media + igual - boletim 2 out.2013

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Boletim Informativo Integra uma selecção de notícias publicadas de 1 a 31 de Outubro de 2013, a partir da monitorização de nove títulos de imprensa escrita por- tuguesa: - dois de âmbito regional: As Beiras Diário de Coimbra - sete de âmbito nacional: Correio da Manhã Diário de Notícias Público Caras Maria Happy Woman Men’s Health Nesta edição: 1. Editorial 2/3. Desigualdades e estereótipos 4/5. Violência doméstica 6. Visibilidades positivas 7. Análise: primeiras mulheres 8. Em poucas palavras 9. Entrevista 10. Fomos notícia/ Agenda/ Ler + Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media Novembro de 2013 02 MEDIA +igual Depois da apresentação oficial do projecto MEDIA + Igual, em Outubro, Novembro foi mês de consolidar processos e continuar o trabalho de monitorização dos nove títulos de imprensa seleccionados, com o objectivo de combater a discriminação de género nos media. Das 157 notícias seleccionadas numa primeira fase, por indiciarem questões de género ou assimetrias entre homens e mulheres (de forma directa ou indirecta), foram escolhidos 25 artigos para serem debatidos na reunião mensal com os parceiros da ULAI, a 13 de Novembro. Esta selecção tenta retratar os melhores e piores exemplos da representa- ção de género nos media monitorizados. Ou seja, exemplos pela positiva, em que artigos desconstroem estereótipos e contribuem para uma maior igualdade social. Ou, pela negati- va, notícias que reforçam assimetrias de género, dando-lhes legitimidade mediática e, por isso, contribuindo para a sua consolidação na sociedade. Do debate entre os parceiros, resultaram as análises consensuais apresentadas neste bole- tim mensal. A selecção final de artigos em análise é de 21, divididos entre vários temas e perspectivas, a que se juntam outros dois, nos quais o próprio projecto MEDIA + Igual foi notícia. Este boletim marca, também, o início de uma série de entrevistas sobre a discriminação de género nos media, com vista a promover o debate sobre esta temática. Nesta edição, a investigadora Carla Cerqueira, da Universidade do Minho, contribui com uma visão acadé- mica da visibilidade das mulheres nos media.

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Os boletins mensais do projecto MEDIA + Igual apresentam uma selecção de notícias dos media portugueses monitorizados pelo projecto e as respectivas as análises, consensualizadas no âmbito de reuniões periódicas entre os parceiros da ULAI - Unidade Local de Análise de Imprensa. O projecto MEDIA + Igual é promovido pelo IEBA Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais e apoiado pela UE-FSE / Governo de Portugal / QREN / POPH-GIG.

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Page 1: Media + Igual - Boletim 2 Out.2013

Boletim Informativo

Integra uma selecção de notícias

publicadas de 1 a 31 de Outubro de

2013, a partir da monitorização de

nove títulos de imprensa escrita por-

tuguesa:

- dois de âmbito regional:

As Beiras

Diário de Coimbra

- sete de âmbito nacional:

Correio da Manhã

Diário de Notícias

Público

Caras

Maria

Happy Woman

Men’s Health

Nesta edição:

1. Editorial

2/3. Desigualdades e estereótipos

4/5. Violência doméstica

6. Visibilidades positivas

7. Análise: primeiras mulheres

8. Em poucas palavras

9. Entrevista

10. Fomos notícia/ Agenda/ Ler +

Boletim Informativo Escrita Igualitária nos Media

Novembro de 2013 02

MEDIA +igual

Depois da apresentação oficial do projecto MEDIA + Igual, em Outubro, Novembro foi

mês de consolidar processos e continuar o trabalho de monitorização dos nove títulos de

imprensa seleccionados, com o objectivo de combater a discriminação de género nos

media. Das 157 notícias seleccionadas numa primeira fase, por indiciarem questões de

género ou assimetrias entre homens e mulheres (de forma directa ou indirecta), foram

escolhidos 25 artigos para serem debatidos na reunião mensal com os parceiros da ULAI, a

13 de Novembro. Esta selecção tenta retratar os melhores e piores exemplos da representa-

ção de género nos media monitorizados. Ou seja, exemplos pela positiva, em que artigos

desconstroem estereótipos e contribuem para uma maior igualdade social. Ou, pela negati-

va, notícias que reforçam assimetrias de género, dando-lhes legitimidade mediática e, por

isso, contribuindo para a sua consolidação na sociedade.

