcar - Sem Autor

m Coleção Canavieira n? 8

Capa de HUGO PAULO

Uv£s

DIVULGAÇÃO DO

M.I.C. INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL

DIVISÃO ADMINISTRATIVA

SERVIÇO DE DOCUMENTAÇÃO

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APRESENTAÇÃO

Na oportunidade em que se encaminha para 40 anos de criação, o Instituto do Açúcar e do Álcool, responsável pela política açucareira do País, apresenta ao público, através deste livro, uma visão geral da cana-de-açúcar, cuja industrialização entre nós tem a mesma idade do Brasil.

A ideia do lançamento de BRASIL/AÇÚCAR surgiu pela necessidade de informações que inúmeras pessoas demonstraram ter pelos assuntos relacionados com a agroindústria canavieira. Na sua maioria, estudantes do nível secundário ao universitário essas pessoas sempre questionavam aspectos bem variados. Dos primórdios da cana até o porquê da existência do Instituto do Açúcar e do Álcool, a consulta dos interessados vem formulada pessoalmente ou através de cartas oriundas de todos os pontos do País. E a cada ano que passa, as pesquisas vão sempre aumentando de volume.

Unida num mesmo propósito — o de informar — a equipe do Serviço de Documentação, da Divisão Administrativa, através de suas seções de Do-

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cumentação, Publicações e Biblioteca, nunca deixou de atender a todas as solicitações. Não obstante a edição da Revista BRASIL AÇUCAREIRO — publicação destinada a uma área de leitores de conhecimentos mais especializados, nossa preocupação diri-ge-se, também, à classe estudantil, especialmente nestes últimos dez anos, quando, por imposição da modernização do ensino no Brasil, os alunos foram obrigados a pesquisar nas próprias fontes. Dessa forma, de um folheto editado em 1965 (já esgotado), partimos em 1971 para o lançamento de AÇÚCAR E ÁLCOOL, ONTEM E HOJE, de Hamilton Fernandes, obra didática, incluída na nossa "Coleção Ca-navieira", sob o número 4.

Mas nossa missão informativa ainda não estava completa com o lançamento do excelente livro de Hamilton Fernandes. Nessa publicação, que ainda continuamos a distribuir em grande escala, é oferecida uma visão dos antigos métodos de fabricação do açúcar e do álcool em confronto com as modernas técnicas de obtenção dos referidos produtos. Muitos outros assuntos, porém, são objeto de pesquisa por parte de estudantes: a origem da cana-de-açúcar, sua implantação no Brasil; o açúcar no período colonial; a fase contemporânea; o surgimento do I.A.A. e as suas finalidades: económica, agronómica, industrial, social, fiscalizadora e cultural.

E foi assim, fundamentados nas necessidades de nossos consulentes, que elaboramos o plano desta obra. Recorrendo a vários artigos inseridos na Revista Oficial do I.A.A., fomos elaborando este livro: BRASIL/AÇÚCAR é o resultado da experiência de vários estudiosos da problemática açucareira.

De uma série de 12 trabalhos com o mesmo título desta obra, extraímos a maior parte. Os outros artigos, dos quais coletamos material para a realização do empreendimento, são de autoria da professora Lícia Vilela de Oliveira (Período Colonial), de Hugo Paulo de Oliveira, Assessor da Presidência do I.A.A. (Exportação) e de Yedda Simões de Almeida, Dire-tora do Serviço do Álcool (Indústria do Álcool), aos quais dirigimos um agradecimento especial.

E da leitura dos vários capítulos facilmente se chegará a uma conclusão quanto à atuacão do I.A.A., sem a qual a agroindústria do açúcar seria uma incógnita e, certamente, não se apresentaria com a grande força e expressão que ela em nossos dias representa.

Mais ainda: para se avaliar a renovação imprimida à Autarquia, sugerimos a leitura atenta do capítulo dedicado ao PLANALSUCAR, no final deste livro.

E para os que querem se aprofundar e entender o processo de desenvolvimento do setor, recomendamos o estudo da recente reformulação da legislação açucareira, iniciada com a Lei 5.654, de 14.5.71, com seu ponto alto no Decreto-lei 1186, de 27.8.71, concedendo estímulos à fusão, incorporação e relocalização de unidades industriais açu-careiras. Este texto legal, acompanhado de uma série de Atos da Presidência do I.A.A., tem a finalidade de reduzir custos agrícolas e industriais pela obtenção de maior produtividade, além de melhor aproveitar as áreas de condições ecológicas superiores e utilizar racionalmente terras canavieiras, a fim

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de elevar o padrão da matéria-prima oferecida às unidades industriais.

No mais, resta-ncs a esperança de que esta publicação, juntamente com "Açúcar e Álcool, Ontem e Hoje", venha preencher a lacuna a que nos referimos linhas atrás. Embora tenhamos consciência de que muito nos resta fazer, em termos de divulgação, entregamos BRASIL/AÇÚCAR ao público em geral, e muito particularmente ao estudante brasileiro, na espectativa de que a sua existência ajude a todos a compreender melhor a importância do açúcar no contexto da economia nacional.

Rio, 20 de julho de 1972 Sylvio

Pelico Filho

OS

PRIMÓRDIOS DO AÇÚCAR

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A cana-de-açúcar (Saccharum officinarum, classifi-cação de Lineu) é uma gramínea originária da índia, região de Bengala. Lippman, autor de uma notável his-tória do açúcar, onde estuda, exaustivamente, o proble-ma, repele a tese de ser a cana-de-açúcar nativa na América e fixa uma tábua da expansão geográfica da planta. Ainda na era cristã, vai ela além do Ganges e chega à China. Depois de Cristo pode-se localizá-la em Java, do Tibet, no Ceilão, no Egito, na Síria, no Marro-cos, na Espanha, na Sicília, no México e no Brasil, onde teria chegado em 1532, segundo Handelmann. A causa fundamental da expansão da Saccharum officinarum foi a sua utilização no fabrico do açúcar. Há fortes indícios de que, na índia, já no terceiro século, era usual a fabri-cação de açúcar. Mas coube aos árabes, quando da sua chegada ao Egito, em 680, difundir a técnica de transfor-mação do caldo em açúcar. A denominação açúcar, que passou a identificar não apenas o adoçante mas igual-mente a gramínea de onde era obtido, tem sua origem na voz arábica sukkar, por sua vez adulteração, precedida do artigo ai assimilado, do substantivo sânscrito sárkara.

Lippman destaca ter sido a passagem da alimenta-ção à base de carne para outra, com predominância dos produtos vegetais, mais suave, que provocou a necessi-dade de um complemento sazonante, obtido de um lado no sal e do outro no mel de abelha. O açúcar veio, pois, para ocupar o lugar do mel, como adoçante. Inicialmente, o seu consumo dominante foi como remédio, mas, com o consumo em larga escala do chá, café e chocolate, o açúcar encontrou novo e poderoso estímulo à expansão. A procura crescente do produto explica o surto da eco-nomia canavieira em todo o mundo e condiciona, por vezes de forma direta, os acontecimentos da política internacional da época.

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CHEGADA AO BRASIL

Perduram, ainda, os debates sobre a data exata da chegada ao Brasil da cana-de-açúcar, bem assim da pro-cedência das primeiras mudas aqui aportadas. O que não padece dúvida, porém, é que foram os setores do litoral em que a lavoura canavieira se iniciou e floresceu. No do sul, onde haviam sido criadas as capitanias hereditárias de Martim Afonso de Souza, inclusive em uma das doadas a seu irmão Pêro Lopes de Souza. No do norte, onde se estabeleceu Duarte Coelho. Escreve Basílio de Magalhães que os três primeiros engenhos foram construídos em terras da capitania de S. Vicente: o primeiro por Pêro e Luís de Góis, em 1532, nas vizinhanças da atual cidade de Santos; o segundo por membros da família Adorno, em 1533, também junto ao porto paulista e o terceiro, em 1534, por Martim Afonso de Souza, sempre na mesma região do litoral. No norte o primeiro engenho surgiu, possivelmente, em 1535, construído por Martim Afonso de Souza, nas colinas de Olinda. Os engenhos de Paraíba do Sul foram instalados a partir de 1536, ano em que igualmente surgiram os primeiros engenhos da Bahia. No Espírito Santo, segundo o mesmo autor, a fabricação de açúcar teve início antes do Rio de Janeiro, onde essa atividade económica só veio a prosperar depois da expulsão dos franceses, em 1567.

O crescimento da produção açucareira do Brasil, a partir de 1560, consolida a posição de Portugal, no mercado mundial. São adotadas medidas de amparo à produção, tais como isenção de impostos para as fábricas construídas e privilégios de nobreza e de impenhorabilidade aos senhores de engenho. Assinala Simonsen que negociantes portugueses adiantavam dinheiro aos colonos para a montagem de seus engenhos e que outros se associavam aos respectivos proprietários. Colonos de menos posses arrendavam terras próximas e recebiam dos donos dos engenhos pagamento em açúcar pela cana que lhes entregavam. Na Bahia o governador estabelecera um lugar à disposição dos colonos, numa incipiente manifestação de cooperativismo, que a muitos agricul-

tores favoreceu, permitindo-lhes a montagem subsequente dos seus próprios engenhos. Dadas as condições da época, não eram abundantes os capitais privados dispostos a se arriscarem na lavoura do açúcar. Fazia-se, pois, necessária a ajuda oficial, o apoio material e moral do governo real.

IMPORTÂNCIA DO AÇÚCAR

As condições do meio brasileiro, impondo grandes gastos para a instalação e movimentação dos engenhos, aconselhou, desde o início, a montagem de fábricas médias, produzindo acima de três mil arrobas anuais e que evoluíram, rapidamente, para mais de dez mil arrobas. O engenho, lembra Vitor Viana, citado por Linieusen, representava uma verdadeira povoação, reclamando cem colonos ou escravos para trabalharem umas 1.200 tarefas de massapé, de 900 braças quadradas cada uma. Havia, além disso, um grande serviço de transporte de cana, de lenha e do açúcar fabricado.

O pesado trabalho da cultura da cana e dos engenhos, com moendas primitivas e fornalhas de fogo direto, tornaram os europeus arredios das atividades canaviei-ras. Houve a necessidade de apelar para mão-de-obra mais fácil e abundante: primeiro o índio, depois o negro. Calógeras mostra que a solução do índio foi um desastre, enquanto que a do negro revelou-se valiosa. O índio não se ajustava ao trabalho sedentário, mas o negro dava conta dele de modo cabal. Os selvícolas morriam aos montes, ao passo que os africanos se multiplicavam em meio às mesmas durezas que destruíam os ameríndios. É de Calógeras a afirmação de que, sob a direção dos brancos, os negros realizaram todo o trabalho material e os esforços para criar e construir o Brasil. Em nenhum outro setor da vida brasileira esta verdade fez-se mais evidente que no da cana-de-açúcar, onde, sem a contribuição do trabalhador africano, não teria havido o surto de prosperidade que, dentro em pouco, faria do artigo a riqueza número um da colónia.

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Foi a cobiça do açúcar brasileiro que levou os holandeses à ocupação parcial da colónia de Portugal. Simon-sen é de opinião que, às vésperas da invasão, já devia o Brasil produzir mais de dois milhões de arrobas de açúcar. Eram fabricados nos engenhos brasileiros os seguintes tipos de açúcar: branco macho, mascavado macho, branco batido, mascavado batido; branco macho fino, cara de forma; branco macho redondo; branco macho de baixo ou inferior. Pelos cálculos de Simonsen, 70% da produção eram de açúcar branco e 30% de mascavado. Do branco, 80% eram macho e 20% batido. Os preços variavam segundo os mercados compradores, transportes, importância das safras e outras circunstâncias. A diferença de preço entre o açúcar branco e o mascavado era da ordem de 20 a 40%. Baseado em Antonie, Teodoro Cabral elaborou um vocabulário açucareiro que permite compreender o estágio industrial da época O

PERÍODO

COLONIAL

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Portugal era uma nação que vivia do comércio, la buscar nas Índias produtos de valor comercial na Europa, como o marfim, as especiarias, as sedas, ouro, prata, âmbar. Quando chegaram às Índias, os portugueses encontraram uma civilização milenar, com conhecimentos, já, de altas técnicas. Ali, o saque foi praticado e, depois de lutas sangrentas, foram fixadas feitorias.

No Brasil, ao contrário, encontraram populações primitivas utilizando a pedra para a confecção de implementos. Indígenas que desconheciam metais preciosos ou qualquer outro produto que rendesse, de imediato, no mercado europeu, Portugal, às voltas com a fixação na África e na Índia, tinha seu erário arrasado, além de uma população diminuta para povoar regiões tão extensas. No momento, a índia afigurava-se a empresa mais vantajosa porque o ouro aparecia aos olhos dos conquistadores lusos, enquanto na nova colónia metais preciosos só são descobertos no final do século XVII. Mas, como se soube que havia pau-brasíl na nova terra, o monarca tratou de garantir a posse da mesma. Quando Gaspar de Lemos retornou a Portugal, em 1500, levando a notícia do descobrimento do Brasil, é provável que tivesse levado amostras da madeira, cujo emprego era muito praticado na Europa, especialmente nas tinturarias da França, e tinha grande procura, pela sua cor vermelha.

O rei português, D. Manuel I, não demorou a decretar o monopólio do produto e, em 1502, entregava a arrendamento a exploração do dito produto a Fernão de Noronha, que, posteriormente, juntou-se a outros sócios, formando uma sociedade. Em troca desse privilé-

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gio, deveriam eles explorar 300 léguas de costa; carregar, no mínimo, seis naus anualmente; fundar fortalezas e pagar ao rei vinte por cento do valor das transações. O monopólio só foi suspenso em 1859, quando o lenho tintureiro estava praticamente extinto em nossas matas. O pau-brasil aparecia na Mata Atlântica, hoje quase totalmente extinta, de Cabo Frio ao Cabo de São Roque.

A notícia da existência dessa madeira na terra atraiu a cobiça de corsários de várias nacionalidades. Os franceses foram os mais sérios rivais dos portugueses pela posse do Brasil. Chegaram a estabelecer um tráfico regular entre a costa brasileira e os portos da França. Fundaram duas grandes colónias — a França Antártica e a França Equinocial.

A situação agravou-se de tal modo que a metrópole teve de iniciar a colonização imediatamente. Para isso lançou mão da empresa privada. Em 1534, D. João III, rei de Portugal, dividiu o Brasil em lotes ou capitanias, doando-as a antigos servidores, dispostos a empatar capitais na colónia, transferindo-se para aqui ou mandando representantes.

Desse modo, a colonização seria feita de maneira económica. Por outro lado, transformá-la-ia numa grande colónia agrícola que produzisse algo de valor rentável na Europa. A cana-de-açúcar era o produto ideal. Graças à experiência que já possuíam os ibéricos do cultivo da gramínea nas ilhas do Atlântico, não lhes foi difícil introduzi-la no Brasil, sobretudo por seu clima quente e pela qualidade soberba de seu solo.

Nos dois primeiros séculos da colonização, o açúcar foi o produto básico da nossa economia. Deu mais divisas ao reino do que o ouro. Os países europeus consumiam açúcar brasileiro, pela sua qualidade superior sobre os outros e porque era quase exclusivo nas praças europeias, uma vez que a produção da Sicília e das ilhas do Atlântico estava em decadência e as Antilhas ainda não haviam começado a exportar, fazendo-nos concorrência.

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O açúcar foi o responsável pelas características sociais, políticas e económicas do Brasil atual. A construção de uma fábrica e o plantio de um canavial era mister complicado e dispendioso. Não era tarefa para pequenos. Requeria um considerável empate de capital. Mas não implicava só nisso, era um processo muito mais complexo. Requeria a importação de escravos africanos, difíceis de se conseguir nos primeiros séculos e caros, na qual se alicerçava todo o trabalho colonial. Além disso, os senhores de engenho tinham que manter colonos, especialistas e técnicos em purgação e confecção do dito sal. E um verdadeiro exército de homens e mulheres, empregados nas mais diversas atividades, alguns vivendo nos próprios latifúndios, outros nos pálidos núcleos próximos.

Por essa razão, os engenhos, nas grandes propriedades rurais, iam-se tornando porções quase independentes, afastados uns dos outros, lutando com seus próprios meios, dispersivos centros na nossa colonização, estribados em famílias de constituição patriarcal, onde o senhor de engenho, figura máxima, poderosa, açambarcava no seu latifúndio todo o poder de determinação sobre os demais que dele dependiam. Poderio esse que se extendia até as vilas e cidades próximas, como tentáculos.

"Com a grande propriedade monocultural instala-se no Brasil o trabalho escravo... Não só Portugal não contava população suficiente para abastecer sua colónia de mão-de-obra, como também, já o vimos, o português, como qualquer outro europeu, não emigrava para os trópicos, em princípio, para se engajar como simples trabalhador assalariado do campo. A escravidão toma-se, assim, necessidade: o problema e a solução foram idênticos em todas as colónias tropicais e mesmo subtropicais da América.

"Completam-se, assim, os três elementos constitutivos da organização agrária do Brasil colonial: a grande propriedade, a monocultura e o trabalho escravo. Estes três elementos se conjugam num sistema típico, "a grande

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exploração rural", isto é, a reunião numa mesma unidade produtora ou grande número de indivíduos; isto é que constitui a célula fundamental da economia agrária brasileira." (Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contemporâneo, São Paulo, 1965).

Com a descoberta das minas de ouro pelos paulistas, surgiu uma classe de burgueses, comerciantes, que, por pagarem, então, polpudos impostos, foram protegidos pelo reino. Esses comerciantes ou mascates — como eram tratados, com desdém, na Capitania de Pernambuco, pelos senhores de engenho — forçaram o aparecimento de núcleos urbanos densos e contribuíram bastante para o enfraquecimento do poderio quase feudal daqueles. Mas a descoberta do ouro não foi o único motivo do abandono em que se encontravam os campos.

"O preço do açúcar do Brasil, em 1650, era muito alto e regulava de 240 a 280 a libra, o que equivale hoje (1862) a 640 ou 700 réis; a sua exportação orçava nessa época entre 120 a 150 milhões de libras. A concorrência das Antilhas produziu uma baixa gradual nos preços. Em 1728, a prosperidade das colónias inglesas havia reduzido a 32 ou 33 schillings o preço do quintal do açúcar, quando, anteriormente, os mercados ingleses só o obtinham dos portugueses a 4 ou 5 libras esterlinas. Não obstante esta concorrência, o Brasil ainda exportou, em 1736, 80 milhões de libras, contra 170 milhões de todas as outras possessões europeias nas ilhas e no continente da América." (F.L.C. Burlameque, Monografia da Cana-de-Açúcar, Rio, 1862).

Todavia, a febre do ouro foi de duração efémera. Em meados do século XVIII, as minas, praticamente esgotadas, não produziam mais nada. As fazendas e fábricas de açúcar, enfraquecidas por um período de crises violentas, vão renascer com mais intensidade que nos dois primeiros séculos. A metrópole, desiludida com o brilho do ouro, passa a proteger novamente a grande lavoura. Desta vez, a lavoura canavieira iria dividir sua importância capital na economia brasileira com a do algodão. Mas esta última não sobrepujaria nunca a da Saccharum officinarum.

Outros fatores, além do esgotamento das minas de ouro, iriam provocar esse evento.

A Europa do século XVIII assistiu a um impressionante aumento de sua população, em consequência de um desenvolvimento técnico, de uma série de invenções, que tomou força e eclodiu, no século seguinte, numa manifestação ímpar de progresso até então ocorrido — a Revolução Industrial. O fato gerou um crescimento brusco nas cidades europeias e o aparecimento de um grande mercado consumidor. Por esse motivo o comércio desen-volveu-se, refletindo o fato nas colónias, que eram as responsáveis pelo abastecimento de matérias-primas utilizadas pelas metrópoles nessas indústrias florescentes. Por outro lado, essas regiões americanas tornaram-se importantes também por se transformarem em mercado consumidor dos produtos manufaturados europeus.

As lutas que se desenrolaram na Europa, desde a sucessão do trono espanhol, com Carlos V, até as guerras napoleónicas, têm como causa principal a disputa dos domínios coloniais. Nessas guerras Portugal procurou estar sempre neutro. Protegido pela Inglaterra, desfrutou de condições privilegiadas sobre outras metrópoles nesse século. Isso veio beneficiar o Brasil e o nosso comércio, pois, enquanto as outras colónias americanas tinham o seu mercado consumidor limitado, a colónia lusa comerciava com liberdade com os países da Europa, ávidos de produtos tropicais, principalmente açúcar e algodão.

"Durante um certo tempo dominou mesmo o mercado colonial e com isto recobrou a posição que disputara dois séculos antes e que parecia já irremediavelmente perdida para sempre." (Caio Prado Júnior, ob. cit.).

Além disso, as colónias rivais do Brasil, inglesas e francesas, deparavam-se com sérios conflitos político-sociais. No comércio, a posição do Brasil se tornara única.

"Todos esses fatores concorrem para fazer do final do século XVIII um período de grande progresso da agricultura brasileira. As velhas regiões produtoras, como a Bahia e Pernambuco, decadentes desde princípios do

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século, se renovam e brilharão outra vez, como nos dois primeiros séculos da colonização." (Caio Prado Júnior, ob. cit.).

A metrópole, interessando-se pela grande agricultura, promoveu a seleção de mudas da Saccharum offici-narum, introduzindo espécies e qualidades novas. A cana plantada durante os primeiros anos da colonização foi a crioula. Entretanto, por não haver cuidado na seleção das mudas a serem plantadas, a qualidade do sumo foi ficando cada vez pior.

Uma nova qualidade de cana — a de Otaiti ou Taiti ■— foi introduzida no mundo ocidental por Bougainville, em 1768. Dali foi ela levada para as colónias francesas da América, entre elas a Guiana, onde era conhecida com o nome de cana de Bourbon. No Brasil, entrou por volta de 1790 a 1803, chamando-se cana Caiana. A primeira província a plantá-la foi o Pará, quando Francisco de Sousa Coutinho era governador.

Segundo Freire Alemão, chegou à Bahia por volta de 1810, sendo plantada pela primeira vez no Engenho da Praia, de propriedade de Manuel de Lima Pereira. Passou, em 1811, ao Rio de Janeiro, graças ao Marquês de Barbacena, cultivada nos Engenhos de Bangu e Jeri-cinó, em Campo Grande, cuja proprietária era D. Ana de Castro.

Diz o mesmo autor, citando as Memórias do Padre Luís Gonçalves dos Santos, que, em 1810, o Brigadeiro Manuel Marques, governador da Guiana Francesa, conquistada pelos portugueses, enviara grande número de mudas de cana de Otaiti ou Caiana para a Corte, Pará e Pernambuco. Essas mudas foram cultivadas no Jardim Botânico e, depois, distribuídas pelos plantadores.

A cultura da cana caiana fez quase desaparecer a cana crioula, que passou a ser empregada para a alimentação do gado.

Ao lado da cana-de-açúcar e do algodão, o café vai também começar a despontar em meados do século XVIII, sendo o seu apogeu no Vale do Paraíba, no século XIX. Em alguns pontos os cafeeiros tomam o lugar das

gramíneas, mas em outras regiões, como no centro-oeste de São Paulo, as fazendas e engenhos de açúcar dividirão a paisagem com os cafezais.

"O café oferecia, entretanto, maior margem de lucro, exigia menos capitais, cuidados mais simples e estava menos sujeito às avarias inerentes ao mau estado das vias de comunicação do que o açúcar, o que fez com que os canaviais fossem sendo substituídos pelos cafeeiros. Todavia, em 1852, não obstante essa tendência, a cultura da cana era considerada decadente. No mapa das fábricas agrícolas de São Paulo, anexo ao Relatório de Nabuco de Araújo, eram relacionadas 466 fábricas de açúcar e 395 de café. Este predominava no Vale do Paraíba, enquanto no centro-oeste paulista aparecia lado a lado com a cana." (Emília Viotti da Costa, Da Senzala à Colónia, São Paulo, 1966).

Na Europa, a propagação do açúcar não ocorreu para fins comerciais, mas como medicamento. Somente em meados do século XV a procura do produto passa a ser mais intensa. Quando chega à península ibérica e, posteriormente, às colónias espanholas americanas, não vem a lavoura desta gramínea acompanhada de condições técnicas adequadas à sua industrialização comercial para fins alimentícios.

A Saccharum officinarum era plantada nas colónias da América e empregada nas grandes viagens para serem chupadas pelos marinheiros, como preventivo contra o escorbuto. ".. .Nas terras descobertas, logo se semeavam para não faltar nas viagens de retorno e para provar-se ao mesmo tempo se o solo era propício ao seu desenvolvimento." (Francisco Freire Alemão, A Cana-de-Açúcar, in Revista de Economia e Agricultura, Rio, 1820).

Na Europa, por volta de 1400, o açúcar era conseguido por processos muito primitivos, daí ser ele considerado produto preciosíssimo e vendido em quantidades mínimas. Na época do descobrimento do Brasil, o fabrico foi-se aperfeiçoando e durante os primeiros anos da nossa colonização a indústria açucareira foi a nossa mais importante atividade económica.

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Quando a cultura da gramínea foi introduzida no Brasil, já se cogitava da sua industrialização imediata, ao contrário das outras colónias da América.

Por esse motivo, ao lado dos canaviais surgiam sempre fábricas. Pelas instruções de D. Manuel, no alvará de 1516, podemos observar que desde cedo Portugal se preocupava em incrementar a agroindústria açucareira na nova terra.

Na Europa, o consumo do sal doce se intensificava no início daquele século.

Os engenhos e canaviais foram sendo estabelecidos na faixa litorânea, junto aos rios de porte médio, pouco encachoeirados, de águas perenes, que servissem para o escoamento dos produtos das fazendas até as cidades do litoral; donde eram encaminhados aos portos que os remetiam para a metrópole. Além disso, as cheias desses rios não eram tão ameaçadores como os grandes e caudalosos, que arrasam os campos, levando de roldão casas, gado e plantações.

Gilberto Freyre esclarece bem (Casa-Grande e Senzala, Rio, 1933):

"Grandes massas d'água, é certo, davam grandeza à terra coberta de grosso matagal. Dramatizavam-na. Mas grandeza sem possibilidades económicas para a técnica e conhecimentos da época. Ao contrário: às necessidades dos homens que criaram o Brasil aquelas formidáveis massas, rios e cachoeiras, só em parte, e nunca completamente, se prestaram às funções civilizadoras de comunicação regular e dinamização útil.

"Um rio grande daqueles, quando transbordava, em tempo de chuva, era para inundar tudo, cobrindo canaviais e matando gado e até gente... Muito deve o Brasil agrário aos rios menores, porém mais regulares: onde eles docemente se prestavam a moer as canas, a alargar as várzeas, a enverdecer os canaviais, a transportar o açúcar, a madeira e mais tarde o café, a servir aos interesses e às necessidades de populações fixas, humanas e animais, instaladas às suas margens, aí a grande lavoura floresceu, a agricultura latifundiária prosperou, a pecuária alastrou-se".

2$

A criação de novas fazendas provocou a derrubada das matas, primeiro para o plantio da gramínea e depois foram elas, pouco a pouco, devoradas pelas fornalhas, exclusivamente alimentadas à lenha. Só muito mais tarde aparecerão os engenhos mais aperfeiçoados, que deixando o bagaço da cana quase seco, vão propiciar o seu uso como combustível, salvando um pouco as nossas reservas florestais. "As florestas tropicais que recobriam os trechos mais beneficiados pelas chuvas foram, por isso, aos poucos devastadas, para darem lugar aos canaviais, que procuravam, além do clima e das águas, o solo propício." (Fernando de Azevedo, Canaviais e Engenhos na Vida Política do Brasil, Rio, 1948).

Por outro lado, no lugar das matas derrubadas, no litoral, surgia um solo especialmente favorável à lavoura canavieira. Era o massapé, o solo próprio para o cultivo da Saccharum officinarum.

"O massapé, como o salmourão, é o produto da decomposição dos granitos e gnaisses do arqueano, ou, conforme a análise de Orville Derby, "a argila proveniente da decomposição dos folhelhos sedimentares cretáceos". É o chão canavieiro por excelência, a terra vegetal preferida pela cana-de-açúcar, que nela prosperou... Terra do grupo dos solos compactos, na classificação de Serebrenic, o massapé, geralmente preto ou cinzento escuro, é rico em matérias orgânicas. A cor varia: preto (daí chamar-se massapé "terra cinzento-negra"), mais fértil; encarnado ou vermelho amarelado e também o branco, que é o menos procurado... Encontra-se esta terra argilosa, pegajosa, extremamente fértil, numa grande extensão do litoral, em quase todo o nordeste, na Zona da Mata, em Pernambuco e em outras regiões do nosso país do complexo cristalino, um de cujos componentes — o gnaisse — é o responsável por esses solos famosos na "lavoura da cana". (Fernando de Azevedo, ob. cit.).

Segundo F.L.C. Burlamaque, em sua Monografia da Cana-de-Açúcar (Rio, 1862):

"O terreno próprio para o cultivo da cana é o massapé, encontrado, sobretudo, nas imediações das forma-

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ções de granito, que se decompõe perto das costas. Misturado com quartzo, ferro argiloso e com húmus, resultante da vegetação das montanhas, forma um solo de barro vermelho ou vermelho alaranjado. "Este massapé, segundo Spix e Martius, contém certa quantidade de calcáreos misturados intimamente com argila e areia".

A grande indústria açucareira começou no Brasil por volta de 1534, quando Martim Afonso de Sousa, no sul, doou sesmarias e, ao norte, quando Duarte Coelho, com sua família e através de alianças inteligentes com indígenas, lançou-se a cultivar a Saccharum officinarum.

As primeiras plantações, como já vimos, nasceram na zona costeira, na chamada "zona da mata", do século XVI. Em breve alastrou-se por toda a região costeira do nordeste, até atingir o Rio Grande, ao norte, e procurar terras do Rio São Francisco, ao sul; por toda a área costeira, as lavouras desceram até o Rio de Janeiro, que, como Bahia e Pernambuco, foi um grande centro de produção açucareira nos primeiros séculos. Na Capitania de São Vicente o cultivo da Saccharum officinarum foi muito tímido e quase desapareceu, por estarem os paulistas voltados, primeiro, para a preação de índios, que vendiam como escravos e, depois, para a prospecção de nossas minas de metais preciosos.

Já falamos da importância da agroindústria açucareira nesse período da história do Brasil. Por esse motivo, todas as outras atividades económicas serão consequências desta.

A pecuária foi uma delas. O gado não era utilizado para fins alimentícios, mas para cobrir as necessidades dos engenhos.

"Nas trilhas e caminhos primitivos, que não mereciam o nome de estradas, o único processo para o transporte de cargas pesadas era o casco de bois... Nas antigas lavouras o carreto da cana dos canaviais para os engenhos exigia numerosas juntas de bois a puxar os carros atopetados, em fluxo contínuo para que não parassem as moendas. A lenha para as fornalhas devoradoras de combustíveis, a madeira para a serraria onde

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eram confeccionadas as caixas em que o açúcar era acon-dicionado, vinham da mata sempre próxima em carros de bois. E era ainda o carro de bois que transportava as famílias, quando estas se deslocavam entre a fazenda e a cidade.

"Além de servir de máquinas de tração, eram os bois utilizados, em juntas que se revezavam sob o jugo, para mover as almanjarras que moíam a cana. Muito poucos eram os engenhos d'água." (V. Coaracy, Grandeza e Decadência do Açúcar no Rio de Janeiro, in Brasil Açucareiro, Rio, mar., 1965).

Outra atividade económica de vulto, criada e desen-volvida em consequência da produção açucareira, foi a indústria de caixas de madeira, primeira embalagem que teve o produto no Brasil. Mais tarde foi substituída por sacos, mas nos primeiros séculos não houve outro modo de se acondicionar o açúcar.

"Cada caixa tinha dois e meio a três palmos de largura e sete a oito de comprimento, recebendo em média trinta e cinco arrobas de açúcar. Na minuciosa descrição que delas faz, Antonil chega a registrar que em cada caixa eram empregados 86 pregos. Tanto Antonil, na obra já citada, como Brandônio, no Diálogo das Grandezas do Brasil, enumeram as madeiras usadas para a construção das caixas. Eram preferidas as madeiras brancas, como gameleiras, tapebuia, visgueiro e outras semelhantes, não só por serem mais fáceis de trabalhar, como porque, não sendo madeiras de lei apropriadas para a construção e marcenaria, eram de menor preço. As caixas, uma vez exportadas, não voltavam aos engenhos." (V. Coaracy, ob. cit.).

Procuramos dar, desse modo, em rápidas pinceladas, o que foi a vida económica do Brasil nos primeiros séculos da colonização, mostrando o ambiente em que a Saccharum officinarum se desenvolveu.

Além disso, fizemos uma tentativa de demonstrar a importância que a agroindústria do açúcar teve em relação às demais atividades económicas e a sua situação de primazia sobre as de outras grandes lavouras.

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Adiante daremos um pequeno resumo histórico da introdução da gramínea no Brasil, a criação das primeiras fazendas e fábricas, a situação do açúcar no mercado europeu, problemas enfrentados pelos senhores de engenho; enfim, um retrospecto da indústria canavieira no Brasil Colonial.

O BRASIL NOS TRINTA PRIMEIROS ANOS DA COLONIZAÇÃO

Não sabemos, ao certo, em que ponto do litoral brasileiro ocorreu a primeira lavoura de cana-de-açúcar. Os depoimentos são vários e há tantas discordâncias nesse ponto, entre autores credenciados, que é inviável qualquer afirmativa precisa sobre o assunto.

É possível que a gramínea tivesse sido trazida pelas primeiras expedições exploradoras da nossa costa ou por aquelas que se dirigiam às Índias. A Saccharum officina-rum, desde a época do Infante D. Henrique, cultivada nas ilhas do Atlântico, havia enriquecido a muitos, como a família Adorno. Por uma curiosidade natural, antes de qualquer ensaio de colonização, poderia ter sido experimentada a sua cultura na colónia que se acabava de descobrir.

Pigafetta, que fez parte da expedição de Fernão de Magalhães, em sua volta ao mundo, narra que, quando estiveram de passagem pelo Rio de Janeiro, por volta de 1519—1520, se abasteceram ali de "canas doces". ". .quando a armada do primeiro circunavegador do orbe terráqueo se abastecera de canas doces no Rio de Janeiro." (António Pigafetta, Primer Viaje en Torno dei Globo, Madri, 1927).

António de Herrera assinala que já em 1518 havia muitos engenhos em nosso país, para a labuta dos quais tinham vindo da Guiné muitos pretos. Varnhagen cita bastante Herrera e concorda com esta asserção.

Carlos França, baseando-se nesses dois autores, tenta explicar o fato, atribuindo às primeiras expedições a intro-dução da Saccharum officinarum.

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Otávio Tarquínio de Sousa e Sérgio Buarque de Holanda discordam do fato de que a armada de Fernão de Magalhães tivesse encontrado canas doces no Rio de Janeiro, pondo, ainda, em dúvida a veracidade do documento publicado por Varnhagen sobre o tributo que teria pago o açúcar, ido do Brasil, em 1526, à Casa da índia.

"Se é certo, como afirmou António Pigafetta, um dos companheiros de Fernão de Magalhães, que a armada em que viajava se abasteceu no Rio de Janeiro de canas doces, cabe supor que antes de 1519 já se fazia seu plantio no Brasil. O depoimento de Pigafetta presta-se, contudo, a dúvidas e assim também a afirmativa, feita por alguns historiadores, de que em 1526 já pagavam direitos em Lisboa açúcares idos de Pernambuco e Ita-maracá. Mais positivas são as notícias de sua introdução por Martim Afonso de Sousa na Ilha de São Vicente, onde surge o chamado Engenho do Senhor Governador, mais tarde de São Jorge dos Erasmos, a que estiveram associados os Schetz, capitalistas de Antuérpia." (Otávio Tarquínio de Sousa e Sérgio Buarque de Holanda, História do Brasil, Rio, Livraria José Olympio, 1944, cit. por Basílio de Magalhães em O Açúcar nos Primórdios do Brasil Colonial, Rio, I.A.A.).

Quanto à entrada do açúcar brasileiro em Lisboa, o Visconde de Porto Seguro não deixa dúvidas: ".. .como já no reinado de D. Manuel, e pelo menos desde 1516, haviam sido dadas algumas providências em favor da colonização e cultura do Brasil. Sabemos, além disso, que depois o mesmo rei, ou pelo menos o seu sucessor apenas começou a reinar, criou no Brasil algumas pequenas capitanias; e que de uma delas foi capitão um Pêro Capico, o qual chegou a juntar algum cabedal. Igualmente sabemos que os produtos que iam então do Brasil ao reino pagavam, de direitos, na Casa da índia, o quarto e a vintena dos respectivos valores, e que no número desses produtos entravam não só alguns escravos, como, em 1526, algum açúcar de Pernambuco e Itamaracá". (F. A. Varnhagen — Visconde de Porto Seguro — História Geral do Brasil, S. Paulo, 1948).

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Basílio de Magalhães, fazendo a crítica a O. Tar-quínio de Sousa e a S. Buarque de Holanda, conclui o seguinte: "Entretanto, não falta verossimilhança a nenhuma das duvidosas asserções. As canas doces encontradas na Baía de Guanabara por um dos companheiros do primeiro circunavegador do mundo, tanto podiam pertencer a algumas das nossas espécies nativas da útil gramínea, como podiam ter resultado de mudas da Saccharum officinarum trazidas do Velho Continente, pois que, antes de Fernão de Magalhães, outros europeus já haviam estado, efemeramente embora, na região bati-zada com o topónimo de Rio-de-Janeiro pelos portugueses que a descobriram no primeiro dia de 1502, e que não acharam de bom-gosto dar-lhe o nome de Baía da Circuncisão". (Basílio de Magalhães, ob. cit.).

Vale lembrar que haver mudas ou algumas espécies isoladas de cana-de-açúcar não equivalem a uma cultura sistemática e de algum vulto, que comportasse a construção de um engenho. Parece-nos que isto não existiu antes, pelo menos, da criação das capitanias temporárias, da qual sabemos qual o nome de um dos capitães: Pêro Capico. Por outro lado, o fato não vem provar que aqui já existissem engenhos, embora, como diremos adiante, algum açúcar poderia ter sido conseguido por processos rudimentares.

Segundo Simonsen, a cana-de-açúcar era também nativa na América, pois era já conhecida em Mato Grosso, no México e em vários outros lugares do Novo Mundo.

Todavia, a grande lavoura canavieira foi feita graças às mudas importadas das ilhas do Atlântico.

Em 1516, D. Manuel, em alvará dirigido ao feitor e oficiais da Casa da índia, ordenava "que procurassem e elegessem um homem prático e capaz de ir ao Brasil dar princípio a um engenho de açúcar; e que lhes desse sua ajuda de custo e também todo o cobre e ferro e mais cousas necessárias ao levantamento da fábrica".

Sabemos que este alvará foi posto em prática, pois em 1526, quando Cristóvão Jacques volta ao Brasil, na sua expedição, organizada com o intuito de escurraçar

os franceses do nosso litoral, traz consigo um outro, passado por Jorge Rodrigues, em Almeirim, datado de 5 de julho de 1526, autorizando a volta de Pêro Capico ao reino português.

"Eu Exrei Faço saber a vós Christóvão Jacques, que ora envio por Governador às partes do Brasil, que Pêro Capico, Capitam de uma das capitanias do dito Brasil, me enviou dizer que lhe era acabado o tempo de sua capitania, e que queria vir para este Reyno, e trazer comsigo todas as peças de escravos e mais fazendas que tivesse, Hey por bem e me praz que, na primeira caravela ou navio que vier das ditas partes, o deixeis vir, com todas as suas peças de escravos e mais fazendas; contanto que virão direitamente à casa da índia, para nella pagarem os direitos de quarto e vintena, e o mais que a isso forem obrigados, na forma que costumam pagar todas as fazendas que vêm das sobreditas partes." (Livro das Reformações da Casa da Índia, fls. 25. Pública forma de uma certidão de 23 de janeiro de 1775, publicada por Varnhagen, ob. cit.).

Através desse alvará podemos concluir que não existia apenas a capitania de Pêro Capico, nesse período, mas esta era "uma das capitanias do dito Brasil". Por esse motivo pode-se crer que algumas plantações já existiam pela costa brasileira e que Pêro Capico fora responsável por uma delas, pois já contava com algum "cabedal e peças de escravos". Não podemos afirmar, entretanto, que o açúcar que em 1526 pagou quarto e vintena na Casa da Índia fosse o de Capico. Tão pouco podemos localizar geograficamente a sua capitania, uma vez que para isso nos faltam documentos.

Concluindo, só nos resta dizer que, de maneira precisa, nesse período, conhecemos a tentativa de D. Manuel I de introduzir a agroindústria açucareira na colónia. Sabemos, ainda, que um certo Pêro Capico teve uma capitania temporária no Brasil; todavia, não sabemos precisar o local da dita capitania, nem se esta teve algum sucesso. Temos conhecimento de que existiam outras donatárias pelo nosso litoral, mas o nome dos capitães

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e a localização das mesmas nos são totalmente desconhe-cidos. Tudo que sabemos desses primeiros trinta anos é nebuloso e confirmado de maneira muito vaga e precária por meia dúzia de documentos.

Basílio de Magalhães conclui que: "Tão esmerilhada tem sido a história do nordeste brasileiro, quer pelos velhos cronistas, quer pela plêiade que tem brilhado ali no Instituto Arqueológico, Geográfico e Histórico de Pernambuco, — que a existência de um engenho, movido por água ou puxado por bois, tanto na terra-firme, quanto na ilha de Itamaracá, datando do período entre 1520 e 1526, já estaria suficientemente esclarecida, se as notícias fornecidas por António de Herrera e por Watjen, autor de O Domínio Colonial Holandês no Brasil, tivessem rigoroso cunho de verdade ou se alicerçassem em provas autênticas." (Basílio de Magalhães, ob. cit.).

AS CAPITANIAS DE S. VICENTE E RIO DE JANEIRO

A lavoura sistemática de cana-de-açúcar vai começar, no sul, com as primeiras doações de sesmarias feitas por Martim Afonso de Sousa. Os primeiros engenhos vão nascer ao lado desses canaviais.

Entretanto, mesmo fazendo doações e tratando da colonização daquela área, o primeiro engenho levantado nas terras da futura Capitania de São Vicente não pertenceu a Martim Afonso, mas aos irmãos Pêro e Luís de Góis.

