avaliaÇÃo da compatibilidade entre a gestÃo de...

17
AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE PROCEDIMENTOS E A COMPLEXIDADE DE UM SISTEMA SÓCIO-TÉCNICO: ESTUDO DE CASO NA SALA DE CONTROLE DE UMA REFINARIA DE PETRÓLEO Tarcisio Abreu Saurin (UFRGS) [email protected] Santiago Sosa Gonzalez (UFRGS) [email protected] Embora seja reconhecida a necessidade de que um sistema complexo seja gerenciado de modo compatível com a sua natureza, há pouco conhecimento acerca de como avaliar a extensão pela qual isso ocorre. Este estudo apresenta a avaliação da comppatibilidade entre a gestão de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo. O estudo foi conduzido na sala de controle de uma refinaria de petróleo, por meio das seguintes etapas: delimitação do sistema investigado; descrição do sistema segundo suas características de complexidade; aplicação de dois questionários aos operadores do sistema - um para avaliar a percepção quanto à aplicabilidade de princípios acerca de como os procedimentos deveriam ser gerenciados em um sistema complexo e outro para avaliar a percepção acerca do uso desses princípios; uma reunião para discussão dos resultados junto aos operadores. A identificação de oportunidades de melhoria no sistema ilustra a utilidade da avaliação realizada. Palavras-chaves: procedimentos, sistemas complexos, sistemas sócio- técnicos, salas de controle. XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

Upload: vuongngoc

Post on 11-Jan-2019

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

1

AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE

ENTRE A GESTÃO DE

PROCEDIMENTOS E A

COMPLEXIDADE DE UM SISTEMA

SÓCIO-TÉCNICO: ESTUDO DE CASO

NA SALA DE CONTROLE DE UMA

REFINARIA DE PETRÓLEO

Tarcisio Abreu Saurin (UFRGS)

[email protected]

Santiago Sosa Gonzalez (UFRGS)

[email protected]

Embora seja reconhecida a necessidade de que um sistema complexo

seja gerenciado de modo compatível com a sua natureza, há pouco

conhecimento acerca de como avaliar a extensão pela qual isso ocorre.

Este estudo apresenta a avaliação da comppatibilidade entre a gestão

de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo.

O estudo foi conduzido na sala de controle de uma refinaria de

petróleo, por meio das seguintes etapas: delimitação do sistema

investigado; descrição do sistema segundo suas características de

complexidade; aplicação de dois questionários aos operadores do

sistema - um para avaliar a percepção quanto à aplicabilidade de

princípios acerca de como os procedimentos deveriam ser gerenciados

em um sistema complexo e outro para avaliar a percepção acerca do

uso desses princípios; uma reunião para discussão dos resultados

junto aos operadores. A identificação de oportunidades de melhoria no

sistema ilustra a utilidade da avaliação realizada.

Palavras-chaves: procedimentos, sistemas complexos, sistemas sócio-

técnicos, salas de controle.

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

Page 2: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

2

1. Introdução

O uso de procedimentos padronizados é uma característica marcante das atuais organizações

industriais e de serviços. Embora as falhas na concepção e execução de procedimentos sejam

frequentemente apontadas como contribuintes em acidentes ocupacionais e organizacionais, a

perspectiva sócio-técnica indica que as causas dessas falhas não devem ser simplificadas.

Nessa perspectiva, as causas normalmente não podem ser atribuídas à negligência ou

incapacidade dos operadores, devendo-se levar em conta o contexto organizacional

(DEKKER, 2003).

A teoria dos sistemas complexos é usada, no presente trabalho, como referência para

descrever o contexto organizacional. Além de contribuir para a descrição do contexto, essa

teoria também tem o papel de chamar a atenção para certas características de uma organização

e induzir ao uso de determinadas práticas. Entretanto, os sistemas complexos costumam não

ser gerenciados de modo compatível com a sua natureza, havendo a tendência de simplificar

as situações de trabalho (CLEGG, 2000). A falta de compatibilidade entre a natureza de um

sistema complexo e as suas estratégias de gestão deve-se, em parte, a falta de métodos ou

diretrizes para que ocorra a avaliação da compatibilidade. Neste artigo, é discutida

especificamente a avaliação de compatibilidade entre a natureza de um sistema complexo e a

gestão de procedimentos, processo que envolve a concepção, uso e melhoria contínua dos

mesmos.

Como um requisito para viabilizar esse tipo de avaliação, é necessário descrever um sistema

sócio-técnico como um sistema complexo. De fato, caso o sistema não apresente

características marcantes de complexidade, sua gestão segundo os princípios associados a esse

tema não faz sentido. Outro requisito para avaliar a compatibilidade entre os procedimentos e

a complexidade de um sistema é o estabelecimento de uma clara referência acerca de como a

gestão de procedimentos deveria ocorrer em um sistema complexo (DEKKER, 2003). Neste

contexto, a questão de pesquisa abordada nesse artigo pode ser enunciada como segue: como

avaliar a compatibilidade entre a gestão de procedimentos e a natureza de um sistema

complexo? Essa questão é investigada por meio de um estudo de caso na sala de controle de

uma refinaria de petróleo, um ambiente normalmente caracterizado como fortemente

complexo (PERROW, 1984).

