media+igual - boletim 4 - dezembro 2013

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Boletim Informativo Integra uma selecção de notícias publicadas de 1 a 31 de Dezembro de 2013, a partir da monitorização de nove títulos de imprensa escrita por- tuguesa: - dois de âmbito regional: As Beiras Diário de Coimbra - sete de âmbito nacional: Correio da Manhã Diário de Notícias Público Caras Maria Happy Woman Men’s Health Nesta edição: 1. Editorial 2/3/4. Visibilidades positivas 5. Desigualdades e estereótipos 6/7. Violência doméstica 8/9. Análise: Happy Woman 10. Análise: Men’s Health 11. Em poucas palavras 12. A fechar/ Agenda/ Agir + Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media Janeiro de 2014 04 MEDIA +igual A fechar 2013, este boletim, referente às publicações de Dezembro dos nove títulos monitorizados, vem apresentar um conjunto de 23 análises, de outros tantos 23 arti- gos selecionados pela Unidade Local de Análise de Imprensa (ULAI). Destacamos a existência de 7 artigos a que a ULAI atribuí visibilidade positiva, evi- denciando o papel positivo do algum discurso jornalístico relativamente à temática da violência doméstica, às questões de direitos de cidadania para a minoria transe- xual e à discrepância salarial entre homens e mulheres na União Europeia. As restantes 16 análises reflectem uma consensualização de cometários críticos e que queremos construtivos relativamente a notícias/artigos onde se reforçam desi- gualdades, estereótipos e assimetrias de género, bem como se utilizam abordagens sensacionalistas. A violência doméstica continua a ser um tema de destaque dada a sua predominância noticiosa, uma vez que a sua representação se mantém limitada (enfatizando situações isoladas, desculpabilizando agressores, promovendo o sensa- cionalismo) e porque não é enquadrada num contexto continuado de abusos. Ainda neste número, as análises da linha editorial e do discurso dominante das revistas Happy Woman e Men’s Health. A fechar, uma análise que apresenta como, embora dificilmente neutra, o uso da linguagem no discurso jornalístico (e não só) pode con- tribuir negativamente para reforço de estereótipos e julgamentos morais, agravados pela legitimidade dos media na opinião pública.

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Os boletins mensais do projecto MEDIA + Igual apresentam uma selecção de notícias dos media portugueses monitorizados pelo projecto e as respectivas as análises, consensualizadas no âmbito de reuniões periódicas entre os parceiros da ULAI - Unidade Local de Análise de Imprensa. O projecto MEDIA + Igual é promovido pelo IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais e apoiado pela UE-FSE / Governo de Portugal / QREN / POPH-GIG.

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Page 1: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

Boletim Informativo

Integra uma selecção de notícias

publicadas de 1 a 31 de Dezembro de

2013, a partir da monitorização de

nove títulos de imprensa escrita por-

tuguesa:

- dois de âmbito regional:

As Beiras

Diário de Coimbra

- sete de âmbito nacional:

Correio da Manhã

Diário de Notícias

Público

Caras

Maria

Happy Woman

Men’s Health

Nesta edição:

1. Editorial

2/3/4. Visibilidades positivas

5. Desigualdades e estereótipos

6/7. Violência doméstica

8/9. Análise: Happy Woman

10. Análise: Men’s Health

11. Em poucas palavras

12. A fechar/ Agenda/ Agir +

Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media

Janeiro de 2014 04

MEDIA +igual

A fechar 2013, este boletim, referente às publicações de Dezembro dos nove títulos

monitorizados, vem apresentar um conjunto de 23 análises, de outros tantos 23 arti-

gos selecionados pela Unidade Local de Análise de Imprensa (ULAI).

Destacamos a existência de 7 artigos a que a ULAI atribuí visibilidade positiva, evi-

denciando o papel positivo do algum discurso jornalístico relativamente à temática

da violência doméstica, às questões de direitos de cidadania para a minoria transe-

xual e à discrepância salarial entre homens e mulheres na União Europeia.