"O primeiro, ergueram-no Pêro e Luís de Góis, em 1532, nas terras da sesmaria daquele onde é hoje a região denominada "Nossa-Senhora-das-Neves", no opulento porto paulista, e foi chamado "Engenho-da-Madre-de-Deus". (Basílio de Magalhães, O Açúcar nos Primórdios do Brasil Colonial, Rio, I.A.A., 1953).

O segundo engenho levantado na região pertencia à família Adorno. O caso da família Adorno é bastante exemplar da mescla de colonos de diferentes nacionalidades que povoaram o Brasil desde os primórdios da colonização.

Pertenciam os Adornos, família italiana, ao partido dos Spínolas e, quando estes perderam seu prestígio, tiveram aqueles de se transferir para Portugal para escapar às perseguições políticas. São conhecidos os nomes de cinco deles: António, Francisco, José, Paulo e Rafael. Começaram, talvez, todos eles a participar da indústria açucareira da Ilha da Madeira. Depois, com conhecimentos técnicos desenvolvidos nesse setor, tomaram parte na expedição de Martim Afonso de Sousa.

Após fundar as vilas de São Vicente, no litoral, e Piratininga, no interior, Martim Afonso doou sesmarias a José Francisco e a Paulo Adorno. Não sabemos se outros irmãos participaram da referida expedição. Rafael Adorno, se não teve seu próprio engenho, era sogro do proprietário do Engenho de Santo António, Manuel Fernandes.

Francisco Martins dos Santos dá-nos uma imagem pouco nítida de Francisco Adorno. Sabe-se dele que deve ter nascido em Génova, pois, no meado do século XVI, foi comandante da Fortaleza de Bertioga, cargo que exigia uma idade superior àquela que teria se tivesse nascido no Brasil, em 1532.

José Adorno foi, sem dúvida, o primeiro senhor de engenho enriquecido no Brasil. Tomou parte da fundação da Vila de São Vicente e, mais tarde, ajudou a povoar a Vila de Santos. Em 1533, levantou o segundo engenho do local — Engenho de São João — junto ao atual Morro de São Bento, na cidade de Santos, contando com o auxílio de seus dois irmãos, Francisco e Paulo, e do feitor Heliodoro Eobano.

"O segundo, levantado no ano seguinte (1533) em terras pertencentes à atual cidade de Santos, nas proximidades do "Morro-de-São-Bento", foi o "Engenho-de-São-João", pertenceu a José Adorno, que teve por auxiliares no mesmo a dois irmãos seus, Francisco e Paulo..." (Basílio de Magalhães, ob. cit. 3).

Este engenho era abastecido por vários canaviais. Segundo Pedro Taques, por Antão Nunes, Jácome Lopes, Francisco Anes e Cristóvão Dinis. Assim como o Engenho Madre de Deus, dos irmãos Góis, era abastecido

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com gramínea proveniente de suas próprias sesmarias (doadas por Martim Afonso) ou da de Pascoal Fernandes e seu sócio, Domingos Pires.

A serviço de José Adorno ficaram de 15 a 20 colonos estrangeiros, sobretudo alemães, vindos com Martim Afonso, e em pouco tempo contava com a ajuda de muitos escravos indígenas e, mais tarde, negros africanos.

José Adorno teve papel destacado na vida política da colónia, participando do armistício de Iperoig, conforme testemunho do padre Serafim Leite e, depois, na fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Durante sua vida, ele e sua mulher, D. Catarina Monteiro, fizeram doações à Companhia de Jesus.

O terceiro engenho a ser fundado na capitania foi o que Martim Afonso estava planejando havia algum tempo. Associado com outros, levou avante a empresa.

"Muitos fatores garantiram o desenvolvimento do primeiro povoado santista. O próprio Martim Afonso, ao se retirar de São Vicente, levava a ideia fixa de formar um engenho seu na ilha, possivelmente naquela banda oriental, porque era para ali que propendia quase todo o movimento colonizador e agrícola da capitania. Para isso, contornando os morros, cujas fraldas abrigavam já, nas faces do nascente, todos os primeiros estabelecimentos, originados do seu critério distribuidor, chegara ele, após dobrar os morros do Saboó, à região atual do Matadouro, onde encontrara águas e lugares propícios, para a realização da sua ideia, ainda não concedidos a ninguém. Assim, chegado a Lisboa, realizou imediatamente uma sociedade, com João Veniste, Francisco Lobo e o pilôto-mor Vicente Gonçalves, para a criação do premeditado engenho, consignando para tal fim as terras antecipadamente escolhidas, tendo ele uma quarta parte na sociedade, como os demais sócios, e determinando que das terras de Rui Pinto viessem as canas para o sustento do mesmo engenho. Desta forma, em 1534 foram lançadas as bases do famoso engenho do Trato ou do Senhor Governador, como entraram a chamar-lhe, propriedade que seria vendida mais tarde ao alemão Erasmo Schetz, passando a denominar-se, desde então, Engenho de São-

jorge-dos-Erasmos, como são ainda hoje conhecidas as suas ruínas. Essa sociedade consta de duas escrituras, lavradas em Lisboa e registradas no antigo Cartório da Fazenda Real de São Paulo, como diz Frei Gaspar, no Livro de Registro de Sesmarias n. 1, tit. 1555, fls. 44 e 127." (Francisco Martins dos Santos, História de Santos, S. Paulo, 1937, citado por Basílio de Magalhães, ob. cit.)

Continuando, Basílio de Magalhães explica que "como se pode ver nas "Memórias para a História da Capitania de São-Vicente", ainda foi conhecido pela denominação de Engenho-dos-Armadores, quando adquirido por Martim Afonso de Souza ou dos herdeiros deste, pertenceu à Sociedade Hielst & Schetz. O primeiro componente dessa firma era João Veniste, acima citado, e cujo cognome exato era em flamengo van Hielst.

"Frei Gaspar assegura que a empresa mercantil primitiva se compunha de Martim Afonso de Souza, Pêro Lopes de Souza, João Veniste, Francisco Lobo e o pilôto-mor Vicente Gonçalves, acrescentando que, conforme se lhe deparou nos livros das vereações de São Paulo, "Martim Afonso, Francisco Lobo e o pilôto-mor venderam suas partes ao alemão Erasmo Schetez: ultimamente, os_filhos deste dono compraram também o quinhão de João Veniste, e, por isso, se ficou chamando o engenho "São-Jorge-dos-Erasmos". Esta empresa chegou a possuir navios para a exportação do açúcar, como afirmaram Pedro Taques e Hans Staden." (Basílio de Magalhães, ob. cit.)

Quando Erasmo Schetz morreu, seus filhos continuaram a explorar no território paulista o referido engenho, que só alienaram em 1593.

A lavoura canavieira, embora não tenha desaparecido totalmente na capitania, não teve o desenvolvimento que ocorreu em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Os paulistas preferiram internar-se no interior do Brasil, em busca de escravos índios, primeiro, e, depois, seriam os responsáveis pela descoberta das nossas minas de ouro.

A capitania do Rio de Janeiro constituía o segundo ■ots que recebeu Martim Afonso de Souza. Abandonado,

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sofreu a invasão dos franceses que nele fundaram uma colónia — a França Antártica. Expulsos os franceses, a capitania voltou às mãos do governo português. Com a fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a agroindústria açucareira foi incentivada pelas primeiras doações de sesmarias feitas pelo governador e por uma série de regalias, decretadas por uma Carta Régia de 1570, àqueles que desejassem instalar fábricas de açúcar na capitania.

A Companhia de Jesus foi uma das grandes respon-sáveis pelo surto canavieiro que despontou na região a partir da fundação da cidade. Em breve as fazendas com canaviais atingiram o rio Paraíba do Sul, num verde contínuo, ponteado de engenhos.

Talvez a primeira fábrica construída tenha sido a de Salvador Correia de Sá, na ilha de Pernapuã, depois Governador, em sua própria honra. Em breve tornou-se o governador um grande produtor de açúcar, pois não se limitou apenas à fazenda de Pernapuã, mas, nas suas terras que iam da Barra da Tijuca até Jacarepaguá, contornando a Gávea, continuou o cultivo intensivo da Saccharum officinarum, montando ali um grande engenho.

Seus filhos, Martim e Gonçalo Correia de Sá, pros-seguiram nessa atividade expandindo-a.

Na Lagoa de Socopenapã (atual Rodrigo de Freitas) foi levantado um engenho real ou Engenho dei Rei, pelo governador António Salema (1576-78). Devido à má ad-ministração passou a dar prejuízos à Coroa e a Fazenda Real vendeu-o a Diogo de Amorim, que, mais tarde, a transferiu a seu genro Sebastião Fagundes Varela. Este último vendeu-o a Rodrigo de Freitas de Melo e Castro. O Engenho dei Rei ficou com a família de Rodrigo de Freitas até o século XIX, quando D. João encampou-o para ali instalar a nossa fábrica de pólvora.

Nas circunvizinhanças da baía de Guanabara, logo depois da fundação da cidade já existiam fazendas com canaviais produzindo grandes safras e engenhos que fa-bricavam todos os tipos de açúcar e de aguardente.

O procurador-mor da Fazenda, António Cardoso de Barros, possuía uma sesmaria, com engenho, em Magé.

A Companhia de Jesus possuía engenhos que ia comprando ou que lhes eram legados por fiéis. As fazendas dos jesuítas eram as mais bem administradas e possuíam grande número de negros para seus serviços. A primeira sesmaria, na capitania, doada à Companhia de Jesus, foi a faixa costeira que ia da foz do rio Comprido até Inhaúma, em forma de quadra. E, além dessa, tiveram outras. Os engenhos Novo, Velho, de Dentro, dos Padres (em Niterói), o do Campo de Goitacazes, a Fazenda de Santa Cruz, eram alguns de propriedade dos inacianos, cujos bens foram confiscados em 1759, passando para a Coroa. O governo vendeu-as, depois, a particulares, com exceção da grande fazenda de Santa Cruz.

Frei Vicente do Salvador assinala 40 engenhos na capitania, no início do século XVII. Antonil, no final do mesmo século, registra o número de 186 fábricas que produziam açúcar branco, mascavo e outros inferiores, além da aguardente.

Entretanto, o grande centro abastecedor de açúcar do porto do Rio de Janeiro, durante os dois primeiros séculos da nossa colonização, foi a região de Campos. No entanto, os senhores de engenho dali só conseguiram as regalias daqueles do Rio de Janeiro, em 1809, quando através de alvará datado de 21 de janeiro "foi outorgado a todos os habitantes do Brasil e dos domínios ultramarinos o privilégio de não serem executados os seus engenhos de açúcar e lavoura de cana e somente a terça parte dos seus rendimentos." (Alberto Lamego — Os engenhos de açúcar nos recôncavos do Rio de Janeiro, em fins do século XVIII, in Brasil Açucareiro. Rio. I.A.A., março, 1965).

Outro distrito próspero era o de Guaratíba, com "16 'éguas de comprimento, de leste a oeste, e 12 na sua maior largura, de norte a sul, e 13 em toda sua extensão limites ou circunferência.

_ "Era situado entre 7 serras donde nascem mananciais que fertilizam o distrito, formando grandes e pe-

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quenos rios. O terreno é em geral montanhoso, exce-tuando o da Fazenda de Santa Cruz, do Jacarepaguá e Marapicu. Era dividido em 7 freguesias: Campo Grande, ...Aguassu, (Iguassu) ...Marapicu, ...Jacarepaguá, ...Taguaí (Itaguaí), .. .Guaratiba, ...Jacutinga." (Alberto Lamego, ob. cit.)

Por volta de 1797, existiam no distrito de Guaratiba, 49 fábricas de açúcar e 8 de aguardente. Em 1796, sua exportação constou de 51.856 arrobas de açúcar, 1.561 pipas de aguardente, 22.912 alqueires de farinha, 1.836 de feijão, 1.705 de milho, 16.856 de arroz, 480 de polvilho, 615 arrobas de café e 147 de anil. (Alberto Lamego, ob. cit.).

A lavoura canavieira na capitania declinou com a descoberta das minas de ouro, que canalizava quase todos os braços escravos que entravam pelo porto do Rio de Janeiro.

A agroindústria do açúcar no Rio de Janeiro sofreu uma série de depressões e quase se extinguiu definitivamente em consequência da política da metrópole. No entanto, época houve em que o açúcar do Rio de Janeiro tinha tanta cotação que era utilizado como dinheiro.

Na Europa, a partir do século XV, aproximadamente, o padrão de riqueza deixou de ser a terra, para passar a ser o metal precioso; sobretudo a prata e o ouro. Com a descoberta da América e as minas de ouro e prata do México e do Peru, esses produtos entraram com tal abundância na Europa, que o valor do ouro e da prata baixou. Mas, as nações europeias, ávidas de riquezas e poderio, guardavam essas moedas, atesourando-as ou empregando-as em obras de arte. No Brasil, o dinheiro não existiu praticamente na época colonial. O comércio interno, muito pouco desenvolvido, era praticado através de barganhas ou tendo por base um produto de expor-tação fácil, que substituía o ouro e a prata — o açúcar.

O governador Constantino Menelau estabeleceu o valor da arroba de açúcar, como unidade monetária em: açúcar branco: Rs. 1$000; mascavo, 640 réis; outros, 320 réis. Entretanto essa classificação não era válida pois

havia vários tipos de açúcar branco, vários mascavos, dependendo do processo de feitura de cada um. A arroba do branco, em certa ocasião, alcançou o preço de Rs. 1$200 e, em outras, decaiu para 720 réis.

A Fazenda Real, em vista da ordem oficial também recebia açúcar como pagamento dos impostos. Quando D. Luís de Almeida Portugal chegou, em 1652, para assumir o governo do Rio de Janeiro, encontrou a Fazenda abarrotada de açúcar, mas sem numerário para pagar aos oficiais.

A Câmara propôs que a Companhia de Comércio adquirisse o açúcar da Fazenda Real, mas, esta, podendo consegui-lo por preços mais vantajosos na praça, ne-gou-se a comprá-lo da Fazenda Real. Em vista disso, o governador desrespeitou o monopólio que tinha a Companhia de fazer o transporte da mercadoria do Rio de Janeiro até Lisboa, dando esse direito àqueles que reservassem parte da praça para os açúcares da Fazenda.

Só no final do século XVIII, o açúcar deixou de funcionar como moeda.

Uma das causas principais do declínio da produção açucareira do Rio de Janeiro foi a fundação da Companhia Geral do Comércio do Brasil, em 1649, que se destinava a proteger o transporte do açúcar, dos corsários que infestavam o Atlântico, mediante o envio anual de duas frotas comboiadas. Em troca dessa proteção, a Companhia recebeu inúmeros privilégios e vantagens.

Todavia, essa medida em vez de beneficiar os produtores veio prejudicá-los. Explica-nos V. Coaracy (Grandeza e Decadência do Açúcar no Rio de Janeiro, in Brasil Açucareiro. Rio. I.A.A., mar., 1965).

"Não era o frete que lhe interessava. Carregava os seus navios com as mercadorias que aqui adquiria pelos preços que impunha em consequência do privilégio dos transportes. Quando, no Rio de Janeiro, a cotação oficial do açúcar era de Rs. 1$200 por arroba, a Companhia só o comprava por 700 réis para vendê-lo em Lisboa por Rs. 3$200, preço do mercado. A esta opressão só escapou Salvador Benevides que, usando do grande prés-

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tígio e influência de que dispunha, obteve em Lisboa do Conselho Ultramarino a ordem para que a Companhia re-servasse no Rio de Janeiro dez por cento da praça dos seus navios para o transporte dos açúcares dos engenhos do mesmo Benevides por ser ele o maior produtor da capitania.

"... Mais odioso ainda era o monopólio que obtivera para vender no Rio de Janeiro artigos de grande consumo local, entre os quais se incluíam três géneros de primeira necessidade: trigo, vinho e azeite. Comprando por preços vis o açúcar e vendendo por exorbitante valor os géneros estancados, a Companhia onerava duplamente a economia da população."

Por causa dessas medidas a Companhia, arbitrária, só carregava o açúcar daqueles que adquirissem seus produtos. O açúcar acumulava-se na praça do Rio de Janeiro, agravando-se cada vez mais a situação dos engenhos. Mas Portugal fechava os olhos a todas essas injustiças por causa dos gordos impostos pagos pela Companhia de Comércio à Fazenda Real.

A crise do açúcar piorou ainda mais, quando, para dar saída aos vinhos do reino, a Companhia conseguiu o monopólio da venda desse produtos. Logo foi proibida a fabricação da aguardente na colónia.

A aguardente, depois da crise por que atravessava o açúcar, era a única fonte de lucro na qual a Companhia não interferira ainda. E era com a aguardente e farinha de mandioca que os escravos eram comprados na costa africana. Suspender o seu fabrico era o mesmo que sustar a corrente migratória africana, indispensável em todos os trabalhos das fazendas e fábricas.

A agroindústria açucareira da capitania agonizava, agora que o reino conseguia fontes de lucros mais interessantes com o ouro. A situação era desesperadora e, pouco a pouco, numerosas fábricas iam sendo fechadas ou abandonadas no Rio de Janeiro. Em 1660/61, eclode um levante armado, que provocou a extinção da Companhia Geral de Comércio do Brasil.

O ouro veio substituir, no final do século XVII, a produção açucareira da capitania. O porto do Rio de janeiro movimentava-se outra vez. Não parava de chegar multidões, tanto de escravos como de aventureiros que se dirigiam ao eldorado do planalto. A capital passara de Salvador para o Rio de Janeiro, porque assim seria mais fácil ao governo controlar a exploração das riquezas e o seu envio para a metrópole.

Em meados do século XVIII a febre do ouro já havia passado. As minas estavam esgotadas.

"Já em meados do século, as minas começaram a dar sinais de cansaço; a decadência franca é do terceiro quartel do século. Cessa então a corrente de povoamento para o interior; e até em muitos casos, ela se inverte. Renasce o litoral e a agricultura recupera a primazia." (Caio Prado Júnior — Formação do Brasil Contemporâneo — S. Paulo, 1965).

A grande lavoura que havia entrado em declínio no final do século anterior e que permanecera até então em estado de quase abandono, em detrimento das minas de ouro, começava a reanimar-se outra vez. Na segunda metade do século XVIII há uma reviravolta e o litoral torna a prevalecer sobre o planalto. A grande lavoura torna a desempenhar o papel principal na economia da colónia.

"O país acordara finalmente do seu longo sonho de metais e pedras preciosas." (Caio Prado Júnior).

O predomínio do litoral, no entanto, não será longo. "Até fins do século XVIII é ainda o litoral que prevalece

sobre o planalto interior mas no momento em que a agricultura paulista, acompanhando o movimento geral da colónia, toma verdadeiro impulso e pela primeira vez passa a representar alguma coisa no conjunto da economia do país, não é o litoral que escolhe: este ficará em segundo plano. É no planalto, como referi, que se localizará a principal produtora de açúcar com que São Paulo começa a sua restauração e progresso." (Caio Prado Júnior — ob. cit.).

A produção da capitania do Rio de Janeiro vai re-crudescer e o número de fábricas de açúcar e aguar-

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dente vão aumentar consideravelmente. Na baixada flu-minense estará localizada a maior parte da agroindús-tria da região.

Em São Paulo, a lavoura da gramínea irá extender-se na região centro-oeste e no litoral, em São Sebastião e Ubatuba.

Segundo Martius, no cômputo de 1808, para São Paulo, figuravam 458 engenhos e 601 "destilarias" de aguardente, "a maior parte no entanto insignificante e de importância apenas local". Saint-Hilaire, em 1809, assinala em Campinas cerca de 100 engenhos e engenhocas. A mesma quantidade dá para Itu.

No final do século XIX, Santos, já era exportador de açúcar, embora modesto, com 1.000 caixas anuais, enquanto que a Bahia exportava 20.000; Pernambuco, 14.000 e Rio de Janeiro, 9.000 (... Varnhagen, ob. cit).

No Rio de Janeiro, em 1799, de acordo com o Al-manaque de António Duarte Nunes, deste ano, havia 616 fábricas de açúcar e 253 de aguardente, distribuídas da seguinte maneira: 228 de açúcar e 85 de aguardente pelos contornos da Guanabara; 39 e 155 respectivamente, pelos contornos de Angra dos Reis; 25 e 9 localizados no setor sudeste (Cabo Frio); e 324 e 4, nos Campos de Goitacazes. (Caio Prado Júnior — História Económica do Brasil, S. Paulo, 1961)

CAPITANIAS DA COSTA LESTE

Ao norte da capitania do Rio de Janeiro, na costa leste da colónia, devido a uma série de fatores adversos, a colonização não se processou ou fez-se em passos muito lentos.

Em Paraíba do Sul, o donatário Pêro de Góis, partindo da capitania de São Vicente, tentou introduzir a gramínea, todavia, sem construir fábrica, no início. Foi ao reino, tentar conseguir ajuda para a tarefa, mas na sua ausência o administrador Jorge Martins e os colonos desertaram e as plantações foram destruídas.

Pero de Góis não desanimou e, segundo Varnhagen, construiu duas engenhocas e pretendia montar uma grande fábrica.

Escrevendo a seu sócio Martim Ferreira, "esperava dentro de um ano mandar-me duas mil arrobas de açúcar". Mas encarecia o envio imediato de trabalhadores e "sessenta escravos da Guiné".

Mas novamente a donatária foi invadida e tudo ar-razado pelos índios.

O mesmo aconteceu com o Espírito Santo, cujo donatário era Vasco Fernandes Coutinho, ficando sem colonização até o século XIX.

Aí foi introduzida a cultura da gramínea, entretanto a grande produção da donatária era de mantimentos.

"Introduziu-se a cultura da cana, e construiu-se um engenho; mas a maioria dos colonos lavraram suas terras para mantimentos." (Varnhagen).

Ambrósio de Meira, escrevendo ao rei de Portugal em carta datada do Espírito Santo, em 26 de setembro de 1545, publicada nos Anais da Biblioteca Nacional (LVII — 18:15), citada por Varnhagen na sua "História Geral do Brasil", fala da produção açucareira que existia na época na dita capitania:

"Escreve que como feitor, fez o arrendamento dízimo do açúcar à la mala, até janeiro de 1546, a 200 réis a arroba, no qual tempo, segundo mostravam os engenhos, haveria de dízimos até 300 arrobas. O açúcar não era de todo bom, porque os oficiais não conheciam os postos das terras e o tempero delas, e o que saía bom diziam que o era tanto como o da ilha da Madeira. Arrendou ainda os dízimos dos mantimentos, do São João de 1545 ao de 1546, por 43$500. Essa carta seguia em um navio da armação de Brás Teles, que era o primeiro que na capitania se carregara de açúcar".

Esse ensaio de colonização não foi adiante por vários fatores e a indústria que começava a desenvolver-se não foi avante.

Em Porto Seguro, donatária de Pero do Campo Tou-rinho, a cultura e o fabrico do açúcar começaram bem

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mais tarde e, sabe-se, que em 1550, a produção não era suficiente para abastecer um navio.

Os colonos cultivavam o necessário, sendo que a pesca da garoupa, abundante naquele litoral, que preparavam, exportando para outras capitanias e para o próprio reino, era a atividade mais desenvolvida.

Teve, no entanto, no século XVI, a mesma sorte das capitanias vizinhas.

Ilhéus foi administrada por Francisco Romero, pois seu donatário, Jorge Figueiredo, permaneceu em Portugal.

Segundo Gabriel Soares de Souza foi aí e não em São Vicente que se introduziu primeiro a Saccharum officinarum. Esse assunto entretanto já ocupou-nos um capítulo, no qual expressamos o nosso desejo de não precisar o local da primeira plantação, por falta de dados rigorosamente científicos daquela época.

Ilhéus chegou a ter engenhos e alguma produção de açúcar, mas não escapou de ser destruída pelos índios.

Todos os esforços heróicos desses colonos e donatários foram em vão em face à ferocidade e aos violentos ataques das tribos indígenas que habitavam a região. A pobreza dos meios de comunicação entre as várias capitanias e estas e Portugal, não foram suficientes para conter o gentio que atacava constantemente os núcleos europeus nesse primeiro século.

"A costa do Espírito Santo à Bahia foi praticamente abandonada, e até hoje mostra falhas largas em seu po-voamento, como resultado dos ataques levados a fundo pelas malocas irritadas até o desespero, especialmente pelas descidas dos aimorés. A reação dos descendentes de europeus iniciou-se em começo do século XIX, tão somente". (Pandiá Calógeras — Formação Histórica do Brasil — S. Paulo, 1966).

A mesma opinião tem o Visconde de Porto Seguro, que escreveu no século passado e atesta do abandono a que foi relegado aquelas terras.

BAHIA

A Bahia constituiu primitivamente a capitania de Francisco Pereira Coutinho, que depois de um naufrágio teve uma terrível morte, trucidado pelo gentio.

Por ocupar uma posição central no litoral brasileiro e por seu porto excelente, foi escolhida, por Portugal, para abrigar a sede do governo geral.

D. João adquiriu-a do herdeiro de Francisco Pereira Coutinho e em 1549 já se dava início aos principais prédios da primeira capital do Brasil — Salvador.

A Bahia, ou melhor, o recôncavo baiano, foi o principal centro produtor de açúcar do Brasil colonial. Embora a capitania de Pernambuco tivesse mais engenhos, a Bahia possuía as maiores fábricas da colónia e, durante muito tempo, sua produção foi superior à de Pernambuco.

Gabriel Soares de Souza, escrevendo no século XVI, entusiasma-se com a fertilidade do solo baiano:

"E comecemos nas canas-de-açúcar, cuja planta levaram à capitania de Ilhéus das ilhas da Madeira e de Cabo Verde, as quais recebeu esta terra de maneira em si, que as dá maiores e melhores que nas ilhas e partes donde vieram a ela, e que em nenhuma outra parte, que se saiba, se criam canas de açúcar, porque na ilha da Madeira, Cabo Verde, São Tomé, Trudente, Canárias, Valências e na índia não se dão as canas, se se não regam os canaviais, como as hortas, e se lhes não estercam as terras, e na Bahia plantam-se pelos altos e pelos baixos, sem se estercar a terra, nem se regar, e como as canas são de seis meses, logo acamam, e é forçoso cortá-las, para plantar em outra parte, porque se dão compridas como lanças; e na terra baixa não se faz açúcar da primeira novidade que preste para nada, porque acamam as canas e estão tão viçosas, que não coalha o sumo delas, se as não misturam com as canas velhas, e, como são de quinze meses, logo fiam novidade as canas de plantas; e as de soca, como são de ano, logo se cortam. Na ilha da Madeira e nas mais partes onde se faz açúcar, as canas de planta de dois

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anos por diante, e a soca de três anos, e ainda assim são canas mui curtas, onde a terra não dá mais de duas novidades. E na Bahia há muitos canaviais que há trinta anos que dão canas; e ordinariamente as terras baixas nunca cansam, e as altas dão quatro ou cinco novidades e mais". (Gabriel Soares de Souza — Tratado Descritivo do Brasil em 1957. Rio de Janeiro, 1851).

Gabriel Soares, que também era senhor de engenho na região, dá-nos uma lista de engenhos movidos à água e a bois, na qual podemos sentir a intensidade da condensação de fábricas e plantações no recôncavo baiano e às margens dos rios que para ali convergiam.

A maioria das fábricas de açúcar eram movidas à água pois aqueles de força animal eram mais dispendiosos.

Por volta de 1627, Frei Vicente do Salvador dava para a colónia um total de 226 ou 230 engenhos, dos quais 50 estavam localizados na Bahia.

Entretanto, já na época em que escreveu Luiz dos Santos Vilhena, o recôncavo baiano tinha suas terras esgotadas e a lenha indispensável às fábricas tinha de vir do interior, de lugares bem afastados. Os engenhos situados nas margens dos rios, mais retirados do litoral eram os mais valorizados, pela proximidade de matas.

"... há engenhos de borda d'água e engenhos de mato dentro: e estes são reputados hoje (século XIX) melhores em atenção à força e valentia de suas terras e lenhas em pouca distância, quando os de borda d'água, a maior parte deles a não tem já, pelo que as compram por bastante soma para cada uma das suas safras, e se algum as tem ainda, é já em distância tal que mais fácil é comprá-la do que matar bois e escravos nos cortes e carretos para o corpo do engenho.

"Ora, como estes são fundados há muitos anos em atenção à comodidade dos portos de mar, estão as suas terras muito mais cansadas do que aquelas do mar adentro: isto por incúria, desmazelo e negligência de seus donos que não sabem nem querem saber beneficia-

las .." (Luiz dos Santos Vilhena — Recopilação de Noticias Soteropolitanas Brasílicas contidas em XX cartas. Bahia, 1921).

Pela descrição de Vilhena podemos considerar a situação dos engenhos do recôncavo já no século XIX. Entretanto, já no século anterior aquelas terras eram ocupadas com plantações de tabaco, cuja exportação correspondia a segunda maior fonte da capitania, substituindo, aos poucos, os extremos canaviais que ali estavam desde os primórdios do século XVI.

OBS.: No final do século XVII, Antonil dá para a Bahia o número de 146 engenhos, com uma exportação de sobras, montante a 14.500 caixas de açúcar, pesando 35 arrobas cada uma. Pernambuco, na mesma época, com 246 engenhos, exportava 12.300 caixas e o Rio de Janeiro, com 136 engenhos, exportava 10.220 caixas. O total era de 37.020 caixas pesando 1.300.000 quilos e valendo naquela época 2.535.142$8 em moeda portuguesa.

PERNAMBUCO

Com a divisão do Brasil em vários lotes, por D. João III, coube a Duarte Coelho, a capitania de Pernambuco ou Nova Lusitânia.

Este transferiu-se para a sua donatária com a esposa, filhos e mais membros da família, entre os quais, o cunhado Jerónimo de Albuquerque.

O primeiro engenho ou fábrica de açúcar na região, para alguns autores, foi o levantado pelo próprio capitão, à margem do Beberibe, — o engenho Salvador. Mas para outros, foi aquele construído pelo cunhado de Duarte Coelho. Efetivamente, o primeiro engenho considerável na região foi o de Nossa Senhora da Ajuda, de propriedade de Jerónimo de Albuquerque, que ficava em terras perto da vila de Olinda.

Duarte Coelho, através de aliança que fez com Índios tabajaras, pôde levar avante o cultivo da Saccha-rum officinarum na sua capitania. Aliás o donatário preocupava-se muito com a instalação de engenhos. As-

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sim, depois de enviar a primeira remessa de açúcar para Portugal, foi à Corte, encarecer junto ao soberano a ne-cessidade da criação de novos centros produtores, apres-sando a industrialização da terra.

Pelas cartas que o donatário escrevia ao rei e a co-merciantes do reino, vê-se que sua intenção era sempre a mesma — o incremento da agroindústria açucareira.

Em 1549, chegou ao Brasil nosso primeiro governa-dor-geral, Tomé de Souza, que trazia em seu Regimento, entre outras instruções, a de procurar intensificar a produção do sal doce na colónia, tomando medidas práticas, para que não só homens de muito "cabedal" pudessem moer suas canas.

"Nessa época entrava em vigor o Regimento de 17 de dezembro de 1548, dado ao primeiro Governador-Geral do Brasil, D. Tomé de Souza, em o qual era ordenado que se dessem sesmaria as terras vizinhas das ribeiras às pessoas que tivessem posses para levantar engenhos de açúca r, ou outras coisas dentro de curto prazo etc. Impunha ainda, o mesmo Regimento, aos senhores de engenhos "a obrigação de moer as canas dos lavradores que os não tivessem, ao menos seis vezes no ano, recebendo por paga a porção de cana que o governador taxasse". (Flávio Guerra — Idos do Velho Açúcar. Recife, 1966).

Em 1550, Duarte Coelho, em carta ao rei, informa que havia em Pernambuco, cinco engenhos moendo e correntes.

Não sabemos precisamente os nomes daqueles en-genhos. Costa Porto, supõe que o primeiro fosse o pequeno engenho Salvador, pertencente ao capitão, nas várzeas do Beberibe, segundo Frei Vicente do Salvador; o segundo, seria o engenho de Nossa Senhora da Ajuda, de Jerónimo de Albuquerque; outros dois poderiam ser o de Igaraçu e Santiago, que foram destruídos, depois, por um levante indígena, conforme atesta Jerónimo de Albuquerque em carta de 1555. O primeiro pertencia a Afonso Gonçalves, administrador da vila de Igaraçu; do segundo, era proprietário, Diogo Fernandes e estava lo-

calizado em Camaragibe. O quinto engenho seria o de Vasco Fernandes de Lucena que recebera uma sesmaria do donatário, em 1542, às margens do Jaguaribe. (in Flávio Guerra, ob. cit.).

O sucesso de Pernambuco entusiasmou muitos colonos, que passaram a emigrar para o Brasil, intensivamente, depois de 1571. De outras capitanias, chegavam colonos para Nova Lusitânia, sobretudo àquelas que tinham sofrido ataques indígenas, como Ilhéus, Porto Seguro. Vários terrenos foram conquistados e desbravados para novas lavouras de cana.

Cristóvão Lins explorou a costa do cabo de Santo Agostinho até a foz do rio São Francisco, levantando no atual Estado de Alagoas as primeiras fábricas de açúcar daquele local. Em torno de sua morada cresceram os primeiros canaviais.

Na Paraíba, já existiam plantações de cana desde 1579, mas o primeiro engenho foi levantado, na capitania, em 1587.

Toda a produção do Nordeste era enviada ao porto de Recife, o núcleo mais importante da região do Brasil colonial dos dois primeiros séculos, e dali era remetida para a metrópole.

Varnhagen informa que, no Brasil, entre 1580 e 1590 havia 127 engenhos, distribuídos assim: 66 em Pernambuco (incluindo os de Alagoas) e os demais no resto da colónia.

Em 1583 a produção de Pernambuco foi de 200.000 arrobas de açúcar bom, sendo que os preços locais eram de 460 réis a arroba do açúcar branco e 320 réis a do mascavo.

Já no final do século XVI o Brasil passou a constituir a mais importante colónia agrícola de Portugal. Em 23 de dezembro de 1663 um alvará veio proibir que engenhos fossem arrematados por dívidas de seus donos. Os credores poderiam apenas se apossar dos rendimentos daqueles.

Entretanto antes deste, em 1559, a rainha de Portugal libertava os indígenas do trabalho servil, desferindo um golpe duro na produção açucareira. O Brasil não

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contava ainda com uma corrente migratória regular da costa da África. Proibindo a escravização do indígena, o governo cortava a mão-de-obra nos engenhos e fazendas. Essa medida provocou a assinatura de uma Carta-Régia, em 30 de março de 1559, dirigida ao governador da Ilha de São Tomé, determinando que cada senhor de engenho podia importar até 120 escravos do Congo, mediante pagamento de um terço dos direitos. (Maurício Goulart. Escravidão Africana no Brasil. São Paulo, 2? ed.).

Entre Pernambuco e Portugal existia uma ponte de navios que fazia o transporte do açúcar e pau-brasil, sis-tematicamente. A prosperidade da Nova Lusitânia não era igualada por nenhuma capitania, então.

Com a passagem de Portugal para as mãos dos Fe-lipes de Espanha, Felipe III, modificou a política de pro-teção e incentivo que estava desenvolvendo Portugal. Logo foi decretado o direito de isenção do imposto do dízimo ou ciza, a que estava sujeito todo açúcar remetido do Brasil para a metrópole, cobrando ainda uma sobre-taxa de 20% todo açúcar brasileiro que entrasse em Lisboa.

Por essa época, na capitania de Pernambuco, já se usava um novo tipo de moenda e de refinação muito mais barato e que aproveitava mais o caldo.

Baseando-se nisso o rei criou as taxas mencionadas. Mas não levou em consideração que além dessas despesas havia muitas outras nos engenhos, sobretudo a manutenção de uma mão-de-obra dispendiosa, importada da África, caríssima, e que os armazéns estavam atopetados de açúcar, devido à superprodução, esperando navios que os transportasse à Lisboa.

Todavia, a despeito de todos esses impecílios impostos por Felipe III, a produção de açúcar de Pernambuco aumentou de 1618 em relação à 1583, em 150%.

Em 1600 comentava-se na Europa que o Brasil possuía 120 engenhos exportando cerca de 60.000 caixas de açúcar. Efetivamente, a produção da Paraíba, Pernambuco, sobretudo, e Itamaracá, para a época alcan-

cava números altíssimos. Mas o consumo na Europa era cada vez mais intenso e o açúcar brasileiro sobrepujava todos os outros em qualidade e em refinação. Chegando ao porto de Lisboa, era enviado à praça de Antuérpia e, dali, seguia para os países do norte da Europa.

Além do imposto do dízimo e da sobre-taxa de 20%, Felipe II proibiu que navios holandeses fizessem o transporte dos produtos dos portos ibéricos até o Velho Mundo. Essa medida foi tomada por estar a Espanha em luta contra os Países Baixos. A Holanda vivia exclusivamente dos fretes marítimos. Tal ordem provocou um colapso na economia holandesa e como aqueles que não a acatassem, o monarca espanhol mandou aprisionar, em 1594, 50 barcos holandeses ancorados em vários portos ibéricos. Por outro lado, os holandeses eram excelentes clientes dos açúcares brasileiros. Em troca de fretes baratos distribuíam o produto pelo norte europeu, conquistando novos mercados para o Brasil.

Impossibilitado de comerciar com as colónias ibéricas, lançam-se eles ao comércio da índia e nas praias do Velho Mundo em busca do açúcar. Depois, decidiram atacar o centro abastecedor de sal doce do mundo da época — o Brasil.

Vários fatos iam aguçando a cobiça dos povos batavos. Falava-se na Europa, no fim do século XVI, que onze navios da Liga Hanseática chegaram a Hamburgo, voltando do Brasil. Até 1602 era provável que 190 navios alemães tivessem vindo ao Brasil.

Em 1599, Hartmann e Broer percorrem a costa brasileira, saqueando-a. Em 1604, no porto de Salvador, Paulo van Caarden, ataca o navio de Claesgroet, de Hamburgo, conseguindo um botim de 300 caixas de açúcar. Depois, em 1605, o holandês Achaen Block, perto do porto de Lisboa ataca o navio de Hans Mães, conseguindo saque no valor de 180 mil florins, aproximadamente.

Depois desses, partiram os holandeses, para ataque mais rendoso.

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Na Europa já se sabia a importância das matérias-primas.

"Wilern Usselinx, observador económico da época, em interessante relatório de 1608, alertara os holandeses que não devia ser o ouro, a prata e as riquezas que se deviam explorar, mas as matérias-primas e produtos agrícolas, principalmente o açúcar." (Flávio Guerra, ob cit.).

Em 1611 foi fundada na Holanda a Companhia das índias Ocidentais, por um grupo de judeus, onde o governo estava interessado. Foi criada nos mesmos moldes daquela de 1602, que operava nas índias. Governada pelo Conselho dos Dezenove, conseguiu conce-ções enormes do governo, gozando de regalias para as conquistas que fizesse em todas as terras ibéricas.

Foi responsável pelo ataque à Bahia, entre 1624 e 1627, onde conseguiram mais de 3.000 caixas de açúcar. Depois, por causa do pouco empenho que puseram na ocupação e por causa de conflitos entre os próprios batavos, não resistiram entregando o governo de Salvador nas mãos dos antigos ocupantes.

Entretanto, não parou aí os ataques holandeses. Continuaram. E, em 1627 Piet Heyn investe contra a Bahia duas vezes, sempre tendo em vista o saque aos armazéns de açúcar. No ano seguinte, em plena América Central, aprisiona ele uma esqueda de prata espanhola com riquezas que orçavam 15 milhões de florins. Foi esse saque, considerado o maior até aquela época, que possibilitou à Companhia das índias Ocidentais a organizar a grande esquadra para atacar o Recife, depositário de uma das maiores riquezas do mundo naquela época.

Em 1630, quando ocorre o ataque à Pernambuco, contava a região com 166 engenhos espalhados pelos atuais Estados de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e Itamaracá. Antes da invasão a produção era de um milhão de arrobas de açúcar de primeira, 300 mil arrobas de retame. O dízimo do açúcar de primeira valia por volta de 309.400 florins, enquanto que o retame estava isento de imposto. O transporte estava sendo feito por navios portugueses e de outras

nacionalidades, que traziam da Europa géneros e utensílios de primeira necessidade que eram trocados por açúcar.

Os primeiros anos da invasão, por causa das conquistas territoriais, foram de colapso quase total para a agroindústria açucareira. Os campos haviam sido arra-zados, os negros escravos fugiram com seus senhores para a Bahia ou aquilombavam-se pelas matas próximas. Os engenhos eram arrazados pelos saques, tanto dos batavos quanto pelas populações que fugiam, ou, ainda, pelos próprios senhores de engenho que preferiam ver suas propriedades destruídas do que nas mãos do invasor.

Segundo relatórios holandeses de 1637, os engenhos de Pernambuco que eram em número de 166, naquela data, passaram a ser só 106. Os restantes foram arrazados ou abandonados.

A produção açucareira durante o domínio holandês decaiu muito. Em 1637, o dízimo do açúcar de Pernambuco rendeu apenas 85.000 florins e o de Itamaracá, 3.000 florins.

Estes engenhos abandonados, os holandeses os re-construíram e venderam a judeus e burgueses da Holanda. Entre 1637 e 1638 a Companhia conseguiu uma renda de 2.007.027 florins.

No período de 1637 a 1645 verificou-se um movimento mais intenso no porto de Recife. O Alto Conselho de Recife enviou à Companhia das índias Ocidentais um total de 502.273 arrobas de açúcar branco, mascavo e de panela (retame). Para particulares seguiram _______ 1.557.862 arrobas, exportação num total de 2.060.135 arrobas.

Todavia o açúcar não estava rendendo à Companhia o lucro que esperavam. A empresa mostrava-se difícil e o interesse da Companhia, que dispensara soma elevada com a invasão e conquista, era lucros altos em pouco espaço de tempo.

Tentaram os batavos introduzir novos tipos de engenho e mudar o sistema de"tarefas" empregado pelos lusos-brasileiros.

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Pelos relatórios holandeses dirigidos à Amsterdam pode-se ver a situação de ruína e de colapso a que estava reduzida a lavoura canavieira em 1637. A substituição do Alto Conselho do Recife por um homem de forte tino administrativo e prático, foi uma tentativa de transformar o caos em que se encontrava o domínio holandês no Brasil.

Efetivamente o Conde Maurício de Nassau Siegen, fidalgo da Casa de Orange, conseguiu-o.

