media+igual - boletim 9 - maio-junho 2014

12
Boletim Informativo Integra uma selecção de notícias publicadas de 1 a 30 de Abril de 2014, a partir da monitorização de nove títulos de imprensa escrita portugue- sa: - dois de âmbito regional: As Beiras Diário de Coimbra - sete de âmbito nacional: Correio da Manhã Diário de Notícias Público Caras Maria Happy Woman Mens Health Nesta edição: 1. Editorial 2/3. Pela positiva 4/5. Em análise: revista Vidas 6/7. Visibilidades LGBT 8/9. Violência doméstica 10/11. Em poucas palavras 12. A fechar/ Agradecimentos finais Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media Maio e Junho de 2014 09 MEDIA +igual Foi enriquecedor o percurso que nos trouxe aqui, quase dez meses após as pri- meiras semanas de monitorização de imprensa, ao abrigo do projecto ME- DIA+Igual. Dez meses depois, sabemos mais sobre como é que as desigualda- des de géneros são representadas (e reforçadas) nos principais jornais e revis- tas nacionais. Perante uma realidade problemática, preferimos agarrarmo-nos à esperança de que, dos conteúdos analisados com os nossos parceiros, 15% marcam abordagens positivas e inclusivas. Sabemos, claro, que 15% é um nú- mero minoritário e que há ainda muito a fazer para promover uma comunica- ção social mais inclusiva. Mas também sabemos que esta é a prova de que é possível fazer melhor, com mais informação, mais respeito pelos/as envolvi- dos/as e retratados/as nas notícias, mais inclusão. Por isso, ao fim destes 10 meses, preferimos não olhar apenas para o número impressionante de notícias analisadas (221, escolhidas a partir de uma pre-selecção de 649 artigos) e sim problematizar o que ainda é necessário fazer no futuro. Isto porque, depois de identificados os problemas, é preciso continuar a acção no terreno, com novas aproximações aos/às jornalistas de âmbito nacional e, na sequência da vocação principa do IEBA, de âmbito regional. O projecto MEDIA+Igual termina aqui, ao fim destes dez meses de uma maior literacia mediática, mas o nosso objecti- vo não se esgota. Encontrar-nos-emos, certamente, nesse percurso!

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Os boletins mensais do projecto MEDIA + Igual apresentam uma selecção de notícias dos media portugueses monitorizados pelo projecto e as respectivas as análises, consensualizadas no âmbito de reuniões periódicas entre os parceiros da ULAI - Unidade Local de Análise de Imprensa. O projecto MEDIA + Igual é promovido pelo IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais e apoiado pela UE-FSE / Governo de Portugal / QREN / POPH-GIG.

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Boletim Informativo

Integra uma selecção de notícias

publicadas de 1 a 30 de Abril de 2014,

a partir da monitorização de nove

títulos de imprensa escrita portugue-

sa:

- dois de âmbito regional:

As Beiras

Diário de Coimbra

- sete de âmbito nacional:

Correio da Manhã

Diário de Notícias

Público

Caras

Maria

Happy Woman

Men’s Health

Nesta edição:

1. Editorial

2/3. Pela positiva

4/5. Em análise: revista Vidas

6/7. Visibilidades LGBT

8/9. Violência doméstica

10/11. Em poucas palavras

12. A fechar/ Agradecimentos finais

Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media Maio e Junho de 2014 09

