aspectos constitucionais, legais e práticos do cpom

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65 R. bras. de Dir. mun. – RBDM | Belo Horizonte, ano 21, n. 77, p. 65-96, jul./set. 2020 Aspectos constitucionais, legais e práticos do CPOM (Cadastro de Prestadores de Outros Municípios) no combate à Guerra Fiscal e às importações clandestinas de serviços Ricardo Almeida Ribeiro da Silva Procurador do Município do Rio de Janeiro. Assessor Jurídico da ABRASF (Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais). Diretor da ABDF (Associação Brasileira de Direito Financeiro). Membro da IFA (International Fiscal Association). Membro do Fórum de Direito Tributário da EMERJ. Mestre em Direito Público pela UERJ. Professor do Curso PJT e da Pós-Graduação em Direito Tributário da UERJ. Advogado. Resumo: O presente artigo trata do CPOM (Cadastro de Prestadores de Outros Municípios). Um dos mais importantes e eficientes mecanismos de combate à guerra fiscal e às fraudes no ISSQN, analisando os questionamentos jurídicos formulados contra o mesmo perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro, e trazendo também números e estatísticas que demonstram os resultados da sua aplicação como um dos impulsos à boa performance da tributação municipal sobre serviços de qualquer natureza nos últimos quinze anos. Palavras-chave: CPOM. ISSQN. Guerra fiscal. Fraudes tributárias. Competência municipal. Sumário: 1 Introdução – 1.1 Breve histórico do combate à guerra fiscal no ISSQN e o seu significativo sucesso até a presente data. Importância do CPOM (Cadastro de Prestadores de Outros Municípios) no federalismo fiscal brasileiro – 1.1.1 Evolução histórica e efeitos concretos – 2 Do direito: constitucionalidade das normas municipais que instituem o CPOM e mecanismos similares para combater as fraudes com estabelecimentos fictícios – 2.1 Não há atuação extraterritorial das leis municipais que instituem os CPOMs. Compreensão da regra do estabelecimento prestador de serviços como elemento de conexão territorial (aspecto espacial) do fato gerador do ISSQN – 2.2 Responsabilidade tributária atribuída ao tomador do serviço. Artigo 6º da LC 116/2003 e Artigo 128 do Código Tributário Nacional. A lei presume que o prestador está estabelecido no território municipal – salvo demonstração, facultativa, em contrário – 2.3 Ausência de “bitributação”. As normas que instituem o CPOM não preveem ou mesmo admitem a dupla incidência do ISSQN em distintos territórios municipais – 2.4 Princípios da praticabilidade ou da praticidade tributária e a razoabilidade das leis que instituem o CPOM. Critério de colaboração do prestador que ingressa no território do município com seus serviços destinados a tomador nele situado – 2.5 O controle da importação de serviços. O CPOM também se destina à fiscalização prevista no inciso i do §2º do Art. 6º da LC 116/2003: serviços provenientes ou iniciados no exterior – 2.6 Da ausência de discriminação pela origem de serviços em outra unidade da federação. Art. 152 da constituição – 2.7 Promoção da equidade e cooperação federativas. CPOMs vêm funcionando exemplarmente bem para fiscos e contribuintes, com resultados pacificadores e estabilizadores que premiam os bons contribuintes e combatem os sonegadores fiscais. Contenção eficiente da “corrida para o fundo do poço” pela competição desleal entre fiscos locais e entre contribuintes – 3 Jurisprudência – 4 Conclusão. Referências.

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65R. bras. de Dir. mun. – RBDM | Belo Horizonte, ano 21, n. 77, p. 65-96, jul./set. 2020

Aspectos constitucionais, legais e práticos do CPOM (Cadastro de Prestadores de Outros Municípios) no combate à Guerra Fiscal e às importações clandestinas de serviços

Ricardo Almeida Ribeiro da SilvaProcurador do Município do Rio de Janeiro. Assessor Jurídico da ABRASF (Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais). Diretor da ABDF (Associação Brasileira de Direito Financeiro). Membro da IFA (International Fiscal Association). Membro do Fórum de Direito Tributário da EMERJ. Mestre em Direito Público pela UERJ. Professor do Curso PJT e da Pós-Graduação em Direito Tributário da UERJ. Advogado.

Resumo: O presente artigo trata do CPOM (Cadastro de Prestadores de Outros Municípios). Um dos mais importantes e eficientes mecanismos de combate à guerra fiscal e às fraudes no ISSQN, analisando os questionamentos jurídicos formulados contra o mesmo perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro, e trazendo também números e estatísticas que demonstram os resultados da sua aplicação como um dos impulsos à boa performance da tributação municipal sobre serviços de qualquer natureza nos últimos quinze anos.

Palavras-chave: CPOM. ISSQN. Guerra fiscal. Fraudes tributárias. Competência municipal.

Sumário: 1 Introdução – 1.1 Breve histórico do combate à guerra fiscal no ISSQN e o seu significativo sucesso até a presente data. Importância do CPOM (Cadastro de Prestadores de Outros Municípios) no federalismo fiscal brasileiro – 1.1.1 Evolução histórica e efeitos concretos – 2 Do direito: constitucionalidade das normas municipais que instituem o CPOM e mecanismos similares para combater as fraudes com estabelecimentos fictícios – 2.1 Não há atuação extraterritorial das leis municipais que instituem os CPOMs. Compreensão da regra do estabelecimento prestador de serviços como elemento de conexão territorial (aspecto espacial) do fato gerador do ISSQN – 2.2 Responsabilidade tributária atribuída ao tomador do serviço. Artigo 6º da LC 116/2003 e Artigo 128 do Código Tributário Nacional. A lei presume que o prestador está estabelecido no território municipal – salvo demonstração, facultativa, em contrário – 2.3 Ausência de “bitributação”. As normas que instituem o CPOM não preveem ou mesmo admitem a dupla incidência do ISSQN em distintos territórios municipais – 2.4 Princípios da praticabilidade ou da praticidade tributária e a razoabilidade das leis que instituem o CPOM. Critério de colaboração do prestador que ingressa no território do município com seus serviços destinados a tomador nele situado – 2.5 O controle da importação de serviços. O CPOM também se destina à fiscalização prevista no inciso i do §2º do Art. 6º da LC 116/2003: serviços provenientes ou iniciados no exterior – 2.6 Da ausência de discriminação pela origem de serviços em outra unidade da federação. Art. 152 da constituição – 2.7 Promoção da equidade e cooperação federativas. CPOMs vêm funcionando exemplarmente bem para fiscos e contribuintes, com resultados pacificadores e estabilizadores que premiam os bons contribuintes e combatem os sonegadores fiscais. Contenção eficiente da “corrida para o fundo do poço” pela competição desleal entre fiscos locais e entre contribuintes – 3 Jurisprudência – 4 Conclusão. Referências.

R. bras. de Dir. mun. – RBDM | Belo Horizonte, ano 21, n. 77, p. 65-96, jul./set. 202066

RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

1 Introdução

Depois de 15 anos de funcionamento e apesar dos poucos questionamentos

judiciais formulados contra os regimes de combate à guerra fiscal no Imposto

Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) introduzidos na Constituição (art. 88

do ADCT), na Lei Complementar nº 116/2003 e nas leis locais, chegou ao STF o

Recurso Extraordinário nº 1.167.509 interposto pelo Sindicato das Empresas de

Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo.

Depois de vários casos rejeitados pelo STF, a Corte finalmente reconheceu a

repercussão geral da matéria, que envolve a arguição de constitucionalidade da Lei

nº 14.042/05 do Município de São Paulo.

O tema é pouco tratado na doutrina, sendo ainda escasso o conhecimento do seu

histórico e inserção na sistemática de combate à guerra fiscal e às fraudes em relação

ao ISSQN, diante de posições doutrinárias que apontam a sua inconstitucionalidade.

1.1 Breve histórico do combate à guerra fiscal no ISSQN e o seu significativo sucesso até a presente data. Importância do CPOM (Cadastro de Prestadores de Outros Municípios) no federalismo fiscal brasileiro

O ISSQN (Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza) enfrentou grave guerra

fiscal ao longo da década de noventa e no início da década passada. A solução

adveio de um conjunto de normas constitucionais e infraconstitucionais propostas em

anteprojetos gestados pela Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das

Capitais (ABRASF), as quais foram aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas

pela Presidência da República. Essas normas estabeleceram um arcabouço de

combate às deslealdades federativas promovidas por alguns municípios periféricos

e às fraudes perpetradas por contribuintes, e entre elas se inserem os CPOMs.

A primeira norma de combate à guerra fiscal e aos estabelecimentos fictícios

foi trazida pela Emenda Constitucional nº 37/2002, fixando no artigo 88 do ADCT

(EC 37/2002) a alíquota/carga tributária mínima de 2% para o ISSQN. Logo em

seguida, foi editada a LC 116/2003, cujo artigo 4º trouxe uma definição abrangente

e heurística para o conceito de estabelecimento prestador. Por fim, os Municípios

criaram o eficiente mecanismo antifraude denominado Cadastro de Prestadores de

Outros Municípios – CPOM, cuja sistemática foi reforçada pelas previsões introduzidas

na lei nacional do ISSQN pela recente LC 157/2016.

Essa sistematização normativa e administrativa dos instrumentos de combate

à guerra fiscal e aos estabelecimentos fictícios tornou o ISSQN o imposto com a

melhor performance fiscal do país. Por esta razão, vale remontar o contexto e os

efeitos da disciplina acima referida.

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

1.1.1 Evolução histórica e efeitos concretos

Por gravar a circulação de bens imateriais, a guerra fiscal do ISSQN era muito

mais difícil de combater do que as deslealdades e espertezas praticadas em relação

ao ICMS. Afinal, os Estados possuíam (e possuem) o Conselho Nacional de Política

Fazendária – CONFAZ, como órgão regulador de isenções e benefícios tributários e

fiscais, desde a Lei Complementar nº 24/75, e controlam a circulação de mercadorias

(bens tangíveis).