2. Características de sistemas complexos

O seguinte conjunto de características de sistemas complexos é adotado neste trabalho:

(a) grande número de elementos que interagem dinamicamente: embora os sistemas

complexos sejam geralmente formados por uma grande quantidade de elementos, isso

somente é um indício de complexidade se os elementos interagem dinamicamente, o que

implica em que o sistema mude ao longo do tempo (CILLIERS, 1998). Além disso, quanto

mais elementos um sistema tem, maior é o número potencial de interações, e portanto maior é

a probabilidade de que um elemento qualquer influencie, e seja influenciado, por vários outros

elementos (PERROW, 1984);

Page 3: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

3

(b) grande diversidade de elementos: o grande número de elementos de um sistema

complexo pode ser diferenciado conforme diversas categorias, tais como níveis hierárquicos,

divisão de tarefas, especializações, entradas e saídas. Em função disso, a natureza das relações

entre os elementos tende a crescer em variedade, em termos de aspectos como níveis de

cooperação, interdependência, compartilhamento de objetivos e trocas de energia

(VESTERBY, 2008);

(c) incerteza na tomada de decisões: a grande quantidade e diversidade das interações em

um sistema complexo faz com que seja difícil a repetição de relações de causa e efeito, as

quais normalmente são coerentes retrospectivamente (HOLLNAGEL et al., 2011). A

incerteza na tomada de decisão também decorre dos fatos de que os elementos recebem

informações de fontes indiretas (especialmente em sistemas automatizados) e de que essas

informações são recebidas primariamente de elementos vizinhos. De fato, os elementos

tendem a ter pouco conhecimento do comportamento do sistema como um todo, e assim o

impulso natural é tomar decisões com base nas informações disponíveis localmente

(CILLIERS, 1998). Em função desse contexto, a eficácia limitada de controles baseados em

planejamento e antecipação deveria ser reconhecida em sistemas complexos, visto que nesses

ambientes inevitavelmente há uma substancial incerteza;

(d) variabilidade não antecipada: quatro aspectos de um sistema complexo são englobados

pelo rótulo adotado para designar essa característica. O ponto em comum entre todos eles, que

justifica a apresentação conjunta, é a sua contribuição para a variabilidade não antecipada.

Esses aspectos são os seguintes:

- interações não lineares, expressão que se refere ao fato de que pequenas mudanças nas

entradas de um processo podem causar modificações desproporcionais nas suas saídas. Outras

expressões frequentemente adotadas para se referir a essa característica são sensibilidade às

condições iniciais e efeito borboleta (CILLIERS, 1998);

- elementos rigidamente acoplados, o que permite a rápida propagação de erros. Algumas

características dos ambientes de trabalho operacionalizam os acoplamentos rígidos, tais como

a proximidade entre equipamentos e a proximidade entre etapas da produção (PERROW,

1984);

- fenômenos emergentes, definidos como aqueles que naturalmente surgem a partir das

interações entre os elementos, independente de um controle central. Uma característica chave

de um fenômeno emergente é que as suas propriedades não são encontradas nos elementos a

partir dos quais eles surgiram (DEKKER, 2011);

- feedback loops inesperados e/ou indesejados, também conhecidos como relações circulares

de causa e efeito. Essa característica implica em que os efeitos de uma ação podem

inesperadamente retroalimentar ela mesma, levando a amplificação ou supressão da ação

inicial, sob o risco de levar um processo a resultados diferentes dos planejados (CILLIERS,

1998);

(e) resiliência: um sistema complexo é resiliente, a fim de lidar com um ambiente incerto e

dinâmico. Por sua vez, resiliência é a habilidade de um sistema ajustar o seu funcionamento

antes, durante, ou após mudanças e perturbações, de modo que o sistema mantenha as

operações necessárias tanto sob condições esperadas quanto inesperadas

(HOLLNAGEL et al., 2011). Além das características anteriormente mencionadas,

Page 4: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

4

tratando de incerteza na tomada de decisão e variabilidade não antecipada, a resiliência é

necessária devido a duas outras características de sistemas complexos: eles são sistemas

abertos, o que significa que há interação com o ambiente externo, o qual, por si só, é uma

grande fonte de variabilidade; o comportamento dos elementos é guiado por feedback, tanto a

partir de eventos recentes quanto da história mais antiga da organização (CILLIERS, 1998).

3. Princípios para gestão de procedimentos em sistemas complexos

A Figura 1 apresenta os princípios adotados nesse trabalho, bem como as justificativas para os

mesmos com base nos seus vínculos conceituais com a teoria da complexidade.

Categoria de

princípios

Princípios Justificativas com base na teoria da

complexidade

Filosofia de gestão

dos procedimentos

(1) As diferenças entre os procedimentos e o

trabalho real podem ser frequentes, legítimas e

normais.

(2) O descumprimento de procedimentos não é,

necessariamente, visto como um erro humano

ou algo passível de punição.

(1) A incerteza e a variabilidade não

antecipada criam uma distância entre o

trabalho real e aquele imaginado nos

procedimentos.

(2) As limitações dos procedimentos, bem

como o contexto de trabalho dinâmico,

induzem a desvios dos procedimentos.

Processo de

concepção dos

procedimentos

(3) Os procedimentos devem ser concebidos,

revisados e monitorados por uma equipe com

representantes de todas as áreas da empresa

afetadas pelo mesmo

(3) O uso de diferentes perspectivas na

gestão de procedimentos reduz a incerteza

e a variabilidade não antecipada

Conteúdo dos

procedimentos

(4) O conteúdo dos procedimentos deve

explicitar suas relações de dependência com

outros elementos do sistema, salientando os

motivos e impactos dessas relações.

(5) Os procedimentos devem explicitar

possíveis fatores que podem levar a

necessidades de adaptação dos mesmos.

