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AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE
ENTRE A GESTÃO DE
PROCEDIMENTOS E A
COMPLEXIDADE DE UM SISTEMA
SÓCIO-TÉCNICO: ESTUDO DE CASO
NA SALA DE CONTROLE DE UMA
REFINARIA DE PETRÓLEO
Tarcisio Abreu Saurin (UFRGS)
Santiago Sosa Gonzalez (UFRGS)
Embora seja reconhecida a necessidade de que um sistema complexo
seja gerenciado de modo compatível com a sua natureza, há pouco
conhecimento acerca de como avaliar a extensão pela qual isso ocorre.
Este estudo apresenta a avaliação da comppatibilidade entre a gestão
de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo.
O estudo foi conduzido na sala de controle de uma refinaria de
petróleo, por meio das seguintes etapas: delimitação do sistema
investigado; descrição do sistema segundo suas características de
complexidade; aplicação de dois questionários aos operadores do
sistema - um para avaliar a percepção quanto à aplicabilidade de
princípios acerca de como os procedimentos deveriam ser gerenciados
em um sistema complexo e outro para avaliar a percepção acerca do
uso desses princípios; uma reunião para discussão dos resultados
junto aos operadores. A identificação de oportunidades de melhoria no
sistema ilustra a utilidade da avaliação realizada.
Palavras-chaves: procedimentos, sistemas complexos, sistemas sócio-
técnicos, salas de controle.
XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção
Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.
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1. Introdução
O uso de procedimentos padronizados é uma característica marcante das atuais organizações
industriais e de serviços. Embora as falhas na concepção e execução de procedimentos sejam
frequentemente apontadas como contribuintes em acidentes ocupacionais e organizacionais, a
perspectiva sócio-técnica indica que as causas dessas falhas não devem ser simplificadas.
Nessa perspectiva, as causas normalmente não podem ser atribuídas à negligência ou
incapacidade dos operadores, devendo-se levar em conta o contexto organizacional
(DEKKER, 2003).
A teoria dos sistemas complexos é usada, no presente trabalho, como referência para
descrever o contexto organizacional. Além de contribuir para a descrição do contexto, essa
teoria também tem o papel de chamar a atenção para certas características de uma organização
e induzir ao uso de determinadas práticas. Entretanto, os sistemas complexos costumam não
ser gerenciados de modo compatível com a sua natureza, havendo a tendência de simplificar
as situações de trabalho (CLEGG, 2000). A falta de compatibilidade entre a natureza de um
sistema complexo e as suas estratégias de gestão deve-se, em parte, a falta de métodos ou
diretrizes para que ocorra a avaliação da compatibilidade. Neste artigo, é discutida
especificamente a avaliação de compatibilidade entre a natureza de um sistema complexo e a
gestão de procedimentos, processo que envolve a concepção, uso e melhoria contínua dos
mesmos.
Como um requisito para viabilizar esse tipo de avaliação, é necessário descrever um sistema
sócio-técnico como um sistema complexo. De fato, caso o sistema não apresente
características marcantes de complexidade, sua gestão segundo os princípios associados a esse
tema não faz sentido. Outro requisito para avaliar a compatibilidade entre os procedimentos e
a complexidade de um sistema é o estabelecimento de uma clara referência acerca de como a
gestão de procedimentos deveria ocorrer em um sistema complexo (DEKKER, 2003). Neste
contexto, a questão de pesquisa abordada nesse artigo pode ser enunciada como segue: como
avaliar a compatibilidade entre a gestão de procedimentos e a natureza de um sistema
complexo? Essa questão é investigada por meio de um estudo de caso na sala de controle de
uma refinaria de petróleo, um ambiente normalmente caracterizado como fortemente
complexo (PERROW, 1984).
2. Características de sistemas complexos
O seguinte conjunto de características de sistemas complexos é adotado neste trabalho:
(a) grande número de elementos que interagem dinamicamente: embora os sistemas
complexos sejam geralmente formados por uma grande quantidade de elementos, isso
somente é um indício de complexidade se os elementos interagem dinamicamente, o que
implica em que o sistema mude ao longo do tempo (CILLIERS, 1998). Além disso, quanto
mais elementos um sistema tem, maior é o número potencial de interações, e portanto maior é
a probabilidade de que um elemento qualquer influencie, e seja influenciado, por vários outros
elementos (PERROW, 1984);
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(b) grande diversidade de elementos: o grande número de elementos de um sistema
complexo pode ser diferenciado conforme diversas categorias, tais como níveis hierárquicos,
divisão de tarefas, especializações, entradas e saídas. Em função disso, a natureza das relações
entre os elementos tende a crescer em variedade, em termos de aspectos como níveis de
cooperação, interdependência, compartilhamento de objetivos e trocas de energia
(VESTERBY, 2008);
(c) incerteza na tomada de decisões: a grande quantidade e diversidade das interações em
um sistema complexo faz com que seja difícil a repetição de relações de causa e efeito, as
quais normalmente são coerentes retrospectivamente (HOLLNAGEL et al., 2011). A
incerteza na tomada de decisão também decorre dos fatos de que os elementos recebem
informações de fontes indiretas (especialmente em sistemas automatizados) e de que essas
informações são recebidas primariamente de elementos vizinhos. De fato, os elementos
tendem a ter pouco conhecimento do comportamento do sistema como um todo, e assim o
impulso natural é tomar decisões com base nas informações disponíveis localmente
(CILLIERS, 1998). Em função desse contexto, a eficácia limitada de controles baseados em
planejamento e antecipação deveria ser reconhecida em sistemas complexos, visto que nesses
ambientes inevitavelmente há uma substancial incerteza;
(d) variabilidade não antecipada: quatro aspectos de um sistema complexo são englobados
pelo rótulo adotado para designar essa característica. O ponto em comum entre todos eles, que
justifica a apresentação conjunta, é a sua contribuição para a variabilidade não antecipada.
