boletim do kaos #4

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Boletim do Kaos #4

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Não poderíamos deixar de dividircom nossos leitores a renovação deparceria do Itaú Cultural, a princípiofechado por 3 meses nossa segundavitória foi consolidar o projeto até ofinal do ano.

Com tudo isso a responsabili-dade só aumenta, e em meio as no-vas mídias, fizemos barulho com umjornal, no auge da crise mundialfirmamos o Boletim, assim como disseo poeta “Não sabia que eraimpossível, então foi lá e fez”.

Num país onde os realitiesshows fazem tanto sucesso, epouco se lê, não é fácil fazer umapublicação dedicada a literatura.Mas estamos acostumados a remarcontra a maré, levando cultura eentretenimento para periferia onde80% dos nossos 10 mil exem-plares são distribuídos atual-mente. Nossa segunda vitória é semanter em pé!

Contamos com vocês, osnossos leitores, que dão sentidoao nosso trabalho.

Nessa edição trouxemos nacapa dois grandes nomes, o primeiroé o escritor Sacolinha, que venceuas estatísticas e hoje tem suaspublicações como material deestudo em várias universidades doBrasil e da Europa. Mostrando outrasvertentes da literatura, entre-vistamos o Maurício de Sousa, umdos brasileiros mais bem sucedidos

ONDE PEGAR O SEU EXEMPLARSÃO PAULO - CAPITAL

Região CentralDGT Filmes Rua 13 de Maio, 70Ação Educativa Rua General Jardim, 660Sebo 264 Rua Rua Álvares Machado, 42Liberdade - F (11) 3105-8217Restaurante Santa MadalenaRua Sta Madalena, 27 - Bela VistaConduta Galeria 24 de MaioPorte Ilegal (Galeria 24 de Maio)

Zona LesteLoja Suburbano ConvictoRua Nogueira Vioti, 56 - Itaim Pta(11) 2569-9151Locadora New HolidayRua Nogueira Vioti (11) 2572-2000Casa de Cultura do Itaim PaulistaPça Lions Clube, s/n - Itaim Pta.Sebo MutanteRua Barão de Alagoas, 76-A - Itaim Pta)

Zona SulBar do Zé Batidão Rua Bartolomeu dosSantos, 797 - Chácara SantanaLoja 1 da Sul Rua Comendador Santana,138 - Capão RedondoLoja 1 da Sul Av Adolfo Pinheiro, 384Loja 31 - Galeria Borba GatoEstudio 1 da SulRua Grissom, 80-A - Metrô CapãoSarau da Cooperifa - Toda quarta 20h30Rua Bartolomeu dos Santos, 797Chácara SantanaSarau do Binho Rua Avelino Lemos Jr, 60Campo Limpo (11) 5844-6521Sarau da Ademar Rua Pablo Pimentel, 65Cidade Ademar (11) 5622-4410.

Zona OesteBar do Santista/Sarau Elo da CorrenteRua Jurubim, 788-A Pirituba

Zona NorteCCJ - Vila Nova CachoeirinhaAv Dep. Emílio Carlos, 3641Banca de Jornalalt. Nº 450 da Rua Dr César Castiglioni Jr)Sarau da Brasa - Bar da CarlitaRua Prof.Viveiros Raposo, 234

SuzanoCentro Cultural de SuzanoRua Benjamin Constant, 682 - Centro

SantosDULIXO no Marapé[email protected]

www.boletimdokaos.blogspot.comPeça pelo email:[email protected]

na área de história em quadrinhos,que prova que o talento brasileiropode ser exportado.

Também trouxemos a históriade Bukowski, o velho safado, umdos ícones da literatura marginal,na sequência falamos sobre oSamba da Vela e o Poeta Augusto,da Cooperifa.

Nos lançamentos do mês,temos estudos sobre a literaturamarginal, livro de reflexões e maisum lançamento do Capão Redondo.Também temos uma especialreportagem sobre o Sarau do Binhoe sobre o a ONG Afroreggae. Nossoparceiro Paulo Lins traz o texto“Destino de artista”, no espaçoVIP das palavras.

Uma matéria especial sobrefanzine, muito especial para nós,afinal essa publicação nasceuassim. E você ainda confere naagenda do mês uma entrevista comEdson Natale sobre o eventoAntídoto, do Itaú Cultural. E parafinalizar, no Antes e Depois temosMarcos Rey e Alessandro Buzo,estilos diferentes mais com aliteratura em comum.

Incentivo a educação e aliteratura, a nossa proposta parauma sociedade mais ativa. Comodiria o rapper GOG “O estudo éoescudo”.

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BK - Abujamra, Jô Soares e ChicoPinheiro. Qual foi o entrevistadormais embaçado?

Sacolinha: O Jô. Foi embaçadoporque não teve um contato legal, umaconversa. Tudo muito rápido e global.Os 17 minutos de entrevista que foi aoar foi o único contato que tive com ele.Saí do camarim, entrei no estúdio e jáfui gravando, depois da entrevista me

Ele trabalhou 12 anos comocobrador de lotação, na CidadeTiradentes, zona leste de SãoPaulo, mas hoje suas obrasliterárias são estudadas emfaculdades. Sacolinha colocoutodas as dificuldades a seu fa-vor e se tornou uma referênciana literatura atual. E foi no trem,na periferia do extremo leste dacidade que ele descobriu aleitura e se tornou um escritor.

Seu apelido veio do sarroque ele tirava de um ambulanteque tinha esse mesmo pseu-dônimo, enquanto morava emSuzano, pra onde se mudou em1998. E de empacotador desupermercado a cobrador viunos livros sua saída. Logoestava atuando em movimentossociais, coordenando um pro-grama de rap numa rádiocomunitária, começou a escre-ver e criou o projeto cultural“Literatura no Brasil”.

Em 2003, foi premiado no 2°Concurso “ARTEZ”, com o contourbano “Um dia comum” ecomeçou a escrever o seuprimeiro livro, o romance “Gra-duado em Marginalidade”,em seguida participou da revistaCaros Amigos "especial"ato III e assumiu a presidênciado Centro de Pesquisas e

Desenvolvimento Sócio Cul-tural Negro Sim.

Começou a ter contos adap-tados para teatro e participou deantologias poéticas: “O Rasti-lho da Pólvora” do ProjetoCooperifa, Cooperativa Culturalda Periferia.

Em 2005 assumiu a Coor-denadoria Literária na Secre-taria Municipal de Cultura deSuzano, no interior de São Pauloe lançou seu primeiro livro pelaeditora Scortecci o “Graduadoem Marginalidade”.

Em parceria com a Prefeiturade Suzano, lançou a revista“Trajetória Literária”, quereúne 20 escritores inéditos.

Participou do livro Cader-nos Negros vol. 28 – ContosAfro-Brasileiros e recebeu o“1º Prêmio Cooperifa” e nomesmo período começou aestudar Letras, na Universi-dade de Mogi das Cruzes eescreveu a peça de teatro“Toque de recolher”.

Iniciou uma série de pales-tras em escolas públicas epresídios, com o objetivo deincentivar à leitura. Em 2006lançou a sua segunda obra,“85 Letras e um Disparo” -livro de contos, pela editoraIlustra, em Suzano, São Paulo.

Sacolinha começou aaumentar o ritmo de suasações e produziu um docu-mentário em parceria com aTV Globo sobre o incentivoà leitura. Foi jurado do 1º Con-curso Literário de Contos epoesias da Fundação CASA.

Em 2007, criou o projeto“Sarau nas escolas”, lan-çou antologia “Novos Tale-ntos da Literatura Brasile-ira” e o I Concurso deLiteratura Erótica daRegião do Alto Tietê. Essefoi o ano de consagração doSacolinha dando entrevistaao Jô Soares, CBN, BandNews e seus projetos literá-rios começaram a ser estu-dados na UniversidadeMackenzie e na USP, em SãoPaulo. Junto com a ONG AçãoEducativa e a FundaçãoItaú Social, lançou outraantologia “Literatura noBrasil” e suas obras passarama ser tema de estudo na Uni-versity of Utrecht, e naHolanda, na Faculty of SocialSciences.

No ano passado ministrouoficinas de incentivo àleitura para professores elançou a revista “TrajetóriaLiterária III”, levou para

tiraram de lá e colocaram na Van diretopra casa. Foi algo seco. Mas foi bomporque pude falar de literatura durantetoda a entrevista, diferente de outroslugares que chamam a gente pra falarde violência na periferia. Eu não vou,não sou especialista. O Abujamra foimais tranqüilo porque a gente conver-sou antes e depois da gravação, atéficamos amigos. E eu já conhecia oestilo do programa dele, gostei dasperguntas inteligentes. Penso que elepoderia ter sido mais provocativo.