MEDIA +igual

Foi enriquecedor o percurso que nos trouxe aqui, quase dez meses após as pri-

meiras semanas de monitorização de imprensa, ao abrigo do projecto ME-

DIA+Igual. Dez meses depois, sabemos mais sobre como é que as desigualda-

des de géneros são representadas (e reforçadas) nos principais jornais e revis-

tas nacionais. Perante uma realidade problemática, preferimos agarrarmo-nos

à esperança de que, dos conteúdos analisados com os nossos parceiros, 15%

marcam abordagens positivas e inclusivas. Sabemos, claro, que 15% é um nú-

mero minoritário e que há ainda muito a fazer para promover uma comunica-

ção social mais inclusiva. Mas também sabemos que esta é a prova de que é

possível fazer melhor, com mais informação, mais respeito pelos/as envolvi-

dos/as e retratados/as nas notícias, mais inclusão. Por isso, ao fim destes 10

meses, preferimos não olhar apenas para o número impressionante de notícias

analisadas (221, escolhidas a partir de uma pre-selecção de 649 artigos) e sim

problematizar o que ainda é necessário fazer no futuro. Isto porque, depois de

identificados os problemas, é preciso continuar a acção no terreno, com novas

aproximações aos/às jornalistas de âmbito nacional e, na sequência da vocação

principa do IEBA, de âmbito regional. O projecto MEDIA+Igual termina aqui,

ao fim destes dez meses de uma maior literacia mediática, mas o nosso objecti-

vo não se esgota. Encontrar-nos-emos, certamente, nesse percurso!

02

No período de monitorização,

que abrange os meses de Maio

e Junho, o projecto ME-

DIA+Igual deparou-se com visi-

bilidades positivas no discurso

mediático que contribuíram

para uma reflexão pública em

torno das igualdades de géne-

ro.

Exemplo disso foi, por exemplo, o

artigo “Mutilação genital passará a

ser investigada sem queixa”, publi-

cado no Diário de Notícias a 11 de

Junho. Trata-se de um artigo extre-

mamente positivo, que centra a

atenção da esfera pública na pro-

blemática da mutilação genital fe-

minina, esclarecendo a importância

da mesma passar a ser vista como

crime autónomo de natureza públi-

ca, na sequência de projectos de lei

do PSD, CDS-PP e do Bloco de Es-

querda. Neste contexto, é particu-

larmente relevante o paralelismo

estabelecido, no discurso mediáti-

co, entre a mutilação genital femi-

nina e a violência doméstica, assu-

mindo-se que ambos são crimes de

violência contra mulheres e viola-

ções dos direitos humanos. É por

isso notório, da leitura do texto,

que são apontadas causas de índole

social e cultural, ao nível de assime-

trias de género, para as duas pro-

blemáticas. Tal é reforçado com

recurso ao depoimento de diversos/

as especialistas, que frisam que

“quer a mutilação genital feminina

quer a violência doméstica configu-

ram formas de violação dos direitos

humanos”, nas palavras da procu-

radora Helena Gonçalves, citada

pelo Diário de Notícias. Em parale-

lo com as fontes humanas, o artigo

está também reforçado com ques-

tões do direito internacional, subli-

nhando a importância de tratados e

convenções, ao nível europeu e

mundial, no enquadramento com a

violência doméstica – uma perspec-

tiva positiva e contextualizada que

foi caso único na monitorização re-

alizada ao longo do projecto.

pela positiva

No artigo “Suspeitas de tráfico de

seres humanos em Portugal mais

do que triplicaram” (Público, 14 de

Maio), estamos perante um tema

cuja visibilidade pública é urgente e

necessária. A notícia, a partir de

dados constantes no relatório do

Observatório do Tráfico de Seres

Humanos do Ministério da Admi-

nistração Interna, permite perceber

o impacto desta problemática em

Portugal. Assim, é possível des-

construir ideias erróneas de que o

tráfico de seres humanos é uma

realidade apenas presente em paí-

ses terceiros.

Apesar da visibilidade positiva,

considera-se que seria necessário

um maior esclarecimento da opini-

ão pública quanto ao número de

vítimas portuguesas exploradas

para fins sexuais, para que não se

marginalizasse a questão como algo

que só diz respeito a cidadãos/ãs

estrangeiros/as.

03

pela positiva

Dentro das representações

mediáticas de violência do-

méstica, o artigo “Há 186 mu-

lheres protegidas com ‘botão

de pânico’ contra violên-

cia” (Diário de Notícias, 11 de

Junho) ganha também desta-

que pela positiva. O artigo di-

vulga os procedimentos de

teleassistência a vítimas de

violência doméstica, uma me-

dida prevista há cinco anos,

que reforça o sentimento de

protecção e segurança.