(4) A grande quantidade de interações, e a

diversidade na natureza dessas, devem ser

compreendidas tão bem quanto possível,

para reduzir a incerteza e a variabilidade

não antecipada.

(5) A explicitação desses fatores pode

auxiliar os operadores a reconhecerem

quando os procedimentos devem ser

adaptados.

Monitoramento de

procedimentos

(6) As diferenças entre os procedimentos e o

trabalho real devem ser monitoradas, visando

aproximar o trabalho prescrito e o real.

(7) Deve existir capacitação, por meio de

estratégias formais e informais, para os

operadores perceberem quando e como adaptar

os procedimentos.

(6) A compreensão dessas diferenças é

útil para entender e melhorar a resiliência

do sistema.

(7) Saber quando e como adaptar é um

forte indício de resiliência

Figura 1. Princípios para gestão de procedimentos em sistemas complexos

4. Método de pesquisa

4.1 Delimitação do sistema sócio-técnico

Conforme já comentado na introdução deste artigo, a avaliação foi conduzida na sala de

controle de uma refinaria de petróleo. Além desse setor ser apontado como

complexo (PERROW, 1984), outros dois motivos levaram a escolha do mesmo: o

Page 5: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

5

interesse da refinaria em desenvolver melhorias nos seus processos gerenciais; a familiaridade

do pesquisador que coletou os dados com o sistema em questão, na medida em que ele possui

formação em engenharia química e já havia realizado trabalhos anteriores de assessoria na

planta estudada.

Previamente ao início da coleta de dados de campo, houve um encontro entre dois

representantes da equipe de pesquisa com dois representantes da empresa. Nessa reunião, a

proposta de pesquisa e conceitos de complexidade foram apresentados, bem como foi definido

o foco na sala de controle do setor da logística, visto que os representantes da empresa

associaram o mesmo com as características de complexidade apresentadas.

4.2 Caracterização do sistema investigado como um sistema complexo

Após ter sido definido o sistema a ser estudado, foi necessário descrever o mesmo,

evidenciando as características de complexidade que justificavam a aplicabilidade dos

princípios de gestão de procedimentos. Tendo em vista o estabelecimento de um guia para

coletar os dados necessários a essa descrição, foram elaboradas duas listas de informações de

interesse e fontes para obtê-las (Figuras 2 e 3). A coleta dos dados referentes à caracterização

dos subsistemas do sistema sócio-técnico foi feita inicialmente, visto que ela proporcionou um

conhecimento abrangente acerca do sistema, bem como gerou vários dados que também

foram úteis para a caracterização da complexidade, tais como número de operadores, tipos e

características de equipamentos.

Subsistema Exemplos de informações de interesse Exemplos de fontes de informações

Social Número de operadores, sexo, idade,

escolaridade, tempo de experiência.

Questionários, bancos de dados no setor de

recursos humanos.

Técnico Tipos de equipamentos, nível de automação,

materiais, ferramentas.

Entrevistas, observações, manuais de operação

dos equipamentos, procedimentos.

Organização do

trabalho

Jornada de trabalho, sistemas de medição de

desempenho, níveis hierárquicos,

procedimentos, layout, sistema de remuneração,

interdependência entre operações, programa de

manutenção de equipamentos, nível de

demanda.

Procedimentos, atas das reuniões para

concepção e revisão de procedimentos,

organograma, plantas de layout, fluxogramas

de processo, observações do trabalho,

entrevistas, registros de manutenção, relatórios

de investigação de incidentes.

Ambiente

externo

Condições climáticas, pressões da sociedade,

disponibilidade e qualificação da mão-de-obra

na região, legislação aplicável ao sistema,

suscetibilidade a perturbações políticas e

macroeconômicas nacionais e internacionais.

Entrevistas, observações do trabalho, relatórios

de investigação de incidentes.

Figura 2. Exemplos de informações e fontes de informações para caracterização dos subsistemas sócio-técnicos

Page 6: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

6

Características de sistemas

complexos

Exemplos de informações de interesse Exemplos de fontes de

informações de interesse

Grande número de elementos

que interagem

dinamicamente

Número de funcionários, equipamentos,

procedimentos, parâmetros para controle das

operações.

Observações do trabalho,

procedimentos, entrevistas por

meio do método das decisões

críticas (MDC).

Grande diversidade de

elementos

Níveis de especialização dos funcionários,

tipos de equipamentos, ferramentas e

materiais, níveis hierárquicos, tipos de

software, tipos de procedimentos.

Observações do trabalho,

organogramas, procedimentos,

manuais de operação de

equipamentos e softwares,

entrevistas por meio do MDC.

Incerteza na tomada de

decisões

Tipos de decisões tomadas pelos operadores,

dúvidas que surgem durante a tomada de

decisão, fontes de incerteza, nível de

detalhamento da programação da produção,

nível de detalhamento dos procedimentos.

Observações do trabalho,

procedimentos, programação da

produção, relatórios de

investigação de incidentes,

entrevistas por meio do MDC.

Variabilidade não antecipada

Causas de incidentes, causas de produtos

defeituosos, causas de atrasos na entrega de

produtos, causas de adaptações de

procedimentos.

Cartas de controle estatístico de

processo, relatórios de

investigação de incidentes,

relatórios com resultados e análise

do desempenho da empresa

perante os clientes, entrevistas por

meio do MDC.

Resiliência

Modificações em quaisquer aspectos dos

subsistemas sócio-técnicos, razões dessas

modificações, práticas informais de trabalho,

exemplos de adaptações de procedimentos.