Depois de efetuar mudanças administrativas convidou os senhores de engenho fugidos à retornarem às suas propriedades, sob a proteção oficial contra saques dos escravos evadidos e patriotas recalcitrantes que não aceitavam a nova ordem. Perdoou as dívidas dos que estavam envolvidos em transações de compra, aboliu as taxas aduaneiras e reduziu os direitos de exportação. Os engenhos que continuavam abandonados foram encampados e vendidos a judeus holandeses em troca do pagamento em açúcar.

Entre 1640 e 1644 a exportação para a Holanda foi de 10.791 caixas com 218.067 arrobas branco; 3.182 caixas com 54.337 arrobas de açúcar mascavo; 726 caixas com 16.113 arrobas de retame.

Segundo J. de Laet a exportação entre 1637 a 1644 rendeu 28 milhões de florins, enquanto que entre 1633 e 1634 chegara somente a 1.700.000 florins.

Além disso, Nassau trouxe cientistas que vieram estudar a gramínea no solo brasileiro: os célebres Marc Grave, Piso e Barleos.

Entretanto, em pouco tempo todas essas regalias foram sendo abolidas pelos capitalistas holandeses, ávidos de grandes lucros. Tivesse o Conde de Nassau administrado sem a interferência do Conselho dos Deze-nove, e o impulso à indústria açucareira teria sido maior.

Há notícias de que "uma remessa de 532,5 arrobas de açúcar branco e mascavo, no valor declarado de 2.190 florins, ter pago somente de impostos, taxas e ca-patazias, um total de 696 florins, ou quase 32% do valor declarado, afora o frete marítimo. E não é só. Na pró-

pria sede do Governo, em Recife, de ordem da Fazenda de Amsterdam, os cobradores de impostos, os corretores e certos funcionários da aduana holandesa, abusavam, contra as ordens do sthaltterato, nas medidas de extorsão, dificultando o trabalho do Conde." (Flávio Guerra, ob. cit.).

Sérias divergências vão começar, entre Nassau e a Companhia das índias Ocidentais, em 1641, agravando-se tanto o fato que três anos mais tarde o Conde é obrigado a retirar-se para a Europa.

Com o retorno de Nassau para o Velho Mundo, um Alto Conselho, constituído por Hammel, van Bullestrate e Haarlen Boss, passa a governar o domínio holandês no Brasil.

Uma nova política será adotada, visando arrancar da colónia as maiores somas possíveis para a Companhia. O novo governo desencadeará uma reação violenta por parte dos luso-brasileiros, que asfixiados pelas novas imposições, expulsariam os invasores definitivamente.

A efémera paz que reinou no governo de Nassau foi substituída pela suspensão dos empréstimos, execução da cobrança das dívidas pelos credores holandeses, decretada pelo Alto Conselho.

Por outro lado a soldadesca batava, com os vencimentos atrasados saqueavam os engenhos, sem que as autoridades tomassem quaisquer providências.

A exportação do açúcar, no período de 1644 até 1651, caiu para 8.241 caixas, com 24.725 quintais métricos de açúcar branco e mascavo, sendo que 4.421 caixas foram exportadas para a Companhia das índias Ocidentais e o restante, ou seja, 3.820 caixas, para negociantes livres. De 1651 a 1654 nada se exportou por causa da guerra de expulsão dos holandeses. (Flávio Guerra, ob. cit.).

Em Pernambuco e capitanias vizinhas a luta era preparada. A situação se agravara por causa da retirada de Nassau e da restauração em Portugal.

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O novo monarca português, D. João IV, tratou de assinar um tratado de trégua com a Holanda, pelo período de dez anos. No entanto, o fato não impediu que o governador António Teles da Silva, secretamente, ajudasse o levante que se preparava. Em 1645 começa a guerra de expulsão que acaba com a capitulação do Alto Conselho de Recife, em 1654. Foi uma vitória dos pernambucanos, pois a Coroa muito pouco se envolveu no evento. Somente em 1661, um tratado de Paz é assinado entre os dois países, no qual a Holanda reconhecia os direitos lusos mediante pagamento de uma inde-nização de 4 milhões de cruzados ou cerca de 8 milhões de florins, em 16 anos. O pagamento deveria ser feito em açúcar, fumo, sal e dinheiro. Este foi quase todo pago pelos próprios brasileiros. Devolveram-se os canhões holandeses e deu-se-lhes a liberdade de comércio e privilégios. Portugal cedeu-lhes, ainda o Ceilão, Malaca, as ilhas Molucas e outras possessões em troca de abandonarem definitivamente o Brasil.

Depois da guerra a situação a que estava reduzida a florescente agroindústria açucareira da região era de penúria. Os campos estavam arrazados; escravos, evadidos e aquilombados, engenhos destruídos; gados dispersos; senhores de engenho arruinados.

O governo tomou providências para que a produção do açúcar voltasse ao que havia sido antes da invasão. Uma carta Régia, em 1655, foi assinada concedendo privilégios por dez anos, a quem levantasse ou reconstruísse engenhos. Em 1683, outra ordem proibia aos credores arrematar engenhos, concedendo-lhes apenas direito de cobrança sobre as safras. Em 1677, o açúcar ficou isento de certas taxas e o preço a cargo dos interessados.

Já em 1660 a produção açucareira chegara de 120 a 150 milhões de libras. A despeito da concorrência das Antilhas, a libra do açúcar alcançou entre 960 réis e 1$200, com o ouro a 1$200 a oitava.

Como a concorrência de outras partes já começasse a ameaçar a supremacia do produto brasileiro nas praças

europeias, o Governo tomou medidas severas a fim de punir todo aquele que falsificasse as diversas qualidades de açúcar, misturando-as com aquelas interiores. As caixas deveriam ser marcadas nos engenhos, a fogo, indicando a qualidade do produto. Aquele que infringisse essa ordem estava sujeito à pena de degredo.

Em 1688, o preço do açúcar fino da Paraíba e Per-nambuco foi fixado em 900 réis a arroba.

Por volta de 1707 havia 246 engenhos "moentes e correntes" em Pernambuco, 146 na Bahia e 136 no Rio de Janeiro. Segundo Antonil a produção média de Pernambuco era de doze mil e trezentas caixas. O preço do quilo do açúcar branco estava fixado em 132 réis; o branco macho em 161 réis e o mascavo em 115 réis.

No século XVIII o preço do produto vai cair muito por causa da concorrência. Os senhores de engenho, cheios de dívidas, ficam à mercê dos agiotas de Recife, protegidos pelo Reino. Dos 276 engenhos, somente restavam, em 1749, 230 "moentes e correntes".

A situação torna-se tensa e chega a haver um levante sério da aristocracia rural contra a burguesia da cidade de Recife.

No século XVIII inicia-se uma nova etapa nos engenhos, com o aproveitamento do remei para o fabrico do aguardente.

O açúcar de Pernambuco era consumido na própria colónia e exportado. Uma lei em 27 de julho de 1751 tabelou a arroba do açúcar branco do Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia em 1$400 no máximo; 1$200, o mascavo redondo e em 600 réis o mascavo macho. Entretanto, o Rio de Janeiro e Pernambuco teriam abatimento de cem réis em todas as despesas. Em 1778, em três meses, apenas, foram exportados de Recife para Portugal, 5.000 caixas de açúcar, sendo que 4.118 eram de Pernambuco e as restantes da Paraíba.

Pernambuco tornava a dar lucros a Portugal, com o imposto cobrado ao açúcar. Em três meses de 1744, o imposto do dízimo rendeu, naquela capitania, .................... 43:260$000.

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Como medida de proteção à produção de Pernambuco e para evitar a superprodução, quando a capitania do Grão-Pará, em 1759, enviou ao reino 11.289 caixas de açúcar, o Governo proibiu a exportação daquela área, dando licença para que o consumo fosse apenas interno.

O nordeste brasileiro sofreu depressões no início do século XVIII, como as demais áreas de grande lavoura da colónia. Mas a lavoura da Saccharum officinarum teve, na segunda metade daquele século, um novo impulso, que correspondia àqueles das demais áreas do Brasil.

Entretanto, a todos os fatores contrários resistiram os senhores de engenho. A agroindústria da cana-de-açúcar sempre desempenhou o papel primordial na economia do Brasil colónia, especialmente no nordeste, situação que se mantém ainda hoje, chegando a constituir uma tradição naquela área.

A

FASE

CONTEMPORÂNEA -

NASCE O I.AA

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Dados os mais diversos permitem avaliar o significado do açúcar para a economia do Brasil Colónia. De 1500 a 1822, afirma Luís Amaral, vale dizer da descoberta à independência, o Brasil exportou mercadorias no valor total de 536 milhões de libras esterlinas, das quais 300 milhões, ou seja, mais da metade, correspondem ao açúcar, enquanto o ouro rendia apenas 170 milhões. Na sua fundamentada História Económica do Brasil, Simonsen procede a cuidadoso levantamento das quantidades e valores do açúcar exportado pelo Brasil, entre 1535 e 1822. Para os três séculos de domínio português chega ele a um total superior a 300 milhões de libras, sendo que só no século XVII o produto rendeu cerca de 200 milhões de libras, sem contar o açúcar fabricado para o consumo local. O produto brasileiro dominou o comércio mundial do produto no século XVII, de ponta a ponta, numa época em que o açúcar figurava como o mais importante artigo das trocas marítimas internacionais. Verifica-se, pois, como destaca Simonsen, que o ciclo do açúcar produziu em valores, para o Brasil, mais do que o da mineração, avaliado em menos de 200 milhões de libras.

Portugal foi o principal beneficiário dessa riqueza. Através dela não só ocupou efetivamente a terra brasileira, como passou a explorá-la, com rendimentos altamente proveitosos. A Coroa portuguesa recebeu cerca de 25% do valor de exportação do açúcar brasileiro, entre rendas diretas e indiretas. Foi no açúcar que Portugal se apoiou no século XVII e no ouro e também no açúcar que foi buscar, no século XVIII, seus principais proventos. Com o açúcar terminara o período deficitário da Terra de Santa Cruz, que, a partir de então e por mais de 200 anos, iria proporcionar fortes saldos à metrópole portuguesa.

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Os ganhos do açúcar deram origem, especialmente no Norte e a partir do século XVI, a fortunas rápidas. O número reduzido de senhores de engenho e os grandes lucros auferidos explicam o luxo, a ostentação dos fabricantes de açúcar. Em termos económicos, o país nunca teve uma produção e exportação per capita, lembra Simonsen, tão elevada. O açúcar foi, na realidade, o fulcro do desenvolvimento de uma vasta área brasileira, atribuindo características próprias ao processo econômi-co-social ali desenvolvido. Falou-se, inclusive, com evidente exagero, numa "civilização do açúcar" no Nordeste, para caracterizar melhor esse período de singular relevo na evolução da sociedade brasileira. Mas não é preciso aceitar a tese da civilização açucareira para reconhecer a influência do açúcar no processo de formação da sociedade brasileira, com aspectos peculiares que ainda hoje resistem à erosão do tempo.

Todos os autores da época referem-se ao luxo dos senhores de engenho, seus gastos desmedidos, seu padrão de vida ostensivo. Gilberto Freyre afirma que o "aristocrata brasileiro do litoral de Pernambuco e do Recôncavo entrou imediatamente no gozo das vantagens que na Europa só as cortes requintadas conheceram no século XVI". Num estudo de singular mérito dedicado à história de um engenho do Recôncavo, Wander-ley Pinho relaciona depoimentos sobre o "luxo dissipador" dos senhores de engenho baianos. O ideal aristocrático do senhor de engenho, diz Wanderley Pinho, era mandar, estender domínios, exibir poder e grandeza, mostrar desprezo por dinheiro e apego aos bons cavalos, às casas amplas e enfeitadas, às festas custosas. E descurava do futuro que, em regra, trazia empobrecimento". O quadro não era exclusivo dos senhores de engenho do Recôncavo. Nele se ajustavam igualmente os das demais regiões canavieiras, onde o açúcar se impunha como a riqueza predominante. A todos, pois, se poderia aplicar o conceito de Wanderley Pinho. "O senhor de engenho, salvo os casos de comerciante adquirir terra e fabricar açúcar, era um continuador de tradições, muito enfurnado de orgulhos e muito viciado de gastos".

O COMEÇO DA QUEDA

O desenvolvimento da produção açucareira nas Antilhas, que se seguiu à expulsão dos holandeses do Brasil e as restrições daí decorrentes à entrada do açúcar brasileiro nas metrópoles inglesas, francesas e holandesas das colónias antilhanas produtoras de açúcar, determinaram, na passagem do século XVII para o século XVIII, dificuldades à colocação da produção brasileira. Houve, posteriormente, melhoras originadas na maior procura do açúcar, com elevação, inclusive, dos preços. Mas o Brasil perdera a sua posição hegemónica e iniciava uma fase de dificuldades, que a rápida generalização dos progressos técnicos nos métodos de fabricação haveria de agravar sensivelmente.

A reação do Brasil neste particular foi tardia e deficiente. O economista Omer MonfAlegre, num estudo comparativo das indústrias açucareiras de Cuba e do Brasil, no período 1780—1880, reúne elementos de informação muito ilustrativos. As primeiras máquinas a vapor trazidas para a indústria açucareira no Brasil foram instaladas em Pernambuco, em 1815. A substituição da lenha pelo bagaço como combustível foi efetivada, pela primeira vez, no Engenho São Carlos, na Bahia. A providência se reveste de significação, pois não só permite voltem a funcionar diversos engenhos, paralisados devido à falta do combustível tradicional, como favorece a utilização para o plantio da cana de áreas antes destinadas às matas produtoras de lenha. A utilização do bagaço como combustível chega, posteriormente, a Pernambuco, onde, em 1857, a lenha começa a perder a vez como o combustível açucareiro por excelência. Tais esforços de modernização mal logravam enfrentar os sérios problemas que o açúcar brasileiro enfrentava na Europa com a concorrência do antilhano, considerado de melhor qualidade.

Preocupado com os problemas açucareiros, cuidou o Governo Imperial de estimular a modernização da economia canavieira, ajustando-a às tendências dominantes nos países então vanguardeiros nesse tipo de produção.

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Surgiram, assim, na segunda metade do século XIX, pre-cisamente 1875, as medidas de amparo aos chamados engenhos centrais, especializados na fabricação de açúcar e capazes de moer as canas de lavradores associados e outros localizados nos arredores. O esforço de concentração industrial levou ao funcionamento do primeiros deles, o Engenho Central Quissamã, na Província do Rio de Janeiro, em setembro de 1877, seguido do Engenho Central Barcelos, em 1878, na mesma região. Pernambuco ingressa na fase dos engenhos centrais em 1884, com a inauguração de quatro deles: Santo Inácio, Firmeza, Cuiambuca e Bom Gosto.

Surge, no entanto, um desequilíbrio entre o rápido aperfeiçoamento dos processos de fabricação e a estagnação dos métodos de cultura da cana. Para atender às suas necessidades de matéria-prima, os engenhos centrais são obrigados a cuidarem, também, da lavoura. É o surgimento da usina que alia a parte industrial à parte agrícola. Através da melhoria da matéria-prima pro-cura-se obter a melhoria do produto fabricado. Sele-ção e sementes, irrigação, processos racionais de cultura da terra resultam da iniciativa da usina, ou melhor, dos recursos que só a usina poderia mobilizar. "A usina iniciou um novo ciclo económico", destaca Gileno de Carli, "facultando uma acentuada melhoria nos tipos, bem como um maior rendimento industrial decorrente da eficiência na extração do açúcar".

Sob a pressão de fatores adversos, o açúcar brasileiro vai cedendo posições no mercado mundial aos artigos concorrentes, não só de cana mas também de beterraba, cuja fabricação se desenvolve de forma marcante ao longo do século XIX. Na obra antes citada, Dé Carli mostra como o açúcar cai do primeiro lugar na pauta das exportações brasileiras, 48,4% do valor total, em 1827, à frente do café, com apenas 27,4%, para o terceiro lugar, à época da proclamação da República, com um modesto 6,1% do total do valor das vendas nos mercados externos, contra 73,9% do café e 10,9% da borracha. Esse distanciamento haveria de prosseguir em pleno século XX, pois em 1910 o café, com 44,9% do

valor das exportações, rivaliza com a borracha, que soma 43,8% desse valor, enquanto o açúcar aparece em último, com apenas 1,3%.

Confinada ao mercado interno de consumo, a economia açucareira foi, apesar de tudo, e ainda que de forma irregular, ampliando a produção. A maior procura do produto decorria não apenas do aumento da população, mas também da elevação do poder aquisitivo de faixas determinadas dessa mesma população, especialmente na área urbana. Problemas surgiam e desapareciam entre industriais e agricultores. O processo de comercialização das safras gerava dificuldades para os produtores. E ocasionais excessos de oferta, originados em uma safra particularmente feliz, tendiam a aviltar os preços finais do açúcar, com efeitos diretos na economia de usineiros e produtores de cana. Isso explica a preocupação evidenciada em reuniões açucareiras, da qual dá conta trabalho a elas dedicado.

Desses encontros talvez o mais expressivo tenha sido a Reunião Açucareira do Recife, convocada pelo Governo do Estado, em 1928. Dos debates dessa reunião surge o "Plano Geral de Defesa do Açúcar, Aguardente e Álcool", destinado a disciplinar a economia canavieira em bases cooperativistas, com o objetivo de enfrentar os desajustamentos existentes e que vinham se fazendo sentir como fatores de descontrole do mercado. O livro Congressos Açucaremos d,o Brasil é ilustrativo a respeito, ao mostrar que, em lugar de ajudar a corrigir os males anotados, a reunião do Recife veio apenas torná-los mais agudos. A melhoria das usinas, a ampliação das lavouras e a elevação do rendimento, resultante das providências ado-tadas, provocaram o excesso de produção. "As cooperativas dos Estados, em pleno funcionamento, estavam com sua ação anulada, em face do enorme crescimento da produção açucareira. A queda de preços se verificou forte e vertiginosa. E os maus dias cada vez se aproximavam mais da economia do açúcar, sem que fosse possível adiar a sua chegada. A grave crise de 1929—30 veio mostrar a necessidade de disciplinar a produção e equilibrá-la em relação ao consumo".

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Ao iniciar-se a segunda década do século XX agra-vam-se as dificuldades para a comercialização do açúcar brasileiro, cuja produção se ampliara bastante. Na IV Conferência Açucareira Nacional, em 1911, como mostra Luís Amaral, o problema da comercialização foi abordado em profundidade. Duas ideias surgiram como capazes de encaminhar a solução procurada. Uma, a de reduzir a produção, de modo a ajustá-la ao consumo existente. Outra, a de favorecer a exportação dos excedentes açucareiros. Ambas, no entanto, foram afastadas. A redução da produção foi considerada impraticável e prejudicial aos produtores e a exportação inviável, no momento, já que os preços externos eram inferiores aos vigentes no mercado interno e insuficientes para cobrir o custo de produção do açúcar a exportar.

Mas os debates então travados acabaram conduzindo à tese da intervenção oficial no mercado açucareiro. Exemplos nesse sentido foram citados em vários países, com o Governo comprando o excesso da produção para exportá-la por conta própria e estabelecendo uma taxa de defesa a ser paga pelos produtores, a fim de reunir os fundos indispensáveis à cobertura dos prejuízos advindos da exportação. A tese não vingou na reunião de 1911, o que não impediu que, em reuniões posteriores, alguns produtores a ela voltassem, como forma de enfrentar as dificuldades da economia açucareira, que, no período subsequente à primeira guerra mundial, tinham-se avolumado.

É, pois, sob o signo de uma crise que tende a se generalizar, que a economia da cana-de-açúcar inicia a década de 30. No livro A Defesa da Produção de Açúcar, por ele definida como um "ensaio de organização da economia brasileira", o Sr. Leonardo Truda, a quem o Governo atribuíra a missão de dirigir a ação estatal no setor canavieiro, referindo-se aos dias que precederam às medidas oficiais, lembra que a indústria açucareira havia chegado a tal extremo que os produtores indagavam se não lhes conviria mais deixar de produzir a ter de produzir para vender com segura perda. Mostra Leonardo Truda que o açúcar sempre valia menos nas

mãos dos produtores, para subir tão pronto passava às mãos dos intermediários. O recurso à exportação inexistia, pois a venda do produto brasileiro no mercado externo deixara de ser negócio remunerador, capaz de ajudar a enfrentar o aviltamento deliberado dos preços no mercado interno. "Usineiros havia, a esse tempo", lembra Truda, "que se dispunham a paralisar suas fabricas, porque lhes restava menos ruinoso deixar de produzir do que continuar a fazê-lo nas condições em que o vinham fazendo: chegara-se a esse ponto de tanto mais perder o produtor, quanto mais produzia". Natural, portanto, voltasse ao debate o apelo à ação oficial, agora com tanto maior empenho quanto fora dela não se vislumbrava salvação à vista.

INTERVENCIONISMO ESTATAL

É oportuno assinalar que a intervenção do Estado na economia açucareira, com o propósito de ajudá-la a resolver os problemas que a afligem, não era fenómeno brasileiro ou de âmbito limitado. Em difundido livro dedicado ao estudo da matéria, o economista norte-americano O. W. Wilcox mostra que, à época, 1936, nada menos de 16 países, entre eles os Estados Unidos, "que encerram cerca de um quarto da população total do globo e anualmente produzem e consomem ou exportam cerca da metade do açúcar do mundo" aplicam planos de limitar a produção açucareira e distribuí-la, através de quotas, aos representantes qualificados da respectiva indústria. Em sua maioria as intervenções oficiais ocorrem logo após a crise de 1929, como decorrência do Plano Chadbourne, surgido para disciplinar a oferta de açúcar no mercado mundial e, dessa forma, sustar o excesso da oferta que vinha aviltando os preços.

Ao examinar o processo económico que leva, no quadro da economia canavieira, à necessidade inarre-dável da intervenção estatal, Willcox mostra que os simples acordos entre os produtores fracassam se uma minoria se recusa a aceitá-los". Então a maioria dos produtores, vendo-se desamparada ante o dano que mesmo

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uma minoria tão pequena pode causar, apela para o Governo; este, democrático ou autocrático, raramente deixa de examinar a situação e de aplicar-lhe o remédio adequado. O Governo e os produtores acordam sobre o preço que os consumidores serão convidados a pagar e sobre de que porção se deve dispor do excesso acumulado ou a acumular. E o público aprova: jamais o povo, nos países mais democráticos, chamou os seus legisladores a contas pela ratificação de tais acordos, mesmo quando dispõe sobre preços fixos e sobre o fechamento da indústria aos recém-chegados".

O economista norte-americano não esconde a convicção da validade desse tipo de intervenção do Estado no setor económico. Segundo ele, em sua fase plenamente desenvolvida, o intervencionismo, que se traduz, na prática, por um equilíbrio entre a produção e o consumo, é essencialmente um pacto entre o Governo e uma indústria autónoma, verticalmente integrada". Trata-se, no entanto, de um entendimento no interesse público, representado pelos consumidores, já que assegura o fornecimento contínuo e adequado a preços que o público achará toleráveis e justos. Por preço justo deve-se entender o que, no mínimo, evita a dissipação do capital produtivo e permite salários confortáveis aos trabalhadores. Conclui Willcox: "Não é o menor dos benefícios trazidos ao público o de, pela integração, poderem os recursos da indústria, como um todo, coadjuvar problemas colaterais de oferta e distribuição por meios impossíveis sob um regime de individualismo".

É preciso não perder de vista, como bem destaca Wilcox, que nenhum dos princípios de economia social construtiva, encontráveis nas diversas experiências de disciplinamento da economia açucareira, está em contradição, mas, antes, em íntima dependência, com a instituição da propriedade da terra e do equipamento necessário à respectiva exploração. Em outras palavras: tais princípios não se opõem ao capitalismo, compreendido como o sistema onde toda riqueza tem direito a uma renda razoável".

SOLUÇÃO BRASILEIRA

Já em 1931 tornara-se evidente que a economia cana-vieira somente superaria as dificuldades enfrentadas, na base de um programa que cuidasse, sem demora, de sanear o mercado, perturbado pelo excesso de oferta. Em outras palavras, a exemplo do que começavam a fazer numerosos países, o Brasil tinha de caminhar rumo à limitação da produção. Mas a posição brasileira, como lembrava Leonardo Truda, anos mais tarde, era, por assim dizer, privilegiada. Ao contrário da maior parte dos grandes produtores de açúcar, o Brasil tinha no seu mercado interno garantia de colocação de, pelo menos, nove décimos do açúcar produzido. Em anos normais, o excedente destinado à exportação era da ordem de um décimo do total fabricado. Por outro lado, no caso do Brasil, havia a possibilidade de se poder aproveitar os excedentes da matéria-prima na fabricação do álcool, para ser utilizado como carburante. Este encaminhamento para a fabricação de álcool combustível não constituía, desde logo, uma descoberta brasileira. Pelo contrário, existia, à época, uma vasta literatura a respeito e eram frequentes, no exterior, as experiências visando a esse obje-tivo. Mas, como lembrava Truda, "razões de ordem económica ou impedimentos de ordem política tornam menos aconselhável, alhures, a solução que, para o nosso caso, se apresenta não só francamente exequível como assegu-radora de vantagens apreciáveis, não apenas aos produtores mas à economia internacional".

Daí a convicção de que a limitação, tal como se pretendia praticá-la no Brasil, não chegaria a constituir um sacrifício para a produtor, mas, ao contrário, medida inteligente de previsão e de defesa. Leonardo Truda tinha a visão segura do problema, ao encarar a limitação como medida de equilíbrio entre as possibilidades de consumo e capacidade de produção. Neste caso, afirmava, não se pode considerá-la como um dano para o produtor, mas, antes, como é, para este, uma garantia de estabilidade e uma segurança de justa remuneração de sua atividade.

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Tanto mais, acrescentava, que no caso brasileiro a crise do açúcar devia ser considerada talvez mais como resultante de subconsumo que de superprodução. Os dados alinhados por Truda deixam claro o reduzido consumo per capita do brasileiro à época. Bastaria um aumento para 30 quilos anuais para que o País tivesse de elevar de 30% a sua produção, para atender às necessidades da procura interna. Havia, portanto, um mercado potencial a explorar, cujo crescimento, em função do aumento da população e, também, em decorrência da melhoria dos níveis de vida dos brasileiros, acabaria por exigir uma produção cada ano maior de açúcar a reclamar — como de fato veio a ocorrer — a multiplicação das fábricas e das lavouras nas diversas regiões cana-vieiras.

A defesa da economia açucareira, baseada na limitação da produção, tinha de considerar igualmente o aspecto nacional do problema. Efetivamente, a existência no País de diversas regiões canavieiras podia levar ao surgimento de divergências e mesmo de choques económicos inter-regionais, com a possibilidade de sérios revezes para as menos preparadas para a concorrência. Daí o imperativo de ser traçada uma política económica no setor canavieiro, do ponto-de-vista nacional, sob o aspecto amplo dos supremos interesses do País. O Brasil tinha de ser considerado como um todo, um continente, e não como um amontoado de partes distintas, um arquipélago de ilhas económicas, a retardar, senão mesmo a comprometer, a criação de um grande mercado consumidor interno.

PRIMEIRAS MEDIDAS

O Governo iniciou a sua intervenção na economia açucareira em fevereiro de 1931, através do Decreto n? 19 717, tornando obrigatória a aquisição, pelos importadores de gasolina, de álcool, na proporção de 5%. A medida, que passou a vigorar a partir do dia 1? de julho de 1931, tinha por objetivo assegurar colocação para o

álcool fabricado no País e, assim, abrir um mercado seguro, em condições de absorver a produção alcooleira, cujo crescimento se procurava estimular. Uma série de outras medidas oficiais, incluindo novos decretos, visando a tornar mais preciso o objetivo da política recém-ini-ciada, foram baixados, ainda em 1931, numa demonstração do constante interesse oficial pela economia da cana-de-açúcar.

Em setembro de 1931 o Governo baixa outro decreto, adotando, então, medidas para a "defesa da indústria e do comércio do açúcar". A ação oficial, de maior envergadura que as antes adotadas em relação ao álcool, decorreria da necessidade de conciliar do melhor modo possível os vários interesses dos produtores de açúcar, dos plantadores de cana, dos comerciantes desses géneros e dos seus consumidores. Mas, considerando a impossibilidade de satisfazer pronta e completamente todos os desejos e solicitações recebidos, o Governo se inclinava por uma solução intermediária, que criasse "obrigações não só em relação aos preços, mas também alcance outros objetivos". A solução consistiu, fundamentalmente, na obrigação imposta aos produtores de açúcar de depositar em armazéns previamente indicados 10% da quantidade de açúcar saída das usinas para o mercado consumidor. Servirão tais açúcares para regularizar os preços de venda do produto, de modo a garantir razoável remu-neração do produtor, evitando, ao mesmo tempo, altas excessivas, prejudiciais aos consumidores.

As providências isoladas se revelavam, no entanto, inadequadas para enfrentar a crise da economia açucareira. A constatação levou o Governo, em dezembro de 1931, a criar a Comissão de Defesa da Produção do Açúcar, integrada por representantes do Governo Federal e dos Estados produtores. A Comissão tinha como finalidade acompanhar a evolução da economia açucareira, preservar o equilíbrio interno entre produção e consumo, através da exportação, e sugerir ao Governo medidas necessárias ao seu eficiente funcionamento. Todo o açúcar produzido peias usinas do País passou a ficar sujeito ao pagamento de uma taxa de três mil réis por

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saca de sessenta quilos, cujo produto se destinou à execução de medidas de financiamento, para amparo e defesa da produção açucareira.

Quase um ano transcorrido, em novembro de 1932, o Governo baixa um novo decreto fundamental, limitando a produção açucareira e incrementando o fabrico do álcool motor. Como princípio, a limitação já fora estabelecida pelo decreto de criação da Comissão de Defesa da Produção do Açúcar, mas o novo decreto regulava a sua efetivação. A limitação teria por base a produção do último quinquénio, cabendo a cada fábrica uma quota-limite correspondente à média de produção obtida nas cinco safras do quinquénio. Ao mesmo tempo, o decreto determinava a aplicação da importância de 2.400 contos de réis, tirados do fundo de defesa da produção, no incremento da produção de álcool. A preservação do equilíbrio entre a produção e o consumo, fundamento da política canavieira oficial, se tornava mais efetiva nas medidas de novembro de 1932. De um lado, se procurava reduzir a oferta de açúcar e, do outro, se favorecia o aproveitamento da matéria-prima disponível no setor para a fabricação de álcool.

NASCE O I.A.A.

A defesa da produção açucareira já mostrara do que era capaz. As hostilidades iniciais de alguns produtores iam sendo vencidas, à medida que se faziam sentir os benefícios da nova política canavieira. Em 1932, não obstante os preços estabilizados refletissem a eficiência da atuação da Comissão de Defesa da Produção do Açúcar, ainda se faziam sentir hesitações e incertezas. A partir de maio de 1933, porém, tendo a Comissão reprimido uma alta artificial, que só aos especuladores beneficiaria, a situação se foi modificando num sentido favorável ao intervencionismo estatal em execução.

A prática, no entanto, mostrara que as medidas até então aplicadas, tendo produzido os efeitos previstos, deviam ser, além de mantidas, completadas, já que constituíam solução de emergência e preparatória. A produção de açúcar no País excedia às necessidades do consumo

interno, e fenómeno semelhante se observava em numerosos países acarretando uma superprodução mundial, a reclamar, através de acordos internacionais, limitação da produção. Além disso, o desvio para o fabrico de álcool industrial de parte da matéria-prima destinada à produção de açúcar se revelara providência acertada. Em tais condições, entendeu o Governo acertado não só consolidar as normas relativas à defesa da produção do açúcar e do álcool, mediante a fusão em um só órgão da Comissão de Defesa da Produção do Açúcar e da Comissão de Estudos sobre o Álcool-Motor, como aperfeiçoar a intervenção estatal na economia canavieira.

Nasceu, assim, a 19 de junho de 1933, o Instituto do Açúcar e do Álcool, com a finalidade expressa de assegurar o equilíbrio interno entre as safras anuais de cana e o consumo de açúcar, mediante aplicação obrigatória de uma quantidade de matéria-prima ao fabrico de álcool. Esse fabrico seria fomentado mediante a instalação de destilarias centrais de álcool anidro ou o auxílio aos produtores particulares que desejassem, eles próprios, dedicar-se à produção de álcool-anidro. Os princípios fundamentais da defesa da produção açucareira, tal como vinham sendo aplicados no Brasil, foram preservados e fortalecidos pela criação da nova autarquia. Exemplo disso foi a limitação da produção, antes fixada na base do último quinquénio que precedera à criação da Comis-são de Defesa da Produção de Açúcar, e, agora, tornada mais rígida. De fato, o I.A.A. recebeu poderes para reduzir, ainda mais, a produção, caso o limite referido não correspondesse às exigências da defesa.

Em sua História Geral da Agricultura Brasileira, Luís Amaral observa, com muita propriedade, que o problema canavieiro foi enfrentado, em 1933, nos mesmos termos em que o haviam entendido os produtores reunidos na IV Conferência Açucareira Nacional. Lembra, ainda, Amaral que a solução dada aos problemas canavieiros se ajustava às recomendações de Pandiá Calógeras no livro Problemas de Governo. Nesse trabalho o eminente estadista brasileiro defendia a tese da eliminação dos banguês em proveito das usinas, capazes de melhor aproveita-

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mento da cana-de-açúcar. Quem diz progresso, lembrava Calógeras, diz eliminação do instituto, aparelho ou organismo antiquado, obsoleto e desperdiçador. Preconizava, igualmente, Calógeras a solução do álcool-motor, capaz de libertar parcialmente a economia brasileira da dependência em que se encontrava da importação dos combustíveis estrangeiros e apta, também, a fortalecer a segurança do País, mediante a produção dentro de suas fronteiras, de combustíveis recebidos por inteiro do exterior.

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A criação do Instituto do Açúcar e do Álcool, a 1 de junho de 1933, assinalava, como tivemos a oportunidade de destacar, uma etapa histórica, no desdobramento da política canavieira implantada pelo Governo da República, a partir de 1931. A nova autarquia veio não apenas consolidar as normas de defesa do açúcar e do álcool até então adotadas, mas, sobretudo, dotar o sistema de intervenção estatal de elementos mais seguros para alcançar os seus objetivos. O I.A.A. nascia, dessa forma, como a resultante de uma experiência intervencionista que se procurava aperfeiçoar sempre, para que pudesse fazer frente às situações novas que fossem surgindo no processo de crescimento da produção açucareira no País.

Esse sentido de ajustamento à realidade, com a preocupação permanente de preservar os princípios fun-damentais da política canavieira definida logo após 1930, explica o rico cabedal de normas baixadas a partir de então, tanto na área legislativa propriamente dita, quanto na área administrativa da autarquia. Sem desfigurar o que havia de fundamental no esquema de intervenção do Estado no setor canavieiro, tais normas, ao longo de 39 anos de aplicação, garantiram a sua correta e proveitosa aplicação.

Aos que se dispõem a estudar em profundidade a experiência brasileira, no campo da produção e industria-lização da cana-de-açúcar, a leitura atenta desse material encerra ensinamentos de inegável utilidade. Se tomarmos como pontos de referência, no tempo, o decreto que criou o I.A.A., em 1933, e o que, por último, reformulou a legislação da autarquia, em 1971/72, veremos a constante preocupação do legislador de preservar o que há de fundamental na política canavieira oficial e de dar ao órgão responsável pela sua execução os meios de ação e de comando indispensáveis a uma sucedida preservação.

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Ê possível que nem tudo tenha ocorrido, como imaginara o legislador, no desdobramento do processo de intervenção estatal no setor canavieiro. Mas os erros porventura cometidos e os revezes acaso experimentados pela intervenção, não chegaram a ser, em momento algum, de vulto capaz de comprometer as estruturas fundamentais da política traçada. O saldo final, quase 40 anos tanscorridos, é inegavelmente positivo e o setor canavieiro apresenta uma das mais ricas experiências intervencionistas, cujos ensinamentos podem e devem ser utilizados pelo Estado, sempre que a sua ação venha a ser solicitada, para a recuperação e o desenvolvimento ordenado de outros setores da economia brasileira.

O QUE É O I.A.A.

O I.A.A. nasceu com a finalidade de assegurar o equilíbrio do mercado açucareiro, incrementando, ao mesmo tempo, a produção e o consumo do álcool-motor nacional. Num estudo dedicado ao primeiro decénio de atuação da autarquia, o Dr. Joaquim de Mello assim resumia as diretrizes fundamentais do órgão, a que servia com exemplar competência:

a) garantir a estabilidade do mercado açucareiro, estabelecendo os preços máximo e mínimo, de modo a amparar sempre os interesses dos produtores e dos consumidores;

b) controlar a produção açucareira de todo o País, mediante serviços de fiscalização e de estatística, para impedir o fabrico clandestino que afete o mercado;

c) compelir o aproveitamento dos excessos de ma-téria-prima, apurados em todas as safras pelos referidos serviços, na fabricação de álcool anidro, destinado à mistura com a gasolina, em percentagem predeterminada para elaboração do carburante nacional;

d) auxiliar as usinas na montagem de aparelhos adequados para a produção de álcool anidro e instalar Destilarias Centrais para o mesmo fim, visando a utilizar as sobras das usinas que não dispuserem de instalações próprias;

e) fixar o limite de produção de todas as fábricas de açúcar, de acordo com a capacidade dos maquinismos e a área das lavouras, até que o funcionamento das Destilarias Centrais e o aper-feiçoamento das destilarias particulares, existentes nas usinas, torne possível a automática regulação da produção açucareira, pela aplicação dos excessos de matéria-prima na fabricação de álcool anidro;

f) regular as transações de compra e venda de cana entre os lavradores-fornecedores de cana e as usinas do País, determinando as quotas destas e daqueles para a fabricação de açúcar e adotando outras medidas acauteladoras dos respectivos interesses.

REGULAÇÃO DO AÇÚCAR

Tinha, portanto, o I.A.A. duas missões essenciais: uma, regular o mercado de açúcar no País; outra, estimular a produção de álcool anidro. Embora distintas, estavam elas intimamente relacionadas, já que o disciplina-mento do mercado açucareiro dependia fundamentalmente do encaminhamento dos excedentes da matéria-prima, a cana-de-açúcar, para o fabrico do álcool anidro.

A ação da Autarquia teria, pois, de se fundamentar no conhecimento seguro do comportamento do mercado, tanto do açúcar quanto do álcool, o que explica a criação imediata de um serviço estatístico, cujas informações permitissem acompanhar a evolução do mercado e, consequentemente, fixar os volumes a serem fabricados, sem o risco da formação de excedentes, capazes de comprometer o equilíbrio desejado. Esse conhecimento do mercado, servia, desde logo, para determinar o limite de produção de cada usina, tendo em vista as necessidades do mercado interno e a sua capacidade de absorção.

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A disciplina do mercado incluía a intervenção da Autarquia com a finalidade de retirar a quantidade de açúcar necessário ao restabelecimento do equilíbrio entre a produção e o consumo, assegurada a volta ao mercado desse mesmo açúcar, quando assim fosse julgado conveniente. O açúcar adquirido pelo I.A.A. para fins de garantir o equilíbrio do mercado, desde que evidenciada inconveniente a sua restituição ao mercado, poderia ser transformado em ácool, se para tal existisse disponível, o indispensável aparelhamento ou exportado para o exterior.

REGULAÇÃO DO ÁLCOOL

Dado o papel reservado ao álcool-motor, isto é, à mistura do álcool anidro à gasolina importada, coube ao I.A.A. incrementar-lhe a produção e o consumo em escala nacional. Para tanto foi atribuída à Autarquia a tarefa de instalar nos locais mais convenientes grandes destilarias centrais, para produção e desidratação de álcool. Paralelamente, devia auxiliar financeiramente as cooperativas, sindicatos, empresas ou produtores desejosos de instalar a aparelhagem necessária ao fabrico do álcool anidro ou de adaptar as instalações já existentes para o mesmo fim. Outra tarefa atribuída à Autarquia foi a de promover a melhoria dos processos de produção de álcool, facilitando aos produtores os recursos técnicos necessários e difundindo entre os interessados os métodos mais eficientes de fabricação. Coube ao I.A.A. deter-minar no último mês de cada ano, tendo em vista a provável produção disponível e a importação de gasolina prevista, a proporção de álcool anidro a ser adquirido no ano seguinte pelos importadores de gasolina, para que pudessem despachar a sua mercadoria. Em consequência dessa estimativa, o I.A.A. fixava, um mês antes da safra e tendo em vista os cálculos realizados, a percentagem de produção de álcool de cada usina que lhe seria entregue, para fins de beneficiamento ou venda aos importadores de gasolina, sendo encargo da Autarquia adquirir toda a produção alcooleira assim obtida. A política de preços do álcool entregue às companhias impor-

tadoras de gasolina tinha de ser orientada no sentido de não causar prejuízos aos produtores e de não onerar os consumidores do carburante obtido com a mistura.

ORGANIZAÇÃO DO I.A.A.

Em sua fase inicial, a direção do I.A.A. foi exercida por uma Comissão Executiva e um Conselho Consultivo. A Comissão Executiva era integrada por um delegado do Ministério da Agricultura; um do Ministério da Fazenda; um do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; um do Banco do Brasil, e por quatro delegados eleitos pelos representantes dos usineiros. O Conselho Consultivo era composto dos delegados dos usineiros, que não tivessem sido eleitos para a Comissão Executiva, e de mais tantos delegados dos plantadores, quantos fossem os Estados cuja produção excedesse a marca das 160 000 toneladas anuais de cana. Praticamente a direção do I.A.A. ficava com a Comissão Executiva, cabendo ao Conselho Consultivo funções, por assim dizer, simbólicas, incluindo a da apresentação de sugestões que, no seu entender, fossem de interesse da indústria do açúcar e do álcool. Essa forma de direção perdurou até 1941, quando o Estatuto da Lavoura Canavieira suprimiu o Conselho Consultivo, passando as suas atribuições para a Comissão Executiva, que passou a ser integrada por um delegado do Ministério da Fazenda; um delegado do Ministério da Agricultura; um delegado do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; um delegado do Ministério da Viação; um delegado do Banco do Brasil; quatro representantes de usineiros; três representantes de fornecedores, e um representante de bangueseiros. O Presidente do I.A.A. era eleito entre os integrantes da Comissão Executiva, observada a tradição dessa eleição recair na pessoa do delegado do Banco do Brasil.