Do debate entre os parceiros, resultaram as análises consensuais apresentadas neste bole-

tim mensal. A selecção final de artigos em análise é de 21, divididos entre vários temas e

perspectivas, a que se juntam outros dois, nos quais o próprio projecto MEDIA + Igual foi

notícia.

Este boletim marca, também, o início de uma série de entrevistas sobre a discriminação de

género nos media, com vista a promover o debate sobre esta temática. Nesta edição, a

investigadora Carla Cerqueira, da Universidade do Minho, contribui com uma visão acadé-

mica da visibilidade das mulheres nos media.

Page 2: Media + Igual - Boletim 2 Out.2013

02

Para marcar o Dia do Solteiro,

a edição da semana de 29 de

Setembro da revista Maria

contém um artigo dedicado às

mulheres solteiras e aos

papéis estereotipados de géne-

ro na sociedade. Numa tentati-

va falhada de empowerment

feminino, o texto dá visibilida-

de às assimetrias existentes

entre homens e mulheres, mas

acaba por cair em lugares-

comuns, generalizações e este-

reótipos de género.

O reforço de estereótipos surge logo

no título e subtítulo do artigo, que

reforçam usos discriminatórios da

linguagem (“quando elas ficam para

tias”/ “solteironas”) associados ao

tema, sendo constantes ao longo do

texto. E, por isso, acabam por fun-

cionar como um julgamento moral

perante a opção de estar solteira.

Num texto construído à luz de uma

visão heteronormativa da socieda-

de, há também uma generalização

sobre o género feminino. Pode ler-

se, no texto, por exemplo, “é pelo

facto de sonharem com o conto de

fadas que as mulheres sentem

maior pressão para constituir famí-

lia”. Da leitura do artigo, emerge

ainda a construção da “mãe soltei-

ra” como privilegiada na sociedade.

Em paralelo, numa caixa de texto

dedicada às questões laborais, o

título escolhido (“No trabalho dis-

criminação é menor”) não reflecte o

conteúdo do artigo e acaba por con-

tribuir para a invisibilidade das

assimetrias na esfera laboral exis-

tentes na sociedade. De sublinhar,

no entanto, algum esforço para des-

construir certas desigualdades de

género, dando destaque à forma

como a sociedade discrimina a

mulher solteira, através de padrões

duplos (“se o solteiro quiser sair à

noite e regressar de madrugada,

ninguém critica, se a mulher o fizer

é mais objecto de crítica”).

Nestes dois exemplos da cobertura

noticiosa de um caso de violência

sexual sobre uma menor (em cima,

revista Maria, edição de 20-26 de

Outubro; em baixo, Correio da

Manhã, 18 de Outubro), por parte

do próprio pai, o destaque foi dado

à gravidez resultante dos abusos e à

opção de não abortar.

Os artigos materializam um julga-

mento moral da decisão da criança

em manter a gravidez, no qual são

destacadas várias referências sim-

bólico-religiosas. No artigo do Cor-

reio da Manhã, por exemplo, lê-se

“recusou abortar e disse que não ia

matar um ser humano”. Além disso,

há referências ao nome do bebé,

Salvador, e ao facto de o parto estar

previsto para “o dia de Natal” —

novamente numa referência religio-

sa, que poderia ser substituída por

“dia 25 de Dezembro”.

Há, portanto, uma exaltação da

continuidade da gravidez, associan-

do-a à simbologia religiosa, o que

resulta numa maior invisibilidade

do contexto de violência. Na pers-

pectiva dos direitos das crianças, é

condenável a pressão em torno da

menina como sujeito da decisão.

desigualdades e estereótipos

Page 3: Media + Igual - Boletim 2 Out.2013

Esta entrevista, publicada no

Diário de Notícias a 21 de

Outubro, apresenta um con-

teúdo ambíguo no que concer-

ne a questões de género. De

forma antitética, o artigo con-

tribui para dar visibilidade à

discriminação sobre mulhe-

res, ao mesmo tempo que as

perguntas escolhidas refor-

çam estereótipos de género.