A situação do ISSQN se agravara na década de noventa pela disseminação de

pretensos “estabelecimentos prestadores de serviços” nas cidades do entorno das

capitais. Essa prática foi estimulada por determinadas municipalidades situadas nos

entornos metropolitanos, mediante a concessão de alvarás e de inscrições fiscais

vinculadas a um endereço emprestado (muitas vezes pertencente a um escritório de

contabilidade ou a um departamento da própria prefeitura), dissociado de qualquer

unidade econômica ou profissional capaz de efetivamente prestar serviços – ainda

que temporária.

Estas iniciativas promoveram práticas ilícitas, fraudulentas e até criminosas

em todo o país, e acabaram provocando uma severa competição desleal no plano

das finanças federativas. Além de ofender a perspectiva cooperativa e solidária do

Federalismo alvitrado pela Constituição de 1988, a disseminação desses artifícios

erodiu a base econômica nacional do imposto municipal sobre serviços de qualquer

natureza, com perdas significativas para os todos municípios.

Esta realidade começou a ser revertida pela adoção da alíquota mínima de

2% (dois porcento) para o ISSQN, inserida no artigo 88 do ADCT pela Emenda

Constitucional nº 37/2002, refreando a competição interfederativa desleal, que

configurava uma verdadeira “corrida para o fundo do poço” (a race to the bottom1)

nas Finanças Públicas Municipais.

Confira-se a redação do artigo 88 do ADCT, in verbis:

CONSTITUIÇÃO DE 1988 - ADCTArt. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos inci-sos I e III do §3º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo [ISSQN]: I - terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968;

1 Vale citar aqui o clássico artigo de Ravi Kanbur e de Michael Keen: Jeux Sans Frontieres: Tax Competition and Tax Coordination When Countries Differ in Size. American Economy Review, v. 83, n. 4, p. 877-892, 1993.

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RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

II - não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I. (Grifos nossos).

Entretanto, como já destacado, o pior artifício contido nas iniciativas desleais

destas cidades dos entornos metropolitanos não era apenas a abusiva redução da

alíquota do ISSQN, mas, principalmente, a admissão e os incentivos dessas prefeituras

para que contribuintes instalassem estabelecimentos fictícios em seus respectivos

territórios, por meio de simples “caixas postais” ou similares, em escritórios de

contabilidade ou nos prédios administrativos municipais.

Esta prática estava disseminada em quase todo o Brasil e reproduzia os regimes

ilícitos e abusivos2 adotados pelos piores paraísos fiscais do mundo!3

Para reforçar o enfrentamento a essa “guerra fiscal”, a Lei Complementar

nº 116/2003 trouxe uma nova definição de estabelecimento prestador como elemento

de conexão territorial (aspecto espacial) do fato gerador do ISSQN, assinalando-o

como “o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços (…) e

que configure unidade econômica ou profissional”.

LEI COMPLEMENTAR Nº 116/2003Art. 4º Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contri-buinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanen-te ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas. (Grifos nossos).

Assim, a despeito das denominações de sede, filial, agência, posto de aten-

dimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que

venham a ser utilizadas, ou mesmo a provisoriedade do estabelecimento (afastando

claramente a exigência de que fosse permanente ou habitual), a norma geral tributária

veiculada por meio da LC 116/2003 reafirmou que o importante é a efetividade do

estabelecimento como unidade econômica ou profissional prestadora de serviços.

Diante das novas normas constitucionais e legais (alíquota mínima de 2% e

art. 4º da LC 116/2003), algumas iniciativas foram adotadas para combater as

2 Sobre o tema dos paraísos fiscais, os países em geral e o Direito Tributário Internacional vêm enfrentando esses paraísos fiscais por meio de importantes teorias como as do “estabelecimento permanente”, “treaty shopping”, “arm’s length” e, mais recentemente, de iniciativas contidas nas plataformas do programa BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) da OCDE. Vide, especialmente, as medidas e recomendações adotadas sob a Ação 7 do BEPS (Action 7 – Preventing Artificial Avoidance of Permanent Establishiment).

3 Vide Ronen Palan, Richard Murphy e Christian Chavagneux: Tax Havens: How Globalization Really Works. Ithaca, NY: Cornell University Press, 2010.

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

práticas fraudulentas, como as que integraram o Roteiro para combate à guerra fiscal

no ISSQN (publicado pela ABRASF em diversos veículos),4 especialmente aquelas

que atacavam a renúncia de receitas à luz do artigo 14 da LRF.

Esse Roteiro orientou algumas iniciativas locais, como a do Município de

São Paulo e do Ministério Público de São Paulo5 – bem antes da edição da Lei

Complementar nº 157/2016 e da criação dos CPOMs (Cadastros de Prestadores

de Outros Municípios).

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo fez diversas restrições nas

aprovações anuais das contas das cidades que renunciavam ilegalmente a receitas

para atrair contribuintes, especialmente para aquelas que admitiam estabelecimentos

fictícios. Entretanto, as Ações Civis Públicas propostas contra as leis locais desleais

não foram julgadas procedentes porque “se entendeu pela falta de tipicidade ou

de dolo específico nas condutas ímprobas dos respectivos Prefeitos”, no caso de

cidades como Barueri, Santana do Parnaíba, Poá e de outras cidades do entorno

metropolitano do Município de São Paulo.

Além dessas medidas, o Distrito Federal valeu-se também de uma das pro-

posições prevista no Roteiro e ingressou em 2009 no STF com duas Arguições de

Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF de nº 189 (contra o Município de

Barueri) e a ADPF nº 190 (contra o Município de Estância Hidromineral de Poá). Esta

última só começou a ser julgada em 2015, quando o Ministro Edson Fachin (novo

relator) deferiu a liminar requerida, para suspender a legislação do Município de Poá

– tendo sido a mesma referendada posteriormente pelo Plenário da Suprema Corte.

Inobstante, para conferir melhor instrumentalidade e eficácia prática às normas

constitucionais e legais introduzidas no ordenamento brasileiro para o combate à

guerra fiscal, mostrou-se indispensável criar um mecanismo que permitisse aos

Municípios a AFERIÇãO MÍNIMA DA EXISTÊNCIA, OU NãO, DO ESTABELECIMENTO

PRESTADOR a que se imputava a prestação efetiva dos serviços destinados ao

tomadores situados em outro território municipal.

Essas medidas permitiriam também o controle fiscal da “importação de serviços”,

diante do avanço da economia digital, a qual permite a realização de prestações a partir

de localidades remotas ou desconhecidas, cujos resultados (cumprimento eficiente

do serviço) são verificados no Brasil, sem que o prestador possua estabelecimento

4 Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7263/aliquota-minima-do-issqn. Acesso em: 12 set. 2020.5 “X. CENTROS DE APOIO OPERACIONAL. C.A.O DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DA CIDADANIA. Publicidade

de que tratam os artigos 19 e seguintes do Ato nº. 19/94 CPJ JUNHO/04. A - Procedimentos Preparatórios de Inquéritos Civis. CAO Portaria Nº 2018/04. COMARCA Barueri. Assunto: Eventual desrespeito ao limite de alíquota mínima de 2% estabelecido pela Emenda Constitucional nº 37 para impostos sobre serviços de qualquer natureza”. (Grifos nossos).

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RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

efetivamente prestador no país. E, para estes casos, a LC 116/2003 determina

expressamente que o tomador do serviço é o sujeito passivo imediato do ISSQN.6

Criou-se, então, um instrumento simples, de baixo custo para os Fiscos e gratuito

para os CONTRIBUINTES PESSOAS JURÍDICAS, com elevado grau de razoabilidade

e segurança. Este mecanismo foi pioneiramente denominado de CPOM (Cadastro

de Prestadores de Outros Municípios), tendo também sido batizado como CEPOM

(Cadastro Especial de Prestadores de Outros Municípios) ou CENE (Cadastro de

Empresas Não-Estabelecidas habitualmente) em algumas cidades.

A premissa fático-jurídica da norma é a de que o desenvolvimento ou conclusão

dos serviços destinados a tomador situado no território municipal valem-se de um

estabelecimento existente dentro do próprio território municipal de destino – porém

ocultado das autoridades locais – para vincular as prestações a um estabelecimento

fictício situado em outro município. A outra hipótese possível, presumida pela lei, é

a de que as atividades são realizadas nas INSTALAÇÕES do próprio estabelecimento

tomador do serviço, presumidamente suficientes para configurar uma unidade

econômica ou profissional, ainda que precária ou temporária.

Esta última situação é, aliás, corriqueira e bastante comum na realização dos

serviços de consultoria, auditoria, informática, entre outros, sendo exigência ordinária

nessas relações que o desenvolvimento de etapas das atividades prestacionais

sejam cumpridas nos próprios recintos do tomador do serviço, que reserva espaços

físicos para tal finalidade.

Cite-se, como exemplo, as contratações de serviços de manutenção e suporte

aos usuários de equipamentos de telefonia e informática nas agências da Caixa

Econômica Federal, situadas em todos os municípios brasileiros. Nestas contratações

de serviços, é usualmente exigido que a empresa vencedora da licitação aloque

pessoal e equipamentos necessários à realização das prestações em cada um dos

seus estabelecimentos bancários locais. Portanto, nestes casos, o estabelecimento

prestador está situado provisoriamente nas instalações da própria empresa tomadora

dos serviços.

Portanto, o CPOM configura um instrumento de controle típico da fiscalização

das atividades conhecidas como B2B (business to business) – isto é, apenas das

prestações de serviços realizadas entre empresas ou entre pessoas jurídicas,

6 “Art. 6º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.

(…) §2º Sem prejuízo do disposto no caput e no §1º deste artigo, são responsáveis:

I - o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País;”. (Grifos nossos).