Suzano nomes como ArianoSuassuna e Paulo Lins. E lançou olivro “Amor Lúbrico – Textospara serem lidos na cama” quereúne 22 autores de todo oEstado de São Paulo, assumiu acoordenação do Centro CulturalBoa Vista e se formou no Cursode Letras.

Esse ano o inquieto escritor,junto com o poeta e amigoDenivaldo Araújo, navegou no RioTietê numa jangada feita demadeirite e garrafas pet eescreveu o romance ecológico“O Homem que não mexiacom a natureza”, casou-se comIrlandia Freitas e está prestes aser pai.

Uma vida agitadapara um garoto deperiferia que nuncateve incentivo, masfez da dificuldade amãe da suas vitórias.

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Boletim do Kaos - Você escreve buscandoum estilo literário, nesse campo qual seriasua principal característica ?Sacolinha: Busco a qualidade literária, meusescritos têm cortes cinematográficos, passa deum momento a outro como um flash, e muitasvezes deixa aquele gosto de quero mais.

BK - Você se diz em crise e solitário, hojecom tanta atuação cultural, casado, comfilho pra chegar, você tem tempo para acrise? Em que situação ela aparece?Sacolinha: O buraco é mais embaixo. Essacrise de que falo é do Sacolinha com o próprioSacolinha. Sinto muito medo da minha pessoa.Procuro adiar o momento de sentar em frenteao computador porque tenho medo do quepossa surgir. Nunca sei o que meus dedos vãodigitar, receio que em algum momento elespossam colocar pra fora todos os meus desejos,o que eu penso de verdade e as coisas quetenho vontade de fazer. Isso causaria um caosainda maior em minha vida e ao meu redor.

Na hora em que escrevo sempreescondo a verdade, não sei se issoé ser mentiroso ou covarde, seique vivo enganando meus leitores.Depois que a arte passou a ser umaextensão de meu corpo, fiquei commais medo da vida, das pessoas ede mim mesmo. Sinto saudades dotempo em que eu era criança e nemsabia o que era o mundo. Por outrolado sou muito corajoso em revelarisso tudo.

BK - Qual o melhor de Suzano?Sacolinha: Temos um prefeito, negro, sensívelà arte que nos deixa livre pra trabalhar e quedestina 2% pra cultura, diferente de São Pauloque não chega nem a 1%.

BK - Você incentiva a leitura para idosos,para molecada da periferia, qual maiordificuldade em incentivar esse hábito?Sacolinha: Todas. Primeiro a falta de vontadeda própria pessoa, segundo a disputa com omundo do orkut, da TV, vídeo-game, futebol,novela e da bebida alcoólica. Tudo isso é mais“fácil e gostoso” do que ler. Mas é uma grandearmadilha, porque nada dessas coisas fáceisvão dar futuro a esse não-leitor. É tudo ilusão.

BK - Como você começou o livro “Graduado emMarginalidade”?Sacolinha: A princípio era para ser um conto. Fizo roteiro onde tinha o que iria acontecer no início,meio e fim. Mas foi tomando grandes proporçõese entrando tantos personagens que virou ro-mance. Dos quatro livros escritos que tenho, o“Graduado em Marginalidade” foi o mais difícilde escrever, sofri muitos acidentes no percurso,tanto que se você pegar essa obra e apertar, saisangue.

BK - Você é um cara hiperativo, sempre correndo,quando você fica calmo e relaxa, que músicavocê ouve?Sacolinha: Ouço rap, forró, baião, mpb e sou fãde Edvaldo Santana e Zé de Riba. Estou mepreparando para, nos próximos três anos, ouvirmuita música clássica, tipo Carmina Burana,Mozart, Chopin e Bethoven. Porque quero beberna fonte que Tim Maia, Raul, Caetano, ChicoBuarque e Luiz Gonzaga beberam. Não quero sóo osso que a mídia me impõe, quero o filé também.

BK - O que é escrever?Sacolinha: No meu caso é se aliviar e extravasar.Aliviar porque sei que faço algo de útil, que mesalva a pele, que mostra que não estou somentefazendo peso na terra. Extravasar porque é umaválvula de escape, onde eu explodo minhasangústias. Creio que todos precisam de umaválvula de escape, a minha é a escrita.

BK - Você vai virar político?Sacolinha: Não tenho essa intenção. A figura dopolítico está em descrédito há décadas. Apopulação não leva mais ele a sério.

BK - Qual o livro que você não recomenda?Sacolinha: Nenhum. Pra mim não importa “o que”a pessoa está lendo, importa é que ela “está” lendo.Depois de ler alguns livros ela terá bagagemsuficiente pra escolher o que é viável pra ela.

BK - Qual livro você está lendo atualmente?Sacolinha: Acabei de ler “Memórias de Minhas PutasTristes”, do García Marques. Estou lendo “OsCaminhos de Katmandu”, do Francês René Barjavel.E depois vou ler “Os Lusíadas”, do Camões.

BK - Você faz eventos, encontros, debates,saraus, concursos, aonde você vai parar? O quevocê quer atingir?Sacolinha: Fazer da cidade de Suzano umareferência na área do livro e leitura.

BK - Qual livro você indica?Sacolinha: Memórias do Cárcere, São Bernardo eVidas Secas, todos do Graciliano Ramos.

BK - Fales sobre o teatro, como foi suaexperiência?Sacolinha: Meu primeiro contato foi com o contoque escrevi “Pacífico Homem Bomba” e que o atorGil Ferreira adaptou para o teatro. Na seqüênciamuitos outros textos foram adaptados dessa formapor vários dramaturgos. Até que eu resolvi escrevera peça inteira com cenário e diálogo. Trata-se dapeça “Toque de recolher”, ainda sem estréia.

BK - O que é Concurso de Literatura Erótica daRegião do Alto Tietê?Sacolinha: Surgiu através do “Pavio Erótico”, umsarau que desenvolvo em Suzano, lançamos cincomil exemplares do livro “Amor Lúbrico – Textospara serem lidos na cama”. Aí distribuímos em postosde saúde, bibliotecas e congressos sobre o temadas DST. Virou tese de mestrado de três faculdadese matéria da conceituada revista “Saúde eSociedade”, da USP (Universidade de São Paulo).

BK - Como foi o evento com Ariano Suassuna?Sacolinha: Foi um momento histórico na cidade deSuzano. Foi 1h40 de puro ensinamento, e risadas,cada frase era uma gargalhada da platéia. Todosaprenderam rindo. No final, ninguém mais queriair embora. Tenho tudo gravado, quem quiser estouvendendo (risos).

BK - Junto com o poeta e amigo Denivaldo Araújo,você navegou no Rio Tietê descendo da cidadede Mogi das Cruzes até Suzano numa canoa feitade madeirite e garrafas pet. Após essaexperiência no rio, escreve o romance ecológico.Como foi isso?Sacolinha: O Denivaldo é baiano e cordelista, moraem Suzano há 20 anos e é um cara que não largouseus costumes. Descemos o Tietê de Mogi dasCruzes até Suzano. Essa viagem contribuiu paraeu finalizar esse romance ecológico que a princípioestava muito superficial. E serviu também pra euver o quanto existe de ambientalista demagogo.

BK - Em Setembro de 2005 você sofreu ameaçade morte pedindo que retirasse os livros das ruas.Quem te ameaçou e por quê? Comente esseepisódio.Sacolinha: Foi por conta do livro “Graduado emMarginalidade”, lancei e depois comecei a receberumas ligações estranhas. Fui muito corajosoem relatar esse romance. Pensei muito, an-tes de colocar a história no papel. Aconsciência estava me avisando e eu nãoquis ouvir. Fui ameaçado diversas vezes,tanto que fiz um B.O, avisei alguns amigose desapareci por duas semanas e meia. Oscaras ligavam e avisavam: - Ô neguinho,num tá ouvindo não é? Vai morrer com osbraços cortados pra não escrever nem noinferno.Após algumas articulações descobrimos tudoe fomos eu e mais alguns conhecidos re-solver esse problema. Sem tiros e nempalavrões, tudo com diálogo. O que houvefoi um mal entendido.Dei uma palestra em novembro do mesmoano na Penitenciária Feminina do Tatuapé edeixei uns exemplares com algumasinternas. A partir de dezembro começou achegar um monte de cartas de váriospresídios falando do meu livro. Elas leram,gostaram e começaram a discutir sobre aobra. Algumas enviaram para outrospresídios e ficou esse tráfico do meu livro.fiquei analisando esses acontecimentos eacabei ficando feliz. O livro está mexendocom o sentimento das pessoas, e isso é bom.Acho que estou sabendo usar a palavra.