ESTATUTO DA LAVOURA CANAVIEIRA

A decretação, pelo Presidente da República, a 21 de novembro de 1941, do Estatuto da Lavoura Canavieira

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constitui uma etapa das mais expressivas do desenvolvimento da política canavieira implantada dez anos antes. Através desse texto legal o I.A.A. vê-se armado de novos instrumentos essenciais à execução plena de suas atribuições. A nova lei veio à luz, inclusive, em meio a um debate dos mais agitados, tais as resistências que despertou e os fortes interesses que se uniram para opor-se à sua efetivação. O Professor Vicente Chermont de Miranda, que, na qualidade de Procurador-Geral do I.A.A., participara ativamente dos debates havidos, define a lei como um vibrante convite para uma cruzada: a da valo-rização do nosso homem do campo. E o livro que escreveu a respeito mostra não haver exagero nesta afirmativa.

O Estatuto da Lavoura Canavieira surgiu para equacionar o problema das relações entre usineiros e fornecedores da cana, ou seja, entre os industriais e os fornecedores da matéria-prima na economia canavieira. Daí os vários títulos em que se divide a lei e que tratam dos fornecedores e lavradores de cana; do fornecimento; das questões derivadas da limitação da produção; dos preços; do fundo agrícola; da composição dos litígios; da assistência à produção. Alguns dos seus preceitos significam inovações audaciosas, tais como o cadastro dos fornecedores, a regulamentação do fornecimento, incluindo as quotas, a forma de pagamento das canas fornecidas, a fixação da renda da terra, a integridade do fundo agrícola, a composição dos litígios entre fornecedores e recebedores, as normas de assistência à produção, a padronização das escritas das fábricas, etc. Ainda teremos o ensejo de apreciar, com mais vagar, o papel desempenhado pelo Estatuto da Lavoura Canavieira na evolução da agroindústria da cana-de-açúcar.

ESTRUTURA DOS SERVIÇOS

Os diversos serviços do I.A.A. foram estruturados à época da sua criação, de forma a atender ao que deles era exigido pelo funcionamento da Autarquia. Com o passar dos anos e o aumento dos encargos, fez-se neces-

sária a sua ampliação, o que ocorreu em 1951. Com exce-ção da Divisão de Exportação e do que diz respeito à Comissão Executiva, que, a partir de 1967, passou a ser denominada Conselho Deliberativo, a estrutura de 1951 perdura até hoje, assim ordenada: Conselho Deliberativo (antiga Comissão Executiva), Divisão de Estudo e Planejamento, Divisão de Arrecadação e Fiscalização, Divisão de Assistência à Produção, Divisão de Controle e Finanças, Divisão Jurídica, Divisão Administrativa, Serviço do Álcool, Delegacias Regionais e Destilarias Centrais. Todos estes órgãos funcionam perfeitamente articulados em regime de mútua colaboração, sob a orientação do Presidente do I.A.A.

A estrutura atual deverá ser proximamente modificada, pois o Decreto n*? 61 777, em seu artigo primeiro, dispõe: "O Instituto do Açúcar e do Álcool, criado pelo Decreto n? 22 789, de 1 de junho de 1933, entidade autárquica, da administração federal, jurisdicionada ao Ministério da Indústria e do Comércio, com personalidade jurídica própria e gozando de autonomia administrativa e financeira, é constituído de uma Comissão Executiva, que passa a ter a denominação de Conselho Deliberativo, e de unidades administrativas, na forma estabelecida em resolução a ser baixada, de conformidade com o disposto no art. 11 deste decreto".

Ao I.A.A., na forma da legislação em vigor, incumbe dirigir a economia açucareira, promover a harmonia na utilização dos fatores de produção e o seu desenvolvimento, suplementando a iniciativa privada. O I.A.A. é dirigido por um Presidente, nomeado pelo Presidente da República, por indicação do Ministro da Indústria e do Comércio, demissível ad nutum. O Presidente do I.A.A. será substituído, nas suas faltas e impedimentos, pelo Vice-Presidente, eleito pelo Conselho Deliberativo, dentre os representantes ministeriais ou do Banco do Brasil S.A., na forma do que for estabelecido em resolução própria.

O Conselho Deliberativo, presidido pelo Presidente do I.A.A., é constituído dos seguintes representantes: um do Ministério da Fazenda, um do Ministério da Agricul-

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tura, um do Ministério dos Transportes, um do Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, um do Ministério do Interior, um do Ministério do Trabalho e Previdência Social, um do Banco do Brasil S.A., dois dos industriais do açúcar e dois dos fornecedores de cana. O Presidente do I.A.A. será o representante do Ministério da Indústria e do Comércio. Todos os integrantes do Conselho Deliberativo são de nomeação do Presidente da República, os representantes dos diversos Ministérios e do Banco do Brasil, mediante indicação dos respectivos Ministros e Presidente, e os representantes dos industriais do açúcar e dos fornecedores de cana, através de listas tríplices apresentadas pelas associações da categoria económica dos Estados produtores. Em relação aos representantes dos produtores, a nomeação será feita de modo a preservar o equilíbrio de representação das regiões produtoras e, também, de forma a evitar dupla representação de classe da mesma unidade federativa.

ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO DELIBERATIVO

O Conselho Deliberativo, além das atribuições deferidas por legislação especial à antiga Comissão Executiva, tem por competência, na esfera administrativa, entre outras, as seguintes:

a) discutir e votar os planos, programas e normas necessárias à realização dos objetivos e atribuições deferidos ao I.A.A., na forma da legislação em vigor;

b) aprovar o orçamento-programa e suas reformu-lações;

c) aprovar critérios de contratação de mão-de-obra ou serviços técnicos de natureza especializada;

d) apreciar e votar proposta sobre modificação da estrutura administrativa do I.A.A., sujeitas à homologação do Ministro da Indústria e do Comércio.

Passaram, igualmente, à competência do Conselho Deliberativo as atribuições constantes do art. 124, do Decreto-lei n? 3 855, de 22 de novembro de 1941 (Estatuto da Lavoura Canavieira), com as modificações constantes do art. 15, do Decreto n? 61 777, que assim dispõe: "As Comissões de Conciliação e de Julgamento exercerão as atribuições fixadas no art. 53 e seus parágrafos da Lei n? 4 870, de 1 de dezembro de 1965, bem como as de competência das turmas de julgamento, ora extintas por força da reestruturação autorizada pelo Decreto-lei n? 200, de 25-2-1967."

1933—1972, UM SÓ OBJETIVO

As alterações ocorridas, no decorrer destes 39 anos, na estrutura do I.A.A., não foram de natureza a comprometer a política canavieira original. Muito pelo contrário, as modificações, impostas pelas necessidades da aplicação prática dessa política, tiveram como resultado torná-la mais flexível, melhor ajustada às circunstâncias e, por isso mesmo, mais apta a atingir os seus objetivos. O passar do tempo consagrou as palavras de Leonardo Truda pronunciadas em setembro de 1933, quando afirmava que a economia canavieira era campo fértil para o entendimento de duas forças nem sempre harmonizadas: os produtores e o poder público. "Há um terreno esplêndido para nele assentar as bases da recíproca concordância", assinalava Truda: "o interesse individual do produtor em assegurar o melhor fruto do seu trabalho e o dever e a conveniência do Estado em garantir-nos benefícios de que se valha uma indústria, numa determinada atividade produtora, uma parcela a engrandecer a prosperidade geral".

Ainda recentemente, o Presidente Emílio Garrastazu Mediei, na introdução da Mensagem Anual dirigida ao Congresso Nacional, destacava a importância da intervenção do Estado ao proclamar, textualmente: "O direito social, em vez de atingível mediante abstenção do poder público, cria para este o dever de intervir em quase todos os domínios, de modo a satisfazer às pretenções de bem-estar coletivo que lhe são formuladas".

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Hoje, como há 39 anos passados, o I.A.A. tem uma finalidade precípua, como bem destacou o seu atual Pre-sidente, General Álvaro Tavares Carmo: "dirigir a economia açucareira, promovendo a harmonia na utilização dos fatores da produção, bem como o seu desenvolvimento, suplementando a iniciativa privada, tudo no quadro dos altos interesses nacionais e obediente às diretrizes gerais da política económica do Governo".

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O

PLANO DE

SAFRA AÇUCAREIRA

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As contingências da defesa da economia canavieira obrigaram o Estado a intervir no setor, para assegurar o equilíbrio entre a produção e o consumo. A defesa visa, portanto, a garantir tanto o produtor, quanto o consumidor. Em relação ao primeiro, o objetivo é assegurar colocação segura e compensadora para todo o açúcar produzido, já que os excedentes levam à saturação do mercado e ao aviltamento dos preços, com a consequente desorganização do ciclo produtivo. Quanto ao segundo, a finalidade é garantir o abastecimento regular e a preços estáveis, durante períodos tão extensos quanto possível, pois a escassez da fabricação provoca a anormalidade do abastecimento e a alta dos preços, com a decorrente anomalia do sistema normal de atendimento do consumo. Como procuramos deixar claro anteriormente, o Estado intervém no setor canavieiro através de uma autarquia económica, o Instituto do Açúcar e do Álcool, à qual delegou poderes para alcançar e preservar o equilíbrio estatístico, conciliando, harmonizando os interesses dos produtores, tanto da matéria-prima, quanto do produto acabado, e os dos consumidores.

Todo esse processo intervencionista, geralmente co-nhecido como defesa da economia açucareira ou canavieira, vem-se desenvolvendo, ao longo de 38 anos, dentro das linhas-mestras, fundamentais, definidas em 1934. As alterações havidas, mais de forma que de fundo, serviram para ajustar os princípios da política de defesa às novas condições surgidas no País. A defesa da economia açucareira pressupõe, pois, a disciplina da produção, isto é, a limitação do volume produzido em cada safra. Mas, longe de representar uma forma de estagnação, essa disciplina tem sido causa direta do extraordinário crescimento da produção brasileira, que hoje se aproxima dos 93,3 milhões de sacos. Só um mercado estável, saneado, teria sido capaz de assegurar a conti-

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nuidade do crescimento do volume fabricado, até chegar aos níveis atuais, largamente distanciados dos de 1934, quando o Brasil mal produzia dez milhões de sacos de açúcar de usina.

PLANO DE SAFRA

A política de defesa do açúcar, vale dizer o inter-vencionismo estatal no setor canavieiro, tem sua expressão mais evidente no chamado plano de defesa da safra, geralmente conhecido como plano de safra. Como o nome está a indicar, trata-se de um plano anual, para a duração de uma safra, preparado pelo I.A.A., para manter o equilíbrio estatístico entre a produção e o consumo do açúcar, de modo a preservar o saneamento e a estabilidade do mercado. A fixação do volume a ser fabricado, constante do plano de safra, decorre da observação cuidadosa da taxa de incremento do consumo interno e da apreciação das possibilidades reais de exportação. O total a ser fabricado inclui, também, a parte destinada ao estoque regulador, cuja existência é essencial ao funcionamento do esquema de abastecimento estabelecido.

O plano de safra distribui o volume a ser fabricado pelas regiões produtoras e, dentro delas, o total atribuído a cada uma é partilhado pelas diversas unidades federativas que as integram. Em cada Estado, finalmente, a produção é dividida em parcelas, as chamadas quotas, deferidas às usinas existentes. Os preços do açúcar são fixados no plano de safra de acordo com os levantamentos dos custos previamente levados a cabo pelo I.A.A., seguindo a orientação geral fixada pela política financeira do Governo em matéria de preços. Por sua vez, os preços da matéria-prima, a cana-de-açúcar, são estabelecidos tendo em vista o custo e o rendimento respectivo.

O plano de safra determina o período de moagem em cada zona produtora, não apenas o começo mas também o tempo de duração. Estabelece, ao lado das normas de fabricação, os preceitos que regulam a comercialização do açúcar obtido, inclusive na parte relativa

ao financiamento, quando necessário, de modo a preservar a defesa do produto e a garantir a normalidade do abastecimento. Pode-se, pois, afirmar que, ao ser aprovado pelo Conselho Deliberativo do I.A.A., o plano de defesa da safra é a expressão concreta de uma experiência de vários decénios, ajustada às exigências do momento presente. Em sua forma final, o plano de safra expressa não apenas a contribuição dos serviços técnicos e especializados do I.A.A., mas igualmente a vontade de decisão dos setores oficiais e dos produtores representados no Conselho Deliberativo. A apreciação mais pormenorizada no plano de safra torna claro o mecanismo da defesa.

PERÍODO DE MOAGEM

A safra açucareira tem início em datas diferentes, segundo a região produtora: no Centro-Sul, a 1 de junho; no Norte-Nordeste, a 1 de setembro. Tendo em vista as condições climáticas e o regime de águas de determinados Estados, o plano permite, porém, que as usinas neles instaladas adiantem, para datas previamente estabelecidas, de até 90 dias em relação às antes citadas, o início de suas atividades de moagem.

A produção total de açúcar autorizada no plano de safra tem prazos fixados para a sua realização. Na região Centro-Sul 150 dias efetivos de moagem e na região Norte-Nordeste, 180 dias. Existe, no entanto, a ressalva de que os prazos máximos estabelecidos não se aplicam às usinas cuja capacidade efetiva não lhes permita realizar dentro dos respectivos períodos a produção autorizada no plano de safra. Em tais casos, pode haver a dilatação do prazo de moagem, sem problemas para o produtor.

TOTAIS A PRODUZIR

A produção nacional autorizada para a safra de 1972/73 foi fixada em 93,3 milhões de sacos de sessenta quilos de açúcar centrifugado. A região Norte-Nordeste produzirá 31 800 000 sacos, dos quais 15 000 000 de açú-

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car cristal, destinados ao mercado interno, e 16 800 000 de açúcar demerara, destinados às vendas para os mercados externos. A região Centro-Sul, do seu lado, produzirá 61 500 000 sacos, sendo 51 000 000 para o mercado interno e 2 500 000 para o mercado externo, e ....................... 8 000 000 de açúcar demerara para os mercados externos. Tendo em vista o comportamento do mercado, o Presidente do I.A.A. poderá aumentar de 3,2 milhões de sacos a produção de açúcar prevista, o que significa que o País poderá produzir na safra até 96 500 000 sacos de açúcar. O plano de safra autoriza o Presidente do I.A.A. a modificar, se necessário, as cotas e tipos de açúcar autorizados, tendo em vista as exigências do abastecimento regional e considerando os compromissos de exportação para os mercados externos. O plano de safra fixa as normas relativas ao fabrico e acondicionamento do açúcar destinado à exportação, como forma de preservar a qualidade e a apresentação do produto brasileiro, para consolidar a sua posição no mercado internacional.

COMERCIALIZAÇÃO

Para os fins de comercialização do açúcar, nos termos da legislação em vigor, o Território Nacional está dividido em duas regiões, a saber:

a) Região Norte-Nordeste: compreendendo a região Norte (Estados do Acre, Amazonas e Pará; Territórios de Rondônia, Roraima e Amapá) e a região Nordeste (Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia; Território de Fernando Noronha);

b) Região Centro-Sul: compreendendo a região Sudeste (Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Guanabara e São Paulo); a região Sul (Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e a região Centro-Oeste (Estados de Goiás, Mato Grosso e Distrito Federal).

O I.A.A. disciplina, através do sistema de prévia autori-zação, a transferência de açúcar de uma região para outra região produtora, onde a produção exceda as necessidades do consumo, tendo em vista ser necessário proteger a respectiva produção açucareira, assegurar os interesses do fornecedor, garantir o abastecimento do mercado interno e evitar o abuso do poder económico e o eventual aumento arbitrário dos lucros. O plano de safra cuida, igualmente, de disciplinar o ritmo de escoamento da produção de açúcar através de um sistema de cotas básicas de comercialização, calculadas com base na avaliação da necessidade de cada área, consideradas, para esse fim, as disponibilidades gerais formadas pela soma dos estoques remanescentes e as autorizações de produção, em açúcar cristal, deferidas às usinas.

PREÇOS DO AÇÚCAR

O plano de safra fixa o preço oficial de liquidação dos diversos tipos de açúcar produzidos no País, na condição PVU (posto veículo na usina), em bases correspondentes aos custos apurados nas duas regiões produtoras. São também fixados os preços de faturamento, que incluem a contribuição para o I.A.A. e o valor do Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM). Os tipos de açúcar de qualidade superior recebem ágios sobre o preço oficial de liquidação do açúcar cristal standard, como forma de estimular a respectiva fabricação. O plano de safra discrimina a forma de pagamento do açúcar demerara destinado à exportação para os mercados externos, cujo pagamento, bem assim o do cristal vendido aos mesmos mercados, será efetuado semanalmente pelo I.A.A., contra apresentação dos respectivos efeitos fiscais e dos certificados de peso e de análise.

PAGAMENTO DAS CANAS

Tal como em relação ao açúcar, o plano de safra estabelece o preço-base da tonelada de cana colocada na esteira e fornecida às usinas, já incluído o Imposto de Circulação de Mercadorias. Os preços-base, um para

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cada região produtora, são referentes aos rendimentos básicos de 90 quilos de açúcar cristal por tonelada de cana na região Norte-Nordeste e de 94 quilos na região Centro-Sul. O preço de liquidação da cana será calculado em função do rendimento médio do Estado, observado durante a safra, tomando-se por base as primeiras 3 600 horas efetivas de moagem, verificadas no período máximo de 180 dias consecutivos de safra. Se o rendimento do Estado for inferior ao rendimento básico, será considerado para cálculo do preço da cana o rendimento básico da região. Será paga uma bonificação ao fornecedor de cana quando a usina obtiver rendimento na safra superior ao rendimento do Estado. O plano de safra determina os prazos improrrogáveis em que os órgãos técnicos do I.A.A. promoverão o levantamento dos rendimentos industriais da safra, a fim de fixar os preços de liquidação e das bonificações a serem pagas aos fornecedores de cana de cada Estado. O pagamento das canas será feito, em todo o País, no máximo, quinzenalmente, em dinheiro e compreenderá os fornecimentos realizados na quinzena anterior, feitas as deduções legais. A preocupação de assegurar o pagamento regular dos fornecedores faz-se presente em outra determinação do plano de safra, segundo a qual as usinas ou destilarias que pleitearam operações de crédito junto ao I.A.A., Banco do Brasil ou outros estabelecimentos oficiais de crédito deverão instruir seus pedidos com a declaração de que se encontram em situação regular com os seus fornecedores, no que concerne ao pagamento das canas recebidas. São igualmente preceitos categóricos os relacionados com o recebimento pelas usinas dos contingentes de canas fixados pelo I.A.A. aos fornecedores: forma de entrega, transporte e recebimento na usina, de modo a preservar os interesses dos lavradores e conciliá-los com os dos industriais.

FINANCIAMENTO DA PRODUÇÃO

Tendo em vista a defesa da safra e o atendimento do abastecimento normal dos mercados regionais, o

I.A.A, promoverá, como estabelece o plano de safra, o financiamento do açúcar cristal e dos tipos superiores não refinados, na base de até 80% dos preços oficiais de liquidação, na condição PVU do açúcar cristal standard. O plano estabelece, no entanto, que as usinas comprovadamente em atraso no pagamento das canas recebidas nas safras anteriores ou na presente e que retiverem as importâncias descontadas de seus fornecedores, a qualquer título, para crédito do I.A.A., Banco do Brasil e outras entidades, públicas ou privadas, inclusive as de classe, sem prejuízo das sanções que a lei determinar, terão suspensos os respectivos financiamentos e a compra pelo I.A.A. de açúcar, de qualquer tipo, até que realizem os pagamentos ou recolhimentos devidos. A severidade da medida visa, precisamente, a preservar a regularidade do plano de safra, cujos efeitos só se fazem sentir na medida em que os seus diversos postulados sejam respeitados pelos que participam do processo de produção.

POLÍTICA BEM SUCEDIDA

A política de defesa da economia açucareira só poderia ser vitoriosa, isto é, só poderia garantir o crescimento regular da produção e o atendimento normal do consumo, se o disciplinamento necessário à preservação do equilíbrio estatístico funcionasse de forma bem sucedida. Em outras palavras, essa política só teria encontrado condições de sobrevivência, 38 anos transcorridos da sua implantação, se os planos de defesa da safra tivessem correspondido às necessidades mínimas do País.

Ora, que isto haja ocorrido ninguém pode pôr em dúvida, tendo presente os totais relativos à produção de açúcar. Em números redondos, o volume do açúcar de usina fabricado no Brasil passou de 10 milhões de sacos, na safra de 1934/35, quando foi criado o I.A.A., para 21 milhões na safra de 1944/45; 31 milhões, na de 1954/55 e 59 milhões, na de 1964/65, rumando seguramente para os 93 milhões, na safra em curso.

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Das mais longas foi a distância percorrida pelo açúcar, da sua forma inicial até a apresentação dos dias de hoje. Ao que tudo indica, como destaca Edmund O. Von Lippmann em sua extraordinária História do Açúcar, o primeiro emprego da cana como adoçante foi alcançado através da mastigação ingestão do caldo. Segundo o mesmo autor, o consumo direto da cana deve ter persistido por muito tempo, antes que, mediante o adensamento do caldo e a concentração do soluto graças ao emprego do fogo, se desse o primeiro passo para a produção do xarope e, daí, para a produção do açúcar em estado sólido. Lipmann, particularmente minucioso na pesquisa de tudo quanto se refira aos primórdios do açúcar, admite em seu trabalho não ser possível apresentar conclusões cronológicas sobre a primeira fabricação, nem sobre suas diferentes espécies e sobre o modo de fabricação. "Parece que as velhas fontes indicas silenciam sobre o pro-cesso de fabricação, mas, dado o caráter tradicionalista. dos indus, é possível, do estudo de certos processos ainda usuais na índia e nas ilhas asiáticas, tirar conclusões que se apliquem ao passado remoto".

Valendo-se do depoimento de um autor inglês, em 1866, Lippmann descreve o método de fabricação do açúcar utilizado pelos indus. "Faz-se o cozimento do caldo sobre fogo aberto, em panelas de barro finas, chatas, ou hemisféricas, e dá-se o nome de gur ao xarope endurecido. Certos indivíduos compram esse produto e puri-ficam-no pondo o gur em esteiras ou sacos para espremê-lo com pesos, pedras ou varas flexíveis, consegue-se eliminar 30 a 40% do xarope e obtém-se um açúcar mais puro, khaur; se se borrifa este uma ou duas vezes com água, para espremê-lo depois, ficam 50% de khaur fino ou nimphul que, por não poder secar inteiramente, é, ainda, úmido e melado". Com o passar dos anos o método se aperfeiçoou, reunindo num mesmo local todas as ope-

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rações. Surgiram, dessa forma, os engenhos, que se mantiveram como as principais e únicas fábricas de açúcar, durante séculos, até o surgimento da usina, no século XIX.

ENGENHOS

No Brasil, como assinala Anibal R. Mattos, deve-se, desde logo, fazer uma distinção no que se refere à palavra engenho. No Norte serve ela para identificar a propriedade agrícola onde se cultiva a cana e na qual está situada a fábrica de açúcar. No Centro e no Sul, porém, engenho refere-se unicamente à fábrica, sendo a propriedade agrícola onde está ela situada conhecida como fazenda. Mas, em qualquer das regiões, o engenho, como fábrica de açúcar, situa-se como o centro de uma área relativamente pequena, para permitir o acesso rápido à fábrica das canas colhidas, via de regra transportadas por processos rotineiros, de pouco rendimento e reduzida velocidade.

As instalações industriais do engenho permitem apenas o "fabrico do açúcar de tipo escuro, p e q u e n a e deficiente cristalização, consequente da elevada umi-dade e teor em melaço", adverte Anibal Mattos, que, no livro apontado, publica o esquema das instalações de um engenho, permitindo acompanhar a fabricação do açúcar banguê, desde a entrada da cana até a preparação final da aguardente, o mais valioso dos subprodutos. Para melhor rendimento das operações de bene-ficiamento da cana e mais elevada produtividade da mão-de-obra, os engenhos são instalados em planos diversos, de modo a utilizar a gravidade como elemento de transporte nas diferentes fases. A moenda situa-se no plano mais elevado da fábrica, próximo do picadeiro, a fim de garantir a fácil alimentação de matéria-prima, a cana-de-açúcar, depositada no picadeiro. Da moenda o caldo desce, por gravidade, para o parol, que é o recipiente de distribuição intermediária para as tachas do banguê, onde, pelo calor, tem começo a cristalização do caldo, aumentada no batedor e completada na casa

de purgar, quando o açúcar for se depositando aos poucos nas formas, à medida que o mel, ao escoar, deixa ficar a sua matéria sacarina, por um processo lento e contínuo de filtração e evaporação. O bagaço, depois de seco na bagaceira, é usado como combustível na caldeira do banguê e o mel purgado, após demorado processo de fermentação, é enviado para a destilaria, onde o alambique fabricará a aguardente de cana, a caninha ou cachaça.

O segredo da fabricação do açúcar de engenho está na permanente fiscalização de cada uma das etapas do processo acima. O mestre do açúcar ou mestre do engenho, dispondo de longa experiência e conhecimentos, via de regra transmitidos de pai para filho, conhece os momentos ótimos de todas elas. "Toda a técnica no preparo do açúcar era entregue ao "Mestre do Açúcar", homem geralmente analfabeto, mas inteligente, que facilmente adquiria prática na arte de cozinhamento do caldo até o ponto de se tornar açúcar. Era ele o esteio da economia do engenho. Açúcar mal feito não obtinha bom preço no mercado. O mestre adquiria uma prática tão grande que, pelo borbulhar do cozinhamento e até pelo cheiro desprendido das tachas, ele conhecia o mo-mento certo de "Arrear" a "meladura" (ponto de cristalização)".

Nobre de Lacerda, no artigo citado, apontando a evolução dos engenhos, relaciona os seguintes tipos: "Trapiche", pequeno engenho movido a boi; o "Alman-jarra", movido a besta, mais veloz no trabalho da moagem; o movido a água, que englobava três tipos: o "Copeiro", quando a água era despejada em cima da roda; o "Meeiro" ou "Semicopeiro", com a água caindo no centro; e o "Rasteiro", com a água entrando por baixo; finalmente, o "Vapor", mais moderno e de maior rendimento. Também as moendas marcam fases do processo evolutivo. As primeiras, as coloniais mais antigas, eram constituídas de dois cilindros de madeira em posição vertical. Vieram em seguida as moendas metálicas, mas ainda verticais. A colocação dos cilindros em posição horizontal só foi feita nos meados do século XIX, dando,

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inclusive, origem, pela sua grande capacidade de esma-gamento, à formação da usina. Evolução importante do engenho, sobretudo por determinar a melhoria do tipo fabricado, foi a operada na parte do cozimento, através da substituição dos vasos de barro pelos de cobre e, mais tarde, pelos de ferro e, também, pelo maior rendimento obtido na fornalha.

FABRICO DO AÇÚCAR NO ENGENHO

De forma sucinta, assim pode ser descrito o fabrico do açúcar tipo engenho. O caldo, vindo das moendas, escoa por uma tela metálica, com a finalidade de reter o bagacilho, chegando ao parol, onde fica, pelo menos, meia hora, para que se decantem as impurezas em suspensão. Do parol o caldo é transportado para as tachas, situadas sobre a fornalha: na primeira delas, denominada clarificadora ou defecadora, tem lugar a limpeza do caldo, por decantação das espumas, após a juntada do leite de cal; na segunda, a evaporadora, ocorre a concentração do caldo; na terceira, finalmente, a de cozimento, obtém-se o ponto do açúcar. Obtido o ponto, que os "mestres do açúcar" conhecem por intuição, mediante processos totalmente empíricos, o xarope em ponto de massa cozida é encaminhado para a resfriadeira, tanque no qual começa a granulação, e de onde segue para as formas, na casa de purgar. Tais formas de barro cozido, madeira ou ferro são cónicas e alongadas, de paredes bem inclinadas, com um furo na parte inferior, arrolhado por um tampão. A massa cozida é colocada nas formas, que se enchem com melaço concentrado, ficando em repouso para aumentar a cristalização. Depois que a massa adquire determinada consistência, o mel exausto é retirado pelo furo da parte inferior, adicionan-do-se, em seguida, nova quantidade de melaço rico. Ao fim de quinze dias o açúcar está purgado, podendo ser retirado da forma. O açúcar branqueado obtém-se mediante o "barreamento" do xarope engrossado e batido, o que se consegue aplicando sobre a superfície da massa

do açúcar uma camada de argila ou barro e sobre esta uma camada de palha, devidamente umedecida, tendo-se o cuidado de lavar antes o barro em muitas águas. Anibal Mattos, de quem estamos resumindo o processo de fabricação do açúcar de engenho, exalta a importância da atuação do "mestre do açúcar", cuja técnica vai muito além do exato conhecimento do ponto. O seu grande segredo, do qual dependia a qualidade do açúcar fabricado, era a "decoada" ou dosagem da alcalinidade, neutralizando o caldo e coagulando suas impurezas. Os diversos tipos de açúcar — branco fino, branco batido, mascavado, mascavo, retame, cerol, tabu e remelão — eram obtidos mediante a utilização de diferentes camadas nas formas e do tratamento subsequente do mel purgado.

Centros exclusivos da fabricação do açúcar, durante séculos a fio, já que os aperfeiçoamentos que iam sendo alcançados não chegavam a alterar as linhas fundamentais do processo industrial, os engenhos acabaram feridos de morte pelo emprego do vapor como fonte de energia. As moendas movidas a vapor passaram a dar conta de maiores volumes de cana, produziram maiores quantidades de caldo, obrigando a reformulação dos métodos tradicionais. Alguns engenhos, poucos, lograram evoluir e se transformaram em usinas. Outros limitaram-se a eliminar a fornalha tradicional, o banguê, que lhes dava o nome, indo quando muito à adoção dos vácuos e das turbinas, num meio caminho entre o que estava morrendo, o engenho, e o que já começava a viver, a usina.

O desaparecimento dos engenhos, de modo especial no Nordeste, não marca apenas o encerramento de um ciclo industrial, a substituição de um método de fabricação superado por outro em plena ascensão. Assinala, igualmente, a mudança do status de determinada categoria social. Estava encerrado o que Nobre de Lacerda chama de "nobre missão dos Senhores de Enge-n.n? "a colheita e industrialização dos seus imensos canaviais". O banguê, é ainda Nobre de Lacerda quem o

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CASA DAS CALDEIRAS

S B̂SÍ^&J-^

COLHER, PARA ESFRIAR ^TMEL

4«KiRA,unuzAÔA NO TRANSPORTE DO MEL PARA A FCRMA.

PALPARA LIMPAR AS IMPUREZAS ■«•fcaaa^DO^ALDO^EM EBOLIÇSO.

GARFO, PARA MEXER 0 BASACO NA FORNALHA.

afirma, "transformou, em sua queda, os antigos e respeitáveis Senhores de Engenho, de vida faustosa, em fornecedores de cana às Usinas implantadas em suas regiões".

O DOMÍNIO DA USINA

Como fábrica, a usina é muito mais aperfeiçoada que o engenho; dispõe de aparelhagem industrial bem mais complexa, o que lhe permite atingir dois resultados defesos aos engenhos: melhor aproveitamento da matéria-prima e maior capacidade de moagem, que levam a totais de produção nem sequer sonhados anteriormente. A evolução da usina tem, aliás, se processado no sentido de elevar a capacidade de fabricação, num esforço para partilhar entre milhões de sacos os custos de produção e, desse modo, chegar a custos unitários mais razoáveis.

No livro de Anibal R. Mattos de que nos vimos socor-rendo, o trabalho da usina é assim resumido: depois de esmagada a cana nas moendas, o caldo é submetido a uma série de processos físicos e químicos de purificação, para retirar as impurezas que impedem ou prejudicam a cristalização do açúcar. Logo após, o caldo beneficiado é concentrado em aparelhos de evaporação, de efeitos múltiplos, de acordo com o número de vasos evaporadores, transformando-se em xarope. O açúcar contido no xarope é cristalizado, inicialmente, nos aparelhos de cozimento a vácuo, passando a massa cozida aos crístalizadores, para esfriar lentamente, tornando-se viscosa e esgotando o líquido-mãe pelo depósito de novos cristais. Em continuação, a turbinagem cuida de separar os cristais das águas-mães que os envolvem. O açúcar retirado pelas turbinas da massa cozida de primeira é chamado de primeiro jato. O mel rico volta a ser utilizado, ainda, para a obtenção de açúcar de primeira, ao passo que o mel pobre destina-se à obtenção de açúcar de segundo jato. Em algumas usinas as instalações permitem chegar à fabricação de açúcar de terceiro jato.

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MACE TE, PARA SOCAR O AÇÚCAR 4 S6R PuUGADO.

SANGoêj PARA CARREGAIS O 3ASAÇO.

4-TACHA PAS IMPUREZAS 2-CALOEIROTE

3 CALDEIRA 4 TACHAS DE COSINHAR 5 TACHAS DE ESFRIAR 6 BOCA DE FORNALHA 7 PAROU

£"5 Cu MADEIRA, PARA LIMPAR O MEL..

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O mel residual da última centrifugagem é chamado melaço ou mel exausto, a ser utilizado como matéria-prima para a fabricação de álcool ou aguardente.

As operações acima indicadas obedecem ao seguinte escalonamento: a) esmagamento da cana e extração do caldo; b) purificação do caldo — sulfitação, calagem, preaquecimento, decantação e tratamento dos resíduos; c) evaporação; d) cozimento; e) cristalização; f) turbinagem; g) secagem e ensacamento. O processo sofre determinadas alterações conforme o tipo de açúcar que se deseja obter: açúcar branco tipo usina ou açúcar escuro, tipo demerara. O cristal tem alta polarização e sofre um descoramento mais completo, ao passo que o demerara apresenta os cristais envolvidos por uma película aderente de melaço.

Finalmente, o açúcar cristal, antes de ser entregue ao consumo é, via de regra, submetido a um processo de refinação, destinado a torná-lo impecavelmente alvo, diminuir-lhe o grau de umidade e retirar-lhe o cheiro que, por vezes, se apresenta, como decorrência de defeito de fabricação ou por alteração subsequente do açúcar bruto. A concentração do açúcar bruto, diz Aníbal R. Mattos, para obtenção do refinado, permite conseguir um produto de elevada polarização, diminuindo, sensivelmente, o teor de impurezas. Em teoria, a refinação do açúcar é uma operação bastante simples. Na prática, no entanto, apresenta sérios problemas, exigindo, algumas vezes, cuidados não menores que a própria fabricação do cristal.

AVANÇOS TECNOLÓGICOS

É natural que a indústria açucareira tenha avançado do ponto-de-vista tecnológico nos últimos anos. Mas, na opinião dos técnicos, esse avanço tem sido lento e até mesmo reduzido. "A indústria do açúcar, que conta com alguns séculos de existência, vem acompanhando com lentidão a evolução tecnológica dos últimos tempos. A maquinaria ainda hoje usada na fabricação baseia-se em princípios descobertos e usados há longo tempo.

ADenas aperfeiçoamentos nos detalhes têm aconselhado novos investimentos por parte do industrial". Assim se PXDressa o Sr. Olício Teixeira, num artigo dedicado a eletrônica aplicada à indústria açucareira e no qual aprecia a substituição do trabalho humano pela automação, sob a forma de comandos automáticos eletrônicos, seguros rápidos e mais económicos, como um imperativo dos tempos atuais, de tecnologia avançada, como o fator de redução de custos e modernização do equipamento fabril. Nas conclusões do seu trabalho, o Sr. Olício Teixeira destaca as vantagens que advirão para a indústria açucareira no Brasil da utilização da eletrônica nas várias etapas da fabricação do açúcar.

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Não há necessidade de destacar a importância da cana-de-açúcar para o desenvolvimento da economia açu-reira e alcooleira. Do volume e do rendimento da matéria-prima encaminhado às fábricas vai depender o total do açúcar e de álcool obtido em cada safra. Da mesma forma, o preço final da cana vai condicionar, em parte essencial, o preço pelo qual os dois produtos acabados serão entregues aos consumidores. Natural, portanto, o interesse especial que a política canavieira, executada no Brasil desde os primeiros anos da década de 30, dispensa à cultura da cana-de-açúcar. Interesse não apenas continuado, mas, sobretudo, crescente, a se traduzir numa série de iniciativas e empreendimentos cujos resultados podem ser apreciados na atualidade, tanto no volume como na qualidade da cana-de-açúcar industrializada no Brasil.

É de assinalar, desde logo, que, mesmo na fase primeira do processo de defesa, quando o excesso da produção de açúcar colocava em risco a estabilidade da agroindústria, não se pensou em desestimular a cultura canavieira. Cuidou-se, isto sim, de encaminhar os excedentes de açúcar apurados para a sua transformação em álcool e, em seguida, tratou-se, desde que necessário, de propiciar a fabricação direta do álcool da cana. Graças a essa orientação, a secular lavoura foi preservada na sua integridade para, logo após, crescer de forma segura, à medida que se ampliavam as vendas do açúcar no mercado interno ou externo e se multiplicava a mis-tura do álcool anidro à gasolina,

Se no começo da atuação do I.A.A. discretas se apre-sentavam as atividades diretamente vinculadas à cultura da cana-de-açúcar, não tardaram elas a se diversificar, obrigando a autarquia a um desdobramento do processo intervencionista, com reflexos imediatos na parte agrícola. Aos primeiros entendimentos com os órgãos espe-

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cializados do Ministério da Agricultura não demoram a suceder as gestões de maior fôlego, destinadas a criar, no País, variedades próprias de cana-de-açúcar e, também, a melhorar o rendimento das lavouras nas diversas regiões canavieiras, mediante o emprego de processos racionais de cultura, inclusive através do aprimoramento dos métodos de combate a doenças 0 pragas, que tantos danos acarretam às lavouras.

ASSISTÊNCIA TÉCNICO-AGRONOMICA

A atenção dispensada pelo I.A.A. à cultura da cana e ao seu aperfeiçoamento no País ressalta dos encargos de assistência aos produtores agrícolas, exercidos através da Divisão de Assistência à Produção (D.A.P.), por intermédio do Serviço Técnico-Agronômico (S.T.A.). Vale a pena transcrever, para dar a medida dessa orientação, os encargos do S.T.A., tal como vêm definidos no Regimento Interno do I.A.A. Compete, assim, ao referido Serviço:

I — estudar a conveniência do aumento das contribuições do I.A.A. às Estações Experi-mentais de Cana-de-Açúcar, de forma a possibilitar a ampliação dos seus serviços aos Estados vizinhos, localizados na mesma região canavieira;

II — estudar a conveniência da realização de acordos entre os Estados açucareiros e o I.A.A., no sentido de criação de novos serviços experimentais, visando sobretudo à multiplicação de variedades selecionadas e sua distribuição aos interessados; III — estudar o reequipamento dos laboratórios de análises das Estações Experimentais, bem como das Usinas açucareiras que, por sua localização, possam ser aproveitados para análises principais das canas da respectiva região;

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IV — promover, em coiaboração com o S.T.I., o estudo do teor de sacarose contido nas diferentes variedades de cana-de-açúcar; V — proceder, de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas, aos estudos necessários à padronização dos métodos de análise da cana-de-açúcar;

VI — proceder, para efeito de tabelamento, à classificação racional das variedades de canas;

Vil — recolher e divulgar, através de boletins e outros meios de publicidade, os resultados dos seus trabalhos e pesquisas, bem como os das Estações e Serviços Experimentais de Açúcar, no Brasil e no estrangeiro; VIM — propor a regulamentação da concessão de bolsas de estudos a estagiários agrónomos e químicos-agrícolas;

IX — propor a criação de cursos práticos de for- mação de técnicos rurais e administradores de campo;

X — propor a aprovação dos recursos necessá- rios à execução dos planos de mecanização;

XI — propor as condições de acordos com o Ministério da Agricultura para a execução de trabalhos de natureza técnica;

XII — propor planos de combate ao "carvão" nos canaviais das regiões afetadas;

XIII — promover o levantamento cadastral das pro- priedades agrícolas das zonas canavieiras, estudando, ainda, a possibilidade de acordos com órgãos técnicos oficiais para o levantamento topográfico das zonas cana-vieiras;

XIV — estudar, com o Instituto de Resseguros do Brasil, as possibilidades de seguro agrícola; XV — funcionar em todos os processos relacionados com atividades que envolvam interesses técnicos da lavoura canavieira;

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XVI — examinar, tendo em vista o abastecimento de matéria-prima, os projetos de instalação nova ou de mudança de instalação, de fábricas de açúcar e de álcool;

XVII — estudar, de acordo com os demais órgãos do I.A.A., a localização de estabelecimentos de utilidade coletiva destinados a servir ou beneficiar zonas canavieiras.

Para o correto desempenho dessas atribuições, o Serviço Técnico-Agronômico compreende duas seções, a Seção de Pesquisas Fitotécnicas e a Seção de Solos e Adubos, cada uma delas com incumbências discriminadas, de forma pormenorizada, no Regimento do I.A.A., e que abrangem, praticamente, todos os setores vinculados à prestação de assistência à lavoura canavieira do País.

Deve-se ter presente que os encargos do Serviço Técnico-Agronômico, tal como figuram no Regimento do I.A.A., fixados em 1951, foram a resultante da experiência colhida nos primeiros dezessete anos de atuação do I.A.A. Confrontados tais encargos com os iniciais da autarquia, à época da fundação, fácil será constatar uma sensível ampliação e diversificação. Por outro lado, é compreensível que a enumeração de encargos, feita em 1951, se apresente hoje menos atuaiizada, quer pela necessidade da enunciação direta de outras atribuições impostas pelo transcurso dos anos, quer pelas alterações sobrevindas no sistema administrativo do País. De qualquer forma, importante é assinalar que o inegável crescimento da lavoura canavieira no Brasil muito deve à presença dos setores especializados do I.A.A., em permanente atuação em prol da elevação dos níveis técnicos e económicos da lavoura canavieira.

ATUALIZAÇÃO CONSTANTE

As necessidades da assistência técnico-agronômica à lavoura canavieira têm exigido a atualização constante dos estudos e experiências, de sorte a permitir a apli-

ração de métodos sempre mais modernos e eficientes, para tanto, o I.A.A. tem propiciado a vinda ao Brasil de especialistas de renome internacional, para que, aqui cheqando, possam transmitir aos técnicos brasileiros, de modo especial aos agrónomos da autarquia, os seus ensinamentos e experiências. Nesse particular, e como uma amostra do muito que tem sido empreendido nos últimos anos, podem ser apontadas a visita do Dr. Albert j Mangelsdorf, antigo diretor-técnico da Estação Experimental de Cana dos Produtores do Hawaii e as contratações do Prof. Pietro Guagliumi, entomologista de renome mundial, especializado no combate às pragas da cana-de-açúcar, e do Dr. Chester Wismer, fitopatologista norte-americano.

