as várias faces da perifiria

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Recife | Março de 2011 Foto: Marília Simas Se você acha que periferia é a área mais afastada do centro da cidade, está muito distante de captar o real sentido dessa palavra. Os repórteres do Berro descobriram a essência dela em bairros do Recife, Olinda e Jaboatão. Eles encontraram um pré- vestibular solidário em Campo Grande, pais que se sacrificam pela saúde dos filhos, figuras que estão começando na cena cultural e outras com fama internacional, mas que não saíram das comunidades de origem. Conheceram crianças transformadas pela música e pelo esporte. A periferia está presente em cada texto, seja nos alto- falantes da Zona Norte, num motel popular de Afogados, na demonstração de Fé no Morro ou na alegria de um domingo na praia. Confira nossas matérias e sinta-se acolhido pela comunidade. PERIFERIA As várias faces da

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Se você acha que periferia é a área mais afastada do centro da cidade, está muitodistante de captar o real sentido dessa palavra. Os repórteres do Berro descobriram a

essência dela em bairros do Recife, Olinda e Jaboatão. Eles encontraram um pré-vestibular solidário em Campo Grande, pais que se sacrificam pela saúde dos filhos,figuras que estão começando na cena cultural e outras com fama internacional, mas

que não saíram das comunidades de origem. Conheceram crianças transformadaspela música e pelo esporte. A periferia está presente em cada texto, seja nos alto-

falantes da Zona Norte, num motel popular de Afogados, na demonstração de Fé noMorro ou na alegria de um domingo na praia. Confira nossas matérias e sinta-se

acolhido pela comunidade.

PERIFERIAAs várias faces da

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2 | Recife, abril de 2011 O BERRO

E X P E D I E N T EE X P E D I E N T EE X P E D I E N T EE X P E D I E N T EE X P E D I E N T E

O BERRO é uma publicação daDisciplina Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da

Universidade Católica de Pernambuco.

Rua do Príncipe, 526 - Boa Vista - Recife-PECEP 50.050-900 - CNPJ 10.847.721/0001-95

Fone: (81) 2119.4000 - Fax: (81) 2119.4222www.unicap.br/oberro

Coordenador do Cursode JornalismoAlexandre Figueirôa

Professora OrientadoraFabíola Mendonça

SubeditoresAlan ViníciusAlice de Souza

RepórteresAlan ViníciusAlice de SouzaAnnyela RochaArjuna EscobarArtur Neves BaptistaCamila SouzaCinthia FerreiraFelipe DiasJaime MitchellJosé Vito AraújoLílith Perboire

Luana MonteiroLucianna ValenteMarília SimasMarina AndradeRafaella CarvalhoRenata CalheirosRodrigo Góes

DiagramaçãoFlávio Santos

ImpressãoFASA

ALAN VINICIUS

Bairros da periferia doRecife tentam usar a mídiapara criar uma divulgaçãopositiva da comunidade. Umdeles é o projeto Coque Vive,que reúne moradores dobairro de Joana Bezerra eprofessores da UniversidadeFederal de Pernambuco. Umdos objetivos do grupo é estu-dar e agir sobre a repre-sentação do Coque nos meiosde comunicação. Para isso,são realizadas atividades defotografia, produção de vídeo

e oficinas sobre o papel dosmeios de comunicação.

O professor João ValeNeto vê na mídia um espaçopara o Coque, mas com outroolhar, uma vez que os veículosde comunicação são tratadascomo empresas. “A gente vemde outro movimento, desolidariedade de pessoas. Amídia dá esse espaço, mas oprocesso é outro”, diz.

O fotógrafo FranciscoLudermir observa que, aolongo dos anos, a representa-ção do Coque mudou, dentrodos diversos contextos. Nos

Mídia leva cidadania às comunidadesanos de 1970, o bairro era umlugar de lutas sociais, passandodepois a ser mostrado comolugar de violência. Nos últimoscinco anos, volta a haver umavalorização do local, devido aotrabalho de diversos movi-mentos atuantes na área.

No Córrego do Euclides,Zona Norte do Recife, há umano, a rádio dá voz aosmoradores. A organização nãogovernamental CidadaniaFeminina realiza oficinas sobreo uso da mídia para a comu-nidade. Através de caixas desom e do apoio de uma

emissora FM, são disse-minadas informações sobredireitos sexuais e reprodutivos,violência contra a mulher ediscriminação racial.

A ONG Alto Falante reali-za, por meio do rádio, umtrabalho de valorização dosgrupos musicais e culturais noAlto José do Pinho. Temascomo saúde e prestação deserviços também são aborda-dos. O estudante TarcísioCamelo participa do projeto evê nessas iniciativas umaforma de garantir o direitohumano à informação.

Tarcísio observa que émais comum as emissoraspúblicas de TV e rádio daremespaço à periferia, em com-paração aos veículos comer-ciais. Ambos são concessõespúblicas e têm o dever derepresentar a população. Eleparticipa também do progra-ma “Pé na Rua”, transmitidopela TV Pernambuco.

Numa matéria sobre pira-taria, o programa não mostrousomente o lado das gravado-ras, mas também a visão dovendedor de DVDs piratas.

LUCIANNA VALENTE

Na comunidade “Entra aPulso”, em Boa Viagem, odesenvolvimento da econo-mia local foi objeto de pes-quisa da Federação do Co-mércio de Pernambuco (Fe-comércio). O resultado de-montrou que a região, criadahá 60 anos, passou a serautossustentável por contados muitos estabelecimentosque se instalaram ao longodos últimos 20 anos.

As 332 unidades comer-ciais ou de ser viços na“Entra a Pulso” movimen-tam uma quantia considerá-vel, chegando a render umfaturamento mensal de R$500 mil . Porém a maiorparcela do serviço é infor-mal e necessita de uma mãode obra mais qualificada.

Investir na capacitação dejovens para o mercado detrabalho é o objetivo doPrograma de Formação Em-

Empreendedorismocomo ação social

Inclusão social e saúde ganhamespaço na periferia do RecifeCAMILA SOUZA

Há 21 anos, a rotina deEvandro Vieira é a mesma. Às6h, ele ganha as ruas com amãe, dona Eugênia. Do Bongi,onde reside, até Casa Ama-rela, seu destino, são 40minutos de percurso. Umaviagem que pouco pareceimportar para mãe e filho. Éna sede da Associação de Paise Amigos de Excepcionais(Apae) que Evandro passatodas as manhãs. Lá, realizaatividades educativas, físicas eculturais para estimular ossentidos de quem nasceu comuma deficiência mental.