Em causa, uma entrevista à actriz

Débora Bloch. O título selecciona-

do, “Estou numa profissão em que

as mulheres têm força”, cria expec-

tativas de um conteúdo jornalístico

que desconstrua assimetrias de

género. Contudo, após a leitura na

íntegra da entrevista, são várias as

questões que reforçam estereótipos

e os transmitem como factos indis-

cutíveis. Trata-se, sobretudo, de

questões sobre a imagem da actriz,

sex-appeal e medo do envelheci-

mento — que contribuem para um

tratamento assimétrico de género

em relação à entrevistada. Além

disso, são pressupostos ideais de

beleza para o género feminino, rela-

cionados com a idade (“Aos 50 anos

continua a encarnar mulheres com

muito sex appeal. Qual o segredo

para se manter assim tão jovem?”).

São, aliás, várias as referências à

idade da actriz, ao longo da entre-

vista.

Além destas questões, há também

uma manutenção da ideia de com-

petitividade feminina. A respeito da

participação da actriz numa novela,

subsiste uma disparidade na forma

como são retratadas as relações

com colegas de trabalho. À pergun-

ta “Como foi contracenar com o

Alexandre [Borges, um dos acto-

res]?” contrapõe-se a questão “Deu-

se bem com as outras mulheres do

Cadinho [personagem interpretada

por Alexandre Borges]?”, cuja for-

mulação remete exactamente para

uma noção de competitividade

entre o género feminino.

03

desigualdades e estereótipos

A menção a “mãe solteira” neste

título do Correio da Manhã, edição

de 18 de Outubro, pressupõe um

uso discriminatório da linguagem.

O estado civil da mulher represen-

tada não é relevante para a notícia

em si, mas, ao ser realçado no títu-

lo, evidencia um julgamento prévio

sobre as acções apresentadas. É

apresentada, portanto, uma relação

causal, não justificada, entre o facto

de a mãe ser solteira e o homicídio

do bebé. De realçar, ainda, que ao

longo da notícia há falta de contexto

sobre o crime, estando ainda ausen-

tes pormenores sobre a responsabi-

lidade do pai no crime ocorrido. A

cobertura noticiosa parece privile-

giar uma linguagem mais sensacio-

nalista e menos informativa dos

factos, uma opção visível na escolha

da imagem em destaque.

Page 4: Media + Igual - Boletim 2 Out.2013

04

Em mais um mês de monitori-

zação de imprensa, verifica-

mos que o tema da violência

doméstica continua a ser o

tópico mais frequente, no que

concerne à representação de

questões de género. Numa

análise qualitativa, no entanto,

continua a notar-se uma gene-

ralizada falta de contexto

social da problemática.

Associados, muitas vezes, a um

excessivo sensacionalismo, estes

crimes continuam a ser representa-

dos nos media como actos isolado e

desintegrados de um historial de

abusos. Note-se que, em várias das

notícias seleccionadas, houve a

preocupação de contextualizar cri-

mes de violência doméstica com

recurso a outras fontes e dados

estatísticos. No entanto, esse uso

deu origem, em alguns dos exem-

plos analisados, a discursos erró-

neos, com reforço de estereótipos

associados a este tipo de crimes.

Na notícia à direita, por exemplo,

publicada no Correio da Manhã a 3

de Outubro, os ciúmes são apresen-

tados como motivo legitimado para

a violência (“Executa a mulher a

tiro por ciúmes”/ a vítima “muito

vistosa e ele já estar acabado”). A

notícia é acompanhada por um

mapa com a distribuição geográfica

das vítimas mortais de violência

doméstica, positivo por dar a

conhecer a transversalidade geográ-

fica da problemática. No entanto, o

tratamento sensacionalista dos

dados privilegia também a informa-

ção sobre o tipo de morte, o que

mais uma vez reforça a ideia do cri-

me como acto violento isolado

(remetendo à invisibilidade os con-

texto de violência doméstica conti-

nuada). Mais uma vez, assiste-se a

uma ausência de análise relativa-

mente a assimetrias de género, nes-

te tipo de discursos mediáticos.