Não há como desconhecer os resultados práticos de tal medida, nem a contribuição que delas obtiveram os técnicos brasileiros empenhados em melhorar as condições das nossas lavouras. Em cada caso, os proveitos decorrentes da vinda dos técnicos estrangeiros se relacionam, diretamente, com o rápido aperfeiçoamento da produção canavieira. É, sem dúvida, das mais oportunas a lição do Dr. Albert J. Mangelsdorf, na conclusão do relatório que preparou após a sua visita ao nosso país. Diz o Dr. Mangelsdorf: "O intervalo entre a data da obtenção de uma nova variedade superior e a época em que ela atinge sua produção comercial de açúcar em larga escala é, pelo menos, de dez anos. O aumento da população mundial é calculado em 65 milhões de habitantes. Pelo atual índice de consumo mundial, mais de 13 milhões de toneladas adicionais de açúcar serão necessárias, por ano, para alimentar esses 650 milhões de pessoas nos próximos dez anos. Um amplo programa de melhoramento e de julgamento das variedades assegurará à indústria açucareira do Brasil plena participação no preenchimento das necessidades crescentes de todo o mundo".

_A vinda de técnicos altamente qualificados, as obser-vações que tiveram o ensejo de realizar sobre a nossa cultura canavieira, as conclusões a que chegaram quanto às fórmulas a serem aplicadas, tendo em vista o aper-

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feiçoamento dessa cultura, são, no entanto, apenas um dos dados do problema. O outro, desde logo decisivo, diz respeito à contribuição dos próprios técnicos brasileiros, tanto os do I.A.A. quanto os de outras entidades oficiais ou privadas, para a definição de um programa de trabalho capaz de resolver, em termos atualizados, os vários problemas enfrentados pelos plantadores de cana. No Brasil, como no resto do mundo, o futuro da agroindústria canavieira está na permanente obtenção de índices mais elevados de produtividade, só alcan-çados na medida em que os problemas existentes são superados pela pesquisa, peia obtenção de novas variedades, pela utilização de processos mais racionais de cultivo e pelo aperfeiçoamento das normas de administração agrícola. (Sobre estes aspecto, leia o capítuio dedicado ao PLANALSUCAR).

CONTRIBUIÇÃO DOS TÉCNICOS DO I.A.A.

Os agrónomos canavieiros do I.A.A. deram uma con-tribuição das mais valiosas a esse esforço de racionalização da cultura da cana-de-açúcar no País, quando realizaram, em Maceió, uma grande reunião de trabalho, que, além de permitir o congraçamento dos técnicos de todo o País, levou à elaboração de um documento de fixação das diretrizes do setor agronómico do I.A.A.

A importância dessa reunião há de ser avaliada não apenas em função das conclusões a que chegou, mas também aos cuidados com que foi preparada. A fase de preparação, que se estendeu por vários meses, incluiu reuniões preliminares, a cargo das Inspetorias Técnicas Regionais, das quais resultaram anteprojetos regionais, a serem debatidos em Maceió, como base à formulação do documento final, de âmbito nacional.

Nos trabalhos preparatórios ficou perfeitamente delineada a função do técnico e os limites da sua atuação em matéria de assessoria. Se ao técnico cabe oferecer o máximo da sua capacidade profissional, experiência e sabedoria, à administração da autarquia compete asse-

No ■ firou devidamente evidenciada a importância da pes-auisa como a melhor forma de prestação de assistência indireta à lavoura canavieira. Isso porque uma solução, di-vulgada e obtida da pesquisa, poderá mudar, de uma só vez todo o panorama da agroindústria. Reveste-se, portanto de interesse para a melhor compreensão do tema, a divisão da pesquisa em três segmentos fundamentais, tal como apresentada no decurso dos trabalhos preparatórios, a saber:

A pesquisa básica, que busca os princípios científicos e que deve ser desenvolvida pela Universidade, geralmente a longo prazo.

A pesquisa tecnológica, que busca os meios de aplicação dos princípios científicos e que deve ser desenvolvida pelos Institutos específicos, geralmente a longo e médio prazos.

A pesquisa final, prática, de burilamento e adaptação da tecnologia às condições locais, onde se encontram as opções de viabilidade, dentro da conjuntura sócio-econômica. Deve ser desenvolvida por organismos maleáveis, de penetração final e livre trânsito entre a produção, a técnica e a ciência, incluindo, geralmente, trabalhos a curto e médio prazos. Este o tipo de pesquisa mais indicado para o setor especializado do I.A.A., numa divisão racional do trabalho em que, ao lado da Universidade, responsável pela pesquisa básica, atuam também os Institutos Biológicos e os Institutos Agronómicos, responsáveis pela pesquisa propriamente tecnológica.

Ainda na fase das reuniões regionais preparatórias, dedicou-se atenção específica ao problema da extensão, tanto a executada de forma direta com os produtores, quanto a que se faz presente de forma indireta, de modo a atingi-los no seu todo de categoria económica e não individualmente. Neste capítulo da extensão os debates

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r*r lha os elementos indispensáveis ao correto exer-9 n da função, inclusive no que diz respeito ao apri-

nramento dos conhecimentos, como forma de tornar mais proveitoso o assessoramento.

decorrer das reuniões regionais preliminares

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versaram, preferencialmente, sobre a cooperação prestada pelo I.A.A., através dos seus técnicos, no que diz respeito à distribuição de mudas, campos de cooperação e demonstrações; vulgarização de conhecimentos; de-monstrações, palestras e cursos; estágios; divulgação técnica e popular: artigos, folhetos, órgãos de divulgação; concursos, medalhas, prémios, etc.

Na parte propriamente técnica, os encontros regionais discutiram, entre outros, os seguintes temas: produção de novas variedades, introdução de novas variedades: importação e quarentena; seleção de novas variedades e distribuição; nutrição; solos, correção, conservação e fertilização; preparo do solo; cultivo de um modo geral; colheita; carregamento e transporte, deterioração, pagamento e descontos; máquinas e implementos; mecanização de modo específico; climatologia, irrigação e drenagem; pragas e doenças; economia e administração, produtividade.

Natural, portanto, que, ao chegarem em Maceió, tivessem os agrónomos canavieiros do I.A.A. visão segura dos problemas vinculados à assistência técnica das regiões em que atuam. Da soma das sugestões regionais, do confronto das soluções apontadas para cada problema específico resultou, após o debate esclarecedor, o programa de trabalho da D.A.P., no que diz respeito à prestação de assistência técnico-agronômica à lavoura canavieira de todo o País.

FIXAÇÃO DE DIRETRIZES

O documento aprovado pelos agrónomos canavieiros do I.A.A. na reunião de Maceió serve, assim, para definir os objetivos básicos da sua ação no quadro da prestação da assistência técnico-agronômica devida pela autarquia canavieira. Tais objetivos estão assim resumidos:

I — Promover a elevação da produtividade agrícola, através da introdução de novos métodos de produção e utilização intensiva de insu-mos modernos.

II — Criar e fomentar os fatores básicos para ele- vação do índice de bem-estar econômico-so-cial da população rural.

III — Promover a mais ampla divulgação dos resul- tados experimentais das pesquisas sobre a cana-de-açúcar, objetivando maior rentabilidade através da redução dos custos agrícolas.

Tendo presente a política do Governo Federal, que visa a beneficiar a infra-estrutura económica e social do País, destacando as atividades da produção agrícola, os técnicos do I.A.A. concluíram pela conveniência de fixar uma série de diretrizes, que consubstanciam os elementos básicos necessários à elaboração e execução de programas de trabalho da D.A.P., no triénio 1970/71 — 1972/73.

Tais diretrizes abrangem os seguintes pontos:

Assessoria Agronómica — Tendo em vista o aprimo-ramento da sistemática de avaliação da safra e a elaboração de pareceres técnicos.

Experimentação — Programação de estudos e trabalhos abrangendo a criação, produção, introdução, seleção e distribuição de variedades de cana-de-açúcar, incluindo: preparação do solo, germinação e tratos culturais; nutrição e adubagem; irrigação e drenagem; maturação, colheita, carregamento, transporte e deterioração da cana. Neste particular, os engenheiros-agrônomos do I.A.A. deixaram claro que a pesquisa final, prática de aperfeiçoamento e adaptação da tecnologia às condições locais, tendo em conta as opções de viabilidade e na conformidade da conjuntura económica, constituía área de ação da autarquia canavieira, por excelência, a ser desenvolvida por organismos maleáveis e de livre trânsito, entre a produção, a técnica e a ciência.

Extensão — Deve atingir os produtores no seu todo, executada direta ou indiretamente, dependendo, eventual-mente, das peculiaridades regionais e das disponibilidades do órgão executante. Os trabalhos de extensão visa-

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rão, principalmente, os seguintes itens: distribuição de mudas; campos de cooperação e demonstração e divulgação técnica, especialmente na revista Brasil Açucareiro.

Capacitação — No quadro das ativídades da D.A.P. a capacitação deve constituir objetivo não apenas dos técnicos mas do órgão em conjunto, de forma a proporcionar estímulos à constante atualização técnico-profis-sional e, também, a assegurar a coordenação e a adequação dos diversos setores especializados. Como meio de se chegar a esse resultado, recomendou-se as seguintes iniciativas: palestras, encontros e congressos; cursos de especialização e de idiomas; viagens de estudo, no País e no exterior, sempre que possível com o uso de bolsas e/ou estágios; divulgação de relatórios e estu-dos selecionados; concessão de estímulos, prémios, medalhas, diplomas.

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Ao ser implantada no País, no começo da década de 30, a política de defesa da economia canavieira, não se arrolava, entre as preocupações do Estado intervencionista, a prestação de assistência aos trabalhadores industriais e agrícolas. Isso explica porque, ao ser criado, em 1933, o Instituto do Açúcar e do Álcool, como síntese das primeiras medidas de amparo à produção ado-tadas, não se fizesse no Decreto n9 22 789, de 19 de junho de 1933, qualquer referência a uma matéria que, em anos subsequentes, viria a assumir marcante significação no sistema que então começava a tomar corpo. Como assinalou o Sr. Barbosa Lima Sobrinho, "a primeira fase da ação do Instituto tinha que ser, efetiva-mente, a defesa da produção, levantando-a da crise, ou da ruína em que se afundava, logo depois de 1930". Vencida esta etapa, para evitar que a limitação da produção, inclusive da montagem de novas fábricas de açúcar, se transformasse, na prática, num verdadeiro monopólio, era indispensável estabelecer a política do açúcar sobre amplos fundamentos de interesse social, justificando a ação do Instituto, destaca o antigo presidente da autarquia, "com a extensão dos benefícios que assegurava, não apenas a algumas centenas de usineiros, mas a dezenas de plantadores de canas e associados do trabalho de produção".

Esta a inspiração que levou o Governo, em novembro de 1941, a baixar o Estatuto da Lavoura Canavieira, consubstanciando as primeiras medidas sócio-econômi-cas em favor dos trabalhadores canavieiros. O art. 144 do Estatuto criou a taxa de um cruzeiro antigo por tonelada de cana, incidindo sobre toda a produção efeti-vamente entregue pelos fornecedores às usinas, e destinada ao financiamentos desses mesmos fornecedores. Coube ao I.A.A., através da Resolução 58/43, de 3 de maio de 1943, regulamentar a cobrança, a arrecadação e

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aplicação da referida taxa. O que há de importante nessa Resolução, para o problema que estamos apreciando, foi a vinculação da receita realizada a três fundos assim especificados:

a) "Fundo de Assistência Financeira", constituído com 50% do produto da arecadação da taxa e destinado à amortização dos empréstimos realizados e a se realizarem pelo Instituto às Cooperativas de Plantadores de Cana para o financiamento de entre-safra aos fornecedores;

b) "Fundo de Assistência Social", constituído com 40% da receita global da taxa e mais as im-portâncias correspondentes a serem concedidas pelos usineiros e pelo Instituto, cujos recursos globais deverão ser aplicados na execução de um plano de assistência social, médica e hospitalar, em proveito dos trabalhadores rurais que empregam a sua atividade na lavoura e na indústria canavieiras;

c) "Fundo de Assistência às Associações de Plantadores de Cana", formado com 10% do produto da aludida arrecadação e constituído para o fim de ser distribuído, em partes proporcionais, entre as associações de plantadores de cana legalmente constituídas, para manutenção e desenvolvimento dos seus serviços.

AMPLIA-SE A ASSISTÊNCIA

A semente lançada no Estatuto da Lavoura Cana-vieíra germinou de forma segura. Com o passar dos anos, a assistência foi sendo melhor definida e a sua prestação devidamente assegurada. Já em 1944, através do Decreto-Lei n9 6 969, de 19 de outubro, a matéria era corretamente apreciada. Ao dispor sobre os fornecedores de cana que lavram terra alheia, o diploma legal deter-

mina que o I.A.A. poderá autorizar, entre outras, uma dedução de um a sete por cento sobre o preço das canas fornecidas, calculada de acordo com a tabela vigorante, pela assistência médico-social prestada aos fornecedores e suas famílias, bem como aos seus agre-qados e empregados. O art. 6? do mesmo decreto-lei discrimina a assistência médico-social a ser prestada, como segue:

a) assistência médica, dentária e manutenção de ambulatórios;

b) assistência hospitalar; c) manutenção de creche e maternidade; d) manutenção de escolas primárias e de cursos

práticos de agricultura para filhos de colonos-fomecedores e de seus agregados ou empre-gados;

e) manutenção de instituições pueri-escolares;

f) manutenção de parques recreativos para crianças e de instituições de recreação para adultos;

g) realização dos serviços de saneamento que se tornarem necessários, a fim de garantir a salubridade das zonas de moradia dos colo-nos-fornecedores e seus empregados ou agregados.

Ainda no referido Decreto-lei n? 6 969 há um esforço no sentido de extender aos trabalhadores rurais, que não se possam enquadrar nas definições do Estatuto da Lavoura Canavieira, algumas das normas assistenciais. Para tanto, o I.A.A. foi autorizado a estabelecer contra-tos-tipo destinados a regular a situação desses trabalhares, obedecendo a princípios enumerados no art. 21, dos quais destacamos o que assegura o direito à moradia sã e suficiente, tendo em vista a família do trabalhador, o que garante assistência médica, dentária e hospitalar gratuita e o que prevê ensino primário gratuito aos filhos de trabalhadores em idade escolar.

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Dois anos mais tarde a assistência social passa a ser expressamente assegurada aos trabalhadores das usinas. O Decreto-lei n9 9 827, de 10 de setembro de 1946, que dispõe sobre os fornecedores de cana que lavram terra alheia, determina, no seu artigo oitavo: "Ficam os produtores de açúcar de usina obrigados a aplicar em benefício de seus trabalhadores industriais e agrícolas e em serviços de assistência médico-farma-cêutica e social, organizados individualmente ou pelas associações de classe, importância mínima correspondente a Cr$ 2,00 (dois cruzeiros), por saco de açúcar, cabendo ao Instituto do Açúcar e do Álcool fiscalizar a sua aplicação". O parágrafo único do citado artigo esclarece: "A falta de observância dos dispostos neste artigo sujeita o infrator ao pagamento em dobro da importância que tiver deixado de aplicar com o fim previsto neste artigo, recolhendo-se o produto da multa ao Fundo de Assistência Social criado pela Resolução n9 58/43, do I.A.A.".

REFORMULAÇÃO AÇUCAREIRA

Em 1965, ao ser reformulada pelo Congresso Nacional a legislação açucareira, a matéria relativa à política de assistência social recebeu um novo reforço. A Lei n9 4 780, de 19 de dezembro de 1965, é explícita a respeito, não só quanto à origem dos recursos financeiros a serem aplicados no setor, como, igualmente, no que diz respeito à forma de aplicação. O interesse do legislador fez-se presente, desde logo, na discriminação da aplicação da receita do I.A.A., ao determinar, no art. 23, letra b, que a autarquia aplique até 10% das parcelas referidas nas letras a e b do art. 22, para financiamento e custeio de serviços de assistência aos trabalhadores da agroindús-tria canavieira e seus dependentes. Além disso, a Lei n9 4 780 dedicou todo o Capítulo V à assistência aos trabalhadores, devendo a autarquia aplicar o percentual estabelecido na letra b do art. 23 em programas assistenciais, tendo por objeto:

a) higiene e saúde, por meio de assistência médica, hospitalar e farmacêutica, bem como à maternidade e à infância, complementando a assistência prestada pelas usinas e fornecedores de cana;

b) complementação dos programas de educação profissional e de tipo médio gratuitos;

c) estímulo e financiamento a cooperativas de consumo;

d) financiamento de culturas de subsistência nas áreas de terras utilizadas pelos trabalhadores rurais, de acordo com o disposto no art. 23 do Decreto-lei n9 6 969, de 19 de outubro de 1944;

e) promoção e estímulo de programas educativos, culturais e de recreação.

De seu lado, ficam os produtores de cana, açúcar e álcool obrigados a aplicar, pelo art. 36, em benefício dos trabalhadores industriais e agrícolas, em serviços de assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social, importância correspondente, no mínimo, a 1% sobre o preço oficial do saco de a ç ú c a r , 1% sobre o valor oficial da tonelada de cana e 2% sobre o valor oficial do litro de álcool de qualquer tipo. Estes recursos serão aplicados diretamente pelas usinas, destilarias e fornecedores de cana, individualmente ou através das respectivas associações de slasse, mediante plano de sua iniciativa, submetido à aprovação e fiscalização do I.A.A. Por sua vez, a autarquia canavieira, na execução do programa de assistência social, coordenará, diz a lei, sempre que possível, sua atividada com os órgãos da União, dos Estados e dos Municípios e de entidades privadas que sirvam aos mesmos objetivos. Ao ser reformulada, em fevereiro de 1967, através do Decreto-lei n9 308, de 28 desse mês, a receita do I.A.A., o art. 89 do referido diploma legal determinou fossem mantidas como encargos da produção as contribuições a que se refere o artigo 36, alíneas a e c e destinadas ao custeio dos serviços de assistência social aos trabalhadores.

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NORMAS PARA A PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA

Tendo presente a experiência de tantos anos e visando a estabelecer normas, ajustadas à lei vigente, que permitissem o melhor rendimento das atividades vinculadas à assistência social aos trabalhadores canavieiros, a Presidência do I.A.A., em 3 de janeiro de 1968, baixou o Ato n? 3, de sentido disciplinador. A assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social de responsabilidade dos produtores de cana, de açúcar e de álcool ficará, em relação aos primeiros, a cargo dos órgãos de classe e, em relação aos segundos e terceiros, a cargo das usinas e destilarias. A assistência prestada pelas associações de fornecedores é obrigatória para todos os trabalhadores agrícolas dos fornecedores, sejam estes associados ou não, dentro da área de ação dos respectivos órgãos de classe. A assistência a cargo das usinas e destilarias é obrigatória para todos os seus trabalhadores. Quando se tratar de destilaria anexa, haverá aplicação conjunta dos recursos correspondentes à fábrica de açúcar e à de álcool, não se fazendo distinção entre os trabalhadores de uma e de outra.

As normas do Ato disciplinam não apenas o recolhimento, mas também a aplicação da taxa cobrada sobre a cana fornecida, cabendo às associações de fornecedores submeter ao I.A.A., para aplicação pelo setor competente, os planos de aplicação de recursos destinados à assistência social, na jurisdição sob sua responsabilidade. A aprovação importa na consequente liberação da verba, à razão de 25%, salvo casos excepcionais devidamente considerados. Se a associação de fornecedores não dispuser de unidade assistencial, poderá celebrar convénio ou acordo com entidades públicas ou particulares para aplicação das contribuições que lhe couberem, com prévia homologação pelo I.A.A. A prestação de contas é também disciplinada, fixando a associação que se atrasar na respectiva apresentação ou não tiver suas contas aprovadas impedida de receber as contribuições relativas ao exercício seguinte, até que satisfaça as exigências determinadas pela autarquia.

No que se refere à assistência aos trabalhadores de usinas e destilarias, as normas do Ato n? 3 estabelecem uma escala de serviços, por ordem decrescente, partindo da assistência médica e passando, sucessivamente, pela assistência farmacêutica, odontológica, auxílios-funeral e pré-natal, assistência educativa e assistência recreativa. Cada tipo de prestação de assistência tem normas específicas, de sorte a permitir que a fiscalização do I.A.A. se faça de forma eficiente. A falta de aplicação total ou parcial dos recursos previstos para a assistência social sujeita o infrator a uma multa equivalente ao dobro da importância que não houver sido aplicada. Os recursos originários de tais sanções serão utilizados, obrigatoriamente, pelo I.A.A. na zona ou região de onde provierem, de modo a que a assistência que deixou de ser prestada diretamente pela fábrica o possa ser, indiretamente, em benefício dos trabalhadores agrícolas e industriais da unidade fabril que o deixou de fazer em tempo hábil.

COMO SE PROCESSA A PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA

Em termos gerais, a aplicação dos recursos destinados à prestação de assistência social aos trabalhadores canavieiros e seus familiares se processa em duas etapas distintas, perfeitamente definidas: a de instalação e a de manutenção dos serviços.

A primeira delas, de instalação e serviços, compreende: Ambulatórios — construção e reforma de prédios,

aquisição de material de uso permanente, tais como móveis, roupas, aparelhagem, etc.

Hospitais — (tanto os da unidade fabril como os de fundação local) construção e reformas de prédios, aquisição de material permanente, como leitos, móveis, roupas, aparelhagem, etc.

Serviço odontológico — instalação de gabinetes e aquisição de material de uso permanente;

Escolas — construção ou instalação e aquisição de material de uso permanente.

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Creches — construção ou instalação e aquisição de material de uso permanente.

Instituições recreativas e culturais — construção ou instalação de campos de desporto, cinema, escotismo, campos de diversão infantil, salões sociais e bibliotecas.

A segunda etapa, de manutenção dos serviços, com-preende:

Ambulatórios — despesas com pessoal (médicos, dentistas, laboratoristas, enfermeiros, parteiras e demais servidores), despesas com material de consumo dos vários serviços de ambulatório, de medicamentos para profilaxia do paludismo, da esquistossomíase, parasitose, etc.

Hospitais — internações, intervenções, etc. Escolas primárias e profissionais — material escolar,

rouparia, refeições, honorários de professores, mestres de ensino técnico-profissional, e pessoal acessório.

Creches — material de consumo, salários de médicos e enfermeiros, alimentação, etc.

Instituições recreativas e culturais — honorários de técnicos e monitores e operadores, material esportivo, aluguel de filmes, etc.

Diversos auxílios — auxílio-doença, auxílio pré-natal, auxílio-funeral, etc.

Graças à política de amparo ao trabalhador canavieiro e através de um planejamento integral mantido pelo I.Á.A., criou-se nas diversas regiões produtoras uma rede assistencial das mais valiosas, que engloba, inclusive, 27 ambulatórios e nove hospitais, com 1.319 leitos, instalados de acordo com os melhores padrões da técnica hospitalar, construídos e doados às associações de classe regionais pela autarquia canavieira. Essa rede está assim distribuída: Rio Grande do Norte — 1 hospital com 54 leitos; Paraíba — 1 ambulatório; Pernambuco — 2 hospitais com 570 leitos e 8 ambulatórios; Alagoas — 1 hospital com 270 leitos e 1 ambulatório; Bahia — 1 ambula-tório; Minas Gerais — 3 ambulatórios; Rio de Janeiro — 1 hospital com 100 leitos e 7 ambulatórios; São Paulo — 4 hospitais com 325 leitos e 6 ambulatórios.

Nos Estados onde a produção açucareira não apresenta ainda volume capaz de permitir os investimentos

exigidos para a implantação de hospitais ou ambulatórios existem convénios com as entidades hospitalares locais, de sorte a garantir a efetividade do programa assistencial ao trabalhador canavieiro. Mas estudos já existem, destinados a propiciar instalações próprias, tão pronto sejam alcançados os limites mínimos de recolhimento essenciais das taxas destinadas ao custeio da assistência social aos trabalhadores.

BALANÇO ATUAL

Cerca de dois milhões de trabalhadores agroindus-triais e seus dependentes, vinculados à economia canavieira, recebem hoje os benefícios da assistência descrita. Incluem eles os colonos fornecedores, sem seus empregados e agregados, os fornecedores de canas, seus trabalhadores e os trabalhadores industriais, administrativos e agrícolas vinculados às usinas, bem como os dependentes de todos eles. Em termos de dinheiro, essa política consome importância que já ultrapassa a casa dos vinte milhões de cruzeiros anuais. Na safra de 1968/69 a previsão era de uma aplicação da ordem de 15,5 milhões, dos quais 11 milhões correspondiam às fábricas e 4,5 milhões aos fornecedores. No orçamento vigente do I.A.A. a consignação de verbas, para subvenção às entidades de caráter social, mediante acordos ou convénios, soma 2.070 mil cruzeiros, dos quais 1.220 mil para aplicação na região Norte-Nordeste e 850 mil na região Centro-Sul.

Como em muitos outros setores, também no da assis-tência social aos trabalhadores a política canavieira foi desbravadora e apontou caminhos que só muitos anos mais tarde seriam abertos a outras atividades vinculadas à agricultura. Embora muito ainda reste por fazer no particular, nem por isso se pode desconhecer o sentido pioneiro da agroindústria da cana-de-açúcar. Numerosas medidas aplicadas inicialmente no setor canavieiro foram, posteriormente, incorporadas ao Estatuto do Trabalhador Rural e, consequentemente, generalizadas a outros grupos de trabalhadores.

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A política de defesa de economia açucareira, ao ser implantada no País, nos primeiros anos da década de 30, orientou-se, como vimos, no sentido de lograr o equilíbrio entre a produção e o consumo do açúcar. O fato de existirem grandes excedentes do produto levou à necessidade de limitar a produção e de encaminhar para outro destino — a fabricação de álcool — tanto o açúcar que não encontrava colocação normal, quanto a cana inaproveitada no fabrico de mais açúcar. A tecnologia disponível à época não favorecia outras utilizações e o capítulo dos subprodutos, que anos mais tarde começaria a ser escrito, nem de longe permitia vislumbrar a realidade promissora dos nossos dias.

O rápido desenvolvimento da química em geral não tardou a rasgar, também no setor canavieiro, novos hori-zontes. Graças à sucroquímica, em constante desdobramento, valores até então desconhecidos e, por isso mesmo, inaproveitados, passaram a ser devidamente conhecidos e utilizados com a consequente valorização da economia canavieira. Uma infinidade de subprodutos foi nascendo da industrialização da cana-de-açúcar. Inicialmente como ensaios de laboratório, em uma fase posterior como metas de usinas-piloto e, finalmente, como produtos comerciais de fábricas economicamente bem sucedidas e lucrativas.

É certo que o surto verdadeiramente fantástico da petroquímica, que muitos consideram uma das maravilhas tecnológicas do século, tem contribuído para obscurecer os progressos da sucroquímica. Mas, ainda que longe de poder ombrear com o petróleo como fonte de novos produtos, a cana-de-açúcar há de merecer a atenção dos químicos, sobretudo quando se considera a função que os subprodutos estão chamados a desempenhar na consolidação da economia canavieira. A simples leitura do rol de produtos que se podem obter partindo da cana-de-

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açúcar dá bem a medida da importância de que se reveste hoje a sucroquímica. O quadro anexo desses produtos expressa graficamente o mundo de possibilidades que se abre à ação dos técnicos empenhados em extrair da cana-de-açúcar toda a sua riqueza.

Talvez nada defina melhor a importância desse mundo a conquistar que o título de um artigo do conhecido pecuarista José Resende Peres: "Açúcar: subproduto do melaço". Nesse trabalho Peres dá conta dos resultados excepcionais colhidos na Fazenda Brasília com a utilização do melaço misturado à ureia na alimentação do gado. De tal forma o melaço é um fator de engorda do gado que Peres, com base numa experiência comprovada, afirma: "Perdem-se milhões com a utilização anti-econômica dos subprodutos, quando se poderia tomar o açúcar subproduto do melaço, desde que a este se desse aplicação mais racional, isto é, transformando-o em carne, um alimento em demanda crescente num mundo em que o açúcar vive o drama da superprodução". A primeira vista, poderá parecer absurdo dar primazia ao melaço sobre o açúcar. Mas, se nos ativermos ao raciocínio de pecuarista, veremos que ele não se afasta de uma razão económica ao querer utilizar o melaço como fator de engorda do gado, em meio de produzir carne, um alimento hoje escasso no mundo e, por isso mesmo, capaz de obter preços geradores de elevados lucros para os produtores.

MATÉRIA-PRIMA

Num trabalho**' dos mais ilustrativos sobre a cana-de--açúcar como matéria-prima para a indústria, Otávio Val-sechi dá o balanço do problema, partindo do conhecimento prévio e detalhado das características da gramínea para chegar à constituição e à composição do colmo e à composição do caldo. É que daí, praticamente, saem os inúmeros subprodutos que tornam ainda mais valiosa a cultura canavieira, ao ponto de servir a cana-de-açúcar, como observa Valsechi, de suporte da maior indústria agrícola do mundo.

(•) A Cana-da-Aeúcar como Matéria-Prlmi para a ln«lúatrl» _ iRASIL AÇUCAREIRO.

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Se partirmos da fabricação do açúcar, teremos como primeiros subprodutos o bagaço, a pasta de filtragem (borra) e o melaço. O bagaço é o resíduo oriundo do esmagamento da cana em uma ou mais moendas. A pasta de filtragem separa-se do caldo no processo de clarificação. O melaço é o resíduo final, líquido e viscoso, de onde não se consegue extrair qualquer quantidade de açúcar pelos processos comerciais normais. Cabe assinalar que a composição destes três materiais varia consideravelmente, sofrendo influências da variedade da planta, condições de clima e de solo em que se processa a cultura, eficiência dos métodos de moagem e separação do açúcar, etc. As variações ocorridas podem determinar o maior ou menor valor comercial de cada um dos três materiais para a sua utilização subsequente.

O bagaço parece ser, segundo alguns estudiosos, o mais promissor dos subprodutos da fabricação de açúcar, para uso industrial secundário. Durante séculos o seu emprego único foi como combustível, primeiro no sistema de tacho aberto, fornecendo o calor para a clarificação e a concentração do xarope obtido da cana, depois nas instalações a vapor, queimado nas caldeiras e propiciando calor essencial à geração do vapor. Ainda hoje o emprego do bagaço como combustível nas fábricas de açúcar é prática corrente, embora o avanço da tecnologia tenda a aconselhar a sua utilização na fabricação de produtos de valor superior ao do combustível destinado a substituí-lo no ciclo de fabricação do açúcar.

O BAGAÇO NA INDÚSTRIA

Na vasta bibliografia dedicada à utilização do bagaço como matéria-prima industrial, podem ser encontrados inúmeros produtos que cobrem gama das mais variadas. Além da celulose e do furfurol, Valsechi, no trabalho citado, relaciona, com a ressalva de existirem outras muitas, as seguintes aplicações: plásticos, lacas, álcool, açúcares, glicose, carvão, gás combustível, produtos de destilação seca, auxiliar de filtrações, adobes, cama para animais, absorventes para melaço ou para amoníaco na fabricação

. rações alimentares, absorventes de nitro-glicerina a fabricação de dinamites ou de explosivos não gelati-nizáveis, etc.

Ao longo de anos de estudos e pesquisas, novos campos de aplicação vão surgindo para o bagaço. Na fabricação, por exemplo, de chapas e papel aproveita-se a fibra- na dos plásticos e do furfurol as pentosanas convertidas por hidrólise em ácido, sem afetar o uso da fibra residual para outras finalidades.

O emprego do bagaço na fabricação de chapas de fibras longas e placas para paredes e tetos, tem-se revelado das mais vantajosas. O material obtido apresenta elevadas propriedades de isolamento térmico, não empena ou encolhe, pega bem a tinta. Tratamentos especiais asseguram às chapas de bagaço boa proteção contra o fogo e os fungos. Para ter uma ideia do campo de utilização aberto com a fabricação de produtos celulósicos à base de bagaço, os quais, além das chapas, incluem papel, papelão, corrugados e viscose para tecidos plásticos, basta considerar o caso de uma fábrica, da Lou-siana, nos Estados Unidos, que consome, apenas para a produção de chapas, mais de 250.000 toneladas de bagaço seco anualmente.

A ideia de utilizar o bagaço na fabricação de papel remonta a 1838, quando uma patente neste sentido foi concedida, e já em 1856 um jornal de Baltimore utilizou papel dessa origem na sua impressão. O bagaço, tal como sai da moenda, não é material que se preste à fabricação de papel, devido à presença de impurezas e substâncias solúveis, exigindo tratamento prévio para o seu aproveitamento adequado. Entre os vários processos empregados com semelhante finalidade, deve-se assinalar o hydrapulper, que mistura o bagaço com água e agita violentamente a mistura, em seguida filtrada numa ralo giratório. Também se empregam processos de separação a seco. Dado importante é o comprimento da fibra e a sua relação com o diâmetro, pois disso depende a resistência à ruptura apresentada pelo produto acabado. Valsechi, no trabalho citado, lembra que o desenvolvimento das fábricas para a extração da celulose do bagaço, vi-

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sando à sua aplicação na indústria do papel e da alfa--celulose, para a indústria da viscose, tem sido de tal ordem que alguns autores chegam a admitir ser o bagaço o principal produto da cana-de-açúcar.

O furfurol, usado no refino de resinas vegetais e óleos lubrificantes como componente de adesivos e plásticos termóficos, como solvente seletivo de butadieno na produção de borracha sintética e na preparação de produtos farmacêuticos, é obtido, principalmente, dos casulos do milho e das vagens da aveia, e também das sementes de algodão e das vagens do arroz. Há algum tempo o bagaço da cana-de-açúcar passou a ser utilizado para a obtenção do furfurol das respectivas pentosanas. Na República Dominicana opera uma fábrica de furfurol que utiliza o bagaço como matéria-prima, com uma produção anual de 30 milhões de libras-peso deste versátil produto químico, cujo consumo se encontra em plena expansão. O furfurol representa, pois, um campo de utilização dos mais atraentes para o bagaço.

Pela sua composição química e disponibilidade potencial, o bagaço adapta-se perfeitamente ao fabrico de plásticos. Tais plásticos, de dois tipos, são aqueles que o bagaço, isento da medula e extremamente pulverizado, é empregado com o corpo, e os verdadeiros plásticos, em que a lignina é utilizada como material básico. O bagaço seco contém de 13 a 22% de lignina, que reage com plastificadores, o que reduz o ponto de amolecimento. Entre esses materiais encontram-se a anilina, o fenol e o furfurol, produzidas por hidrólise a ácido das pento-sanas do bagaço.

UTILIZAÇÃO DO MELAÇO

O melaço apresenta uma composição altamente com-plexa e variável, tendo como principais constituintes a sacarose, o açúcar e a água. Existem diversos processos para a separação da sacarose do melaço, mas, como nenhum deles é económico, o resultado é que boa parte da sacarose da cana (uma média de 15,58%) fica perdida no melaço. Isso explica o constante esforço no

tido de lograr o aproveitamento lucrativo dessa maté-rjfnas indústrias de fermentação e destilação, na alimentação do gado, na obtenção de proteínas, etc.

Afora a produção de aguardente e de álcool industrial e anidro, pode-se obter da fermentação do melaço acetona e o butanol, solventes de largo emprego industrial Outro produto de muito interesse é o fermento alimentício, que surge como uma fonte barata de alimentos proteinados. No Brasil já se fabrica levedura, partindo do melaço, contendo cerca de 50% de proteína bruta, 6% de lipóides, 27% de substâncias não azotadas, 6% de ácido nucleínico e mais vitamina B1, vitamina B2, vitamina B6, niancina, ácido pantotênico, ácido fólico, bio-tina, ergosterina, cholina, inositol e ácido paraminoben-zóico.

O emprego do melaço na alimentação do gado, como assinala o pecuarista José Resende Peres, representa um dos setores mais atraentes de utilização.

Autores estrangeiros também não escondem o seu entusiasmo a respeito. A. C. Barnes, por exemplo, afirma que o melaço possui, pelo menos, 70% do valor nutritivo do milho, embora, em determinadas experiências, tenha chegado até 85%. O melaço atua como valioso aditivo no preparo de ensilagens. Também pode ser servido na forma de comida preparada na hora, quer como alimento líquido, quer como ingrediente para rações mistas e, ainda, como alimento de inverno ou ração mitigadora na estação das secas.

O Dr. J. Mota Maia e o economista Wilson Carneiro, em artigos sucessivos, no "Brasil Açucareiro", tiveram a oportunidade de abordar, com flagrante atualidade, o pro-blema das proteínas do melaço no Brasil. O Dr. Mota Maia defende a tese de que a agroindústria canavieira está habilitada, através do fornecimento de proteínas e outros elementos necessários ao fortalecimento dos rebanhos brasileiros, a contribuir de forma decisiva para a reformulação da pecuária brasileira. Segundo ele, a destinação do melaço em um país como o Brasil, que possui um dos maiores rebanhos de bovinos do mundo, sacrificado pelas condições de subnutrição ou escassez de

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alimentos em certos períodos do ano, "deve ser, em primeiro lugar, no revigoramento de sua pecuária para que se alimente melhor o povo brasileiro, para que se extinga ou reduza o fantasma da fome e se produzam divisas com a exportação de carne". O economista Wilson Carneiro destaca a magnitude do mercado de proteínas para fins de alimentação nacional, cuja demanda permanece inatendida no País. No seu entendimento, a indústria de levedura da cana-de-açúcar, já instalada pelo I.A.A., é um esforço oficial positivo nesse sentido. "É de esperar-se que o seu efeito germinativo possa motivar o setor privado a iniciativas semelhantes, com res-paldo em estímulos institucionais próprios. Agir supleti-vamente, concentrando recursos na pesquisa e em inves-timentos pioneiros, deferindo à empresa privada, progres-sivamente, a exploração industrial desses novos setores da sucroquímica, deve ser a principal tarefa do Estado".

PASTA DE FILTRAGEM

O resíduo que se obtém da filtragem da borra oriunda do processo de clarificação constitui um material variável em quantidade, teor de umidade e composição, de acordo com fatores diversos, inclusive a variedade e a maturidade das canas, o método de clarificação e o tipo de equipamento usado para a sedimentação e filtragem.

A recuperação da matéria cerífica que recobre a casca da cana-de-açúcar se incorpora às proporções ponderáveis (cerca de 50%) à pasta de filtragem vem sendo processada nos últimos anos. Numerosos processos são utilizados para este fim, com rendimentos diversos, que condicionam a sua utilização mais ou menos bem sucedida. A comercialização do produto obtido depende da obtenção de uma cera refinada de qualidade uniforme, relativamente a cor e outros caracteres físicos. De um modo geral e comparativamente aos avanços logrados em matéria de aproveitamento do bagaço e do melaço, os resultados até aqui obtidos com a pasta de filtragem devem ser considerados discretos.

CAMINHO A PERCORRER

É evidente que o progresso da tecnologia abre, a cada dia que passa, novos horizontes para o aproveitamento da cana-de-açúcar. Utilizações até pouco insus-peitadas tornaram possíveis e passaram sem demora da fase experimental do laboratório para a fase industrial das usinas, produzindo comercialmente. E se o surto não tem sido mais acentuado deve-se, em grande parte, ao progresso espetacular da petroquímica, dominando áreas que poderiam ser ocupadas pela sucroquímica, não fora o fator económico do custo de produção que se apresenta, em tais casos, mais baixos no setor do petróleo que no da cana-de-açúcar.

Não obstante, a tendência ao surgimento no Brasil de novas indústrias de subprodutos da cana-de-açúcar e à ampliação das existentes é um fato que não se pode desconhecer. Tanto o I.A.A. quanto os produtores, através de suas entidades de classe ou isoladamente, procuram favorecer o surgimento de condições favoráveis à exploração mais racional das riquezas sem conta da cana-de-açúcar. Os problemas a enfrentar vão desde a definição dos melhores métodos para a obtenção dos subprodutos, originais ou adaptados às condições brasileiras, até o preparo dos quadros técnicos e da mão-de--obra indispensável à correia movimentação das fábricas que venham a ser instaladas com essa finalidade.

Em oportunidades diversas, o I.A.A. tomou iniciativas nesse sentido, algumas de influência decisiva para o futuro da industrialização dos subprodutos da cana-de--açúcar no Brasil. Como um exemplo entre muitos pode ser apontado o acordo firmado com o Instituto de Antibióticos da Universidade Federal de Pernambuco, visando ao aperfeiçoamento das pesquisas sobre síntese biológica e aproveitamento dos resíduos industriais da cana--de-açúcar e ao estudo microbiológico dos solos de cultivos.

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Em páginas anteriores cuidamos de assinalar que, ao ser criado, em 1933, o Instituto do Açúcar e do Álcool tinha funções predominantemente (para não dizer exclusivamente) económicas. Chamado a sanear o mercado, através da aplicação da política de defesa da economia açucareira, tratou a autarquia de ajustar a produção ao consumo, mediante a fixação de quotas de fabricação e de dar destino aos excedentes apurados, quer facilitando a sua venda nos mercados externos, quer favorecendo a sua transformação em álcool, do que se originou a política do álcool carburante, de rápida expansão.

Mas não demorou e o I.A.A. teve de palmilhar outros campos de atividade, extendendo a sua atuação a seto-res diversos, todos, no entanto, vinculados à agroindús-tria da cana-de-açúcar. Entre os setores assim incorporados, pela força das circunstâncias, à atividade normal do I.A.A., queremos destacar aqui o da divulgação e da cultura. Essa atividade começou de forma discreta, para se ir ampliando, aos poucos mas de modo continuado. Da primeira publicação periódica passou-se à edição de livros, primeiro os de natureza técnica, em seguida os de conteúdo cultural, com ênfase nas questões históricas. Não demorou que, dentro da especialização da história, se fizesse sentir a necessidade de amparar a pesquisa do capítulo do açúcar, daí nascendo um serviço de documentação, com a consequente publicação de documentos históricos da maior importância para o melhor conhecimento dos temas canavieiros na evolução brasileira. Tudo a culminar com a criação, no Recife, do Museu do Açúcar, cujo trabalho para a melhor definição e conhecimento da influência do açúcar na civilização brasileira permite avaliar corretamente a importância do papel exercido pela autarquia em matéria de divulgação e cultura.