Relatórios de investigação de

incidentes, observações do

trabalho para comparar o trabalho

real e o prescrito, entrevistas por

meio do MDC.

Figura 3. Exemplos de informações e fontes de informações para caracterizar a complexidade do sistema

investigado

Embora as fontes de informações citadas nas Figuras 2 e 3 sejam na maior parte de simples

compreensão, cabem esclarecimentos acerca das entrevistas conduzidas por meio do método

das decisões críticas (MDC). Esse método é amplamente usado como uma das principais

ferramentas para conduzir a análise cognitiva de uma tarefa, visto que ele permite investigar

como experts lidam com situações desafiadoras, oportunidades em que provavelmente os

conhecimentos tácitos desempenharam um papel relevante. O MDC apresenta quatro etapas:

identificação do incidente, elaboração da linha do tempo, aprofundamento, questões do tipo “e

se” (CRANDALL et al., 2006).

Cinco trabalhadores foram entrevistados, a partir de indicações de seus superiores imediatos,

que reconheciam nos mesmos qualificações acima da média. Além de entrevistas formais, por

meio do MDC, o pesquisador teve diversas oportunidades para coletar as informações de

interesse por meio de conversas informais com os operadores. Ao todo, a coleta de dados para

caracterização da complexidade foi realizada ao longo de dois meses (10 visitas à empresa),

consumindo aproximadamente 55 horas em trabalhos de campo. Os resultados da

caracterização da complexidade foram apresentados aos dois representantes da refinaria que

estavam presentes na reunião de lançamento do projeto, bem como a um representante do

setor de logística.

Page 7: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

7

4.3 Concepção e aplicação de questionários

Embora a caracterização da complexidade do sistema proporcionasse indícios acerca do uso

dos princípios para gestão de procedimentos, esses eram dados secundários para fins de

avaliação da compatibilidade. Em função disso, dados primários foram coletados por meio da

aplicação de dois questionários aos operadores do sistema. O questionário 1, denominado

aplicabilidade, continha 7 questões a fim de avaliar o quanto os trabalhadores acreditavam

que os princípios eram aplicáveis ao seu ambiente de trabalho. O questionário 2, denominado

uso, possuía 7 questões a fim de avaliar a percepção dos trabalhadores acerca da intensidade

de uso real dos princípios. Os questionários foram desenvolvidos de forma que, em cada um

deles, havia uma questão referente a cada um dos sete princípios. A Figura 4 apresenta

exemplos de questões de cada tipo de questionário, nos quais o respondente possuía liberdade

para assinalar um X em qualquer ponto da escala de quinze centímetros.

As diferenças entre os procedimentos e o trabalho real devem ser monitoradas, visando aproximar o

trabalho prescrito e o real

As diferenças entre os procedimentos e o trabalho real são monitoradas, visando aproximar o trabalho

prescrito e o real.

Discordo

totalmente Concordo totalmente

Discordo

totalmente Concordo

totalmente

Figura 4. Exemplo de pergunta do questionário 1 (acima) e do questionário 2 (abaixo)

Os questionários foram respondidos por quatro supervisores e vinte e seis operadores do setor

da logística, dentre uma população total de trinta funcionários. Considerou-se que os

questionários eram válidos quando atendiam aos seguintes critérios: preenchimento por

operadores que exerciam, ou já exerceram, funções na sala de controle; mais de 70% das

questões respondidas; menos de 30% das respostas assinaladas nos extremos da escala. Com

base nesses critérios, todos os sessenta questionários respondidos foram considerados válidos.

A análise dos resultados dos questionários foi conduzida por meio dos seguintes passos:

(a) cálculo das estatísticas descritivas, tais como média aritmética e coeficiente de variação.

Assumindo que a caracterização de complexidade evidenciou a presença de todas as

características de sistemas complexos, deveria haver concordância com a aplicabilidade de

todos os princípios, o que pode ser interpretado como a existência de médias maiores que 7,5

no questionário 1. Quando houve baixa concordância com os enunciados do questionário 1,

isso foi tomado como indício de que os operadores tinham uma interpretação sobre a gestão

de procedimentos incompatível com a natureza do sistema. Em relação ao

Page 8: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

8

questionário 2, interpretou-se que as questões com médias abaixo de 7,5 indicavam pouco uso

dos princípios e a consequente oportunidade de melhorar essa situação;

(b) cálculo da diferença entre as médias aritméticas das respostas dos questionários 1 e 2, por

meio da equação 1. Três cenários podem ocorrer a partir desse cálculo: um valor positivo,

indicando que os operadores consideram que o princípio deveria ser aplicado de forma mais

intensa do que realmente ocorre; um valor negativo, indicando que o princípio é aplicado de

modo mais presente do que os operadores consideram correto; o valor zero indicando que o

principio é aplicado com a mesma intensidade que os operadores consideram correto. Nos três

cenários, oportunidades de melhoria podem ser identificadas. No primeiro caso, a

recomendação é intensificar o uso do princípio. No segundo caso, deve haver um processo de

capacitação para que os operadores percebam a utilidade do princípio que está sendo aplicado.

No terceiro caso, a oportunidade de melhoria é mais evidente se o valor zero for originado de

médias abaixo de 7,5 em ambos os questionários.