Ainda na barriga da mãe,Evandro foi vítima de umaintensa descarga de adrena-lina. Quando estava grávidade dois meses, dona Eugêniapresenciou um homicídio.Apesar do nascimento pre-maturo do garoto, tudoparecia correr bem, até quea mãe notou uns “atrasos”

intelectuais no filho. Semmuita informação, só con-seguiu ter um laudo precisoquando Evandro já se apro-ximava dos 10 anos. Nessaépoca, ela foi indicada avisitar a Apae.

Na associação, Evandro

e outros 150 portadores dedeficiência, a grande maioriade comunidades carentespróximas, desfrutam, gratui-tamente, das atividades quea entidade disponibiliza em

quatro áreas: a educacional(com salas de aula) ; deatividades clínicas; a cul-tural e o núcleo de educaçãopara o trabalho.

“Desde que ele passou afrequentar a associação, amelhora foi muito signi-ficativa”, conta dona Eugê-nia. Os avanços do meninonão são uma exceção. Apedagoga da Apae, SilvaniaPaiva, define os benefíciosdo trabalho feito no localcomo uma regra. “É umprocesso natural de ação ereação. Nós estimulamos osportadores, e eles respon-dem”, diz. Mantendo-se pordonativos e com ajuda dogoverno federal, a Apae éuma instituição filantrópicaque oferece serviços gratui-tos a usuários de faixasetárias distintas. O intuito?Receber as pessoas que nãopodem pagar por um aten-dimento adequado nas pro-ximidades da instituição.

preendedora (Forme), ofere-cido em parceria entre a Feco-mércio e o Sebrae. “O progra-ma vai muito além dos negó-cios. Os alunos trabalham osentimento empreendedor navida pessoal”, explica a analistade projeto do Instituto Shop-ping, Tibéria Nunes.

Em Brasília Teimosa, o“Espaço Jovem Rumo aoFuturo”, do Instituto JCPMde Compromisso Social ,oferece aos adolescentesoficinas para jovens em-preendedores.

Cerca de 600 alunos sãoformados, por ano, no lugar.Uma delas é Fabiane Ema-nuelle, de 17 anos. Ela en-controu a vocação de em-preendedora fabricandotrufas para vender e, no“Espaço Jovem”, teve con-tato com o mundo dos negó-cios. “Aprendi muito com asaulas. Hoje, eu forneçominhas trufas para várioslocais da cidade.”

“Estimulamosos portadoresde deficiências,e elesrespondem”,Silvania Paiva- pedagoga daApae

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Recife, abril de 2011 | 3O BERRO

Praia do Pina é o ‘point’ da galeraLUANA MONTEIRO

Depois de trabalhar desegunda a sábado, nada comousar o único dia livre pararelaxar, encontrar amigos e sedivertir. Quando o sol bate,grande parte da periferia doRecife opta por aproveitar o“sagrado” domingo na praia.O destino de muitos fica nofinal da Avenida Boa Viagem,mais precisamente no bairrodo Pina.

Eles chegam cedo, porvolta das 9h, e só voltam noônibus das 17h. Geralmente,pessoas de bairros mais dis-tantes, como Ibura, Maca-xeira e Curado, saem de casaem grupos grandes. Bareslocalizados à beira-mar tocam

música alta, bem diferente doque acontece em Boa Viageme Piedade, praias frequentadaspela classe média. A animaçãono Pina é um dos motivos quea torna a preferida da periferia.

Em um desses domingosde sol, as primas GabriellaTorres, 14, e Natália da Silva,16, foram ao Pina acompa-nhadas de nove familiares,entre eles, João Vinícius, de 3anos, e Samuel, de 5, todosmoradores de MonsenhorFabrício. Na hora do rango, àsombra de um coqueiro, sedeliciaram com as quentinhastrazidas de casa. Os R$ 12 quelevavam no bolso eram parapagar a passagem de volta eas bebidas. “Mesmo nãovindo toda semana, sempre

nos divertimos muito. Toma-mos banho de mar, brincamosde garrafão e pega-pega”,conta a sorridente Natália,entre uma e outra garfada noalmoço.

Para os que gostam derelaxar ou se aventurar, aopção é alugar uma boia aossócios Wallace Santos, 20, eRenato Lima, 27. “Antiga-mente, brincávamos com asboias, mas, há três anos,montamos o nosso próprioaluguel para ajudar no orça-mento de casa”, afirma San-tos, que já tem um filho de 1ano para criar. Aos domingos,dia de maior movimento, elescostumam faturar entre R$150 e R$ 180.

A diversão dos adultos fica

por conta do som, da cerveja,do mar e do sol. A auxiliar deenfermagem Adenise Ramosda Silva, 26, é frequentadoraassídua da praia do Pina. Tododomingo, ela aparece por lá.“Aqui é muito mais animado.Tem barzinho, música paradançar, homens bonitos e oprincipal: os preços são muitomais em conta. Não troco issoaqui por nada”, disse.

NEM SÓ FLORESApesar de ser um local de

lazer, sustento e descansopara os moradores da peri-feria, a praia do Pina, às vezes,parece terra sem lei, ondetudo pode. Jovens consomemdrogas, como loló, maconhae ecstasy, sem nenhuma timi-

dez. Assassinatos acontecemaos olhos de uma grandeplateia e nenhuma provi-dência é tomada. Não háficalização, muito menospoliciamento. Adenise, porexemplo, fala com tristeza aose lembrar do cunhado. “Está-vamos todos nos divertindo,quando ele foi assassinadocom três tiros na cabeça.”

A rotina na praia do Pinapode tornar-se banal, e a mor-te até ser motivo de risada.“Lembro quando estávamossentados na areia e um ho-mem se jogou do arrecife, ba-teu a cabeça e morreu. Foimuito engraçado ver o corpoboiando”, conta Renato Li-ma, em seu negócio do aluguelde boias, às gargalhadas.

O ritmo brega movimenta anoite da periferia recifense

VOCAL Danielaacredita no amorbarato, regado a

cachaça ebarraco

ARTUR NEVES BAPTISTA

Simplicidade nos arranjose na utilização de palavrasmais fáceis nas letras. O bregaé um estilo musical que,apesar de ganhar cada vezmais força no país, aindapredomina nas periferias.Universo de variedades einterpretações distintas, elepode ser, ao mesmo tempo,erótico, dramático, românticoe irreverente.

A empregada domésticaJoseanny Barbosa, 23, gostado gênero musical desdesempre e não abre mão defestas que toquem muitobrega. “Eu não tenho palavraspara descrever a sensação deescutar esse tipo de música.É uma mistura de amor, ódio,traição e recompensas. Élindo, de verdade”, declaraJoseanny, que reside no bairrode Afogados.