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Maurício de Sousa está completando50 anos de carreira e muito sucesso,para se ter uma ideia do tamanho dessesucesso, no Brasil os gibis da Turma daMônica vendem mais do que os daDisney.

Maurício nasceu em 27 de outubro de1935, em Santa Isabel, São Paulo, aindacriança mudou-se para Mogi dasCruzes, e foi na Rua Ipiranga quepassou sua infância. Seu pai, Sr.Mauricio, era poeta, desenhista e foisua grande influência, frequentementepresenteava o filho com gibis, o queiria ser decisivo para sua vida.

Aos 19 anos, Maurício de Sousa veiopara a capital tentar uma vaga deilustrador no jornal diário a Folha de SãoPaulo, mas arrumou um emprego derepórter policial, mesmo a contra-gostoaceitou a ocupação, porém a mudançaveio em 1959, quando convenceu umeditor da Folha a publicar uma tirinhade sua criação, nasciam os primeirospersonagens, o cachorrinho Bidú e seudono Franjinha.

Esse foi o início da turma da Mônica, astirinhas em jornais.

A demanda cresceu muito e as tirinhaspassaram a ser publicadas em diversosjornais do país e para atender a tudoisso ele foi criando novos personagense mais adiante contratou desenhistasauxiliares, apesar das críticas dos queachavam que o autor devia ser fiel e semanter sozinho desenvolvendo ascriações, mas Maurício não concordou:- Com isso não iríamos crescer etínhamos planos maiores. Disse ele.

O Cebolinha e o Cascão foraminspirados em amigos de infância deMogi das Cruzes, e seu maiorpersonagem, a Mônica, foi inspirado nafilha Mônica Spada e Sousa, hoje

diretora comercial da Maurício de SousaProduções. Mas segundo ela: - Ele fezum trabalho de dizer a toda horaque a Mônica não era eu que atéhoje acho que não é.

Declaração dada pela filha de Mauricionuma entrevista coletiva que o Boletimdo Kaos conferiu no dia 26 de junho,no MuBe, em SP, por lá toda a imprensaescrita e televisiva, afinal Maurício deSousa, está comemorando 50 anos decarreira. Ele que é uma das pessoas maisbem sucedida do nosso país no ramode história em quadrinhos com a Turmada Mônica que é sucesso dentro e forado Brasil.

Vamos a coletiva ver o que disse osimpático Mauricio de Sousa sobre ainfluência de seus gibis no início daalfabetização das crianças na periferia:

- Criança é tudo igual independenteda classe social, do país ondenasceu, tendo amor e carinho,criança é igual no mundo todo, porisso acho bacana as criançascomeçarem a ler com meus gibis,independente da classe social.

A “Turminha” está em diversosprodutos, só as fraldas da Mônicavendem 100 milhões de unidades pormês, sobre o critério para licenciar umproduto com a sua marca ele disse:

- A pergunta chave para liberar é:meu filho usaria esse produto? Sea resposta for sim pode licenciar,se tiver a mínima dúvida é melhornão fazer.

Hoje os gibis são feitos pela Panini e oseu grande lançamento é a Turma daMônica Jovem, perguntado o porquedesse novo projeto ele explicou:

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- Dei ao meu filho mais novo doisgibis, um da Mônica e outro ummangá do Naruto, ele não sabiaqual pegava primeiro, então cria-mos um gibi com a turminhajovem, que junta a Mônica comtraços parecidos com o Mangá. Eele garante que já é um sucesso devendas.

Sobre ele ainda desenhar alguma coisaou não ele afirma: - Só desenho oHorácio que é mais parecido comigo,atemporal. Por isso não tem tantoHorácio por aí ultimamente.

Para conseguir atender os gibis e astirinhas que saem no Brasil e no exte-rior, ele tem um time de 200funcionários e a meta é se aproximarcada vez mais da educação: - Por issolançamos os personagens Dorinha(uma menina cega) e o Luca (umcadeirante).

Além de termos projetosvoltados pro áudio-visual,fazendo filmes com a qualidadedigital de hoje.

Então chegou uma notícia emprimeira mão, um representante doministro Juca Ferreira anuciou aosjornalistas presentes que a Mônicafoi nomeada Embaixadora daCultura no Brasil, além do anúncioele agradeceu a doação de 3,5milhões de gibis da turminha queserão espalhados em escolas ebibliotecas públicas do país.

Esse é o Maurício de Sousa e aTurma da Mônica, grandesnúmeros, sucessos:

- Mas em 50 anos tivemosmuitos tropeços. Lembrou ele. Ecompletou: - A próxima décadaserá da educação.

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Ele viveu até os 74 anos,morrendo em 9 de março de 1994. Umdos nomes mais fortes da tal literaturamarginal. Inspiração para muitosescritores, Charles teve sua obrabaseada em uma linguagem coloquial,sem pudor, onde suas históriaspessoais, se confundiam com a dospersonagens.

Nascido na Alemanha, Bukowski éfilho de um soldado americano, quecresceu na periferia de Los Angelesatormentado por um pai autoritário queo agredia, isso somado com suadoença que trazia inflamações paratoda parte superior do seu corpo oforçando-o a tratamentos médicosintensos. A vida não sorria paraBukowski, na escola não tinha amigos,e entre os estudos e os primeirosempregos temporários, como carteiro,frentista e motorista de caminhão, oescritor não conseguia exercer ojornalismo, que estudou, mas semnunca se formar.

Nesse processo adquiriu doisvícios; os livros e o alcoolismo. Suasprimeiras poesias vieram aos 15 anos,mas seu primeiro livro somente foipublicado 20 anos depois em 1955.Ele estreou na prosa escancarando

sua vida pessoal, que virou sua marcaregistrada. Alguns de seus livros dedestaque são "Mulheres", "Hollywood" e"Cartas na Rua". Sempre bebendo emexcesso e escrevendo compulsivamente,Bukowski mandava seus trabalhos paramuitas publicações literárias indepen-dentes dos Estados Unidos, mas quasesempre recusados.

Nessas cartas conheceu a editora darevista Harlequin, Barbara Frye, que seconvenceu que Bukowski era um gênio,mais tarde se casaram, e mais rápido aindase separaram.

Com quase 40 anos o escritor ainda eraum poeta iniciante, mas depois de suaseparação que surgiu seu famoso alter egoHenry Chinaski.

Tendo Ernest Hemingway e FiódorDostoiévski como principais influências,Bukowski criou um estilo próprio e ficouconhecido como "Velho Safado", e tudoisso você pode ler na biografia "CharlesBukowski - Vida e loucuras de um VelhoSafado" (Ed. Conrad).

Ele foi funcionário dos Correiosaté os 49 anos, Bukowski sentavana sua máquina de escreveracompanhado de uma garrafa debebidas e dava luz a textos querompiam com os padrões da época,sem medo de revelar que na maioriadas vezes eram textos autobio-gráficos. O “Velho Safado” nãotinha receios, e nos seu textos cita-va nomes e lugares de situações queo levaram a perda de muitasamizades.

Seus livros viraram filmes, mas ele mesmoconfessava não gostar muito de cinema. Seusmais de 50 livros, e seus milhares de textos, econtos em publicações baratas, ainda davamespaço para uma de suas principais atividades,que era a leitura de suas poesias emuniversidades e eventos culturais. Só faltouele colar na Cooperifa.

Nos anos 80, Bukowski desfrutavade certa fama, morrendo de leucemiaaos 73 anos influenciando também amúsica com letras de banda como BadRadio (uma das bandas de começo decarreira de Eddie Vedder, vocalista dabanda Pearl Jam), Red Hot Chili Pep-pers, entre outras

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O Samba da Vela surgiu em 2000 com o intuito de celebrar oautêntico samba de terreiro, enaltecer compositores da velhaguarda e revelar novos autores. As apresentações seguem umritual próprio, com uma vela no centro da roda que indica ocomeço do samba que só termina quando a luz se apaga. Essareunião de bambas acontece há nove anos todas assegundas-feiras, na Casa de Cultura de Santo Amaro.

O melhor é ir conferir pessoalmente, uns podem até estranhar,afinal no local, não existe bebida alcoólica e nem cigarro, só osamba. Ao final é servido uma sopa, feita com doações.