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

representando um avanço nesta matéria no Brasil, sobretudo se comparada a outros

países que enfrentam o mesmo problema.

As capitais que já adotaram o regime dos CPOMs foram as seguintes: São

Paulo (Lei nº 14.042/2005); Rio de Janeiro (Lei nº 4.452/2006); Porto Alegre

(Lei nº 17.904/2013); Salvador (Lei nº 8.421/2013); Fortaleza (Lei Complementar

nº 109/2013); São Luís/MA (Decreto nº 45.151/2014 por delegação legal expressa)

e Curitiba (Lei Complementar nº 107/2017).

Estes mecanismos também foram batizados com outros nomes, mas com as

mesmas funcionalidades, sendo conhecidos como DSR (Documento de Serviços

Recebidos), RANFS (Registro Auxiliar da Nota Fiscal de Serviços) ou DANFs (Documento

Auxiliar da Nota Fiscal Eletrônica de Serviços). Todos estes mecanismos estão

implantados com o propósito de controlar fraudes com estabelecimentos fictícios e

estão presentes também nas seguintes municipalidades brasileiras de grande consumo

de serviços “importados” de outras unidades da federação ou do exterior do país:

QUADRO 1

Outras cidades com CPOM

MUNICÍPIO TIPO DE CADASTRO

VILA VELHA (ES) CPOM

NITERÓI (RJ) DSR (SUBSTITUIU A RANFS)

JOINVILLE (SC) CENE

CAMPINAS (SP) CENE

MOGI DAS CRUZES (SP) CPOM

SOROCABA (SP) CENE

Fonte: Elaboração própria.

O CPOM é um cadastro simples e compatível com a capacidade de colaboração

de um prestador de serviço que se relaciona com tomadores de serviços situados

em outras unidades da Federação. Ele consiste basicamente na faculdade oferecida

ao prestador não estabelecido no território municipal em que irá prestar serviço (ou

que afirme não utilizar o seu estabelecimento local para prestar serviços a tomadores

situados naquela municipalidade) de fazer uma inscrição para demonstrar, com

elementos indiciários e razoáveis, que o estabelecimento prestador situado no outro

município de fato existe e é compatível com o desenvolvimento dos serviços que

serão destinados ao tomador situado naquela localidade.

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RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

As exigências para o registro no CPOM são em geral as seguintes:

1) Cópias autênticas dos atos constitutivos, CNPJ e dos documentos do sócio ou administrador;2) Título de propriedade ou posse do imóvel do estabelecimento (con-trato de locação, comodato, etc.);3) Cópia do carnê de IPTU, da conta de energia e de ao menos uma conta telefônica com endereço do imóvel;4) 3 fotografias do estabelecimento (fachada, detalhe do número e interna – esta dispensada quando for imóvel residencial);5) Cópias das RAIS – Relatório Anual de Informações Sociais dos 2 últimos anos.

Como se verifica, a inscrição é simples e pode ser feita por meio eletrônico e

remoto na maioria das cidades, não trazendo qualquer dificuldade para as empresas

que pretendem prestar serviços para além das fronteiras territoriais municipais onde

se situam seus (verdadeiros) estabelecimentos. As únicas “empresas” que têm

eventuais dificuldades são exatamente aquelas fictícias, artificiosas e tipicamente

fraudadoras do critério do efetivo estabelecimento prestador, definido pela lei como

unidade econômica ou profissional de verdade.

A medida é exigência absolutamente adequada e razoável, inclusive se compa-

rada com as exigências legais similares estatuídas no plano do direito internacional,

por meio das quais determinados países estatuem requisitos formais à entrada de

prestadores de serviços oriundos de outras localidades.

Caso se pretenda compará-las com as exigências formuladas pela Comunidade

Econômica Europeia7 para prestadores de serviços em relação ao IVA (Imposto sobre

Valor Adicionado), elas se revelam ínfimas – mas vem representando grande eficiência

e economicidade para a fiscalização das mesmas.

Atualmente (ano de 2020), o Cadastro de Prestadores estabelecidos fora

do Município de São Paulo conta com 158.633 registros ativos de todo país e do

estrangeiro. O Rio de Janeiro, por sua vez, conta atualmente com 45.419 registros

deferidos. Estas informações demonstram que não há qualquer dificuldade em se

proceder ao requerimento e ao registro (todos também disponíveis on-line ou em

forma digital) de empresas que efetivamente possuam estabelecimentos prestadores

que prestam serviços transfronteiriços.

Ademais, o número de pedidos indeferidos no Rio e em São Paulo é inferior

a 20% do total de requerimentos, sendo que a imensa maioria dos requerimentos

rejeitados (17,5% do total) decorre da falta de apresentação de documentos simples.

7 Vide Artigos 214 e 216 da Diretiva do IVA editada pelo Conselho Europeu 2006/112/CE e o sistema eletrônico (VIES) para sua aplicação prática.

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

Com efeito, somente com a edição de normas legais instituindo o CPOM pelos

Municípios, disciplinando o reconhecimento dos estabelecimentos prestadores

situados fora do território onde os serviços eram realizados ou concluídos, é que foi

possível conferir eficácia ao combate das fraudes fiscais que alimentavam a guerra de

alíquotas entre municípios do entorno metropolitano, reconhecendo que, na ausência

de estabelecimento prestador situado fora do município, o fato gerador restaria

presumidamente verificado no próprio território municipal – valendo-se o prestador

dos meios por fornecidos pelo tomador ou de estabelecimento local ocultado das

autoridades competentes.

Como já antecipado na epígrafe desta manifestação, algumas capitais trouxeram

levantamentos parciais que já demonstram a evitação de perdas arrecadatórias

importantes, eliminando as fraudes praticadas por meio do indevido deslocamento de

incidência para outro município em que não exista efetivo estabelecimento prestador.

Cite-se, a título ilustrativo, as principais capitais do país neste tema, podendo-se

afirmar que o CPOM assegurou o recebimento de mais de 10 bilhões de reais nos

últimos 15 anos, sem contar os autos de infração lavrados (que em São Paulo

chegaram à cifra de 2,5 bilhões em 2019 – em razão do caso Itausa/Barueri).

TABELA 1

Porto Alegre

R. bras. de Dir. mun. – RBDM | Belo Horizonte, ano 21, n. 77, p. 65-96, jul./set. 202074

RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

TABELA 2

Rio de Janeiro

Valores referem-se apenas à retenção na fonte pelos tomadores/responsáveis tributários. Não incluem valores objeto de autos de infração ainda não pagos. Elaboração: SMF/Rio de Janeiro.

TABELA 3

São Paulo

* O valor discrepante advém de autuações em instituições financeiras oriundas da CPI – Sonegação Tributária, instalada pela Câmara dos Vereadores do MSP.** Contempla apenas os valores lançados em autos de infração, sem incluir o ISSQN retido e recolhido espontaneamente pelos tomadores na qualidade de responsáveis tributários.

Elaboração: SMF/São Paulo.

R. bras. de Dir. mun. – RBDM | Belo Horizonte, ano 21, n. 77, p. 65-96, jul./set. 2020 75

ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

Dando seguimento à cronologia dos fatos de combate à guerra fiscal e às

fraudes de contribuintes, cumpre citar o importante julgamento da ADPF 190.

Depois desta etapa de implantação dos CPOMs e afins, adveio em 2015 a

mencionada decisão liminar proferida na ADPF 190, já sob relatoria do Ministro Edson

Fachin, referendada em Plenário. A decisão confirmou a inconstitucionalidade e a

nulidade da lei do município de Póa/SP, que desrespeitara a alíquota mínima de 2%,

inclusive por meio da redução da base de cálculo pela exclusão de tributos devidos

pelo prestador de serviço (recaindo na hipótese do inciso II do artigo 88 do ADCT).

Confira-se os seguintes excertos do julgado:

ADPF 190É inconstitucional lei municipal que veicule exclusão de valores da base de cálculo do ISSQN fora das hipóteses previstas em lei comple-mentar nacional. Também é incompatível com o Texto Constitucional medida fiscal que resulte indiretamente na redução da alíquota mínima estabelecida pelo art. 88 do ADCT, a partir da redução da carga tribu-tária incidente sobre a prestação de serviço na territorialidade do ente tributante. (Grifos nossos).

Por sua vez, a Lei Complementar nº 157/2016 confirmou a sistemática

desenvolvida sob a égide da alíquota mínima nacional (de 2%) do ISSQN (artigo 88 do

ADCT da CR88), do conceito substancial de estabelecimento prestador (artigo 4º da

LC 116/2003), das leis municipais instituidoras do CPOM e da afirmação de nulidade

das leis violadoras desses preceitos, a partir do julgamento pelo STF na ADPF 190.

O novo diploma legal conferiu, ainda, tipicidade inequívoca às condutas

ímprobas dos agentes públicos municipais que desrespeitassem a alíquota mínima

constitucional. Neste sentido, vale destacar os seguintes dispositivos legais acrescidos

à LC 116/2003 pela referida lei complementar nº 157/2016:

LC 157/2016Art. 8º-A. A alíquota mínima do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza é de 2% (dois por cento).§1º O imposto não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado, ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima estabelecida no caput, exceto para os serviços a que se referem os subitens 7.02, 7.05 e 16.01 da lista anexa a esta Lei Complementar.§2º É nula a lei ou o ato do Município ou do Distrito Federal que não respeite as disposições relativas à alíquota mínima previstas neste artigo no caso de serviço prestado a tomador ou intermediário locali-zado em Município diverso daquele onde está localizado o prestador do serviço.

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RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

§3º A nulidade a que se refere o §2º deste artigo gera, para o pres-tador do serviço, perante o Município ou o Distrito Federal que não respeitar as disposições deste artigo, o direito à restituição do valor efetivamente pago do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza calculado sob a égide da lei nula. (Grifos nossos).