A Rádio FM é o veículoque mais entende o gosto dosouvintes da periferia doRecife. A diretora geral daemissora, June Melo, revelaque, entre 2003 e 2008, obrega teve uma reduzida nogosto do público, mas que, nosúltimos dois anos, o quadromelhorou. “Geralmente, todo

bom gênero necessita de umareciclada básica. Foi isso queaconteceu e vai acontecermuito mais com o estilomusical”, afirma.

O crítico de música e pes-quisador da Universidade Fe-deral de Pernambuco (UFPE),Felipe Trotta, acha muitodifícil conceituar o brega demaneira resumida. “O termoabrange vários fatores relacio-nados à ideia de segregaçãosocial, preconceito, moda,composição e produção de ri-mas. Isso torna o significadomuito confuso”, defende Trotta.

A cantora da banda Tangade Sereia, Daniela Gouveia, 25,acredita que o estilo musicaltende a crescer e inovar aindamais. Segundo ela, o públicoapreciador do brega hoje ébastante amplo, pois toma

conta da periferia e adquirecada vez mais novas leiturase formas de expressão, alémda maneira como ele é apre-ciado. “Cantamos e inter-pretamos o amor barato, oqual não se cura com terapianem com remédio, e sim commuita cachaça e barraco”,afirma Daniela, a única mu-lher dos sete integrantes doconjunto, conhecido a partirdo sucesso da música OHomem do Gás.

Para Felipe Trotta, osestilos musicais em geral sãoum ciclo de incertezas. Quan-do perguntado sobre o destinodo brega, ele conclui: “Umritmo pode tanto entrar emextinção como sobreviver eperdurar por décadas. Issonão é uma coisa que se ex-plica. Ela acontece.”

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O lugar não cheira bem,mas serve para atender aosdesejos mais íntimos doscasais de periferia. A ruaNicolau Pereira, no bairro deAfogados, traz várias alter-nativas de motéis de baixocusto para os românticos dosbairros vizinhos. Perto daestação de metrô e de umafeira popular, as suítes rece-bem casais dos mais diversostipos.

O preço médio é de R$ 10.Bem diferente dos grandesmotéis localizados nas proxi-midades, como o LemonMotel, no qual a suíte maisem conta custa R$ 119. Partedesse comércio não funcionanos fins de semana. Segundoa funcionária do Hotel Li-derança, Roseane Ferraz,“muitos casais vêm para cádepois de fazer a feira, apro-veitando as folgas do coti-diano”. Gerente de outromotel na mesma rua, AndréFelipe Veloso afirma que aexperiência já trouxe muitassituações curiosas. “Uma vezvieram dois transexuais sur-dos-mudos e o difícil foi avisara eles que o tempo já tinhaacabado”, conta o gerente,

soltando gargalhadas.Nayara do Espírito Santo,

25, começou a ir a motéis pelacuriosidade. Ela mora perto deAfogados e frequenta o motelSonho, que custa R$ 7. “Dápara ouvir o barulho dos outrosquartos, mas é melhor do queir para casa”, justifica a jovem.

O conforto é baixo: quar-tos pequenos, cama de cimen-to coberta por colchonetefino, banheiro sem portas esem água quente no chuveiro.Para a professora e doutoraem sociologia, Vera Borges deSá, a falta de conforto não éum problema para os consu-midores. “Os conceitos deconforto e privacidade para aperiferia são outros.”

A maioria concorda: mui-tos dos clientes estão traindoseus parceiros. Morador dacomunidade do Caranguejo,Tarcísio Santos, 22, confirmaesse fato. “Eu só vou paramotel longe quando é trai-ção.” Além dos infiéis doCaranguejo, também vãopessoas do Coque e da Mus-tardinha. Ainda assim, paraSantos, os motéis da ruaNicolau Pereira “servem atépara impressionar uma mu-lher”, como o Hotel Star, omais caro da área.

Afogados tem opçõesacessíveis de prazer

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4 | Recife, abril de 2011 O BERRO

De matadouro a Nascedouro CulturalRENATA CALHEIROS

“Era matadouro animal,virou matadouro de gente eagora é nascedouro de cul-tura.” A definição parte deJeovana Moura, funcionáriada Refinaria MulticulturalNascedouro de Peixinhos, umlugar que por pouco não viroulixão e, desde a década de1980, passa por mudançasque o transformaram emespaço social.

No local, a Secretaria deCultura do Recife promoveoficinas de teatro, dança,grafitagem, seminários efestivais. Atualmente, essasoficinas estão paradas devidoa um projeto de revitalização,do qual constam um auditórioe salas multiuso. Mas o espaçocontinua ativo, com apre-sentações de bandas locais,festival de dança, ciclo natalinoe junino.

“Todos os eventos são

direcionados à família. Porisso, artistas que denigrem aimagem da mulher, do negro,do pobre e dos homossexuaisnão são aceitos. O Conde doBrega, por exemplo, semprefaz shows aqui. Nação Zumbi,MV Bill, O Rappa e Seu Jorgejá nos prestigiaram”, diz adiretora de eventos ConceiçãoCamarote.

A Refinaria também cedeespaço para os projetos comu-nitários. Magemolé, Comuni-dade assumindo suas crianças(CASC), Ação Peixinhos,Nação Mulambo e NaçãoMulambinho são alguns deles,que oferecem aulas de dança,percussão, alfabetização eesportes.

A Biblioteca Multiculturalé uma iniciativa do grupoBoca do Lixo e, há dez anos,se mantém com o apoio dainstituição alemã ASW (AçãoMundo Solidário), estúdioC&A, Banco do Nordeste e

Prefeitura do Recife. Aluguel,energia e água não são co-brados. “Nossa proposta é aleitura por prazer e nãoobrigação”, diz o coordenadorDaniel Pereira.

Para incentivar essa prá-tica, são realizadas a “SemanaTemática” e a “Mala daLeitura”, que empresta livrospara escolas e grupos comuni-tários.“Não queremos subs-

tituir o papel da escola, mascomplementar”, fala o edu-cador Vinícios Vilamundos.

Há também palestras eatividades em espaços pú-blicos, com cantinhos deleitura e recitais. Abre desegunda a sexta-feira, das8h30 às 17h.

Ao lado da biblioteca, ficaa Assistência Social da Pre-feitura do Recife, que atende

COMPLEXO CULTURAL e teatro do Nascedouro

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Alto José do Pinho épura identidade

RODRIGO GÓES

Os restaurantes das perife-rias da cidade se tornam cadavez mais frequentados. Muitosturistas e pessoas de todos osbairros do Recife fazemquestão de provar a comidafeita nesses lugares. O preçoé baixo, os pratos são delicio-sos e o tempero lembra acomida feita em casa.