Só pelo tema abordado, já seria

significativo destacar o artigo. Afi-

nal, ao longo destes meses de mo-

nitorização, esta foi o único artigo

dedicado à eficácia do chamado

“botão de pânico”, naquele que é

um acompanhamento da proble-

mática da violência doméstica lon-

ge da descrição sensacionalista

das agressões. Contudo, a notícia é

ainda trabalhada numa perspecti-

va inclusiva e positiva, com recur-

so a testemunhos directos de

quem utiliza o serviço de teleassis-

tência, além da contextualização

informativa sobre o funcionamen-

to do serviço e as regras para a sua

aplicação (em duas caixas de texto

distintas).

É crucial a referência do artigo de

que se trata de um “serviço gratui-

to e permanente”, sendo também

de congratular a inclusão de esta-

tísticas sobre a implementação da

medida: hoje, há quase quatro ve-

zes mais vítimas protegidas com

um sistema de “botão de pânico”

do que em 2012.

Trata-se, portanto, de um artigo

bem estruturado, com uma forte

componente informativa e não

sensacionalista. Além disso, opta

por seguir um tom mais optimista

sobre o procedimento, permitindo

que o mecanismo seja visto pela

opinião pública como uma medida

que realmente pode ajudar as víti-

mas – e, desta forma, fortalecendo

uma atitude de exemplo positivo

que pode beneficiar um sentimen-

to de esperança de eventuais víti-

mas que ainda se encontrem em

contexto de violência. Tal é feito,

por exemplo, com reforço, ao lon-

go do discurso, do efeito psicológi-

co da teleassistência no restaurar

da confiança das vítimas, dimi-

nuindo a ansiedade sentida.

Nesse sentido, é de evidenciar que

essa nota positiva mantém-se na

conclusão do texto, com uma cita-

ção directa de uma das beneficiá-

rias do “botão de pânico”: “As pes-

soas podem pensar que não vale a

pena apresentar queixa, que a jus-

tiça não funciona. Mas isto funcio-

na mesmo”.

04

Neste boletim que encerra a

actividade de monitorização

do MEDIA+Igual, apresenta-

se também um comentário

final à revista Vidas – publi-

cação integrante do Correio

da Manhã, distribuída aos do-

mingos – e, sobretudo, à ru-

brica “OPSSS”.

Na totalidade dos conteúdos moni-

torizados, esta publicação revela-

se extremamente sexista na repre-

sentação que faz das mulheres, re-

duzidas ao seu corpo, de forma

passiva, e menorizadas num esta-

tuto de mulher-objecto. Apesar de

ser parte integrante de um jornal,

torna-se óbvio que esta publicação

pouco tem a ver com o conceito de

jornalismo e com o cuidado que

este deve ter em representações

inclusivas de todos os géneros.

Muito pelo contrário, o conteúdo

da revista Vidas é abusivo e define-

se como um reforço perigoso das

desigualdades de género existen-

tes, promovendo comportamentos

sexistas e uma visão redutora das

mulheres. Tal postura é particular-

mente problemática tendo em con-

ta a tiragem do Correio da Manhã

e a dimensão da sua audiência, o

que pressupõe um efeito negativo

deste tipo de conteúdos sexistas na

construção de uma representação

de géneros na opinião pública.

Estas constatações materializam-

se, por exemplo, nos conteúdos da

rubrica “OPSSS”, que todos os me-

ses têm chamado a atenção, de for-

ma preocupante, desta Unidade

Local de Análise de Imprensa. Tra-

ta-se de uma página fixa da revista

que, em todas as edições, junta fo-

em análise: revista Vidas

grafias de mulheres ditas

‘famosas’ (personalidades publica-

das ligadas, sobretudo, ao mundo

do espectáculo) a pequenas frases,

de conteúdo brejeiro e sexista. No

global, o discurso produzido na

junção de imagem e texto, resulta

no reforço de assimetrias de poder

e na definição de perspectivas se-

xistas – expressa em linguagem

coloquial e assentes em trocadi-

lhos – que se impõem na leitura

do mundo quotidiano.

Desta forma, fotografias que pode-

riam até ter significados inofensi-

vos vêm a sua leitura fixada pelo

texto que acompanha as imagens.