Art. 3º (…) (…)§4º Na hipótese de descumprimento do disposto no caput ou no §1º, ambos do art. 8º-A desta Lei Complementar, o imposto será devido no local do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado.

Art. 4º A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei de Improbidade Ad-ministrativa), passa a vigorar com as seguintes alterações: Seção II-ADos Atos de Improbidade Administrativa Decorrentes de Concessão ou Aplicação Indevida de Benefício Financeiro ou Tributário.

Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o §1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

Art. 12IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspen-são dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedi-do. (NR)

Art. 17§13. Para os efeitos deste artigo, também se considera pessoa jurídi-ca interessada o ente tributante que figurar no polo ativo da obrigação tributária de que tratam o §4º do art. 3º e o art. 8º-A da Lei Complemen-tar nº 116, de 31 de julho de 2003. (NR) (Grifos nossos).

A construção constitucional, legislativa, normativa e administrativa dos regimes de

combate à guerra fiscal no ISSQN em bases graduais e razoáveis tornou este imposto

municipal o de melhor performance fiscal do Brasil, pois aumentou a arrecadação

em termos reais (descontada a inflação de serviços do período) apesar da redução

da carga tributária individual (limitada ao teto de 5%, desde a LC 116/2003).

O gráfico a seguir mostra a evolução da arrecadação dos impostos sobre consumo

(e o IOF) em relação ao percentual do PIB. Fica claro que o ICMS está estagnado e o

PIS/COFINS também, tendo sido elevado com a tributação das importações no final da

década de noventa e com o aumento das alíquotas (9,25%) para as empresas (lucro

real) do regime não cumulativo a partir de 2002. Por sua vez o ISSQN experimenta

R. bras. de Dir. mun. – RBDM | Belo Horizonte, ano 21, n. 77, p. 65-96, jul./set. 2020 77

ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

um crescimento consistente, fruto do aprimoramento fiscal da sua cobrança, em

bases isonômicas e cada vez mais universalizadas, tendo o CPOM contribuído de

modo decisivo para tal êxito.

GRÁFICO 1

Performance fiscal do ISSQN – comparada à dos demais impostos

sobre consumo

Com efeito, pode-se concluir este breve histórico da reforma silenciosa e eficiente

do ISSQN dizendo que as medidas adotadas no Brasil para combate à guerra fiscal

merecem hoje amplo reconhecimento nacional e internacional, pela sua eficiência,

facilidade de cumprimento e baixo custo para todos os contribuintes e fiscos. Não é

por outro motivo que a Confederação Nacional da Indústria – CNI publicou pesquisa

em Outubro de 2018 sobre quais seriam os impostos que mais impactariam a

competitividade das empresas brasileiras.

O resultado da Pesquisa da CNI foi o seguinte:

R. bras. de Dir. mun. – RBDM | Belo Horizonte, ano 21, n. 77, p. 65-96, jul./set. 202078

RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

GRÁFICO 2

Arrecadação garantida pelo CPOM

Fonte: CNI, 2018.

Os fatos acima narrados permitem entrever não apenas a eficiência e a

importância dos CPOMs para as municipalidades brasileiras, mas também a sua

articulação normativa desde o plano da Constituição e das normas gerais do ISSQN.

A inconstitucionalidade do CPOM só pode interessar a quem quer trapacear,

concorrer deslealmente, sonegar ou simplesmente evadir do campo da tributação

do ISSQN – imposto este cuja arrecadação é cada vez mais essencial para o

financiamento das incontáveis tarefas públicas cometidas pela Constituição aos

municípios brasileiros.

E, como se pretende demonstrar a seguir, as normas municipais que instituíram

os CPOMs e estão em funcionamento há mais ou menos 15 anos em diversas

cidades, afiguram-se constitucionais, promovendo o federalismo, a transparência

fiscal e a colaboração entre fiscos e contribuintes que têm compromisso com a

isonomia e justiça tributárias.

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

2 Do direito: constitucionalidade das normas municipais que instituem o CPOM e mecanismos similares para combater as fraudes com estabelecimentos fictícios

2.1 Não há atuação extraterritorial das leis municipais que instituem os CPOMs. Compreensão da regra do estabelecimento prestador de serviços como elemento de conexão territorial (aspecto espacial) do fato gerador do ISSQN

O primeiro argumento usualmente adotado contra o CPOM afirma que a exigência

da lei municipal – no caso a legislação do Município de São Paulo – estaria produzindo

efeitos para fora do território do município eu os institui.

Entretanto, há uma evidente petitio principii em assumir tal fato. Isto porque

as leis municipais não se referem a “fatos ocorridos fora do seu território”, mas tão

somente àqueles verificados, em alguma medida, dentro do seu âmbito espacial

de competência.

As leis municipais que instituem CPOMs presumem, com base em dados de

realidade, que as prestações de serviços desenvolvidas ou concluídas no seu território

têm por origem um estabelecimento prestador situado naquela municipalidade ou,

quando inexistente, a existência de unidade profissional ou econômica nas instalações

da própria empresa tomadora dos serviços, ainda que precária ou temporária.

Como já referido na narrativa dos fatos, esta última situação é corriqueira e

bastante comum na realização dos serviços de consultoria, auditoria, informática,

entre outros, sendo exigência ordinária nestas relações que o desenvolvimento

de etapas das atividades prestacionais sejam cumpridas nos próprios recintos do

tomador do serviço, que reserva espaços físicos para tal finalidade.

No primeiro caso, se o estabelecimento prestador efetivo é desconhecido

(não foi cadastrado e não pode ser fiscalizado pelo ente local), afigura-se plenamente

possível à lei local presumir que a unidade profissional ou econômica prestadora é

precária, sendo suficiente o uso das instalações do próprio tomador para a prestação

dos serviços.

Com efeito, a falta da identificação do efetivo estabelecimento prestador

equivale à situação do prestador estrangeiro, desconhecido dos controles fiscais

internos brasileiros.

Portanto, a presunção que informa as normas de incidência do CPOM para as

prestações concluídas no território municipal não decorre apenas do ambiente de guerra

fiscal verificado em nível nacional, mas também da cada vez mais comum procedência

de serviços por meios digitais a partir de outras localidades desconhecidas, inclusive

aquelas situadas no exterior do país.

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RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

Por esta razão, o inciso I do §2º do art. 6º da LC 116/2003 já indicava a

possibilidade de as leis municipais definirem como responsáveis tributários os

tomadores ou intermediários dos serviços provenientes ou iniciados no exterior.

Vale conferir a sua redação:

Art. 6º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, PODERÃO atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.(…)§2º Sem prejuízo do disposto no caput e no §1º deste artigo, são responsáveis: I - o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País; (Grifos nossos).

O regime dos CPOMs não implica qualquer violação das normas de incidência

da LC 116/2003 e, muito menos, do critério de territorialidade da competência

impositiva.

Ao contrário, prestigiam os controles fiscais para combater a guerra fiscal

e instituem responsabilidade tributária coerente com as faculdades que lhe são

asseguradas pelo artigo 128 do Código Tributário Nacional e pelo artigo 6º da LC

116/2003. Este dispositivo, além de conter o inciso I do parágrafo 2º acima citado,

enuncia em seu parágrafo 1º que:

Art. 6º. (…)§1º Os responsáveis a que se refere este artigo estão obrigados ao recolhimento integral do imposto devido, multa e acréscimos legais, independentemente de ter sido efetuada sua retenção na fonte.

Portanto, a exigência legal de que o prestador de serviço transfronteiriço qualifique

previamente o estabelecimento prestador que efetivamente os realiza, demonstrando

ser o mesmo uma unidade econômica ou profissional, é absolutamente compatível

e otimizador das regras complementares estatuídas pelos artigos 3º e 4º da Lei

Complementar 116/2003.

Ele inclusive instrumentaliza as duas facetas do artigo 4º, que concorrem para

consubstanciar o princípio da realidade do estabelecimento prestador, combatendo

os estabelecimentos fictícios, a guerra fiscal, as fraudes e sonegações tributárias.

Com efeito, o artigo 4º da LC 116/2003 exige, por um lado, a qualificação do

estabelecimento prestador como unidade econômica ou profissional, combatendo

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

as “empresas de papel”, existentes apenas em “caixas-box” de empresas de

contabilidade hospedeiras, com inscrições municipais fictícias (alvará e registro

fiscal), situadas em paraísos fiscais.

Por outro lado, o regime reconhece o efetivo estabelecimento prestador, inclusive

precário ou temporário, existente nas instalações do tomador do serviço, servindo-se

da regra que impede a sua desqualificação pela mera denominação como posto de

atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras

que venham a ser utilizadas – também prevista no artigo 4º da LC 116/2003.

Na prática, os CPOM são o único instrumento possível para que os Municípios

brasileiros consigam, hoje, otimizar a aplicação das normas gerais tributárias do

ISSQN acima apontadas, fazendo-a de modo sistemático, com baixo custo e pouco

impacto formal para contribuintes e fiscos.

Aliás, a regra atua de modo similar ao critério do “estabelecimento permanente”

previsto nas normas dos Tratados Internacionais de Direito Tributário para a tributação

da renda, destinados a combate a elusão e sonegação fiscal transnacional.8 Pode-se

afirmar que os fatos objeto das leis municipais são verificados no território municipal,

na medida em que os efeitos das prestações são verificados nos seus territórios,

havendo realidade e razoabilidade em se presumir ocorridos os respectivos fatos

geradores onde os serviços produzem resultado, seja porque:

1) O prestador ocultou o seu estabelecimento local das autoridades do município em que há o CPOM (seja porque não cadastrou validamente outro estabelecimento, seja porque indicou estabelecimento fictício ou inapto à prestação dos serviços verificados); ou2) O prestador instalou unidade econômica ou profissional nas pró-prias dependências da empresa tomadora dos serviços, ainda que for-ma precária ou temporária; ou, por fim;3) O prestador está situado no exterior, sendo desconhecido das auto-ridades brasileiras.