Já no exemplo abaixo, “Mulher

morta pediu ajuda”, publicado no

Correio da Manhã, a 7 de Outubro,

o destaque dado à forma como a

APAV-Associação Portuguesa de

Apoio à Vítima falhou na ajuda à

vítima, poderá levar a que outras

vítimas de violência doméstica não

procurem ajuda. O artigo apresen-

ta, inclusive, alguma informação

confusa relativamente ao papel da

APAV que, na verdade, não estabe-

lece perfis psicológicos, nem conse-

gue avaliar o tipo de perigo existen-

te sem sequer ter contactado com o

agressor — ao contrário do que é

estabelecido no texto. Apesar deste

destaque negativo à APAV, é o pró-

prio discurso jornalístico que, na

segunda parte do artigo, integra

informação da associação para con-

textualizar o fenómeno da violência

doméstica. Resulta, portanto, num

artigo ambíguo com mensagens

contraditórias sobre a problemática

da violência doméstica e os proces-

sos de apoio às vítimas. Nessa

segunda parte do artigo, há que

destacar pela positiva a entrevista a

João Lázaro, da APAV; a informa-

ção sobre os tipos de apoio presta-

dos pela associação; e também a

caixa de texto que relembra as

outras vítimas mortais de violência

doméstica deste ano, destacando

ainda o efeito da crise económica na

redução dos pedidos de ajuda

(embora desconstruindo a ideia de

violência doméstica

Page 5: Media + Igual - Boletim 2 Out.2013

05

Há que assinalar, também, artigos

sobre violência doméstica que

podem ser considerados bons

exemplos de um discurso jornalísti-

co contextualizado e que vão além

dos estereótipos. Na primeira ima-

gem, à esquerda, a notícia “Homem

bloqueia carro da ex-mulher, assas-

sina-a com dois tiros e suicida-se”,

da edição de 6 de Outubro do Diá-

rio de Notícias, apresenta uma

construção discursiva do crime que

permite integrá-lo num contexto

continuado de violência doméstica.

As menções à perseguição constan-

te que a vítima sofria, assim como a

ausência de tentativas de desculpa-

bilização do agressor, são exemplos

positivos da desconstrução da pro-

blemática da violência doméstica,

afastando-a do crime pontual. O

artigo é acompanhado por uma

entrevista a Daniel Cotrim, da

APAV, que permite uma leitura

complementar à notícia.

Já o artigo “A violência doméstica

não vê contas bancárias” (Correio

da Manhã, 26 de Outubro) é rele-

vante na desconstrução do estereó-

tipo de que a violência doméstica é

algo que só acontece nas classes

mais desfavorecidas. Desta forma, a

notícia (integrada num artigo dedi-

cado à acusação de violência

doméstica contra o ex-ministro da

Cultura, Manuel Maria Carrilho,

por parte da esposa Bárbara Gui-

marães) contribui para atenuar a

discriminação sobre vítimas de vio-

lência doméstica. É positivo que, a

partir de um acontecimento com

alta projecção mediática, o jornal

tenha aproveitado para evidenciar

que a violência doméstica atravessa

classes sociais e níveis de ensino.

violência doméstica

pela positiva

que tal não é sinónimo de diminui-

ção dos pedidos de ajuda). Conti-

nua, no entanto, a tendência de des-

culpabilização do agressor (“o idoso

andava deprimido” ou “ciúme e

obsessão são dos motivos mais fre-

quentes para crimes passionais”).

Também no caso do artigo desta

página, à direita, a tentativa de con-

textualização da violência doméstica

resulta em informações erróneas.

“Ciúmes tiram a vida a 26.ª mulher

em 2013”, notícia secundária do

artigo “Mata mulher à frente da

neta”, do Correio da Manhã, de 19

de Outubro, começa logo com um

discurso assente em estereótipos

assimétricos: “Francisco Raposo

não conseguiu aguentar os ciúmes

que tinha da sua mulher”. Desta for-

ma, o texto jornalístico assume uma

suposta inevitabilidade do crime e

uma tentativa de vitimização do

agressor. Por outro lado, o artigo

recorre a dados descontextualizados

da UMAR-União de Mulheres Alter-

nativa e Resposta, para fazer a aná-

lise da problemática da violência

doméstica. O enfoque jornalístico

recai, por exemplo, nos ciúmes do

agressor ou no tipo de arma usada,

quando a própria UMAR evidencia

que a maioria dos homicídios ocorre

por contexto de violência doméstica.

Em conclusão, a construção deste

tipo de discurso está, assim, a con-

tribuir para a invisibilidade da vio-

lência doméstica como acto conti-

nuado.

