media + igual - boletim 1, set. 2013

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Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media Outubro de 2013 01 MEDIA + Igual O IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais iniciou, em 2011, uma linha de traba- lho que visa promover a igualdade e a não discriminação pelos media, designadamente, pela imprensa escrita. Neste contexto, entre 2011 e 2013, o IEBA foi parceiro do projecto Europeu “ In Other Words”, cujos resultados estão disponíveis e acessíveis em http://www.inotherwords- project.eu/ . Com este projecto foi constituída uma parceria local—designada ULAI Unidade Local de Análise de Imprensa - que integrava entidades de representação, defesa de causas e intervenção sedeadas em Coimbra, cuja voz activa e competências foram essenciais para analisar notícias estereotipadas e discriminatórias, identificadas em 10 jornais nacionais e locais de referência. Os resultados deste projecto e o trabalho da ULAI mostraram-se bastante frutíferos, pelo se procurou dar continuidade a este trabalho. A oportunidade surgiu com a candidatura e sub- sequente aprovação deste novo projecto designado MEDIA + Igual, no qual se mantém a metodologia de trabalho baseada na parceria entre as mesmas entidades da ULAI. O objectivo é promover a igualdade de género nos media, através da monitorização de 9 títulos da imprensa nacional (ver caixa ao lado), da realização de debates públicos mensais, da publicação de boletins informativos com comentários sobre conteúdos discriminatórios e estereotipados e pela organização de sessões de sensibilização sobre temas (in)visíveis e sobre a utilização de linguagem objectiva e inclusiva pela comunicação social. Este primeiro boletim informativo mostra os resultados do primeiro mês de monitorização - Setembro de 2013. Outros se seguirão, mensalmente, até Junho de 2014. Boletim Informativo Integra uma selecção de notícias publicadas de 1 a 30 de Setembro de 2013, a partir da monitoriza- ção de nove títulos de imprensa escrita portuguesa: - dois de âmbito regional: As Beiras Diário de Coimbra - sete de âmbito nacional: Correio da Manhã Diário de Notícias Público Caras Maria Happy Woman Men’s Health Nesta edição: 1. Editorial 2. Violência doméstica 3. Violência sexual 4. Desigualdades e estereótipos 5. Pela positiva 6/7. Especial Autárquicas 2013 8/9. Em poucas palavras 10. O projecto

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Os boletins mensais do projecto MEDIA + Igual apresentam uma selecção de notícias dos media portugueses e as respectivas as análises, feitas no âmbito de reuniões periódicas entre os parceiros da ULAI - Unidade Local de Análise de Imprensa. Projecto promovido pelo IEBA e apoiado pela UE-FSE / Governo de Portugal / QREN / POPH-GIG.

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Page 1: MEDIA + Igual - Boletim 1, Set. 2013

Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media Outubro de 2013 01

MEDIA + Igual O IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais iniciou, em 2011, uma linha de traba-

lho que visa promover a igualdade e a não discriminação pelos media, designadamente,

pela imprensa escrita.

Neste contexto, entre 2011 e 2013, o IEBA foi parceiro do projecto Europeu “In Other

Words”, cujos resultados estão disponíveis e acessíveis em http://www.inotherwords-

project.eu/. Com este projecto foi constituída uma parceria local—designada ULAI Unidade

Local de Análise de Imprensa - que integrava entidades de representação, defesa de causas

e intervenção sedeadas em Coimbra, cuja voz activa e competências foram essenciais para

analisar notícias estereotipadas e discriminatórias, identificadas em 10 jornais nacionais e

locais de referência.

Os resultados deste projecto e o trabalho da ULAI mostraram-se bastante frutíferos, pelo se

procurou dar continuidade a este trabalho. A oportunidade surgiu com a candidatura e sub-

sequente aprovação deste novo projecto designado MEDIA + Igual, no qual se mantém a

metodologia de trabalho baseada na parceria entre as mesmas entidades da ULAI.

