smiers; van schijndel - imaginem um mundo sem direitos de autor nem monopólios

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    ImagInem um mundosem dIreItos de autor

    nem monoplIos

    Joost SmiersMarieke van Schijndel

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    ImagInem um mundosem dIreItos de autor

    nem monoplIos

    Joost SmiersMarieke van Schijndel

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    Imaginem um mundo sem direitos de autor nemmonoplios j est publicado em ingls,espanhol, francs, chins, italiano, indonsioe neerlands.

    t:Helena Barradas, Joo Pedro Bnard,Lena Bragana Gil, Manuela Torres,Miguel Castro Caldas (por propostade Eduarda Dionsio).

    revis :Helena Barradas e Margarida Llis.Ce:Eduarda Dionsiodeseh gc:www.leannewijnsma.nl

    tl igil:Imagine theres no copyright and no culturalconglomerates too .

    Cc:

    Joost [email protected]

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    Joost Smiers professor de cincia poltica dasartes e investigador no Grupo de Investigaosobre Arte e Ecomia na Escola Superior das Ar-tes de Utrecht (Holanda). O seu livro Arts UnderPressure. Promoting Cultural Diversity in the Ageof Globalization foi traduzido em dez lnguas. Es-

    creveu com Nina Obuljen Unescos Conventionon the Protection and Promotion of the Diversityof Cultural Expressions. Making it Work (Zagreb,2006). Tem em preparao um estudo sobre o ru-do: a quem pertence o espao pblico? Vive emAmsterdo.

    Marieke van Schijndel directora do Museu Ca-tharijne Couvent de Utrecht, depois de ter sidodirectora-adjunta da Fundao Mondriaan, quenancia actividades (internacionais) nos domniosdas artes plsticas e da herana cultural. Tem uma

    ps-graduao em Administrao de Empresasna Universidade Concordia de Montreal, estudoucincias do teatro, do cinema e da televiso. Viveem Utrecht.

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    IndICe

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    1. um sie e gmes c cyigh 10Propriedade intelectual 10Originalidade e aura da vedeta 11Ser realmente um incentivo? 13TRIPS: aspectos comerciais dos direitos de propriedade intelectual 14Luta contra a pirataria, ou prioridades mais elevadas? 15Indstrias criativas, reabilitao do copyright? 16Uma srie de razes 17

    2. aleivs sisfis ies 19Muitas e indesejveis 19

    De volta aos velhos tempos 19Propriedade colectiva 22Colecta e scalizao colectivas 25Remendos versus Creative Commons 27

    3. um lfm cll eqiiv 30De uma perspectiva legal a uma perspectiva econmica 30Competio ou lei anti trust 31Muitos empreendedores culturais 34Nenhuma hiptese para os larpios 35Diversidade cultural 37Consideraes estratgicas 37

    4. o iimgivel? 40Mini estudos de caso 40Livros 42Msica 43Filmes 45Artes visuais, fotograa e design 48

    5. Ccls 51Dvidas crescentes 51Comparvel a outros direitos de propriedade intelectual? 51Tantos, tantos artistas 54

    Biblig 55

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    Introduo

    Imgiem qe h ieis e em cglmes clis

    O copyright (direito de autor) d aos autores ocontrolo exclusivo da utilizao de um nmerocrescente de formas de expresso artstica. Mui-tas vezes, no so os autores que detm essesdireitos, mas sim empresas culturais gigantes-cas. Gerem no s a produo, mas tambm adistribuio e a comercializao de um grandenmero de lmes, msica, peas de teatro livros,telenovelas, artes visuais e design. O que lhesconfere imensos poderes para decidir aquilo quevemos, ouvimos ou lemos, em que formato e, so-bretudo, aquilo que no vemos, no ouvimos ouno lemos.

    Naturalmente as coisas poderiam chegar ao pon-to em que a digitalizao reorganizaria este pa-norama altamente controlado e super-nanciado.Todavia, no podemos estar assim to certosdisso. A quantidade de dinheiro investido nasindstrias de entretenimento fenomenal. Elasoperam escala mundial. A cultura a maisrecente e excelente mquina de fazer dinheiro.

    Neste momento, no h qualquer razo para su-por que os gigantes culturais deste mundo iroceder facilmente a sua dominao do Mercado,quer no que toca ao antigo domnio material,quer ao ambiente digital.

    Estamos agora procura da campainha de alar-me, para a podermos tocar. Quando um nmerolimitado de conglomerados controla substan-cialmente a nossa rea comum de comunicaocultural, isso mina a democracia. A liberdade deinformao de cada um e o seu direito a partici-

    par na vida cultural da sociedade, tal como vemconsignado na Declarao Universal dos Direi-tos do Homem, pode ser reduzido ao direito ni-co de uns quantos directores de companhias ede investidores e aos programas ideolgicos eeconmicos para os quais eles trabalham.

    No estamos convencidos de que esta seja anica soluo para o futuro. possvel criar umaplataforma equitativa. Quanto a ns, o direitode autor representa um obstculo. Simultanea-mente, constatmos que os best-sellers, os blo-

    ckbusters e as vedetas das grandes empresasculturais esto a ter um efeito pernicioso. Elesdominam o mercado a tal ponto que pouco espa-

    o ca para o trabalho de muitos outros artistas.Estes ltimos so empurrados para a margem,onde difcil para o pblico descobrir a sua exis-tncia.

    No primeiro captulo iremos analisar todos os in-

    convenientes do copyright que fazem com queseja ilgico apostar nele. claro que no somosos nicos a tomar conscincia de que ele se tor-nou um instrumento problemtico. Por isso dedi-camos o segundo captulo a alguns movimentosque procuram colocar o copyright na boa sen-da. Embora sejamos sensveis aos argumentose esforos para tentar encontrar alternativas,pensamos que uma abordagem mais radical efundamental nos poder ajudar mais no sculoXXI. Analisaremos isso no captulo 3. Procura-mos criar uma plataforma equitativa para muita

    gente, tanto empresrios culturais como artistas.Na nossa perspectiva, j no h espao nempara copyright nem para empresas que dominamesses mercados culturais.

    pev-se qe:

    - Sem a proteco nanceira do copyright j noser lucrativo fazer grandes investimentos emblockbusters, bestsellers e vedetas. Portanto,eles j no conseguiro dominar os mercados

    - As condies de mercado para grandes inves-timentos na produo, distribuio ou comercia-lizao deixaro de existir. A lei da concorrnciae a regulao da propriedade so instrumentosfundamentais para nivelar os mercados.

    - E a nosso patrimnio de expresso cultural,passado e presente, o nosso domnio pblico dacriatividade artstica e do saber no mais seroprivatizados.

    O mercado ser ento to aberto que muitos

    artistas, sem serem esmagados pelos grandesdo mundo cultural j no sendo to grandes sero capazes de comunicar com o pblico e,portanto, vender com mais facilidade. Simulta-neamente, esse pblico deixar de ser inundadocom publicidade e poder seguir o seu prpriogosto, fazer as suas opes culturais com maiorliberdade. No captulo 4 tentaremos mostrarcomo as nossas propostas poderiam funcionar,com base em breves estudos de caso.

    Estamos conscientes de que propomos fortes

    intervenes no mercado. Por vezes, s de pen-sar nisso camos nervosos. Queremos dividiros uxos monetrios dos maiores segmentos

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    da nossa economia nacional e global que o que no fundo so os sectores culturais - empores menores de propriedade. Isso envol-ver uma reestruturao profunda, sem prece-dentes. A consequncia das nossas propostas que as indstrias culturais e de comunicao,

    nas quais o volume de negcios atingem os bi-lies, sero viradas do avesso. No h memriade mais ningum se ter proposto construir con-dies de mercado to radicalmente novas paraa rea cultural, ou pelo menos lanar as basestericas dessa construo. Conforta-nos saberque Franklin D. Roosevelt tambm no sabia oque estava a lanar quando criou o New Deal,isto sem de maneira nenhuma nos querermoscomparar a ele. E contudo ele fez isso, foi pos-svel reformar profundamente as condies eco-nmicas.

    Isto estimula-nos a colocar em discusso a nos-sa anlise e as nossas propostas, para posteriorreformulao. Foi uma agradvel surpresa ler(New Yale Times, 6 Junho de 2008) o que PaulKrugman, vencedor do Prmio Nobel de Eco-nomia 2008, disse: Pouco a pouco, tudo o quepuder ser digitalizado ser digitalizado, tornandoa propriedade intelectual cada vez mais fcil deser copiada e mais difcil de ser vendida por maisdo que o seu valor nominal. E teremos que en-contrar modelos econmicos e de negcio que

    tomem isto em conta. Conceber e propor essesnovos modelos econmicos e de negcio pre-cisamente aquilo que fazemos neste livro.

    Pelo sumrio que indica o que trata cada ca-ptulo pode ver-se que no se trata de um livrosobre a histria do copyright nem de como elefunciona actualmente. Existem muitas publica-es excelentes, com as quais nos sentimos emdvida, que podem ser consultadas sobre essestpicos (como Bently 2004, Dreier 2006, Gol-dstein 2001, Nimmer 1988 e 1994, Ricketson

    2006 e Sherman 1994). Para uma introduoaos princpios bsicos e s controvrsias em tor-no dos direitos de autor, consultar, por exemplo,http://www. wikipedia.org/wiki/copyright.

    No orientmos o nosso trabalho para categoriasinteis como o pessimismo ou o optimismo cul-tural. O que nos move o realismo terra-a-terra;se os direitos de autor e as actuais condiesde mercado no podem ser justicadas, ento onosso dever interrogarmo-nos sobre o que ire-mos fazer em relao a isso. Distinguir entre as

    chamadas artes superiores e inferiores e entrea cultura de elite, popular e de massas tambmno algo que nos interesse. Um lme um l-

    me, um livro um livro, um concerto um con-certo, e por a fora. O cerne da questo , pois,quais so as condies para a produo, distri-buio ou comercializao e recepo de tudoisso bom, mau ou feio e, consequentemente,que tipo de inuncia essas obras exercem so-

    bre ns individual e colectivamente. Existe umacontrovrsia agrante: que artista deve ser eleva-do ao estrelato, por quem, porqu e no interessede quem? E quem ir falhar esse objectivo, ouser criticado por aquilo que criou? O nosso ob- jective neste estudo destacar o facto de quea verdadeira diversidade e, consequentemente,a pluralidade de formas de expresso artsticapode ter uma razo de ser e que as condieseconmicas se podem criar para as facilitar.

    Na realidade, usamos o termo direitos de autor

    (copyright) para cobrir dois conceitos,. O direitode copiar , em princpio, diferente de um direitocriado para defender o interesse de artistas - ouautores, tal como eles so colectivamente referi-dos (como, por exemplo, na expresso francesadroit dauteur). Contudo, na legislao e na pr-tica internacional, os dois conceitos fundiram-seno termo ingls copyright. Quaisquer nuancesou diferenas entre os dois conceitos so irre-levantes para este nosso trabalho, uma vez queo que propomos , em ltima anlise, a aboliodo copyright. Quando falamos de obra, nos ca-

    ptulos seguintes, o termo refere-se a todos ostipos de msica, lmes, artes visuais, design, li-vros, teatro e dana.