Os autores apresentam seus sambas, com todo um respeitopelo samba de autor. Um lugar fantástico que mostra que aindaé possível levar cultura de qualidade na periferia, mesmo comtodo lixo que a mídia descarrega em nossas cabeças. Porquesamba é cultura e ali, Chapinha e seus amigos, fazem umevento que com certeza inspirou alguns dos vários sambas decomunidades existentes hoje na cidade.

As rodas de Samba são muitas, se você não sabe dessemovimento fique ligado, destacaremos um por mês naspáginas do Boletim do Kaos, ou acesse o site da Agenda daPeriferia: www.agendadaperiferia.org.br. Lá vocêencontra algumas das opções, tem samba de segunda àdomingo.Para mais informações acesse também:www.sambadavela.com.br

Nome, idade, religião:Augusto, 31 anos, espíritaTime: Seleção BrasileiraFamilia: Muitas. Tem parenteque não vale um amigo.Literatura pra você: Sustento.Um Livro: Os IrmãosKaramázovUm escritor: Charles BukowskiUm poeta: Alvares deAzevedoUm filme: O IluminadoUm ator: Nicolas CageUma atriz: Maria FlorO que te dá prazer? Ir pra ruaO que você não suporta?Beligerância3 lugares que frequenta: Meutrabalho, meus bares, minhasamadas.Um sonho: Ir morar na BahiaUma personalidade: ChrisMcCandlessUm artista: Sergio CarozziComplete a frase: - Sempoesia minha vida seria...umprocesso correndo à revelia

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www.marildafoto.blogger.com.br

Acredite: - Poesia.Mais a cerveja é bem gelada, os petiscos

são servidos em telhas em forma de bandeja.O Sarau do Binho acontece no Bar do Binho,

um poeta autor de dois livros, “Poetesia” e“Donde Miras”, que escreveu em co-autoriacom o Serginho Poeta.

O bar não é pequeno, mas mesmo assim écomplicado se locomover, as mesas estãolotadas no dia de nossa visita.

Comigo a fotógrafa Marilda Borges e o amigoEleílson Leite da Ação Educativa, encontramos láo escritor Marcelino Freire (Prêmio Jabuti por“Contos Negreiros”), ele pegava o Boletim do KaosII com ele na capa, que inclusive fez a ponte elevou para feira do livro de Lisboa, em Portugal.

Amigos que não via há algum tempo como opoeta Marco Pezão, mais um monte de gente bacana.

O Sarau é descontraído e informal e nesseclima vai até meia noite.

O astral dos frequentadores é alto e a pazreina entre as várias tribos, tem manos de váriasperiferias e universitários de uma faculdade quefica na esquina.

São Paulo oferece os mais variados tipos desaraus, os talentos são muitos e em muitoslugares. Binho é ainda idealizador da“Expedição Donde Miras”, caminhada cul-tural pela América Latina.

A ideia do seu sarau é microfone aberto paraqualquer expressão artística como poesia,música, encenação teatral, entre outras, parapromover um intercâmbio entre os frequen-tadores.

Todo mês o Boletim do Kaos vai destacarum sarau, fique ligado que cada dica vale umapoesia.

ONDE:Bar do BinhoRua Avelino Lemos Jr, 60Campo Limpo (Zona sul de SP)Entrada francawww.saraudobinho.blogspot.comtoda segunda (21h)Inf: (11) 5844-6521

Como sempre fui conferir aovivo, dessa vez na periferia doRio de Janeiro; os guerreiros doAFROREGGAE.

Marquei com o José Junior,um dos fundadores da ONG, devisitar Vigário Geral e conhecera ONG, aí pintou uma viagemdele pra SP e ele me disse: -Queria que você fossemesmo assim.

Encontramos Bóris na Cen-tral do Brasil, com ele, fomosde “Buzão” até lá, descemos naentrada da Comunidade Paradade Lucas, no caminho jáficamos sabendo da história dolocal, uma mega favela planaque se divide em 2 nomes.

O Afroreggae nasceudepois do Massacre de VigárioGeral, quando justiceirosligados a PM mataram diversosmoradores inocentes.

O lugar é incrível e acredi-tem, por 25 anos cada uma dasfavelas era comandada por umafacção, de um lado ComandoVermelho, do outro TerceiroComando.

Por isso que a divisa sechama “Faixa de Gaza”, sãoruínas de casas destruídas portiros, cada buraco que você nãoacredita, por 25 anos não sepode atravessar a faixa de gazanem para visitar parente.

Bóris nos mostrou a sede doAfroreggae, em Parada deLucas. Um prédio de 2 andarescheios de atividades, tele-centro, biblioteca, música, ali jávimos a mostra os tambores erolava uma oficina.

Saímos de lá e seguimos paraVigário Geral, o rapaz que nosacompanhava parou na Faixa deGaza e disse:- Fico por aqui.

Maiores informações e muitomais opções acesse nossosparceiros e informe-se no siteda Ação Educativa que temuma agenda sobre os várioseventos no mêswww.acaoeducativa.org.br/agendadaperiferia

No site Catraca Livre você temuma agenda que tem eventos,cursos, cinema, teatro,exposições, palestras eencontroswww.catracalivre.com.br

Pavio da CulturaDia 11 - 20h2º sábado do mês, escritores,poetas se reúnem dessa vez ohomenageado é o escritor LuizVilela. Local: Centro Cultural deSuzano - Rua BenjaminConstant, 682Centro - Suzano – SPInformações: (11) 4747-4180

Periferia InvisívelDia 11- 18h30Salão externo dentro dasdependências da paróquia SantaLuzia, localizada na Rua Barra de

Santa Rosa, 4405 – ErmelinoMatarazzo (próximo à estação USPLeste da CPTM). (11) 9545-4743 [email protected]

Trocando IdeiasDia 28 - 20hLivro do mês:Os Lusíadas - Luis Vaz de CamõesLocal: Centro Cultural de Suzano,Rua Benjamin Constant, 682Centro - Suzano - SPInformações: (11) 4749-7556

Sarau da CooperifaTodas as quartas, a partir das 20h.Local: Bar do Zé BatidãoRua Bartolomeu dos Santos, 797Chácara Santana. Zona Sul.Informações: (11) 5891-7403

Sarau da AdemarLocal: NaKasa BarRua Públio Pimental, 65(alt.do nº 3.800 da Av. Cupecê)Cidade Ademar. Entrada Franca.Informações: (11) 5622-4410saraudaademar.blogspot.com

Sarau Poesia na BrasaLocal: Bar do CarlitaRua Professor Viveiros Raposo, 234Brasilândia. Zona Norte.Informação: (11) 9169-9690 .brasasarau.blogspot.com

Sarau Elo da CorrenteAs quintas-feiras - 20HLocal: Bar do Cláudio SantistaRua Jurubim, 788-A. PiritubaZona oeste. Entrada franca.Informações: (11) 3906-6081elo-da-corrente.blogspot.com

E vinha chegandooutro pra nos guiar dolado de lá. O cenário aoredor na “Gaza Brasi-leira” era de filme deguerra, só neles ou nostelejornais tinha vistolocais totalmente des-truídos por tiros.

Desse lado vimosvárias vezes soldadosarmados do tráfico.

A sede atual de Vigárioé parecida com a de Pa-rada, junto da gente umacomitiva da África, moni-toradas por uma mulherdo Afroreggae.

Da sede atual fomosconhecer as obras da novasede, ainda inacabada.

Num certo local pedi-ram que não fotografassepois poderíamos ter pro-blema, vi uns cara carre-+gando fuzil como sefosse guarda chuva.

Por isso que não éde ouvir falar, eu fuiconferir e garanto, a ONGAfroreggae representa.

Quem quiser divulgar seuevento na próxima ediçãoentre em contato pelo [email protected]

Sarau do BinhoAs segundas - 21HLocal: Rua Avelino Lemos Jr., 60(em frente à Uniban)Campo Limpo. Zona Sul.Entrada Franca.Informações: (11) 5844-652 5844-4532 / 3535- 6463

Page 11: Boletim do Kaos #4

Fauziya tinha 16 anos,estudava e já planejavaseu futuro, pensando nauniversidade. Tinha oapoio do pai, um homemmuçulmano a frente deseu tempo e de sua tri-bo, localizada no Togo,África Ocidental.

Ele acreditava nas tra-dições, mas não aceitavapráticas que violavam asmulheres. A “kakia”, como échamada a mutilação genitalfeminina nessa região, erapara a família algo muitopróximo e a tia de Fauziya,que morreu de tétano depoisde ser mutilada, era umalembrança triste.