De pendor altamente sexualizado e

brejeito, o discurso encerra tam-

bém uma devassa da vida privada

para as mulheres fotografadas, em

muitas das situações monitoriza-

das. É o caso, por exemplo, da edi-

ção em que a modelo Ana Braga é

fotografada de biquíni, a comer

uma banana, com o seguinte texto

ilustrativo: “[…] a modelo brasilei-

ra parece ter-se juntado também à

onda de solidariedade, com aquilo

que, na gíria futebolística, poderia

muito bem chamar-se de lance

em… profundidade” (ver página

ao lado).

Em paralelo, a revista também

parte de fotografias tiradas em

contexto profissional para fomen-

tar o sexismo e, até, o julgamento

moral sobre as visadas. Tal é notó-

rio numa das edições de Junho, a

respeito da cantora e actriz Miley

Cyrus: “depois dos carros descapo-

táveis, dos tectos de abrir e dos

panorâmicos, a actriz norte-

americana criou uma nova solução

de arejamento para automóveis.

São os chamados carros com…

abertura fácil”. Mais uma vez, es-

tamos perante uma linguagem dú-

bia, repleta de trocadilhos e cono-

tações sexuais, cujo objectivo pas-

sa por acicatar uma visão sexista e

objectificada perante as fotos apre-

sentadas. O projecto ME-

DIA+Igual m anifesta o seu

total repúdio pela presença deste

tipo de conteúdos indexados a um

jornal que obedece a critérios e

obrigações jornalísticas.

03

05

em análise: revista Vidas

A celebração de um casamen-

to entre duas reclusas numa

prisão foi mote para um arti-

go a 29 de Maio do Correio da

Manhã (“Reclusas lésbicas

casam na cadeia”). Apesar de

ser uma notícia aparentemen-

te positiva, por dar visibilida-

de ao casamento homossexu-

al, apresenta problemas em

termos discursivos, sobretu-

do por haver contornos insu-

ficientemente explicados em

torno dos factos.

A abordagem da notícia centra-se

na ideia de que foi autorizada uma

condição especial para as duas re-

clusas (depois do casamento na

prisão, foi-lhes permitido viverem

juntas numa “cela especial”, com

“mais espaço e maior comodida-

de”). Uma vez que os motivos para

estas disposições não são clara-

mente explicados – havendo, até,

uma ausência de contexto infor-

mativo sobre se este é um procedi-

mento previsto previamente para

este tipo de casos –, a leitura do

artigo aponta para uma situação

de privilégio em relação a outras

reclusas, o que até pode originar

considerações discriminatórias na

opinião pública. Mais grave, no

entanto, é a patologização assumi-

da – e descontextualizada – em

relação à homossexualidade. O jor-

nal apresenta, em caixa destacada,

a informação de que “as duas noi-

vas foram examinadas por um gi-

necologista”, sem apresentar moti-

vos para este procedimento, pro-

movendo conclusões erróneas por

parte dos/as leitores/leitoras. A

leitura integral do texto mantém o

mesmo carácter dúbio e pouco ex-

plicativo em relação à necessidade

de exames ginecológicos. O artigo

adianta que os mesmos são obriga-

tórios “nestes casos”, mas sem adi-

antar exactamente que casos são

estes: casamentos entre pessoas do

mesmo sexo nos estabelecimentos

prisionais ou qualquer casamento

que abranja uma reclusa? Fica a

dúvida.

Por fim, o último parágrafo peca

pela descontextualização. Pode ler-

se que “Jorge Alves, do Sindicato

Nacional do Corpo da Guarda Pri-

sional, denuncia a falta de adapta-

ção dos guardas para estes casos.

‘Os guardas não estão adaptados.

A direcção-geral devia acautelar

estas situações’”. No entanto, uma

vez que esta questão da formação

profissional esteve ausente no res-

to do artigo, permanecem dúvidas

se haveria informações não divul-

gadas sobre casos concretos de fal-

ta de adaptação dos/as agentes

prisionais.