Em todas essas hipóteses, a lei municipal pode (e deve) afirmar a ocorrência

do fato gerador no seu próprio território municipal, elegendo o tomador de serviço

como responsável tributário.

8 Cf. BEPS ACTION 7 – Permanent Establishment Status: “business profits of a foreign enterprise are taxable in a jurisdiction only to the extent that the enterprise has in that jurisdiction a permanent establishment to which the profits are attributable. The definition of permanent establishment included in tax treaties is therefore crucial in determining whether a non-resident enterprise must pay income tax in another jurisdiction. The BEPS Action Plan called for a review of that definition to prevent the use of certain common tax avoidance strategies used to circumvent the former Model permanent establishment definition, such as arrangements through which taxpayers replace subsidiaries that traditionally acted as distributors by commissionaire arrangements, with a resulting shift of profits out of the jurisdiction where the sales took place without a substantive change in the functions performed in that jurisdiction” (Disponível em: https://www.oecd.org/tax/beps/beps-actions/action7/. Acesso em: 12 set. 2020, grifos nossos).

R. bras. de Dir. mun. – RBDM | Belo Horizonte, ano 21, n. 77, p. 65-96, jul./set. 202082

RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

Trata-se de serviços que são destinados ao território municipal dos municípios

que instituem o CPOM, tendo eles competência para definir se os mesmos podem

ser considerados como prestados por estabelecimentos efetivos em seus territórios

ou a partir de outros municípios, fixando condições para assim reconhecê-los!

Destarte, não há qualquer extraterritorialidade das leis municipais que instituem

os CPOMs, tampouco da lei paulistana nº 14.042/2005, pela qual cai por terra a

premissa levantada pela autora da ação contra o sistema de fiscalização vigente e

fundamental para o atual combate à guerra fiscal e às fraudes contra o ISSQN em

todo o país.

2.2 Responsabilidade tributária atribuída ao tomador do serviço. Artigo 6º da LC 116/2003 e Artigo 128 do Código Tributário Nacional. A lei presume que o prestador está estabelecido no território municipal – salvo demonstração, facultativa, em contrário

Mais uma vez aqui parte-se da premissa de que a lei municipal determina a

tributação de serviços oriundos de estabelecimentos (efetivamente) prestadores,

situados em outros municípios. Repita-se, a premissa das leis que instituem os CPOMs

é de que as prestações recebidas por tomadores situados no território municipal

são desenvolvidas ou concluídas efetivamente por estabelecimentos localizados na

própria municipalidade ou são provenientes do exterior.

Portanto, a lei não pretende alcançar contribuinte que não esteja situado em seu

território (salvo no caso dos declaradamente estrangeiros), mas sim as hipóteses

em que os prestadores realizam serviços a partir de unidades profissionais ou

econômicas situadas no próprio território municipal.

Não há, portanto, qualquer alteração do “destinatário constitucional da norma

de incidência”. Assim, a questão imputada às leis municipais não é sequer matéria

discutível à luz da Constituição.

Uma vez admitida a presunção da existência de estabelecimento local como

princípio e motivação das leis municipais que disciplinam os CPOMs, conclui-se

que a matéria se resume à possibilidade de eleição de responsável tributário para

o pagamento do tributo devido.

E, no caso presente, não se precisa de muitas linhas para comprovar que

o tomador do serviço é, sem dúvida, a terceira pessoa que tem a mais próxima

relação com o fato gerador da obrigação tributária, podendo a lei até mesmo excluir

a responsabilidade do contribuinte ou torná-la supletiva quanto ao cumprimento da

obrigação.

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

O tomador do serviço é hipótese clássica, mas também atual, para figurar na

condição de responsável tributário, sendo o principal recurso normativo hodierno

para fazer incidir a tributação do consumo na economia digital, como se verifica na

legislação tributária europeia em relação aos serviços prestados remotamente por

meio da internet.9

A hipótese se enquadra perfeitamente na previsão do artigo 128 do Código

Tributário Nacional bem como no artigo 6º da LC 116/2003, cujo caput basicamente

repete a redação do artigo 128 CTN, ambos já referidos no item anterior.

Portanto, não merece guarida o contorcionismo jurídico intentado por parte da

autora para afirmar a inconstitucionalidade da regra de responsabilidade do tomador

do serviço.

2.3 Ausência de “bitributação”. As normas que instituem o CPOM não preveem ou mesmo admitem a dupla incidência do ISSQN em distintos territórios municipais

As teses que defendem a inconstitucionalidade dos CPOMs cometem ainda

um outro equívoco importante ao tentar transpor, para o plano abstrato da lei,

determinadas situações hipotéticas que possam ocorrer eventualmente in concreto

em razão da (má) aplicação da norma.

Com efeito, as leis que instituem o CPOM não preveem e nem mesmo admitem

a “bitributação” do ISSQN em distintas municipalidades. Ao contrário, o regime do

CPOM tem por objetivo sistematizar e efetivar as normas constitucionais e legais

que afirmam o critério da territorialidade única vinculada à aferição do efetivo

estabelecimento prestador.

As premissas e preceitos das leis municipais que criam os sistemas de CPOM

pretendem exatamente clarificar qual é o (único) local de ocorrência do fato gerador.

A nebulosidade e confusão só interessa àqueles que pretendem coibir os cadastros

locais.

É fácil perceber que a dupla incidência ou “bitributação” não é um efeito previsto

ou mesmo tolerado pelas normas municipais em foco. E muito menos existe qualquer

incentivo à dupla exação fiscal em razão de um mesmo fato gerador.

Portanto, ainda que este fenômeno possa se verificar acidentalmente em algum

caso concreto, ele decorrerá muito mais da omissão do contribuinte em demonstrar

qual o seu efetivo estabelecimento prestador, do que da iniciativa de qualquer dos

9 Vide Artigos 214 e 216 da Diretiva do IVA editada pelo Conselho Europeu 2006/112/CE e o sistema eletrônico (VIES) para sua aplicação prática.

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RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

fiscos municipais em desqualificar uma unidade profissional ou local que não ostente

tal qualidade.

Aliás, como visto, o percentual de indeferimentos de estabelecimentos

prestadores pelos CPOM é menor do que 20% do total de pedidos – sendo a

quase totalidade das rejeições provocada pela simples falta de apresentação de

documentação completa!

Destarte, a pecha de dupla incidência é fruto de uma ilação que não se verifica

na prática ordinária e muito menos no plano de validade da norma, pois ela não

contém qualquer comando que enuncie tal propósito ou efeito.

As premissas, preceitos e objetivos colimados pelas normas municipais dos

CPOMs apontam para a transparência fiscal e definição do efetivo estabelecimento

prestador, sendo que o mecanismo de fiscalização implementando é consentâneo

com os princípios da razoabilidade e da praticabilidade fiscal, como se verá adiante.

2.4 Princípios da praticabilidade ou da praticidade tributária e a razoabilidade das leis que instituem o CPOM. Critério de colaboração do prestador que ingressa no território do município com seus serviços destinados a tomador nele situado

As leis municipais que instituem os CPOMs não aplicam qualquer sanção ao

contribuinte situado em outro território.

O destinatário primeiro destas normas não é o estabelecimento prestador

situado em outro município, mas sim o tomador do serviço que recebe serviço

transfronteiriço, o qual fica obrigado a reter e recolher o ISSQN caso o seu prestador

não seja identificado, indique prestador com estabelecimento fictício de outra

municipalidade ou o mesmo esteja situado no exterior.

Como já ressaltado, uma vez verificado o resultado do serviço em território

municipal e não identificado estabelecimento prestador situado no âmbito do

próprio município, presume-se que o estabelecimento do prestador está localizado

na própria estrutura da empresa tomadora do serviço ou que tomador e prestador

deixaram de identificá-lo no próprio território – podendo ser, ainda, uma hipótese

de estabelecimento não cadastrado ou estrangeiro/importação de serviços). Esta

atitude indica, ainda, possível conluio entre as partes para não recolher o tributo ou

pagá-lo com reduções fiscais desleais.

Portanto, a regra de incidência do ISSQN no território municipal sistematizada

com a adoção do CPOM só é excepcionada pela demonstração de que o prestador

está efetivamente estabelecido em outra municipalidade. E o regime de cadastro

desse prestador de outro município é facultativo e previsto apenas para pessoas

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

jurídicas. Ninguém é obrigado a fazê-lo, não havendo qualquer sanção ao prestador

que não o fizer.

O único efeito prático da ausência de cadastro de estabelecimento de outro

município é a confirmação da presunção de que o prestador: (1) ou se estabeleceu

para desenvolver ou concluir os serviços no próprio território municipal de destino;

(2) ou o fez nas instalações do próprio tomador dos serviços – pretendendo valer-se

de estabelecimento fictício situado em unidade municipal que lhe assegura vantagens

ilegais; (3) ou é estrangeiro (quando não for assim expressamente indicado).

Além disso, cumpre mais uma vez frisar que a comprovação exigida nas leis

dos CPOMs é indiciária, razoável e compatível com a capacidade de colaboração

daquele que adentra o território municipal de destino de suas prestações, seja para

nele desenvolvê-las ou para entregar o resultado do serviço.

É regime assemelhado ao da emissão de NOTAS FISCAIS AVULSAS, quando

o prestador ingressa no território de município onde não possui estabelecimento,

para prestar serviço temporário, eventual ou isolado em território onde o prestador

não possua estabelecimento regular. No caso dos regimes que exigem a emissão

de notas fiscais avulsas, NãO SE TEM NOTÍCIA DE QUALQUER ARGUIÇãO QUANTO

À SUA CONSTITUCIONOALIDADE OU LEGALIDADE, o que reforce a percepção de que

o interesse que motiva a presente ação é de permitir a evasão fiscal por parte de

contribuintes que possuem estabelecimentos fictícios situados em locais que não

exigem o ISSQN regularmente, ou o fazem mediante a aplicação de carga tributária

reduzida e inconstitucional (em geral em percentuais abaixo do mínimo constitucional

de 2%).