Page 6: Media + Igual - Boletim 2 Out.2013

Há temas que, pela sua cons-

tante invisibilidade mediática,

são importantes de assinalar

quando, finalmente, chegam

às páginas dos jornais e revis-

tas. É o caso dos três exemplos

que abordamos aqui, que con-

tribuem para a visibilidade de

questões de género habitual-

mente afastadas do debate

público.

O primeiro, publicado no Diário de

Notícias a 22 de Outubro, diz res-

peito ao impacto do VIH especifica-

mente nas mulheres. A análise ser-

ve à desconstrução de vários este-

reótipos associados à doença,

nomeadamente chamando a aten-

ção para as mães portadoras do

vírus, o maior risco de infecção a

partir da menopausa, ou que a for-

ma de transmissão mais frequente

entre as mulheres está nas relações

heterossexuais. Além disso, o artigo

contribui como alerta para a dupla

discriminação sentida pelas mulhe-

res infectadas, mas também para a

falta de representatividade do géne-

ro feminino nos ensaios clínicos de

medicamentos. Como aspecto

menos positivo, os gráficos que

acompanham o texto colocam o

ênfase na proveniência geográfica

das mulheres infectadas com o VIH.

Uma vez que esta questão está

ausente do texto, acaba por ser irre-

levante apontar estas diferenças,

que podem até contribuir para

novas discriminações.

No segundo exemplo, “Nascem 50

bebés por ano com sexo indefini-

do”, da edição de 31 de Outubro do

Diário de Notícias, há uma visibili-

dade positiva dada aos estados

intersexos, assim como a descons-

trução de estereótipos relacionados

com o binarismo de géneros. A par-

tir de um acontecimento internacio-

nal, a jornalista procurou ouvir fon-

tes diversas sobre o tema. No

entanto, a notícia carece de depoi-

mentos de representantes de asso-

ciações intersexo, que possam refe-

renciar a temática na primeira pes-

soa. Em paralelo, a imagem escolhi-

da para ilustrar o artigo (um bebé

cuja cara é uma peça de puzzle por

completar) parece dar a ideia de

que o intersexo é um defeito, algo

que falta, contribuindo para uma

leitura menos positiva da notícia.

Por fim, o artigo “156 mudam de

sexo em três anos”, do Correio da

Manhã de 21 de Outubro, aproveita

a cobertura de um reality show

para dar visibilidade aos procedi-

mentos clínicos de mudança de

sexo, através de uma linguagem

acessível. A explicação pormenori-

zada é positiva, sobretudo porque

indica os procedimentos cirúrgicos

tanto na mudança do corpo mascu-

lino para o feminino, como vice-

versa.

Há, porém, um enfoque exagerado

e sensacionalista na questão das

mudanças cirúrgicas na parte geni-

tal, reduzindo a transexualidade a

este aspecto, que não é essencial.

Ainda em termos negativos, é

necessário destacar a associação da

transexualidade a uma questão de

patologia, patente no discurso,

assim como a exploração de ima-

gem do corpo da Filipa Gonçalves.

visibilidades positivas

06

Page 7: Media + Igual - Boletim 2 Out.2013

Ao longo da monitorização fei-

ta no âmbito do MEDIA +

Igual, têm sido detectados

vários exemplos de notícias

que reduzem detentoras de

cargos e distinções públicas ao

seu género. Construções de

linguagem como “mulher lide-

ra…”, “primeira mulher…” ,

“mulher assume cargo” são

comuns na imprensa nacional.

Perante este uso da linguagem, é

possível argumentar que esta visibi-

lidade de género permite pôr em

evidência as assimetrias sociais

existentes. É certo, mas tal visibili-

dade deve ser acompanhada de um

contexto e da desconstrução dessas

assimetrias. Caso contrário, resulta-

rá na menorização destas mulheres.

É disso exemplo o artigo “Mulher

lidera Banco de Israel”, da edição

de 21 de Outubro do Diário de Notí-

cias. Com este uso da linguagem, o

destaque é dado ao género da eco-

nomista (irrelevante para o cargo),

muito embora ela tenha assumido

interinamente a função nos últimos

meses. Sem outro contexto, o título

apresentado é discriminatório.