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Do ponto-de-vista administrativo, esse processo de ampliação da atuação do I.A.A. foi continuado e metódico, embora, por vezes, pudesse dar a impressão de certa lentidão. Da criação, em 1933, à aprovação do seu Regimento Interno, em 1951, o progresso foi permanente, através do aperfeiçoamento das publicações e da criação de serviços especializados. Chegou-se, desse modo, à formação do Serviço de Documentação, que inclui entre as suas finalidades, além da de publicar o órgão oficial da autarquia, a de editar livros, inclusive traduções estrangeiras, de organizar pesquisas históricas e outras ativi-dades culturais, coligindo, ordenando, classificando e catalogando a documentação obtida e a de manter uma biblioteca, que, afora dispor de obras de interesse da autarquia, deve organizar a mapoteca, a iconografia, a discoteca e a filmoteca. Todo um esquema de trabalho capaz de garantir não apenas a divulgação dos temas canavieiros como também de permitir a correta avaliação do respectivo alcance cultural.

PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS

Quando da sua criação, em 1933, o I.A.A. absorveu a Comissão de Defesa da Produção de Álcool e a Comissão de Defesa da Produção de Açúcar, criadas anteriormente para amparar os dois setores da economia cana-vieira. Em consequência, a nova autarquia passou a editar a revista Economia e Agricultura, órgão oficial da Comissão de Defesa da Produção de Açúcar, cujas ativi-dades difundia. O I.A.A. publicou Economia e Agricultura até fevereiro de 1934, pois, em março do mesmo ano, em sua substituição, aparecia o Brasil Açucareiro. Justificando a escolha do novo nome, dizia a revista: "Brasil Açucareiro não é expressão tão estreita que comporte, apenas, indagações de ordem técnica, nem tão ampla que permita escapar ao tema da cana-de-açúcar, planta, indústria e comércio."

A revista tem procurado acompanhar o crescimento das atividades da autarquia. Houve o ajustamento da apre-sentação gráfica às modernas técnicas da impressão.

Além disso, diversificou-se a matéria publicada, de modo a interessar novos grupos de leitores. O limite primeiro da cana-de-açúcar como planta, indústria e comércio acabou transposto com vantagem, particularmente no que diz respeito aos aspectos propriamente culturais, com o que a publicação se credenciou ao apreço de setores cada dia mais amplos da intelectualidade brasileira.

Quem se der ao trabalho de apreciar, ainda que de forma sumária, os 57 volumes que compõem a coleção de Brasil Açucareiro, em marcha para o seu quadragésimo aniversário, avaliará melhor como se ampliou e diversificou o campo de ação da revista. A medida que o I.A.A., por força das circunstâncias, alargava a área de intervenção, novos assuntos passaram a exigir tratamento adequado no órgão oficial da autarquia. Isso explica, desde logo, a razão pela qual foram sendo divulgadas as matérias vinculadas aos aspectos legais da intervenção, ao aperfeiçoamento dos métodos industriais, à renovação dos processos de cultura da cana-de-açúcar, à implementação de um sistema de comercialização do açúcar e do álcool capaz de garantir as melhores condições para o fluxo da produção.

Mas, ao mesmo tempo em que se aprimorava como instrumento de divulgação, o Brasil Açucareiro tomava importância como instrumento cultural. Através de suas páginas passaram a ser divulgados artigos que abriam novos rumos aos conhecimentos sobre a cana-de-açúcar no Brasil, a sua geografia e a sua história. Muitos desses artigos foram posteriormente reunidos em livros e editados pelo I.A.A., que, desse modo, favorecia a sua maior divulgação e consequente contribuição ao melhor conhecimento dos problemas brasileiros.

Nos dias atuais o Brasil Açucareiro procura manter viva essa tradição, coordenando, do melhor modo possível, a divulgação e a cultura. Disso dá prova a permanente publicação de trabalhos técnicos inéditos, muitos deles versando sobre problemas da atualidade canavieira, e através dos quais se procura oferecer aos setores interessados materiais da maior importância para o correto desempenho de suas atividades. Mas o aprimoramento

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da parte de divulgação não importa em sacrifício da parte mais caracterizadamente cultural. Como prova aí estão os números da revista dedicados aos temas culturais, no mês de agosto dos seis últimos anos, os quais se revelam excelente repositório de informações e apreciações sobre assuntos vinculados, de forma direta ou indi-reta, à cana-de-açúcar.

Outra publicação periódica, esta de caráter estritamente técnico, é o Anuário Açucareiro, reunindo todos os elementos necessários ao conhecimento seguro e à avaliação correta da safra, tanto de açúcar quanto de álcool. Num setor económico disciplinado pelo Estado, com a profundidade que se verifica na agroindústria canavieira, uma publicação desse tipo é sempre da maior utilidade e o seu aparecimento é outra prova do empenho com que a autarquia atende às necessidades da divulgação.

Ainda no campo das publicações periódicas do I.A.A., cabe citar a revista Jurídica, publicada trimestalmente pela Divisão Jurídica. Ao aparecer, em 1955, sob a forma de Boletim da Divisão Jurídica, a sua finalidade maior era a de proporcionar aos Procuradores do I.A.A. um repositório útil e proveitos para o desempenho de suas funções. Desde o primeiro número a publicação se impôs pela qualidade e volume do material reunido e distribuído em cinco seções distintas, a saber: Doutrina, Pareceres, Jurisprudência, Legislação e Decisões dos órgãos Administrativos. A partir do número 74, já no seu sétimo ano de circulação, em 1961, a publicação passou à denominação atual. A transformação em revista não alterou o programa original, nem estabeleceu solução de continuidade ao esforço iniciado em 1955. Houve apenas a modificação da apresentação material, que se modernizou, e um esforço para adaptar a matéria, publicada às circunstâncias do tempo, "pois os problemas ligados à defesa da economia açucareira no Brasil constituem já, hoje, uma valiosa experiência a serviço do interesse social, reconhecida por todas as categorias económicas incluídas nessa atividade".

EDITORAÇÃO

Igualmente louvável tem sido o esforço do I.A.A. no campo da editoração dos trabalhos vinculados, de uma forma ou de outra, à cana-de-açúcar. A relação das edições, cobrindo um período de mais de 30 anos, e que abrange desde os livros internacionalmente consagrados aos modestos folhetos de orientação dos jovens estudantes, forma um expressivo conjunto do ponto-de-vista cultural. Na fase inicial, poucos anos depois da sua criação, a atividade editorial do I.A.A. se limitava às obras de natureza técnica: os estudos do então presidente da autarquia, Francisco de Leonardo Truda, em defesa da política económica que estava sendo aplicada no setor canavieiro, o livro do economista norte-americano O. W. Willcox, A Economia Dirigida na indústria Açucareira. É também dessa fase a primeira edição do livro do engenheiro Eduardo Sabino de Oliveira sobre a utilização do álcool-motor nos motores a explosão. O mérito desse trabalho não está apenas na sua primeira parte, puramente técnica, mas também na segunda, resumo e conclusão da primeira, escrita em linguagem feita para ser lida e compreendida por quem desejasse situar-se no problema.

Mas o primeiro grande evento do I.A.A. no campo da editoração foi a publicação, em 1941, da História do Açúcar, de Eduardo O. von Lipmann. Como assinala na explicação prévia à edição, o tradutor, por sinal excelente, Rodolfo Coutinho, "o aparecimento da tradução em português do livro de von Lipmann representava uma contribuição oportuna em prol da nossa cultura, tornando acessível aos leitores que desconhecem a língua alemã a obra mais completa que já se escreveu sobre o açúcar". No caso, o significado da iniciativa editorial do I.A.A. não estava apenas no texto a divulgar, embora o mais completo que se escrevera até então sobre o tema açucareiro. Estava, igualmente, no método de trabalho seguido pelo autor, diz o tradutor, "no seu labor probo, na forma honesta em que recolhera os materiais que serviam de base às conclusões, no cuidado com que chegara a cada uma delas antes de incluí-las na forma

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defintiva no seu trabalho". E terminava o Sr. Rodolfo Coutinho. "Nossa cultura incipiente precisa desses modelos, que, conquanto não possamos ainda seguir, devem pairar sobre nós como anseio, como ideal."

Igualmente merecedor de referência especial foi o aparecimento, em 1946, da História de um Engenho do Recôncavo, de autoria de Wanderley Pinho, com desenhos de J. Watsh Rodrigues. O livro originou-se de um concurso de monografias aberto pela autarquia cana-vieira, visando a registrar a história de um engenho de mais de duzentos anos, com a história dos preços do açúcar nos quatro primeiros séculos da vida brasileira e sua relação com o custo de vida, o trabalho servil e o assalariado e o aparelhamento dos engenhos e a técnica de fabricação de açúcar no período colonial, a origem e o desenvolvimento da usina, sob o ponto-de-vista da técnica industrial. O trabalho do Sr. Wanderley Pinho, entre os dos demais concorrentes, impôs-se à comissão julgadora, integrada pelos Srs. Oliveira Viana, Comandante Eugênio de Castro e Barbosa Lima Sobrinho.

O voto do relator Oliveira Viana, aceito pelos outros dois julgadores, afirma "não conhecer na literatura histórica brasileira nada que se compare ao trabalho do Sr. Wanderley Pinho, pela densidade da documentação e pela vivacidade da exposição e do comentário. É um mergulho dos mais fundos até hoje realizados nas fontes da nossa história local e regional."

COLEÇÃO CANAVIEIRA

A atividade editorial do I.A.A. tem prosseguido, pelos anos afora, com maior ou menor intensidade, conforme as circunstâncias. Na atualidade deve ser lembrada a Coleção Canavieira, iniciada em 1968 com o trabalho Prelúdio da Cachaça, de Luiz da Câmara Cascudo, e continuada com a segunda edição de Açúcar, de Gilberto Freyre, Cachaça, de Mário Souto Maior, e outros. Essa c o l e ç ã o se integra no objetivo de divulgar estudos relacionados com a cana-de-açúcar em seus aspectos sociológicos, históricos, folclóricos, técnico-

informativos, enfim sob todos os ângulos desta gramínea, que, afinal, sempre esteve ligada à história do nosso país, com reflexos nos eventos sócio-econômicos e na formação cultural do povo. Da mesma forma, é esse empenho de divulgar tudo quanto diga respeito à cana--de-açúcar que dá origem às numerosas separatas do Brasil Açucareiro sobre os mais variados problemas e através das quais se procura atingir grupos de leitores mais numerosos que os normalmente alcançados pela revista.

MUSEU DO AÇÚCAR

A atenção de tantos anos dispensada pelo I.A.A. aos problemas culturais e de divulgação acabariam por levar, como de fato ocorreu, à criação de um centro especializado, através do qual se coordenasse todo um programa de valorização da contribuição da agroindústria canavieira à civilização brasileira. Tal centro é o Museu do Açúcar do Recife, criado em 1960, instalado em sede provisória e transferido para a sede definitiva em 1963, com a abertura da exposição intitulada "O Açúcar e o Homem", É função do museu recolher, classificar e expor os elementos sociais, artísticos e técnicos mais representativos da agroindústria açucareira no Brasil, também, promover o melhor conhecimento e valorização da chamada civilização do açúcar, mediante estudos, pesquisas, cursos, concursos e outras manifestações de natureza cultural.

As instalações do Museu incluem três amplos salões para exposições, além de outras dependências também utilizadas para o mesmo fim. As exposições são de caráter permanente ou temporário. No auditório há instalações para a projeção de filmes e diafilmes, o que favorece a realização de conferências, debates, cursos e representações. O acervo do Museu, em permanente ampliação, foi formado através de doações e de compras de objetos ligados ao açúcar, tanto do ponto-de--vista técnico, quanto social ou histórico. Dedica-se, tam-

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bém, o Museu à atividade editorial, compreendendo a edição de folhetos e livros e a publicação da Revista do Museu do Açúcar. Afora a Biblioteca, reunindo mais de 6.000 volumes, incluindo uma Seção de Obras Raras e uma Mapoteca, funcionam no Museu uma Seção de Iconografia, uma Fototeca, com mais de 15.000 fotografias representando um valioso documentário, e uma Fonoteca, formada por discos e fitas gravadas de músicas populares e folclóricas.

Pelo que se vê, tem sido assinalada a contribuição cultural do I.A.A., ao longo de sua existência. Mesmo tendo presente que a sua função primordial básica é de natureza económica, destinada a assegurar a estabilidade da economia canavieira, nem por isso descurou a autarquia de outros aspectos também importantes do setor, entre eles a divulgação e a cultura. A coordenação de atividades aparentemente tão diversas é um merecimento que não se deve negar. São, pois, de louvar quantos, através dos anos, tiveram o cuidado de iniciar ou de continuar empreendimentos que, somados, depõem de forma tão expressiva a favor do I.A.A.

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I — PERÍODO COLONIAL

É admitida como marco inicial de nossa indústria açucareira a notícia de que, por alvará de 1516, Ei-Rei D. Manuel deu ordem ao Feitor e aos Oficiais da Casa da índia para providenciarem a vinda ao Brasil de um homem prático e capaz de instalar um engenho, determinando que se lhe dessem ajuda de custo, cobre, ferro e o que mais necessitasse para construir a fábrica. E as vagas notícias de que, no ano de 1526, teria entrado açúcar brasileiro em Portugal constituem o primeiro registro de nossa exportação.

Na época designada como do "Ciclo do Açúcar" (1560—1700), destacam-se, entre os fatos históricos, as invasões holandesas, provocadas, principalmente, pela cobiça ao açúcar brasileiro, que chegava aos mercados europeus através de Lisboa. Realmente, aqui instalados, os holandeses cuidaram logo de concentrar sua atenção na lavoura de cana e no fabrico do açúcar e, já entre os anos de 1637 e 1644, exportavam diretamente para a Holanda 2.070.135 arrobas de açúcar dos tipos branco, mascavado e de panela.

Com a retomada da terra invadida (1654), Portugal manteria, ainda, o açúcar na posição de principal riqueza brasileira até o ano de 1700. No entanto, nas primeiras décadas do século XVIII, o produto começava a perder tal liderança: o desvio da mão-de-obra escrava para a exploração de minérios, a redução nos preços pela concorrência do açúcar das colónias inglesas e francesas,

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a incerteza no cumprimento de prazos para embarque, motivada pela necessidade de navegar em comboio, como segurança contra os corsários, figuram como fatores pre-ponderantes do declínio.

Mas, no caso do "Ciclo do Ouro", registrado na segunda metade do mesmo século — com a retomada das atividades antes já consideradas mais rendosas e a devolução às mesmas da mão-de-obra escrava •— voltaram os negócios de açúcar a assumir lugar de destaque quase idêntico ao que desfrutara anteriormente. Assim é que, em 1760, o Brasil exportava para Lisboa o volume de 2 500 000 arrobas do produto. Essa reação no entanto, não perduraria por muito tempo. A aristocracia rural resultante da civilização do açúcar, contaminada dos hábitos e ostentação, motivava os senhores de engenho na formação de bacharéis e clérigos e não na de técnicos que pudessem acompanhar a Revolução Industrial que sobreviria à Revolução Francesa. Em consequência, enquanto o Brasil continuava no compasso lento da rotina com os elevados custos e o volume estacionário da produção, os nossos competidores da América Latina absorviam rapidamente as novas técnicas que surgiam, conquistando os mercados na proporção em que os mesmos se retraíam para o produto brasileiro.

Ao sabor desses acontecimentos, anos melhores por piores, os valores numéricos registrados pela precária estatística do tempo estão assim expressados na obra História Económica do Brasil, de Roberto C. Simonsen:

.

Anos Arrobas Anos Arrobas

1560/70 180 000 1650 4 200 000

1580 350 000 1650 2 100 000 1582 350 000 1670 4 000 000 1600 2 450 000 1670 2 000 000 1600 2 800 000 1700 1 750 000 1600 2 000 000 1710 1 300 000 1600 1 200 000 1710 1 600 000 1610 735 000 1760 2 500 000 1610 4 000 000 1770 1 770 000 1617 1 000 000 1776 1 500 000 1628 900 000 1796 1 540 000 1630 1 300 000 1806 1 500 000 1630 1 300 000 1809 660 000 1640 1 800 000 1812 460 000 1645 1 000 000 1820 4 700 000 1645 1 200 000 1822 4 790 000

II — NO TEMPO DO IMPÉRIO

a) Concorrência da beterraba — Até 1830, pela inexistência do açúcar de beterraba, o açúcar de cana, logicamente, exerceu monopólio absoluto no mercado mundial. Mas, a partir dessa época, já o açúcar de beterraba começava a se insinuar no consumo europeu. Originado das experiências do químico alemão Andreas Sigismund Markgraf (1709/1782), por volta de 1812 era fabricado industrialmente por Joham Wilhelm Placke, na zona prussiana de Magdeburg. A partir de então, a indústria tomaria grande impulso, inicialmente na Alemanha para, depois, desenvolver-se por toda a Europa e, mesmo, nos outros continentes.

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Os demonstrativos a seguir, extraídos do segundo volume da obra The World Sugar Economy Structure and Policies, editada pelo International Sugar Council, oferecem nítida ideia da introdução e da expansão do açúcar de beterraba, bem como do impacto que causou o produto no mercado, depois de vencidas as resistências dos experts da época, que não acreditavam na possibilidade da nova matéria-prima e da técnica de sua industrialização virem a concorrer com o tradicional açúcar de cana:

PRODUÇÃO DE AÇÚCAR DE BETERRABA NO PERÍ ODO 1836/880 (t.m.)

Pais 1836 1839 1846 1856 1866 1880

Austria-Hungria — 2.000 5.000 55.000 150.000 533.000 Bélgica — — — — — 65.000 França — 22.000 54.000 83.000 204.000 331.000 Alemanha 1.408 13.000 20.000 104.000 201.000 594.000 Rússia — — — 17.000 72.000 304.000 Dinamarca — — — — — 2.000 U. S. A. — — — — — 1.000

PROGRESSÃO DA PRODUÇÃO DE AÇÚCAR DE BETERRABA (%) — PERÍODO DE 1800 A 1880 —

Produção mun dial (t.m) 1800 1830 1840 1850 1860 1870 1880

Açúcar de cana 245 572 661 907 1.373 1.771 3.832 Açúcar de beterraba— — 55 169 352 952 1.857 Percentagem/aç.

de cana 100 100 92 84 80 65 52 Percentagem/aç.

de beterraba 0 0 8 16 20 35 48

b) Confronto entre o desenvolvimento do açúcar de cana no Brasil e nas demais áreas produtoras — Enquanto o açúcar de beterraba ia alcançando a importância que

afinal, assumiria no mercado mundial (registrando-se períodos em que a sua produção foi superior à do açúcar de cana), a nossa produção não chegava a acompanhar o ritmo de crescimento observado nas demais áreas competidoras, principalmente Cuba, que, de 1830 a 1880, passou de 74.000 a 538.000 t.m. (727%), enquanto nós progredíamos apenas de 84.000 a 222.000 t.m. (264%), em idêntico período.

Na Ásia, onde a produção até o ano de 1820 era praticamente nula, em 1880 se registrava o volume de 426.000 t.m., das quais, só em Java, 216.000, e o restante nas Ilhas Filipinas.

Em 1830, quando a produção mundial de açúcar de cana era de 572.000 t.m., o Brasil contribuía com 15% para esse total (84.000 t.m.), Cuba com 13% (74.000 t.m.) e a Ásia com apenas 2,8%. Em 1880, para a produção global de 1.975.000 t.m., tais índices modificavam-se contra nós, registrando-se as parcelas de 11,2% para o Brasil (222.000 t.m.), 28% para Cuba (538.000 t.m.) e 21,5% para a Ásia (426.000 t.m.).

c) Reflexos económicos de fatos históricos — Em 1785, D. Maria I, mãe de D. João VI, proibiu a existência de indústrias no Brasil. Nessa situação, de apenas fornecedor de matéria-prima a Portugal, a colónia recebia, em 22 de janeiro de 1808, o Rei D. João VI e sua corte, que aqui vinham se instalar, refugiados dos exércitos de Napoleão. Seis dias depois, assinava o rei a Carta Régia de Abertura dos Portos, sob a influência direta de José da Silva Lisboa (depois Visconde de Cairú), ardente defensor da doutrina do Liberalismo Económico, de Adam Smith.

Livrava-se, assim, a colónia dos grilhões do decreto de D. Maria I. Mas não a tempo de recuperar o atraso na competição da técnica. Além disso, a abertura dos portos, na primeira fase, trouxe mais vantagens para a Inglaterra do que para nós próprios: pelo Tratado de Methuen (1703), a Grã-Bretanha tinha direito ao monopólio da venda de produtos manufaturados a Portugal. Assim, abertos os portos brasileiros, começaram a neles entrar os mais diversos e estranhos objetos da indústria inglesa.

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Chegavam-nos, até, patins para gelo, fogões para cale-fação de casas, bacias de cobre para aquecimento de camas, grossos cobertores de lã, etc. E nós, como pálida compensação, mandávamos para lá madeira, milho, café, algodão, pois era o que tínhamos. No entanto, por aquela época, as índias inglesas já produziam 121.000 toneladas métricas de açúcar e nós não mais do que 21.000.

Não tínhamos, sequer, condições para acelerar o desenvolvimento da indústria açucareira, pois a aristocracia rural dos senhores de engenho não contratara técnicos, não aprendera os métodos modernos de fabricação. Simplesmente, formara bacharéis. O Visconde de Cairú, na época, protestava contra a desconcertante instituição do "Bacharelismo", declarando: "Detesto os abismos das minúcias e formalidades das intrigas forenses, o trato com os juízes, a lida com os meirinhos, as lutas com as partes, toda essa cozinha forense que tem afastado para sempre, da advocacia, tantos e tantos que nela ingressaram cheios de ilusões."

Outro aspecto importante a considerar é o verdadeiro turbilhão de acontecimentos históricos ocorridos nos últimos anos do século XVIII e na primeira metade do XIX: Inconfidência Mineira, morte de Tiradentes, Inconfidência Fluminense, Revolução Baiana, Revolução Pernambucana de 1817 e 1824, chegada da família real, Abertura dos Portos, Independência, Dissolução da Constituinte, Constituição de D. Pedro I, sua abdicação e início da Regência.

Não se pretende negar, absurdamente, a positividade de quase todos esses fatos. O que se afirma é que se amontoaram todos, tumultuando a administração e, con-sequentemente, a economia do País.

No governo de D. Pedro II houve relativa calma polí-tico-administrativa, registrando-se, no seu final (1888), a abolição da escravatura, de conhecidos reflexos na nossa economia, os quais, no entanto, só se fariam sentir em toda sua plenitude já na novel República. Curioso é notar que, justamente no tempo de D. Pedro II, os registros estatísticos de exportação escasseiam, desaparecendo em

1831, para só reaparecerem em 1880, pelo menos no resul-tado de nossas pesquisas. São os seguintes os parcos dados colhidos, no tempo do Império:

(Roberto C. Simonsen) (João Severiano da Fonseca Hermes Jr.)

Arrobas Quilos

1822 — 4 790 000 1880 — 216 461 155 1831 — 5 200 000 1881 — 161 258 398

1882 — 246 789 276 1883 — 178 655 483 1884 — 329 274 965

Ainda pelo cálculo estimativo de Roberto C. Simonsen, de que entre os anos de 1700 e 1850 o Brasil teria exportado não mais do que 450 milhões de arrobas, admi-te-se, apenas, a possibilidade de ter havido exportação até aquele último ano, desconhecidos, no entanto, as quantidades exportadas, por ano. Fica, portanto, o lapso de tempo que vai de 1850 a 1880 (30 anos), sem qualquer informação.

Ill — DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA A INTERVENÇÃO ESTATAL

Em 1889, informa o International Sugar Council que a produção mundial de açúcar era de 2 654 000 t.m. extraídas de beterraba e 1 486 000 t.m. de cana, ou seja, o total de 4 140 000 t.m.

Observa-se que o açúcar de beterraba já assumira a liderança da produção, pois, produzido quase que exclu-sivamente na Europa, teve, em pouco tempo, altamente aprimorada a sua técnica de fabricação, enquanto o açúcar de cana não logrou desenvolvimento correspondente, pois, com seu grande mercado de 50 anos passados, a Europa não só já se auto-abastecia como vinha com ele concorrer, internacionalmente. Além disso, o açúcar de cana era produzido nas colónias dos países europeus, que, agora, tinham o produto de beterraba em casa e

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não se interessavam mais pelo desenvolvimento da indús-tra longínqua, com o ónus do transporte e a administração difícil. Nas colónias inglesas e francesas a produção entrou em acentuado declínio. A mesma situação teria se verificado nas colónias espanholas da América Central e na América do Sul, não fossem as circunstâncias: 1? — emancipação das colónias espanholas e da portuguesa, o Brasil; inversão maciça de capital americano na América Central, principalmente Cuba.

Definidas as áreas de produção de açúcar de cana e de açúcar de beterraba, em relação ao produto de cana, destacaram-se Cuba, na América Central, e Brasil, na América do Sul. A natural competição entre as duas nações foi amplamente dominada por Cuba, como demonstra o quadro abaixo:

Ano» .......... 80 a 85 85 a 90 | 90 a 95 i 95 a 1900

1900 a 1905

1905 a 1910

1910 a 1915

Brasil _____ Cuba .......... 100

569 75

665 90 80

963 884 110

966 110

1.419 150

2.344

(1.000 tm — Int. Sugar Council)

Com a Europa auto-abastecida e a América do Norte suprida de sua incipiente produção pelo açúcar de Cuba, cumpria ao Brasil a busca de outros mercados, principalmente o dos seus vizinhos da América do Sul, onde a Argentina produzia muito irregularmente, devido à intermitência de geadas e a produção de mais um ou outro país não tinha expressão para abastecimento do continente. Mas nós não possuíamos condições para a formação de mercados regulares porque a produção estagnara, enquanto o consumo interno crescia, deixando pouca margem para excessos exportáveis. E nem poderíamos sair desse status quando a mão-de-obra gratuita passou a assalariada, com a Abolição, aumentando de muito o custo de produção, sem que se pudesse compensar tal mutação económica com o aprimoramento da técnica de fabricação, consideravelmente distanciada nas outras

áreas de produção do nosso teimoso e pitoresco rudi-mentarismo.

A mudança do regime político de Império para República, com as suas implicações de adaptação, e o tumultuado governo do Marechal Floriano constituíram, por sua vez, cenário desapropriado a uma estabilidade económica.

Reflexos da soma dessas circunstâncias assim se tra duzem: de 1882 a 1889 (7 anos) o Brasil exportou ------------- 1 456 442 670 quilos de açúcar, enquanto de 1903 a 1914 (11 anos) exportou apenas 369 539 065 quilos. (J. S. Fonseca Hermes Jr.).

Fato a um só tempo curioso e lamentável foi o ocorrido entre 1910 e 1920 e, possivelmente, em outras épocas não anotadas: o Brasil importou açúcar, embora em pequenas quantidades, dos tipos "candi" e em tabletes, como informam os seguintes registros de J. S. Fonseca Hermes Jr.:

Quilos Quilos

1910 - - 113 741 1915 — 42 115

1911 - 106 109 1916 — 52 321 1912 - - 104 577 1917 — 18 873 1913 - - 152 795 1918 — 33 497 1914 - - 89 936 1919 — 104 635 1920 — 5 950

O pequeno volume importado não teria maior significação se não servisse como retrato do nosso atraso tecnológico, impeditivo da simples transformação do açúcar comum nos tipos "candi" e em tabletes.

De 1889 (Proclamação da República) a 1901 (12 anos), não encontramos nenhum registro de exportação de açúcar brasileiro. A partir daí, até 1914 (1? Grande Guerra), são os seguintes os volumes exportados:

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Anos Quilos Anos Quilos

1901 187 166 134 1908 31 577 394 1902 136 757 259 1909 68 483 331 1903 21 888 998 1910 58 823 682 1904 7 861 450 1911 36 208 301 1905 37 746 510 1912 4 771 697 1906 84 948 346 1913 5 371 457 1907 12 857 899 1914 31 860 342

(J. S. Fonseca Hermes Jr.)

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914—18) a pro-dução de açúcar de beterraba, na Europa, sofreu grande redução, não só pela devastação das terras dos países beligerantes, como pela convocação às armas dos traba-lhadores da indústria e da lavoura. Tal circunstância, com todas as suas implicações de elevação do preço e abertura de mercados importadores, estimulou a exportação de açúcar de cana em todas as áreas produtoras. O Brasil também se beneficiaria com a situação, mas, sem condições técnicas de aumentar a produção, passou a exportar quantidades excessivas em relação às necessidades do consumo interno, o que provocou a intervenção do Governo, em 1919, regulando e limitando a exportação.

Passada a guerra, quando a produção de açúcar de beterraba nos países europeus retomou sua posição anterior ao conflito (o que viria a ocorrer por volta de 1920), o total da oferta mundial de açúcar excedia a demanda em cerca de quatro milhões de toneladas, provocando séria crise, com a cotação de preços inferiores até aos custos de produção.

Somados a outros fatores correlatos, os reflexos da crise atingiram mais duramente a Cuba, onde cerraram as portas os Bancos Nacional, Internacional e Espahol de la Islã de Cuba, principais financiadores da produção. Nessa oportunidade, a intervenção norte-americana acabou por monopolizar integralmente o capitai da indústria açucareira daquela ilha do Caribe.

Em 1929, o problema da superprodução mundial che-_aria até a 'antiga Liga das Nações, onde experts do ivainio concluíram pelo revigoramento de uma ação inter-nnHonal buscando o equilíbrio do comércio entre as nações exportadoras e importadoras do produto. Seria a realização de um novo Acordo (Agreement) com extensão mais ampla do que a alcançada pelos anteriores, de relativos resultados, cuja história procuraremos resumir adiante, por nos parecer de grande interesse para este ensaio.

De 1914 a 1933, ano em que a exportação passou ao controle estatal, através do Instituto do Açúcar e do Álcool, o Brasil exportou os seguintes volumes:

Sacos de Sacos de

Anos 60 quilos Anos 60 quilos

1914 — 531 006 1922/23 — 2 582 910

1915 — 986 177 1923/24 — 574 430 1916 — 907 300 1924/25 — 53 031 1917 — 2 302 650 1925/26 — 286 150 1918 — 1 927 227 1926/27 — 807 683 1919 — 1 157 148 1927/28 — 500 622 1920 — 2 868 231 1928/29 — 247 957

1921/22 — 4 201 859 1929/30 — 1 407 602 1930/31 — 184 937 1931/32 — 674 315 Obs.: — At é 1919, J. S. 1932/33 — 424 500 Fonseca Hermes Jr. De 1920 em diante, Lubam bo de Brito.

IV — OS NOSSOS MERCADOS

a) O mercado livre mundial (resumo dos Acordos Internacionais do Açúcar) — Desde o desenvolvimento em escala industrial da produção de açúcar de beterraba na Europa, a partir de 1864, houve sempre a necessi-

168 169

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dade de acordos internacionais entre as nações importadoras e exportadoras do produto, para equilíbrio do mercado internacional.

O decano desses acordos foi assinado, em 1864, entre a Bélgica, a França, os Países-Baixos e o Reino Unido, quando já o crescimento desordenado da produção de açúcar de beterraba criava problemas na Europa.

A medida não alcançou o sucesso esperado, resultando, antes, no agravamento da questão, pois os países não participantes, em geral subsidiados pelos respectivos Governos, gozavam de isenção de impostos fiscais e conseguiam colocar o açúcar de sua produção nos países participantes do Acordo, por preços mais baixos do que o produzido neles próprios.

Em 5 de março de 1902, nova tentativa foi feita pela chamada "Convenção de Bruxelas" (Bruxels Convention), firmada entre os Governos da Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Países-Baixos, Noruega, Espanha, Suécia e Reino Unido. Em 1907, Luxemburgo, Suíça e Peru aderiram à Convenção, o mesmo ocorrendo com a Rússia, em 1908.

Também dessa vez o Acordo não correspondeu à expectativa, pois não estimulou a cotação mundial do produto e ocasionou a redução nos preços internos dos países participantes, com o consequente aumento assustador do consumo.

A "Bruxels Convention" teve duração prática até 1908, mas só foi formalmente extinta em 1918.

Em julho de 1929, com a intervenção da Liga das Nações, outro Acordo foi planificado para, afinal, ser concluído em 1931, constituindo-se no "Acordo de Chad-bourn" (Chadbourn Agreement), o primeiro instrumento de estabilização do mercado de açúcar em bases de extensão mundial, firmado entre os industriais de açúcar da Bélgica, Cuba, Tcheco-Eslováquia, Alemanha, Hungria, Indonésia, Polónia e, posteriormente, Peru e lugos-lávia. Foi fixado o período de cinco anos para duração do Acordo, que funcionaria nas bases de contenção da

rodução e regularidade na colocação dos volumes expor-ados- visando à eliminação gradativa dos estoques supérfluos,' no período.

Ainda essa tentativa viria a fracassar, em razão de não ter o Acordo de Chadbourn congregado número suficiente de exportadores, de modo que a limitação dos excessos nos exportadores membros do Acordo foi menor do que a expansão da produção nos países exportadores não participantes.

Na Conferência Monetária e Económica Mundial, rea-lizada em 1933, os delegados de países exportadores de açúcar que dela participaram iniciaram entendimentos para a realização de novo acordo internacional, o qual só viria a ser efetivado em 1937. Pela primeira vez o Brasil ficou entre os países membros, sendo os demais integrantes a Austrália, Bélgica, Cuba, Tcheco-Eslováquia, República Dominicana, Alemanha, Haiti, Hungria, índia, Países-Baixos, Peru, Portugal, Rússia, União Sul-Africana, Reino Unido e Estados Unidos.

O mercado de açúcar foi, então, regulado mediante o sistema de cotas de exportação. Cada país participante teve regulada pelo Conselho de Administração do Acordo a percentagem básica para a tonelagem de exportação, sujeita a reajustamento durante o ano-cota vigorante, conforme a flutuação da oferta e da procura. Para esse reajustamento seriam necessários 3/5 dos votos dos conselheiros (o total era de 100, sendo 55 dos países exportadores e 45 dos importadores). A redução de cotas não poderia exceder de 5% a tonelagem básica de exportação fixada.

O Acordo foi estabelecido para cinco anos de duração e teve resultados satisfatórios nos dois primeiros anos em que funcionou. Depois disso (1939), pelos efeitos da Segunda Guerra Mundial, começou a se tornar inoperante, embora perdurasse até 1953. No período de extensão de duração do Acordo, isto é, de 1942 a 1953, nele ingressaram a França, Indonésia, México, Filipinas e lugos-1047' A Rússia dele se excluiu em 1 de setembro de

170 171

Page 81: Brasil Açúcar - Sem Autor

No ano de 1953 foi assinado o primeiro acordo de pós-guerra, com a participação dos seguintes países exportadores e importadores:

Exportadores Importadores

1 — Austrália 1 — Canadá

2 — Bélgica 2 — Alemanha 3 — China (Taiwan) Ocidental 4 — Cuba 3 — Grécia 5 — Tcheco- 4 — Japão

-Eslováquia 5 — Líbano 6 — Rep. Dominicana 6 — Reino Unido 7 — França 7 — Estados Unidos 8 — Haiti 9 — Hungria 10 — Países Baixos 11 — México 12 — Filipinas 13 — Polónia 14 — Portugal 15 — África do Sul 16 — Rússia

Ao todo 23 países, nos quais, desta vez, não estava incluído o Brasil, que, embora participando da Conferência de instalação, não se conformou com a pequena cota que lhe foi reservada.

Funcionando o Acordo nas mesmas bases do anterior, estabelecia o seu regulamento reuniões periódicas do Conselho de Direção para revisão das cotas de exportação fixadas. Na reunião realizada em 1956 foi celebrado um Protocolo, pelo qual, ao subscrevê-lo, voltava o Brasil a integrar a Entidade internacional com sua cota então revista e melhorada, juntamente com a Dinamarca, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Itália e

Paraguai, como exportadores, e Marrocos, Nova Zelândia e Nigéria, como importadores.

Em 1958, encerrado o prazo de vigência do Acordo rie 1953 lavrou-se, em substituição, o "Acordo Internacional do Açúcar de 1958", com os mesmos participantes do anterior, os quais representavam 95% dos países importadores e 65% dos importadores da produção mundial de açúcar.

Modificado estruturalmente em 1959, em face do desenvolvimento do comércio ocorrido no mercado mundial, o Acordo de 1958 seria objeto de um protocolo assinado em 3 e 4 de julho de 1963, estabelecendo, não só a extensão do seu prazo de duração até 31 de dezembro de 1965, como o estudo das bases e estruturas de um novo Acordo, a vigorar imediatamente após a data prevista para o encerramento.

Mas o novo Acordo não foi realizado na forma prevista, verificando-se, mesmo, a partir de 1960, total inobservância das suas cláusulas económicas por parte dos países membros. Nessa fase, o Brasil procurou manter os mercados importadores e as bases de preço compensador para o açúcar vendido, de modo a se documentar para novo Acordo que viesse a ser firmado.

Em 1967, os países membros reuniram-se em Nova York, no propósito do estabelecimento de um convénio estruturado em bases atualizadas, desde que era tacitamente aceita por todos a caducidade do Acordo de 1958. Mas não chegaram a qualquer conclusão, dada a impossibilidade de harmonizar os interesses de cada participante.

Em dezembro de 1968 voltariam os países membros a se reunir em Nova York, nas Nações Unidas, assinando, afinal, em 18 daquele mês e ano, o Acordo ora em vigor, aprovado pelo Governo brasileiro em Decreto-lei n? 492, de 6 de março de 1969. O documento contém 17 capítulos, assim organizados: objetivos, definições, a Organização Internacional do Açúcar — membros e administração, privilégios e imunidades, finanças, obrigações gerais dos membros, obrigações especiais dos membros

172 173

Page 82: Brasil Açúcar - Sem Autor

importadores, obrigações dos membros exportadores, preços, arranjos especiais, regulamentação das exportações, medidas de apoio e acesso aos mercados, estoque, revisão anual e medidas destinadas a estimular o consumo, exoneração de obrigações em situações especiais, litígios e reclamações e, encerrando, disposições finais.

Os objetivos principais assinalados são os de elevar o nível do comércio internacional do açúcar, principalmente com vistas a aumentar a receita dos países exportadores em fase de desenvolvimento; à manutenção de preço estável no mercado livre mundial; ao atendimento, com preços razoáveis, das necessidades de consumo dos países importadores, ao aumento do consumo mundial per capita do açúcar, ao equilíbrio entre produção e consumo mundiais; à observação atenta de evolução do uso de ciclamatos e outros dulcificantes artificiais, e, finalmente, a facilitar a cooperação internacional em assuntos relativos a açúcar.

Foi instituída a Organização Internacional do Açúcar como sucessora do "Conselho Internacional do Açúcar", com o objetivo de administrar o Acordo, sediada em Londres e dirigida pelo Conselho, seu Comité Executivo, seu Diretor Executivo e respectivo Secretariado.

O Conselho é constituído de todos os membros da Organização, cada qual podendo ter um ou mais suplentes e o número de assessores desejado.

Todos os poderes da Organização são exercidos pelo Conselho, que desempenha ou providencia qualquer medida necessária ao cumprimento do Acordo, nos termos do Regimento Interno.

O Presidente e o Vice-Presidente são eleitos dentre as Delegações do Acordo para cada ano-cota, exercendo suas funções sem ónus para a Organização.

O Conselho realiza uma sessão ordinária em cada semestre do ano-cota, podendo realizar sessões extraor-dinárias, obedecido o Regimento.

Os membros exportadores e importadores dispõem, ambos, de 1 000 votos em conjunto, constando do Regimento Interno a distribuição de votos de cada membro,

sem que nenhum disponha de mais de 200 ou menos de 5 votos. O Brasil dispõe de setenta votos como pa(3 exportador, categoria na qual figura em 31? lugar, depois de Cuba e Austrália, com 200 e 109 votos, respectivamente.

Todos os membros do Acordo têm garantias e obri-gações sobre fornecimento e importação de açúcar, obje-tivando a defesa mútua dos interesses em jogo. Tal defesa tem como base o estabelecimento de cotas de exportação para os membros exportadores com base no volume de consumo dos membros importadores, procurando o equilíbrio entre a demanda e a oferta, de modo a se obter preço básico compensador para os exportadores e razoável para os importadores. Como garantia de funcionamento desse mecanismo, estabelece o Acordo, entre outras medidas, a proibição aos membros importadores de adquirir açúcar dos países não membros, se o preço está abaixo do básico fixado e, em contraposição, a proibição aos membros exportadores de vendas de açúcar a países não membros, se o preço está acima do mesmo básico. Como os principais países de ambas as categorias são membros do Acordo, obtém-se, pelo sistema, relativo controle do preço básico.

São membros do Acordo Internacional do Açúcar de 1958 os seguintes países importadores e exportadores, com os respectivos votos atribuídos a cada um nas Sessões do Conselho e cotas de exportação fixadas para os exportadores:

174 175

Page 83: Brasil Açúcar - Sem Autor

EXPORTADORES

País Votos

1 — Bulgária 6 1 — África do Sul 60 625

2 — Camarões 5 2 — Argentina 9 25 3 — Canadá 74 3 — Austrália 109 1.100 4 — Costa do 4 — Bolívia 5 10

Marfim 5 5 — Brasil 70 500 5 — Espanha 13 6 — Comunidade 6 — Estados Económica

Unidos 200 Europeia 62 300 (*) 7 — Etiópia 5 7 — Colômbia 16 164 8 — Finlândia 16 8 — Congo 5 41 9 — Gana 5 9 — Costa Rica 5 -(**) 10 — Irlanda 7 10 — Cuba 200 2.150 11 — Japão 138 11 — China 12 — Líbano 5 (Taiwan) 55 630 13 — Libéria 5 12 — Dinamarca 5 41 14 — Malásia 18 13 — Equador 5 10 15 — Malawi 5 14 — El Salvador 5 — (**) 16 — Marrocos 25 15 — Filipinas 28 60 17 — Nigéria 7 16 — Guatemala 5 — (**) 18 — Noruega 15 17 — Haiti 5 10 19 — Nova Zelândia 12 18 — Honduras 5 -(**) 20 — Portugal 5 13 — Honduras 21 — Quénia 5 Britânicas 5 22 22 — Reino Unido 20 — Hungria 9 51

da Grã-Bre- 21 — Índia 38 250 tanha e Irlan- 22 — índias da do Norte 153 Ocidentais 45 200 (***)

23 — Rep. Centro 23 — Indonésia 10 81 Afr. 5 24 — Ilhas Fiji 16 155

24 — Vietnan 17 25 — Madagáscar 5 41 25 — Síria 5 26 — Maurício 23 175 26 — Suécia 10 27 — México 28 96 27 — Suíça 22 28 — Nicarágua 5 -(**) 28 — Tchad 5 29 — Panamá 5 10 29 — Tunísia 7 30 — Paraguai 5 10 30 — U.R.S.S. 200 31 — Peru 14 50

176

IMPORTADORES EXPORTADORES COTAS

Pais Votos País Votos (1.000 t.m.)