As restantes 16 análises reflectem uma consensualização de cometários críticos e

que queremos construtivos relativamente a notícias/artigos onde se reforçam desi-

gualdades, estereótipos e assimetrias de género, bem como se utilizam abordagens

sensacionalistas. A violência doméstica continua a ser um tema de destaque dada a

sua predominância noticiosa, uma vez que a sua representação se mantém limitada

(enfatizando situações isoladas, desculpabilizando agressores, promovendo o sensa-

cionalismo) e porque não é enquadrada num contexto continuado de abusos. Ainda

neste número, as análises da linha editorial e do discurso dominante das revistas

Happy Woman e Men’s Health. A fechar, uma análise que apresenta como, embora

dificilmente neutra, o uso da linguagem no discurso jornalístico (e não só) pode con-

tribuir negativamente para reforço de estereótipos e julgamentos morais, agravados

pela legitimidade dos media na opinião pública.

Page 2: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

02

O artigo “Respostas a inquéri-

to papal ‘filtradas’ por padres

e bispos”, publicado no Diário

de Notícias a 31 de Dezembro,

destaca-se, pela positiva, no

corpus de análise relativo ao

último mês de 2013.

Em evidência, a forma como a jor-

nalista Fernanda Câncio noticia as

adaptações portuguesas ao inquéri-

to papal (lançado pelo Vaticano e

destinado aos católicos do mundo)

e acaba por dar o alerta à invisibi-

lidade do tema da violência domés-

tica, no contexto de “situações críti-

cas no seio da família”.

Com maior pormenor, a jornalista

relata que o Patriarcado de Lisboa

optou por transformar as perguntas

de resposta aberta em opções de

resposta, de forma a facilitar o pro-

cesso. E, desta forma, a problemáti-

ca da violência doméstica ficou

ausente das respostas possíveis a

dar pelos católicos, contribuindo

para a sua invisibilidade pública.

O tratamento noticioso do tema —

que, à primeira vista, poderia não

estar directamente relacionado com

questões de assimetrias de género,

— e a desconstrução do mesmo,

contribuem assim para romper a

invisibilidade conferida à violência

doméstica.

Além disso, a própria construção

discursiva do artigo põe em evidên-

cia contradições sobre o tema. Pri-

meiro, a jornalista descreve um

documento emitido pela própria

Conferência Episcopal Portuguesa,

no qual são referidas assimetrias de

poder entre géneros, descritas

como algo que potencialmente

pode limitar “a própria realização

da mulher”. No entanto, como real-

ça a jornalista em seguida: “as

opções de resposta [do inquérito

papal] escolhidas pelo patriarcado

passam ao largo dessas constata-

ções, nunca colocando qualquer

hipótese de resposta relacionada

com a diferença de poder entre a

mulher e o homem e as dificuldades

que tal pode ocasionar na família”.

Por fim, como nota final: a listagem

dos vários métodos contraceptivos

naturais (como caixa) serve tanto

para colmatar a linguagem hermé-

tica usada no inquérito papal (que

usa a nomenclatura científica dos

métodos contraceptivos sem con-

textualização), mas também como

verdadeiro contributo público para

uma melhor informação sobre o

assunto para os/as leitores/as.

visibilidades positivas

Page 3: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

Também este artigo do Diá-

rio de Notícias, publicado a

29 de Dezembro, é realçado

pela positiva. O texto, da

autoria de Céu Neves, é dedi-

cado às vítimas de violência

doméstica que residem na

casa de abrigo da UMAR —

União de Mulheres Alternati-

va e Resposta. Assim, o dis-

curso mediático dá visibilida-

de às casas de abrigo como

meio para sair de um contex-

to familiar de violência.

Esta visibilidade acaba por ser

particularmente positiva tendo em

conta a realidade mediática em

torno do tema. Por norma, no

decorrer deste projecto de monito-

rização dos títulos de imprensa, a

violência doméstica apenas ganha

visibilidade mediática em casos de

homicídio ou detenção dos agres-

sores após um acto de violência

extremo. Esta perspectiva de

mulheres que conseguiram sair de

um contexto de violência, com a

possibilidade de poderem ‘dar a

volta’ à sua vida, assume um tom

de esperança — tão raro no discur-

so mediático relacionado com a

violência doméstica.