O primeiro destino dareportagem foi o Bar daGeralda, no alto do Morro daConceição, em Casa Amarela.A galinha de cabidela é oprato mais pedido do res-taurante. Para comer, ofreguês tem que desembolsarR$ 15. O prato pode viracompanhado de algumasguarnições, como arroz,feijão, batata frita e vinagrete.Cada acompanhamento custaentre R$ 2 e R$ 3.

A comida é uma delícia efica impecável se temperadacom o molho caseiro depimenta que dona Geralda

faz. A clientela aprova. Oeletricista Clerivaldo Pereiradiz o motivo: “A galinha decabidela daqui é a melhor dacidade. Não tem igual, omolho é muito bom”, aprova.Dona Geralda fala comoprepara essa maravilha. “Eucoloco a galinha e o sanguepara cozinhar em panelasdiferentes. Depois eu misturoo caldo no liquidificador comum molho que eu faço, ponhona panela novamente e co-zinho mais um pouco antes deservir a galinha”, explica.Quando questionada sobre opreparo do molho, ela nãoquis nem conversa. Fala queé segredo.

Ao anoitecer, a repor-tagem partiu para um restau-rante de frutos do mar nobairro de Brasília Teimosa. Olugar se chama Bar do Peixee fica na orla. Marcos Rodri-gues é o dono do estabele-cimento. O bar foi fundado háapenas três anos. Funcionanum prédio de três andares.

O piso mais alto tem umavista bonita, dá para ver ocentro do Recife e toda a orlade Brasília Teimosa. Cadaandar do restaurante tem umambiente diferente, mas oprédio é estreito, parece umcorredor. As postas de peixeservidas ali não são nem umpouco pequenas. Três tiposestão no cardápio: albacora,pescada amarela e cioba. Ospreços variam de acordo comos tamanhos. A menor postacusta R$ 12, a maior sai porR$ 50 e mede dois palmos dediâmetro.

O bar lota nos finais desemana, mas a maioria dosclientes são turistas e pessoasde fora da comunidade. Entreas visitas famosas, Rodrigueslembra ter servido um pratopara uma figura ilustre. “O ex-prefeito João Paulo almoçouaqui na época da sua gestão.Eu ainda lembro que ele pediuuma posta de albacora. Eufiquei lisonjeado”, contaRodrigues.

damente com o interessedespertado pela comunidadeatravés do som dos caras. “ADevotos foi a melhor coisaque poderia ter acontecidopara o Alto. Os moradores dacomunidade não dizem maisque moram em Casa Amarela.Havia um preconceito emdizer sua exata localização.”Hugo também faz menção aoreceio que era parte do egodos moradores. “Eles entra-vam nos táxis e pediam umacorrida para Casa Amarela, enão para o Alto”, conclui.

Com essa autoestimaelevada, os moradores sabiamqual era o rumo que a comu-nidade tinha que tomar: umaidentidade cultural fortíssimafaz uma comunidade ser maisforte ainda. Toda a revolta do“punk” tinha um intuito: apaz. A vontade de ser ouvidoe de despertar o interesse porsoluções dentro do própriouniverso e de seu eixo socialpesou. Ponto para a culturana periferia.

FELIPE DIAS

A arte sem a lesão docapital, modelada com ino-cência e manifestada dointerior. É assim no Alto Josédo Pinho, Zona Norte doRecife, com suas históriasboêmias, sua religiosidade eseus espaços culturais re-presentativos. Assim como aRádio Alto-Falante, idealizadapor Celo e Neílton, ambosintegrantes da banda Devotos,e Aílton Peste, um dos prin-cipais mentores do projeto.

Do Alto, o som sai novolume máximo: são váriasbandas no âmbito musical,como afoxé, frevo, punk eoutras vertentes. O destaquefica com a banda Devotos,idealizadora de um importantetrabalho que resultou noganho de autoestima na co-munidade do Alto José doPinho.

Hugo Montarroyos, autordo livro Devotos: 20 anos, contaque a imagem mudou profun-

a 1.100 famílias de Peixinhos,por meio de acompanhamentopsicológico, entrega de cestasbásicas, auxílio funeral e kitenxoval, além de encami-nhamentos para o conselhotutelar, bolsa família, carteirado livre acesso e retirada dedocumentos.

No prédio do CentroTecnológico da Cultura Digi-tal, projeto do Governo doEstado e Secretaria de Ciên-cias e Tecnologia, é oferecidoo curso de Inclusão Digitalpara 80 alunos por trimestre.A idade mínima exigida é 15anos, e os participantes, quedevem estar concluindo ou terterminado o ensino médio,aprendem informática básica,Windows, Office, Photohop,Corel, etc.

O local ainda abriga oNascedouro Cine Clube, ondetodas as sextas-feiras, às18h30, são exibidas sessõesabertas ao público.

Do morro ao litoral, os saboresda periferia conquistam a cidade

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Recife, abril de 2011 | 5O BERRO

O Dois Unidos do Arlindo dos 8 baixosMARÍLIA SIMAS

Dois Unidos. A localidadeera temida e mal vista pelaspessoas que não eram daregião, pois, há muito tempo,era um lugar violento e queestampava as principais pági-nas de polícia dos jornais.Hoje, a realidade é bastantediferente. Nos domingos, acomunidade se transforma.Há dez anos, o sanfoneirodeficiente visual Arlindo dosOito Baixos promove, noquintal de sua residência, umforró conhecido nos quatrocantos do mundo.

Reformado recentemente,o espaço cultural “Arlindo dosOito Baixos” comporta cercade mil pessoas. O público ébem diversificado e chega detoda a cidade, além de turistas,

que vêm conhecer o autêntico“arrasta-pé” pernambucano.Além do anfitrião, e or-ganizador dos eventos, o pú-blico tem a oportunidade deconhecer outros artistas daterra que se apresentam comoconvidados no forró.

O espaço cultural é umdos roteiros turísticos dacapital pernambucana e fun-ciona a partir das 15h. Ofundador da casa de showdisse que o local surgiu deforma espontânea e que nadatinha sido planejado. “Na

verdade, eu inaugurei esse es-paço numa tarde de domingo.Tudo aconteceu há dez anos,quando eu tive a ideia dereunir alguns amigos. Elesgostaram tanto que voltaramno domingo seguinte e nuncamais paramos de nos apre-sentar.”, conta.

Nem o estereótipo, nem opreconceito com o bairro fezcom que o sucesso do forro-bodó perdesse a fama. “Al-gumas pessoas do bairro jávieram, mas a grande maioriadas pessoas que frequentamo local é de fora. São uni-versitários, professores, tu-ristas de dentro e fora do país,além de pessoas do interior doEstado”, relata.