O objectivo é promover a igualdade de género nos media, através da monitorização de 9

títulos da imprensa nacional (ver caixa ao lado), da realização de debates públicos mensais, da

publicação de boletins informativos com comentários sobre conteúdos discriminatórios e

estereotipados e pela organização de sessões de sensibilização sobre temas (in)visíveis e

sobre a utilização de linguagem objectiva e inclusiva pela comunicação social.

Este primeiro boletim informativo mostra os resultados do primeiro mês de monitorização -

Setembro de 2013. Outros se seguirão, mensalmente, até Junho de 2014.

Boletim Informativo

Integra uma selecção de notícias

publicadas de 1 a 30 de Setembro

de 2013, a partir da monitoriza-

ção de nove títulos de imprensa

escrita portuguesa:

- dois de âmbito regional:

As Beiras

Diário de Coimbra

- sete de âmbito nacional:

Correio da Manhã

Diário de Notícias

Público

Caras

Maria

Happy Woman

Men’s Health

Nesta edição:

1. Editorial

2. Violência doméstica

3. Violência sexual

4. Desigualdades e estereótipos

5. Pela positiva

6/7. Especial Autárquicas 2013

8/9. Em poucas palavras

10. O projecto

Page 2: MEDIA + Igual - Boletim 1, Set. 2013

Por outro lado, é também possível

encontrar exemplos positivos na

cobertura mediática de casos de vio-

lência doméstica. No artigo do Diário

de Notícias, de 16/09/2013, “Vigília

por portuguesa vítima de violência

doméstica em Espanha”, a lingua-

gem usada assume um carácter dis-

tinto do exemplo acima. Ao longo

deste texto jornalístico, não são

dadas justificações atenuantes do

crime. Pelo contrário, o caso é inte-

grado na problemática generalizada

da violência doméstica.

Esta interpretação do crime inteira-

do num problema social acaba por

ser ancorada tanto na própria lingua-

gem jornalística, como através das

fontes citadas (“o presidente da

Câmara de Verín, Juan Manuel

Jiménez Morán, qualificou esta mor-

te como «um atentado contra inte-

gridade, dignidade e liberdade» da

mulher portuguesa” / “segundo a

deputada [Laura Seara], «trata-se de

mais um caso que vai engrossar a

grande lista de vítimas de violência

doméstica em Espanha» [...] vítima

«de um mal social que não se pode

perder de vista por um momento»”).

Atenção, no entanto, à forma como a

nacionalidade do agressor é realçada.

Uma vez que este aspecto identitário

não tem relevância para o crime em

questão, a linguagem poderá promo-

ver atitudes discriminatórias.

violência doméstica

outras perspectivas

02

Da monitorização às publica-

ções realizada no âmbito do

projecto, as questões de vio-

lência doméstica e violência

sexual destacam-se como um

dos temas mais frequentes.

Não obstante, na maioria dos

exemplos analisados neste

mês de Setembro, os crimes

são apresentados pelos media

como casos pontuais, dissocia-

dos de problemáticas sócio-

-culturais e de assimetrias de

género profundas.

O artigo à direita, “Mata ex-mulher

e rival a tiro”, na edição do Correio

da Manhã de 18/09/2013, é exacta-

mente um desses exemplos, em que

o crime é descrito de forma isolada,

sem ser abordado como problema

social. Além disso, as

‘justificações’ apresentadas

para o duplo homicídio resul-

tam numa culpabilização da

vítima. Como subtítulo, “Maria

Adélia, 55 anos, trocou marido

pelo patrão há uma semana.

Ontem, casal foi buscar bens

mas acabou executado” aponta

um motivo. Mais, a notícia cita

ainda um vizinho que afirma

“ela andava mesmo a provocá-

lo e o homem perdeu-se”. Por

fim, o discurso jornalístico

acrescenta que “o homicida -

também agiu porque a mulher que-

reria deixar dívidas do casal apenas

a seu cargo”.