Em paralelo, o recurso a testemu-

nhos de mulheres vítimas de vio-

lência doméstica contribui para

um maior conhecimento da pro-

blemática, desconstruindo este-

reótipos e lugares-comuns. E este

é um discurso na primeira pessoa

que acaba também por estar

ausente na maioria dos artigos

sobre este tema.

Não obstante, o título escolhido

peca por não usar linguagem

inclusiva (“estar vivo”, usando o

masculino como universal) e por

trazer alguma ambiguidade. Não

são estas mulheres que ameaçam,

pelo que a linguagem pode preju-

dicar a mensagem pretendida.

Seria mais correcto trocar o termo

“ameaça” por “risco”.

Tendo em conta a caixa

“Perguntas&Respostas” sobre este

tema — muito positiva porque dá

informações concretas sobre asso-

ciações de apoio à vítima — seria

também relevante que surgissem

os contactos das entidades. De

qualquer das formas, é um artigo

positivo também para as associa-

ções, porque lhes dá legitimidade

e credibilidade.

03

visibilidades positivas

Page 4: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

Na sequência da informação for-

necida pela Comissão Europeia,

Público e Diário de Notícias publi-

caram, a 10 de Dezembro, breves

relacionadas com a discrepância

salarial entre homens e mulheres

na União Europeia.

O tema, pertinente, é uma das

faces visíveis das assimetrias de

géneros na esfera laboral e tem

conseguido alguma relevância

mediática (tendo em conta o perío-

do de monitorização do projecto

MEDIA+Igual).

Não obstante, o título do Público

(“Mulheres ganham em média

menos 16,2 por cento do que

homens na União Europeia”) aca-

ba por ser mais directo do que o

título escolhido no Diário de Notí-

cias (“Mulheres na UE trabalham

59 dias ‘grátis’”). Neste último, não

é imediatamente perceptível a

mensagem de assimetrias de géne-

ro na esfera laboral, já que estes

“dias grátis” podem remeter para

trabalho doméstico não remunera-

do. A ausência de contexto pode,

portanto, contribuir para a pertur-

bação da mensagem.

Ambas as notícias não deixam,

contudo, de ser destaque pela posi-

tiva, ao denunciarem mediatica-

mente estas diferenças salariais.

04

Na edição de 21 de Dezembro

do Jornal Público, o artigo

“Casal com um parceiro tran-

sexual vai poder fazer insemi-

nação artificial” traz a público

uma notícia intimamente

relacionada com questões de

direitos de cidadania para a

minoria transexual. É, por-

tanto, uma visibilidade positi-

va no conjunto das represen-

tações mediáticas, em que a

transexualidade está muitas

vezes ausente.

No entanto, apesar da visibilidade

positiva do tema, a construção do

texto é confusa e a informação

prestada pouco clara, podendo

contribuir para uma percepção

errónea da questão. Isto porque a

notícia em si (que o procedimento

de inseminação artificial seria feito

numa mulher cujo companheiro é

transexual) acaba por ser atraves-

sada por outras informações

(descrição do processo de mudan-

ça de sexo, possibilidade de conge-

lação dos ovócitos antes que os

procedimentos clínicos represen-

tem infertilidade irreversível, …).

Além disso, a caixa de texto, inti-

tulada “O homem grávido”, acaba

também por perturbar a leitura do

artigo, ao introduzir um elemento

de carácter sensacionalista.

visibilidades positivas

Page 5: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

Neste artigo do Público, de 5

de Dezembro, “Cinco grávi-

das dizem ter sido coagidas a

abortar por terem VIH/Sida”,

o destaque é sobre a discrimi-

nação de pessoas infectadas

com o vírus VIH/Sida. A visi-

bilidade a este tipo de discri-

minação é positiva, embora o

título acabe por explorar o

sensacionalismo e a discórdia

ideológica inerente ao tema

da interrupção voluntária da

gravidez (IVG).