32 33

— Polónia — República

41 370

Dominicana 20 75 34 — Roménia 7 46 35 — Suazilândia 6 55 36

37 — Tailândia — Tcheco-

5 36

Eslováquia 39 270 38 — Turquia 10 60 39 — Uganda 5 39 40

41 — Venezuela

— F. Merc. Comum

5 17

C. Amer. 55 55

1.000 1 000 7.971

C) Bélgica, Luxemburgo, Rep. Fed. Alemanha, França, Itália e Países Baixos.

(**) Fundo do Mercado Comum Centro-Americano (Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua).

(***) Antigua, Barbados, Guiana, Jamaica, St. Kits, Nevis, Anguila, Trinidad e Tobago.

b) O Mercado Preferencial Norte-Americano — Até fevereiro de 1959, quando o regime de Fidel Castro foi implantado em Cuba, os Estados Unidos se abasteciam maciçamente do açúcar produzido naquela ilha do Caribe, onde a indústria açucareira funcionava na base exclusiva do capital americano. Nessa época, o Brasil exportava para a América do Norte pequenos e esporádicos volumes de açúcar, à mercê da complementação necessária ao seu consumo interno, sempre distribuída em pequenas cotas entre os diversos países produtores da América Latina.

177

IMPORTADORES

País Votos COTAS

(1.000 t.m.)

Page 84: Brasil Açúcar - Sem Autor

Interrompido o comércio entre Cuba e os Estados Unidos, com a vitória da revolução de Fidel, que, desde logo, nacionalizou a indústria açucareira, abriu-se a surpreendente oportunidade do mercado americano ser abastecido, na proporção do volume substancial de açúcar cubano antes importado, pelos países que até então apenas complementavam esse abastecimento. Dentre eles, sendo o Brasil o maior produtor de açúcar, coube-lhe razoável participação, que vem gradativamente aumentando, de modo que, nos últimos cinco anos, os nossos fornecimentos àquele país passaram de 269 815 toneladas métricas a 611 137, representando, no ano de 1969, recém-findo, 57,6% do volume total de açúcar brasileiro exportado.

V — A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA INDÚSTRIA DO AÇÚCAR

Criado o Instituto do Açúcar e do Álcool, pelo Decre-to-lei n° 22 789, de 1 de junho de 1933, para a defesa das indústrias açucareiras e alcooleiras nacionais, através do equilíbrio entre a produção e o consumo, a exportação de açúcar passou desde logo ao controle da autarquia. O artigo 17 do citado decreto-lei estabelecia: "Se se verificar o congestionamento dos mercados por excesso de produção e oferta de açúcar sobre as possibilidades do consumo nos mercados nacionais, poderá o I.A.A. retirar destes a quantidade de açúcar necessária ao restabelecimento do equilíbrio entre produção e consumo. § único — O açúcar adquirido pelo I.A.A. aos pro-dutores será restituído, posteriormente, ao mercado, se as condições deste o comportarem ou lhe será dado o destino que melhor parecer ao Instituto."

Caracterizando melhor o controle do I.A.A. sobre a exportação de açúcar, determina o artigo 56 do Regulamento aprovado pelo Decreto 22 981, de 25-7-33: "Se, na hipótese prevista no artigo 17 do Decreto n° 22 789, de 1 de junho de 1933, ou no artigo 3?, letra e deste Regulamento, houver de ser exportado açúcar adquirido pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, essa exportação será

feita diretamente pelo Instituto ou por intermédio de firmas por ele designadas, mediante a bonificação máxima de 2%, realizando-se a aquisição do produto, para tal fim, no mercado que oferecer economicamente maiores vantagens."

Posteriormente, peio artigo 82 do Decreto-lei n° 1 831, de 4 de dezembro de 1939, ficou tacitamente estabelecido: "Nenhuma exportação de açúcar poderá ser feita para os mercados estrangeiros sem ser por intermédio ou com a aprovação expressa do I.A.A."

Sob essa legislação, foram as seguintes as quantidades exportadas pelo Brasil, entre os anos de 1933 e 1964:

Safras (ses. 60 quilos) Safras (st 1946 —

is. 60 quilos)

1933/34 — 398 280 340 515

1934/35 — 1 448 197 1947 — 1 036 543 1935/36 — 1 380 466 1948 — 5 698 306 1936/37 — 4 969 1949 — 941 990 1937/ 38 — 134 715 1950 — 400 433 1938/39 — 805 913 1951 — 306 392 1939/40 — 1 102 211 1952 — 722 477 1940/41 — 41ô 084 1953 — 4 108 902 1941/42 — 769 248 1954 — 2 508 678 1942/43 — 386 202 1955 — 9 683 042 1943/44 — 963 148 1956 — 389 691 1944/45 — 418 2 27 1957 — 6 815 894

1958 — 12 930 158 1959 — 10 098 014 1960 — 14 246 241 1961 — 12 414 406 1962 — 7 976 446 1963 — 8 193 100 1954 — 4 470 684

Safras — Lubambo de Brito, in Pequena História do Açúcar no Brasil.

Anos — Boletins Estatísticos do Serviço de Estatística da D.E.P. (I.A.A.).

178 179

Page 85: Brasil Açúcar - Sem Autor

No aprimoramento do processo, chegou-se à Lei n° 4 870, de 1 de dezembro de 1965, que assim define a intervenção do I.A.A. na exportação:

Art. 19 — Os aumentos ou reduções da cota de produção de açúcar do País serão fixados pelo I.A.A., tendo em vista as necessidades do consumo e as possibilidades de exportação para o mercado internacional.

§19 — A parcela destinada ao atendimento de com-promissos de exportação constituirá um contingente móvel nacional, a ser atribuído, em cada safra, nos respectivos planos de comercialização, às regiões mais indicadas:

§29 — A parcela de exportação referida neste artigo destinar-se-á preferencialmente a atender ao escoamento da produção intralimite das regiões produtoras, cujos contingentes não sejam totalmente absorvidos pelo consumo das respectivas áree«3.

§ 8? — A fim de assegurar o ritmo adequado da produção de açúcar, o I.A.A., nos Planos Anuais de Safra, estabelecerá o mínimo indispensável de produção para as duas safras subsequentes, tendo em vista a projeção do consumo no mercado interno e os compromissos internacionais do Brasil.

Art. 39 — ............................................................................ § 30 — o açúcar extralimite produzido nos termos do

parágrafo anterior será destinado à exportação, etc. Art. 8? — Na fixação do contingente de exportação de

açúcar, o I.A.A. utilizará recursos da taxa específica, saldos de dotação do seu orçamento e recursos públicos criados ou que venham a ser criados para fomento da exportação de produtos gravosos, a fim de assegurar a defesa do preço e o equilíbrio estatístico entre a produção e o consumo.

Art. 20 — A receita do I.A.A. será constituída pelos seguintes recursos:

180

D — do produto da taxa de 3% sobre o preço oficial do saco de açúcar de qualquer tipo a ser fixado pela Comissão Executiva do I.A.A., para atender à política de exportação;

IV — dos eventuais resultados líquidos de exportação de açúcar para o mercado internacional;

Este último artigo 20 foi expressamente revogado pelo Decreto-lei n<? 308, de 28 de fevereiro de 1987, o qual, sobre o mesmo assunto, estabelece, no seu artigo 39: "Para custeio da intervenção da União, através do Instituto do Açúcar e do Álcool na economia canavieira nacional, ficam criadas, na forma prevista no artigo 157, § 99 da Constituição Federal, de 24 de janeiro de 1967, as seguintes contribuições, etc. Art. 59 — O saldo da receita proveniente da contribuição de que tratam os incisos 19 e 29 do art. 39 será destinado: I — 60% para constituição do Fundo Especial de Exportação previsto no artigo 28, da Lei 4 870, de 1-2-65, para defesa da produção e garantia ao produtor do preço oficial para o açúcar de exportação".

Esta a legislação básica sobre a exportação de açúcar, adaptada a cada safra com regulamentação específica do Conselho Deliberativo do I.A.A., através dos Planos Anuais de Safra, de maneira a que se harmonizem produção, consumo interno e demanda do mercado internacional.

Com os encargos da exportação de açúcar se avo-lumando e assumindo o setor, afinal, a importância que voltou a representar para a economia nacional, foi criada no I.A.A. a Divisão de Exportação, pelo Decreto n9 50 818, de 22-6-61. Tal providência viria racionalizar e dinamizar essa atividade atribuída à autarquia açucareira, consagrando, em definitivo, a planificação dos trabalhos com a mesma relacionados.

Vi — SITUAÇÃO ATUALi*)

Neste capítulo oferecemos detalhada visão da atual posição do Brasil no setor da exportação de açúcar. (*) Leis mais adiante o subtítulo DADOS DE ATUALIZAÇAO.

181

Page 86: Brasil Açúcar - Sem Autor

Devemos sua elaboração à bem organizada Divisão de Exportação do I.A.A., onde colhemos todos os elementos de informação aqui registrados, no testemunho implacável dos números e na inteligente disposição conferida aos mesmos em quadros demonstrativos, comparativos e elucidativos. Nosso trabalho foi o de interligá-los com pequenos textos, cuja função é, apenas, a da modesta linha que reúne preciosos retalhos.

Antes, uma ligeira explicação de como se procede à exportação de nosso açúcar.

O sistema inicia-se nos Planos Anuais de Safra com a fixação, pelas usinas selecionadas, do volume estimado para colocação no mercado externo. O tipo exportável, presentemente, é o demerara (raw sugar), com as características técnicas previamente estabelecidas, inclusive quanto aos sacos para embalagem, sendo a tonelada métrica (16,7 sacos de 60 quilos) adotada como unidade de peso. A medida em que a produção se vai desenrolando, o I.A.A. a vai adquirindo e armazenando, de modo a que, nos prazos compromissados para embarque, exista em disponibilidade o volume necessário da mercadoria. Ao se aproximar a oportunidade de venda para o mercado internacional, o I.A.A. promove a abertura de concorrência pública, discriminando nos editais respectivos os detalhes das condições exigidas para a transação. Os licitantes são firmas brasileiras represen-tando empresas que operam no comércio mundial e acodem aos editais de concorrência com ofertas de preço para colocação do lote da mercadoria nos mercados indicados. O vencedor da concorrência adquire, então, do I.A.A. o lote destinado à exportação e assume, com o mesmo, compromissos contratuais de embarque do produto nas condições estabelecidas (porto de embarque, responsabilidades sobre despesas, prazo, multas, etc).

E, assim, ganha o açúcar brasileiro os mercados do mundo onde hoje desponta como terceiro colocado, mercê de uma persistente política desenvolvida na última década, de estar sempre atento à demanda internacional

do produto, quer através da Organização Internacional do Açúcar, quer nos entendimentos diretos entre governos e representantes credenciados ou, ainda, no aproveitamento das oportunidades de novos mercados que surgem, como o norte-americano, depois da revolução de Cuba.

No ano de 1969, recém-findo, foi o seguinte o movimento de exportação de açúcar brasileiro.

Mercado preferencial norte-americano . 611 137 t. m.

Mercado livre mundial .............................. 450 066 t. m.

T0ta| .............................................. 1 061 203 t. m.

Correspondência em sacos de 60 quilos 18 044 670

Os portos de exportação foram os de Santos, Maceió e Recife, com os volumes abaixo:

tm.

Santos: 168 704

Maceió: 299 787

Recife: 592 712

O tipo exportado foi o demerara (raw sugar), com a polarização aproximada de 96° e a umidade de cerca de 1%.

Foram, também, exportadas 165 000 toneladas métricas de mel rico, produzido pelas usinas de Pernambuco, para o Japão e os Estados Unidos.

Os países importadores, com os respectivos volumes importados, foram:

182 183

Page 87: Brasil Açúcar - Sem Autor

Mercado Livre Mundial (t.m.)

1 — Alemanha Ocidental ... 1 000 2 — Argélia ..................................... 11 250 3 — Chile ........................................ 97 649 4 — Finlândia ................................. 41 902 5 — França ..................................... 25 000 6 — Iraque ...................................... 12 289 7 — Malásia .................................... 36 983 8 — Japão ...................................... 38 100 9 — Reino Unido ............................ 11 700

10 — Suécia ..................................... 13 122 11 — USA (reexport.) ....................... 40 235 12 — Uruguai ................................... 44 000 13 — Vietnan do Sul ........................ 76 836

Mercado preferencial norte-americano (t.m.) 1 — Estados Unidos da América do Norte .. 611 137

O valor total das exportações, em dólares, atingiu:

Açúcar US$ 112 064 087,66 Mel rico 4 592 449,67

■——" Mercado Livre

Mundial Mercado norteamerlcano TOTAL

AMO T. I. uss

T. 1. US$

T.M USS

545 574 532 495 450

497 752

?7 91)9 689 ?R9 815 32 ?83 230 815.312 60 192 919

to (

O <

o 'o

a

(Dco

MO

IO

?6 479 543 423 598 53 .63

613 998 3SU 80 114 16 250 ?n 694 390 462 653 6? 131 368 995 004 82 H2ò IW

918 ?fi 987 732 58? 789 7S .89

747 1.078 70/ 10b 8/9 4o 066 22 .50

1 926 611 137 89 .56

2 162 1.061 202 112 064 INM

)

Percentual entre os dois mercados

Ano o/ /o Mercado % Mercado

Livre Mundial Nort€ -americano

1965 66,9 33,1

1966 57,6 42,4 1967 63,5 46,5 1968 46,0 54,0 1969 42,4 57,6

As principais firmas brasileiras intermediárias na exportação de açúcar em 1969 e seus respectivos repre-sentantes no mercado internacional são as seguintes:

Soma US$ 116 656 537,33

A média ponderada de preços de venda situou-se em US$ 105,06 por tonelada métrica, sendo que o mercado preferencial norte-americano entrou com o peso médio de US$ 146,55 e o livre mundial com US$ 50,00 para o cálculo.

Para as vendas ao mercado livre mundial o açúcar foi produto gravoso, o mesmo não ocorrendo para o mercado preferencial norte-americano.

Durante os últimos cinco (5) anos, o volume e o valor do açúcar exportado pelo Brasil atingiu os seguintes índices:

Representados

1 — Coram S. A. M. Golodetz 2 — Colares Moreira Czarnikow Riond & Co.

& Cia. 3 — Reisdan, Comércio Amerop Corporation

e Agrícola 4 — S. A. Costa Pinto Cargil Incorporation 5 — E. G. Fontes Christman & Co. e

Wood House Drake Co. C. Zarnikow Ltd. e Farr Corp.

184 185

Firmas

6 — S. A. Magalhães

Page 88: Brasil Açúcar - Sem Autor

DADOS DE ATUALIZAÇÀO

Decorridos mais de dois anos da data em que este trabalho foi escrito, cumpre-nos atualizá-lo, na oportunidade de sua publicação definitiva como integrante do livro BRASIL/AÇÚCAR, editado pelo Instituto do Açúcar e do Álcool.

No transcurso desse tempo foi o seguinte, em síntese, o movimento de nossa exportação:

AÇÚCAR DEMERARA, EM TONELADAS MÉTRICAS 19 7 0

Mercado Mercado

Destino

Canadá . . . EE.UU. . . . França . . . Gana .... Japão . . . Coreia do Sul Líbano . . . Marrocos . . Senegal . . . Espanha . . . Tunísia . . . Uruguai . . . Vietnan do Sul . .

19 7 1

19 670 — 19 670 10 653 — 10 653 7 993 — 7 993

39 600 — 39 600 34 915 — 34 915

14 385 _______ 14 385

47 254 — 47 254 26 935 — 26 935 34 748 — 34 748 69 116 — 69 116 64 887 — 64 887 25 171 — 25 171 25 000 — 25 000 45 200 — 45 200 14 886 — 14 886 40 912 556 637 597 549

152 505 Soma 152 505

1 230 467

Para o corrente ano de 1972, a perspectiva de expor-tação de açúcar ascende a um mínimo de dois milhões de toneladas métricas. Levam a essa conclusão os seguintes fatores:

a) A nossa participação no mercado preferencial norte-americano, a partir de 1960, foi sempre crescente, exceção dos anos de 1962 e 1963, quando a demanda de consumo interno e as reduzidas safras não permitiram a exportação de maior volume. Em 1972, a nossa cota autorizada já se situa além de 540.000 toneladas métricas e tudo indica que se elevará bem mais, considerados os prováveis deficits

186 187

Argélia . • Ceilão -Chile - - • Finlândia . França . • Alemanha Ocidental Iraque . ■ Japão . • Malásia . . Marrocos . Roménia . Senegal . . Síria . . • Tunísia . . Uruguai . . EE. UU. . . Vietnan do Sul .

133 616

1 129 848

Livre Preferencial Total Mundial dos EE.UU.

9 550 21 4757 1825 320

15 9320 00

4 9810 1112 1516 3126 0448 59

9 5560 0357 18

8 25 32158 934 20 00

4 9810 11

5 12 1516 3126 0448 59

585 561

133 616

Soma

Page 89: Brasil Açúcar - Sem Autor

de fornecimento de outros países latino-ame-ricanos participantes do mercado e, naturalmente, o crescente aumento de consumo nos Estados Unidos;

b) quanto ao Mercado Livre Mundial, observa-se que alguns dos países produtores importantes reduziram as suas disponibilidades exportáveis quando a demanda do consumo interno de cada um determinou a elevação considerável dos preços e a suspensão das cotas de exportação fixadas pelo Conselho Internacional do Açúcar. Nessa altura, o Brasil dá início a uma safra que rigorosas estimativas preconizam como a maior jamais produzida (96,5 milhões de sacos de açúcar, de sessenta quilos) e, enquanto alguns países produtores tradicionais esgotam a sua capacidade de produzir, nós estamos ainda bem longe desse ponto de saturação.

Nos próximos meses deverá ser inaugurado o terminal açucareiro do Recife, já referido em nosso trabalho. Moderno armazém, com capacidade para 60.000 toneladas de açúcar destinado à exportação, acaba de ser inaugurado em Maceió e está sendo equipado com instalações para o embarque mecânico do produto. Em Pernambuco, as usinas produtoras do açúcar a ser exportado estão sendo aparelhadas com a construção de silos para armazenagem dos volumes destinados ao embarque pelo terminal açucareiro. Vagões vêm sendo construídos ou adaptados para o transporte de açúcar a granel, tudo num perfeito entrosamento armazenagem—transporte— embarque, nas melhores condições técnico-econômicas possíveis.

A legislação específica da agroindústria canavieira foi reformulada através da Lei n? 5 654, de 14-5-71, e do Decreto-lei n? 1 186, de 27-8-71, regulamentados por Atos da Presidência e Resoluções do Conselho Deliberativo do I.A.A. Esses diplomas legais instalaram as bases da política de concentração industrial e agrícola através da

fc.«ão ou incorporação de usinas e fundos agrícolas, pro-onrrionando os meios do complexo agroindustrial cana--Ln funcionar em regime de economia de escala. Ao l£smoI tempo desenvoL-se o Plano Nacional de Melho-lamento da Cana-de-Açúcar (Planalsucar), que reúne recursos fundamentais a um processo crescente de aperfeiçoamento da produtividade agrícola.

A soma de todos esses êxitos evidentes parece jus-««oaV a confirmação daquela mensagem de esperança Sm que enchamos, Já lá se vão dois anos e tanto, o noSo ensaio Exportação de Açúcar Bras.le.ro .

188

Page 90: Brasil Açúcar - Sem Autor

A indústria alcooleira do Brasil nasceu como contingência natural da açucareira, por ser o álcool um subproduto, fabricado, normalmente, com resíduo da fabricação de açúcar.

Entretanto, quando essa economia caminhava para o colapso, e o Poder Público sentiu a imprescindibilidade de evitá-lo, realizando o primeiro trabalho de profundidade, no País, em matéria de intervenção estatal, perdeu o álcool esse caráter para transformar-se em fator regulador dessa economia.

Com efeito, lutando a indústria com excedentes de cana, paralelamente a um progressivo aviltamento do preço do açúcar, em decorrência da maior oferta sobre a procura, enquanto cada vez mais sombrias eram as perspectivas, volveu o Governo suas vistas para a utilização do álcool como carburante, iniciativa coroada de êxito no Nordeste, e percebeu aí solução para dois problemas:

— o revigoramento da economia canavieira, contin-gentando a produção de açúcar, e transformando em álcool os excedentes de cana;

— a busca do equilíbrio da situação cambial do País, pelo aproveitamento do álcool como combustível em mistura com a gasolina, reduzindo a importação desta na mesma proporção da utilização daquele.

Ganhou o álcool, assim, excepcional importância, passando de um subproduto natural da indústria açucareira para fator de equilíbrio não só desta economia, mas do próprio País.

193

Page 91: Brasil Açúcar - Sem Autor

Em data de 4/8/1931, mediante Resolução s/n° do Ministério da Agricultura, foi criada a Comissão de Estudos sobre Álcool-Motor, com a finalidade de fomentar a produção, objetivando atender à política de mistura álcoo!--gasolina, tornada obrigatória, no País, pelo Decreto n? 19 717, de 20/2/1931, na proporção de 5% de álcool de procedência nacional sobre a quantidade de gasolina importada.

Logo após, em 7/12/1931, através do Decreto-lei n? 20 761, o então Governo Provisório do Brasil criou a Comissão de Defesa da Produção do Açúcar, com a finalidade de conter a superprodução deste e incentivar a transformação dos seus excedentes e dos de cana, então existentes, em álcool carburante.

Tendo em vista a identidade de interesses, deliberou o Governo Federal, em 1/6/1933, pelo Decreto n° 22 78 9, fundir a Comissão de Defesa da Produção do Açúcar com a Comissão de Estudos sobre Álcool-Motor, criando o Instituto do Açúcar e do Álcool, como órgão de intervenção estatal no setor da agroindústria canavieira.

Como incentivo à indústria alcooleira, providenciou o IAA, de imediato, a instalação de destilarias centrais nos principais centros produtores, e a concessão de financiamentos para a aquisição e instalação de destilarias anexas às usinas.

Período relativamente tranquilo e evolutivo foram para o álcool os anos que se seguiram, até que a Segunda Guerra Mundial, na Europa, com a participação dos Estados Unidos da América e do Brasil, fez escassear a gasolina no País, aumentando a procura do álcool-motor.

Nessa oportunidade, promulgado o Decreto-lei n? 4 722, de 22/9/1942, foi a indústria alcooleira considerada de interesse nacional, sendo estabelecidas garantias de preços mínimos para o álcool e para matéria-prima destinada à sua fabricação, pelo prazo de 4 anos.

Tornou-se necessária a organização de um cadastro, com indicação de todas as compras feitas nos centros consumidores, controle do comércio do álcool e fiscalização do destino do combustível — vendido, para dificultar sua utilização nos automóveis, quando adquirido

oara fins industriais; e medidas idênticas em relação ao álcool industrial, objetivando evitar que se escoasse como carburante, — privando numerosas indústrias do País dessa indispensável matéria-prima. Houve, assim, um racionamento do álcool que durou até o fim da guerra.

Pelo Decreto-lei n1? 5.998, de 18/11/1943, recebeu o I.A.A. plenos poderes de controle da produção de álcool de todos os tipos, estabelecendo-se que as usinas e destilarias somente podem dar saída ao álcool de sua produção quando consignado ao I.A.A., ou quando sua entrega a terceiros tenha sido autorizada pela Autarquia, punidas as infrações cometidas, mediante lavra-tura' de Autos de Infração, cujas penalidades variam, conforme o caso.

Pela primeira vez, foi o I.A.A. autorizado a aproveitar, também, o álcool proveniente da redestilação da aguardente. Estávamos na safra 1943/44, e esta Autarquia resolveu requisitar aguardente para redestilação, na proporção de 75% dos estoques da safra 1942/43 e da produção de 1943/44. Aparelhou-se, adquirindo a Destilaria Desidratadora de Ubirama, em Lençóis Paulista, São Paulo, e a Destilaria Central de Santo Amaro, sita em Santo Amaro, Bahia.

O resultado obtido foi auspicioso, pois reforçou as disponibilidades de álcool, naquela época, especialmente em São Paulo, onde foram obtidos 4 400 000 litros pela redestilação de 9 995 278 litros de aguardente. Em 1944/45, a situação se normalizou e foi suspensa a requisição de aguardente.

Posteriormente, foi superada a situação de guerra, foi expedido o Decreto-lei n<? 25 174-A, de 3/7/1948, em que o Governo Federal procurou reunir e consolidar as principais normas legais sobre a matéria, e instituir o preço de paridade com açúcar, objetivando garantir aos produtores rentabilidade económica equivalente, tanto no caso de fabricação de açúcar como na produção de álcool dire-tamente da cana. Como estimulo à produção alcooleira do País, foram asseguradas as seguintes providências:

194 195

Page 92: Brasil Açúcar - Sem Autor

a) a plena utilização do parque industrial alcooleiro; b) a melhoria e a elevação dos padrões técnicos da

produção de álcool de vários tipos; c) a instalação de tanques em pontos adequados,

destinados à formação de estoques de melaço e de álcool para assegurar a indispensável continuidade de fabricação e a formação de reservas do produto;

d) a aquisição de carros-tanque e de outros meios de transporte, a fim de garantir condições satisfatórias para o escoamento do álcool fabricado, especialmente do tipo destinado à mistura car-burante;

e) a garantia do preço final em paridade com o açúcar para o álcool produzido diretamente de cana ou de mel rico;

f) a reafirmação da competência do I.A.A. para fixar o preço do álcool anidro vendido às companhias de gasolina, bem como os volumes de álcool a serem entregues, de comum acordo com o Conselho Nacional do Petróleo.

Os dois últimos decretos-leis, citados, constituíram marco decisivo para consolidação da política de fomento da indústria alcooleira; e, sobretudo, da produção de álcool anidro para fins carburantes. Os principais dispositivos do Decreto 5 998/43 foram revigorados pelo atual Governo da Revolução, através dos Decretos-leis ns. 16, de 10/8/1966, e 56, de 18/11/1966; e os do Decreto-lei n<? 25-174-A pelo Decreto n<? 59 190, de 8/9/1966, os quais regulam atualmente a matéria.

Dentro da política de incentivo à produção de álcool anidro para mistura carburante, merece especial referência o Plano Nacional da Aguardente, estabelecido na safra 1952/53 e que foi renovado ano a ano, até a safra 1958/59.

Criou o Instituto, na sua estrutura administrativa, o Serviço Especial de Controle de Requisição e Redestila-ção de Aguardente, que adotou a sigla SECRRA, e, ampliando seu parque redestilador, buscou captar todos

os excedentes da produção aguardenteira do País para transformá-los em álcool anidro para mistura carburante. Por

conta de uma taxa então criada sobre o aguardente, foi planejada a construção e montagem de várias estilarias

desidratadoras e diversos entrepostos de aguar- ente.

Dessas, chegaram a ser montadas:

— uma em Osório, no Rio Grande do Sul; — outra em Piracicaba, São Paulo; — e a terceira em Volta Grande, Minas Gerais.

Três outras adquiriu ainda esta Autarquia, destina-as a

— Palmital, — Guararema e — Barrinha,

todas em São Paulo, as quais, entretanto, não foram instaladas.

Dos entrepostos do SECRRA, alguns foram instalados anexos às destilarias do I.A.A. e outros distribuídos pelos principais centros aguardenteiros. A maioria no Estado de São Paulo, nos municípios de Ariranha, Ati-baia, Brotas, Barrinha, Limeira, Palmital, Piraçununga e Araraquara, e os demais nos Estados de Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.

Para atingir seu objetivo, o Plano Nacional da Aguar-dente utilizou, ainda, tanto no Nordeste, quando na região Centro-Sul, as destilarias centrais, e complementou o atendimento do trabalho de redestilação através de contratos com destilarias particulares.

Durante sete safras, foi substancial o acréscimo da produção de álcool anidro para mistura carburante, porquanto, de 60 000 000 de litros na safra 1951/52, chegou a atingir 170 000 000 de litros na safra 1954/55, com a redestilação de aguardente.

Partindo da requisição de toda a produção aguardenteira do Pais, na safra 1952/53, só aplicou essa me-

196 197

Page 93: Brasil Açúcar - Sem Autor

dida a 50% dessa produção na safra 1958/59, última do funcionamento do Plano.

Isso se explica porque, com a criação da Petrobrás e a intensificação da pesquisa e da exploração do petróleo no Brasil, deixou de ter o álcool anidro para mistura carburante o caráter de essencialidade para economia de divisas do País, no setor de combustíveis, passando o Governo Federal a estimular, nesse sentido, a produção da gasolina nacional.

Foi, assim, extinto o SECRRA, ao final da safra 1958/59, e seu acervo entregue aos cuidados do SEAAI.

Desse foram retiradas a Destilaria de Osório, no Rio Grande do Sul, cedida, em comodato, ao Governo daquele Estado; e as localizadas em Palmital e Guararema, em São Paulo, cedidas também, em comodato, à Cooperativa dos Produtores de Aguardente do Estado de São Paulo.

Para alienação dos bens restantes foi designada uma comissão, composta de servidores do SEAAI e de outros órgãos, que vem se desincumbindo da missão que lhes foi confiada pelo Senhor Presidente desta Autarquia, a qual funciona junto ao Serviço do Álcool.

A PRODUÇÃO

Preliminarmente, quero dar uma ideia do que é o álcool em função da agroindústria canavieira.

No Brasil, a sua produção se faz em grande escala do resíduo da fabricação de açúcar, a que se dá o nome de mel residual ou melaço, e o álcool proveniente dessa matéria-prima é chamado álcool-residual.

Quando fabricado diretamente da cana ou mel rico, desviado da produção de açúcar, é chamado álcool direto.

Por lei, é considerado residual todo o álcool com-preendido dentro da relação de 7 litros por saco de açúcar fabricado. Assim, o excedente de 7 litros é considerado álcool direto.

As destilarias do País fabricam, propriamente dito, dois tipos de álcool — anidro e hidratado.

198

O anidro é o álcool desidratado, de gradução igual ou superior a 99,5° G.L. a 20° C, comumente chamado ál cool carburante porque, em sua maioria, é destinado à mistura com a gasolina.

Os desidratantes mais usados são a glicerina e o benzol. ... . , .

0 hidratado é o álcool de graduação igual ou inferior a 99,4° G.L. a 20° C, comumente chamado de álcool i ndus trial,' porque é o mais utilizado pelas indústrias. Con tudo o álcool realmente considerado industrial ou comer cial é o compreendido entre 95 e 96° G.L. a 20° C. O álcool anidro também é vendido em pequena escala para fins industriais, cerca de 20 a 30 milhões de litros por ano, utilizado, particularmente pelas fábricas de tintas e solventes.

Há vários anos, os técnicos estabeleceram as seguintes médias de rendimento que, até hoje, são utilizadas nos cálculos de produção de álcool e melaço:

1 tonelada de cana = 90 quilos de açúcar e 35,475 quilos de mel residual;

1 tonelada de cana moída diretamente para álcool = = 66 litros de álcool; 1 tonelada de mel residual com

55% de Açúcares Redutores Totais (ART) = 300 litros de álcool; 1 saco

de açúcar convertido em álcool = 44 litros de álcool; 1 saco de açúcar fabricado deixa resíduo de

23,650 quilos de mel residual de 55% de ART (riqueza média); 1 litro de álcool pesa 800

gramas; 1 litro de mel pesa 1.400 gramas.

Passando ao capítulo da produção, propriamente dito, podemos dizer que, graças aos estímulos concedidos pelo Governo e ao apoio da iniciativa privada, conseguiu o Instituto do Açúcar e do Álcool, através dos quase 40 anos de sua existência, instalar e ampliar o parque aicooleiro do País, cuja capacidade de produção é, atualmente, de cerca de 4 600 000 litros diários, assim distribuída:

199

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Litros Norte-Nordeste ............................. 900 000 Centro-Sul ..................................... 3 700 000

Pelo último tombamento feito pelo I.A.A., em 1964, existiam no País 205 destilarias, inclusive as quatro centrais do Instituto. Em funcionamento, na última safra de 1970/71, foram registradas 164.

Essa capacidade permite assegurar uma produção de 828 milhões de litros, em 180 dias de trabalho efetivo, período normal de uma safra. A maior obtida foi a da safra 1966/67, com 726 383 639 litros.

Na região Norte-Nordeste, os maiores produtores são os Estados de Alagoas e Pernambuco. Na região Centro--Sul, os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, cumprindo ressaltar que somente São Paulo tem capacidade para produzir 80% da produção total do País, embora não ultrapasse, em média, a 65%.

A produção maior ou menor de uma safra decorre da existência ou não de excedentes de cana, desviados para a produção de álcool, e é por isso que a indústria alcooleira se constitui num fator preponderante para o equilíbrio da produção açucareira.

Nas três últimas safras foram obtidas as seguintes produções de álcool de todos os tipos:

Litros 1968/69..................................... 470 932 709 1969/70..................................... 461 019 158 1970/71 ..................................... 637 852 471 1971/72 (estimada) . . . . . 624 000 000

A título de curiosidade, apresentamos a produção de álcool nas usinas de todo o País na safra 1932/33, última antes da existência do I.A.A. — 28 968 000 litros, para uma produção de açúcar e 8 256 000 sacas.

O aumento de produção das últimas safras 70/71 e 71/72 se deve ao aproveitamento de excedentes de cana em São Paulo, que, isoladamente, foi responsável, respectivamente, pelas produções de 436 311 574 e

460 000 000 de litros, estimados, dos quais, até 29/2/72, já havia produzido 451 000 000 de litros.

Consolidado o parque alcooleiro nacional, o I.A.A. não mais concedeu incentivos à sua produção, que se tornou suficiente em volume e com escoamento garantido a preços compensadores, tanto para fins carburante quanto para o mercado livre de consumo industrial.

O álcool destinado à mistura carburante é considerado, por lei, de interesse nacional e seu uso é regulamentado pelo Decreto n? 59190, de 8/9/1966. Esse decreto, além de garantir seu preço em correspondência com o da gasolina ex-depósito, isto é, nos depósitos das companhias distribuidoras, assegura a sua absorção num total correspondente a 5% do consumo da gasolina no País, ocorrido no ano anterior, podendo, ainda, esse limite ser ampliado para 10%, em casos especiais, de comum acordo entre o I.A.A. e o Conselho Nacional do Petróleo.

O limite máximo de percentagem de mistura é de 25% (vinte e cinco por cento), percentagem essa que é fixada pelo CNP, conforme as disponibilidades de álcool existentes. Nos últimos anos, o máximo autorizado atingiu, apenas, a 15%.

Considerando que o consumo da gasolina, no ano de 1970, foi de cerca de 9 bilhões de litros, teríamos direito, por lei, a uma entrega de álcool, para mistura carburante, da ordem de 450 milhões em 1971/72. Entretanto, como a produção dessa safra está estimada em 624 milhões, a mistura foi fixada pelo I.A.A. em 336 milhões, para não comprometer o abastecimento do mercado industrial do álcool, participando São Paulo, desse total, com 310 milhões de litros.

O álcool destinado a fins industriais tem conseguido escoamento normal, em virtude da instalação de novas fábricas, no País, que o utilizam como matéria-prima; e seu preço é reajustado, anualmente, de acordo com os índices de aumento aprovado pelo Conselho Interministerial de Preços, oficializados pelo I.A.A.

200 201

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A CIRCULAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DO ÁLCOOL DESTINADO A FINS INDUSTRIAIS

A circulação e a distribuição do álcool para fins industriais são reguladas pelas normas estabelecidas na Resolução n? 1 993, de 3 de agosto de 1967.

O seu controle é feito através das Ordens de Entrega de Álcool emitidas pelo I.A.A., por intermédio dos setores competentes do Serviço do Álcool, na Sede e nas Delegacias Regionais.

Normalmente, essa autorização é concedida com facilidade, exigindo-se apenas que os interessados estejam inscritos no I.A.A., para o comércio do álcool, inscrição que depende de informação da fiscalização do I.A.A., em formulários próprios.

Em situações de emergência de guerra ou de escassez do produto, tem o I.A.A. usado esse controle para racionar a distribuição do álcool no comércio.

O álcool destinado a fins industriais tem prioridade no mercado, e por isso os contingentes para fins carburantes não são, em face da produção, proporcionais ao percentual estabelecido por lei porque, dependendo do volume da safra, a demanda do álcool industrial pode determinar maior ou menor taxa de mistura, conforme se poderá observar do quadro elaborado pelo SEAAI sobre a produção e o consumo de álcool em todo o Brasil nas dez últimas safras, quadro esse distribuído com o auditório.

Pode-se observar, também, que o consumo industrial nas safras de 1968/69 a 1970/71 vinha se mantendo, em média, de 360 milhões anuais ou 30 milhões mensais, decrescendo na de 1971/72.

Isso se deve à saída, do mercado alcooleiro, de duas indústrias de grande porte: a Companhia Pernambucana de Borracha Sintética (COPERBO), de Pernambuco, cujo consumo anual era de cerca de 50 milhões de litros; e a Union Carbide do Brasil, de São Paulo, com consumo médio de 80 milhões de litros anuais. Essas duas empresas passaram a usar derivados de petróleo como maté-ria-prima de suas indústrias.

Aliás, esse é um problema que teremos de enfrentar, em futuro próximo, com o desenvolvimento da petroquímica, e consequente estimulo à produção de álcool de petróleo, cujo custo de fabricação é bem mais barato do que o do álcool oriundo de cana.

A EXPORTAÇÃO DE ÁLCOOL E MELAÇO

Pela Resolução n"? 9, de 15/12/1966, do Conselho Nacional do Comércio Exterior (CONCEX), do Banco do Brasil, foram fixadas normas básicas para a comercialização externa de açúcar, álcool e outros subprodutos.

Em decorrência, as exportações de álcool, mel residual e melaço ficaram livres de qualquer controle do I.A.A., inclusive quando resultantes do aproveitamento do excesso de cana, desde que essa produção adicional não apresente acréscimo na oferta do açúcar, nem ónus para o Tesouro Nacional.

Ficou, também, decidido que, quando a situação acima descrita recomendasse a disciplina e o controle das exportações mencionadas, o I.A.A. proporia ao CONCEX as medidas que julgasse adequadas, mediante justificativa fundamentada da necessidade de sua adoção.

Logo que foi divulgada essa resolução do CONCEX, o I.A.A. constituiu um Grupo de Trabalho para estudá-la e propor a sua regulamentação.

Apresentando o resultado de seus estudos, o Grupo de Trabalho, em relatório ao Senhor Presidente do I.A.A., após considerar:

a) que a Resolução n<? 9, de 15/12/1966, em sua alí-nea d, do CONCEX, retirou do I.A.A. o controle da exportação de álcool e demais subprodutos;

b) que vultosas aquisições de mel residual se fizeram por várias firmas, quer diretamente às usinas, quer às Cooperativas dos Produtores, em volume superior à disponibilidade exportável;

c) que, se forem cumpridos os contratos existentes de compra e venda de melaço, o abastecimento interno do álcool será afetado;

202 203

Page 96: Brasil Açúcar - Sem Autor

d) e, finalmente, que se impõe uma disciplina na comercialização do álcool e melaço, de forma a evitar os inconvenientes apontados,

propôs que fosse solicitado ao Conseho Nacional de Comércio Exterior a publicação na imprensa oficial de um Aviso, vasado nos seguintes termos:

"Tendo em vista o que dispõe o item II da Resolução n? 9, de 15/12/1966, do CONCEX, a Carteira de Comércio Exterior (CACEX) esclarece aos interessados que continuará licenciando exportação de álcool e melaço, respeitadas as necessidades do mercado consumidor interno, cujo suprimento será assegurado mediante a entrega, ao I.A.A., das cotas de álcool (ou melaço correspondente), fixadas por aquela Autarquia, com base no disposto no Decreto--lei n<? 5 998, de 18/11/1943.

O licenciamento pela CACEX será precedido de verificação do fiel cumprimento das disposições a que se refere o item anterior".

A proposta do I.A.A. foi aceita pelo Conselho Nacional de Comércio Exterior e o Aviso citado foi publicado, passando, então, a CACEX a ouvir, previamente, o I.A.A. em todos os pedidos de liberação de álcool e melaço para exportação.

Em função dessa deliberação, baixou o I.A.A. a primeira Resolução aprovando normas para a exportação dos excedentes de melaço e álcool, que tomou o número 1 990, de 14/9/1967.

A partir de então, vem o I.A.A. fixando em seus Planos de Produção de Álcool as quantidades de álcool e melaço consideradas excedentes das necessidades do mercado interno, e estabelecendo cotas individuais de exportação, vinculadas às cotas de abastecimento do mercado interno, objetivando evitar a falta de álcool na região Norte-Nordeste, onde se processam essas exportações.

As possibilidades de exportação de álcool, no momento, são muito reduzidas, por não poder o nosso produto concorrer no mercado externo com o álcool sintético, proveniente do petróleo, de custo de fabricação muito baixo, e nas três últimas safras apenas Pernambuco continua exportando pequenas quantidades, conforme se vê dos seguintes números.

EXPORTAÇÕES DE ÁLCOOL (litros)

Através de: Safras

São Paulo e Pernambuco

1965/66 ................... 37 436 878 — 1966/67 ................... 74 000 000 — 1967/68 ................... 55 000 000 — 1968/69 ................... — 6 567 478 1969/70 ................... — 6 600 000 1970/71 ................... — 4 400 000 1971/72 (estimada) — 11 000 000

O desinteresse pela exportação de álcool em São Paulo é decorrência dos preços do mercado externo inferiores aos do mercado interno.

As exportações de álcool em Pernambuco vêm sendo feitas através do Grupo "Votorantin", dono das Usinas Tiúma e São José, que tem interesse em manter esse mercado, mesmo a preço de sacrifício, conquistado no Uruguai, através de concorrências ali realizadas.

A partir de 1966/67, começou a grande procura, pelos mercados estrangeiros, de melaço produzido nas usinas da região Nordeste, principalmente pelos Estados Unidos da América e por países da Europa, para atender à alimentação de gado.

As exportações são feitas através dos portos de Alagoas e de Pernambuco, e como, de ano para ano, têm sido melhores os preços ofertados, muitos produtores estão preferindo fechar as suas destilarias anexas para exportarem o mel residual.