Esses aspectos são os seguintes:
- interações não lineares, expressão que se refere ao fato de que pequenas mudanças nas
entradas de um processo podem causar modificações desproporcionais nas suas saídas. Outras
expressões frequentemente adotadas para se referir a essa característica são sensibilidade às
condições iniciais e efeito borboleta (CILLIERS, 1998);
- elementos rigidamente acoplados, o que permite a rápida propagação de erros. Algumas
características dos ambientes de trabalho operacionalizam os acoplamentos rígidos, tais como
a proximidade entre equipamentos e a proximidade entre etapas da produção (PERROW,
1984);
- fenômenos emergentes, definidos como aqueles que naturalmente surgem a partir das
interações entre os elementos, independente de um controle central. Uma característica chave
de um fenômeno emergente é que as suas propriedades não são encontradas nos elementos a
partir dos quais eles surgiram (DEKKER, 2011);
- feedback loops inesperados e/ou indesejados, também conhecidos como relações circulares
de causa e efeito. Essa característica implica em que os efeitos de uma ação podem
inesperadamente retroalimentar ela mesma, levando a amplificação ou supressão da ação
inicial, sob o risco de levar um processo a resultados diferentes dos planejados (CILLIERS,
1998);
(e) resiliência: um sistema complexo é resiliente, a fim de lidar com um ambiente incerto e
dinâmico. Por sua vez, resiliência é a habilidade de um sistema ajustar o seu funcionamento
antes, durante, ou após mudanças e perturbações, de modo que o sistema mantenha as
operações necessárias tanto sob condições esperadas quanto inesperadas
(HOLLNAGEL et al., 2011). Além das características anteriormente mencionadas,
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tratando de incerteza na tomada de decisão e variabilidade não antecipada, a resiliência é
necessária devido a duas outras características de sistemas complexos: eles são sistemas
abertos, o que significa que há interação com o ambiente externo, o qual, por si só, é uma
grande fonte de variabilidade; o comportamento dos elementos é guiado por feedback, tanto a
partir de eventos recentes quanto da história mais antiga da organização (CILLIERS, 1998).
3. Princípios para gestão de procedimentos em sistemas complexos
A Figura 1 apresenta os princípios adotados nesse trabalho, bem como as justificativas para os
mesmos com base nos seus vínculos conceituais com a teoria da complexidade.
Categoria de
princípios
Princípios Justificativas com base na teoria da
complexidade
Filosofia de gestão
dos procedimentos
(1) As diferenças entre os procedimentos e o
trabalho real podem ser frequentes, legítimas e
normais.
(2) O descumprimento de procedimentos não é,
necessariamente, visto como um erro humano
ou algo passível de punição.
(1) A incerteza e a variabilidade não
antecipada criam uma distância entre o
trabalho real e aquele imaginado nos
procedimentos.
(2) As limitações dos procedimentos, bem
como o contexto de trabalho dinâmico,
induzem a desvios dos procedimentos.
Processo de
concepção dos
procedimentos
(3) Os procedimentos devem ser concebidos,
revisados e monitorados por uma equipe com
representantes de todas as áreas da empresa
afetadas pelo mesmo
(3) O uso de diferentes perspectivas na
gestão de procedimentos reduz a incerteza
e a variabilidade não antecipada
Conteúdo dos
procedimentos
(4) O conteúdo dos procedimentos deve
explicitar suas relações de dependência com
outros elementos do sistema, salientando os
motivos e impactos dessas relações.
(5) Os procedimentos devem explicitar
possíveis fatores que podem levar a
necessidades de adaptação dos mesmos.
(4) A grande quantidade de interações, e a
diversidade na natureza dessas, devem ser
compreendidas tão bem quanto possível,
para reduzir a incerteza e a variabilidade
não antecipada.
(5) A explicitação desses fatores pode
auxiliar os operadores a reconhecerem
quando os procedimentos devem ser
adaptados.
Monitoramento de
procedimentos
(6) As diferenças entre os procedimentos e o
trabalho real devem ser monitoradas, visando
aproximar o trabalho prescrito e o real.
(7) Deve existir capacitação, por meio de
estratégias formais e informais, para os
operadores perceberem quando e como adaptar
os procedimentos.
(6) A compreensão dessas diferenças é
útil para entender e melhorar a resiliência
do sistema.