Em conclusão, neste exemplo do

Correio da Manhã, o acto de violên-

cia doméstica surge a par de uma

justificação, que serve de atenuante

ao crime cometido. Induz, por isso,

um grau de culpabilização à própria

vítima - pelos actos prévios e

“provocação” — acentuando assi-

metrias de género na sociedade.

Page 3: MEDIA + Igual - Boletim 1, Set. 2013

violência sexual

No âmbito do MEDIA + Igual, a ULAI decidiu

dar destaque, pela negativa, à cobertura da

agressão sexual a uma estudante, em Coimbra,

por vários dos órgãos de comunicação monito-

rizados. Em comum, a culpabilização da vítima

pela violação, em virtude do seu comportamen-

to, desculpabilizando o agressor.

No caso do artigo do diário As Beiras, de 20/09/2013,

a própria escolha de palavras no título (“Estudante diz

ter sido vítima de violação em Coimbra”) remete, desde

logo, para uma desconfiança em relação à vítima e à

acusação feita. Esta é, aliás, uma construção frásica que

se repete ao longo do texto.

Por outro lado, os artigos do Diário de Notícias

(“Jovem violada após aceitar boleia”) e do Correio da

Manhã (“Forçada a sexo após diversão”) culpabilizam a

vítima por ter aceite a boleia de um estranho. A relação

entre o acto da estudante e a agressão posterior é posta

em evidência nos dois artigos.

Realce-se, por exemplo, o destaque do Correio da

Manhã: “vítima deixou que rapaz que acabara de

conhecer a levasse a casa”. Há aqui um julgamento

moral sobre as acções da vítima (“rapaz que acabara de

conhecer” ), além de que o uso do verbo ‘deixar’ pressu-

põe um consentimento explícito — logo, mais uma vez,

desculpabilizando o agressor e julgando as acções da

estudante. O destaque dado à “diversão” funciona

igualmente como uma forma de ajuizar as acções da

vítima e de condenação do seu comportamento prévio

à agressão.

Daí que as escolhas de linguagem empregues na cober-

tura noticiosa do acontecimento contribuam para que

se mantenham estereótipos comportamentais, relacio-

nados com o género e com os perfis agressor/vítima. À

vítima é exigido, de forma pública, recato (a “diversão”

é apresentada como condenável) e um comportamento

adequado, sendo culpabilizada pelas suas acções. Já o

agressor não é sujeito à mesma avaliação moral de

comportamentos, acabando por ser parcialmente des-

culpabilizado pela forma como o discurso jornalístico

constrói a imagem da vítima.

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Page 4: MEDIA + Igual - Boletim 1, Set. 2013

Mesmo abordando a violência no

namoro, as assimetrias de género

acabam por ficar ausentes neste

artigo do Público (10/09/2013). O

título é ambíguo por não usar uma

linguagem inclusiva (“Aos 21 anos,

18% dos jovens já agrediram namo-

rado”) e, com este uso do masculino

como linguagem aparentemente

neutra, a violência no namoro apa-

renta ser, à primeira leitura, simé-

trica entre homens e mulheres. Ape-

nas a meio do texto se refere que “as

raparigas são mais vítimas enquan-

to os rapazes são mais agressores”.

Contudo, esta informação é dada

entre parêntesis e carece de maior

contexto. Além disso, a citação

usada (“é uma elevada percenta-

gem de jovens que, ainda numa

fase de namoro, já aceita este tipo

de comportamentos violentos”)

pressupõe uma culpabilização das

próprias vítimas.

De forma até caricata, a infografia

que acompanha o texto reforça

assimetrias de género. No que se

refere aos “fumadores por sexo”,

o símbolo feminino é o mais

pequeno, apesar de representar a

maior percentagem.

Dois pesos, duas medidas. É

esta a leitura da notícia

“Apenas quatro mulheres

entre os incendiários detidos”,

da edição de 08 de Setembro

do jornal Público.