Fauziya tem irmãs maisvelhas, todas são casadas enão foram mutiladas, com oapoio de seu pai. Ele queriaque as filhas fossem mulhe-res com conhecimento eacreditava que nem por issodeixariam de ser fiéis as leisdo Alcorão.

O terror começa quandoo pai de Fauzyia morre. Seus

tios, pela “lei” local, automa-ticamente são seus tutoreslegais e não a sua mãe, que éexpulsa de casa.

Logo se apoderam dosbens de seu pai, tiram Fauzyiada escola e a obrigam a casar-se com um homem 35 anosmais velho, já com três mulhe-res, todas mutiladas.

Fauziya sabe o que a espe-ra. Nunca viu, mas sabe que écruel: uma mulher virá, abrirásuas pernas e com uma facaou gilete (que não estáesterilizada) corta uma partede sua vagina e depois fazuma costura, deixando ape-nas espaço para a passagemda urina e do sangue.Finalmente a atam das ancasaté as coxas, por quarentadias. Pronto! Está pura para omarido!

Com a ajuda de sua irmã,ela foge e chega na Alemanhasozinha. Graças ao inglês queaprendeu na escola, incenti-vada pelo pai, consegue secomunicar e uma mulhersolidária a deixa viver em suacasa. Passa pouco tempo na

Alemanha até que conhece umjovem africano que a orienta apedir asilo aos Estados Unidos.Lembrando que tem parentesvivendo no país, a ideia setorna a sua saída.

Então, sem saber o que aespera, com um passaportefalso, comprado desse jovemchega aos Estados Unidos.

Mas não passa do Serviçode Imigração do Aeroporto.Explica ingenuamente queveio pedir asilo e imediata-mente é presa.

Conhece a realidade dosistema prisional norte-americano e se vê em meio aoutras imigrantes, de diversaspartes do mundo, com muitasrealidades, a maioria “fugitiva”.Mas essas estão fugindo dador, da escravidão, da humi-lhação, da violência, damutilação genital feminina.

A partir daí, com o apoio deorganizações que estão nomesmo barco, inicia uma lutacontra uma prática cruel queviola os direitos das mulheres:a mutilação genital. E lutatambém contra as prisões,

onde descobriu o lado desumano dasociedade.

Esse livro é o relato de uma jovemafricana, muçulmana, que valorizasuas origens, sente a maior ligaçãocom sua tribo, sua história e religião,mas é contra uma desnecessária ecruel prática que mata muitasmulheres e as que sobrevivem, vivema sombra do “marido”.

Jardim das Rosas:Diário de um manode Ivone Lopes de Lana

O livro retrata a vida deum jovem chamadoCassiano, nascido ecriado na periferia do

Jardim das Rosas, bairrosituado na região do Capão Redondo,relata em seu diário os grandesacontecimentos de sua vida, relem-brando sua infância, adolescência eentrada no mundo dos adultos. OCapão Redondo teve sua famadestacada pelos jornais e pelas redesde TV, principalmente, na década de1990, época em que muitos crimes efatos da adolescência de Cassianotambém são relatados. “Jardim dasRosas” é o grito de um jovem queacorda no pesadelo da vida real eutiliza uma linguagem poética paradescrever acontecimentos trágicos.

"Identidade e Alteri-dade: conceitosrelações e práticasliterárias"de Susi Frankl Sperber

Um dos primeiros títulosda Coleção Work in Progress do

Instituto de Estudos da Linguagem (IEL),da Unicamp. O objetivo da coleção édivulgar e facilitar a publicação detrabalhos em processo de desen-volvimento “É uma oportunidade deo professor começar a utilizar suaspesquisas em estágio avançado emsalas de aula, cursos e conferências,sem precisar passar pelo processoburocrático de uma editora”, explicao coordenador da coleção, CarlosEduardo Ornelas Berriel. E Alteridade eIdentidade – O livro estuda algumasmanifestações literárias como a literaturamarginal, ou periférica, a autora procuraos índices de concepção libertários eigualitários. Uma análise dos poemas eromances propostos permite saber comosão caracterizados pessoas que vivemsupostamente a margem da sociedade.

Pequeno ca-lendário colo-rido para osque sabem lero tempo deEdson Natale comilustrações Carlos

Barmak

Uma publicação com textos quefazem uma reflexão sobre o tempo eas nossas ações pessoais. O livro falasobre o despertar do nosso olhar ede como compreender a vida e nósmesmos. Edson Natale é conhecidopelo sua carreira musical e tambémpelos seus livros que desde 1994 lançacomo o Guia Brasileiro de ProduçãoMusical 1994/1995, o AnuárioBrasileiro de Músicos, Produtorese Estúdios 1996 e o Guia Brasileirode Produção Cultural 1999, 2001,2004 e 2007. Em 2004 escreveu “AHistória do Incrível Peixe-Orelha”,obra que obteve o apoio oficial da ONUtambém com ilustrações do CarlosBarmak.

Zona de Guerrade Marcos Lopes

Mais um periférico quecontratia as estastísticas. Aobra é um relato sobre suavida. Passa por histórias

sobre o tráfico, até o momentoem que ele conhece a literatura. O livro,

dividido em quase 20 partes, conta com odepoimento de personalidades, entre ela aTia Dag, fundadora da Casa do Zezinho. Oautor militou no crime, viu a morte quaseque diariamente, enterrou muitos dosseus conhecidos e conseguiu romperbarreiras para se tornar um escritor. Naobra, Lopes conta um pouco sobre a vidade meninos pobres do Parque SantoAntônio, na zona sul da capital.Na vida real, Marcos está dando aula namesma escola em que estudou nopassado. É ainda educador do InstitutoRukha. Lá, trabalha com famílias quetiveram filhos expostos ao trabalhoinfantil.

A escritoraFauziyaKassindja

Page 12: Boletim do Kaos #4

Para Jorge Duarte e Tânia Pinto

No dia em que o enredo foidistribuído na reunião da ala decompositores, Azeitona saiu radiante:seu filho havia feito um trabalho es-colar sobre a Transamazônica, exa-tamente o enredo daquele ano.

- Pra mim vai ser mole, é só pegaro trabalho da escola do meu filho edar uma garibada. - Repetia Azeitonaentre goles de cerveja.

Empadinha saiu da reuniãoapreensivo. Depois daquele dia,rodava pelos cantos, brigava comValdirene por besteira, passou a terinsônia, enfiou-se na cachaça, porqueachou o enredo muito difícil, ruim dese fazer refrão. Arriscava umamelodia ou um verso, e mandava aTransamazônica para a puta que opariu. Tudo porque não sabia nadasobre a estrada que o diabo dogoverno estava fazendo noAmazonas. Não iria sair de bibliotecaem biblioteca lendo sobre o assunto.Não gostava de ler e muito menos deir à biblioteca, lugar de silêncio, coisaque ele odiava. Optou pelas notíciasde jornais, pelas revistas dabarbearia, das biroscas e de casa, maso samba não saía... O enredo estavamal escrito, com pouca informaçãosobre a infeliz da estrada.

Num domingo, viu um grupo deamigos tocando instrumentos eAzeitona cantando o seu samba numchurrasco organizado na porta do bardo Tom Zé. Fingiu que não viu e saiude fininho deprimido até o pescoçocom a possibilidade de não fazersamba naquele ano. Subiu rápido omorro e foi golpeado duas vezesquando viu Caramba e Brasãocantando os seus sambas em biroscase os amigos ouvindo-os atentamente.Imaginou que todos os compositoresda escola já estavam com o sambapronto, mostrando a criação aosamigos, distribuindo a letra do sambamimeografada pelo morro, e ele nadasobre a Transamazônica.

- Se o enredo fosse a Bahia,esses putos iam ter que me engolir!- dizia pra si mesmo.

Era verdade. Apesar de nunca tersido vencedor, sempre chegava àdisputa final quando o enredo era aBahia, porque seus pais eram baianose contavam das festas populares delá, falavam dos costumes, docandomblé, das histórias de pes-cadores e de tudo mais. Não era comoessa Transamazônica, da qual sóouvira falar algumas vezes.

E o que mais o afligia era que,nesse ano, a disputa seria honesta,porque Amendoim havia morrido esempre era ele quem ganhava comqualquer samba, não porque compras-se os jurados, mas pela violência.Amendoim já havia matado noventae cinco pessoas e duas delas eramcompositores de samba vencedor. Daíem diante, ganhou todas as disputas,até morrer com quatro tiros numaquebrada do morro.