(7) Saber quando e como adaptar é um
forte indício de resiliência
Figura 1. Princípios para gestão de procedimentos em sistemas complexos
4. Método de pesquisa
4.1 Delimitação do sistema sócio-técnico
Conforme já comentado na introdução deste artigo, a avaliação foi conduzida na sala de
controle de uma refinaria de petróleo. Além desse setor ser apontado como
complexo (PERROW, 1984), outros dois motivos levaram a escolha do mesmo: o
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interesse da refinaria em desenvolver melhorias nos seus processos gerenciais; a familiaridade
do pesquisador que coletou os dados com o sistema em questão, na medida em que ele possui
formação em engenharia química e já havia realizado trabalhos anteriores de assessoria na
planta estudada.
Previamente ao início da coleta de dados de campo, houve um encontro entre dois
representantes da equipe de pesquisa com dois representantes da empresa. Nessa reunião, a
proposta de pesquisa e conceitos de complexidade foram apresentados, bem como foi definido
o foco na sala de controle do setor da logística, visto que os representantes da empresa
associaram o mesmo com as características de complexidade apresentadas.
4.2 Caracterização do sistema investigado como um sistema complexo
Após ter sido definido o sistema a ser estudado, foi necessário descrever o mesmo,
evidenciando as características de complexidade que justificavam a aplicabilidade dos
princípios de gestão de procedimentos. Tendo em vista o estabelecimento de um guia para
coletar os dados necessários a essa descrição, foram elaboradas duas listas de informações de
interesse e fontes para obtê-las (Figuras 2 e 3). A coleta dos dados referentes à caracterização
dos subsistemas do sistema sócio-técnico foi feita inicialmente, visto que ela proporcionou um
conhecimento abrangente acerca do sistema, bem como gerou vários dados que também
foram úteis para a caracterização da complexidade, tais como número de operadores, tipos e
características de equipamentos.
Subsistema Exemplos de informações de interesse Exemplos de fontes de informações
Social Número de operadores, sexo, idade,
escolaridade, tempo de experiência.
Questionários, bancos de dados no setor de
recursos humanos.
Técnico Tipos de equipamentos, nível de automação,
materiais, ferramentas.
Entrevistas, observações, manuais de operação
dos equipamentos, procedimentos.
Organização do
trabalho
Jornada de trabalho, sistemas de medição de
desempenho, níveis hierárquicos,
procedimentos, layout, sistema de remuneração,
interdependência entre operações, programa de
manutenção de equipamentos, nível de
demanda.
Procedimentos, atas das reuniões para
concepção e revisão de procedimentos,
organograma, plantas de layout, fluxogramas
de processo, observações do trabalho,
entrevistas, registros de manutenção, relatórios
de investigação de incidentes.
Ambiente
externo
Condições climáticas, pressões da sociedade,
disponibilidade e qualificação da mão-de-obra
na região, legislação aplicável ao sistema,
suscetibilidade a perturbações políticas e
macroeconômicas nacionais e internacionais.
Entrevistas, observações do trabalho, relatórios
de investigação de incidentes.
Figura 2. Exemplos de informações e fontes de informações para caracterização dos subsistemas sócio-técnicos
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Características de sistemas
complexos
Exemplos de informações de interesse Exemplos de fontes de
informações de interesse
Grande número de elementos
que interagem
dinamicamente
Número de funcionários, equipamentos,
procedimentos, parâmetros para controle das
operações.
Observações do trabalho,
procedimentos, entrevistas por
meio do método das decisões
críticas (MDC).
Grande diversidade de
elementos
Níveis de especialização dos funcionários,
tipos de equipamentos, ferramentas e
materiais, níveis hierárquicos, tipos de
software, tipos de procedimentos.
Observações do trabalho,
organogramas, procedimentos,
manuais de operação de
equipamentos e softwares,
entrevistas por meio do MDC.
Incerteza na tomada de
decisões
Tipos de decisões tomadas pelos operadores,
dúvidas que surgem durante a tomada de
decisão, fontes de incerteza, nível de
detalhamento da programação da produção,
nível de detalhamento dos procedimentos.
Observações do trabalho,
procedimentos, programação da
produção, relatórios de
investigação de incidentes,
entrevistas por meio do MDC.
Variabilidade não antecipada
Causas de incidentes, causas de produtos
defeituosos, causas de atrasos na entrega de
produtos, causas de adaptações de
procedimentos.
Cartas de controle estatístico de
processo, relatórios de
investigação de incidentes,
relatórios com resultados e análise
do desempenho da empresa
perante os clientes, entrevistas por
meio do MDC.
Resiliência
Modificações em quaisquer aspectos dos
subsistemas sócio-técnicos, razões dessas
modificações, práticas informais de trabalho,
exemplos de adaptações de procedimentos.
Relatórios de investigação de
incidentes, observações do
trabalho para comparar o trabalho
real e o prescrito, entrevistas por
meio do MDC.
Figura 3. Exemplos de informações e fontes de informações para caracterizar a complexidade do sistema
investigado
Embora as fontes de informações citadas nas Figuras 2 e 3 sejam na maior parte de simples
compreensão, cabem esclarecimentos acerca das entrevistas conduzidas por meio do método
das decisões críticas (MDC). Esse método é amplamente usado como uma das principais
ferramentas para conduzir a análise cognitiva de uma tarefa, visto que ele permite investigar
como experts lidam com situações desafiadoras, oportunidades em que provavelmente os
conhecimentos tácitos desempenharam um papel relevante. O MDC apresenta quatro etapas:
identificação do incidente, elaboração da linha do tempo, aprofundamento, questões do tipo “e
se” (CRANDALL et al., 2006).