Ainda no Diário de Notícias, o arti-

go “Desemprego na mira da primei-

ra mulher à frente da Fed”, de 10 de

Outubro, levanta questões seme-

lhantes. O título menciona que

Janet Yellen será a primeira mulher

a liderar o Banco Federal dos Esta-

do Unidos. Assistimos, mais uma

vez, a uma visão centrada no géne-

ro, reforçando assimetrias. Seria

importante que, em vez da menori-

zação de Yellen ao seu género, o

destaque fosse dado a questões

políticas e financeiras — tal como

seria expectável se o sujeito da notí-

cia fosse um homem. No entanto, o

artigo explora vários elementos da

esfera privada de Yellen, como os

filhos e a necessidade da contrata-

ção de uma ama, que reforçam as

associações estereotipadas do géne-

ro feminino às questões domésticas.

Como elemento positivo, o texto

contextualiza que a administração

dos bancos federais mantém-se um

“mundo de homens”.

Por outro lado, o título escolhido

pelo Correio da Manhã, a 10 de

Outubro, “Nova chefe do dólar”,

acaba por evitar a redução de Yellen

ao seu género. Apesar de sucinta, e

sem acrescentar ideias políticas

concretas, a linguagem usada acaba

por ser mais inclusiva. A referência

ao facto de ser a primeira mulher a

liderar o ‘Fed’ surge apenas no sub-

título. Como aspecto negativo, lê-se

no artigo que “Yellen poderá tornar

-se a mulher mais poderosa do

mundo”, uma frase que reproduz

diferenças de género ao nível das

elites mundiais. Ou seja, como se

Yellen continuasse, mesmo assim,

aquém dos homens mais poderosos

do mundo.

Tais usos da linguagem nos media

não são exclusivos dos temas politi-

co-económicos, atravessando todo o

espectro noticioso. Ainda no Diário

de Notícias (6 de Outubro), a notí-

cia sobre o Prémio Leya de literatu-

ra volta a destacar o género, através

do título “Emigrante desempregada

é a 1.ª mulher a ganhar o Prémio

Leya”. Mais uma vez, há uma pres-

suposição de que o género da ven-

cedora é o mais importante da notí-

cia, quando, de facto, é irrelevante

para a atribuição do prémio. Nota

também para a menção reiterada a

“personagens femininas fortes”, um

discurso que reforça o estereótipo

de que, por norma, essas persona-

gens são tradicionalmente fracas.

análise: “primeiras mulheres”?

07

Page 8: Media + Igual - Boletim 2 Out.2013

A linguagem usada no título deste artigo acaba por

evidenciar uma atitude discriminatória perante o

casamento homossexual. O tom manifestamente

caricato do título (reforçado pelo uso de reticências

e ponto de exclamação) apresenta este casamento

como algo de bizarro e fora do comum.

O título está, portanto, a reforçar assimetrias entre

o casamento heterossexual e homossexual, num

discurso bipolarizado entre ‘normalidade’ e

‘anormalidade’.

O artigo acaba por não desconstruir as assimetrias

de género relacionadas com o corpo (exploração

do corpo da mulher/ percepção assimétrica dos

géneros em termos de sexualidade), apesar destas

questões estarem relacionadas com o tema princi-

pal da notícia. Pelo contrário, há um reforço destas

desigualdades, ao afirmar-se, por exemplo, “esta é

mais uma prova de que o corpo de Gisele Bünd-

chen vale ouro”. Além disso, a caracterização do

corpo da modelo como “invejável”, “apesar de ser

mãe”, induz ainda a imposição de um ideal estéti-

co ao género feminino.

O título deste notícia induz assimetrias de género

que não constam do texto — relacionado com pen-

sões de sobrevivência. Há, portanto, uma generali-

zação absoluta ao género feminino de quem benefi-

cia deste tipo de pensões, que acaba por não ser

justificada. Ao longo do artigo, não encontramos

menção à proporção de mulheres entre as 27 mil

pessoas beneficiárias, pelo que o termo generaliza-

do “viúvas” é usado por uma suposta fragilidade

das mulheres, que ficariam assim desamparadas

devido aos cortes das pensões.