    As transformaes neoliberais das ltimas dca-das, tais como foram descritas por Naomi Kleinem The Shock Doctrine (2007), por exemplo,tiveram tambm implicaes na comunicaocultural. Temos cada vez menos o direito de es-truturar e organizar mercados culturais de formaa que a diversidade das formas culturais de ex-presso possa desempenhar um papel signica-

    tivo na consciencializao de muitas pessoas.Este um problema da mxima importncia.

    As expresses culturais so elementos fulcraisna formao da nossa identidade pessoal e so-cial. Estes aspectos extremamente sensveis danossa vida no deviam ser controlados por umpequeno nmero de detentores de direitos. Essecontrolo precisamente o que est a ser exerci-do no contedo da nossa comunicao cultural,atravs da deteno de milhes de direitos deautor.

    Milhares e milhares de artistas trabalham nestarea a rea da criao e de performance ar-

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    tsticas produzindo todos os dias uma grandevariedade de formas de expresso artstica. Istoso as boas notcias, que no devemos esque-cer. Porm, a triste realidade que, devido do-minao do Mercado pelas grandes empresasculturais e seus produtos, a diversidade cultural

    tornada invisvel est quase a ser varrida da are-na pblica e da conscincia comum.

    O domnio pblico, no qual as expresses cul-turais podem ser contraditadas, tem de ser res-tabelecido. Isto exige mais do que um amplocriticismo do actual status quo cultural. Por issoneste livro propomos uma estratgia de mudan-a. Acreditamos que possvel criar mercadosculturais de forma a que a propriedade dos re-cursos de produo e distribuio esteja nasmos de muita gente. Nessas condies, acha-

    mos ns, ningum poder controlar o contedoou a utilizao das formas de expresso cultu-ral atravs da deteno exclusiva e monopolistade direitos de propriedade. Criando mercadosculturais exequveis para uma abundncia deexpresses artsticas estamos a devolver a nsprprios o poder de dispor da nossa vida cultu-ral, enquanto indivduos privados. Os mercadosculturais tm de estar implantados numa esferamais ampla das nossas relaes sociais, politi-cas e culturais.

    Devido crise nanceira que estalou em 2008,voltou a estar na ordem do dia a ideia de queos mercados podiam e deviam ser regulados deforma a no serem apenas as foras nanceirasa beneciar mas sim ter em conta igualmentemuitos outros interesses. A vantagem que osinstrumentos legais incluem j a lei da concor-rncia ou anti-trust, o que pode garantir que noh abuso de posio dominante. Voltaremos aabordar este ponto no terceiro captulo.

    Contudo, a questo essencial neste livro o co-

    pyright. Porqu? Ele est rodeado de uma cargaemocional e da crena de que o copyright aexpresso da nossa civilizao: zelamos pelosnossos artistas e garantimos o respeito pela suaobra. A razo pela qual o copyright no conse-gue corresponder a essa expectativa requer al-guma explicao. O facto de o mercado poderser organizado noutros moldes promovendo aconcorrncia ou a legislao anti-trust requermenos explicao e os instrumentos j estocriados. S que ser muito difcil reestruturar osmercados culturais. Por outro lado, o copyright

    entrou j em plano inclinado.

    Podero interrogar-se porque que nos lan-mos nesta pesquisa, remando contra a mar doneoliberalismo. A nossa primeira razo de or-dem cultural, social e poltica. O domnio pblicoda criatividade artstica e do saber tem de sersalvaguardado e muitos artistas, os seus produ-

    tores e os seus patrocinadores tm de ser capa-zes de comunicar com uma grande variedade depblico para poderem vender as suas obras comuma certa segurana.

    A segunda razo pela qual no cremos estar acolocar-nos fora da realidade com esta anlise eestas propostas a Histria. A Histria ensina-nos que as estruturas de poder e as constela-es de mercado esto constantemente a mu-dar. Porque isso no poderia acontecer com oassunto que abordamos neste estudo? A tercei-

    ra razo que nos sentimos um tanto optimistascom o que a crise nanceira e econmica querebentou em 2008 pode acarretar. Foi o ano emque a falncia do neoliberalismo se tornou terri-velmente visvel. Se houve alguma coisa que setornou evidente foi que os mercados mesmo osmercados culturais requerem uma reorganiza-o total, contemplando uma muito maior gamade interesses ecolgicos, culturais, sociais e ma-croeconmicos.

    A nossa ltima razo simples: uma coisa

    que tem de ser feita. o nosso dever acad-mico que nos move. bvio que o velho para-digma do copyright est desgastado. O nossodesao acadmico , pois, descobrir um meca-nismo que substitua o copyright e a dominaodos mercados culturais que lhe est associada.Que sistema estar ento melhor equipado paraservir os interesses de um grande nmero de ar-tistas e o nosso domnio pblico de criatividadee saber? Uma tarefa desta envergadura desaacolegas de todo o mundo a ajudar-nos a encon-trar a soluo que melhor nos ajude a avanar no

    sculo XXI. H muito a fazer, inclusivamente de-senvolver os modelos que propomos no captulo4. Esperemos que esse trabalho possa ser feitocom um pouco mais de recursos do que aquelesde que ns dispnhamos. Anal aquilo de quefalamos uma reestruturao total dos segmen-tos do mercado cultural da nossa sociedade nosquais milhares de milho de dlares ou euros soinjectados no mundo inteiro.

    Por sorte, muitos acadmicos, nossos amigos ecolegas, estavam preparados para partilhar con-

    nosco os seus comentrios crticos e, por vezes,o seu cepticismo, encorajando-nos, no entanto,a prosseguir. Gostaramos de mencionar Kiki

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    Amsberg, Maarten Asscher, Steven Brakman,Jan Brinkhof, Jaap van Beusekom, Eelco Ferwer-da, Paul de Grauwe, Pulsei Heugens, DraganKlaic, Rick van der Ploeg, Helle Posdam, KeesRyninks, Ruth Towse, David Vaver, Annelys DeVet, Frans Westra, Nachoem Wijnberg, mem-

    bros do grupo de pesquisa CopySouth, dirigidopor Alan Story e participantes na Rede de Pes-quisa sobre o Copyright na Birkbeck School ofLaw, da Universidade de Londres, presidido porFiona Macmillan. Um agradecimento especial aRustom Bharucha, Nirav Christophe, ChristopheGermann, Willem Grosheide, Jaap Klazema, Ge-ert Lovink, Kees de Vey Mestdagh e Karel vanWolferen. Eles leram todo o manuscrito e apon-taram algumas discrepncias na nossa investiga-o. Joost Smiers foi convidado para muitas con-ferncias e por muitas universidades no mundo

    inteiro para dissertar sobre o tema da nossa in-vestigao. Isto deu-nos uma oportunidade nicade aperfeioar as nossas anlises e propostascom base nas reaces.

    Um enorme obrigado a todos os que nos aju-daram a manter o rumo da nossa investigao.Anal de contas, o que estamos a fazer de cer-ta forma um salto calculado no escuro. A formacomo os mercados se desenvolvem imprevis-vel, mesmo que as nossas propostas venham aser implementadas. Com tanta incerteza, no ad-

    mira que alguns comentadores das nossas anli-ses no concordem com elas. Por isso estamosainda mais gratos por eles nos terem dado o seuapoio sincero e os seus comentrios crticos.

    Um agradecimento especial a Giep Hagoort, co-lega de Joost Smiers durante quase vinte e cincoanos no Art & Economics Research Group daUtrecht School of the Arts. A sua grande paixofoi sempre ensinar empresrios a operar na in-terface entre a arte e a economia. Por isso no por acaso que o conceito de empresa cultural

    assuma um papel to importante no nosso livro.Evidentemente que esses empresrios culturais- sejam eles artistas, produtores ou patrocinado-res - tm de ter a oportunidade de operar nummercado que oferea uma plataforma equitativapara todos. Alcanar essa meta o objectivodeste estudo.

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    Captulo 1

    uma srIe de argumentosContra o CopYrIgHt

    pi ic

    Em 1982, Jack Valenti, na altura presidente daMotion Picture Association of America, declarouque aos detentores da propriedade criativa de-vem ser concedidos os mesmos direitos e protec-o que concedida a todos os outros proprie-trios (Lessig 2004: 117). At ento, a opiniogeral era que a propriedade intelectual era um di-reito mais limitado, que no podia ser comparado

    com os outros. E a essa armao acrescentou aexigncia de que o copyright deveria dar a alguma propriedade exclusiva de um lme ou de umamelodia. Exclusiva e perptua... menos um dia.

    Perptua... menos um dia? Estaria ele a gozar?Bom, talvez um pouco, mas a sua declarao erasem dvida provocatria, sobretudo naquela po-ca. Hoje em dia, quase ningum pensaria duasvezes sobre o facto de que o detentor de direitosde uma msica, imagem material, lmes ou textostem um poder innito de dispor desse bem. Muita

    coisa mudou em 25 anos. Habitumo-nos priva-tizao do saber e da criatividade que so, na rea-lidade, propriedade comum. Neste captulo apre-sentamos uma srie de argumentos para mostrarque essa habituao no uma coisa boa.

    Alguns argumentos assentam nos princpios b-sicos do prprio direito de autor. O princpio es-sencial , portanto, que se trata de um direito depropriedade. No h nada de errado num direitode propriedade em si mesmo, desde que ele es-teja assente e limitado por interesses de natureza

    social, socio-econmica, macroeconmica, eco-lgica e cultural. O impacto desses interessesdeveria ser pelo menos to forte na atitude daspessoas para com bens e valores como para como lucro privado. Numa perspectiva cultural, poder-se-ia pensar se ser apropriado ou necessrio es-tabelecer uma propriedade individual para a cria-o dos artistas. Cria-se ento, por denio, umdireito exclusivo e monopolista para o uso dessaobra. Isto privatiza uma parte essencial da nossacomunicao, o que prejudicial para a democracia.

    Seria ir demasiado longe se descrevssemos o di-reito de autor como uma forma de censura? Bem,na realidade no seria. Antes de mais, lembremo-

    nos que cada obra artstica assenta naquilo queoutros criaram no passado prximo ou distante.Os artistas derivam de um quase innito domniopblico. Por muito que admiremos uma obra, noser estranho atribuir-lhe um ttulo de proprieda-de quando ela resulta de uma srie de adies?

    O subsequente direito tem consequncias degrande alcance. Anal, mais ningum a no sero proprietrio est autorizado a usar ou modicara obra a seu bel-prazer. Uma parte considerveldo material com o qual ns, enquanto pessoas,podemos comunicar uns com os outros ca as-sim sequestrado. Quase sempre no h nenhumproblema em inspirarmo-nos numa obra existente.Os problemas comeam quando qualquer coisana nova obra mesmo que seja uma coisa muitopequena - , ou poderia ser, uma reminiscncia daobra anterior.