204

Page 97: Brasil Açúcar - Sem Autor

Nestas condições, as exportações dessa matéria--prima estão crescendo, de safra para safra, conforme se vê dos seguintes números:

Safra T. métricas

1966/67 ................ 1967/68 ............... 1968/69 ................ 1969/70 ................ 1970/71 .............. 1971/72 (estimado)

Para dar melhores condições de exportação, o I.A.A. fez instalar, anexo ao Terminal Açucareiro em Pernambuco, dois tanques com capacidade unitária de estocagem de 7 000 toneladas, que servem de triagem ao produto a ser exportado.

Em Alagoas, junto ao Armazém de Açúcar, também estão sendo instalados dois tanques de igual capacidade, com a colaboração da Cooperativa dos Usineiros do Estado.

AS DESTILARIAS CENTRAIS E ENTREPOSTOS DE ÁLCOOL

O I.A.A., por força das circunstanciais iniciais de sua criação, além de órgão controlador, é também produtor de álcool, através de suas Destilarias Centrais, órgãos regionais autónomos, que, por delegação da Presidência, estão vinculados ao Serviço do Álcool.

Atualmente, são em número de quatro, duas localizadas na região Centro-Sul e-duas no Nordeste.

São elas:

1) Destilaria Central Jacques Richer, a pioneira, situada em Campos, Estado do Rio de Janeiro, com capacidade de produção de 90 000 litros diários;

2) Destilaria Central Leonardo Truda, situada em Ponte Nova, Minas Gerais, com capacidade de produção de 25 000 litros diários. Inicialmente essa destilaria foi dotada de moendas para o aproveitamento dos excedentes de cana daquela região. Entretanto, nunca chegaram a ser utilizadas e, posteriormente, foram vendidas a uma usina daquele Estado;

3) Destilaria Central de Alagoas, situada em Rio Largo, Alagoas, com 50 000 litros diários de capacidade;

4) Destilaria Central Presidente Vargas, situada em Cabo, Pernambuco, com capacidade de 120 000 litros diários de produção.

Estas destilarias foram instaladas para absorver os excedentes de melaço existentes naquelas regiões, na fabricação de álcool anidro carburante. Todavia, para atender às contingências do mercado do álcool industrial, cujo atendimento tem prioridade, produzem também álcool hidratado. No momento, somente a D. C. Jacques Richer está produzindo álcool carburante.

Entretanto, com o desenvolvimento da indústria alcooleira nacional, que, de 70 milhões de litros produzidos na safra 1940/41, atingiu em 1970/71 (30 anos depois) o total de 637 milhões; com a diversificação do emprego industrial do mel residual; e, ainda, com o interesse sempre mais acentuado de mercados estrangeiros na importação dessa matéria«prima, a manutenção das Destilarias Centrais perdeu o seu objetivo inicial.

Nestas condições, chega a ser pensamento da atual administração do I.A.A. a transferências dessas fábricas para a iniciativa privada, mediante alienação ou arrendamento. Já foi solicitada dos poderes competentes a devida autorização para essa providência. Entretanto, dada a complexidade dos problemas sócio-econômicos que envolvem o projeto, acreditamos que a sua concretização venha a ocorrer a longo prazo.

Conta, ainda, o I.A.A. com dois Entrepostos de Álcool e um de Melaço, localizados na região Nordeste. Os de

206 207

127 000 153 259 120 094 227 984 355 600 450 000

Page 98: Brasil Açúcar - Sem Autor

álcool foram instalados há muitos anos, para estocagem do álcool anidro, destinado à mistura carburante, em Per-nambuco e Paraíba. Eventualmente servem também para triagem de álcool a ser exportado. O de melaço foi instalado recentemente, anexo ao Terminal Açucareiro de Pernambuco, para triagem do produto destinado à exportação.

OS PLANOS DE SAFRA

O disciplinamento da produção e da comercialização do álcool é procedido pelo I.A.A. através do Plano Anual da Produção do Álcool, no qual fixa:

a) as quantidades de álcool a serem produzidas, por tipo, anidro e hidratado, dentro das estimativas de produção levantadas;

b) os volumes a serem destinados ao consumo car-burante e ao industrial;

c) os volumes excedentes de álcool e de mel residual a serem destinados à exportação;

d) os preços do mel residual a ser adquirido pelas Destilarias Centrais do I.A.A.

E, logo a seguir, fixados os preços do álcool anidro carburante e dos anidro e hidratado destinados a fins industriais, de comum acordo com o Conselho Nacional do Petróleo o Conselho Interministerial de Preços, baixa o I.A.A., ATO próprio para sua oficialização.

Sendo livre a produção e a comercialização do álcool, essa disciplina somente é viável, como já salientamos, porque possui o I.A.A., por força de lei:

a) o controle da distribuição do álcool de todos os tipos, faculdade conferida pelo Decreto-lei n? 5 998, de 18/11/1943, e confirmada pelos Decre-tos-leis 16 e 56, de 1966;

b) o monopólio da distribuição do álcool anidro destinado à mistura carburante, deferido pelo Decreto n<? 59190/1966;

c) a fixação de excedentes exportáveis, tendo em vista o interesse do abastecimento interno de álcool no País, por acordo com a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil.

O SERVIÇO ESPECIAL DO ÁLCOOL ANIDRO E INDUSTRIAL

Dentro da estrutura do I.A.A., é o SEAAI o setor com-pretente para dirigir e orientar a indústria alcooleira do País.

Tem como finalidade os seguintes objetivos:

I — promover e superintender a execução das determinações dos Planos Anuais de Safra, do controle da produção do álcool e de sua distribuição no mercado interno;

II — realizar programação e promoção das com- pras e vendas do álcool anidro destinado à mistura carburante em todo o País;

III — controlar o movimento fabril e comercial das Destilarias Centrais do I.A.A.;

IV — controlar as exportações de melaço e álcool, tendo em vista o abastecimento interno de álcool no País;

a) Organização

Para plena realização de seus objetivos, compõe-se: —

NA SEDE

I — Gabinete do Diretor, constituído de

a) Assessoria b) Secretaria c) Turma de Administração (TA)

II — Seções Auxiliares

a) Seção do Álcool Anidro b) Seção do Álcool Industrial c) Seção de Controle e Operações

208 209

Page 99: Brasil Açúcar - Sem Autor

Ill — Setor de Descarga de Álcool. —

NOS ÓRGÃOS REGIONAIS

I — 10 Seções de Álcool II — 4 Destilarias Centrais III — 2 Entrepostos de Álcool IV — 1 Entreposto de Melaço

b) Competência

Ao Diretor do Serviço do Álcool compete:

I — elaborar o anteprojeto de Resolução do Plano da Produção de Álcool das Safras;

II — executar as determinações dos Planos Anuais de Safra e decidir sobre toda a matéria ali prevista; III — controlar as exportações de álcool e melaço.

A seguir, resumiremos os serviços afetos à Seções Auxiliares do SEAAI.

A Seção do Álcool Anidro compete o controle da produção do álcool anidro e de sua entrega para a mistura carburante em todo o País.

Para a sua execução tem como principais atividades:

a) a aquisição do álcool na fonte produtora; b) o seu transporte até os centros de mistura; c) a sua entrega às companhias distribuidoras de

gasolina; d) o seu faturamento e devida contabilização; e) a cobrança do álcool às companhias de gasolina e

ao Conselho Nacional do Petróleo (preço inicial mais adicional);

f) o pagamento final aos produtores (preço inicial mais o complementar).

O setor de descarga de álcool promove a retirada de amostras de álcool anidro para análise e a pesagem de vagões-tanques.

A Seção do Álcool Industrial compete o controle da distribuição do álcool industrial em todo o País.

Para a sua execução tem como principais atividades:

a) a inscrição de firmas para o comércio do álcool; b) a emissão de Ordens de Entrega de Álcool para o

abastecimento do mercado industrial da Guanabara, e o seu controle em todo o País;

c) a cobrança dos aluguéis de vagões-tanques do I.A.A. a serviço do transporte do álcool industrial;

d) o controle das vendas de álcool industrial das Destilarias Centrais.

À Seção de Controle e Operações compete o controle do movimento fabril e comercial das Destilarias Centrais do I.A.A. e o controle, em geral, dos demais assuntos afetos ao Serviço do Álcool.

Para a sua execução tem como principais atividades:

a) o registro do movimento fabril e comercial das Destilarias Centrais, através das folhas quinzenais de fabricação e dos relatórios periódicos dos respectivos gerentes;

b) a cooperação com as Destilarias Centrais em todos os assuntos que lhe forem solicitados;

c) a atualização do cadastro da capacidade de pro-dução das Destilarias do País;

d) o levantamento da produção de álcool direto; e) a cobrança dos aluguéis dos vagões-tanques do

I.A.A. cedidos a terceiros mediante contrato; f) o controle do acervo do extinto SECCRA.

As Seções Regionais do Álcool são jurisdicionadas às Delegacias Regionais e funcionam vinculadas ao SEAAI, com autonomia dentro das determinações dos Planos Anuais da Safra de álcool.

Para registro e controle do álcool, enviam ao SEAAI relações quinzenais ou mensais de todo o movimento verificado no período.

210 211

Page 100: Brasil Açúcar - Sem Autor

Para que o Serviço Especial do Álcool possa atingir satisfatoriamente os seus objetivos necessita, naturalmente, da colaboração de toda a sua equipe de trabalho, da Sede e dos seus órgãos regionais, e principalmente da cooperação dos fiscais do I.A.A., quer impedindo a venda irregular do álcool, quer informando com precisão e presteza os dados necessários que lhe são solicitados.

A COOPERAÇÃO DA DAF

Com efeito, sem a cooperação da Fiscalização, todo o enorme arcabouço normativo que, através de leis, decretos, regulamentos, resoluções e atos, confere ao I.A.A. poderes para interferir na economia canavieira, disciplinando a produção, estocagem, distribuição e comercialização do açúcar e do álcool, seria de difícil, senão impossível execução.

É a presença do fiscal, com o elevado padrão de capacidade intelectual (retidão profissional e dedicação à atividade, do quadro desta Autarquia, que estabelece esse ritmo e essa harmonia com que funciona a economia canavieira no Brasil, apesar da sua implantação em quase todos os Estados da Federação, e da disparidade de funcionamento entre as diversas regiões do País.

É ainda a presença do fiscal que assegura a arrecadação das taxas que formam o suporte dos encargos que este órgão tem a enfrentar, para que possa cumprir os compromissos de garantia de preço do açúcar, e medidas outras, imperativas para o tranquilo desempenho da segunda economia, em importância, do Brasil, considerada nos seus aspectos técnico, económico, financeiro, de grande absorção de mão-de-obra, e, por fim, pela sua participação na receita cambial do País.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, vimos que a indústria alcooleira nacional representa uma fonte de riqueza, além de concorrer para proporcionar melhores condições de vida e maior número de empregos para a população da zona rural.

212

Aos preços vigentes na safra 1970/71, o valor de sua produção, no total de 637 milhões de litros, foi da ordem de Cr$ 210 milhões, e proporcionou uma arrecadação de impostos de cerca de 42 milhões de cruzeiros. As exportações de álcool e melaço concorreram para obtenção de receita cambial aproximada de 6 milhões de dólares para o Brasil.

Quando da criação do Instituto do Açúcar e do Álcool como órgão de intervenção estatal no setor da agroindústria canavieira, vimos que as primeiras medidas visaram ao aproveitamento dos excedentes de cana, então existentes, na fabricação de álcool a ser utilizado como carburante, em mistura com a gasolina, objetivando não só o equilíbrio entre a produção e o consumo de açúcar, mas, também, a economia de divisas, pela proporcional redução da importação daquele combustível.

A limitação da produção açucareira do País representa medida disciplinadora que, por seu lado, contin-genta a lavoura canavieira, através do regime de cota de fornecimento. Sendo, como toda cultura, sujeita às insta-bilidades dos períodos de chuvas, acontece que, embora o produtor procure situá-la dentro de sua limitação, ora ocorre decréscimo, em função de estiagens, ora acontece a formação de excedentes de cana, que são desviados para a produção de álcool, cuja absorção somente é possível graças à manutenção da política da mistura carburante, que funciona como uma válvula de segurança ao escoamento da que supere às necessidades do consumo industrial.

Apesar do desenvolvimento ocorrido nesses últimos anos, a indústria de extração do petróleo no Brasil ainda não atingiu a auto-suficiência, enquanto o consumo de gasolina apresenta índice de aumento anual da ordem de 1 bilhão de litros, muito superior ao da produção de álcool no País, que, em dez anos, cresceu de 200 milhões de litros.

Dessa forma, acreditamos que a política da mistura carburante tem condições de ser mantida no Brasil ainda por muitos anos, principalmente porque ela também concorre para melhorar a octanagem da gasolina. É possível

213

Page 101: Brasil Açúcar - Sem Autor

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Page 102: Brasil Açúcar - Sem Autor

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PRODUÇÃO E CONSUMO DE ÁLCOOL EM TODO O BRASIL, NAS ÚLTIMAS 10 SAFRAS

UNIDADE - LITRO

£LCC0L (I.Uro.1) C 0 N S V M 0 * t< BRC 0 TO

\\L

S A F R A S T 0 TAL 1 SBGVKD0 03 TIPOS Cu buranlo Industrial Outros Fins Con.suoio Próprio Vas.Evaporação e exportação

Carbirante Industrial .......... Outroa

.'.nidro ilidratado Fln. 1962/63 338 271 eoo 108 262 898 230 008 908 39 277 251 241 421 267 57 573 268 11,6 71,4 17,0 1963/04 417 912 30-1 136 9S0 133 280 932 169 91 248 677 226 074 370 100 589 057 21,8 54,0 24,2 1061/63 378 068 693 120 663 886 237 384 eo 101 970 934 260 952 982 IS 138 779 27,0 69,0 4,0 1965/66 376 783 936 314 249 745 262 534 191 283 146 115 258 284 836 35 352 9e3 49,1 44,8 6,1 1966/67 720 303 639 381 463 704 3-14 917 935 382 CC

3 855 262 556 198 81 703 586 52,6 36,1 11,3

1967/08 675 249 9C9 356 359 913 316 090 076 347 017 677 313 916 840 12 313 472 81,4 «6,8 1,8 1968/69 470 932 709 142 673 740 323 233 969 111 49

4 204 359 171 873 266 630 23,6 76,2 0,2

1909/70 461 019 108 100 446 280 360 572 872 SI SO

000 380 619 153 18 COO 000 13,4 82,6 4,0 1970/71 637 052 471 252 678 838 385 173 613 229 33

9 175 360 761 126 47 749 170 35,9 36,6 7.5

1971/72 (•) 624 000 000 366 000 000 253 000 000 33S 000 COO 268 000 000 20 000 000 53,8 43,0 3,2

(•) Dodoo estimados. SEAAI/SCO/En 24 de aarço de 1972

/ISA/Gr-rfthen/.

Page 103: Brasil Açúcar - Sem Autor

BRASIL — PRODUÇÃO DE ÁLCOOL SAFRAS 68/69, 69/70, 70/71 UNIDADE - LITRO

UMDjlL'SS_DA nasBAgÃo Anidro

SAFRA 19&3/69 Hidratado Totol

SAFRA 19W/70 Hidratado Totol Anidro

SAFRA 1970/71 Hidratado Totol

Alagoas ••.■■■.••» Paraíba . ............. ... Pomoabuco ......— Hio Grcodo do Korto :;■:,',0 ...................................................... •• TO?.M: KC.RTF-KCaDSSTS

Espírito Santo ...-Rio

do Jnnslro ..*• Kior-3

Gerais •■•*•• Paraná1

••.......••• Santa Catarina •••• Sao Pculo . ........... ••• Rio Grando do Sul.» wrALignnno-sm...

TCTO çpux .............

1.658.502 23.405.877 50.044.579 4.955-610 4.955.610

7.377.715 74.115.050 81.490.745 1.206.5ei 1.286.531

- 1.530.517 1.550.517 9.016.217 110.C91.415 IM.107.652

2.008.157 10.025.850 22.759.993

864.300 9.141.699 12.697.200 2.509.45O

120.761.156 171.209.213

135.657-525 218.167.554 551-825.077 142.675-740 328.258-969 470-932-709

2.C17.541 50.947.258 35.564.559 5.590.950 5.590.950

7.575.151 75.898.025 85.471.176 7OO.52O 57.710 758.250 - _______ 1.903.190 1.9CB.190

10.891.012 114.202.155 125.C95.145

2.128.751 9.123.723 27.O79.O92 1.703.500 11.544.481

. - 11.652.500 4.185.922

76.519.520 191.714.214 194.730

-555.274 246.570-759 555-926.015 100.446.296 360.572.872 461.019.156

5.084.459 25.265.204 28.549.643 5.502.400 5.502.400

11.664.598 71.421.278 05.035.876 702.000 782.000

2.106.717 2.1W.717 16.749.057 105.079.599 119.020.636

I.45I.OOO

44.421.075

15.629.456

I5.99O.55O

4.OI5.9OO

456.5U.574

204.480 255-929.821 282.094.01» 518.025-655 252.676.858 585.175.615 657.852-471

O R G A N O G R A M A

SriiVKO ESPECIAL DO ÁLCOOL ANIDRO E iroreTRIAL

S.E .A.A. I .

D I R E T O R I A

[DESTILARIAS ; *SEÇOÈS~DO"ÍL ] [ CENTRAIS , ÍCOOL NAS DR:

SÇJO DO >1. ANIDRO ICOK

SEÇ7.0 DO

ÁLCOOL 1K0USTRI AL

ETOR DÉTI ESCARRA I

2.128.731

36.202.S15

l3.527.7Ol

ll.652.50O

4.185.922

268.235.734

194.730

2.003.157

32.763.823

lO.OO6.078

12.637.200 2.589.450

29i.97O.569 215.893.163

1.451.000

18.107.240

2.398.418 26.231 855 15.231.058 15.990.550 4.OI5.9OO

222.410.4U 204.480

SEÇAO DK

COKTBOI.R E OPEIIAÇ6ES SEçSO

ÀI.C0OL

SETOR Ls

Page 104: Brasil Açúcar - Sem Autor

U N I D A D E S DA

FEDEEAÇAO

N« DE DESTI-LARIAS

Tombadas em 1964

CAPACIDADE DIÁRIA DE PRODUÇÃO DE ÁLCOOL (Lts.)

TOTAL HIDRATADO

CAPACIDADE DE ESTOCAGEM

MELAÇO (Ton.)

Capacidade Total

DESTILARIAS ANEXAS . Rio Grande do Norte Paraíba ................................ Pernambuco ..................... Alagoas .............................. Sergipe .............................. Bahia ................................ Minas Gerais ..................... Espirito Santo .................... Rio de Janeiro ..................... Sfio Paulo ........................... Paraná ............................... Santa Catarina ................ Rio Grande do Sul .. Goiás .................................

DESTILARIAS CENTRAIS --------- Pernambuco DCPV ..................... Alagoas — DCA .......................... Minas Gerais — DCLT ----------- Rio de Janeiro — DCRJ ..

TOTAL DESTILARIAS ENTREPOSTOS DE ÁLCOOL

Paraíba — Cabedelo ----------- Pernambuco — Brum ... Sâo Paulo — CIPA .................

ENTREPOSTOS DE MELAÇO Pernambuco - Term. Açuc. Pernambuco - SIMAB 6/A Pernambuco COOPER -----------

201 3 7

36 14 4

18 2 26 81 4 4 1 1

4 1 1 1 1

205 3 1 I 1

160 1 5 21 7 3 13 1 20 81 3 4 1

4 1 1 1 1

164 3 1 1 1

3 035 000

363 000 10 000

66 000 12 000

167 000 397 000

20 000

285 000 120 000 50 000 25 000 90 000

3 320 000

1 269 900 28 000 47 500 183 000 76 000 23 600

58 400 159 400 535 500 131 500 14 500 10 000

2 500

1 269 900

4 304 900 28 000 47 500 546 000 86 000 23 600 124 400 12 000

326 400 2 932 500 151 500 14 500 10 OOO

2 500 285 000

120 OOO 50 000 25 000 90 000

4 589 900

766 312 315 498

6 341 850 2 655 000 36

736 600 5 Í69 371 486 559 5 646 713

773 230 20 409 070 232 889 105

6 510 000 698 000

19 950 000 9 000 000 2 250 000 2 200 000 6 500 000

332 265 498 18 100 000 1 100 000 9 000 000 8 000 000

406 8 13 114 20

8 8 18 3

55 152

7

14 7 3 1 3

420

13 2 9 2

TOTAL GERAL 3 320 000 1 269 900 4 589 900 785 350 365 498 433

CAPACIDADE DE PRODUÇÃO E ESTOCAGEM — ÁLCOOL E MELAÇO

ÁLCOOL (Lts.) Funcionando em 1970/71 ANIDRO N» de

Tanques N« de

Tanques

12 3 1 3 5

778 7 1 3 3

11 76 30 9 35 4

94 485

13

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No decorrer da safra de 1970/71 os técnicos da Divisão de Assistência à Produção do Instituto do Açúcar e do Álcool deram forma conclusiva aos estudos que vinham realizando há anos sobre a necessidade de se implantar no País um vasto programa de melhoramento da cana-de-açúcar, como etapa indispensável ao fortalecimento da economia canavieira e consequente aproveitamento pelo Brasil das possibilidades de expansão das vendas abertas pela conjuntura açucareira internacional.

Nessa safra a produção brasileira foi da ordem de 85 milhões de sacos e de aproximadamente 640 milhões de litros de álcool. O esmagamento de cana ultrapassou a casa dos 57 milhões de toneladas e a área canavieira atingia a 1 700 000 hectares, distribuídos na quase totalidade dos Estados brasileiros. O valor global dessa produção podia ser estimado em mais de dois e meio bilhões de cruzeiros, canalizando para os cofres públicos 800 milhões de cruzeiros só em impostos diretos, dos quais 680 milhões correspondentes ao ICM. As vendas para os mercados externos chegaram à casa de 1 milhão e 250 mil toneladas, com salutares reflexos na balança comercial brasileira.

Chegava a economia canavieira no Brasil a tão expressivos resultados precisamente numa fase em que o consumo mundial apresenta sinais animadores de expansão, com a previsão de atingir o total de 100 milhões de toneladas métricas (1 670 000 000 de sacos) ao findar a década. No ano 2 000 o consumo mundial será de 155 milhões de toneladas métricas (2 588 500 000 sacos), ou seja, exatamente o dobro da produção mundial em 1970.

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Em meio às preocupações generalizadas quanto às pos-sibilidades dos países produtores poderem dispor dos elementos necessários à obtenção dessa produção acrescida, o Brasil surge reunindo uma série de vantagens que permitem programar uma rápida expansão da sua produção açucareira.

Tais vantagens, relacionadas pelos técnicos, incluem:

1 — Grandes áreas inexploradas de solos férteis para a cana-de-açúcar, com clima ideal ou quase ideal, facilidades de irrigação e situadas ao longo de vias fluviais de fácil transporte.

2 — Uma indústria açucareira bem desenvolvida, que pode se expandir numa direção planejada e organizada pelo I.A.A.

3 — Uma economia nacional em processo rápido de expansão, dispondo o País de um dos maiores parques industriais nas zonas tropicais ou sub-tropicais e imensas fontes de riqueza natural, contando o território nacional com uma excelente rede de comunicações e transportes.

4 — As regiões brasileiras produtoras de açúcar, de elevado potencial de expansão, situam-se ao alcance das vias de escoamento marítimo, são supridoras de mão-de-obra relativamente eco-nómica e possuem condições favoráveis de clima e de solo e de uma situação ecológica excelente para a produção económica de açúcar.

5 — O País dispõe, finalmente, de uma indústria de fertilizantes em franco desenvolvimento e de fábricas de tratores e implementos agrícolas e de fábricas de maquinaria para a indústria açucareira.

Como desvantagem, o Brasil utiliza no setor cana-vieiro tecnologia inadequada ao atual estágio da indústria e carece de pesquisa própria para a adoção de modernos métodos de produção.

Considerados os dados acima resumidos, sentiram os técnicos brasileiros a necessidade urgente de fixar um programa canavieiro capaz de confirmar os prognósticos do Dr. A. J. Mengelsdorf, considerado o "Pai" da Moderna Genética da Cana-de-Açúcar, segundo o qual os enge-nheiros-agrônomos do I.A.A., com ele reunidos em um encontro nacional em Maceió, "viverão o bastante para ver o Brasil tornar-se o maior produtor mundial de açúcar".

NECESSIDADES

Um programa capaz de chegar a esse resultado tem de satisfazer às seguintes necessidades equacionadas pelos técnicos:

1 — Elaboração de um plano nacional, de modo a programar uma expansão positiva, económica e racional, naquelas áreas onde o açúcar possa ser melhor produzido e industrializado a preços competitivos, nacional e internacionalmente, e onde haja facilidade de rápido escoamento para a exportação.

2 — Capital para financiamento agrícola a longo prazo e a juros baixos para a aquisição de bens de capital, a fim de serem aplicados no programa de expansão e na modernização dos meios existentes.

3 — Estímulo ao desenvolvimento das fontes de fer- tilizantes a baixo custo.

4 — Desenvolvimento dos recursos hídricos, como fonte futura de irrigação e eletrificação rural.

5 — Incentivo da indústria pesada local e nacional, a fim de que possa produzir equipamentos mais modernos e aperfeiçoados para a cana-de-açúcar e demais implementos agrícolas necessários ao desenvolvimento dessa cultura, a custos equivalentes aos dos similares produzidos em outras partes do mundo.

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6 — Construção de terminais açucareiros de grande capacidade de embarque, bem como de equi-pamento para transporte a granel fábrica—porto.

7 — Criação de programas educacionais de treina- mento e pós-graduação para todas as fases tecnológicas da produção industrial e agrícola do açúcar.

8 — Plano de longa duração, permanente e ade- quadamente financiado para a pesquisa científica e as investigações tecnológicas aplicadas, para o estabelecimento de um programa nacional de Genética e Fitossanidade aplicado à cana-de-açúcar.

DEFINIÇÃO

Ao procurarem definir os termos do programa nacional de melhoramento da cana-de-açúcar, os técnicos da DAP tiveram de partir do que já existia no País. Até recentemente o Brasil contava com três centros de produção de novas variedades de cana, trabalhando em condições precárias de disponibilidade de recursos materiais e humanos, a saber: a Estação Experimental de Campos, RJ; o IPEANE, em Recife, PE e o Instituto Agronómico em Campinas, SP. Por uma série de razões conhecidas, o trabalho anterior de produção de novas variedades sofreu solução de continuidade ou tem sido de tal morosidade que não acompanhou o desenvolvimento industrial do setor. Posteriormente, a Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo e o Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de Alagoas empreenderam trabalhos de melhoria das variedades de cana, com resultados ainda limitados.

Ocorre que motivos de natureza económica compro-metem o desdobramento do processo de pesquisa, ao passo que outros, vinculados à segurança nacional, aconselham a ordenação desse processo, tendo em vista o seu melhor aproveitamento para a superação dos desequilíbrios regionais. Tais razões levam à indicação do I.A.A. como o órgão por excelência para centralizar e coorde-

nar tais pesquisas, não só para lograr a conquista de métodos racionais de produção suscetíveis de serem transmitidos a todos os produtores, mas também para utilizar essa conquista num sentido coletivo, social, próprio a favorecer o desenvoivimento de áreas ou de regiões necessitadas.

DIVERSIFICAÇÃO

Além disso, cabe ter presente que o I.A.A., através de sua atuação, tem-se encaminhado para diversificar e ampliar a assistência que lhe cabe assegurar ao produtor. A partir de 1969 passa a autarquia a dedicar maior atenção aos estudos em todos os campos do cultivo da cana--de-açúcar, dos quais o suporte básico é a criação e introdução de novas variedades obtidas de cruzamentos, hoje em franco desdobramento nas Estações Experimentais de Araras e de Alagoas, bem como no Laboratório Agroindustrial de Piracicaba.

Na realidade, o PLANALSUCAR surge, pois, como a sistematização a longo prazo dos estudos, experiências e trabalhos já empreendidos, agora transpostos para o plano nacional. O Programa visa, pois, a:

I — A articular as pesquisas e as ações indispensáveis à criação e introdução de novas variedades para as diversas zonas canavieiras, proporcionando a melhoria genética da matéria--prima utilizada na industrialização do açúcar, de acordo com as necessidades atuais da agro-indústria.

A agroindústria açucareira necessita de matéria-prima de alto teor de sacarose e pureza, resistente às pragas e doenças, e que ofereça elevada resposta económica aos insumos oferecidos pela moderna tecnologia agrícola, quais sejam fertilizantes, irrigação, mecanização, etc.

II — Assegurar o processo contínuo de inovações e melhoramentos em todo o conjunto de fatores que determinam a eficácia do desenvolvimento tecnológico da agricultura canavieira.

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A ideia do desenvolvimento de novas variedades não se originou ao acaso e tampouco se deve atribuí-la a razões circunstanciais. Ela constitui a resposta a um dos problemas da agroindústria canavieira de todo o mundo e foi preconizada no Brasil por cientistas da categoria de Albert J. Mangelsdorf e Richard Breaux. O Programa significa, portanto, a execução prática dos planos expostos para aqueles técnicos contratados pelo I.A.A, para oferecer solução ao problema. Trata-se da continuidade de uma ação planejada, irrefutável em sua validade, para a qual deve ser garantida a sua execução administrativa.

Ill — Imprimir maior eficiência aos trabalhos de introdução, cruzamento, seleção, testes de resistência contra doenças e pragas, multiplicação e distribuição de novas variedades, de forma a que a agroindústria possa fazer uso de conhecimentos científicos.

Nos países mais adiantados nesses campos a fase final da seleção das novas variedades é feita no próprio campo comercial das usinas, de tal forma que a variedade aprovada já está suficientemente testada em condições microecológicas específicas, existindo suficiente material para sua expansão rápida.

TAREFAS

Que tarefas terão de ser executadas, a prazos curto e médio, em função dos objetivos expressos?

Os técnicos responsáveis pela programação relacionam as seguintes:

a) Equipar perfeitamente dois centros de seleção de variedades: um no Sul (Araras-SP) e outro no Nordeste (Maceió-AL).

b) Desenvolver equipes de técnicos altamente capa-citados e perfeitamente identificados numa mesma linha de trabalhos genéticos e de testes fito-patológicos.

c) Realizar todos os cruzamentos em um único local, o mais indicado pelas condições ecológicas que favorecem o florescimento e a fertilidade do pólen (Serra do Ouro-AL).

d) Criar um banco de germoplasma no local de cruzamento, através da importação do maior número possível de variedades de interesse comercial ou como progenitores, para se obter a mais extensa diversidade de combinações possíveis, com vistas ao sucesso dos cruzamentos programados.

e) Criar duas estações quarentenárias: uma de primeira classe, no Nordeste, e outra de segunda classe, no Sul. A primeira para receber o material importado do exterior e também os clones trocados dentro do País pelo Programa Nacional de Variedades e a segunda para o recebimento de clones de outras regiões do País.

f) Equipar dois laboratórios de fitopatologia, um no Nordeste e outro no Sul, para complementar os trabalhos de seleção, realizando os testes de resistência a doenças.

g) Estabelecer quatro subestações de seleção em Alagoas e quatro em São Paulo, representativas das sub-zonas ecológicas de cada região. Preparo do Posto Agrícola de Carpina-PE e de uma Estação em Campos-RJ para funcionarem como Estações Regionais, recebendo clones.

h) Desenvolver um serviço de uniformização nacional de coletas de dados, estudos de delineamentos experimentais para a utilização de carateres de seleção, análises estatísticas e computação eletrônica de resultados.

i) Capacitar todo o pessoal técnico das áreas de Alagoas e São Paulo envolvido pelo Programa de treinamento da equipe de seleção que no futuro será utilizada nos demais Estados produtores. Prevê-se o aproveitamento do pessoal disponível nas Estações Experimentais de Alagoas e Araras, bem como os técnicos do I.A.A. disponí-

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veis nas Inspetorias Técnicas Regionais de Alagoas e São Paulo; contratação de especialistas estrangeiros de alto renome em genética e fito-patologia de cana-de-açúcar para assessoria na fase de implementação do programa de treinamento do pessoal nacional. Essa primeira fase abrange o período de 1971 a 1974.

VARIEDADES

Embora a tarefa de criação de variedades seja obra a ser alcançada a longo prazo, no melhor dos casos, deve-se estender a capacidade de previsão ao período com orçamento trienal. Mas, para que a planificação cresça ordenadamente no campo da produção de novas variedades, o Programa define as metas a serem atingidas em todas as regiões canavieiras do País e a forma de se alcançar aquelas regiões onde se apresentarem perspectivas boas de expansão da indústria açucareira. Após a fase inicial de implantação nos dois centros de trabalho, a Estação Central Norte, em Alagoas, e a Estação Central Sul, em São Paulo, os objetivos serão:

a) Implantação das Estações Regionais e Subestações nos demais Estados produtores para integrarem o Programa realmente em cunho nacional.

b) Utilização por toda a indústria açucareira nacional de variedades verdadeiramente especializadas, com alto rendimento agrícola e industrial, de acordo com as particularidades locais, técnicas e económicas, de todas as zonas ecológicas de produção do País.

A liberação de variedade partindo do cruzamento é prevista normalmente após um período de 7 a 8 anos. Entretanto, tendo presente que as variedades atualmente em cultivo têm um potencial genético muito baixo em relação ao que se espera obter através da importação sistemática e dos trabalhos de cruzamento, pode-se supor o salto de etapas de seleção no primeiro quinquénio de

funcionamento do programa, É lícito prever o aparecimento de pelo menos 5 a 10 novas variedades especializadas até 1976, para depois se estabilizar em duas a três variedades por ano, no período subsequente.

A pesquisa agrícola, de modo especial na agricultura canavieira, tende a resolver de modo isolado os problemas em cada nível, sem situar nem relacionar tais problemas no contexto geral do processo e das necessidades da agroindústria. Possivelmente seja esse o fator que maiores limitações acarreta no desenvolvimento e na eficiência da economia do açúcar. Suas consequências são claramente perceptíveis em muitos aspectos da agricultura da cana-de-açúcar.

Há, por exemplo, o caso de variedade considerada boa mas que, por ser tardia em seu amadurecimento, conduz a enormes perdas no rendimento industrial, do início até mais da metade da safra, como é o caso da CO 331 no Nordeste. No Vale do Paranapanema o problema da geada faz ressaltar a inexistência de variedades suficientemente precoces ou suficientemente resistentes para sustentar os rendimentos após a ocorrência do fenómeno. De qualquer forma, o Programa, além de atender à procura de variedades especializadas, proporcionará benefícios indiretos de melhoria geral da técnica agrícola. As novas variedades precisarão ser testadas para se conhecer seu comportamento com relação às doenças, às pragas, aos herbicidas, à irrigação, ao corte mecanizado, etc. As melhores condições de cultivo têm de ser empregadas quando do teste final nas usinas, servindo os trabalhos de demonstração e introdução de novas práticas, sob condições controladas de avaliação, das quais participam os responsáveis pela produção comercial.

A estrutura montada para variedades será evidentemente utilizada, no futuro, por toda uma série de projetos mais específicos, em quase todo o campo aplicado da experimentação açucareira. Variedades constituem a espinha dorsal da moderna tecnologia agrícola, suportando os demais métodos científicos de produção.

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O planejamento esboçado, embora especifico para o item variedades, se propõe a superar o aspecto mais premente da presente situação e, mediante diagnósticos e previsões sucessivos, influenciar o desenvolvimento coerente do setor, em sua totalidade. Desde logo, a grande, decisiva vantagem é que a sua execução ficará com o I.A.A., órgão responsável pela economia açucareira, proporcionando a flexibilidade de fixação de certos obje-tivos sobre os quais, durante certo prazo, se concentram os esforços.

PRIORIDADES

Cabe assinalar que a execução do PLANALSUCAR não vai ser simultânea em todo o País, mas obedecerá a prioridades, tendo em vista a disponibilidade de recursos financeiros e humanos e as facilidades próprias de cada região. O êxito do Programa exige a observância da formação técnica de pessoal de nível médio, o aperfeiçoamento do pessoal de nível superior, a reforma de estruturas administrativas e, sobretudo, a disposição de mudança do sistema tradicional pelas classes produtoras.

A esta altura é preciso ter presente que o Programa visa a objetivos que, uma vez alcançados, contribuirão, de forma marcante, para o aceleramento do processo de desenvolvimento nacional.

Tais objetivos são, em essência:

I — Modificar os métodos obsoletos de trabalho na lavoura canavieira.

II — Possibilitar a integração das pequenas e mé- dias propriedades no processo de aperfeiçoa-mento tecnológico, através do cultivo de varie-dades mais produtivas e resistentes às moléstias, proporcionando maior renda familiar.

III — Aumentar a produtividade agrícola e industrial, com a consequente redução dos custos e au-mento do poder de competição da região nor-destina. As condições climáticas, com tempe-raturas mais elevadas e menos flutuantes no

Nordeste, proporcionam uma condição potencial superior para a agricultura canavieira da região, do que as subtropicais do sul do País. A existência de variedades especializadas, com melhor resposta económica à irrigação, adaptadas aos solos de tabuleiros e ladeiras, constitui fato favorável à redução das diferenças de preço da cana e do açúcar entre as duas regiões. IV — Obter variedades mais especializadas, que melhorem a performance do aparelhamento industrial e suportem melhor o custo de financiamentos, incentivem os investimentos e capitalizem recursos para alocação de uma tecnologia mais avançada.

Com tais resultados o Programa trará um avanço definitivo da posição relativa do Brasil em face de seus competidores no mercado internacional, facilitando a estruturação de uma política de exportação baseada em uma economia de escala.

PESQUISAS

Outro ponto a considerar: o Programa prevê, em sua última fase, o desenvolvimento de pesquisas em Subestações localizadas nos Estados do Maranhão, Pará e Amazonas. Se se considera o andamento da colonização da Transamazônica com gente vinda do Nordeste, portadora de tradição açucareira e fundando lavouras em áreas tributárias dos grandes rios da bacia, pode-se vislumbrar mais uma grande perspectiva para a implantação de uma indústria açucareira com vista aos grandes mercados estrangeiros.

O planejamento relativo ao Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar prevê quatro etapas sucessivas, destinadas a alcançar a sua implementação ordenada e progressiva. A primeira foi fixada de 1971 a 1974; a segunda, de 1974 a 1976; a terceira, de 1976 a 1978; e a quarta, em 1978. À medida que as etapas

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forem sendo cumpridas, o Programa irá atingindo novas zonas canavieiras, de acordo com os cronogramas preestabelecidos, que permitirão cobrir todas as zonas açuca-reiras do País.

A rentabilidade do Programa pode ser deduzida partindo da estimativa do rendimento médio da agroindús-tria canavieira no Brasil: aproximadamente 50 toneladas de cana por hectare, uma produção correspondente a 4,5 toneladas de açúcar por hectare, para um rendimento industrial de 90 quilos de açúcar por tonelada de cana. Os geneticistas de cana-de-açúcar que visitaram o País admitem, nas condições mais pessimistas, a possibilidade de a indústria açucareira beneficiar-se de um aumento de 10% na rentabilidade decorrente do incremento do rendimento agrícola e industrial da matéria-prima melhorada por um programa genético-fitossanitário bem conduzido. Mesmo admitindo que a maior fatia dos benefícios seja obtida com os primeiros resultados do Programa, é lícito esperar um incremento sempre superior a 3%. Tal aumento, calculado sobre a produção à época de elaboração do Programa, ou sejam, 5 100 000 toneladas de açúcar, representaria um ganho de 153 000 toneladas ou seja, 2 255 000 sacos. Ao preço médio do Mercado Livre na época, 105 dólares, seriam mais 16 milhões de dólares de ganho, correspondendo a 80 milhões de cruzeiros. Eis por que o Dr. Albert J. Mangelsdorf considera um investimento bastante lucrativo o dinheiro aplicado pelo Brasil na melhoria da cana-de-açúcar.

O Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de--Açúcar no Brasil prevê a execução de um Projeto Fitos-sanitário, como imposição da necessidade do estudo das doenças dentro do programa de melhoramento, a fim de serem selecionadas variedades resistentes. Antes de se efetuar qualquer cruzamento, o geneticista e o patologista deverão ter determinado a resistência relativa ou a susceptibilidade dos progenitores às principais enfermidades existentes na zona económica para a qual se processa o cruzamento. Os técnicos do DAP, ao elaborarem o Projeto Fitossanitário destinado a apoiar o Programa, tiveram o cuidado de assegurar a continuidade de todo

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o ciclo anterior de pesquisa tecnológica, destinado a prover a indústria açucareira de meios hábeis de defesa contra as doenças da cana-de-açúcar. Da mesma forma que o Programa, o Projeto foi estruturado com rigor técnico, de modo a dar os melhores resultados possíveis.

METODOLOGIA

Também cuidaram os responsáveis pela preparação do Programa de fixar as normas de uma metodologia para o Programa de Melhoramento da Cana-de-Açúcar no Brasil. A seleção é uma parte intrínseca do melhoramento das plantas. Sempre que o fitogeneticista elege entre plantas as que devem ser cultivadas e as que não devem ser produzidas, está praticando a seleção. Tendo de eleger entre milhares de plantas, deve ter sempre razões precisas para fazer uma seleção específica.

Não obstante o vulto dos encargos financeiros decor-rentes da implantação das várias etapas do Programa, cujo custo acumulado até 1978 será da ordem de 23 milhões de cruzeiros, o I.A.A., através da verba destinada à assistência à produção, fará frente aos gastos necessários. Dessa forma, o quadro canavieiro será profundamente modificado no Brasil, já que, graças ao Programa, será possível atingir os seguintes objetivos em escala nacional:

1 — A criação de variedades adaptadas às várias zonas ecológicas do País que proporcionem maior produtividade agrícola e maior rendimento industrial e maior resistência às doenças e pragas.

2 — Introduzir, sob rigorosas técnicas quarentená- rias, variedades provenientes de outras regiões canavieiras, nacionais ou estrangeiras, com o fito de melhoria do germoplasma utilizado nos cruzamentos e seu possível aproveitamento comercial na grande lavoura.

3 — Implantar uma infra-estrutura de experimenta- ção agrícola, baseada nas mais modernas téc-

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nicas de pesquisa e organização administra-tiva, aprimorando a utilização dos recursos físi-cos, financeiros e humanos, no sentido de asse-gurar a objetividade e continuidade dos proje-tos diretamente ligados ao estudo de varieda-des ou dele decorrentes.