Das várias áreas onde a discrimi-

nação é sentida (trabalho, serviços

de saúde, escola, família) e que

foram abordadas pelo estudo Stig-

ma Index Portugal, que serve de

fonte ao artigo, a questão da coac-

ção ao aborto foi a escolhida para

título. Uma vez que a percentagem

de casos ocorridos é residual, a

chamada ao título sugere uma for-

ma de aproveitar a controvérsia

que o tema da IVG suscita. É

importante relembrar, por isso, a

sensibilidade do tema e o cuidado

redobrado com que o mesmo deve

ser abordado no discurso mediáti-

co, evitando questões ideológicas.

Neste caso, nota-se alguma ausên-

cia de contexto e de justificação

para o destaque do título ter sido

este. Mesmo tendo em conta a gra-

vidade — indiscutível — da discri-

minação por parte de profissionais

de saúde, outros casos identifica-

dos seriam mais representativos

desta realidade (por exemplo: 45

mulheres pressionadas para fazer

esterilização; 84 aconselhadas a

não ter filhos).

03

Este artigo, dedicado à caracteri-

zação dos trabalhadores sexuais

masculinos de Lisboa , foi publica-

do na edição de 21 de Dezembro

do Correio da Manhã. Sob o título

“Casados procuram sexo”, o dis-

curso jornalístico apresentado é

equívoco e contribui para o refor-

ço de preconceitos contra a popu-

lação brasileira emigrante em Por-

tugal.

Ao longo da notícia, os prostitutos

de Lisboa são caracterizados ape-

nas como sendo “brasileiros e

jovens de 29 anos”. Por outro

lado, os portugueses casados são

apresentados como clientes.

No entanto, o artigo remete à invi-

sibilidade a proporção de traba-

lhadores sexuais portugueses. A

questão só é mencionada, no tex-

to, de forma ambígua: “homens

portugueses estão a encontrar no

negócio do sexo uma solução para

as dificuldades económicas”, sem

nunca existir uma menção directa

a que também existem portugue-

ses a trabalhar como prostitutos —

desvirtuando a informação da fon-

te (projecto ‘Encontros (In)

Seguros', da Liga Portuguesa Con-

tra a Sida).

05

desigualdades e estereótipos

Page 6: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

A violência doméstica conti-

nua a ser predominante nos

títulos de imprensa monitori-

zados, no que diz respeito a

questões de assimetrias entre

géneros. No entanto, a repre-

sentação desta problemática

mantém-se limitada, sem ser

enquadrada num contexto de

abusos.

Exemplo disso foi a cobertura do

homicídio de Maria Celina Franco

pelo ex-marido, em duas edições

consecutivas do Correio da Manhã.

No primeiro artigo, “Abate ex-

mulher com tiro na testa” (de 1 de

Dezembro), a forma como o dis-

curso está construído levanta dúvi-

das sobre o historial de violência

doméstica do casal. “Há relatos de

violência doméstica no casal”, lê-

se no destaque, numa construção

frásica que retira alguma credibili-

dade aos factos (ao invés, por

exemplo, de uma frase afirmativa

como “existia um passado de vio-

lência doméstica no casal” ).

Também o verbo usado no título

(“abate”) acaba por ser negativo.

A palavra está muito associada à

morte de animais, pelo que o seu

uso pressupõe uma despersonali-

zação da vítima.

O artigo do dia seguinte (“A vida

da Celina era um inferno”) assume

uma dimensão muito oposta. A

começar no título, no qual a

expressão “inferno” remete para

uma continuidade de maus tratos.

Ao longo do texto, é também refor-

çado o contexto de violência e a

sequência de ameaças de que Celi-

na era vítima — de forma muito

mais legitimada e assertiva do que

no primeiro artigo.