    Porque que isto um problema essencial? Ascriaes artsticas so expresso de muitas emo-es diferentes, como o prazer e a tristeza. Vi-vemos rodeados de msica, de lmes, de toda aespcie de imagens e de representaes teatrais.Aquilo que uns acham muito bom ser contesta-do por outros. Na nossa sociedade, o territriocultural artstico no , pois, uma zona neutra. frequentemente objecto de disputa e controvr-sia relativamente ao que belo e ao que feio,ao que pode ser expresso sucintamente e ao que

    nos exalta ou deprime. Questes de especial sig-nicado so: quem deve decidir qual o materialartstico que nos deve chegar em abundncia equal o que nos deve chegar em pequenas doses?Em que cenrio? Como ser nanciado? Comque interesses em mente? Estas questes sode uma importncia vital, tal como as respostasso cruciais para o panorama artstico no qual sedesenvolve a nossa identidade. Sendo formas deexpresso to poderosas, aquilo que vemos, ouvi-mos e lemos deixa marcas na nossa conscincia.

    E esta rea sensvel que tanta inuncia temnas nossas vidas e na forma como convivemos que sujeita a patente. Como j dissemos, um direito de propriedade. O detentor de direitosde uma expresso artstica a nica pessoa quepode e deve decidir como a obra pode funcionar.Ela no pode ser alterada por mais ningum a noser o detentor de direitos. Em suma, no podeser contestada ou posta em causa em si mesma.Nem a podemos colocar em contextos que julgue-mos mais apropriados. No h possibilidade dedilogo. Ficamos mais ou menos amordaados.

    A comunicao funciona num nico sentido e dominada por uma nica parte, nomeadamente odetentor do direito. Ele (ou ela) a nica pessoa

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    que pode imprimir signicao sua obra atra-vs de tentativas concretas de aperfeioamento.Depois, nem a outros artistas, nem a ns enquantocidados, permitido tocar-lhe. Estamos apenasautorizados a consumi-la gurativa e literalmente- e guardar para ns a nossa opinio sobre a obra.

    E isto no basta numa sociedade democrtica.

    Por isso Rosemary Coombe sublinha que o que especicamente humano a capacidade deproduzir sentido, pr vem causa o sentido e trans-formar o sentido. O que a leva a esta observaofundamental: Se isso verdade, ento exclumo-nos da nossa humanidade atravs da aplicaorigorosa e da expanso contnua da proteco dapropriedade intelectual. O dilogo implica recipro-cidade na comunicao: a capacidade de respon-der a um signo com signos. Que signicado tem

    um dilogo quando somos bombardeados commensagens s quais no podemos responder,signos e imagens cujos signicados no podemser postos em causa e conotaes que no pode-mos questionar? (1998: 84, 5).

    No cremos que Rosemary Coombe, a avaliarpela sua obra, fosse to longe a ponto de armarque os direitos de propriedade em relao ao ma-terial artstico constituem uma forma de censura.Mas evidente que sentimos bastante que muitasdas nossas formas de expresso so privatizadas

    num monoplio exclusivo.

    Contudo, no estamos muito enganados comessa ideia de censura. O copyright tem origemnos privilgios que a Rainha Mary de Inglaterraconcedeu Stationers Guild (Companhia dosEditores) em 1557. Os membros tinham um enor-me interesse em adquirir um monoplio dos livrosimpressos e em excluir quaisquer eventuais con-correntes na Esccia e noutras circunscries.Isto pode ser comparado com o monoplio dapropriedade que atrs referimos. A rainha Mary

    tinha tambm um interesse especial nesta medi-da, que impedia a propagao de ideias herticasque pudessem pr em causa a sua legitimidade.O acordo que Mary estabeleceu com os editorescombinava estes dois interesses (Drahos 2002: 30).

    oiii v

    O direito de autor incorpora um elemento formalque impede explicitamente o no-detentor de di-reitos de alterar ou adaptar a obra seja de que ma-

    neira for. So esses os direitos morais dos artistassobre as suas obras. O princpio orientador sub-jacente a ideia de que eles produzem uma coi-

    sa absolutamente nica, original e autntica. Noseria lgico ento que eles pudessem considerar-se os nicos a gerir a sua obra no futuro, que seles pudessem decidir como ela interpretada,se ela pode ser alterada e em que condies po-der singrar? No deveria a integridade da obra

    ser protegida? So questes pertinentes, pois asua essncia baseia-se no grau de respeito quemanifestamos por algo criado por outrem.

    A questo que imediatamente se coloca se realmente necessrio para o criador ter a posseexclusiva e o monoplio da sua obra a m de ob-ter esse respeito. Na maior parte das culturas, odireito de propriedade nunca foi condio para seapreciar uma obra. Em muitos casos at umahonra ter uma obra copiada ou imitada por ou-tro. Portanto deve haver uma razo pela qual, nos

    ltimos sculos, a originalidade e a exclusividadese tornaram to interligadas na cultura ocidental.Pode ter algo a ver com o desenvolvimento doconceito de indivduo, que constituiu uma gran-de mudana na forma como as pessoas se viama si mesmas. O indivduo passou a sentir maisdesligado dos contextos sociais do que se sentiadantes. Aquilo que o indivduo produzia era assimum acto s seu, sobretudo se essa obra fosse aexpresso mxima da capacidade humana. A artee os artistas assumiam ento dimenses quasemticas.

    Nesta perspectiva, compreensvel que a ideiade direitos morais tenha evoludo. Mas ser queisso se justica? Pensamos que no. J referimoscomo a inviolabilidade das obras artsticas preju-dicial comunicao democrtica. Alm do mais,a verdade que cada obra deveria ser vista numdesenvolvimento progressivo daquilo que muitosartistas e respectivo pblico produzem e daqui-lo a que reagem, o que tambm contribui para aobra. Dar a um indivduo o controlo exclusivo dasua obra , pois, ir demasiado longe.

    Nos anos 30, o lsofo alemo Walter Benjaminpensava que a aura que rodeava a obra artsticairia diminuir com o desenvolvimento das tcnicasde reproduo. Nada mais errado. Pelo contr-rio, a aura e a presuno de genialidade, singu-laridade e autenticidade aumentaram milharesde vezes. Esses conglomerados que produzem,reproduzem e distribuem em larga escala preci-sam desesperadamente de reforar a aura queenvolve os artistas e as obras que tm sob contra-to, para efeitos de promoo e comercializao.

    O seu objectivo na realidade controlar a prpriaobra e todo o contexto em que ela lida, ouvi-da e vista. Os direitos morais so o instrumento

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    bvio. E isso torna inviolveis as estrelas que elesproduzem.

    H, pois, duas razes para estarmos desconten-tes com os direitos morais atribudos a uma obra.Antes de mais, a obra de arte evolui numa linha

    contnua e progressiva. O que torna contestvel areivindicao de um direito de propriedade abso-luta. Se estabelecermos tambm que o instrumen-to est a ser usado por conglomerados culturais am de lhes permitir o controlo total dos contedose a forma como uma obra funciona na sociedade,torna-se ento extremamente difcil aderir ao prin-cpio dos direitos morais.

    Compreendemos que alguns artistas talvez nogostem de nos ver tocar nos direitos morais.Podem no gostar do facto de acharmos que

    eles no se justicam e que podem mesmo sercontraproducentes nas mos das indstrias cul-turais. Anal de contas, eles mantm um sistemade estrelato, de blockbusters e de best-sellers.Simultaneamente, essas estrelas cuja imagem protegida por direitos morais so em parte culpa-das pelo facto de muitos artistas serem afastadosda ribalta devido cultura do estrelato. Isto umavergonha, o mnimo que se pode dizer, e podeconduzir a uma grande incerteza.

    Se decidirmos que os direitos morais a acres-

    centar aos direitos de explorao, que iremosabordar mais adiante so injusticveis, camosainda com muitas questes sem resposta. O es-sencial saber se os artistas devem car quietosa ver a sua obra ser adaptada ou alterada semterem uma palavra a dizer. Na verdade, no h ou-tra opo. Isto ser, evidentemente, um grandechoque cultural para alguns. Embora no venhaa ser sentido dessa forma nas culturas em que ocopyright e, consequentemente, os direitos mo-rais nunca se implantaram. No fundo, no temosrazes para supor que grupos de pessoas se iro

    apoderar de obras artsticas e de forma inapro-priada. E h ainda um debate pblico sobre queadaptaes so aceitveis e quais afectam a inte-gridade da obra.

    No impossvel que um artista possa ver a suaobra surgir num contexto em que se torna claroque a inteno nunca pode ter sido essa. A obraest a ser utilizada para um objectivo que ele re-jeita ou que profundamente detesta, por exemplo.O direito de autor proporciona conforto nessassituaes horrveis. Como no fora pedida nenhu-

    ma autorizao, era fcil para o tribunal concluirque o direito de autor fora infringido. Mas o quese pode fazer quando se achar que o direito de

    autor j no vivel? Na legislao h uma sriede instrumentos que julgamos serem ainda maisapropriados para satisfazer a exigncia legtimado artista de no ser arrastado pela lama. Esta-mos a referir-nos aqui difamao de carcter e,em particular, a actos danosos e ilegtimos.

    Um artista que considere que a forma como a suaobra foi tratada injusta pode recorrer ao tribu-nal que ter de ser convencido. Admitimos j noexistir um automatismo, mas isso tem as suas van-tagens. Compete lei regular e certamente serfeita jurisprudncia em torno dessas situaes de-sagradveis. A outra vantagem, evidentemente, que toda a obra artstica ca disponvel para ser li-vremente alterada, adaptada e colocada em diver-sos contextos. Para ser remisturada, em suma.Isto uma grande conquista que, devido aboli-

    o dos direitos morais, permanecer inalterada.

    No entanto, estamos ainda a analisar este pon-to, particularmente em situaes em que no estem causa um acto escandaloso e ilegtimo, masem que o artista considera essencial para a suaobra que ela seja apresentada da forma como elea concebeu. Se os direitos morais forem abolidos,ento ningum tem que se preocupar. Mas por-que no mostrar respeito por essa obra e peloseu criador? Trata-se de um valor de intercmbiosocial entre pessoas. Porque no respeit-lo?

    possvel faz-lo. Um artista que faa grandesadaptaes obra de um outro artista, dando-lhe a sua prpria interpretao, est autorizado afaz-lo, mas nesse caso deveria declarar que essaadaptao uma nova obra baseada na obra doautor ou compositor original, por exemplo. Issotorna patente que o criador inicial tinha em vistauma apresentao diferente da obra. Cultural-mente, tambm fundamental sabermos isso,para podermos traar a genealogia da obra. Quevestgios deixou ela na nossa cultura?

    Gostaramos que no subsistissem quaisquerequvocos; evidente que somos totalmente con-tra o roubo de obras. X no deve poder colocaro seu nome num lme, livro ou pea musical quefoi inequivocamente criado por Y. Isso puro rou-bo, fraude, deturpao; contudo, gostaramos desublinhar o seguinte: uma vez detectada e issosuceder mais cedo ou mais tarde a fraude serjulgada em tribunal e, poder haver caso a multa.No necessrio um sistema de copyright paragarantir isso.