Cinco trabalhadores foram entrevistados, a partir de indicações de seus superiores imediatos,
que reconheciam nos mesmos qualificações acima da média. Além de entrevistas formais, por
meio do MDC, o pesquisador teve diversas oportunidades para coletar as informações de
interesse por meio de conversas informais com os operadores. Ao todo, a coleta de dados para
caracterização da complexidade foi realizada ao longo de dois meses (10 visitas à empresa),
consumindo aproximadamente 55 horas em trabalhos de campo. Os resultados da
caracterização da complexidade foram apresentados aos dois representantes da refinaria que
estavam presentes na reunião de lançamento do projeto, bem como a um representante do
setor de logística.
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4.3 Concepção e aplicação de questionários
Embora a caracterização da complexidade do sistema proporcionasse indícios acerca do uso
dos princípios para gestão de procedimentos, esses eram dados secundários para fins de
avaliação da compatibilidade. Em função disso, dados primários foram coletados por meio da
aplicação de dois questionários aos operadores do sistema. O questionário 1, denominado
aplicabilidade, continha 7 questões a fim de avaliar o quanto os trabalhadores acreditavam
que os princípios eram aplicáveis ao seu ambiente de trabalho. O questionário 2, denominado
uso, possuía 7 questões a fim de avaliar a percepção dos trabalhadores acerca da intensidade
de uso real dos princípios. Os questionários foram desenvolvidos de forma que, em cada um
deles, havia uma questão referente a cada um dos sete princípios. A Figura 4 apresenta
exemplos de questões de cada tipo de questionário, nos quais o respondente possuía liberdade
para assinalar um X em qualquer ponto da escala de quinze centímetros.
As diferenças entre os procedimentos e o trabalho real devem ser monitoradas, visando aproximar o
trabalho prescrito e o real
As diferenças entre os procedimentos e o trabalho real são monitoradas, visando aproximar o trabalho
prescrito e o real.
Discordo
totalmente Concordo totalmente
Discordo
totalmente Concordo
totalmente
Figura 4. Exemplo de pergunta do questionário 1 (acima) e do questionário 2 (abaixo)
Os questionários foram respondidos por quatro supervisores e vinte e seis operadores do setor
da logística, dentre uma população total de trinta funcionários. Considerou-se que os
questionários eram válidos quando atendiam aos seguintes critérios: preenchimento por
operadores que exerciam, ou já exerceram, funções na sala de controle; mais de 70% das
questões respondidas; menos de 30% das respostas assinaladas nos extremos da escala. Com
base nesses critérios, todos os sessenta questionários respondidos foram considerados válidos.
A análise dos resultados dos questionários foi conduzida por meio dos seguintes passos:
(a) cálculo das estatísticas descritivas, tais como média aritmética e coeficiente de variação.
Assumindo que a caracterização de complexidade evidenciou a presença de todas as
características de sistemas complexos, deveria haver concordância com a aplicabilidade de
todos os princípios, o que pode ser interpretado como a existência de médias maiores que 7,5
no questionário 1. Quando houve baixa concordância com os enunciados do questionário 1,
isso foi tomado como indício de que os operadores tinham uma interpretação sobre a gestão
de procedimentos incompatível com a natureza do sistema. Em relação ao
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questionário 2, interpretou-se que as questões com médias abaixo de 7,5 indicavam pouco uso
dos princípios e a consequente oportunidade de melhorar essa situação;
(b) cálculo da diferença entre as médias aritméticas das respostas dos questionários 1 e 2, por
meio da equação 1. Três cenários podem ocorrer a partir desse cálculo: um valor positivo,
indicando que os operadores consideram que o princípio deveria ser aplicado de forma mais
intensa do que realmente ocorre; um valor negativo, indicando que o princípio é aplicado de
modo mais presente do que os operadores consideram correto; o valor zero indicando que o
principio é aplicado com a mesma intensidade que os operadores consideram correto. Nos três
cenários, oportunidades de melhoria podem ser identificadas. No primeiro caso, a
recomendação é intensificar o uso do princípio. No segundo caso, deve haver um processo de
capacitação para que os operadores percebam a utilidade do princípio que está sendo aplicado.
No terceiro caso, a oportunidade de melhoria é mais evidente se o valor zero for originado de
médias abaixo de 7,5 em ambos os questionários.
(1)
Onde: ∆i é a diferença entre a média das respostas, para o princípio de gestão de
procedimentos i nos dois questionários; M1i é a média das respostas do questionário 1 ao
princípio i; M2i é a média das respostas do questionário 2 ao princípio i;
(c) realização de uma reunião para discussão dos resultados, envolvendo representantes dos
operadores, supervisores e gerentes. Um ponto de especial ênfase nessa reunião foi a
discussão das respostas com maiores coeficientes de variação, buscando possíveis explicações
para isso, bem como a discussão de oportunidades de melhorias, tanto nos procedimentos de
pesquisa quanto no sistema investigado. Além disso, houve uma entrevista final, destinada a
contribuir na avaliação da utilidade e facilidade de uso do método de avaliação, junto a um
supervisor que esteve envolvido ativamente em todas as etapas da pesquisa.