Empadinha via a possibilidade decomprar um terreno em Lídice,lugarejo da Costa Verde do Estado do

Rio de Janeiro, onde passaria a velhicecriando galinha, colhendo a salada de cadadia em sua própria horta e tomando banho derio à hora que bem quisesse.

Faltando três dias para os com-positoresentregarem a fita cassete para a diretoriaescolher as dez composições que disputariamo prêmio de melhor samba, Empadinha tevea idéia de ir à escola do filho de Azeitonacom a intenção de achar um estudante quetambém tivesse feito um trabalho sobre aTransamazônica.

- Caralho, como não pensei nisso antes?Ainda eram nove horas. Queria que o

tempo passasse rápido para encontrar oestudante e fazer logo o samba. Não tinhasono, resolveu ir à birosca beber alguma coisa.Tomou duas doses de Parati, bebeu umacerveja e, por fim, mandou para dentro umrabo de galo. Voltou cambaleando para casae se jogou na cama de roupa e sapatos.

Não eram nem sete horas quando eleesperava que as turmas formassem paralocalizar a do filho de Azeitona. Marcou bemo rosto de dois meninos e de três meninas.

Quando deu a hora da saída, o composi-tor se precipitou para o primeiro estudantede quem guardara a fisionomia:

- Você também fez trabalho sobre aTransamazônica?

- Fiz.- Você pode me emprestar?- Olha, eu sei muito bem pra que o senhor

quer o meu trabalho...- Como assim?- O senhor não é compositor da escola?- Isso.- Então, todos os compositores vieram

aqui pedir trabalho pros alunos, e essesotários aí deram.

- Você não vai me dar, não?- Lógico que não, se quiser vai ter que

comprar.- Comprar? E quanto é o trabalho?- Cinqüenta cruzeiros.- Ah, tá muito caro, vou achar outro

aluno...- Olha, eu tirei dez, hein? E tá todo

mundo vendendo agora. E o meu preço é omelhor.

- Tá a fim de me enganar, rapaz, tápensando que eu nasci ontem?

- Tudo bem, mas depois não vem atrásde mim, que eu não vou vender, não.

Empadinha caminhou um pouco ese voltou para o menino.

- Tá bom, tá bom, toma aqui o dinheiro.- Vamos lá em casa que eu te dou o

trabalho.Era esplêndido o trabalho do menino.

Empadinha ficou maravilhado com aTransamazônica que lhe aparecia descritaem letras juvenis em folhas de papel almaço:a extensão, o objetivo de ser criada, odinheiro investido, os lugares por onde aestrada passaria, os conflitos e também acultura do Estado de Amazonas, como a lendada mãe d’água, da serpente Boitatá; a vidados seringueiros, dos índios, as cachoeiras,os rios e as cascatas. Enfim, o trabalho tinhatudo o que faltava ao enredo.

- O moleque é bom, rapaz! Temhabilidade! Fez um trabalho de mestre, temum monte de coisa aqui que não tinha noenredo. Agora não tem pra ninguém - disseEmpadinha a Valdirene.

- Você vai fazer o samba quando?- Já terminei, já terminei, olha só – e

cantou feliz:

Vejam que belezaA história que vamos contarSobre a Amazônia distanteEsse sertão fascinanteTerra igual essa não há

Contam que a mãe d’águaDentro de sua lenda e tradiçãoAo ver o pescador se aproximarCantava uma linda canção

RefrãoNo barulho das águasSurge uma serpenteÉ o boitatáApavorando gente

Índio guerreiro, caçadorSeringueiro extraía a borrachaVaqueiro cantava canções de amor

Hoje o progresso chegouDentro da cultura e expansãoSurge a TransamazônicaOrgulho de nossa nação.

- Mas fala muito pouco sobre aestrada...

- Mas na reunião, o carnavalescofalou que era importante também falarsobre a Amazônia, mais importante doque a estrada.

- Por quê?- Pra fazer as fantasias, é bom falar

dos índios, dos seringueiros, vaqueiros,sabe qualé? O importante é que o sambatá pronto e agora é só gravar e mandar afita pro corte.

Empadinha deixou a esposa, foiprocurar Jorge do Cavaco, Dirceu doRepique e Celso do Tamborim para gravaro samba e mandar a fita para a diretoriaavaliar.

Quarenta sambas foram cortados. En-tre os dez que competiriam na quadraestavam o samba de Azeitona e o deEmpadinha.

Empadinha chorou no dia do resultado,nenhum samba havia sido mais difícil dese fazer do que aquele. Ficou tão feliz pornão ter sido cortado que, no dia seguinte,foi à porta da escola procurar porMauricinho para lhe mostrar o samba eagradecer por lhe ter vendido o trabalhoescolar.

Mauricinho escutou o sambaatentamente e disse:

-Esse samba é de rima fácil, rimaserpente com gente, distante comfascinante... A pesquisa foi mal usada,tá cheio de jargão! Samba exaltaçãodigno do golpe de sessenta e quatro,samba pra emudecer a razão. Muitofraco! E pra que cantar a Transa-mazônica? Pra que cantar? Onde está anovidade das estradas, tirando a fuga, aesperança da partida e o inesperado dodestino? Sempre numa estrada vai sermelhor a certeza da volta do que aesperança da partida, e, no entanto,criamos caminhos sem volta.... Sabemosque a utopia é o fraco do humano e é elaque nos faz criar caminhos, que sãotantos, que se cruzam, que se chocam...Caminhos que sempre fazem um humanoquerer voltar para casa, enquanto umoutro quer sair... Caminhos que nosenvelhecem, que matam nosso tempo!Caminhos que nos fazem abandonar o

chão da infância... Deus me livre de ser um viajante,pois o viajante é aquele que chega anunciando apartida: tem pés que batem num chão, enquantoo coração, no chão de outro lugar.

Empadinha ficou surpreso com asobservações de Mauricinho. Tentou argumentaralguma coisa, mas ficou sem palavras diantedo rapazola que continuava:

- Não fica assim, não. Eu tô brincando.Viajar é muito bom, a gente conhece gentenova, os pratos típicos de cada região, os cos-tumes. Imagine a gente dentro da florestaamazônica, vendo os animais, os índios, o rioAmazonas e os seus afluentes, né? Viajar ébom.

- Não tô entendendo! Primeiro você mediz que viajar é ruim, agora diz que é bom.

- Eu só coloquei dois pontos de vista, masna verdade eu estou mesmo é muito puto comessa estrada...

- Por quê?- Essa estrada está sendo criada pelo

presidente Médici, esse assassino... Ééé... Émais um projeto-impacto dele... Eles achamque vão tentar integrar o Brasil abrindoestradas, que ela vai ser um modelo deassentamento do trabalhador rural, mas naverdade eles vão foder com tudo, porque acondição sócio-econômica da população tá apior possível! Tá uma violência danada pelaposse de terra, entre os grileiros a serviço depoderosos interesses econômicos, posseirose índios! E, além do mais, eles estãodepredando tudo, não têm a mínimapreocupação com o meio ambiente, e a escolade samba cantando como se fosse a melhorcoisa do mundo. Um monte de alienadotecendo elogios pra uma coisa horrível dessas!Meu trabalho falava disso tudo, mas o senhornem ligou e fez esse samba alienado.

- Que que é alienado?- Sem nenhuma reflexão política, sem sa-

ber o que está por trás das coisas. Ficam ummonte de bobões fazendo samba exaltaçãopra esse governo corrupto, assassino,enganador. Eu tenho vergonha de vocês.

Empadinha ficou com cara de palhaço tristevendo Mauricinho se afastar com um monte delivro amarrado num cinto. Realmente o molequetinha razão. Era o mais infeliz dos idiotas emcada passo que o levava de volta para casa.Um garoto... Um garoto que poderia ser seu filhoestava mais por dentro das coisas do que ele.Sentiu a força do conhecimento, do estudo,sentiu também vontade de não desfilar, deretirar o samba da competição. “Será quepoderia voltar a estudar?” “Teria cabeça paraencarar os livros?” Não. Mas não iria baterpalmas para maluco dançar, não iria dar molepara o governo que quer que a escola vendauma boa imagem da porra da estrada. Entrouem casa e Valdirene foi logo perguntando:

- E aí, falou com o menino?- Falei e não vou mais disputar o samba,

não.- Tá maluco? O que aconteceu?- Eu não sou alienado!- Que troço é esse de alienado, Empada?

Você não trabalha, vive de biscate e dodinheiro que eu ganho... Vive em função deganhar um samba enredo pra gente sair destamerda, sofreu que nem uma vaca no matadouropra fazer o samba, e agora que passou naeliminação da fita me diz que não vai maisdisputar! Que que esse menino te disse?