(1)

Onde: ∆i é a diferença entre a média das respostas, para o princípio de gestão de

procedimentos i nos dois questionários; M1i é a média das respostas do questionário 1 ao

princípio i; M2i é a média das respostas do questionário 2 ao princípio i;

(c) realização de uma reunião para discussão dos resultados, envolvendo representantes dos

operadores, supervisores e gerentes. Um ponto de especial ênfase nessa reunião foi a

discussão das respostas com maiores coeficientes de variação, buscando possíveis explicações

para isso, bem como a discussão de oportunidades de melhorias, tanto nos procedimentos de

pesquisa quanto no sistema investigado. Além disso, houve uma entrevista final, destinada a

contribuir na avaliação da utilidade e facilidade de uso do método de avaliação, junto a um

supervisor que esteve envolvido ativamente em todas as etapas da pesquisa.

5. Resultados

5.1 Descrição do sistema investigado como um sistema complexo

Nesta seção, é apresentada, a título de ilustração, a caracterização do sistema investigado

segundo três das cinco categorias de características de sistemas complexos anteriormente

mencionadas.

5.1.1 Grande número de elementos interagindo dinamicamente

O setor de logística é composto por seis áreas operacionais que estão ativas em três turnos

diários, além de uma área administrativa que trabalha apenas um turno por dia. A

sala de controle é uma dessas seis áreas operacionais. Essa sala está localizada em

Page 9: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

9

uma área denominada centro integrado de controle, na qual ficam reunidas as salas de

controles de todos os setores da refinaria.

O setor de logística cumpre várias funções na refinaria, tais como: controlar o fluxo de

matérias-primas entre os processos internos da refinaria e entre esses e os clientes finais,

como distribuidoras de combustíveis; controlar a armazenagem de matérias-primas e produtos

finais; controlar a mistura de diferentes matérias-primas, visando à obtenção de produtos

finais; controlar as entradas e saídas na estação de tratamento de dejetos industriais.

Ao todo, o setor possui 69 operadores que se revezam periodicamente na operação da sala de

controle e áreas industriais. Os turnos de trabalho são de 8 horas, e ao todo há 8 operadores

em cada turno, além de um supervisor. O trabalho na sala de controle é realizado por 2

operadores, de modo que, em qualquer momento, a maioria dos operadores está atuando em

outras áreas, em colaboração com a dupla na sala de controle. Embora não exista um padrão

acerca da divisão de tarefas entre ambos, normalmente um controla as expedições de produtos

e recebimento de matérias-primas, enquanto o outro se ocupa com as demais atividades.

Embora na sala de controle a quantidade de elementos físicos seja pequena, os operadores

interagem virtualmente com muitos elementos externos à sala, incluindo os clientes finais. De

fato, os tanques e dutos possuem uma série de instrumentos, que por sua vez fornecem

informações acerca do status das operações, em termos de parâmetros como pressões e

temperaturas. Na época desta pesquisa havia 2260 informações acerca do status das

operações, as quais ficavam disponíveis on-line nos monitores dos computadores da sala de

controle. Caso o operador suspeite que os dados apresentados nas telas são incorretos, ele

pode solicitar, via rádio, que os operadores das demais áreas avaliem in loco a suspeita de

anomalia e transmitam seu parecer.

Em particular, as atividades na sala de controle têm interações frequentes e importantes com

os setores de destilação e craqueamento, visto que elas gerenciam a entrada de matérias-

primas nesses setores e a saída de produtos finais. As quantidades de matérias-primas e

produção diária são definidas em conjunto pelos operadores, setor de programação da

produção e setor de vendas. Também vale salientar que eventos anômalos podem alterar a

frequência das interações em curto espaço de tempo, tais como fortes chuvas ou falhas de

equipamentos e instrumentos. A natureza das interações também é alterada com mudanças

tecnológicas, tal como a recente introdução de um novo software nas operações da sala de

controle.

5.1.2 Variabilidade não antecipada

Como é da natureza de processos contínuos de produção, como o refino de petróleo, o sistema

investigado apresenta acoplamentos rígidos entre os seus elementos, o que pode contribuir

para a rápida propagação de erros em sequências inesperadas. Um exemplo de acoplamento

diz respeito ao uso de água para minimizar a formação de fumaça nas tochas, que se utilizada

em demasia, pode prejudicar o desempenho do sistema de geração de energia, que usa água da

mesma fonte. Variabilidades não antecipadas também podem surgir a partir de situações como

as seguintes:

(a) quando há algum risco operacional iminente nos processos de destilação e

craqueamento, todo o material em processo é purgado para as tochas, dessa forma

Page 10: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

10

aliviando a pressão nos respectivos sistemas. Nessas situações, cujo momento de ocorrência e

intensidade não podem ser previstos, os operadores devem ser capazes de manter um

equilíbrio entre a necessidade de purgar os derivados e não gerar poluentes em excesso;

(b) solicitações, pelo cliente e sem aviso prévio, para que a entrega de produtos seja

repentinamente suspensa, o que pode implicar na reprogramação da produção em todos os

setores da refinaria;

(c) falhas em instrumentos ou equipamentos, as quais não podem ser completamente previstas

e, se ignoradas no curto prazo, podem desencadear problemas de grandes proporções em

médio e longo prazo.

5.2.5 Resiliência

As fontes de incertezas e variabilidades não antecipadas, anteriormente mencionadas,

demandam resiliência na sala de controle, seja em nível individual, de equipe ou

organizacional. Dentre as manifestações observáveis de resiliência na sala de controle, podem

ser citadas ações de controle baseadas em feedback, tal como na situação em que uma nova

carga enviada pela logística a outro setor causa perturbações nas operações. Nesses casos, os

operadores são requisitados a realizar ação corretiva, que normalmente envolve adicionar a

nova carga em pequenas doses, até que seja estabelecido um fluxo normal e contínuo.