A enfermeira Rosimery daSilva Santos, de 39 anos, éuma das mais antigas fre-

quentadoras do forró e disseque é fã das pessoas quetrazem cultura pernambucanapara as periferias, porque issoajuda a melhorar a segurançana área e implanta, dentro dacomunidade, uma tradiçãodiferenciada. “É importanteque as periferias tenhamtrabalhos como este queArlindo faz. Acho interes-sante esse tipo de resgate dacultura e desse ofício reali-zado pelo sanfoneiro”, diz.

Algumas pessoas do bairrodizem que existem duas fasesque dividem a comunidade, oantes e o depois da criação doespaço cultural. “Antigamente,eu tinha muito medo e ver-gonha de dizer às pessoas queeu morava aqui. Hoje, sintoorgulho, moro aqui há 30anos”, fala o sanfoneiro.

Todo mundo cabe na Casa daRabeca de Mestre SalustianoJAIME MITCHELL

A expressão das manifesta-ções culturais tem endereçopara se encontrar: a Casa daRabeca do Brasil, instalada naperiferia de Olinda, maisprecisamente na Cidade Taba-jara. Lá é o lugar onde maraca-tus, caboclinhos e cavalos-marinhos podem se mostrarpara o mundo. Para o mundomesmo, pois o espaço foi criadopor ninguém menos que MestreSalustiano, rabequeiro conhe-cido internacionalmente.

Manuel Salustiano, ouMestre Salustiano, fundou aCasa da Rabeca em 2002. Aideia inicial era juntar em ummesmo espaço diferentesculturas e dar voz para peque-nos e médios artistas. MestreSalustiano morreu em 2008,mas o trabalho dele não parou.Hoje, quem toma conta daCasa da Rabeca são os 15filhos e filhas de Mestre Salu.Um deles é Pedro Salustiano.Com mais seis irmãos ele édiretor do espaço e continuaos planos iniciados pelo pai.“No começo, nós éramoscontra a criação da Casa da

Rabeca por causa das ocupa-ções de nosso pai. Ele viajavabastante”, relata Pedro.

Mestre Salu iniciou oprojeto mesmo com os filhosnão aceitando. As apresenta-ções dos artistas eram aosdomingos. Atualmente sãoaos sábados. “No começo, nósrecebíamos de dez a 15 pes-soas. Hoje em dia a média dopúblico é de seis mil pessoas”,conta Pedro. A ideia do localé preservar a cultura. NaRabeca já passaram artistascomo Santana, GeraldinhoLins, Irah Caldeira, CristinaAmaral e Alcimar Monteiro.A entrada na Casa era gra-tuita. Ainda hoje, sempre quepossível, Pedro afirma queacontecem shows de graça. Écobrado dos convidados umpreço médio de R$10 a R$15.

O desenhista Luiz CarlosLima foi duas vezes ao forróda Rabeca e gostou muito.“Achei a melhor casa de forródaqui. É grande, tem seguran-ça e estacionamento. O espa-ço é muito bom para brincar”,conta. A primeira vez queLuiz foi ao local era São João.Com um grande terreno, a

Casa da Rabeca investe nasegurança. Quando os veícu-los têm que ficar do lado defora, a família Salustianoespalha vários seguranças aoredor para cuidar deles.

Pedro conta que duranteos festejos juninos são novedias de festa e o público totalchega a quase 50 mil pessoas.O Carnaval Mesclado tam-bém está no calendário defestas da Cidade Tabajara. Elerecebe esse nome porquejunta caboclinhos, maracatus,blocos, ursos e cavalos-mari-nhos. A festa acontece nodomingo e na segunda deMomo. Há sete anos que aCasa da Rabeca realiza oCarnaval. A festa é aberta aopúblico de manhã até a noite.No Natal, também tem come-moração com pastoril e otradicional cavalomarinho.

Os jovens da vizinhança daCasa da Rabeca são chamadospara participar de oficinas decavalomarinho, maracatu ecaboclinho. “Nós queremosenvolver os jovens, tirá-los domundo das drogas, desenvol-ver um bom trabalho comeles”, fala Pedro.

CINTHIA FERREIRA

Bomba do Hemetério,zona Norte do Recife. Dadosda Prefeitura da cidade reve-lam que a população do bairrofica em torno de 9 mil pesso-as, que dividem uma áreaequivalente a 63 campos defutebol. Somente num lugargrande assim para caber umaescola de samba, coquistas,orquestras, sambistas e umreisado imperial.

Apesar dos grandes talen-tos, somente nos últimos anos,o bairro vem ganhando proje-ção na mídia de uma formamais positiva do que era antes,graças a uma iniciativa bempeculiar.

A Orquestra Popular daBomba do Hemetério, sob aregência do Maestro Forró,está levando o nome dacomunidade para aquém dasfronteiras do Estado.

“Nós pegamos um pou-quinho das influências denossos pais, avós e vizinhos,colocamos tudo num liquidi-ficador e surgiu uma novamúsica”, ressalta o maestro.

Uma dessas principais

fontes de influência chama-seJosé Amâncio da Silva, 76,mais conhecido por Zé Amân-cio do Coco. Ele é o pai domaestro. Oriundo da cidade deAliança, Mata Norte do Esta-do, foi em 1958 que chegouà Bomba em busca de empre-go e por lá ficou. Uma con-versa à toa e um bom pan-deiro são o suficiente paraseu Amâncio fazer tiradasgeniais ao som do coco.

O bairro também abrigaseu Geraldo Almeida, 86. Eleé dono do título de brincantemais antigo do Estado e doúnico reisado imperial existen-te em Pernambuco.

Tanta cultura assim escon-dida em 450 mil metrosquadrados, o que faltava paraos artistas da Bomba erasomente uma articulação.Hoje, o bairro estampa ascapas de jornais e é manchetenos programas televisivos comum único tema: competênciamusical. “Mudança de hábitoe iniciativas para melhorar aimagem da comunidade refle-tem na autoestima dos pró-prios moradores”, finalizaForró.

Uma Bomba decultura e tradição

ARLINDO Valorizar a cultura na periferia onde mora

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6 | Recife, abril de 2011 O BERRO

Música transformavida de jovens

TRAÇOS O grafiteiro Zone-X e a arte que o encantou no muro

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Periferia como portapara a grafitagem

MARINA ANDRADE

A arte da grafitagem estáespalhada pelos muros dacidade. Na maior parte dasvezes, é na periferia que nasceo primeiro contato entre osjovens e as técnicas do grafite.

É o caso de Zone-X, quemora na Várzea; Sorriso, doAlto José do Pinho; DerlonAlmeida, do Arruda; e Galode Souza, do Cordeiro. Osdois últimos, grafiteiros derenome nacional.