Em conclusão, há uma preocupan-

te falta de contexto informativo na

peça jornalística, que aparenta es-

tar mais focada em criticar, de for-

ma subentendida, supostos privilé-

gios do casal, do que em prestar

uma informação exacta sobre os

procedimentos tomados – deixan-

do assim que seja o/a leitor/a, de-

vidamente informado, a formar o

seu juízo crítico. À semelhança de

outros artigos de visibilidade

LGBT de publicações de teor mais

sensacionalista, analisados em edi-

ções passadas do boletim ME-

DIA+Igual, verifica-se que há

uma maior preocupação do discur-

so mediático em evidenciar as ori-

entações sexuais dos/as envolvi-

dos/as nas notícias, do que em for-

necer todos os dados relevantes

para a compreensão dos factos

ocorridos.

visibilidades LGBT

06

visibilidades LGBT

07

Na sequência da vitória de

Conchita Wurst, travesti que

conjuga um aspecto tipifica-

damente feminino com a per-

manência de uma barba, e no

âmbito deste projecto de mo-

nitorização, foram seleccio-

nados, três artigos do Diário

de Notícias

Pese muito embora a consciência

de que, em outros títulos de im-

prensa não monitorizados, o tom

predominante da cobertura do

Festival possa ter sido discrimina-

tória e homofóbica, estes artigos

do Diário de Notícias apresentam-

se como globalmente positivos:

“Associações LGBT festejam vitó-

ria da diversidade” (13 de Maio),

“Conchita gera agressividade por

‘baralhar estereótipos’” (14 de

Maio) e “Nova heroína austríaca

provoca fúria na Rússia” (12 de

Maio). No geral, trata-se de um

discurso mediático bastante só-

brio, que identifica claramente a

actuação e as declarações públicas

de Conchita Wurst como uma rei-

vindicação pelo direito à diferença

e pela desconstrução de estereóti-

pos e heteronormatividades. No

artigo de 14 de Maio, é particular-

mente importante a tentativa de

desconstruir o binarismo de géne-

ro, muito embora seja notória al-

guma confusão de conceitos entre

orientação sexual e identidade de

género.

Já a notícia “Associações LGBT

festejam vitória da diversidade”

destaca-se pela sua dimensão in-

clusiva e plural. A actuação de

Conchita é contextualizada no âm-

bito de uma perspectiva LGBT e do

direito à diferença, através do dis-

curso directo de representantes de

associações portuguesas da socie-

dade civil. Neste âmbito, foi im-

portante que o discurso construído

sobre os acontecimentos tenha

surgido dos próprios movimentos

LGBT, ao invés de ter sido imposta

uma leitura exterior e possivel-

mente errónea.

A notícia “Nova heroína austríaca

provoca fúria na Rússia” apresenta

-se como o discurso mais proble-

mático entre os três exemplos.

Apesar de permanecer a visão que

associa Conchita à desconstrução

de estereótipos de género, o artigo

foca-se na instrumentalização des-

ta vitória numa campanha anti-

Rússia, em pleno período de ten-

sões políticas entre Moscovo e a

União Europeia. Nesta perspecti-

va, a vitória de Conchita é repre-

sentada como um símbolo da plu-

ralidade, “liberdade” e “tolerância”

da União Europeia, contrapondo-

se ao conservadorismo da Rússia.

Nesta redução das críticas apenas

a vozes russas, esconde-se a discri-

minação que também existe na

União Europeia. Seria de salutar

uma postura menos bipolarizada

do discurso jornalístico, na forma

como faz a cobertura das críticas

intolerantes. Se tal tivesse sido a

opção escolhida (ao invés de uma

visão a “preto e branco” entre Uni-

ão Europeia e Rússia), seria possí-

vel demonstrar e desconstruir a

transversalidade do preconceito.

Na sequência de mais um ca-

so trágico de violência domés-

tica em Portugal, que resultou

no assassinato da vítima pelo

marido, surgiram vários arti-

gos sobre os acontecimentos.

As notícias “Dentista assassi-

nada pelo marido” (Correio

da Manhã, 29 de Maio) e

“Marcos recusa divórcio e

atinge Luana no cora-

ção” (Diário de Notícias, 29

de Maio) descrevem os por-

menores da agressão.

São, na sua essência, dois artigos

muito diferentes, embora os dois

demonstrem – de forma negativa

– uma tendência para a descrição

narrativa dos acontecimentos, so-

correndo-se de um discurso ro-

manceado semelhante ao desenro-

lar de eventos num universo literá-

rio. Existem discrepâncias expres-

sas entre os dois artigos no que

concerne aos factos apresentados,

que originam dúvidas sobre a vera-

cidade da informação prestada.