A fotografia escolhida para ilustrar este artigo é

marcadamente sexista. Duas mulheres ladeiam o

carro descrito na notícia, como elemento objectifi-

cado e decorativo em paralelo com o veículo,

ambos apresentados como objectos de desejo

masculino. Este é um estereótipo recorrente no

sector automóvel, que se torna reforçado (e, con-

sequentemente, legitimado) quando apresentado

no discurso jornalístico. Uma linguagem neutra

(ao nível de texto e imagem) deveria afastar-se

destas construções estereotipadas e apresentar

unicamente o carro em questão, sem repercutir

assimetrias de género.

em poucas palavras

08

Diário As Beiras, 07/10/2013 Diário de Notícias, 11/10/2013

Correio da Manhã, 07/10/2013 Maria, 20-26/10/2013

Page 9: Media + Igual - Boletim 2 Out.2013

09

entrevista

Carla Cerqueira é investigado-ra em estudos de género e média. A especialista, que integra o Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) na Universidade do Minho, partilha aqui a sua perspectiva sobre representa-ções de género nos media. E afirma: uma linguagem mais inclusiva só é possível através da educação. Qual a relevância da abordagem académica na área das represen-tações de género nos media? É fundamental incluirmos uma abor-dagem deste tipo na investigação aca-démica na área da comunicação, mas não só. A inclusão de ‘lentes de género’ na investigação afigura-se central para melhorar a qualidade o trabalho reali-zado e esta deve estar presente em ter-mos de uma participação mais equili-brada de investigadores/as, mas tam-bém da incorporação da dimensão de género nos objectivos da pesquisa. No que concerne especificamente ao cam-po da comunicação, este olhar é crucial porque sustenta uma investigação orientada para a crítica e a transforma-ção social, a qual reconhece que os media e os vários públicos podem desempenhar um papel relevante nes-sa transformação. Qual o objectivo do projecto “Género em Foco”, desenvolvido actualmente pelo CECS? O projecto “O género em foco: repre-sentações sociais nas revistas portu-guesas de informação generalista” começou em 2011 e tem um cariz inter-disciplinar. Financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, tem como objectivo central preencher uma lacuna na investigação científica relati-vamente à análise crítica das represen-tações de género nos conteúdos mediá-ticos veiculados no contexto português. O projecto apresenta dois eixos de aná-lise. Por um lado, centra-se nos con-teúdos e produtores/as das revistas de informação generalista (Sábado e Visão). Neste eixo, estamos a analisar de que forma é que homens e mulheres são representados, atendendo também ao sexo dos seus produtores, de forma a detectar eventuais diferenças nas práticas discursivas. Por outro, foca-se nos/as receptores/as dos media e tem

procurado compreender o modo como os produtos mediáticos são apropria-dos pelo público jovem. Realizámos grupos de discussão com mais de 100 jovens e estamos neste momento a analisar os dados. O que podemos esperar da Confe-rência Internacional “Gender in focus: (new) trends in media”? A conferência internacional “Gender in focus: (new) trends in media”, que terá lugar a 20 e 21 de Junho de 2014, na Universidade do Minho, pretende fun-cionar como um espaço de reflexão sobre as questões de género nos media. Trata-se de uma conferência com um enfoque bastante aberto e interdisciplinar, que pretende congre-gar académicos/as, organizações da sociedade civil e profissionais dos vários campos mediáticos. Na sua tese de doutoramento desenvolveu uma análise da cobertura jornalística do Dia Internacional das Mulheres. Quais as principais conclusões? O objectivo central foi perceber como é que evoluiu a cobertura jornalística do Dia Internacional das Mulheres na imprensa portuguesa (1975-2007), em dois jornais diários generalistas nacio-nais – Jornal de Notícias e Diário de Notícias. Nos primeiros anos de come-moração do Dia Internacional das Mulheres, os jornais em análise repre-sentam a efeméride como uma reivin-dicação, sobretudo pelo carácter de associação aos ideais transmitidos pela revolução do 25 de Abril. Mais recente-mente a violência doméstica impõe-se como questão marcante na cobertura. O leque de assuntos mergulhou em vários campos, mas não revelou um tratamento e enquadramento diversifi-cados. Em linhas gerais, é possível visionar uma concepção do poder feminino enquanto idoneidade para penetrar na esfera pública. O tópico mais pertinente é a igualdade, definida como a capacidade para inverter os papéis tradicionais de género. As mulheres são construídas com caracte-rísticas tradicionalmente associadas ao ‘masculino’, isto é, como casos excep-cionais. Podemos referir a existência de uma visão dicotómica das próprias mulheres – ou são alvo da fatalidade a que estão sujeitas, ou são seres ‘especiais’, que conseguem triunfar num mundo dominado pelos homens.