Portanto, em relação àqueles que queiram realizar a inscrição no CPOM pode-se

afirmar que ele não contém exigências desproporcionais ou critérios de decisão

arbitrários ou rigorosos. Contra eventuais indeferimentos cabe recurso e, em última

análise, medidas judiciais, inclusive para responsabilização das autoridades fiscais

que analisam os requerimentos.

Trata-se de medida acorde com o princípio da proporcionalidade entre fins

e meios – não sendo sequer preciso enaltecer os objetivos relevantes a que se

destinam as normas dos CPOMs municipais.

Ainda que se submeta a legislação dos CPOMs ao escrutínio da proporcionalidade

administrativa, com os rigores doutrinários alemães dos três níveis de testes da

juridicidade, seria a mesma aprovada com louvor. Afinal, ela atende simultaneamente

aos critérios de: (1) pertinência, adequação ou princípio da idoneidade (“Um meio é

adequado se promove o fim”); (2) necessidade (“Um meio é necessário se, dentre

todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo

relativamente aos direitos fundamentais”); (3) proporcionalidade em sentido estrito

(“Um meio é proporcional se as vantagens que promove superam as desvantagens

que provoca”).

R. bras. de Dir. mun. – RBDM | Belo Horizonte, ano 21, n. 77, p. 65-96, jul./set. 202086

RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

O regime se apresenta compatível, também, com o artigo 29 da Declaração

Universal dos Direitos Humanos que estabelece: “no exercício de seus direitos e

liberdade, todo homem está sujeito apenas às limitações determinadas pela lei,

exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos

direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da

ordem pública e do bem-estar da sociedade democrática”.

Com efeito, trata-se de regime fiscal que preserva e simplifica, a um só tempo,

a capacidade de fiscalização das fazendas municipais – acossadas por prestadores

situados em estabelecimentos fictícios –, bem como dos contribuintes regulares,

devidamente instalados e formalizados perante o fisco, aos quais não interessa a

competição desleal oriunda desses “estabelecimentos” que não são efetivos os

prestadores de serviços.

Por tudo isso, afigura-se como regra consentânea com o princípio da pratica-

bilidade tributária, cujo caráter dúplice se encontra respeitado e prestigiado nos

mecanismos normativos e de administração fiscal inerentes aos CPOMs. Na definição

da Professora e Ministra Regina Helena Costa, a praticabilidade ou praticidade

tributária tem por objetivo a edição de expedientes normativos e administrativos

que permitam a execução das leis fiscais diante da realidade concreta dos fatos

tributáveis e dos atos recorrentes dos contribuintes.10

Portanto, o discurso de máxima liberdade sustentada pelos que atacam o CPOMs

baseia-se numa visão peculiar do direito tributário, cultuada pelos chamados “juristas

de shangrilá”, que concebem a aplicação das normas constitucionais em caráter

de máxima liberdade individual e empresarial, no contexto paradisíaco de relações

socais e econômicas pautadas exclusivamente na boa-fé e na lealdade. Contudo,

esses discursos inconstitucionalistas do controle estatal acabam protegendo outro

tipo de recanto: os paraísos fiscais internacionais e, no caso presente, os paraísos

fiscais municipais.

2.5 O controle da importação de serviços. O CPOM também se destina à fiscalização prevista no inciso i do §2º do Art. 6º da LC 116/2003: serviços provenientes ou iniciados no exterior

Como já destacado, o CPOM também se apresenta como importante ferramenta

para o controle da importação de serviços.

10 COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e Justiça Tributária: Exequibilidade de Lei Tributária e Direitos do Contribuinte. Malheiros: São Paulo, 2007. p. 53-54, entre outras.

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

Essa importância se torna gigantesca diante do crescimento avassalador da

economia digital. Hoje, os serviços são prestados remotamente a partir de lugares

insondáveis, muitas vezes situados em locais de difícil identificação.

Neste sentido, as reiteradas assertivas da doutrina do Direito Tributário Inter-

nacional, valendo citar o seguinte excerto:

“The problem of cyberization is of a diffent nature – the income is not in a country´s tax base because the current rules are inapt to capture it. This is a more fundamental issue with much broader policy implica-tions than BEPS. In a digital economy, multinational enterprises (MNEs) can ‘legitimately’ separate profit and profit-generating activities through new business models made possible by technological advances. For example, base cyberization occurs when MNEs can sell goods and ser-vices to developing countries without need for local business presence or without falling within the jurisdictional threshold. It is the result of the collision of new business models coupled with an increasing pro-portion of unconventional value added activities and the existing tax rules designed to carve out the sovereign territory for taxation on some form of physical presence. The collision creates substantial challenges in taxing business transactions undertaken not only by major global technology conglomerates, but also other business that are less wholly ‘digital’ in nature”.11

A prestação de serviços no país poderia ser condicionada à abertura de

estabelecimento permanente no território nacional, ainda que a sua prestação remota

efetivamente fosse possível sem a presença de qualquer estrutura física própria,

“emprestada” ou apoiada por terceiros intermediários locais.12

Este é o modelo adotado pela China, que, além de estabelecer o controle estatal

rigoroso dos fluxos de dados (internet e intranets conectadas aos seu território), criou

regras para o estabelecimento permanente de empresas estrangeiras, ainda que por

meio dos modelos simplificados de representative offices – os quais, apesar das

facilidades burocráticas, não dispensam a integralização de capital social mínimo,

assegurando investimentos mínimos e garantias financeiras para o descumprimento

de regras locais.

Contudo, o Brasil não se encontra em condições de implementar tais sistemas

duros de controle (talvez indesejáveis num ambiente de liberdade econômica

internacional), afigurando-se imperativa ao menos a adoção de regimes de controle

fiscal dos prestadores, junto aos tomadores de serviços pessoas jurídicas.

11 Cf. LI, Jian. Protecting the Tax Base in a Digital Economy. Research Paper No. 78, v 13, n. 17. Toronto: Oosgoode Hall Law School, 2018, p. 480-481. Grifos nossos. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3164995. Acesso em: 12 set. 2020.

12 Vide, inclusive, a Lei para Investimentos Estrangeiros, publicada em 15 de março de 2019 e que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 2020.

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RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

Apesar de a economia digital tonar-se cada vez mais B2C, por meio da explosão e

diversidade de aplicativos que conectam fornecedores/prestadores aos consumidores

finais (eliminando ou minimizando a importância empresarial dos intermediários),

fato é que os CPOMs são um dos poucos instrumentos fiscais atuais que permitem

o controle do fluxo da importação de serviços para o país.

Portanto, a declaração de sua inconstitucionalidade representaria um retrocesso

inimaginável para os fiscos municipais e para a própria União, que também se beneficia

da troca de informações com os municípios, em relação aos “serviços importados”

(que em muitos casos também não pagam os tributos federais devidos).

2.6 Da ausência de discriminação pela origem de serviços em outra unidade da federação. Art. 152 da constituição

Há também alegações que afirmam o tratamento discriminatório dos CPOMs

em relação aos serviços oriundos de outras unidades da Federação.

Bom, como já se pode entrever a partir dos argumentos acima lançados, a

hipótese é exatamente inversa. Nos casos em que não há estabelecimento prestador

efetivo situado em outra unidade da Federação, busca-se assegurar exatamente o

federalismo fiscal contra as mentiras, fraudes e deslealdades.

A regra tem por escopo proteger os estabelecimentos efetivos existentes em

todos os municípios, tendo sido regime adotado por aqueles municípios que são os

maiores consumidores de serviços, em geral mais prejudicados pela guerra fiscal e

pelas fraudes tributárias.

Ou seja, a regra do CPOM “incrimina” a fraude, mas jamais discrimina

estabelecimentos prestadores efetivos de outras localidades. Se tal fato ocorrer

na conclusão do pedido de registro junto ao CPOM, deve ser corrigido por meio de

recursos administrativo ou por medidas judiciais – o que, como já se assinalou, é a

exceção, diante dos baixos números de indeferimentos.

Além disso, se comparados os critérios e procedimentos do CPOM com os

existentes para registro de estabelecimentos locais (Alvará, Inscrição Fiscal, etc.),

pode-se afirmar que, invariavelmente, as normas que instituem o cadastro especial

sub oculis jamais estabelecem discriminação infundada e irrazoável dos prestadores

situados em outro território. Ao contrário, o “registro de estabelecimento prestador de

outro município” para fins de afastamento da presunção de que a unidade econômica

ou profissional se situa dentro do território municipal onde são desenvolvidos ou

concluídos os serviços, é muito mais brando do que as regras ordinárias para

expedição de alvará e de atribuição de inscrição fiscal para os contribuintes que se

estabelecem regular e definitivamente no próprio território municipal.

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

Portanto, o prestador de serviços transfronteiriços que quiser afastar a presunção

de que se valeu das próprias instalações do tomador dos serviços como unidade

econômica ou profissional ou de que efetivou as prestações a partir de estabelecimento

existente no próprio território da municipalidade onde localizado o tomador, deve se

realizar o cadastro como “estabelecimento prestador de outro município” mediante

o cumprimento de requisitos muito mais simples e de custo irrisório, se comparado

com os estabelecimentos da própria municipalidade.

2.7 Promoção da equidade e cooperação federativas. CPOMs vêm funcionando exemplarmente bem para fiscos e contribuintes, com resultados pacificadores e estabilizadores que premiam os bons contribuintes e combatem os sonegadores fiscais. Contenção eficiente da “corrida para o fundo do poço” pela competição desleal entre fiscos locais e entre contribuintes

Não se afigura razoável a afirmação de que um simples registro em cadastro

local é burocracia custosa, quando se está diante de um prestador de serviços

que consegue projetar suas prestações para além dos limites do seu território de

estabelecimento originador de serviços.