Por exemplo, a notícia do Correio

da Manhã afirma que o agressor

esperou pela polícia num café, en-

quanto o texto do Diário de Notí-

cias frisa que ele foi preso ainda

dentro da clínica. Mas as dúvidas

estendem-se à própria natureza da

relação entre vítima e agressor.

Enquanto o Correio da Manhã des-

creve uma relação assimétrica e

provavelmente abusiva (“o homici-

da era uma pessoa violenta”), o

relato do DN mostra este episódio

fatal como um comportamento

isolado, motivado pelo divórcio

eminente. São pormenores discur-

sivos que apresentam a violência

doméstica mais próxima do info-

entretenimento do que da denún-

cia desta problemática. É funda-

mental, no futuro, que os jornais

apresentem uma informação mais

rigorosa e contextualizada que

contribua para uma opinião públi-

ca esclarecida sobre a temática da

violência doméstica, longe de ten-

dências de sensacionalismo. Verifi-

ca-se, por exemplo, que o artigo do

DN acaba por romantizar o crime,

ao sobrepor a realidade da agres-

são com uma linguagem associada

ao passional, ao amor. Tal é notó-

rio no título escolhido que joga

com o duplo sentido de “coração”.

A notícia reforça ainda o homicídio

com episódio único de violência no

casal, (o artigo começa com uma

citação de uma amiga da vítima

nesse sentido: “eles pareciam o

casal perfeito, não entendo porque

ele a matou”), o que remete para a

invisibilidade de possíveis contex-

tos prévios de violência.

Porém, há que valorizar o esforço

do artigo em contextualizar a vio-

lência doméstica, com recurso a

fontes especializadas, mas também

a estatísticas sobre o número de

mulheres assassinadas. A notícia

termina com uma alusão ao impac-

to internacional da violência do-

méstica (embora não faça a des-

construção das assimetrias ineren-

tes de género e de poder). Tal é

feito com recurso às palavras de

um turista que passeava pela baixa

de Lisboa na altura do crime:

“Também aqui?’”.

violência doméstica

08

violência doméstica

09

Com o título “1170 agressores

pagam multa para escapar a

um julgamento”, este artigo

de 10 de Maio, publicado no

Diário de Notícias, apresenta

uma análise ao mecanismo de

suspensão provisória do pro-

cesso aplicadas em crimes de

violência doméstica.

Se, por um lado, é muito impor-

tante que os procedimentos associ-

ados às queixas formais de violên-

cia doméstica sejam esclarecidos

no discurso mediático, para infor-

mação da opinião pública, a verda-

de é que o título escolhido acaba

por, erroneamente, apontar a sus-

pensão como uma má solução. Da

leitura do mesmo, advém a sensa-

ção de impunidade geral dos

agressores, quando o mecanismo

de suspensão provisoria do proces-

so tem os seus aspectos positivos –

sendo que a última decisão quanto

à suspensão do processo tem sem-

pre que partir da vítima.

O título apresenta-se redutor e,

até, descontextualizado em relação

ao teor completo do artigo. Além

disso, resulta uma visão passiva

das vítimas. Tendo em conta que

muitas vezes são as próprias agre-

didas a pedir a suspensão do pro-

cesso, o título retira-lhes poder em

termos de visibilidade pública. Es-

te sentimento de impunidade pode

até contribuir para um sentimento

de medo que impeça outras víti-

mas de apresentar queixa.

Há, no entanto, fortes pontos posi-

tivos no artigo. O texto

(independentemente do título es-

colhido) dá uma importante visibi-

lidade aos aspectos processuais do

crime de violência doméstica, con-

tribuindo para uma opinião públi-

ca mais esclarecida. Em paralelo,

podem também ser lidas informa-

ções precisas sobre o que fazer pe-

rante a agressão/risco (incluindo

contactos e referências a associa-

ções da sociedade civil que podem

servir de apoio às vítimas). Além

das alternativas de ajuda em caso

de agressão, o artigo vai mais lon-

ge ao elencar soluções de acolhi-

mento temporário a vítimas de vi-

olência doméstica, gestão do posto

de trabalho, apoios financeiros

previstos pelo Estado e apoio espe-

cífico a casais do mesmo sexo.