5. Resultados
5.1 Descrição do sistema investigado como um sistema complexo
Nesta seção, é apresentada, a título de ilustração, a caracterização do sistema investigado
segundo três das cinco categorias de características de sistemas complexos anteriormente
mencionadas.
5.1.1 Grande número de elementos interagindo dinamicamente
O setor de logística é composto por seis áreas operacionais que estão ativas em três turnos
diários, além de uma área administrativa que trabalha apenas um turno por dia. A
sala de controle é uma dessas seis áreas operacionais. Essa sala está localizada em
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uma área denominada centro integrado de controle, na qual ficam reunidas as salas de
controles de todos os setores da refinaria.
O setor de logística cumpre várias funções na refinaria, tais como: controlar o fluxo de
matérias-primas entre os processos internos da refinaria e entre esses e os clientes finais,
como distribuidoras de combustíveis; controlar a armazenagem de matérias-primas e produtos
finais; controlar a mistura de diferentes matérias-primas, visando à obtenção de produtos
finais; controlar as entradas e saídas na estação de tratamento de dejetos industriais.
Ao todo, o setor possui 69 operadores que se revezam periodicamente na operação da sala de
controle e áreas industriais. Os turnos de trabalho são de 8 horas, e ao todo há 8 operadores
em cada turno, além de um supervisor. O trabalho na sala de controle é realizado por 2
operadores, de modo que, em qualquer momento, a maioria dos operadores está atuando em
outras áreas, em colaboração com a dupla na sala de controle. Embora não exista um padrão
acerca da divisão de tarefas entre ambos, normalmente um controla as expedições de produtos
e recebimento de matérias-primas, enquanto o outro se ocupa com as demais atividades.
Embora na sala de controle a quantidade de elementos físicos seja pequena, os operadores
interagem virtualmente com muitos elementos externos à sala, incluindo os clientes finais. De
fato, os tanques e dutos possuem uma série de instrumentos, que por sua vez fornecem
informações acerca do status das operações, em termos de parâmetros como pressões e
temperaturas. Na época desta pesquisa havia 2260 informações acerca do status das
operações, as quais ficavam disponíveis on-line nos monitores dos computadores da sala de
controle. Caso o operador suspeite que os dados apresentados nas telas são incorretos, ele
pode solicitar, via rádio, que os operadores das demais áreas avaliem in loco a suspeita de
anomalia e transmitam seu parecer.
Em particular, as atividades na sala de controle têm interações frequentes e importantes com
os setores de destilação e craqueamento, visto que elas gerenciam a entrada de matérias-
primas nesses setores e a saída de produtos finais. As quantidades de matérias-primas e
produção diária são definidas em conjunto pelos operadores, setor de programação da
produção e setor de vendas. Também vale salientar que eventos anômalos podem alterar a
frequência das interações em curto espaço de tempo, tais como fortes chuvas ou falhas de
equipamentos e instrumentos. A natureza das interações também é alterada com mudanças
tecnológicas, tal como a recente introdução de um novo software nas operações da sala de
controle.
5.1.2 Variabilidade não antecipada
Como é da natureza de processos contínuos de produção, como o refino de petróleo, o sistema
investigado apresenta acoplamentos rígidos entre os seus elementos, o que pode contribuir
para a rápida propagação de erros em sequências inesperadas. Um exemplo de acoplamento
diz respeito ao uso de água para minimizar a formação de fumaça nas tochas, que se utilizada
em demasia, pode prejudicar o desempenho do sistema de geração de energia, que usa água da
mesma fonte. Variabilidades não antecipadas também podem surgir a partir de situações como
as seguintes:
(a) quando há algum risco operacional iminente nos processos de destilação e
craqueamento, todo o material em processo é purgado para as tochas, dessa forma
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aliviando a pressão nos respectivos sistemas. Nessas situações, cujo momento de ocorrência e
intensidade não podem ser previstos, os operadores devem ser capazes de manter um
equilíbrio entre a necessidade de purgar os derivados e não gerar poluentes em excesso;
(b) solicitações, pelo cliente e sem aviso prévio, para que a entrega de produtos seja
repentinamente suspensa, o que pode implicar na reprogramação da produção em todos os
setores da refinaria;
(c) falhas em instrumentos ou equipamentos, as quais não podem ser completamente previstas
e, se ignoradas no curto prazo, podem desencadear problemas de grandes proporções em
médio e longo prazo.
5.2.5 Resiliência
As fontes de incertezas e variabilidades não antecipadas, anteriormente mencionadas,
demandam resiliência na sala de controle, seja em nível individual, de equipe ou
organizacional. Dentre as manifestações observáveis de resiliência na sala de controle, podem
ser citadas ações de controle baseadas em feedback, tal como na situação em que uma nova
carga enviada pela logística a outro setor causa perturbações nas operações. Nesses casos, os
operadores são requisitados a realizar ação corretiva, que normalmente envolve adicionar a
nova carga em pequenas doses, até que seja estabelecido um fluxo normal e contínuo.