Ao longo do texto, há uma dualida-

de de critérios na forma como são

caracterizados incendiárias e incen-

diários. Quando se trata das mulhe-

res, o critério de análise está asso-

ciado a questões do foro psicológico

(“depressões”, “gestão das emo-

ções”). Já o “perfil dominante” dos

incendiários, associado ao género

masculino, é baseado em caracterís-

ticas socio-económicas (nível de

escolaridade e emprego).

Há, portanto, assimetrias na forma

como são apresentados mulheres e

homens, neste contexto discursivo.

Seria interessante, por exemplo,

verificar também o perfil sócio-

-económico das mulheres incendiá-

rias, além dos factores psicológicos

associados. Além disso, o subtítulo

escolhido é bastante problemático,

tanto porque reflecte esta dicotomia

de critérios usados no texto, mas

também porque resulta de uma

generalização abusiva. Do estudo

citado no texto, apenas uma das

mulheres da amostra foi associada a

problemas conjugais — do subtítulo

entende-se que este seria um perfil

generalizado da amostra em causa.

Desta forma, as mulheres conti-

nuam a ser reduzidas a questões da

esfera privada, como justificação de

actos públicos.

desigualdades e estereótipos

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Page 5: MEDIA + Igual - Boletim 1, Set. 2013

Por motivos semelhantes, também outro artigo do Público

ganha destaque positivo no boletim MEDIA + Igual relativo

ao mês de Setembro. Intitulada “Portuguesas com menos 12

anos de vida com qualidade”, esta notícia aborda e desconstrói

a raiz das desigualdades de género na qualidade de vida em

Portugal: assimetrias de condições sociais.

A partir de um relatório Europeu, a jornalista destaca a con-

clusão de que há mais desigualdades em Portugal do que a

média Europeia. Desta forma, o discurso jornalístico cumpre

uma das suas funções cruciais de promoção de um debate

informado dos vários públicos sobre a realidade actual, de for-

ma a quebrar estereótipos e impulsionar mudanças positivas.

Não obstante, é curioso que, apesar do texto se centrar na qua-

lidade de vida das portuguesas, a imagem ilustrativa destaque

um homem. Há, desta forma, informação contraditória entre

texto e imagem, numa primeira leitura.

pela positiva

Nem todos os artigos seleccionados

pela ULAI são exemplos negativos de

manutenção de estereótipos de género

e assimetrias. Pelo contrário, o artigo

do Público de 03 de Setembro, “A

«independência económica e simbólica

das mulheres» está em risco” é uma

referência positiva de desconstrução da

realidade socio-económica, contribuin-

do para uma reflexão plural em torno

das desigualdades existentes.

O artigo faz uma análise exaustiva das assime-

trias de género acentuadas pela crise econó-

mica e precariedade laboral. É de valorizar o

discurso jornalístico em causa, uma vez que

estabelece uma relação entre economia e

género, não se baseando em estereótipos e

recorrendo a uma diversidade de fontes

(documentais e humanas).

Em paralelo, a notícia reconhece ainda a

importância da história feminista: “a indepen-

dência económica sempre fora uma das ban-

deiras feministas”, pode ler-se no texto.

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Page 6: MEDIA + Igual - Boletim 1, Set. 2013

especial Autárquicas 2013

Tanto a esfera política, como a

esfera económica são exem-

plos paradigmáticos da sub-

representação das mulheres

em cargos de decisão. Nesse

sentido, adquire especial

importância perceber como é

que os media constroem em

discurso jornalístico uma cam-

panha eleitoral (momento

essencial de um regime demo-

crático), tendo em conta as

desigualdades de género exis-

tentes. As eleições autárquicas

de 2013, que tiveram lugar em

Setembro, foram, por isso,

ponto obrigatório de análise

no âmbito deste projecto.