    Na maior parte das obras de arte, particularmentese forem digitalizadas, a alterao no apaga asmarcas da obra original. Podemos continuar a v-

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    las, ouvi-las ou l-las. As coisas so diferentes napintura. Se pintar sobre o quadro, por exemplo,ou se ele for raspado com uma faca, ento nun-ca mais voltar a ser o mesmo. Um bom restaurotalvez pudesse salvar a obra, mas no certo. Sealgum julgar que apesar de tudo o quadro deve-

    ria ser diferente da forma que apresenta, ento stem uma opo: voltar a pint-lo da forma comodeveria parecer. Culturalmente, isso pode ser in-teressante, enquanto o quadro que suscitou po-lmica estiver ainda visvel. Pode ser lanado umdebate sobre as diferenas entre um e o outro.Anal, no esse um dos maiores valores de umasociedade democrtica?

    s iciv?

    Um dos argumentos frequentemente utilizadospara defender o sistema de copyright que elegera receitas para os artistas. Sem o copyright,nunca teramos todos esses lmes entusiasman-tes, nem a msica e os romances de que tantogostamos. Deixaria de haver incentivos para criaressas obras. A indstria, sobretudo, gosta de uti-lizar este argumento. Mas h artistas e muitos dosseus grupos que tambm pensam que acabariamnuma situao muito difcil se a fonte que lhes ga-rante as receitas desaparecesse.

    Mas ser mesmo assim? H razes para acreditarque a ligao entre as receitas e o copyright bastante irrelevante para muitos artistas. H queadmitir que um pequeno grupo de vedetas e a pr-pria indstria passam bem sem ele. Para a grandemaioria, ele insignicante como fonte de receita(consultar, por exemplo, Boyle 1996: xiii; Drahos2002: 15; Kretschmer 1999; Vaidhyanathan 2003:5). Estudos econmicos demonstraram que, dasreceitas de direitos conexos, apenas 10% vaipara 90% dos artistas e, vice-versa, 90% vai para10%. Martin Kretschmer e Frisemos Kawohl tm

    indicaes de que esses mercados do tipo o-vencedor-ca-com-tudo so predominantes namaior parte das indstrias culturais (2004: 44).No seu estudo, Michael Perelman arma que qua-se todas as receitas que o sector transfere paraos trabalhadores da cultura vo para uma nmafraco (2002:37). At o relatrio ocial BritishGowers sobre os direitos de propriedade intelec-tual nos sectores da cultura forado a reconhe-cer que em mdia, os criadores recebem umapercentagem muito baixa de direitos das suasgravaes (2006: 51).

    Os autores do relatrio no se mostram conven-cidos de que o argumento do incentivo seja con-

    vincente. H muitas bandas a criar msica semqualquer esperana de receberem algo que seassemelhe a receitas de direitos. o que suce-de em Inglaterra, apesar de, juntamente com osEUA, serem os pases onde vai parar a maiorparte das receitas dos direitos relativos aos ou-

    tros pases. Em quase todas as partes do mundo,pouco retido no pas em termos de direitos, noconstituindo assim suciente fonte de receita paraartistas a viver e a trabalhar a. No que toca aosector da msica, Ruth Towse pensa que a con-cluso inevitvel: o copyright gera mais retricado que receitas para a maior parte dos compo-sitores e intrpretes da indstria musical (2004:64). As vedetas recebem receitas astronmicas,e o restante uma ninharia (2004: 14, 5).

    Existe uma perspectiva mais difundida segundo

    a qual se deveriam encarar os pagamentos irri-srios no sector cultural. a exibilizao geraldo trabalho a tomar conta da nossa sociedade.O trabalho criativo sempre esteve extremamentedependente de contratos precrios, a curto pra-zo. A incerteza, a insegurana, o risco fsico, ascondies de trabalho muito instveis e ausnciade penses ou subsdio de maternidade associa-dos exibilizao esto a ser sentidas ainda maisnos sectores culturais do que nas outras inds-trias (Rossiter 2006: 27). As receitas do copyri-ght so escassas para a maior parte dos artistas.

    No entanto, em todas as culturas eles produzemum uxo crescente de criaes artsticas, e actu-am sempre que podem. Isso tambm essencial;quem no visto no existe. Sobretudo, para amaior parte deles, a necessidade de produzir obraartstica to grande que acabam por prescindirde certas condies.

    Se para a maior parte dos artistas o copyright pouco relevante, ento o mais lgico seria assumirque a indstria valoriza esse instrumento porqueele lhe fornece uma proteco do investimento.

    Assim, os termos e as condies alargam-se e agama de proteco tambm. reas de perceposubjectiva como o som, o gosto e o cheiro, porexemplo, esto mesmo a ser incorporadas no m-bito dos direitos de autor. (Bollier 2005: 218).

    Quando, em 2003, o Supremo Tribunal dos EUAapoiou o alargamento do copyright data da mor-te do autor mais setenta anos, o New York Timestitulava: Em breve copyright para sempre. O ar-tigo manifesta a preocupao de que, de facto,a deciso do Supremo Tribunal signique que

    se esteja a assistir ao princpio do m do domniopblico e ao nascimento do copyright perptuo.A que se seguia um grito de indignao: O do-

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    mnio pblico foi uma grande experincia, e nodevemos deixar que morra (International HeraldTribune, adiante designado por IHT, 17 de Janeirode 2003).

    Ruth Towse mostra-nos o que est a acontecer.

    Usando um exemplo: Em 2006 Michael Jacksonvendeu o catlogo dos Beatles Sony por cercade 1 milhar de milho de dlares. Isto ilustra bemesta questo. No necessrio ser economistapara se ver que o valor desse activo aumentaria seos direitos de autor fossem mais altos e por maistempo (2006: 11). As quantias envolvidas no sobaixas. Um relatrio elaborado para a InternationalIntellectual Property Alliance (IIPA), por exemplo,assume que, em 2005, o valor total das indstriascom copyright ascendia a 1,38 trilies de dlares.Isso representaria 1112% do total do produto na-

    cional americano e daria emprego a 11,325,700indivduos (Siwek 2007: 2). Mesmo que estes n-meros no reictam os factos com preciso - oIIPA considerado como um organismo que atri-bui uma importncia exagerada ao copyright osnmeros so impressionantes.

    As indstrias musicais e de cinema so bastanteagressivas quando se trata de invocar a protec-o dos direitos de autor. Contudo, no devemosesquecer que na rea da imagem tm estado aaparecer um nmero de parceiros que esto a

    dominar fortemente o mercado. Para alm da Mi-crosoft, Bill Gates possui tambm uma empresachamada Corbis, que est a adquirir material vi-sual por todo o mundo, a digitaliz-lo e a comer-cializ-lo. Em 2004, isso ascendia a 80 milhesde obras. A Getty Images tambm se especializounesse tipo de actividades, utilizando a plataformafotogrca iStockphoto (Howe 2008: 7). Na reali-dade, uma poro considervel do material visualem todo o mundo est a car concentrado masmos de duas empresas gigantescas.

    No prximo captulo iremos ver que a indstriavai ter alguns problemas para manter o sistemade copyright. Por isso existe actualmente uma ten-dncia para abandonar esta rea da legislao epara procurar refgio em duas outras solues. Aprimeira propor aos clientes certas condiesde utilizao contratualizadas, que eles tero queaceitar. A segunda abordagem, que j est emmarcha, permitir a escuta de msica e a utiliza-o de outras obras artsticas sem criar grandesobstculos, mas envolv-las em publicidade, quegera a fonte de receita para a indstria cultural.

    trIps: c ccii ii i ic

    No passado, um dos problemas com que os de-tentores de direitos de autor e de propriedade

    intelectual em geral se debatiam era ser sempremuito difcil fazer valer os seus direitos noutrospases, tendo eles a muito a ganhar face cres-cente globalizao econmica. Os outros pasesno podiam ser obrigados a introduzir legislaosobre direitos de autor e muito menos a imple-ment-la e a aplic-la. Ento o que que eles ze-ram? Nos anos 80 e no incio dos anos 90, surgiuentre os conglomerados a ideia de negociar umacordo que vinculava os outros pases. Neste as-pecto inspiravam-se um pouco nas indstrias agr-colas e farmacuticas, no que toca a patentes e

    a outros direitos de propriedade intelectual. Daresultou um acordo no seio da recm-criada Or-ganizao Mundial do Comrcio, conhecido porTRIPS, Acordo sobre Aspectos dos Direitos dePropriedade Intelectual Respeitantes ao Comr-cio (Deere 2009).

    Segundo esse acordo, os pases comprometiam-se a acordar entre si o grau de proteco quepretendiam oferecer aos detentores de direitos depropriedade intelectual. E isso foi incorporado nasua respectiva legislao nacional. At aqui nada

    de novo. Mas imaginemos que um pas mantma sua legislao como estava e ou no introduzou no aplica um sistema de copyright. A novi-dade dos TRIPS e da Organizao Mundial doComrcio em relao a todos os outros acordoscomerciais que esse pas pode ser punido.

    E como que isto funciona? Um pas apresentauma queixa em tribunal - um comit do TRIPS -contra o comportamento laxista de outro pas, de-vido ao qual empresas do primeiro pas poderoestar a perder quantias considerveis referentes a

    direitos de propriedade intelectual. Partamos doprincpio que o pas que apresenta queixa ganha. ento xado um direito. O direito , por exem-plo, punir esse pas laxista aumentando conside-ravelmente as taxas de importao ou exportaosobre certos produtos. O poder sem precedentesdo TRIPS e da Organizao Mundial do Comr-cio reside no facto de o produto escolhido pelopas vencedor no precisar de estar relacionadocom a guerra econmica concreta que deu ori-gem queixa. Podem escolher um produto ouuma srie de produtos que coloque substancial-

    mente em desvantagem o pas punido.

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    O processo desencadeado pelo TRIPS signicaque no s a aplicao dos direitos de proprie-dade intelectual se tornou obrigatria pela primei-ra vez na Histria, mas tambm resultou noutratransformao. No passado, o autor e o saber tile a criatividade que ele desenvolvia para a em-

    presa era, teoricamente, a razo de se manter osistema de copyright. Pelo menos era assim queisso era visto na Europa, mais do que nos EUA.Com a introduo do TRIPS, o autor foi relegadopara um plano inferior. Saber, tecnologia e criativi-dade tornaram-se valores essencialmente de tipocomercial, com o mundo inteiro como mercadopotencial e com conglomerados a geri-los, ser-vindo todos os cantos do planeta e a explor-losaplicando direitos de propriedade intelectual.

    Poder-se-ia dizer que o TRIPS ento um su-

    cesso, uma vez que para muita gente se dissipouqualquer dvida sobre o sistema de direitos depropriedade intelectual. Mas no h nisto nada detranquilizante para a grande maioria de pases po-bres. A maior parte dos direitos, no s direitos deautor mas tambm patentes e marcas comerciaisso propriedade de empresas dos pases ricos.Muitos desses direitos estendem-se pelo futuro.Alm do mais os governos e tambm os dospases pobres so obrigados a apoiar essas em-presas privadas nas zonas ricas do planeta de formaa fazer valer os seus direitos (Deere 2009: 67).