No âmbito do “MEDIA + Igual”, deparamo-nos com um reforço sistemático de estereótipos de género na linguagem jornalística. Como tem sido a evolução desta tendência? A linguagem jornalística assume, actualmente, uma nova ‘roupagem’, através de um tom aparentemente mais igualitário e emancipatório, mas muitos dos discursos permanecem pra-ticamente inalterados, em termos de substância. Há uma aproximação do discurso considerado politicamente correcto, até porque os mecanismos de regulação do jornalismo são cada vez mais tido em consideração. Esta mudança é extremamente ilusória no sentido em que as exclusões e secunda-rizações continuam a ser bem patentes. Como se poderá promover uma linguagem mais inclusiva nos media nacionais? Tenho insistido na necessidade de arti-culação dos diversos actores envolvi-dos nestas questões: a academia, as organizações da sociedade civil que trabalham com estas questões e os/as profissionais do campo mediático. Por outro lado, é preciso trabalhar na des-construção das desigualdades de géne-ro que são estruturais na sociedade e daí que a educação assuma um papel essencial. É necessário o desenvolvi-mento de um sentido crítico aprimora-do, isto é, para uma educação que per-mita o questionamento dos conteúdos difundidos pelos media. Paralelamen-te, é preciso consciencializar as/os jor-nalistas que a linguagem não é algo estático e que depende de nós torná-la mais inclusiva. Sublinho a importância de incluir esta educação mediática jun-to dos/as estudantes de comunicação.

Page 10: Media + Igual - Boletim 2 Out.2013

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créditos

Edição: IEBA—Centro de Iniciativas Empresariais e Sociais, Outubro 2013 Revisão: ULAI—Unidade Local de Análise de Imprensa - APPACDM Coimbra, APAV, GRAAL, NÃO TE PRIVES, SOS RACISMO, UMAR Contactos: IEBA Parque Industrial Manuel Lourenço Ferreira, Lote 12—Apartado 38, 3450-232 Mortágua, [email protected] | [email protected]

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fomos notícia Na sequência da apresentação do

projecto, a 2 de Outubro, o MEDIA

+ Igual ganhou visibilidade nos

media, através de duas notícias. As

coberturas foram asseguradas pelas

publicações regionais “As Beiras” e

“Diário de Coimbra” , que são dois

dos órgãos de comunicação social

monitorizados no âmbito do projec-

to.

Em ambos os artigos, foram realça-

dos os objectivos e metodologia do

projectos, assim como o trabalho

em rede com os vários parceiros.

Foram igualmente abordados

exemplos de temas ligados a assi-

metrias de género, que são objecto

de análise do projecto, embora não

tivessem sido apresentados exem-

plos concretos dos artigos analisa-

dos na reunião mensal de Outubro.

O objectivos do projecto MEDIA +

Igual passam pela promoção de

um maior debate público em torno

das representações de género nos

media. Contribuir para uma visibi-

lidade generalizada dos media

como elementos fundamentais na

manutenção ou desconstrução de

estereótipos de género é essencial

para a diminuição das assimetrias

sociais de género.

A visibilidade do próprio projecto

nos media é, por isso, extrema-

mente relevante. Daí a nota de

destaque, neste boletim, sobre os

ecos do Media + Igual na

imprensa generalista.

agenda

Reunião MEDIA + Igual

11 de Dezembro

Casa de Chá, Jardim da Sereia

Coimbra

10h:00m

ler +

Relatório do Observatório das Mulheres Assassinadas/

UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta

Por ocasião do Dia Internacional pela Eliminação de Todas as For-

mas de Violência sobre as Mulheres, a 25 de Novembro, a UMAR

apresentou o relatório dos dados sobre femicídio e tentativas de

femicídio ocorridas em Portugal, entre Janeiro e Novembro de 2013.

Este é o mais recente documento público de um trabalho desenvol-

vido desde 2002 e apresentado anualmente a partir de 2004.

A publicação pode ser consultada, na íntegra, no website da UMAR,

em www.umarfeminismos.org