Em casos como o desse exemplo, a reavaliação das decisões deve ocorrer em curto espaço de

tempo, não raro da ordem de dois a três minutos. A contínua comunicação entre operadores e

equipes no campo foi apontada pelos entrevistados como fundamental para viabilizar esses

ciclos de controle por meio de feedback. Vale salientar que a resiliência tende a ser facilitada

em função do bom nível de qualificação formal dos operadores.

5.3 Principais características da gestão de procedimentos no sistema investigado

A atividade de operador da sala de controle requer o uso de 43 procedimentos, além de 9

manuais acerca do funcionamento dos equipamentos e normas de segurança no trabalho,

válidas para todos os setores da planta. Todos esses documentos estão integrados a sistemas

de gestão certificados com base nas normas ISO 9001, ISO 14001 e OHSAS 18001. Há uma

comissão designada para continuamente revisar os procedimentos, formada pelos próprios

operadores da logística. A cada dois anos é obrigatória uma reavaliação dos procedimentos,

por parte da comissão responsável, caso esses não tenham sofrido alterações.

Além de sugestões enviadas pelos funcionários por meio de canais específicos para essa

finalidade, outra fonte de demandas de revisão dos procedimentos são as mudanças que

ocorrem no sistema regularmente, como atualizações de equipamentos. Contudo, de acordo

com relatos obtidos nas entrevistas, a recente intensificação da automação das operações não

tem sido acompanhada, na mesma velocidade, pela atualização dos procedimentos.

6. Resultados da aplicação dos questionários

Page 11: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

11

6.1 Filosofia de gestão dos procedimentos

A Tabela 1 apresenta as respostas aos questionários 1 e 2, considerando as perguntas

referentes à filosofia de gestão dos procedimentos. Em particular, chama a atenção a baixa

aplicabilidade percebida em relação ao princípio 1, o que não encontra respaldo na

caracterização do sistema. De fato, o sistema possui características que induzem o trabalho

real a diferir do prescrito, tais como a relativa grande quantidade de procedimentos e as

interdependências entre os mesmos. Isso pode levar ao não cumprimento involuntário de

algum procedimento, em função da dificuldade de compreender os impactos de uma ação ou

decisão em todos os pontos do sistema. Como evidência dessa dificuldade, a Figura 5

apresenta as inter-relações entre os procedimentos mais utilizados pelos operadores.

Tabela 1. Médias e diferenças entre as médias (filosofia de gestão dos procedimentos)

Princípios de gestão de procedimentos M1 M2 ∆ CV1 CV2

Filosofia

(1) As diferenças entre os procedimentos e o trabalho real devem ser

consideradas frequentes, legítimas e normais 5,92 8,38 -2,46

83% 54%

(2) O descumprimento de procedimentos não deve, necessariamente, ser interpretado como um erro humano e nem algo passível de punição

8,87 9,35 -0,48 46% 45%

Na reunião de retorno dos resultados, os funcionários relataram que a dificuldade de

reconhecimento explícito da aplicabilidade do princípio 1 deve-se ao fato de que ele é

contrário ao senso comum e contrário à cultura introduzida pela certificação com base nas

normas da família ISO 9000 e similares, que indica a necessidade de sempre seguir os

procedimentos, sob pena de pareceres negativos de auditores externos. No entanto, vale

salientar que a aplicabilidade do princípio 1 foi reconhecida por alguns respondentes,

conforme refletido pelo alto CV1 (83%) nas respostas referentes ao mesmo no questionário 1.

De certa forma, a aplicabilidade também foi reconhecida na medida em que houve um grau de

concordância maior e uma variabilidade menor quando os operadores foram questionados

acerca do real uso desse princípio, o que reforça os indícios de que os procedimentos são

frequentemente adaptados, embora haja resistência em reconhecer isso explicitamente.

Page 12: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

12

Nota: o documento de onde está saindo a flecha referencia, e requer o uso, do documento em que a flecha está chegando.

Figura 5. Interdependências entre procedimentos usados na sala de controle da logística

As percepções dos respondentes em relação ao princípio 2, tanto em relação à aplicabilidade

quanto em relação ao uso, apresentaram certa compatibilidade com a natureza do sistema (M1

= 8,87, CV1 = 46%; M2 = 9,35, CV2 = 45%). No entanto, outras evidências, além das

percepções, ajudam a esclarecer porque as médias dos questionários não foram ainda mais

altas, indicando espaço para melhorias. Na reunião de retorno dos resultados, os operadores

apontaram que podem ocorrer retaliações informais e não explícitas, quando alguma

anormalidade nas operações estiver associada ao descumprimento de um procedimento.

6.2 Processo de concepção dos procedimentos

A Tabela 2 apresenta as percepções referentes ao único princípio associado ao processo de

concepção dos procedimentos. Enquanto os operadores percebem esse princípio como

fortemente aplicável, eles reconhecem que o uso do mesmo, na prática, deixa a desejar. A

percepção acerca do baixo uso desse princípio encontra respaldo na caracterização do sistema,

a qual apontou que a concepção e revisão dos procedimentos é realizada apenas por membros

de um mesmo setor. Como possível critério para definir quem deve compor uma equipe

multisetorial de gestão de procedimentos, poderiam ser envolvidos os representantes das

atividades associadas aos procedimentos que são referenciados pelo documento

que está sendo concebido, revisado ou avaliado.