Ora, se uma empresa tem capacidade para prestar serviços em dezenas de

municípios brasileiros, presume-se que tenha condições operacionais mínimas para

prestar informações aos locais para onde eles se destinam.

Os CPOMs têm sido instrumentos de contenção da competição interfederativa

desleal e, sobretudo, da concorrência fraudulenta entre contribuintes, impedindo

que determinados prestadores se evadam da incidência do ISSQN devido por suas

prestações, nos diferentes municípios brasileiros.

As regras adotadas nos diferentes municípios são praticamente padronizadas,

fruto da construção de um ambiente de boas práticas, cultivado e disseminado pelas

entidades municipalistas, como a ABRASF para todos os municípios brasileiros.

As recomendações, pareceres, leis-modelo e outros padrões sugeridos pela

ABRASF têm criado um ambiente de soft law, que vem sendo seguido pela coletividade

dos municípios brasileiros na adoção uniforme de diversos outros instrumentos, por

exemplo, nas Notas Fiscais de Serviços eletrônicas (NFS-e),13 DESIF (Declarações

13 Disponível em: http://www.abrasf.org.br/pagina_simples.php?titulo=ARQUIVOS%20P%C3%9ABLICOS& pagina=arquivos____ publicos. Acesso em: 12 set. 2020.

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RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

das Instituições Financeiras),14 critérios de retenção do IRRF-M,15 entre tantos outros,

como os CPOMs.

O federalismo fiscal cooperativo exalta estas medidas de cooperação e

integração, rechaçando a independência irresponsável e radical, que resulta destrutiva

da solidariedade.

Não há qualquer contraindicação à adoção do CPOM, a não ser o capricho de

determinados prestadores, cujos reclamos embuçam, na maioria das vezes, interesses

inconfessáveis, voltados para práticas desleais e quiçá criminosas.

3 Jurisprudência

A jurisprudência sobre o tema vem afirmando a constitucionalidade e legalidade

da instituição dos Cadastros de Prestadores de Outros Municípios, como cumprimento

eficiente das normas gerais previstas na Lei Complementar 116/2003 e do equilíbrio

e cooperação na Federação brasileira.

Confira-se o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da lei

municipal objeto deste recurso extraordinário, conforme REsp 1.140.354/SP, verbis:

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇAPROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇãO DO ART. 535 DO CPC – ISS – MUNICÍPIO COMPETENTE – LOCAL DA PRES-TAÇãO DO SERVIÇO – OBRIGAÇãO ACESSóRIA – CADASTRAMENTO DE PRESTADORES – PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE – NãO VIOLAÇãO. 3. Não há violação do princípio da territorialidade quando o município competente para cobrança de ISS exige obrigação acessória de ca-dastramento das empresas contribuintes quando estas possuem sede em outro município, mas prestam serviços no município arrecadador. Agravo regimental improvido. (REsp 1.140.354/SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 16 jun. 2010.)

Neste julgamento, o Ministro Humberto Martins assinalou expressamente que

não há afronta ao princípio da territorialidade a exigência de cadastramento das

empresas que prestam serviços no Município, tratando-se de obrigação acessória

com o objetivo de auxílio na arrecadação ou fiscalização dos tributos:

Não há que se falar em extraterritorialidade, pois, conforme demonstra-do acima, a competência para cobrança de ISS será do local da pres-tação do serviços, no caso dos autos o Município de São Paulo, não importando para estes fins o local da sede da empresa/contribuinte.

14 Disponível em: http://www.abrasf.org.br/pagina_publica.php. Acesso em: 12 set. 2020.15 Disponível em: https://multimidia.fnp.org.br/biblioteca/apresentacoes/item/download/951_92ff754

b4919e5af89bf047 c9597 d08a.

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

Assim, todo aquele que presta serviços sujeitos a incidência de ISS no Município de São Paulo submete-se ao cumprimento de obrigações acessórias, entre elas o cadastramento de prestadores, independen-temente do local da sede da empresa/contribuinte. (Grifos nossos).

O referido entendimento é corroborado por pelos seguintes julgados abaixo

destacados:

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇATRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (…). LEGISLAÇãO TRIBUTÁRIA MUNICIPAL. LEGALIDADE. (…) 2. O in-teresse público na arrecadação e na fiscalização tributária legitima o ente federado a instituir obrigações, aos contribuintes, que tenham por objeto prestações, positivas ou negativas, que visem guarnecer o fisco do maior número de informações possíveis acerca do universo das atividades desenvolvidas pelos sujeitos passivos (artigo 113, do CTN). (…) 4. A relação jurídica tributária refere-se não só à obrigação tributária stricto sensu (obrigação tributária principal), como ao con-junto de deveres instrumentais (positivos ou negativos) que a viabili-zam. 5. A Municipalidade é a entidade legiferante competente para a instituição do tributo em tela (ISSQN), exsurgindo, como consectário, sua competência para, mediante legislação tributária (inclusive atos infralegais), atribuir ao contribuinte deveres instrumentais no afã de facilitar a fiscalização e arrecadação tributárias, minimizando a ocor-rência da sonegação fiscal. 6. Os deveres instrumentais (obrigações acessórias) são autônomos em relação à regra matriz de incidência tributária, aos quais devem se submeter, até mesmo, as pessoas físicas ou jurídicas que gozem de imunidade ou outro benefício fiscal, ex vi dos artigos 175, parágrafo único, e 194, parágrafo único, do CTN. (…) 8. Recurso especial desprovido. (REsp 866.851/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12.08.2008, DJe 15.09.2008). (Grifos nossos).

O seguinte Acórdão fixa entendimento análogo à ratio decidendi acima, como

se verifica no seguinte excerto:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA LIMINAR. AGRAVO DE INS TRU-MENTO. ORDEM DENEGADA. APELAÇãO. PRECEDÊNCIA DE JULGA-MENTO. OFENSA AO ART. 559 DO CPC. INOCORRÊNCIA. OBJETO DA APELAÇãO QUE CONTEMPLA AMBOS RECURSOS. CONTRIBUIÇãO PREVIDENCIÁRIA. LC 84/96. DECRETO 1.826/96. ILEGALIDADE. NãO EVIDENCIADA. DECRETO QUE REGULAMENTA A OBRIGAÇãO ACES-SÓRIA DE MANUTENÇÃO DOS DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DO ADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇãO TRIBUTÁRIA. CONSONÂNCIA COM OS ARTS. 113 E 115 DO CTN. LEI 8.212/91, ART. 31, §11. MANUTENÇãO DE COMPROVANTES FISCAIS. APLICAÇãO SUBSIDIÁRIA. ART. 5º DA LC 84/96. VIOLAÇãO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NãO CONFIGURADA.

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1. O interesse público na arrecadação e na fiscalização tributária le-gitima o ente federado a instituir obrigações, aos contribuintes, que tenham por objeto prestações, positivas ou negativas, que visem a guarnecer o fisco do maior número de informações possíveis acerca do universo das atividades desenvolvidas pelos sujeitos passivos (artigos 113, §2º e 115 do CTN). (…) 10. Recurso especial desprovido. (REsp. 900.696/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 20.4.2009)

O Tribunal de Justiça de São Paulo também assentou, em sede de Represen-

tação de Inconstitucionalidade, que as leis municipais que instituem o CPOM são

constitucionais. Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 128.573-0/8-00

o Tribunal Paulista declarou constitucional a Lei nº 14.042/05 do Município de São

Paulo, especificamente com relação aos seus artigos 1º a 4º. Confira-se, in litteris:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SãO PAULO(…)VIII. Assim, conclui-se que as matérias tratadas nos arts. 1º e 2º da lei acoimada de inconstitucional (14.042/05), estão autorizadas pela Lei Complementar Federal nº 116/03; logo, eles não padecem de nenhum vício insanável e, ainda, de que os arts. 3º e 4º, da citada norma, se-quer merecem maiores comentários; aliás, não se compreende o mo-tivo por que foram incluídos na inicial (f. 02) à conta de que os teores neles contidos são da competência municipal, portanto, integrados à lei acoimada de inconstitucionalidade pela Municipalidade- reqte. Infere-se, por fim, como supra aludido (item VI - in fine), que o Municí-pio de São Paulo pode legislar de forma suplementar, principalmente, quanto ao interesse local e, na espécie, ele apenas criou mecanismos mais rigorosos para evitar a evasão fiscal que, em realidade, se cons-titui, no momento, num dos mais graves problemas dos entes políticos da federação, não se limitando aos territórios intermunicipais, como também interestaduais. (…) (Grifos nossos).

APELAÇãO Nº.: 1003207-64.2019.8.26.0053 (TJSP)EMENTA: TRIBUTÁRIO APELAÇãO MANDADO DE SEGURANÇA ISS - MU-NICÍPIO DE SãO PAULO. Sentença que denegou a ordem. Apelo do impetrante. CADASTRO DE PRESTADORES DE SERVIÇOS DE OUTROS MUNICÍPIOS - Leis Municipais nº 13.701/03 e 14.042/2005 - Lega-lidade da regra que exige o cadastramento de empresas que funcio-nam dentro de seus limites territoriais quando tenham sede em outro Município em prol da fiscalização tributária Precedentes do C. Órgão Especial. (Grifos nossos).