Esta diferença entre as notícias de

um mesmo jornal acaba por

demonstrar que, com mais tempo

para trabalhar nos artigos, o con-

texto sai mais valorizado no dis-

curso jornalístico.

violência doméstica

06

No artigo “Marido ciumento ataca

à facada”, publicado a 22 de

Dezembro no Correio da Manhã,

estamos novamente perante um

discurso que enfatiza apenas um

acontecimento isolado e com

carácter justificativo das acções do

agressor. Ao longo do início do

texto (tanto no título, como na

entrada e no primeiro parágrafo da

notícia), o texto estabelece um

cenário de justificação para o com-

portamento do agressor (“Américo

Valente pensava que Elisa tinha

outro homem”/“movido por ciú-

mes”). Contudo, ao longo do texto,

acaba por ser descrito todo um his-

torial de violência doméstica que

tinha levado, anteriormente, a que

a vítima saísse de casa. O início

sensacionalista do artigo perturba,

portanto, a representação da vio-

lência doméstica como problema

continuado e injustificado.

Page 7: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

violência doméstica

07

Em mais um artigo, de 30 de

Dezembro, do Correio da

Manhã dedicado a um caso de

violência doméstica, observa-

-se a representação dos acon-

tecimentos de forma a enfati-

zar o seu carácter insólito,

uma opção que retira serieda-

de ao crime, do ponto de vista

da percepção pública.

Sob o título “Faz queixa à GNR

para ter sexo diário”, o artigo real-

ça o ponto de vista do agressor

(que veio a ser acusado de viola-

ção) e não da vítima. Além disso,

ao não existir uma desconstrução

desta “queixa à GNR” no título , o

discurso acaba por, de certa forma,

dar alguma legitimidade às preten-

sões do agressor. Ainda ao nível da

linguagem, e tendo em conta a res-

ponsabilidade dos media na for-

mação de uma opinião pública, é

de ressalvar negativamente a for-

ma como o texto se inicia: “um

homem tem de ter pito de manhã e

à noite e a mulher tem de dar”,

citando o agressor, mas sem aspas

a iniciar a frase. Mais uma vez, a

preferência pelo sensacionalismo,

ao invés de uma abordagem séria,

faz com que se reproduzam nos

discursos mediáticos estes usos de

linguagem de calão, discriminató-

rios, sexistas e que — sendo usados

para iniciar um texto, de forma

acrítica — contribuem para o

reforço de assimetrias de género.

outras perspectivas

Por outro lado, o Diário de Notí-

cias abordou o tema da violência

doméstica do ponto de vista das

forças de segurança. Este artigo

(“Crime de violência doméstica

aumenta em Lisboa e Porto”),

publicado a 23 de Dezembro, dá

visibilidade mediática ao facto de

este ser o único tipo de criminali-

dade violenta que tem aumentado,

ao invés de um ênfase em casos

isolados. Desta forma, há uma

maior percepção da violência

doméstica como problemática

social. Contudo, falta informação

no que concerne à evolução do

número de denúncias. Só assim é

claro se o aumento do crime de

violência doméstica se deve a um

maior número de detenções ou de

denúncias. Também o único exem-

plo apresentado, de um caso espe-

cífico, surge descontextualizado.

Page 8: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

08

Entre a selecção do mês de

Dezembro para o boletim

MÉDIA+Igual, salientaram-se

vários artigos da revista

Happy Woman. Por essa

razão, entendeu-se importan-

te fazer uma análise mais

aprofundada à linha editorial

da publicação e discurso pre-

dominante, tal como reflecti-

dos nesta edição de Dezembro.

No geral, os artigos aqui selecciona-

dos representam uma visão genera-

lizada e bipolarizada de homens e

mulheres. Com um tom frequente-

mente tutorial, a linguagem usada

adopta como incontestável um con-

junto de estereótipos e de julga-

mentos apresentados como “guia

prático” a um ideal de mulher

moderna, público-alvo da revista.