    Como que pases pobres se podem desenvol-ver se as matrias-primas necessrias como osaber, no estiverem livremente disponveis e tive-rem de ser compradas, se que alguma vez po-dero ser adquiridas? Naturalmente, seria cnicodizer que, no sculo XIX, os pases do Norte, oudo Ocidente, conseguiram fazer uso do saber queestava ao seu alcance sem se preocuparem comdireitos de propriedade intelectual.

    Peter Drahos pensa, por isso, que o preo pelo

    prolongamento interminvel dos direitos dema-siado elevado. Nesta perspectiva, o TRIPS nopode ser isolado de outras questes prementesda agenda global, tais como o alargamento dadesigualdade das receitas entre pases desenvol-vidos e em desenvolvimento, lucro excessivo, opoder e a inuncia das grandes companhias so-bre os governos, a perda da soberania nacional,a globalizao as questes morais sobre o uso dabiotecnologia, segurana alimentar, biodiversida-de (as trs ltimas ligadas s patentes de plantas,sementes e genes), desenvolvimento sustentvel,

    autodeterminao das populaes indgenas,acesso aos cuidados de sade e o direito dos ci-dados aos bens culturais (2002: 16).

    l c ii iii v?

    As tentativas de impor por via legal o copyright em

    todas as partes do mundo esto a ser dicultadasem pases onde, at h pouco tempo, este ins-trumento era pouco conhecido, devido a falta devontade ou a impotncia por parte dos governos(Deere 2009). Talvez o maior obstculo seja a pi-rataria. Esta praticada escala industrial ou comintenes completamente diferentes por algumem casa que est tranquila e livremente a permu-tar msica com algum noutro lado do planeta.Como deveramos julgar isto?

    Uma das consequncias da globalizao nas l-

    timas dcadas o ter gerado um grande nmerode trocas que transgridem os limites da legali-dade. Isso inclui a pirataria de msica e lmes.H tambm o trco de mulheres, de crianas ede rgos humanos, a venda ilegal de armas, alavagem de dinheiro e ainda parasos scais, tra-balhadores ilegais, drogas e tambm pirataria depropriedade intelectual. A losoa das reformasneoliberais dos anos 80 e 90 visava a criao deeconomias abertas com o mnimo de obstculospara o comrcio e o transporte. O peso reguladore controlador do Estado tinha de ser reduzido ao

    mximo.

    Por isso no deve surpreender-nos que o merca-do negro e o comrcio ilegal tenham orescido nasua cola. O Fundo Monetrio Internacional, porexemplo, calcula que entre 700 e 1,750 mil mi-lhes de euros de provenincia duvidosa estejama circular entre bancos, parasos scais e merca-dos nanceiros (Le Monde, 23 de Maio de 2006).Se algum cou surpreendido com o estalar dacrise nanceira de 2008 porque antes andavadistrado. Parte do dinheiro no declarado que cir-

    cula pelo mundo destinada a aces terroristas(Napoleoni 2004).

    A grande questo saber se esta fuga lei agrande escala pode ser travada, nomeadamentena rea da pirataria de msicas ou lmes. MoisesNam arma abertamente que no h meios para atravar. Temos que dar prioridade implementaodos nossos mecanismos de deteco e dos nos-sos sistemas legal e penal. Ele formula dois prin-cpios como linhas de orientao: antes de mais,o valor econmico do comrcio ilegal tem de ser

    drasticamente reduzido. Limite-se considera-velmente o valor de uma actividade econmica,e a sua importncia diminuir nessa proporo.

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    O segundo princpio reduzir o dano social(2005: 252).

    Ao estabelecer os critrios de prioridade, o tr-co ilegal de mulheres crianas e rgos huma-nos tem de ser decididamente combatido. Essas

    actividades corroem a civilizao de uma socie-dade. Se o Estado deixar de ter o monoplio douso da violncia e j no controlar at certo pontoos uxos monetrios, ento deixamos de ter umasociedade. Moises Nam no d margem a qual-quer equvoco quando se trata de drogas. Aqui aguerra est perdida e porque que a droga seriaum problema maior do que o abuso de outros es-timulantes? O Estado deveria inclinar-se perante arealidade econmica e entrar no negcio da droga. uma atitude audaciosa, no aconselhvel a quemqueira ter relaes cordiais com o maior poderio

    do mundo. Mas se sentirmos que no temos nadaa perder, porque no? (op.cit.: 84). Tambm nose mostra optimista quanto possibilidade de sevencer a batalha contra a pirataria, tanto escalaindustrial como escala individual. No por faltade motivao por parte dos detentores de direi-tos, mas porque os comerciantes ilegais, falsi-cadores e tracantes de material artstico ao nvelindividual esto mil vezes mais motivados. Ento,evidentemente, a luta contra a pirataria ter de serposta de parte juntamente com o instrumento dosdireitos de propriedade intelectual.

    A concluso que ele tira , pois, que a luta contrao trco de mulheres, de crianas e de rgoshumanos, contra a venda ilegal de armas e contraa lavagem de dinheiro muito mais prioritria - e j sucientemente difcil do que andar por a caa da droga ou da cpia ilegal. A descriminali-zao e a legalizao da droga e a livre troca dematerial artstico deviam ser opes a considerar.Isso reduz consideravelmente o valor para os co-merciantes e o dano sociedade (op.cit.: 252).Gostaramos de acrescentar, talvez superua-

    mente, que quando se trata de material artstico econhecimento, os direitos de propriedade intelec-tual mais retiram do que contribuem para a receitade muitos artistas e para a permanncia do dom-nio pblico do conhecimento e criatividade.

    Ii ci, bii cyih?

    Num ponto, no governo de Tony Blair no ReinoUnido, os direitos de propriedade intelectual -

    caram fortemente ligados criatividade, como seum no pudesse existir sem o outro. Isso poderiaser encarado como uma tentativa de reabilitar o

    copyright, que perdera a sua aura de respeitabi-lidade para muitas camadas da sociedade, se que alguma vez signicou muito para elas. Como advento da digitalizao, a coisa tornou-se im-parvel: a msica e, posteriormente, tambm oslmes passaram a ser intercambiados livremente.

    O governo britnico deve ter pensado o seguinte:vamos tornar claro que no futuro haver maioresbenefcios econmicos se a cultura num pas,numa regio ou numa cidade se tornar numa in-dstria substancial. Contudo, para alcanar essebenefcio, os direitos de propriedade intelectualteriam de ser aplicados com rigor. Isto, em qual-quer situao, seria um incentivo para as autori-dades desenvolverem uma aplicao rigorosa dapoltica referente aos direitos de autor.

    Em 1998 e 2001, uma Task Force especial do

    Departamento de Cultura, Media e Desporto(DCMS) do Reino Unido apresentou documen-tos com diagramas, nos quais se armava queum dos grandes objectivos da poltica culturalseria aumentar o potencial criativo das activida-des culturais para que elas gerassem maior valorcomercial. Indstrias Criativas foi ento um nomegenrico introduzido, que, segundo a denio,abrange as indstrias que tm a sua origem nacriatividade individual, na arte e no talento, compotencial para a criao de riqueza e de empregoatravs da criao e explorao da propriedade

    intelectual (ver Rossiter 2006: 103, 4). Nessa es-teira, conceitos como Economias Criativas, Cida-des Criativas e Classe Criativa passaram a estarna moda.

    Devemos aplaudir estas medidas? No neces-sariamente. O incentivo para o desenvolvimentode actividades de natureza criativa que originemreceita derivada da propriedade intelectual ariqueza. Vale a pena vermos mais atentamente adenio nas suas partes constituintes.

    Consideramos que o termo criativo foi mal es-colhido. Ele pode aplicar-se a todas as activida-des humanas e por isso no serve como conceitodistinto. O que pior que o valor da criaoartstica para uma sociedade como j foi referi-do desaparece de cena e foi esquecido na de-nio. A palavra-chave na denio indstrias;portanto estamos s a falar de Hollywood, dequatro gigantes da msica e de algumas grandeseditoras. Todas as outras actividades criativas, ouactividades culturais, se preferirmos, so produ-zidas e distribudas por companhias geralmente

    pequenas ou mdias. Est a ser xado um objecti-vo - industrializao impossvel de atingir.

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    A denio sublinha que as actividades criativastm origem na criatividade individual, na arte e notalento. J atrs referimos que o aspecto individu-al representa uma perspectiva mais romntica doque realista. O desenvolvimento da criao arts-tica e do conhecimento apoia-se em processos

    colectivos. Contudo, percebemos porque que oaspecto individual referido na denio. Os par-tidrios das Indstrias Criativas so hbeis a de-monstrar a necessidade do desenvolvimento dosdireitos de autor e da propriedade intelectual. Aom e ao cabo, so direitos orientados para o in-divduo. J referimos que o direito de autor repre-senta um contributo surpreendentemente exguopara a acumulao de riqueza da maior parte dosartistas. A denio sugere outra coisa; a TerraPrometida das Indstrias, Cidades, Economias eClasses Criativas ser alcanada, se a proprieda-

    de intelectual for colhida em larga escala atravsdessas actividades criativas.

    Ruth Towse aconselha a visitar o website de qual-quer ministrio da cultura ou regio ou cidade;ver-se- que o mundo descobriu subitamente opoder econmico da criatividade!. No ca claroo que se entende por criatividade e como podeela ser promovida por uma poltica governamen-tal. Uma das polticas dominantes o reforo dalei dos direitos de autor, na crena de que issofunciona como um incentivo aos criadores para

    produzirem novas obras de arte, msica, literatu-ra, etc. Contudo, o poder da lei dos direitos de au-tor para recompensar artistas e outros criadoresparece ser limitado. Por outro lado, Ruth Towsesublinha que o sistema extraordinariamente ge-neroso para os conglomerados culturais (2006: 1).

    u i z

    H demasiadas objeces ao copyright paramanter o sistema. Algumas so de carcter fun-

    damental; outras tm obstrudo o sistema nasltimas dcadas. Entre estas est o mito que asindstrias criativas usam para nos convencer quea aplicao rigorosa dos direitos de propriedadeintelectual gera riqueza. A pirataria sobretudo escala em que ela actualmente se processa um argumento mais recente. Interveno foradae sanes por desobedincia constituem um novofenmeno no mbito do TRIPS. Em princpio, ocopyright e outros direitos dos autores tendo emconta as vrias origens dos sistemas estiveramsempre, como natural, estritamente ligados

    importncia de assegurar os investimentos. Nasltimas dcadas, o sistema tem tendido cada vezmais para a proteco do investimento e estamos

    a falar de investimentos astronmicos que gozamde uma proteco cada vez maior e mais ampla.O preo a pagar por isto o domnio pblico dacriatividade artstica e do conhecimento estar aser cada vez mais privatizado, desgastado.