Uma das principais conclusões é de

que não houve uma abordagem

comum ou transversal da campa-

nha, no que diz respeito a questão

de (des)igualdades de género. Des-

de a manutenção de estereótipos à

tentativa da sua desconstrução, pas-

sando pela formação de novas assi-

metrias, tudo isto foi visível nos títu-

los de imprensa monitorizados. De

realçar, a este respeito, que uma

cobertura de campanha inclusiva e

equitativa teria potencial para for-

mar uma opinião pública mais críti-

ca das assimetrias de género existen-

tes na esfera política. A selecção de

artigos aqui apresentados sobre a

campanha para as eleições autárqui-

cas tenta espelhar a realidade do que

foi encontrado nos títulos de

imprensa monitorizados, conside-

rando aspectos negativos e positivos

dos discursos encontrados. O objec-

tivo? Abrir uma janela de discussão

alargada sobre a invisibilidade das

mulheres na política e, em paralelo,

perceber como são desconstruídas

(ou reforçadas) as assimetrias de

género nesta esfera.

Nesta página, destaque para dois

artigos do Diário de Notícias de

22/09/2013 (à esquerda) e de

25/09/2013 (à direita), que retratam

o ambiente de campanha e que,

pelos discursos em causa, permitem

reflectir sobre as questões de género

inerentes. No primeiro, “As mulhe-

res são mais duras”, o tipo de texto

jornalístico recai na categoria de

artigo interpretativo. É positivo que

o artigo tente desconstruir estereóti-

pos e dar visibilidade à presença das

mulheres na esfera política, ao des-

tacar a candidata do Bloco de

Esquerda, Catarina Martins. Contu-

do, o texto acaba por reduzir a can-

didata unicamente ao seu género (lê-

se, no subtítulo, “Ser mulher parece

ser, para Catarina Martins, um fac-

tor de notoriedade, carinho e admi-

ração pela sua combatividade”).

Também a forma como uma das fon-

tes jornalísticas é descrita - “61 anos

bem conservados, cabelo louro

arranjado e figura de pin up” - pode

originar interpretações dúbias.

Também o artigo intitulado “Ai se os

nossos maridos estão a ver isto” se

pauta por um tom jornalístico mais

livre e interpretativo. Porém, a cons-

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Page 7: MEDIA + Igual - Boletim 1, Set. 2013

trução discursiva usada é bastante

distinta. Por um lado, estamos

perante dois políticos do género

masculino que são reduzidos ao seu

género e à relação corpo/objecto.

Há, portanto, uma inversão das

assimetrias de género existentes.

No entanto, o tom nitidamente

‘caricato’ do texto reforça que esta

assimetria de género é, sobretudo,

pontual e fora de norma.

Além disso, este exemplo reforça os

estereótipos associados às mulheres

de classe baixa que trabalham nos

mercados tradicionais. Numa

cobertura ‘típica’ de campanha elei-

toral, estas mulheres são frequente-

mente reduzidas à enunciação de

um ou outro piropo, ou de comen-

tários fúteis, sem conteúdo político

relevante.

Já o título do artigo “«Mini-saia»

aquece campanha em Oliveira do

Hospital”, na edição de 25 de

Setembro 2013 do Diário de Coim-

bra, reforça estereótipos de género

e uma linguagem sexista. Em causa,

na notícia, estão as afirmações do

candidato à presidência da Câmara

Municipal de Oliveira do Hospital,

José Carlos Alexandrino, que, em

relação à candidatura adversária

liderada por uma mulher, considera

que “não bastava ter umas pernas

jeitosas e usar mini-saia para ser

presidente da Câmara”. Ora, o facto

de o título manter o sexismo das

declarações do candidato — sem

que sejam desconstruídas ou con-

textualizadas — faz com que haja

uma dupla menorização pública e

objectificação da mulher em causa

(a candidata Cristina Oliveira).

O sexismo é assim reforçado em

virtude das escolhas jornalísticas de

discurso ao nível do título, mesmo

que, ao longo do texto, as declara-

ções originais sejam colocadas em

contexto, havendo também o con-

traditório de Cristina Oliveira.