“Já desenhava desde os 8anos de idade. Uns grafitesdos pioneiros Olho e Guer-reiro despertaram em mimum encanto pela arte de rua.Se não fossem as ruas, nãoseria o que sou hoje”, contaZone-X, que assina diversasgrafitagens no bairro do Pinae hoje é engajado em projetossociais e ONGs que se dedi-cam a ensinar a arte do grafiteàs novas gerações.

Depois de ter morado por24 anos na Várzea, Zone-X semudou para a comunidade deRoda de Fogo. Mas todasemana ele volta ao seu bairrode origem para ensinar astécnicas do grafite para osalunos das escolas públicas dobairro.

O estudante Tiago Rocha,de 17 anos, foi um dos jovensdespertados para a arte du-rante essas aulas. “Fico jun-tando dinheiro para comprarsprays e sair pintando no finalde semana. Também desenhomuito em casa”, afirma.

Geralmente, é ao lado dos“skates” inseparáveis que osjovens se iniciam no domíniodo chamado “bico”, utilizado

para grafitar e feito artesanal-mente com fio de telefone. Eé trocando experiências narua, com a galera do mesmobairro e até de outros próxi-mos, que os garotos aper-feiçoam seus traços.

Em locais como Jaboatãodos Guararapes, Paulista,Cabo de Santo Agostinho,além do Recife e de Olinda,existem hoje cerca de 15grupos de grafiteiros, os cha-mados crews. Muitos deles estãoespalhados pelos bairros daperiferia como o 4Elementus,Os Brothers e o Umilde Style.Há também um formadoapenas por mulheres: o FloresCrew, criado em 2004.

O grafiteiro Derlon Al-meida é um exemplo de queverdadeiros talentos podemsurgir nas aulas de grafite quesão levadas a diversas comu-nidades do Estado. Foi du-rante uma oficina da OngInstituto Vida, no mesmobairro onde Derlon morava,que ele trocou os desenhos depapel pela grafitagem nosmuros da cidade.

Também envolvido comoficinas direcionadas a jovensestá o grafiteiro Galo deSouza, há 20 anos pintandonas ruas do Recife. À frentedo coletivo Êxito d’Rua, elecoordena mutirões em bairrosda periferia, com a propostade disseminar não só o grafite,mas também o “hip hop” e a“street dance”, outras expres-sões artísticas genuinamentede rua.

O lema do guia está estam-pado em um de seus trabalhospara todo mundo ver: “Paredebranka, povo mudo”.

RAFAELLA CARVALHO

O lugar é o Coque, umadas comunidades mais pobrese com os maiores índices decriminalidade da Região Me-tropolitana do Recife. Apesardisso, algo começa a mudardentro desse cenário tão ruim:a Orquestra Criança Cidadãdos Meninos do Coque, umprojeto que surgiu através dojuiz de Direito João JoséRocha Targino e do desem-bargador Nildo Nery dosSantos e iniciou a sua trajetóriasob a batuta do maestro Cussyde Almeida, falecido no anopassado. Em seis anos deexistência, mais de cem vidasjá foram transformadas gra-ças ao projeto. Utilizando amúsica como instrumentoprincipal, a Orquestra dá umaoportunidade a quem quer, defato, mudar de vida.

Em meio ao projeto, osalunos recebem gratuitamenteaulas de percussão, teoriamusical, flauta doce, corda ecanto coral. Além disso, aindarecebem apoio pedagógico,com atendimento psicológico,médico e odontológico, aulasde inclusão digital, forne-cimento de três refeições pordia e fardamento.

A escola funciona noQuartel do Sétimo DSUP(Depósito de Suprimentos doExercito), no bairro do Caban-ga, e tem na disciplina uma

palavra que é muito valo-rizada pelos seus coorde-nadores. O ritmo de estudo éintenso com carga horária deoito horas, de segunda asábado.

O esforço, no entanto,acaba sendo bem recom-pensando já que a maioria dosalunos passa a aprender umanova profissão. Além disso,eles têm no currículo o in-centivo que vem dos prêmiosque não param de chegar paraa Orquestra, como a Medalhado Mérito Democrático ePopular Frei Caneca, con-cedida pela Assembleia Legis-lativa de Pernambuco (Alepe);a Medalha Antônio CarlosEscobar e o Prêmio Anamatrade Direitos Humanos 2010,conferida com menção hon-rosa ao juiz João Targino.Esses são só alguns de cercados 20 prêmios que a orques-tra já recebeu.

INTERCÂMBIOAlém de prêmios, alguns

dos estudantes tiveram aoportunidade de fazer in-tercâmbio em países comoPolônia, Eslováquia e Áustria.Nesses países, alunos comoJúlio Carlos Rocha, InaldoNascimento e Isaías Tavarestiveram oportunidade deaprimorar as técnicas apren-didas na Orquestra. Para queocorram esses intercâmbios, aparceria com empresas é

fundamental.Júlio Carlos Rocha da

Silva, um dos alunos maisantigos do projeto, viajou em2009 para a Polônia, ondeconseguiu aprender muitosobre música “Não encontreidificuldades, me adaptei bemao local e aproveitei muitoesses quase 12 meses deintercâmbio”, afirma o ga-roto, que tem como maiorsonho voltar para a Europae aprender outros instru-mentos.

Oportunidade para osjovens e sentimento de satis-fação para os fundadores. “Émuito importante para nós,que estamos à frente desseprojeto, agradecer tudo o queos parceiros já fizeram poresses meninos e meninas. Sãooportunidades que irão fazermuita diferença. Somos muitogratos”, afirma João JoséTargino.

O projeto sozinho não iráconseguir mudar a realidadede um local tão cheio deproblemas como o Coque. Énecessário apoio do governopara investimentos em sane-amento básico, moradia eemprego para a família dessesjovens. O que se pode obser-var, no entanto, é que oCoque está recebendo umageração nova de jovens ver-dadeiramente cidadãos e comum talento para a música, quepode transformar a vida deles.

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CONCERTO Orquestra Criança Cidadã se apresenta na Igreja Madre de Deus, no Recife Antigo

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Recife, abril de 2011 | 7O BERRO

As faces da fé no Morro da ConceiçãoALICE DE SOUZA

Principal reduto católico doRecife, o Morro da Conceição,no bairro de Casa Amarela, éconhecido por guardar, entreescadarias e ladeiras, váriashistórias de fé e superação. Omaior expoente da religiosidadeé a padroeira homônima dolocal, mas também há espaçopara outras formas de ex-pressão religiosa, como as igrejasevangélicas, que vêm ganhandocada dia mais público, e oscultos afrobrasileiros. O alto éum oásis de esperança e paz emmeio aos problemas sociais dacomunidade.