    Em muitos sectores artsticos (talvez devsse-mos acrescentar, superuamente, que isto incluitambm o entretenimento e o design) o copyrightnunca cumpriu a expectativa de proporcionar umareceita razovel aos artistas. Isso no se deveapenas ao copyright; tem tambm a ver com ascondies de mercado. Nos ltimos anos, a des-proporo das receitas entre as grandes vedetase os artistas normais tornou-se gritante, mais doque nunca. Talvez seja possvel recticar essasdecincias de forma a reequilibrar as coisas.Mas no certo. Muitos dos defeitos so ine-

    rentes ao modo como a globalizao econmica,sob o regime da neoliberalizao, se implantou nanossa sociedade. No vale a pena operar unilate-ralmente se o desequilbrio do poder econmicono for enfrentado, por exemplo.

    Isto traz-nos de volta s objeces mais funda-mentais ao copyright: a posse, o seu efeito cen-srio e os direitos morais. Naturalmente, aqui po-dem aplicar-se diversos critrios. H muitos quetm um problema real com o facto de a expressoartstica estar na posse de privados que detm os

    direitos exclusivos da sua utilizao. Partamos doprincpio aguentar este mal relativo por um per-odo limitado mas mesmo muito limitado para obem dos artistas e dos grupos criativos de modoa capitalizarem a suas criaes e performances.No prximo captulo iremos ver como este racioc-nio desenvolvido e quais as solues propostas.Por outro lado, ns no concordamos com a ideiade que as expresses humanas, na sua forma ar-tstica, sejam monopolizadas ou privatizadas. Pen-samos tambm que esta limitao legal perfei-tamente desnecessria para garantir as receitas

    dos artistas e os investimentos; no captulo 3 e4 apresentamos propostas visando uma estruturaeconmica inteiramente diferente do mercado cul-tural. A opo por um contrato de proteco legallimitada tambm no nos seduz. Uma vez surgidauma obra, devamos ter o direito de a mudar, isto, responder-lhe, readapt-la, e no apenas mui-tos anos depois, aps o copyright ter expirado.O debate democrtico, inclusive sobre o estadoda arte das formas artsticas de expresso, deviater lugar aqui e agora e no quando perdeu a re-levncia. No h, pois, lugar para direitos morais

    na nossa perspectiva. Substitumo-los, por exem-plo, por actos ilegais e dolosos nos casos em queos artistas sentem que tm boas razes para se

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    queixarem de verem as suas obras inseridas emcontextos que eles abominam.

    uma estranha sensao ter j chegado a umalinha de separao das guas neste ponto do nos-so livro. Para ns, as razes para abandonar o

    copyright so inmeras. Podemos, contudo, ima-ginar que muitas pessoas no querero renunciarsem mais nem menos a esse instrumento mas queno deixam de o encarar de forma crtica. Poderele ser corrigido? uma questo pertinente, queiremos abordar no prximo captulo.

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    Captulo 2

    alternatIVas no satIsFat-rIas ou pIores

    mi ijvi

    Agora que os direitos de autor assumiram propor-es to vastas e indesejveis, no admira quea sua credibilidade e legitimidade estejam emquesto. Procuram-se, no entanto, alternativasque sero discutidas neste captulo. Analismosdiversas abordagens que iro alterar os direitosde autor. A primeira proposta por acadmicose por alguns activistas que desejariam ver o re-

    gresso a outros tempos. O seu argumento queo copyright, em princpio, uma nem m ideia,mas ela cou completamente fora de controlo.O que importa o perspectiv-lonas suas propor-es normais. A segunda abordagem diz respeitos aspiraes de sociedades no ocidentais paragarantir a proteco do seu conhecimento e fol-clore em relao aos caadores furtivos ociden-tais. O seu propsito acrescentar uma variantecolectiva ao carcter individual dos direitos depropriedade intelectual.

    A terceira abordagem foca-se nos vrios tiposde taxas que poderiam substituir ou simplicaro sistema de copyright. Como pode colectar-semais ecientemente as dedues e como proce-der para atingir uma distribuio mais equitativados rendimentos? Aumenta tambm a crtica so-bre o modo de funcionamento das organizaesde copyright e do facto de elas serem bastanteburocrticas e gastarem demasiado em despesascorrentes.

    Uma quarta abordagem alternativa ao copyright

    abre-se em duas direces diferentes, mesmocontraditrias. O que elas tm em comum queambas pretendem introduzir regulamentos basea-dos em leis contratuais, de modo a que o actualsistema de copyright se torne menos importanteou at completamente abolido. Ao potencial uti-lizador de uma obra artstica proposto um con-trato que estipula como o trabalho pode ou noser usado. A introduo do sistema de gesto dosdireitos digitais facilitar o seu cumprimento; pelomenos essa a inteno.

    Mas quais so as diferenas de direco?A primeira est expressa em Creative Commons.Os apoiantes querem tornar o trabalho artstico

    disponvel em condies ptimas para o pblico.Para conseguir isso, desenvolveram um conjuntode licenas ligadas a um trabalho, enquanto a suaposse privada se mantinha sob o copyright. Sejaqual for a perspectiva de abordagem, eles socontratos. A segunda direco foi concebida pe-

    los conglomerados culturais. Eles sobrecarregamo pblico com condies restritivas, baseadasnum sistema rgido de contratos e licenas.

    As ideias sobre o copyright evoluram, obviamen-te, em direces diferentes, em parte devido inuncia da digitalizao. Os grandes empreen-dimentos culturais no quereriam seno ser capa-zes de regular, gerir e controlar o uso do materialartstico at ao mnimo pormenor. Outros grupos,como o dos acadmicos crticos do copyright edefensores dos Creative Commons, querem pre-

    cisamente o contrrio. Eles desejariam enfraque-cer o sistema de copyright e promover, mais umavez, a ideia de o interesse pblico desempenharum papel signicativo.

    Estas so as alternativas j formuladas e postasem prtica. E depois h milhes de outras pesso-as que continuam a fazer downloading e uploading sua vontade, como se o copyright no existisse.Para grande desgosto da indstria que, para almdas penalidades, dedica grande ateno em tor-nar o pblico dependente do copyright. Contudo,

    ser que isso ajuda? De facto no. Parece no ha-ver qualquer tipo de educao ou de propagandacapaz de resolver (Litman 2001: 112, 5).

    d v vh

    Os pontos de vista crticos sobre copyright ten-dem frequentemente a concluir que ele j setornou demasiado prolongado. O perodo deproteco muito longo e permite que o deten-tor benecie demasiado. Outra queixa que os

    direitos de uso legtimo dos cidados tm vindoa desgastar-se. Em teoria, os crticos podem con-cordar com alguns, ou muitos, dos argumentosapresentados no captulo anterior.

    Mas isto no os impede de acreditar que o sis-tema pode ser de novo reduzido a proporesnormais e que tambm relevante para o mundodigital. Pode acontecer que as tarefas de cpiae distribuio sejam praticamente gratuitos, masesse trabalho tem tambm de ser criado e pro-duzido, tem de ser melhorado por um editor ou

    director e divulgado para o mundo exterior. Istoimplica custos que pelo menos, tm de ser recu-perados de um modo ou de outro. No devera-

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    mos estar preocupados com o facto de editoresou produtores sem escrpulos estarem a roubartrabalhos sem que o autor ou o editor original pos-sam fazer algo? Ser que o sistema confere al-guma proteco e estabilidade que justiquem osinvestimentos? (Vaidyanathan 2002: 92).

    Como que estes crticos imaginam que o copyri-ght possa entrar na linha? Avanaram-se vriaspropostas. Antes de mais, reduzir fundamental-mente o tempo da proteco. Por exemplo, suge-riu-se vinte anos (Boyle 1996: 172), ou cinco, masextensveis a mximo de 75 anos (Brown 2003:238), ou de 14 anos, extensveis apenas uma vez(Economist, 30 Junho 2005). Estes nmeros sobaseados em clculos, mas tambm, naturalmen-te, em estimativas sobre quanto tempo neces-sitar o verdadeiro autor de usar o seu trabalho

    para conseguir uma receita razovel; o mesmo seaplica ao produtor, para recuperao dos seusgastos. Estas estimativas parecem variar bastanteconsideravelmente.

    H ainda outra razo para dar de novo ao princpiodo justo uso o lugar que ele merece. Justo uso aterminologia americana. Na Europa, isso cober-to pelas excepes e restries estatutrias querepresentam o interesse que a sociedade tem nareteno de conhecimento e da criatividade comoparte do seu carcter, sendo estes, de facto, o

    conhecimento e a criatividade acumulados no de-curso do tempo graas aos esforos dispendidosnaquela sociedade especca. Sob o signo daexcepo ao justo uso, por exemplo, foi possvelusar fragmentos de um trabalho, ou mesmo todoo trabalho, para ns educativos ou cientcos.O objectivo deste princpio permitir que o co-nhecimento e a criatividade se desenvolvam mais,sem serem completamente privatizados. Este o equilbrio que os direitos de autor inicialmentepretendiam atingir: h criadores e produtores quetm um legtimo interesse em que os seus traba-

    lhos gerem lucro, mas a sociedade tem tambmde ter acesso suciente a esse trabalho.

    Um ponto que apareceu em agenda nos ltimosanos que uma grande quantidade de trabalho -cou "rfo". Que signica isso? Est ainda dentrodo sistema de copyright uma considervel quanti-dade de livros, imagens e lmes. Estes ainda nopertencem ao domnio pblico. No entanto, aomesmo tempo, h muitos casos em que no hqualquer proprietrio que explore comercialmen-te o trabalho, ou ento o proprietrio nem sabe

    sequer que possui o trabalho sobre o qual temcopyright. Agora que o perodo de proteco dedireitos se tornou to longo, h centenas de mi-

    lhar de trabalhos que tm vindo a ser retirados dodomnio pblico e a ningum permitido us-lospara qualquer m sem se arriscar a pesada puni-o. Na maior parte das vezes, ningum tem qual-quer interesse aprecivel na explorao comercialdesses trabalhos ou na manuteno da integrida-

    de da criao artstica. Tais trabalhos so designa-dos por "rfos". Por outras palavras, uma porono pouco considervel da nossa herana culturaltem vindo a ser condenada "hibernao".

    Isto um problema, para no dizer mais. Poderfazer-se algo sobre isso? Em Janeiro de 2006, oUS Copyright Ofce publicou um relatrio que in-vestigou a extenso do problema e apontou poss-veis solues. O sistema que o relatrio defende o da responsabilidade legal limitada. Signicaisto que os utilizadores do trabalho presumivel-

    mente "rfo" esto ainda a infringir o copyrightmas, se eles realizarem uma pesquisa razovel,ento no podero ser processados se o proprie-trio aparecer. O proprietrio tem direito, nessecaso, a receber remunerao do utilizador dessetrabalho.