Em casos como o desse exemplo, a reavaliação das decisões deve ocorrer em curto espaço de
tempo, não raro da ordem de dois a três minutos. A contínua comunicação entre operadores e
equipes no campo foi apontada pelos entrevistados como fundamental para viabilizar esses
ciclos de controle por meio de feedback. Vale salientar que a resiliência tende a ser facilitada
em função do bom nível de qualificação formal dos operadores.
5.3 Principais características da gestão de procedimentos no sistema investigado
A atividade de operador da sala de controle requer o uso de 43 procedimentos, além de 9
manuais acerca do funcionamento dos equipamentos e normas de segurança no trabalho,
válidas para todos os setores da planta. Todos esses documentos estão integrados a sistemas
de gestão certificados com base nas normas ISO 9001, ISO 14001 e OHSAS 18001. Há uma
comissão designada para continuamente revisar os procedimentos, formada pelos próprios
operadores da logística. A cada dois anos é obrigatória uma reavaliação dos procedimentos,
por parte da comissão responsável, caso esses não tenham sofrido alterações.
Além de sugestões enviadas pelos funcionários por meio de canais específicos para essa
finalidade, outra fonte de demandas de revisão dos procedimentos são as mudanças que
ocorrem no sistema regularmente, como atualizações de equipamentos. Contudo, de acordo
com relatos obtidos nas entrevistas, a recente intensificação da automação das operações não
tem sido acompanhada, na mesma velocidade, pela atualização dos procedimentos.
6. Resultados da aplicação dos questionários
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6.1 Filosofia de gestão dos procedimentos
A Tabela 1 apresenta as respostas aos questionários 1 e 2, considerando as perguntas
referentes à filosofia de gestão dos procedimentos. Em particular, chama a atenção a baixa
aplicabilidade percebida em relação ao princípio 1, o que não encontra respaldo na
caracterização do sistema. De fato, o sistema possui características que induzem o trabalho
real a diferir do prescrito, tais como a relativa grande quantidade de procedimentos e as
interdependências entre os mesmos. Isso pode levar ao não cumprimento involuntário de
algum procedimento, em função da dificuldade de compreender os impactos de uma ação ou
decisão em todos os pontos do sistema. Como evidência dessa dificuldade, a Figura 5
apresenta as inter-relações entre os procedimentos mais utilizados pelos operadores.
Tabela 1. Médias e diferenças entre as médias (filosofia de gestão dos procedimentos)
Princípios de gestão de procedimentos M1 M2 ∆ CV1 CV2
Filosofia
(1) As diferenças entre os procedimentos e o trabalho real devem ser
consideradas frequentes, legítimas e normais 5,92 8,38 -2,46
83% 54%
(2) O descumprimento de procedimentos não deve, necessariamente, ser interpretado como um erro humano e nem algo passível de punição
8,87 9,35 -0,48 46% 45%
Na reunião de retorno dos resultados, os funcionários relataram que a dificuldade de
reconhecimento explícito da aplicabilidade do princípio 1 deve-se ao fato de que ele é
contrário ao senso comum e contrário à cultura introduzida pela certificação com base nas
normas da família ISO 9000 e similares, que indica a necessidade de sempre seguir os
procedimentos, sob pena de pareceres negativos de auditores externos. No entanto, vale
salientar que a aplicabilidade do princípio 1 foi reconhecida por alguns respondentes,
conforme refletido pelo alto CV1 (83%) nas respostas referentes ao mesmo no questionário 1.
De certa forma, a aplicabilidade também foi reconhecida na medida em que houve um grau de
concordância maior e uma variabilidade menor quando os operadores foram questionados
acerca do real uso desse princípio, o que reforça os indícios de que os procedimentos são
frequentemente adaptados, embora haja resistência em reconhecer isso explicitamente.
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Nota: o documento de onde está saindo a flecha referencia, e requer o uso, do documento em que a flecha está chegando.
Figura 5. Interdependências entre procedimentos usados na sala de controle da logística
As percepções dos respondentes em relação ao princípio 2, tanto em relação à aplicabilidade
quanto em relação ao uso, apresentaram certa compatibilidade com a natureza do sistema (M1
= 8,87, CV1 = 46%; M2 = 9,35, CV2 = 45%). No entanto, outras evidências, além das
percepções, ajudam a esclarecer porque as médias dos questionários não foram ainda mais
altas, indicando espaço para melhorias. Na reunião de retorno dos resultados, os operadores
apontaram que podem ocorrer retaliações informais e não explícitas, quando alguma
anormalidade nas operações estiver associada ao descumprimento de um procedimento.
6.2 Processo de concepção dos procedimentos
A Tabela 2 apresenta as percepções referentes ao único princípio associado ao processo de
concepção dos procedimentos. Enquanto os operadores percebem esse princípio como
fortemente aplicável, eles reconhecem que o uso do mesmo, na prática, deixa a desejar. A
percepção acerca do baixo uso desse princípio encontra respaldo na caracterização do sistema,
a qual apontou que a concepção e revisão dos procedimentos é realizada apenas por membros
de um mesmo setor. Como possível critério para definir quem deve compor uma equipe
multisetorial de gestão de procedimentos, poderiam ser envolvidos os representantes das
atividades associadas aos procedimentos que são referenciados pelo documento
que está sendo concebido, revisado ou avaliado.