Por fim, e ainda na imprensa local,

o diário As Beiras destacou, a 17 de

Setembro 2013, as desigualdades de

género nas listas para as eleições,

dando eco a um comunicado de

imprensa da UMAR - União de

Mulheres Alternativa e Resposta. A

análise crítica desta questão, que

permite o debate sobre a sub-

representação das mulheres como

cabeças de lista às autárquicas, é de

louvar. Contudo, há que chamar a

07

atenção para a forma como o título

está construído: “UMAR diz que

mulheres são «figuras de adorno»”.

A construção frásica é dúbia e pode

induzir o/a leitor/a em erro, uma

vez que dá a entender que, ao invés

de uma crítica aos partidos políti-

cos, é a própria UMAR que crítica

estas mulheres e as rotula como

figuras de adorno.

especial Autárquicas 2013

Page 8: MEDIA + Igual - Boletim 1, Set. 2013

em poucas palavras

08

Do desporto à sociedade, a escolha da linguagem nas várias secções dos jornais e revistas pode

reforçar assimetrias de género no discurso jornalístico e, deste modo, contribuir para a

manutenção de estereótipos e discriminação.

“Domingos Gonçalves ganha e é o novo camisola amarela”,

in Diário de Coimbra, 06 /09/2013

O que aqui chama a atenção, pelo negativo, é a escolha da ima-

gem ilustrativa e a legenda que a acompanha (“Domingos Gon-

çalves teve a devida recompensa na Sertã”). A legenda, intencio-

nalmente ambígua na referência à “devida recompensa”, vem

reforçar o sexismo inerente à imagem escolhida e a objectificação

das mulheres como prémios de uma prova masculina de alta-

competição. Contribui, por isso, para a manutenção de estereóti-

pos de género.

“Kate Moss despe-se na ‘Playboy’”, in Correio da Manhã, 20/09/2013

“Kate Moss despe-se na Playboy” estabelece um ideal de

corpo feminino, que, segundo o discurso jornalístico em causa,

deveria ser seguido como exemplo desejável para a generalidade

das mulheres.

Em destaque, a frase “Mãe de uma adolescente, Kate Moss tem

39 anos e continua com um corpo invejável”, pressupõe ainda

vários estereótipos ligados à idade e à maternidade.

“Sexo com muito peso”, in Men’s Health, Setembro 2013

Este especial de duas páginas é um exemplo

de sexismo e hetereonormativismo, reforça-

do pela imagem do corpo feminino que ilus-

tra o artigo e da legenda que a acompanha

(“Ela mostra-lhe a ferramenta para ter mais

sucesso na cama”). A mulher é aqui apre-

sentada unicamente pela sua relação corpo/

objecto. A linguagem usada fortalece uma

visão unidireccional da relação sexual, cujo

sucesso é visto como da responsabilidade do

homem. Em conclusão, o discurso reforça a

dominação do homem no casal heterosse-

xual, perante a passividade da mulher.

Page 9: MEDIA + Igual - Boletim 1, Set. 2013

09

“Uma das maiores mulheres do século XX”, in Diário As Beiras, 14/09/2013

em poucas palavras

A citação usada no título não existe no artigo. A Irmã Lúcia é sim descrita no

texto como sendo “uma das grandes figuras do século XX português”. Desta

forma, o título escolhido acabar por induzir assimetrias de género que não

existem na citação original. Ao ser referida como “uma das maiores mulheres”,

a Irmã Lúcia é tida como um ideal a seguir, numa valorização do género femi-

nino à luz de valores católicos. Reforça, por isso, papéis sociais distintos para

cada género — já que o título exclui que a Irmã Lúcia seja também um ideal

para o género masculino.

“Mulheres da limpeza passam a auxiliares”, in Correio da Manhã, 20/09/2013

A expressão “mulheres da limpeza”, que pode

ser lida no título, reforça os estereótipos de

actividades tradicionalmente associadas ao

género feminino ou masculino.