- Ele me disse que eu sou burro, que o meusamba só tem mentiras, que a Amazônia táacabando, e o governo tá contribuindo comisso e que...

Page 13: Boletim do Kaos #4

Um veículo de comunicacão que resiste ao tempo, mesmo aos trancose barrancos, assim pode ser definido um FANZINE ou simplesmente ZINE.

Não é facil produzir um, o editor, além de saber escrever e se expressar,deve reunir textos de poetas e amigos, fotos e dicas culturais.

Mas essa é a parte mais fácil, complicado mesmo é reproduzir, quase que100% dos Zines são bancados exclusivamente pelo editor e isso faz comque alguns parem em pouco tempo. Mas os fanzineiros de coração nãodesistem nunca.

Um Zine é um jornal feito em fotocópia e distribuído gratuitamente. Primeirovem o trabalho de montar, depois as despesas com as cópias e por fim adistribuição e custos com correio, para fazer o Zine chegar na mão devários manos e não ficar apenas restrito ao seu local de origem.

Por questões financeiras, muitos Zines demoram algum tempo de umnúmero para outro, mas os fanzineiros resistem a todas as dificuldadespara fazer a informação e a leitura chegar a quem precisa: o povo daperiferia.

Eu mesmo atualizando meus Blogs, twitters e mailings diariamente(www.suburbanoconvicto.blogger.com.br), sempre continuei a rodar meusZines, chegando a surpreendente marca de 150 números, eles são lidospor muitos que não têm Internet. Como zine não conheço outros quetenham tido tantos números. Faço a distribuição nas quebradas, nos trense mando para várias pessoas pelo correio. O Zine Boletim do Kaos setornou hoje o jornal que você tem em mãos.

Existem centenas de Zines espalhados pelo Brasil, alguns são de ONGs ePosses, outros particulares. Só para citar alguns, existe “O Propagandista”do Magu (Itaim Paulista-SP), “Aliados Zine da Landi” (Barueri-SP), “Voz daResistência” da Posse H2PM (Embu-SP), “Papo Reto do Bylla” (Penapolis-SP),“Poezine” da Dinha (Pq.Bristol-SP), “Folhas de Atitude” do Walter Limonada(São Bernardo do Campo-SP), “Vozes de Rua” do Oliveira (Guaratinguetá-SP), “Traficando Informação” da Giggia (Suzano-SP), “MJIBA” da Elizandra(São Paulo-SP), “Jornal da ADAB” da Maria Rivanilda (Rio de Janeiro-RJ), “OlhosAbertos” da Posse Nova República (João Pessoa-PB), “ZINE Sertão” do Jun-ior Baladeira (Ouricuri-CE) e por aí vai. São centenas de títulos e editoresque amam produzir, reproduzir e distribuir seus Zines. Perguntamos aalguns fanzineiros: O que é Zine para você? Veja os depoimentos a seguir.

* Originalmente publicado na Revista CarosAmigos/Literatura Marginal - ATO I

- Eu tô pouco me lixando com o diabo da Amazônia, eu querouma casa em Lídice, eu quero sair desse morro!

- Desiste, mulher, eu não vou mais disputar.- Então ruma logo um emprego, que eu não vou te sustentar

mais, não!Empadinha passou a tarde com a cabeça em profunda confusão. Se

o enredo fosse a Bahia, tudo estaria resolvido, mas o carnavalesco demerda inventou um enredo de merda pra um governo de merda sebeneficiar. A noite foi de insônia. O descobrimento de que era umalienado o maltratava, mas se tirasse o samba da competição teria queencarar um emprego, acabaria a boa vida de acordar a hora que bementendesse, de não ter que aturar patrão, daria adeus ao jogo defutebol das três e meia da tarde, a sinuca das manhãs, o baseado dedepois do almoço. Tinha uma mulher que o sustentava simplesmentepelo fato de ser artista, e, exatamente por isso, possuía a oportunidadede virar a vida de uma vez, mandando a miséria para a casa dochapéu, se seu samba fosse campeão.

Às cinco da manhã resolveu esquecer o diabo da alienação e seguirem frente na disputa. Saiu cedo e comprou mil folhas de papel pararodar a letra no mimeógrafo. Passou a semana cantando o samba nasbiroscas do morro, foi à casa dos amigos, dizendo que pagaria a cervejase eles cantassem o samba na hora do vamos ver. Prometeu dinheiroao mestre da bateria para que ele a comandasse com mais afinco nahora de sua apresentação. Tudo isso contava muito na decisão do júri:bateria afinada e empolgação na quadra.

E, assim, o samba de Empadinha foi passando nas eliminatórias atéchegar à final, justamente com o samba de Azeitona.

Empadinha e Azeitona eram amigos de infância, andavam semprejuntos e por isso ganharam esse apelido. Azeitona o levou a compor ecom ele fez os seus primeiros sambas, mas por causa de brigas nofutebol estavam de relações cortadas há mais de seis meses e, além domais, sempre houve certa rivalidade entre os dois. O pior era quesentia que o samba de Azeitona vinha empolgando mais os componentesda escola, porque realmente era melhor, mais bem acabado, mais ritmadoe com letra mais profunda. Não havia jeito de ganhar. Teria de arrumarum jeito para derrubar o rival, que na certa olharia para ele, dizendocom os olhos: “Tá vendo, seu otário? Sou melhor que você.” Isso lhedoeria mais do que perder a grana que receberia caso fosse campeão.

No dia antes da disputa final, foi bem cedinho à casa de Azeitona.- Que que você quer?- Olha aqui, Azeitona, a gente sempre foi irmão, sempre compôs

juntos, e agora a gente tá aí, disputando uma final de samba enredobrigados, sem se falar. Eu vim aqui dizer que eu gosto tanto de vocêque se eu perder vai ser uma honra... Se você ganhar, eu também voume sentir campeão. Queria te dizer que eu tenho sentido muito a suafalta. E agora que a gente vai competir aí, eu queria fazer as pazescontigo. Eu quero retomar a amizade, antes da gente ir para a quadrade samba.

- Que bom, Empadinha, eu queria te falar a mesma coisa, tavaera sem coragem, pensando que você iria me virar a cara.

Os dois se abraçaram longamente e depois Empadinha convidou:- Então é o seguinte: vamos almoçar lá em casa amanhã. Vou

mandar a mulher fazer uma buchada de bode.- Pode mandar fazer que eu vou lá.O povo da escola ficou surpreso quando Azeitona disse que estava

indo para a casa de Empadinha pegar a bóia.- Que espírito esportivo, espírito de competição! Que coisa bonita!

Que demonstração de amizade! – falavam.Por volta das treze horas, Azeitona chegou para o almoço. Beberam

cerveja e batida de limão, cantaram os seus velhos sambas. Valdireneserviu a comida e teve que insistir para os dois sentarem para comer,eles não paravam de cantar, de se abraçar e de brindar a amizade atodo instante.

Por fim, começaram a comer com muito apetite, mas logo depoisAzeitona começou a passar mal e, em seguida, Empadinha. Os doistiveram o mesmo tipo de convulsão. Valdirene chamou os vizinhospara ajudar a levar os dois para o hospital, onde chegaram mortos.

Depois da autópsia, o pessoal ficou surpreso com a causa mortis deambos: parada cardíaca por envenenamento. Mas tudo ficou esclarecidoquando o enfermeiro trouxe dois vidros de ratofudex que encontrarano bolso de cada um: veneno fulminante para ratos.

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Na sua quarta edição, o Antídoto ocupou o mês dejunho com música, teatro, debates, e lançamento de DVD’s.A abertura ficou com lançamento do documentário“Literatura e resistência”, do escritor Ferréz. O eventoé uma parceria do Itaú Cultural com o Grupo CulturalAfroReggae “O Antídoto nasceu a partir de umaconversa com José Junior, do AfroReggae. Nosquestionamos como seriam os projetos similaresaos do AfroReggae, CUFA, Cooperifa, por exemplo,em outras regiões do mundo. Essa pequenacuriosidade evoluiu para transformar-se em umprojeto depois que a idéia foi apresentada para apresidente do Itaú Cultural, Milú Villela, queenxergou longe...” fala Edson Natale que começou atrabalhar no Itaú Cultural como curador do Projeto Rumos,em 2000 e está na Instituição até hoje.

Essa edição também trouxe o documentário de PretoZezé (CUFA), além de shows musicais, teatro, e o ciclo dedebates Antídoto – Seminário Internacional de AçõesCulturais em Zonas de Conflito, com convidadosinternacionais da Nigéria, Afeganistão, Líbano, Palestina,Sudão, Canadá além do Brasil.