Em outra oportunidade, o mesmo órgão Especial do TJSP já havia reconhecido

a constitucionalidade da Lei paulistana em outras oportunidades. Confira-se:

ADI nº 9028119-08.2006.8.26.00000 (129.717-0/3-00)AÇãO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Ação intentada pelo Pre-feito do Município de Cotia, buscando a declaração de inconstitucio-nalidade da Lei nº 14.042, de agosto de 2005, do Município de São

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

Paulo, que introduziu modificações na Lei nº 13.071/2003, rela tiva ao imposto sobre serviços de qualquer natureza - Modificação que cria ‘Cadastro de Prestadores de Serviço’ - Competência suplementar do município Norma impugnada em perfeita consonância à Lei Com-plementar 116/2003 (“Que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências”) - Tributo que deve efetivamente ser recolhido ao Município do serviço prestado, ainda que o prestador esteja domiciliado ou sediado em outro Município - Norma que tem por escopo diminuir a evasão fiscal - Ação improcedente. (TJSP, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 9028119-08.2006.8.26.00000 (129.717-0/3-00), Órgão Especial, Rel. Denser de Sá, j. 24.01.2007). (Grifos nossos).

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 9029095-49.2005.8.26.0000, Rel.

Munhoz Soares, J. 25/04/2007:

PRELIMINARES (…) ADIN Inconstitucionalidade alegada pelo Prefeito do Município de Poá, quanto aos arts. 1º, 2º, 3º e 4º da Lei nº 14.042, de 30/8/05, do Município de São Paulo, que introduziu modificações na Lei nº 13.071, de 24/12/03, quanto ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) - Inadmissibilidade - Competência su-plementar conferida ao Município de São Paulo para regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais - Prova de que as matérias contidas nos arts. 1º e 2º da invocada lei, foram autorizadas pela Lei Complementar Federal nº 116/03 e, ainda, que os arts. 3º e 4º não padecem de nenhuma inconstitucionalidade, à conta de que representam o mero exercício da competência tributária do município - Ação julgada improcedente.

Em sede de outras apelações diversos órgãos julgadores fracionários do TJSP

também firmaram o mesmo entendimento:

APELAÇãO COM REVISãO Nº 0028186-20.2013..8.26.005Apelação. Ação declaratória de inexistência de relação jurídica c.c. re-petição de indébito. ISS. Município de São Paulo. Sentença de im-procedência. Serviço prestado para empresa sediada em São Paulo. Cadastramento gratuito de empresa sediada em outro município, mas que é prestadora de serviço na Capital (São Paulo). Obrigação aces-sória que não ofende o princípio da legalidade ou territorialidade e se mostra compatível com a previsão de norma geral (art. 113, §2º do CTN). Constitucionalidade da Lei Municipal nº 14.042/2005, que acrescentou o art. 9º na Lei nº 13.701/2003. Pronunciamento do ór-gão Especial desta Corte a respeito da constitucionalidade da norma. Possibilidade, ante o caso concreto, de imposição da retenção do ISS pelos tomadores dos serviços prestados (art. 6º da LC 116/03). Sen-tença mantida. Recurso não provido. (Grifos nossos).

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APELAÇãO Nº 0125580-02.2007.8.26.0000Relator(a): Kenarik Boujikian; Comarca: São Paulo; órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 25/09/2014:Apelação. Mandado de segurança. ISS. Inscrição em cadastro da Se-cretaria Municipal de Finanças. Obrigação tributária acessória. 1. Lei que exige o cadastro de empresa prestadora de serviço na capital. Cabimento. Função institucional do Município do controle da atividade tributária. 2. A inscrição em cadastro da Secretaria Municipal de Fi-nanças é obrigação acessória, que independe de obrigação principal e pode ser instituída em razão do interesse de fiscalização do Município. 3. Tal fiscalização não viola o princípio da territorialidade, uma vez que o tributo (obrigação principal), em princípio, cabe ao município onde ocorre o fato gerador. Recurso não provido. (Grifos nossos).

APELAÇãO Nº 0027629-72.2009.8.26.0053Relator(a): Geraldo Xavier; Comarca: São Paulo; órgão julgador: 14ª Câ mara de Direito Público; Data do julgamento: 11/09/2014Apelação. Mandado de Segurança. Denegação. Imposto sobre serviços de qualquer natureza. Pessoa jurídica com sede em outro município que não o de São Paulo. Exigência de cadastramento de prestador de serviço. Retenção do imposto pelo tomador deste, caso descumprida a exigência. Lei Municipal 14.042/05 e Decreto Municipal 46.598/05. Compatibilidade com o disposto no artigo 4º da Lei Complementar 116/03 e no artigo 128 do Código Tributário Nacional. Sentença man-tida. Recurso denegado.

Na mesma balada, segue o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,

valendo destacar, a título ilustrativo, os seguintes julgados:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIROAPELAÇãO Nº 0410212-51.2016.8.19.0001 DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATU-REZA. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO DO LOCAL DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR DOS SERVIÇOS. LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DE INSCRIÇãO JUNTO AO CEPOM. OBRIGAÇãO TRIBU-TÁRIA ACESSóRIA. DESPROVIMENTO. Recurso contra sentença de improcedência, em demanda na qual pretende a sociedade autora, o reconhecimento da nulidade do auto de infração lavrado pela Admi-nistração Tributária do Município do Rio de Janeiro, por falta de reco-lhimento do ISSQN incidente sobre serviços que lhe foram prestados. O Município competente para realizar a cobrança do ISSQN é a do local do estabelecimento prestador dos serviços, nos termos dos ar-tigos 3º e 4º da Lei Complementar nº 116/03. Sociedade apelante que atuando como tomadora do serviço não cumpriu com a obrigação tributária que lhe é imposta, de exigir que as prestadoras apresen-tassem a regularidade da inscrição junto ao CEPOM, colocando-se na qualidade de responsável tributária. Ausência de inconstitucionalidade na exigência por parte da Administração Tributária do Município ape-lado da inscrição das prestadoras de serviço no CEPOM, pois medida

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ASPECTOS CONSTITUCIONAIS, LEGAIS E PRÁTICOS DO CPOM (CADASTRO DE PRESTADORES DE OUTROS MUNICÍPIOS)...

que visa resguardar o ente público contra a evasão fiscal, com vistas a comprovação da regularidade fiscal do estabelecimento junto à sua origem, tratando-se de obrigação tributária acessória de legalidade in-questionável. Apelo improvido. (Grifos nossos).

APELAÇãO Nº 0300263-92.2016.8.19.0001 APELAÇãO CÍVEL. AÇãO DECLARATóRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇãO JURÍDICA TRIBUTÁRIA, COM PEDIDO DE REPETIÇãO DE INDÉBITO. IM-POSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NA-TUREZA. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. CADASTRO DE EMPRESAS PERSTADORES DE OU-TROS MUNICÍPIOS (CEPOM). OBRIGAÇãO ACESSóRIA. FINALIDADE DE COIBIR EVASãO FISCAL.(…)7- Dentro de sua autonomia federativa e com a finalidade de coibir a evasão fiscal, o Município instituiu uma obrigação tributária acessó-ria aos prestadores de serviços sediados em outro Município, qual seja, cadastrar-se perante a Secretaria Municipal de Fazenda no Ca-dastro de Prestadores de Serviços de Outros Municípios - CEPOM (Lei nº 4.452/2006, que acrescentou o artigo 14- A à Lei nº 691/1984 - Código Tributário Municipal).8- O Cadastro de Empresas Prestadoras de Outros Municípios (CEPOM) - foi criado pela Fazenda Municipal do Rio de Janeiro com o escopo de coibir a evasão fiscal por parte de empresas que se estabelecem apenas de forma fictícia em outros Municípios por força de benefícios fiscais, porém não possuem estrutura organizacional para operar efeti-vamente naquele Município indicado como sede.9- A exigência do cadastramento não afronta a Constituição Federal, nem sequer constitui ato ilegal e arbitrário da autoridade administra-tiva, já que é uma forma de controle e fiscalização exercidos pelo mu-nicípio sobre as operações realizadas dentro de seu território, mesmo que referentes a empresas com sede em outras localidades. (Grifos nossos).

4 Conclusão

A análise das normas constitucionais, gerais e municipais acerca dos instru-

mentos de combate à guerra fiscal e às fraudes em relação ao ISSQN demonstra a

sua eficiência e, mais importante, para a análise jurídica, a sua constitucionalidade.

Não se verifica extraterritorialidade, desproporcionalidade, bitributação ou

discriminação de serviços por força da sua origem em outra unidade da Federação.

Ao contrário, as leis que instituem o CPOM presumem, com base na lei

complementar 116/2003 a ocorrência do fato gerador no destino da prestação, pela

existência de estabelecimento oculto ou presente nas dependências do tomador do

serviço. O cadastro é simples, mais fácil do que qualquer outro exigido dos iniciam

empreendimentos locais e similar à emissão de notas fiscais avulsas.

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Há respeito à proporcionalidade do dever instrumental e razoabilidade em

relação às obrigações de colaboração dos contribuintes, inclusive no que tange à

importação de serviços.

Por fim, e mais importante, o regime do CPOM cumpre os desígnios consti-

tucionais de lealdade e de cooperação federativa no combate à guerra fiscal e às

fraudes no ISSQN, tendo evitado a perda de mais de dezenas de bilhões de reais

nos últimos 15 anos.

Constitutional, Legal and Practical Aspects of CPOM (Register of Providers from Other Municipalities) in the fight against Fiscal War and illegal imports of services

Abstract: This article deals with CPOM (Register of Services Providers of Other Municipalities) one of the most important and efficient mechanisms to fight the fiscal war and fraud in ISSQN, analyzing the legal questions raised against it before the Brazilian Supreme Court, and also bringing numbers and statistics that demonstrate the results of its application as one of the impulses for the good performance of municipal taxation on services of any nature in the last fifteen years.

Keywords: CPOM. ISSQN. Fiscal war. Tax fraud

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2018 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

SILVA, Ricardo Almeida Ribeiro da. Aspectos constitucionais, legais e práticos do CPOM (Cadastro de Prestadores de Outros Municípios) no combate à guerra fiscal e às importações clandestinas de serviços. Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, Belo Horizonte, ano 21, n. 77, p. 65-96, jul./set. 2020.