A notícia é acompanhada de uma

infografia detalhada, que ocupa a

metade superior da primeira pági-

na, com dados relativos às mulhe-

res mortas pelos companheiros ou

ex-companheiros. A opção jorna-

lística de identificar cada uma das

vítimas permite uma personaliza-

ção do crime perante o/a leitor/a,

envolvendo-o na problemática.

Contudo, há que notar ainda o re-

levo dado à arma do crime – ten-

dência já verificada noutras notí-

cias e jornais –, que acaba por pôr

a tónica nos pormenores grotescos

dos homicídios, ignorando contex-

tos anteriores de violência.

em poucas palavras

10

O título desta notícia remete para um ‘julgamento’

público moralista, que condena associações a fes-

tas/diversão (e suspeita implícita de ingestão de

bebidas alcoólicas). Acaba, por isso, por ser um

título problemático porque envolve a vítima nesta

avaliação negativa de “festa” e “noite de diversão

nocturna”, quando a celebração seria do agressor.

Aliás, não chega sequer a ser perceptível, pela lei-

tura da notícia, se a vítima estaria ou não presente

nessa festa. Nesse sentido, o título é erróneo e me-

noriza publicamente a vítima.

Tal como na notícia anterior, há um novo ênfase,

ao longo do artigo, na noite de diversão e de festa,

como contexto prévio a uma agressão. Além disso,

o texto reforça a ideia, mais do que uma vez, que a

vítima se encontrava sozinha na altura da violação.

Esta repetição parece apontar para uma culpabili-

zação do comportamento da vítima, apontando as-

pectos de uma suposta imprudência que possibili-

tou o ataque. Mais uma vez, a descrição dos acon-

tecimentos tem uma forte componente narrativa e

sensacionalista.

Trata-se de um artigo que aborda os estereótipos

de idade – assimétricos entre géneros - relaciona-

dos com uma beleza idealizada. Com o título

“Tyra Banks rejeitada porque tem 40 anos”, é po-

sitivo o facto de o artigo assumir um olhar crítico

sobre o tema, assumindo um certo tom de incre-

dibilidade perante o ocorrido. Não obstante, o

discurso jornalístico continua a fazer uso de cli-

chés e ideias estereotipadas. E a imagem seleccio-

nada (de Tyra Banks, em 1998) serve para legiti-

mar, no espaço mediático, a relação errónea entre

beleza e juventude.

Diário de Notícias, 09/05/2014 Diário de Notícias, 30/05/2014

Correio da Manhã , 09/06/2014 Correio da Manhã, 28/05/2014

O título escolhido para es-

ta pequena breve na con-

tracapa do Correio da Ma-

nhã torna-se relevante,

pela positiva, ao usar um

número expressivo (e fa-

cilmente compreensível)

para demonstrar a realida-

de da violência doméstica

em Portugal. Ao invés, por

exemplo, de elencar o nú-

mero de casos totais regis-

tados num ano, o jornal

optou por uma referência

mais imediata. Mesmo tra-

tando-se de uma grandeza

menor, acaba por possibi-

litar ao/à leitor/a uma

maior percepção do im-

pacto da problemática a

nível nacional.

em poucas palavras

11

Num julgamento moral, o artigo “Irina diverte-se

sem Ronaldo” baseia-se em fotos da vida pessoal

de Irina Shayk, praticamente reduzida na sua re-

presentação mediática à relação amorosa com o

jogador de futebol Cristiano Ronaldo (o título da

rubrica na qual se insere o artigo é “Clã CR7”).

Além do escrutínio da vida privada, o título reforça

uma crítica à “diversão” (mais uma vez, palavra

com uma conotação claramente negativa no discur-

so mediático analisado) da mulher na ausência do

namorado, contribuindo para a cristalização acríti-

ca de estereótipos de género e da formação de uma

opinião pública sexista.

Mais uma vez, este é um exemplo de como, numa

abordagem jornalística sensacionalista, o artigo

apenas serve de pretexto para apresentar imagens

do corpo feminino. A partir de uma queixa finan-

ceira, a abordagem do Correio da Manhã centra-se

em pormenores relacionados com um vídeo por-

nográfica, apresentado vários pormenores de ín-

dole sexual ao longo do texto e, sobretudo, diver-

sas imagens explicitamente eróticas.