O artigo “Os looks que eles

detestam” (ver imagem abaixo) é

disso exemplo. Trata-se de um tex-

to em tom tutorial que reforça a

ideia de que as mulheres devem

vestir-se para agradar os homens,

através da apresentação das

peças de roupa que “eles” mais

detestam que “elas usem”. Os

dados reportam-se a um inqué-

rito do site Lovestruck, cuja

legitimidade é duvidosa. Aliás,

acaba por ser frequente, neste

tipo de artigos, o recurso a fon-

tes do tipo documental

(estudos, relatórios) como for-

ma de dar credibilidade ao seu

conteúdo (muito embora estas

fontes careçam de alguma legiti-

midade pública).

Além disso, as opiniões dos ele-

mentos masculinos que respon-

deram ao inquérito encontram-se

reproduzidas de forma acrítica, sem

nenhuma desconstrução. Por exem-

plo, a frase “Bronzeado artificial:

56% detesta os tons escuros dos

auto-bronzeadores, que dão uma

imagem «ordinária»” acaba por

reforçar estereótipos pejorativos

que relacionam o aspecto das

m u l h e r e s à s u a s u p o s t a

’promiscuidade’. Um estereótipo

repercutido no texto, sem ser ques-

tionado, ganhando por isso legiti-

midade mediática.

análise: Happy Woman

Page 9: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

Há também exemplos positivos,

como o artigo “Drogas, sexo e

anorexia — A verdade que o uni-

verso da moda preferia escon-

der” (na página à esquerda, em

destaque), que dá visibilidade à

hipocrisia no mundo da moda,

desconstruindo o que está por

detrás desta ’beleza ideal’ das

modelos. Ao longo do texto, são

apontados casos de anorexia e

bulimia, assim como outras práti-

cas perigosas que estas mulheres

adoptam para atingirem uma

magreza extrema. Além disso, são

também relatados casos de abuso

de drogas e de violações por parte

de agentes/bookers.

Esta visibilidade é importante

para desmontar estereótipos sobre

a ‘beleza ideal’ associada à magre-

za extrema e sobre a própria pro-

fissão de modelo. Falta explorar,

no entanto, as questões de assime-

trias de géneros que estão na raiz

dos problemas mencionados.

Também a caixa relativa a

“Escândalos made in Portugal”

apresenta informação mais escas-

sa do que o artigo principal, reme-

tendo mais para ‘boatos’ do que

dados concretos.

No entanto, o aspecto mais crítico

é a aparente ausência de conse-

quência do conteúdo do artigo a

nível interno. O texto descreve a

anorexia e a obsessão doentia das

modelos em serem magras. No

entanto, o artigo é acompanhado

por imagens de modelos num

ambiente de glamour, que não

combinam com o assunto tratado

no texto. Além disso, na própria

edição e em edições seguintes,

continuam a surgir modelos mui-

to magras associadas a atributos

positivos — tanto de forma explíci-

ta ou implícita. Desta forma, há

uma duplicidade entre aquilo que

é publicado no artigo e a forma

como o imaginário construído ao

longo da revista acaba por reforçar

exactamente o oposto.

Por fim, o artigo “One Night

Stand — o que eles pensam”

apresenta a visão dos homens

(representados como um “eles”,

generalizados) sobre as mulheres

que fazem sexo casual. Num tom

narrativo, com recurso a vários

testemunhos na primeira pessoa,

o artigo recorre, novamente, a

uma visão estereotipada das rela-

ções, numa óptica exclusivamente

heteronormativa. Além disso,

pode ler-se em destaque, na

segunda página, “Desde que estou

sozinho, tenho tido sexo fugaz. Sei

que não vou encontrar ninguém

‘decente’ deste modo, mas vou-me

entretendo”. A escolha editorial de

pôr este testemunho em destaque,

ao invés de outros menos sexistas,

está a dar legitimidade a estas

assimetrias de género, que

impõem diferentes ’exigências’

morais às mulheres em relação ao

sexo.