Page 13: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

13

Tabela 2. Médias e diferenças entre as médias (processo de concepção dos procedimentos)

Princípios de gestão de procedimentos M1 M2 ∆ CV1 CV2

Processo de concepção

(3) Os procedimentos devem ser concebidos, revisados e monitorados por

uma equipe com representantes de todas as áreas da empresa afetadas pelo

mesmo

11,06 5,89 5,17

32% 71%

6.3 Conteúdo dos procedimentos

A Tabela 3 apresenta as percepções referentes aos dois princípios vinculados ao conteúdo dos

procedimentos. Há forte aceitação e certo consenso quanto à aplicabilidade dos princípios,

embora os respondentes acreditem que o uso dos mesmos não é intenso na mesma ordem de

grandeza, especialmente no que se refere ao princípio 5. As percepções acerca da

aplicabilidade são consistentes com as características do sistema, na medida em que as

operações da sala de controle são expostas à variabilidade não antecipada e têm interfaces

com uma ampla gama de elementos técnicos e humanos, externos e internos à planta.

As percepções razoavelmente positivas acerca do uso do princípio 4 possivelmente se devem

ao fato de que cada procedimento explicita os nomes dos demais procedimentos que devem

ser consultados para sua execução. Contudo, a percepção acerca do uso desse princípio não

foi ainda mais positiva uma vez que a citação a outros procedimentos não é acompanhada de

explicações acerca das complementariedades.

Tabela 3. Médias e diferenças entre as médias (conteúdo dos procedimentos)

Princípios de gestão de procedimentos M1 M2 ∆ CV1 CV2

Conteúdo

(4) O conteúdo dos procedimentos deve explicitar suas relações de dependência

com outros elementos do sistema, como outros setores e atividades, salientando os

motivos e impactos dessas relações

13,20 9,32 3,88

14%

40%

(5) Os procedimentos devem explicitar fatores que podem levar a necessidades de

adaptação dos mesmos 12,59 6,28 6,31

15% 63%

As percepções acerca do princípio 5 revelam uma distância significativa entre a aplicabilidade

e o real uso. Na reunião de retorno dos resultados, os operadores sugeriram que o princípio 5

poderia ser operacionalizado por meio do acréscimo de um campo nos procedimentos,

destinado à descrição de anomalias e necessidades de adaptações frequentes e importantes,

embora sem necessariamente haver prescrição acerca do que deveria ser feito nessas

situações. Também cabe salientar que a forte percepção acerca da aplicabilidade do princípio

5 indica que os operadores reconhecem que os procedimentos por vezes devem ser adaptados.

6.4 Monitoramento dos procedimentos

A Tabela 4 apresenta as percepções referentes aos dois princípios vinculados ao

monitoramento dos procedimentos. Assim como ocorreu com os princípios

Page 14: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

14

associados ao conteúdo, houve forte concordância e certo consenso quanto à aplicabilidade

dos princípios 6 e 7, mas uma percepção de que eles são pouco usados. Em relação ao

princípio 6, a necessidade de monitorar as diferenças entre os procedimentos e o trabalho real

também decorre, além da variabilidade e incerteza, da dificuldade em manter os

procedimentos tecnicamente atualizados.

Tabela 4. Médias e diferenças entre as médias (monitoramento dos procedimentos)

Princípios de gestão de procedimentos M1 M2 ∆ CV1 CV2

Monitoramento

(6) As diferenças entre os procedimentos e o trabalho real devem ser

monitoradas, visando aproximar o trabalho prescrito e o real 13,09 7,05 6,03

15% 52%

(7) Deve existir capacitação para os operadores perceberem quando e como adaptar os procedimentos

12,53 6,20 6,32 22% 74%

Em relação ao princípio 7, as percepções deixam claro que os respondentes gostariam de ser

melhor capacitados para adaptar os procedimentos, o que, por sua vez, leva a crer que as

adaptações são necessárias. Na reunião de retorno dos resultados, os operadores relataram que

um motivo para o alto CV2 é a existência de treinamentos com simulações de situações de

emergência, o que, na interpretação de alguns operadores, proporciona a capacitação para

lidar com situações não completamente antecipadas nos procedimentos. Contudo, não há

treinamentos que simulem variabilidades mais sutis nas operações, o que explica a percepção

preponderante de que não há capacitação adequada para lidar com imprevistos.

7. Discussões e conclusões

7.1 Utilidade da avaliação realizada

Com base na avaliação realizada, foi possível identificar uma série de oportunidades de

melhoria no sistema estudado (Figura 6), as quais ilustram a utilidade da mesma.

Page 15: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

15

Princípios Oportunidades de melhoria

(1) As diferenças entre os procedimentos e

o trabalho real podem ser frequentes,

legítimas e normais.

Desenvolver capacitações teóricas e práticas que ilustrem aos

operadores a aplicabilidade desse princípio, o qual é contrário ao senso

comum e contrário à filosofia apregoada pelas normas que certificam o

sistema de gestão da empresa.

(2) O descumprimento de procedimentos

não é, necessariamente, um erro humano e

nem algo passível de punição.

As investigações de incidentes associados ao descumprimento de

procedimentos devem ser consistentes com a visão da complexidade, a

qual enfatiza a consideração do contexto organizacional em que

ocorreu o evento, ao invés de assumir que o operador era totalmente

livre para cumprir ou não cumprir o procedimento.

(3) Os procedimentos são concebidos,

revisados e monitorados por uma equipe

com representantes de todas as áreas

afetadas pelos mesmos.