Aos olhares cuidadosos daimagem imponente da VirgemMaria, católicos, evangélicos,espíritas e candomblés andamuns ao lado dos outros, cum-primentando-se e dando “gra-ças a Deus”. Mesmo queinconscientemente, eles sabemque os pedidos e as promessassão semelhantes. “Muita coisasurpreendente acontece aqui”,diz a comerciante IvoneideVasconcelos, 48 anos. Ela éuma das faces da fé no morro.

Católica, trabalha vendendoimagens de santos, canetas,chaveiros e outros objetos quefazem referência às divin-dades católicas. Ivoneide fazquestão de ir aos pés da santaduas vezes ao dia, quandochega para arrumar a barracae antes de sair. “Sem Deus, eunão sou nada”, garante.

Durante o mês de dezem-bro, quando é realizada a festaem comemoração à padroeiracatólica, cerca de 700 mil fiéisvisitam o local. Mas é nocotidiano do morro, em cadacasa que guarda um cartaz deNossa Senhora, nos estabele-cimentos comerciais da regiãoe nos barulhos de louvor quese observa a fé dos mora-dores. O que independe decrença. “Quando acredi-tamos, passamos a ver omundo com outros olhos”,explica a evangélica SandraPaulina, 40 anos.

Moradora do morro desdeque nasceu, ela se apega àreligião para manter a espe-rança. “Vivemos uma reali-dade difícil, com muitoshistóricos de sofrimento.

Conhecimento para transpor barreirasJOSE VITO ARAUJO

Uma iniciativa que surgiucomo resposta ao preconceito.É assim que o servidor públi-co federal Alberto Manueldescreve o nascimento doprojeto Pré-Vestibular Solidário,idealizado por ele, em 2001,na busca por qualificar jovense adultos de comunidadescarentes com o objetivo delevá-los à universidade. Al-berto tem origens humildes ediz ter enfrentado muitaresistência social quandocursou Química, na Universi-dade Federal Rural de Per-nambuco (UFRPE). Agora,ele se sente na obrigação deaproximar os moradores daIlha do Joaneiro, comunidadedo bairro de Campo Grande,no Recife, da educação pú-blica superior. Uma forma defazer do conhecimento umabalsa, meio para levá-los bem

mais longe do que os limitesda comunidade permitem.

“Quando iniciei Química,todos me olhavam diferentena universidade. Tudo porqueeu usava camisa regata, calçarasgada e chinelos. Na sala deaula, fui escanteado pelosmeus colegas até as primeirasprovas. Só falaram comigoquando as primeiras notassaíram e fui bem”, confidenciaAlberto. Segundo ele, nessesmomentos de isolamentosocial, uma promessa foi feita:criar algum mecanismo deajuda para que o sistemapúblico de ensino superiorfosse acessível à parcela dapopulação que mais precisadele, pricipalmente quem vivena periferia da cidade.

“Meus colegas eram todosde famílias financeiramentebem estruturadas. Todostinham muito mais condiçõespara estudar e passar nas

federais. Passei com muitoesforço e vi que era um dospoucos a conseguir isso. Fiqueiesperando ter condições defazer alguma coisa para mudaresta história. Estamos conse-guindo agora”, conta.

Nos dez anos de atuação,o Pré-Vestibular Solidário tevemais de 500 alunos par-ticipantes, aproximadamente50 aprovações nas univer-sidades federais e cerca de 25profissionais formados ematuação no mercado de tra-balho. Além disso, o grupo deparceiros só cresce. Algunsajudam na compra de ma-teriais e no pagamento detaxas para os vestibulandosque não conseguem isenções.Outros, na melhora da estru-tura que abriga o projeto.

DE ALUNO A PROFESSORA estudante de pedagogia

Maria do Carmo Soares da

Silva, 40, faz parte dos bonsresultados do projeto e agoratrabalha como voluntária. Elaensina Português para osalunos da comunidade da Ilhado Joaneiro e, assim como ofundador da iniciativa, firmouum compromisso com osideais do projeto do Pré-Vestibular.

“Ensinar é uma forma deretribuir tudo o que essa ideiafez por mim”, declara. Fun-cionária pública concursada,Carminha diz ter uma jornadadiária cansativa, mas afirmaque a emoção de aprovar umaluno supera qualquer can-saço. “Não vou desistir jamaisdos meus alunos. A felicidadequando um deles passa é umarecompensa maior do quequalquer coisa”, avalia.

Um caso que certamentemotiva a professora é o dadona de casa Berenice Gomesda Silva, 45, que decidiu, no

ano passado, retomar os es-tudos depois de 20 anosafastada das salas de aula.“Tive graves problemas desaúde e vi que tirar a atençãoda doença para pôr no estudome fez muito bem. Acho quevaleu a pena e, por isso, agoratambém participo do grupopreparatório para concursos”,revela.

AMPLIAÇÃOOs colaboradores conti-

nuam trabalhando para ampli-ar a atuação do projeto.Recentemente, foi montadauma biblioteca comunitária naIlha do Joaneiro, entregueposteriormente para admi-nistração dos moradoresTambém foi formada umaoutra unidade em Peixinhos,bairro da periferia de Olinda,onde espaço ocioso de umaloja de autopeças se trans-formou em sala de aula.

Temos que cultivar o amor aDeus”, afirma. Vizinha de umgrupo heterogêneo no que dizrespeito à religião, ela é comoa maioria das pessoas da área:escolheu uma crença paraseguir, mas não deixa deacreditar nas outras. “Overdadeiro Deus está emtodas as igrejas. Seja lá comofor, o importante é sentir apalavra dele”, conclui.

Foi assim, por exemplo,que a padaria Rainha doMorro foi batizada. “Souevangélica, minha famíliatambém. Mas escolhemosesse nome. O que faz adiferença aqui é a fé”, explicaa dona do estabelecimentoJoseane Ferreira.

EVANGÉLICOSApesar do forte público

católico e da tradição can-domblé, as igrejas evangélicastambém têm crescido noMorro da Conceição. “Só deAssembleia de Deus já são setena região, fora as outrasdenominações. É nome emcima de nome”, afirma odiácono Renato da Silva.

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DEVOÇÃO As fitinhas são o símbolo da fé dos frequentadores

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8 | Recife, abril de 2011 O BERRO

Remo muda vida de jovens carentesLÍLITH PERBOIRE

Nas comunidades Ilha deDeus e Coque, ambas noRecife, um projeto que en-volve esporte e educação, vemevitando que jovens carentesentrem no mundo das drogase dos crimes. É o Remando Parao Futuro, fundado por rema-dores veteranos que queriamcontinuar no esporte e, aomesmo tempo, ajudar pessoascarentes.