“Femen: por detrás destas mulheres, está afinal um homem”, in Público, 06/09/2013

O título escolhido e a própria linguagem usada no texto descredibilizam os protestos da organização femi-

nista Femen, retratada no artigo. Além disso, o título é também redutor, já que o artigo ressalva que o tal

“homem por detrás destas mulheres” é um mentor ou consultor, não representando a liderança do movi-

mento. A realçar também, pela negativa, que as mulheres do movimento são caracterizadas como “bonitas”,

enquanto o mentor é apresentado como “muito inteligente”. Como consequência, a assimetria entre a carac-

terização física e psicológica permite o reforço de desigualdades entre géneros.

“Sandra Fernandes, uma mulher a treinar o Madeira SAD”, in Público, 04/09/2013

Neste artigo de âmbito desportivo, o género da treinadora está em evidência no

título. Há, portanto, uma redução de Sandra Fernandes ao seu género, quando

esse aspecto não é relevante para a actividade em causa (treinadora de andebol

do Madeira SAD).

Page 10: MEDIA + Igual - Boletim 1, Set. 2013

04

créditos

Edição: IEBA - Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Outubro 2013

Revisão: ULAI - Unidade Local de Análise de Imprensa: APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR

Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12 - Apartado 38, 3450-232 Mortágua, Tel.: 231927470, [email protected]

10

o projecto Com o objectivo de promover a

igualdade de género nos media por-

tugueses, serão monitorizados, até

Junho de 2014, vários títulos da

imprensa nacional, realizados deba-

tes públicos mensais, publicados

comentários sobre conteúdos discri-

minatórios e estereotipados, organi-

zadas sessões de sensibilização

sobre temas (in)visíveis e incentiva-

da ainda a utilização de linguagem

objectiva e inclusiva pela comunica-

ção social.

O projecto assenta no funcionamen-

to de uma Unidade Local de Análise

de Imprensa, estabelecida em Coim-

bra, que reúne várias entidades de

intervenção social: IEBA Centro de

Iniciativas Empresariais e Sociais,

APAV Associação Portuguesa de

Apoio à Vítima (GAV de Coimbra),

APPACDM Associação Portuguesa

de Pais e Amigos do Cidadão Defi-

ciente Mental de Coimbra, GRAAL

Movimento Internacional de Mulhe-

res, Não Te Prives, SOS Racis-

mo e UMAR União de Mulheres

Alternativa e Resposta.

Até Junho de 2014, esta Unidade vai

reunir-se, com uma periodicidade

mensal, para debater uma selecção

de artigos – relacionados com ques-

tões de igualdade de género – pro-

venientes de jornais nacionais,

regionais e revistas (num total de

nove títulos de imprensa).

Os boletins mensais do projecto

MEDIA + Igual apresentam as

análises aos media portugueses fei-

tas no âmbito de reuniões periódi-

cas entre os parceiros da iniciativa.

A violência doméstica, a conciliação

entre vida pessoal e profissional, o

tráfico de seres humanos, o assédio,

a desigualdade salarial, a orientação

sexual, a imigração e a deficiência

são alguns dos temas, retratados ou,

então, invisíveis, na imprensa nacio-

nal e local, que o projecto MEDIA

+ Igual vai abordar.

O projecto, que conta com o apoio

da Comissão para a Cidadania e

Igualdade de Género, vai analisar os

artigos produzidos pelos órgãos de

comunicação social monitorizados,

de forma a perceber até que ponto

reforçam, desconstroem ou (in)

visibilizam a discriminação, os múl-

tiplos factores de opressão e os este-

reótipos de género.

Esta é uma iniciativa aberta à socie-

dade. Nesse sentido, convidamos

os/as demais interessados/as a

acompanhar as reuniões mensais da

ULAI e a consultar mais informação

sobre o projecto MEDIA + Igual

nos websites abaixo indicados.

na internet Siga-nos no Facebook, em:

Boletim publicado on line em:

Conheça outras iniciativas do IEBA:

/mediamaisigual

/IEBACentroIniciativasEmpresariaisSociais

www.ieba.org.pt

http://issuu.com/ieba