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Tabela 2. Médias e diferenças entre as médias (processo de concepção dos procedimentos)
Princípios de gestão de procedimentos M1 M2 ∆ CV1 CV2
Processo de concepção
(3) Os procedimentos devem ser concebidos, revisados e monitorados por
uma equipe com representantes de todas as áreas da empresa afetadas pelo
mesmo
11,06 5,89 5,17
32% 71%
6.3 Conteúdo dos procedimentos
A Tabela 3 apresenta as percepções referentes aos dois princípios vinculados ao conteúdo dos
procedimentos. Há forte aceitação e certo consenso quanto à aplicabilidade dos princípios,
embora os respondentes acreditem que o uso dos mesmos não é intenso na mesma ordem de
grandeza, especialmente no que se refere ao princípio 5. As percepções acerca da
aplicabilidade são consistentes com as características do sistema, na medida em que as
operações da sala de controle são expostas à variabilidade não antecipada e têm interfaces
com uma ampla gama de elementos técnicos e humanos, externos e internos à planta.
As percepções razoavelmente positivas acerca do uso do princípio 4 possivelmente se devem
ao fato de que cada procedimento explicita os nomes dos demais procedimentos que devem
ser consultados para sua execução. Contudo, a percepção acerca do uso desse princípio não
foi ainda mais positiva uma vez que a citação a outros procedimentos não é acompanhada de
explicações acerca das complementariedades.
Tabela 3. Médias e diferenças entre as médias (conteúdo dos procedimentos)
Princípios de gestão de procedimentos M1 M2 ∆ CV1 CV2
Conteúdo
(4) O conteúdo dos procedimentos deve explicitar suas relações de dependência
com outros elementos do sistema, como outros setores e atividades, salientando os
motivos e impactos dessas relações
13,20 9,32 3,88
14%
40%
(5) Os procedimentos devem explicitar fatores que podem levar a necessidades de
adaptação dos mesmos 12,59 6,28 6,31
15% 63%
As percepções acerca do princípio 5 revelam uma distância significativa entre a aplicabilidade
e o real uso. Na reunião de retorno dos resultados, os operadores sugeriram que o princípio 5
poderia ser operacionalizado por meio do acréscimo de um campo nos procedimentos,
destinado à descrição de anomalias e necessidades de adaptações frequentes e importantes,
embora sem necessariamente haver prescrição acerca do que deveria ser feito nessas
situações. Também cabe salientar que a forte percepção acerca da aplicabilidade do princípio
5 indica que os operadores reconhecem que os procedimentos por vezes devem ser adaptados.
6.4 Monitoramento dos procedimentos
A Tabela 4 apresenta as percepções referentes aos dois princípios vinculados ao
monitoramento dos procedimentos. Assim como ocorreu com os princípios
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associados ao conteúdo, houve forte concordância e certo consenso quanto à aplicabilidade
dos princípios 6 e 7, mas uma percepção de que eles são pouco usados. Em relação ao
princípio 6, a necessidade de monitorar as diferenças entre os procedimentos e o trabalho real
também decorre, além da variabilidade e incerteza, da dificuldade em manter os
procedimentos tecnicamente atualizados.
Tabela 4. Médias e diferenças entre as médias (monitoramento dos procedimentos)
Princípios de gestão de procedimentos M1 M2 ∆ CV1 CV2
Monitoramento
(6) As diferenças entre os procedimentos e o trabalho real devem ser
monitoradas, visando aproximar o trabalho prescrito e o real 13,09 7,05 6,03
15% 52%
(7) Deve existir capacitação para os operadores perceberem quando e como adaptar os procedimentos
12,53 6,20 6,32 22% 74%
Em relação ao princípio 7, as percepções deixam claro que os respondentes gostariam de ser
melhor capacitados para adaptar os procedimentos, o que, por sua vez, leva a crer que as
adaptações são necessárias. Na reunião de retorno dos resultados, os operadores relataram que
um motivo para o alto CV2 é a existência de treinamentos com simulações de situações de
emergência, o que, na interpretação de alguns operadores, proporciona a capacitação para
lidar com situações não completamente antecipadas nos procedimentos. Contudo, não há
treinamentos que simulem variabilidades mais sutis nas operações, o que explica a percepção
preponderante de que não há capacitação adequada para lidar com imprevistos.
7. Discussões e conclusões
7.1 Utilidade da avaliação realizada
Com base na avaliação realizada, foi possível identificar uma série de oportunidades de
melhoria no sistema estudado (Figura 6), as quais ilustram a utilidade da mesma.
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Princípios Oportunidades de melhoria
(1) As diferenças entre os procedimentos e
o trabalho real podem ser frequentes,
legítimas e normais.
Desenvolver capacitações teóricas e práticas que ilustrem aos
operadores a aplicabilidade desse princípio, o qual é contrário ao senso
comum e contrário à filosofia apregoada pelas normas que certificam o
sistema de gestão da empresa.
(2) O descumprimento de procedimentos
não é, necessariamente, um erro humano e
nem algo passível de punição.
As investigações de incidentes associados ao descumprimento de
procedimentos devem ser consistentes com a visão da complexidade, a
qual enfatiza a consideração do contexto organizacional em que
ocorreu o evento, ao invés de assumir que o operador era totalmente
livre para cumprir ou não cumprir o procedimento.