Não obstante a relevância do tema e da visibilida-

de ao debate público sobre a legalização da pros-

tituição (tantas vezes ausente do discurso jorna-

lístico), a única perspectiva presente neste artigo

está reduzida a aspectos economicistas. Note-se

que, em tempos de crise, torna-se evidente a ten-

dência de avaliar tudo pelo seu aspecto económi-

co. É de criticar, por isso, a ausência de pontos de

vista mais inclusivos e abrangentes, com recurso

a fontes diversas, sobre a legalização da prostitui-

ção.

Apesar de ser

uma entrevista –

e, como tal, apre-

sentar a opinião

do entrevistado, a

maneira como o

discurso mediáti-

co é apresentado

acaba por ser

problemática.

Numa entrevista

ao sub-secretário do Ministério dos Negócios Es-

trangeiros da Arábia Saudita, Mohammed Al-

Saud, o artigo destaca uma questão de assimetrias

de género para título, por opção jornalística. No

entanto, verifica-se no texto a ausência de des-

construção das afirmações do responsável saudi-

ta. Perante a resposta, usada como título, não há

qualquer tentativa de explorar a questão.

Diário de Notícias, 12/05/2014 Correio da Manhã, 15/06/2014

Correio da Manhã , 11/06/2014 Correio da Manhã, 15/06/2014

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créditos

Edição: IEBA—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Junho 2014 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua | [email protected]

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a fechar

A fechar, uma notícia relacio-

nada com a política regional

da zona Centro. Mais uma

vez, o título escolhido (“Pela

primeira vez uma mulher li-

dera coordenação regional”,

As Beiras, 27 de Maio) repre-

senta uma redução das mu-

lheres em cargos políticos ao

seu género.

Ao longo do artigo, são exploradas

várias ideias de Ana Abrunhosa

para a presidência da Comissão de

Coordenação Regional, mas o títu-

lo prefere enfatizar o seu género —

reforçando essa presença como

algo fora do comum.

Esta ideia do ‘fora da norma’ surge

novamente elencada no primeiro

parágrafo, no qual a questão do

género é novamente elencada. No

artigo, pode ler-se que “uma mu-

lher presidente é novidade. Uma

mulher, de matriz universitária e

vocação tecnocrática, ainda por

cima vencedora de concurso públi-

co é grande novidade”, numa

construção discursiva que enfatiza

um carácter quase bizarro da situa-

ção. Apesar de, provavelmente, a

intenção do artigo seja a de louvar

este acto pioneiro, a verdade é que

a forma como o texto está construí-

do questiona até, de forma ineren-

te, a atribuição do cargo a Ana

Abrunhosa.

Por outro lado, o segundo parágra-

fo acaba por levantar novas ques-

tões, desta feita à autonomia e

competências da nova presidente,

ao dar a entender que foi o ante-

cessor (homem) a possibilitar o

novo cargo “[...] bem como do seu

antecessor, curiosamente o res-

ponsável por levá-la da Faculdade

de Economia para o palácio dos

Lóios”.

Agradecimentos finais

Por ocasião do encerramento do MEDIA+Igual, ao final de nove meses de monitori-

zação intensiva de conteúdos jornalísticas e respectiva análise em função de uma pers-

pectiva de igualdade de género, a coordenação do projecto agradece a todos os parcei-

ro envolvidos na Unidade Local de Análise de Imprensa (APAV, APPACDM, GRAAL,

SOS Racismo, Não Te Prives e UMAR), assim como à Escola Superior de Educação de

Coimbra, por toda a dedicação, envolvimento e entusiasmo nas actividades relaciona-

das com a iniciativa. Graças à experiência de todos as entidades, em áreas diferentes

mas transversais à problemática da desigualdade de género, foi possível alcançar um

trabalho pertinente e de excelência. O balanço da monitorização é, desta forma, clara-

mente positivo, permanecendo as análises consensualizadas para futura consulta on-

line de todos/as os/as interessados/as, em issuu.com/ieba.