09

análise: Happy Woman

Page 10: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

10

Em paralelo com a análise

anterior, aos conteúdos e lin-

guagem usada na revista

Happy Woman de Dezembro,

optou-se igualmente por uma

observação crítica aos con-

teúdos da Men’s Health. Até

porque, em vários aspectos,

existem semelhanças em

relação à linguagem usada

em ambas as publicações,

embora tendo em conta

públicos-alvo distintos.

Ao longo da revista, as imagens

das mulheres são, na sua maioria,

objectificadas e sexistas. O tom

discursivo assume, tal como na

Happy Woman, um carácter tuto-

rial, em que a generalização e os

estereótipos são constantes. O dis-

curso-guia presente assume regras

como “faça isto” ou “faça aquilo”,

legitimando a generalização de

homens e mulheres, num texto

sempre heteronormativo. Devido

à legitimidade do discurso jorna-

lístico e à forma como o mesmo é

construído na Men’s Health, os

conselhos e tutoriais apresentados

são reforçados como quase

’ditadura’ sobre aparência, hábi-

tos, saúde e sexualidade.

No artigo “Descubra se ela mente

pelo Facebook” (ao lado), estamos

novamente perante o recurso a

fontes do tipo documental numa

tentativa de legitimação dos con-

teúdos apresentados. Neste caso,

o artigo refere um estudo conduzi-

do por Catalina Toma, da Univer-

sidade de Wisconsin-Madison,

como base para enumerar várias

formas para descobrir se uma

mulher mente pelo Facebook.

Além desta generalização, que não

tem em conta a amostra do estudo

(não mencionada), é importante

realçar como as conclusões do

estudo acabam por ser simplifica-

das e, até, deturpadas. O artigo

científico original, “Separating

Fact From Fiction: An Examina-

t i o n o f D e c e p t i v e S e l f -

Presentation in Online Dating

Profiles”, apresenta tendências de

mentiras por parte de homens e

mulheres, embora existindo assi-

metrias sobre os aspectos que são

escondidos. Já no texto da Men’s

Health, as mulheres são apresen-

tadas como as únicas que mentem

na rede social, contribuindo para a

construção de estereótipos e novas

assimetrias entre géneros.

Nos outros dois artigos apresenta-

dos, “6 erros a evitar na cama!

Cuidado!” (em baixo, à direita) e a

lista de vários conselhos de sexo,

saúde e fitness (em cima), verifica

-se exactamente este carácter

tutorial e generalista, em que a

relação entre géneros (vista sem-

pre de forma binária e oposta, em

que um “eles” se opõe a um “elas”)

é abordada numa lista estandardi-

zada de ‘certos’ e ‘errados’, não

havendo lugar para a espontanei-

dade, nem para a pessoa específica

fora do estereótipo legitimado.

Este tipo de discurso resulta ainda

numa centralidade do homem

como único agente responsável

pelo sucesso da relação sexual. Por

fim, nota à imagem escolhida para

ilustrar o artigo em baixo — ape-

sar do corpo feminino ser domi-

nante, a cara não aparece, repre-

sentando uma despersonalização

da mulher, reduzida apenas à sua

relação corpo-objecto.

análise: Men’s Health

Page 11: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

Apesar da visibilidade positiva do tema, este tipo de

títulos (“Primeira professora travesti do país”) acaba

por reforçar as assimetrias que tenta desconstruir.

O percurso de Luma de Andrade é certamente notá-

vel, mas a forma como o título e o texto estão cons-

truídos transmitem a mensagem de que Luma atin-

giu este percurso académico, ‘apesar de’ ser

“travesti”. Ou seja, acabam por ser reforçadas carac-

terísticas individuais de excepção, num discurso que

não é inclusivo. Neste sentido, o artigo recai exacta-

mente nas lacunas discursivas de notícias que desta-

cam “primeiras mulheres” a ocupar certos cargos ou

serem distinguidas publicamente. Ou seja, uma

redução ao género que menoriza a pessoa em ques-

tão. Além disso, há um uso ambíguo da palavra

“travesti”, expressada no título e repetida ao longo

do texto. A mudança oficial de nome (de masculino

para feminino) indica que se trata de uma transexual

e não de uma travesti. No entanto, em pesquisas

posteriores, verificou-se que a própria Luma prefere

ser identificada como travesti. Seria importante que

esta desconstrução dos termos (travesti e transe-

xual) estivesse presente no próprio artigo.