    Mas o que uma pesquisa razovel, poder pen-sar-se? Acaba por ser uma aventura arriscadaque progride num certo nmero de passos, tantoquanto pode vericar-se. Antes de tudo, tem deestabelecer-se se um determinado trabalho ainda

    est sujeito ao copyright. Isto est longe de sersimples pois pode haver vrios perodos de apli-cao e, em muitos casos, o m desse perodo de-pende da data da morte do autor. muitas vezesdifcil, se no impossvel, descobrir os autores ououtros detentores de copyright. Quando um tra-balho j no est comercialmente disponvel no fcil obter informao bibliogrca. Mesmo quese consiga encontrar informao sobre o autor, oeditor ou o distribuidor, isso no ser sucientepara a identicao dos detentores do copyright.O autor pode ter transferido os seus direitos para

    uma terceira parte. Ou ainda, o copyright devidoa uma empresa pode simplesmente car esqueci-do ao longo do tempo. A pesquisa razovel podetornar-se ainda mais complicada se uma empresaentrou em falncia ou foi trespassada. Que acon-teceu, ento, nestes casos, ao copyright? (Go-wers 2006: 69-71)

    Na Sucia, em Janeiro de 2006, foi criado um novopartido poltico, o Piratpartiet ou Partido Pirata,por cidados que evidentemente no se sentiambem com o desenvolvimento actual do copyright.

    No ganharam quaisquer lugares no parlamento,mas o partido ainda obteve algumas dezenas demilhar de votos nas eleies. Ao contrrio do que

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    o nome sugere, o partido no favorvel abo-lio dos sistemas de patentes ou de copyright,mas arma que o copyright tem de voltar s suasorigens. Partilhar cpias ou, de qualquer modo,difundir ou utilizar trabalhos para usos sem lucronunca pode ser ilegal, dado que esse uso justo

    benecia toda a sociedade. (IHT, 5 Junho 2006).O Piratpartiet ganhou subitamente muita atenoe grande auncia de membros quando, em Ju-nho de 2006, mesmo antes das eleies, a polciasueca retirou subitamente do ar o Pirate Bay, ummuito popular programa de troca de sites musi-cais. Isto causou bastante rebolio. O programanoticioso da televiso sueca, Rapport, ps o dedona ferida proclamando que o raide sobre o Pira-te Bay foi o resultado da presso directa dos Esta-dos Unidos sobre as autoridades suecas, quandoo ministrio pblico sueco j conclura que o caso

    contra o Pirate Bay era demasiado fraco para jus-ticar tal actuao. O governo sueco negou ime-diatamente a acusao (op.cit.). Entretanto, em2009, um tribunal sueco condenou os propriet-rios do Pirate Bay.

    Um ponto importante levantado pelos crticos que os pases j no tm liberdade para organi-zar o copyright como pensam ser adequado. Somais ou menos forados a implementar padresbsicos de acordo com o Treaty on Trade-RelatedAspects of Intelectual Property Rights (TRIPS),

    o tratado WTO sobre aspectos negociais relacio-nados com direitos internacionais de propriedadeintelectual (Deere 2009). Peter Drahos descreveo problema da seguinte maneira: Os actuais es-tados desenvolvidos tinham uma liberdade con-sidervel para planear as regras de propriedadeintelectual. O regime de intercmbio WTO retirouaos estados nacionais a liberdade de delinear asregras da propriedade intelectual'. (2005: 27)

    Esta liberdade de delinear muito importante,dado que os pases se encontram em diferentes

    nveis de desenvolvimento. Eles deveriam ter es-pao para ganhar acesso s fontes de conheci-mento de que necessitam desesperadamentepara o seu desenvolvimento. Dantes, os pasesdispunham desse espao. Mas agora os pasesricos esto a desviar-se dessas prticas e a pediraos pases em desenvolvimento que cumpram ascondies que tornam difcil, se no impossvel, oseu desenvolvimento. Os pases ocidentais foramcapazes de evoluir econmica e tecnologicamenteno sculo XIX usando, por exemplo, conhecimen-to que estava livremente disponvel. Na conjuntura

    actual, os pases pobres tm de orientar-se semesse livre acesso ao conhecimento. Para eles oconhecimento est disponvel, pois no tm meios

    para pagar o acesso a ele, e partindo do princ-pio que lhes dariam autorizao para o comprare usar.

    por isto que Peter Drahos prope o desenvolvi-mento de um tratado global sobre o acesso ao co-

    nhecimento, o qual tomaria a moldura de direitoshumanos como ponto de partida pois, tal como oregime de propriedade intelectual, eles so globa-lizados. A moldura dos direitos humanos aindaa coisa mais prxima que a comunidade interna-cional tem de um recurso comum de valores quepossam ser usados para orientar as questes deacesso a e de propriedade de conhecimento... Oesboo de tratado conteria o princpio de que osgovernos tm, uma obrigao, de acordo com alei dos direitos humanos, de regular a propriedadesegundo vias que promovam os direitos e os va-

    lores primrios dos seus cidados. (op.cit.: 16).Para pr o assunto em termos mais gerais, umtratado sobre o acesso ao conhecimento ofereceaos pases em desenvolvimento a oportunidadede estabelecer uma governao de assentimen-to que seja epistemicamente relevante e abertas suas necessidades em oposio ao tipo degovernao actual que epistemicamente irrele-vante e fechada ou prejudicial s suas necessida-des. (o.c.: 23). Na sua proposta, Peter Drahosfala principalmente de acesso ao conhecimento,mas as suas ideias sobre tal tratado so tambm

    relevantes, naturalmente, para as expresses cul-turais.

    Consideramos, claramente, que a tentativa dedar ao copyright uma perspectiva humana ines-timavelmente valiosa e indispensvel, no camporarefeito das opinies crticas. importante nofazer segredo do poder potencial do sistema, maspermear o debate pblico com a necessidade deter um ponto de vista crtico do estado actual des-ta questo injusticvel: anal, trata-se de artistas,trata-se do domnio pblico.

    Receamos, contudo, que estes argumentos crti-cos deixem de chamar a ateno para a questoprincipal e para a situao em que agora nos en-contramos, no incio do sc. XXI. Se bem que adurao do ttulo de propriedade seja limitado emvrias propostas, camos ainda com a proprie-dade de expresso artstica. No captulo anterior,acentumos que esta posio inaceitvel para acomunicao social ou para o debate crtico. Nocaptulo seguinte, mostraremos que uma tal situ-ao exclusiva e monopolista no , de modo al-

    gum, necessria de um ponto de vista econmico.A reduo do copyright tem tambm de ser umpouco ou muito reforada. difcil dizer como tal

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    pode ser conseguido sem criminalizao. Almdisso, no deveriam as actuaes policiais e ac-tividades ans incidirem sobre as questes queso realmente prejudiciais nossa sociedade e sua existncia contnua? Em muitos aspectos,a digitalizao abalou este campo de contenda.

    difcil imaginar que ainda haja lugar para um di-reito de proteco do tipo copyright. Garantir umrazovel rendimento para os artistas no pro-priamente a funo mais importante do copyright.Por isso no h razo para conceder ao sistemauma vida longa.

    Mas, acentuam muitos acadmicos, o copyrightainda citado como um ponto essencial em v-rias declaraes e tratados de direitos humanos. mais do que um instrumento ocasional que pos-sa ser posto de lado de qualquer maneira. Esta-

    mos a falar de um elevado valor moral. , de facto,matria para pensar. A nica questo se o con-ceito de copyright de facto mencionado nessesdocumentos. A resposta simples: no. A Decla-rao Universal de Direitos Humanos de 1948 es-tipula no artigo que deveria provar que o copyright um direito humano o artigo 27.2: Todos tm odireito proteco dos interesses morais e mate-riais resultantes de qualquer produo cientca,literria ou artstica da qual seja autor. No huma palavra neste artigo sobre copyright e nenhu-ma razo para interpret-lo desse modo. Os direi-

    tos morais de um autor podem car perfeitamentebem servidos, por exemplo, pela adaptao oumesmo pela modicao do trabalho, desde quefeitas correctamente. Seria necessria algumaimaginao para interpretar este texto como umartigo de proibio.

    Vimos tambm, no primeiro captulo, que o sis-tema de copyright usado no ocidente h mais desculo e meio, pouco ou nada fez, para servir osinteresses materiais da maioria dos artistas e hfortes razes para questionar se fez tambm algo

    por aqueles pases que no so ricos.

    Seria ir longe de mais alegar que o Artigo 27.2atribui uma legitimidade acrescida existncia decopyright. Alm disso, no se pode assumir queeste artigo se refere explicitamente ao copyright.As declaraes e tratados sobre direitos huma-nos existem para estatuir princpios bsicos e nopara instrumentaliz-los.

    Por m, h aqueles acadmicos que quereriamusar o copyright para assegurar exclusivamente

    os interesses nanceiros dos artistas. Sugeremque deveria ser probido que os artistas transfe-rissem os seus direitos para terceiros, devendo

    conserv-los para si e os respectivos rendimen-tos tornando-os menos dependentes das gran-des empresas culturais. A questo saber se osistema de copyright pode ser restringido dessemodo. A nica resposta possvel no, no pode.O sistema no se presta a isso. No nal de con-

    tas, um direito de propriedade intelectual. A pro-priedade, por denio, transfervel. Qualquerapelo para impossibilitar a transferncia de direi-tos , portanto, tambm um apelo para acabarcom o sistema de direitos de propriedade intelec-tual. Isso leva-nos ento a um outro registo de lei,mas certamente j no o de copyright. Isto colidecom os desejos de muitos crticos do copyright nosentido de melhorarem este sistema e promoveros seus aspectos mais positivos.

    pi cciv

    A realidade que muitos trabalhos de arte soproduzidos colectivamente; o copyright tendouma orientao individual incapaz de lidaradequadamente com esta situao. No ser jtempo de encontrar uma soluo apropriada paraque o sistema possa controlar tais situaes? Porexemplo, alguns artistas contemporneos aliamforas e organizam as suas actividades em con- junto Um segundo exemplo, quantitativamente omaior, o de todos aqueles artistas em muitas

    culturas modernas no ocidentais, para quem aapropriao individual de criaes e descobertas um conceito culturalmente estranho. E, em ter-ceiro lugar, h aquelas culturas em que a tradiodesempenha ainda um papel dominante. Essastradies providenciam um nvel substancial deorientao para o desenvolvimento da criatividadee do conhecimento.

    O que estes artistas e culturas tm em comum que a apropriao individual do trabalho rara ouinexistente. O copyright, tal como o conhecemos

    est, portanto, deslocado nestes contextos. Deve-r inventar-se uma alternativa?

    No h muito a dizer sobre o crescente nmerode artistas contemporneos que trabalham co-lectivamente, especialmente quando se trata demedia digitais. Em geral, impossvel pelo me-nos para estranhos, dizer quem contribuiu paraqu num trabalho especco. Para os que estoprximos do grupo de artistas em questo no segredo quem teve inuncia decisiva na cria-o de um trabalho. Isto reala a sua reputao.

    Um nmero crescente desses artistas no d realateno ao copyright e tambm no se esforapor encontrar uma variante colectiva. Eles iniciam

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    os projectos, quer por encomenda quer para ven-der no mercado. Vendido o projecto, iniciam umoutro. Obtm o seu rendimento a partir do traba-lho concreto que produzem. No captulo quatroaprofundaremos mais em pormenor as novas viasde fazer negcio que se esto a desenvolver nos

    sectores culturais.