(3) Os procedimentos são concebidos,
revisados e monitorados por uma equipe
com representantes de todas as áreas
afetadas pelos mesmos.
As tarefas de gestão de procedimentos devem incluir representantes de
todos os setores envolvidos na execução do procedimento. Devem ser
desenvolvidos critérios para a escolha desses representantes.
(4) O conteúdo dos procedimentos
explicita suas relações de dependência com
outros elementos do sistema sócio-técnico,
salientando os motivos e impactos dessas
relações.
Embora o conteúdo de cada procedimento já cite outros procedimentos
que devem ser consultados, é necessário explicitar os motivos e
impactos das interdependências. Essa melhoria deve vir acompanhada
de treinamentos que ilustrem as interdependências, bem como ela pode
ser facilitada pelo uso de equipes com representantes de vários setores
na gestão de procedimentos.
(5) Os procedimentos devem explicitar
fatores que podem levar a necessidades de
adaptação dos mesmos.
Devem ser identificados e priorizados os fatores e situações que
exigem adaptações de procedimentos, embora a teoria da complexidade
indique que sempre haverá fatores e situações não previstas. Os fatores
e situações selecionados devem ser listados nos procedimentos,
auxiliando os operadores a perceberem quando as adaptações são
necessárias.
(6) As diferenças entre os procedimentos e
o trabalho real devem ser monitoradas,
visando aproximar o trabalho prescrito e o
real.
Os sistemas de relatos de incidentes poderiam ter seu escopo ampliado,
incluindo o monitoramento das diferenças entre o trabalho prescrito e o
real.
(7) Deve existir capacitação, por meio de
estratégias formais e informais, para os
operadores perceberem quando e como
adaptar os procedimentos.
Poderia ser desenvolvido um programa de capacitação baseada em
cenários, enfatizando situações de trabalho não rotineiras que exijam
adaptações de procedimentos.
Figura 6. Resumo das oportunidades de melhoria detectadas por meio da avaliação de compatibilidade
7.2. Facilidade de uso e limitações dos procedimentos de coleta e análise dos dados
Assim como ocorreu no estudo de caso, a familiaridade dos pesquisadores com o domínio
investigado, bem como com a teoria dos sistemas complexos e as técnicas de coleta de dados,
são necessárias para a aplicação bem sucedida do mesmo. A capacitação dos avaliadores
também é necessária por ocasião da análise e interpretação dos dados, na medida em que as
múltiplas fontes de evidência nem sempre apontam resultados convergentes e padrões
facilmente identificáveis.
De fato, o supervisor entrevistado como parte da avaliação do estudo de caso relatou que, caso
o método de pesquisa fosse replicado por uma equipe interna da refinaria, um curso teórico-
prático relativo à teoria dos sistemas complexos e temas relacionados seria necessária. Nessa
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entrevista, o supervisor também reconheceu a perspectiva mais crítica trazida por avaliadores
externos, na medida em que a maioria das oportunidades de melhoria apontadas nunca havia
sido cogitada por ele, apesar da sua experiência.
Dentre as limitações dos procedimentos de coleta e análise dos dados, podem ser salientadas:
o significativo tempo envolvido em trabalhos de campo (cerca de 55 horas neste estudo); o
uso dos questionários e da reunião de retorno dos resultados aos funcionários como únicas
fontes de dados primários para a avaliação da compatibilidade; a falta de quantificação das
diferentes características de complexidade no sistema investigado, o que permitiria uma
apreciação mais precisa acerca da aplicabilidade dos princípios de gestão de procedimentos; a
consideração conjunta de todos os procedimentos da sala de controle como unidade de análise
pode induzir a generalizações equivocadas, na medida em que tanto o grau de aplicabilidade
quanto o uso dos princípios possivelmente variam entre os diferentes procedimentos.
7.3. Oportunidades para futuros estudos
O presente trabalho abre oportunidades para uma série de estudos futuros, tais como: (a)
aperfeiçoamentos no método utilizado, tais como o uso de um questionário adicional para que
os operadores do sistema investigado apontem as suas percepções quanto a intensidade de
existência de características de sistemas complexos no seu trabalho; (b) a aplicação do método
em procedimentos específicos, o que permitiria uma análise mais aprofundada acerca da
aplicabilidade e uso dos princípios de gestão de procedimentos.
Referências
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Routledge, 1998.
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cognitive task analysis. Cambridge: The MIT Press, 2006.
DEKKER, S. Drift into Failure: from hunting broken components to understanding complex
systems. London: Ashgate, 2011.
DEKKER S. Failure to adapt or adaptations that fail: contrasting models on procedures and
safety. Applied Ergonomics, 34, 233–238, 2003.
HOLLNAGEL, E.; PARIES, J.; WOODS, D.; WREATHALL, J. Resilience Engineering
in Practice: a guidebook. Burlington: Ashgate, 2011.
PERROW, C. Normal Accidents: living with high-risk technologies. Princeton: Princeton
University Press, 1984.
VESTERBY, V. Measuring complexity: things that go wrong and how to get it right. E:CO,
10, 2, 90-102, 2008.
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