O projeto atende a adoles-centes de 13 a 20 anos, deambos os sexos, que estejamestudando. Lá, eles têm aulasde remo, canoagem e vela,além de oportunidades deestudo e de trabalho. Este ano,aproximadamente 150 jovensparticiparão do Remando parao futuro, que fica na Imbiribeira,à margem do Rio Tejipió.

Franciane Maria, 20, mo-radora da comunidade Ilha deDeus, diz que sua vida mudoudepois de entrar no projeto.Ela, que já passou por muitaviolência onde mora, viu umasaída no meio da pobreza, dasdrogas e dos vícios: o remo.O medo de entrar na água era

apenas um obstáculo. Depoisde dez meses participando doprojeto, ela vai colocar o barcono rio pela primeira vez.“Estou muito ansiosa parachegar a hora”, disse Fran-ciane. O maior objetivo dagarota agora é competir.“Quero participar de todos ostorneios e campeonatos. Meusonho é ser uma atleta profis-sional de sucesso”.

O objetivo da iniciativasocial é formar atletas, semesquecer os estudos. Os alunostêm um acompanhamentofora das aulas e no ambientefamiliar. Eles participam decurso de formação básica nasáreas de informática e cidada-nia, para conseguirem o pri-meiro emprego, além deacompanhamento nutricional,para ter um preparo físicoadequado de um atleta.

FUNDADORESSeis ex-remadores pro-

fissionais - Reynaldo Ramos,Paulo Roberto, Evaldo Alen-car, Bruno Galindo, AugustoBarbosa e Ricardo Maia,atualmente definidos comoremadores master, cansados

de não terem onde remar ecom uma grande vontade deajudar o próximo, fundarama Liga Pernambucana deRemo e o Projeto Remandopara o Futuro.

Para Paulo Roberto, a ideiaé focar na formação dosjovens da periferia e tirar os“espaços” vazios do dia a diadessas pessoas, além de conse-guir formar uma equipe paraconcorrer ao campeonatopernambucano e serem des-taques fora do estado.

Reynaldo Ramos, remadormaster e presidente da LigaPernambucana de Remo e do

projeto, está implantando oremo social nos grandesclubes do Recife para pessoasde baixa renda. Ele já conse-guiu o apoio do Sport e esseano vai colocar 150 jovenspara fazer parte da equipesem pagar nada.

PARAOLÍMPICOSPara atenderem a um

outro público, os criadores daLiga Pernambucana de Remoe do Projeto Remando para ofuturo, em parceria com aAssociação dos DeficientesMotores de Pernambuco,criaram outro projeto social

e estão realizando uma novamodalidade: remo para atletasadaptados, ou seja, paraolím-picos. Entretanto, as dificulda-des são muitas. Falta de equi-pamentos e barcos adaptadossão apenas alguns dos proble-mas enfrentados pela equipe.

Atualmente, sete pessoascom deficiências físicas estãoparticipando do remo adap-tado. Cinco fazem atletismo eencontraram no remo umamaneira de voltar a ter umcontato com a água. Eles estãofazendo exercícios de acade-mia para fortalecer os mús-culos e aumentar a força. EmPernambuco, apenas a LigaPernambucana de Remo ofe-rece essa modalidade doesporte.

Ailton de Araújo, de 35anos, atleta paraolímpico,participa há seis meses doremo e está amando a expe-riência no esporte. “Ganheicondicionamento físico e maisresistência depois que comeceia treinar. O remo está mefazendo muito bem, eu mesinto realizado. Não vejo ahora de entrar na água paracompetir”, diz Araújo.

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COMPETIÇÃO Adolescentesdisputam nas águas

do Rio Capibaribe

Esporte resgata a cidadania na comunidadeARJUNA ESCOBAR

Com quatro anos de idade,Brenda Maria Lima e Silva jásaltava no tatame e esboçavaos primeiros sinais de umgrande futuro como judoca.Apesar do medo de se machu-car, como ela afirma hoje emdia, com 15 anos de idade, nãotinha como escapar daqueladiversão. O pai, João Batistada Silva Neto, seu primeiro eaté hoje professor de Judô, umverdadeiro mobilizador social.Desde 1996, educa gratui-tamente crianças da comu-nidade D. Helder, periferia deJaboatão dos Guararapes,local com elevado índice deviolência e pobreza. Ao acom-panhá-lo nas aulas, Brenda seencantou e tornou o judô seugrande sonho e objetivoprofissional.

Todos os anos, turmas sãomontadas e João Neto recebe

uma quantidade de criançaslocais para treinar. Sem apoiode nenhum órgão da Prefei-tura ou do Estado, ele toca aacademia, que é a sede dostreinos. Equipamentos velhosde musculação e uma estru-tura física defasada não sãoempecilhos no desenvolvi-mento das atividades. Atual-mente, o único apoio que temrecebido é de uma orga-nização que atua nas comu-

nidades da região, a Casa doManá.

É tirando do próprio bol-so que o aplicado professorde judô mantém as aulas.Com 38 alunos fixos e mais50 para iniciar as aulas dentrodas próximas semanas, apersistência de João já é aprimeira grande vitória de todaessa ação. Crianças de toda aregião, com idade a partir de5 anos, já podem participar

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ar das aulas e é o que tem acon-tecido: “chovido crianças”,como diz João Neto.

A oportunidade tem deixa-do as mães da comunidadesatsifeitas. Elas enxergam ainiciativa como um meio paradeixar os filhos distantes dasdrogas e da violência. “Possodizer que tenho filhos exce-lentes”, afirma Valdeci SilvaSantos, que já tem dois filhoscampeões, desde que treinamna academia de João Neto.

DESTAQUESe é para destacar um

atleta na academia, sem dúvi-da, é a própria filha a principalrepresentante. Não que osoutros não sejam vitoriosos,afinal de contas, a academiaé um verdadeiro centro decampeões. Brenda tem obtidomuito sucesso junto ao judô,e passa a ser uma das princi-pais representantes brasileiras

no esporte, por enquanto, nacategoria Sub-17, mas comtudo para representar o Brasilmundo afora.

Ela está entre as quatromelhores do país na categoria.Agora, pronta para voar pelomundo, vai disputar na Ucrâ-nia uma vaga que pode levá-la para o Campeonato Mun-dial, caso fique na primeiraposição. Se ficar em segundolugar, vai para o Panameri-cano. Já carrega no peitomuitas medalhas: seis campeo-natos pernambucanos, umbrasileiro, um sulamericano eum vice-panamericano.

O exemplo demonstracomo o esporte modifica ofuturo das pessoas, princi-palmente aqueles que seencontram à margem e espe-ram oportunidades que garan-tam boas perpectivas de vidae igualdade, além da pro-fissionalização.