11

em poucas palavras

Este é mais um exemplo explícito de sexismo e

objectificação do corpo da mulher nos conteú-

dos editorais de um jornal. Na secção “Fora de

Jogo”, dedicada a notícias ligadas ao desporto,

a notícia “Kayra: Preferência por atletas” surge

apenas como pretexto para a imagem, em des-

taque de página inteira, da modelo nua. O pró-

prio texto acaba ainda por reforçar um estereó-

tipo de corpo ideal (“adora fazer musculação

sem perder a graciosidade feminina, garante”).

À semelhança de vários exemplos anteriores moni-

torizados, estamos novamente perante uma legiti-

mação dos estereótipos do corpo feminino ideal,

associados à beleza e à idade, através do discurso

mediático. O entrevistador pergunta à modelo

(que tinha, na altura, 29 anos) se esta tem medo

de envelhecer e é exactamente esta questão que é

mencionada no título. Desta forma, o título suben-

tende que é raro (e, portanto, notícia) que Carla

Matadinho lide “muito bem” com a idade.

Correio da Manhã, 07/12/2013 Correio da Manhã, 05/12/2013

Diário de Notícias, 15/12/2013

Page 12: Media+Igual  - Boletim 4 - Dezembro 2013

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créditos

Edição: IEBA—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Dezembro 2013 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua | [email protected]

12

a fechar Dificilmente neutra, o uso da

linguagem no discurso jorna-

lístico (e não só) pode contri-

buir negativamente para

reforço de estereótipos e jul-

gamentos morais, agravados

pela legitimidade dos media

na opinião pública. Exemplo

disso é a forma como este

caso de violação foi abordado

pelos jornais, que reduziram

a vítima à sua condição de

prostituta.

A associação de vítimas ou agres-

sores a profissões acaba por refor-

çar estereótipos e fomentar julga-

mentos públicos. Neste caso, a

redução da vítima a prostituta des-

credibiliza a queixa de violação, já

que se trata de trabalho sexual.

Essa questão já seria visível no

título do Público de 13 de Dezem-

bro, “Prostituta violada por três

homens em Campanhã”, mas aca-

ba por ser mais negativa no artigo

do DN do mesmo dia, “Prostituta

diz que foi atacada e violada por

três homens”. Mesmo tendo em

conta que qualquer queixa deve ser

tratada com cuidado pelos media,

até à sua confirmação em tribunal,

o facto é que o DN reforça, em

múltiplas ocasiões ao longo do tex-

to, o uso de linguagem que instiga

desconfiança e discriminações

implícitas (“diz que foi atacada”;

“suposta violação”; “de acordo com

a versão contada pela prostituta”).

agenda

Reunião MEDIA + Igual

13 de Fevereiro

Casa de Chá, Jardim da Sereia

Coimbra

14h00

agir +

Projecto GIRA | Gerar Iniciativas e Realidades Alternativas

Com apoio da CIG — Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, a Graal está

a promover o projecto GIRA | Gerar Iniciativas e Realidades Alternativas até Junho

de 2014. A iniciativa, a decorrer em Coimbra, visa a capacitação de mulheres em

situação de desemprego. Para tal, a entidade (que é também parceira do projecto

MEDIA+Igual) promove uma intervenção em rede com instituições da cidade,

resolvendo problemas e transformando o quotidiano, numa lógica de cidadania par-

ticipativa e igualdade de género. Nesse âmbito, realizou-se, a 28 de Janeiro, a Tertú-

lia GIRA, de forma a promover o debate público sobre o desemprego feminino e a

inserção de mulheres no mercado de trabalho.

Para mais informações sobre o projecto GIRA, consulte: http://graal.org.pt