    No obstante, pode imaginar-se que esses artis-tas que trabalham colectivamente no apreciariammuito que qualquer outro pretendesse ser donodo seu trabalho e o registasse. Assim, procurammodos de evitar tais formas de apropriao emsituaes deste tipo. Por outro lado, por exemplo,permitem que o seu trabalho seja usado para nsno comerciais. Os Creative Commons poderiamfornecer aqui uma soluo, desde que o siste-ma de copyright ainda exista. O princpio bsico

    que o copyright de uma obra no seja negado(no m de contas, este direito est coberto pordenio quando um trabalho criado). Ento osoutros podero dar uso mais ou menos livre aotrabalho, em certas condies. Com efeito, isso conseguido atribuindo as licenas desenvolvidaspor Creative Commons.

    Mesmo que eles no estejam realmente interessa-dos na posse da propriedade do autor, o prpriofacto de o sistema existir signica que tm de lidarcom ela, ou pelo menos com uma sua variao

    crtica. No pode negar-se que a apropriao pri-vada existe indubitavelmente. O melhor entrarno jogo, mas com as nossas prprias regras.

    O copyright, todavia, enfrenta um desao total-mente diferente nos pases no ocidentais moder-nos que so em geral pobres ou extremamentepobres. No contexto da nossa anlise importanteter em mente que o fenmeno de apropriao in-dividual de expresses artsticas desconhecidoou desempenha um papel secundrio na maioriadas culturas. Vem-se de repente confrontados

    com duas realidades. Por um lado, possvel queos artistas disponham de mercados mais vastoscomo resultado da modernizao da sociedade eda tecnologia a ela associada. Os produtores, asempresas de registo e outros intermedirios ofe-recem os seus servios e por vezes inuenciamtambm o contedo do trabalho. Esta prtica traz cena o copyright.

    Por outro lado, esses pases no tm escolha. Asua participao no WTO resulta na incorporaodos requisitos do TRIPS na sua legislao (Deere

    2009). A transio de nenhum copyright para umsistema muito complexa implica enormes altera-es. O material artstico que costumava perten-

    cer comunidade e estava disponvel para todosusarem talvez guiado e limitado at certo pontopela lei da comunidade - pode de um momentopara o outro ser reclamado por um artista comosua propriedade individual, que j no ser usadaou adaptada como tal por outros. Ento aquilo a

    que se assiste ao desaparecimento da ideia eda realidade de expresses colectivas que esta-vam disposio de todos.

    No caso das patentes, mais fcil demonstrarque o conhecimento local, por exemplo, est aser expropriado e a cair em mos privadas, geral-mente em detrimento da populao local. maisdifcil mostrar que as culturas locais esto a serfundamentalmente alteradas pela apropriao pri-vada das formas de expresso artstica. A lgicaaparente do copyright matraqueada em cada

    homem, mulher e criana com uma fora opressi-va a que se torna difcil responder coerentemente.Isto levanta, de qualquer modo, a estranha ques-to do porqu de estes pases introduzirem umsistema inapropriado ao sculo XXI. Ser que istofaz sentido?

    Deveremos ter em ateno que, nos princpiosdos anos 90, os pases em vias de desenvolvi-mento resistiram introduo de um tratado so-bre aspectos comerciais dos direitos de proprie-dade intelectual. Um dos seus argumentos foi ser

    estranho haver direitos de propriedade intelectualincorporados no WTO, que pretende ser, acimade tudo, um tratado de livre comrcio, enquan-to que os direitos de propriedade intelectual es-tabelecem posies monopolistas em relao aoconhecimento e criatividade. Esta uma contra-dio de terminologia. Aqueles pases objectamainda ao carcter uniforme do TRIPS e ao seuelevado nvel compulsivo de proteco. O mono-plio sobre a propriedade de conhecimento e deideias, nas mos de empresas de pases ricos,caria reforado por este tratado. Ficaria somente

    alargado o fosso tecnolgico entre Norte e Sul. OTRIPS tornaria mais fcil a transferncia de capi-tal dos pases em desenvolvimento para os paseseconomicamente desenvolvidos. (Deere 2009: 1)Peter Drahos acentua que o colonialismo deixa osseus traos na extenso do sistema de copyrightdestinado a proteger os interesses dos exporta-dores desse copyright. Cada reviso sucessivado sistema de copyright trouxe um conjunto maiselevado de padres. Quando os pases perderamo seu estatuto colonial, foram confrontados comum sistema que, como ele diz, era conduzido

    por um clube de antigos ou diminudos poderescoloniais do Velho Mundo ao servio dos seus in-teresses econmicos. (2005: 9). Com o TRIPS,

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    o tratado WTO de aspectos relacionados com ocomrcio de direitos de propriedade intelectual,este processo foi acelerado.

    A terceira situao na qual o copyright est emdisparidade com acordos colectivos, pode ser

    encontrada em sociedades em que a tradio, oconhecimento local e o folclore so ainda aspec-tos vivos da cultura. Onde no h distino, porexemplo, entre conhecimento e espiritualidade eonde todas as facetas da vida, da natureza e daterra fazem parte de um crculo. Essas culturasencontram-se geralmente entre os segmentosmais pobres da populao das respectivas so-ciedades. Aquelas pessoas esto mergulhadasnuma situao em que esto a ser-lhes roubadoso conhecimento tradicional e as tradies sagra-das essenciais sua identidade, em geral por

    empresas ocidentais apoiadas em direitos de pro-priedade intelectual. Temos de encarar a realidadede que aquelas sociedades no esto apenas uni-das pela ligao com os seus antepassados mastambm muitas vezes severamente divididas porlutas internas de poder sobre a posse da terra,recursos naturais, conhecimento, controlo sociale representao cultural, em muitos casos devidoa anteriores formas de colonialismo, opresso po-ltica e processos de modernizao.

    Qualquer que seja o ponto de vista, tornou-se

    bastante clara a maneira como estas culturas fo-ram tratadas e como sofreram explorao e puroroubo nas ltimas dcadas. Um importante marcofoi a Conveno sobre Diversidade Biolgica de1992, que reconheceu o valor do conhecimentotradicional no que respeita proteco de esp-cies, ecossistemas e paisagens. Para a protec-o destes valores desenvolveu-se a ideia deque deveria criar-se um regime especial de direi-tos de propriedade intelectual, um sistema maisapropriado para a proteco da posse colectivado conhecimento e da criatividade. Se os direitos

    de propriedade intelectual protegem indivduos ecompanhias, ento por que no transformar o sis-tema e adapt-lo a situaes em que no estejaidenticado qualquer possuidor individual?

    Esta tarefa no foi, e ainda no , simples. Em me-ados de 1990, a questo foi colocada na agendada WIPO, Organizao Mundial de PropriedadeIntelectual, que estabeleceu um Comit Intergo-vernamental para a Propriedade Intelectual e osRecursos Genticos, o Conhecimento Tradicionale o Folclore. Aps demoradas negociaes, em

    2005 foi proposto um esboo de texto de objec-tivos polticos e princpios fundamentais respei-tantes Proteco de Expresses Culturais Tra-

    dicionais / Expresses de Folclore. As ideias aformuladas no vingaram devido a objeces dosEstados Unidos e do Canad.

    A objeco poltica no , no entanto, a nicacoisa que anulou este projecto. Chegar a acor-

    do sobre o que um tratado de proteco de di-reitos de propriedade intelectual deveria incluir bastante complicado. Para ser honesto, quaseimpossvel transformar um tratado que se destinaexpressamente a regulamentar a apropriao indi-vidual num instrumento que proteja os direitos co-lectivos. O copyright exige uma fonte de criaoindividual identicvel; exige uma forma xa e osdireitos so de durao limitada. Em culturas emque todos os aspectos da vida esto interligados impossvel identicar tais elementos.

    Para mais, os membros dessas sociedades rejei-tam a prpria ideia, dado que as suas tradiese culturas esto enraizadas em princpios inteira-mente diferentes. Existem aspectos nas culturasque deviam permanecer secretos, ou que nodeviam ser segmentados, quanto mais vendidos.H ainda a questo de quem deveria ser o porta-voz de tal sociedade e quem poderia defender osseus interesses no que respeita a direitos colecti-vos. Quem decide qual o uso correcto e o queexcede esse limite? Isto dar por certo origem aconitos.

    A durao limitada em princpio do copyrighttorna a criao de um direito colectivo de proprie-dade individual uma tarefa precria. Estas socie-dades proclamam que o seu conhecimento, tradi-es e folclore existem h sculos. Assim sendo,esses valores e objectos materiais seriam j dodomnio pblico h longo tempo. No pode deixarde dizer-se que essas sociedades no tm em vis-ta todo esse espectro quando exigem um sistemade direitos colectivos de propriedade intelectual.Conhecimento, tradies e folclore pertencem-

    lhes at ao m dos tempos. O que se faz e se pen-sa nessas sociedades parte da boa gesto deconhecimento, expresses culturais e cultura queseguem de mo dada com a terra e a natureza.A lei do uso e costume decide quem pode usaros diversos tipos de conhecimento e criatividadeartstica, quando e em que lugares especcos eque obrigaes defendem o uso do conhecimen-to e da criatividade artstica. O que mais, umdos princpios bsicos dos direitos de proprieda-de intelectual que a posse pode ser transferida.As sociedades em que o conhecimento tradicio-

    nal e o folclore tm um papel importante cariamestarrecidas com a ideia de que as suas valiosastradies fossem negociadas. Isso seria intoler-

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    vel. Por todas estas razes, a tentativa includano WIPO de transformar o sistema de direitos depropriedade intelectual numa construo para aposse colectiva estava destinada ao fracasso.

    Avanaram-se ideias para atribuir ao conhecimen-

    to intelectual e herana cultural destas socie-dades o estatuto de herana humana comum oubens pblicos globais. No negamos que existemnessas sociedades elementos de conhecimen-to partilhados, mas as actividades comuns sobaseadas na reciprocidade. Desde que existe osistema corrente de copyright, essas comunida-des indgenas locais no se sentiro exactamentefelizes por oferecerem ao mundo, como presente,a sua herana cultural e o seu conhecimento tra-dicional. No passado, muita da apropriao e usopor outros do seu conhecimento tradicional no

    foi caracterizado pela reciprocidade.

    No captulo anterior, sugerimos responsabilidadelegal por actos danosos e ilegais seja substitudapor direitos morais. Recomendmos esses instru-mentos como um meio de evitar que as criaesartsticas a sejam usadas em contextos que sointeiramente contrrios aos valores caros a umautor ou artista essenciais para a sua integrida-de. A invocao de um acto danoso e ilegal podefuncionar tambm para as comunidades em queas tradies e o folclore desempenhem ainda um

    papel importante. Ao mesmo tempo, isto podeprovidenciar jurisprudncia nacional e internacio-nal, feita medida das situaes especcas emque populaes locais considerem a apropriaolesiva dos seus valores. Um dos requisitos quese reunam fundos e peritagem para permitir oefectivo a