As tarefas de gestão de procedimentos devem incluir representantes de

todos os setores envolvidos na execução do procedimento. Devem ser

desenvolvidos critérios para a escolha desses representantes.

(4) O conteúdo dos procedimentos

explicita suas relações de dependência com

outros elementos do sistema sócio-técnico,

salientando os motivos e impactos dessas

relações.

Embora o conteúdo de cada procedimento já cite outros procedimentos

que devem ser consultados, é necessário explicitar os motivos e

impactos das interdependências. Essa melhoria deve vir acompanhada

de treinamentos que ilustrem as interdependências, bem como ela pode

ser facilitada pelo uso de equipes com representantes de vários setores

na gestão de procedimentos.

(5) Os procedimentos devem explicitar

fatores que podem levar a necessidades de

adaptação dos mesmos.

Devem ser identificados e priorizados os fatores e situações que

exigem adaptações de procedimentos, embora a teoria da complexidade

indique que sempre haverá fatores e situações não previstas. Os fatores

e situações selecionados devem ser listados nos procedimentos,

auxiliando os operadores a perceberem quando as adaptações são

necessárias.

(6) As diferenças entre os procedimentos e

o trabalho real devem ser monitoradas,

visando aproximar o trabalho prescrito e o

real.

Os sistemas de relatos de incidentes poderiam ter seu escopo ampliado,

incluindo o monitoramento das diferenças entre o trabalho prescrito e o

real.

(7) Deve existir capacitação, por meio de

estratégias formais e informais, para os

operadores perceberem quando e como

adaptar os procedimentos.

Poderia ser desenvolvido um programa de capacitação baseada em

cenários, enfatizando situações de trabalho não rotineiras que exijam

adaptações de procedimentos.

Figura 6. Resumo das oportunidades de melhoria detectadas por meio da avaliação de compatibilidade

7.2. Facilidade de uso e limitações dos procedimentos de coleta e análise dos dados

Assim como ocorreu no estudo de caso, a familiaridade dos pesquisadores com o domínio

investigado, bem como com a teoria dos sistemas complexos e as técnicas de coleta de dados,

são necessárias para a aplicação bem sucedida do mesmo. A capacitação dos avaliadores

também é necessária por ocasião da análise e interpretação dos dados, na medida em que as

múltiplas fontes de evidência nem sempre apontam resultados convergentes e padrões

facilmente identificáveis.

De fato, o supervisor entrevistado como parte da avaliação do estudo de caso relatou que, caso

o método de pesquisa fosse replicado por uma equipe interna da refinaria, um curso teórico-

prático relativo à teoria dos sistemas complexos e temas relacionados seria necessária. Nessa

Page 16: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

16

entrevista, o supervisor também reconheceu a perspectiva mais crítica trazida por avaliadores

externos, na medida em que a maioria das oportunidades de melhoria apontadas nunca havia

sido cogitada por ele, apesar da sua experiência.

Dentre as limitações dos procedimentos de coleta e análise dos dados, podem ser salientadas:

o significativo tempo envolvido em trabalhos de campo (cerca de 55 horas neste estudo); o

uso dos questionários e da reunião de retorno dos resultados aos funcionários como únicas

fontes de dados primários para a avaliação da compatibilidade; a falta de quantificação das

diferentes características de complexidade no sistema investigado, o que permitiria uma

apreciação mais precisa acerca da aplicabilidade dos princípios de gestão de procedimentos; a

consideração conjunta de todos os procedimentos da sala de controle como unidade de análise

pode induzir a generalizações equivocadas, na medida em que tanto o grau de aplicabilidade

quanto o uso dos princípios possivelmente variam entre os diferentes procedimentos.

7.3. Oportunidades para futuros estudos

O presente trabalho abre oportunidades para uma série de estudos futuros, tais como: (a)

aperfeiçoamentos no método utilizado, tais como o uso de um questionário adicional para que

os operadores do sistema investigado apontem as suas percepções quanto a intensidade de

existência de características de sistemas complexos no seu trabalho; (b) a aplicação do método

em procedimentos específicos, o que permitiria uma análise mais aprofundada acerca da

aplicabilidade e uso dos princípios de gestão de procedimentos.

Referências

CILLIERS, P. Complexity and Postmodernism: understanding complex systems. London:

Routledge, 1998.

CLEGG, C. Sociotechnical principles for system design. Applied Ergonomics, 31, 463-477,

2000.

CRANDALL, B.; KLEIN, G.; HOFFMAN, R. Working Minds: a practicioner´s guide to

cognitive task analysis. Cambridge: The MIT Press, 2006.

DEKKER, S. Drift into Failure: from hunting broken components to understanding complex

systems. London: Ashgate, 2011.

DEKKER S. Failure to adapt or adaptations that fail: contrasting models on procedures and

safety. Applied Ergonomics, 34, 233–238, 2003.

HOLLNAGEL, E.; PARIES, J.; WOODS, D.; WREATHALL, J. Resilience Engineering

in Practice: a guidebook. Burlington: Ashgate, 2011.

PERROW, C. Normal Accidents: living with high-risk technologies. Princeton: Princeton

University Press, 1984.

VESTERBY, V. Measuring complexity: things that go wrong and how to get it right. E:CO,

10, 2, 90-102, 2008.

Page 17: AVALIAÇÃO DA COMPATIBILIDADE ENTRE A GESTÃO DE ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_160_934_19577.pdf · de procedimentos e a natureza de um sistema sócio-técnico complexo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

17