Tudo ocorreu entre 4 e 28 de junho e envolveu ascomunidades de Heliópolis e Paraisópolis, em São Paulo;Alagados, em Salvador; e outras comunidades do Rio deJaneiro, como a Vigário Geral onde foi criado o AfroReggae,no teatro – com grupos vindos de Pernambuco e deMaputo, capital de Moçambique “O que mais impressiona

é como, às vezes, uma única pessoa faz realmentea diferença se acreditar em si mesma e se acreditarque pode transformar positivamente a vida daspessoas; seja no Afeganistão, Palestina, Sudão,Bolívia, França ou Brasil.” Conclui Natale.

“Com uma programação, gratuita, commúltiplas atividades culturais, cada ano temosgrandes surpresas Lirinha, com o monólogo“Mercadorias & Futuro” e o monólogo “MulherAsfalto” que trouxemos de Moçambique, com aatriz Lucrécia Paco. São duas obras primas,absolutamente maravilhosas e instigantes.” FalaNatale. Mas além da parte artística, a contribuição de umevento como esse vai muito mais adiante “Tenho queacreditar (e acredito) que as contribuições sãomuitas. Simbolicamente, “encurtar as distâncias”entre as pessoas (mesmo que vivam a milhares deKm de distância) é um motivo lindo para setrabalhar!” finaliza. Ainda pelo palco de evento passaramBanda AfroReggae, Leandro Sapucahy, Maurício Tizumba,Jards Macalé, Arnaldo Antunes e Stewart Sukuma.

Edson Natale também tem sido peça fundamen-tal para propagação da Litera-Rua, Literatura marginal ousimplesmente a literatura como alguns preferem “Adoroler e também (tento) escrever. Prá mim literaturamarginal é um termo, uma “sacada” inteligente,mas que no fundo é literatura, com todas asdiferenças, nuances, “sabores e texturas” quetemos na literatura do mundo todo. Gosto de olhara minha estante e ver que Sérgio Vaz, DarcyRibeiro, Milton Santos, Ferréz, Edward Said, PauloLins, Alexandre Dumas e Écio Salles convivem jun-tos, sem problemas...”

Com essa visão que Natale coordena muitasações no Itaú Cultural e nos fala um pouco sobre aproposta da instituição “O Itaú Cultural existe há 22anos e trabalha desenvolvendo projetos nasdiversas áreas (música, literatura, dança, teatro,cinema, artes visuais, ação educativa...). Ébastante abrangente e tem atuação em todoterritório nacional. Indico uma viagem pelo sitewww.itaucultural.org.br e convido os leitores paravirem aqui na Av. Paulista 149, a “casa” está semprepronta e disposta para recebê-los!”. Está aí o convite,tá esperando o que?

A abertura ficou com lançamento do documentário“Literatura e resistência”, do escritor Ferréz.

Edson Natale

“O que maisimpressiona é

como, às vezes,uma única

pessoa fazrealmente adiferença se

acreditar em simesma e se

acreditar quepode transformarpositivamente a

vida daspessoas; seja no

Afeganistão,Palestina, Sudão,Bolívia, França ou

Brasil.”

Page 15: Boletim do Kaos #4

Nessa sessão sempre trazemosnomes do passado e do presente daliteratura marginal. Nessa ediçãoMarcos Rey e Alessandro Buzo, oprimeiro foi um dos grandes autoresbrasileiros, escrevendo todo tipo delivros, novelas, propagandas. Apesardo grande sucesso só conseguiu viverda literatura no final da vida. O segundo,Alessandro Buzo, ainda não vive diretamente dos livros, mascom certeza a literatura mudou o rumo de sua vida.

Buzo como muitos o conhecem, era mais um jovem daperiferia que vivia sem a orientação do pai, mas com exemploda mãe guerreira. Como muitos outros periféricos nos anos 90,Buzo se via com poucas oportunidades, um trabalho semperspectivas e ainda o vício em cocaína. No livro “Favela TomaConta” (editora Global) ele conta sua trajetória e de como oslivros o tiraram do fundo do poço.

Primeiro um fanzine, (que deu origem a essa publicação),depois livros, o primeiro, “O trem”, foi um marco denunciandoas condições do transporte público em São Paulo. Tudo commuito trabalho e esforço como até hoje, o escritor foi além daslinhas, e como é da sua personalidade se tornou um grandeagitador cultural. Com os eventos “Favela Toma Conta” e“Suburbano no centro”, movimenta a cena do rap brasileiro,com seus blogs divulga muita gente e é referência na internet, eagora como apresentador do quadro “Buzão CircularPeriférico”, na TV Cultura, amplia seus horizontes.

Seguindo os passos de nomes como Marcos Rey, Buzo nãopara de produzir, além de toda sua correria, faz o evento“Encontro com Autor”, na sua loja no Itaim Paulista e tambémlança anualmente a coletânea “Pelas Periferias do Brasil” ondereúne autores de vários estados.

Marcos Rey era conhecidopelo pseudônimo de EdmundoDonato, ele foi um dos grandesautores da nossa literatura,passando um pouco longe de serum escritor marginal, mas umgrande exemplo de como umescritor pode atuar em váriasáreas e abordar os mais diversostemas. Ser marginal, tambémpode ser um estereótipo, e otalento de Marcos Rey vai alémde qualquer classificação.

Eleito para a AcademiaPaulista de Letras, em 1986,recebeu duas vezes o prêmioJabuti, foi redator dos seriadosVila Sésamo e Sítio do Pica-PauAmarelo, além de escrevernovelas, trabalhar em rádios,ser editor, tradutor e colunista.

Marcos chegou a vender maisde 5 milhões de cópias, o escritorenfrentou a lepra e chegou a serinternado num sanatório. Nascidoe criado no bexiga, Marcos eraboêmio, amigo de putas, grã-finos,bicheiros e banqueiros. Na suavida foram mais de 50 livros. Elesurgiu com a publicação do conto“Ninguém entende Wiu Li” naFolha de São Paulo, em 1942.

Ele começou em SP, morouno Rio de Janeiro, no bairro daLapa, mas voltou pra São Paulopara ser redator, na Rádio Ex-celsior. Em 1953 publicou oprimeiro livro ”Um gato notriângulo”, romance, quemereceu aplausos e elogiosde Oswald de Andrade.Marcos também se aventuroupela publicidade onde elemesmo diz ter aperfeiçoadosua literatura, aprendendo aser mais direto e menosredundante.

Abandonou a publicidadepara se dedicar à literatura. Em

1967 seu livro de contos “O Enterro daCafetina” recebeu o Prêmio Jabuti e“Memórias de um gigolô” foi adaptadopara o cinema e mais tarde uma minissériepara a televisão (anos 80).

“Somente ao me aproximar dos 60anos, consegui, enfim, viver de litera-tura. Foi, sim, uma batalha, e tão duraque no fim estava cansado demais paracomemorar.” disse certa vez.

No final da sua carreira, em 1992,começou a escrever crônicas semanaispara a revista Veja São Paulo. Em 1994,pela segunda vez ganha o prêmio Jabuti,da Câmara Brasileira do Livro, agora com“O último mamífero do Martinelli”.Em 1996, recebeu o Troféu Juca Patocomo intelectual do ano.

No ano de 1999, após voltar de umaviagem à Europa, Marcos Rey foiinternado para uma cirurgia, e nãoresistindo às complicações, veio a falecerno dia 1 de abril sem recuperar aconsciência.

Sobre a literatura, certa vez falou“Sempre fugi de definições. Nuncasatisfazem. Mas para mim a literatu-ra,como a poesia, o teatro, a música, apintura e a arquitetura, as artesem suma, é o espelho do tempo.Um reflexo fiel e indestrutívelda passagem do homem atravésdas gerações. Até mesmo aficção científica, voltada aofuturo, evidencia uma angústia,uma fixação atual.”

Para manter seu nome vivo aBiblioteca Marcos Rey comemora 28anos, esse ano. Situado na zona sul

no bairro do Campo Limpo,com muitas atividades e umacervo aproximado de 30 milvolumes, a biblioteca tambémdisponibiliza fitas VHS, CD’s eDVD’s, arquivo de jornais eequipamentos de infor-mática para pesquisasescolares.

End:Rua Anacê, 92Jd. Umarizal(11) 5845-2572www.marcosrey.com.br

Por Alexandre De MaioTempos diferentes, estilos diferentes,

o mesmo vicío; a l iteratura.

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