as faces de um rio

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Projeto de Graduação - Design Gráfico

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  • ndice

    0204

    08

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    36

    40

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    baixo velhasbacia do rio parana

    santo hiplito

    lassance

    morro da gara

    barra do guacu

    navegao ria abaixo

    amant-ty-kir

    canoeiros

    estoriinha

    pescaria

    ria

    alongo-me

    aqurio

    domnios de natureza do brasil

    assentamento

    adeus, rio das velhas, adeus

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    gildes bezerra

    edson penha

    Joo guimares rosa

    Joo guimares rosa

    Joo guimares rosa

    Joo guimares rosa

    Joo guimares rosa

    aziz absaber

    chico buarque

    tasso alvarenga

    mdio velhasJaguara

    Jequitib

    Jaboticatubas

    serra do cip

    a terceira margem do rio

    a terceira margem do rio

    p no cho

    nossa senhora das guas

    ripuria

    dias de curvelo

    a voz do rio

    0204

    06

    10

    12

    14

    26

    34

    36

    42

    16

    24

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    caetano veloso

    Joo guimares rosa

    xavier bartaburu

    Joo evangelista rodrigues

    Joo guimares rosa

    bruno Fonseca

    gustavo guimares

    rio das velhasrio das velhas

    minas gerias

    cordel pela natureza

    azo de almirante

    proJeto manuelzo

    as minas de Joo guimares rosa

    0920

    22

    34

    36

    40

    44

    ngela maria da silva

    Joo guimares rosa

    alunos do colgio cavalieri

    Joo guimares rosa

    equipe do projeto

    helosa maria murgel starling

    0204

    06

    08

    10

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    18

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    34

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    36

    alto velhasvila rica

    galgando montanhas

    glaura e acuru

    rio acima

    sabar

    santa luzia

    e agora velhas?

    o riachinho sirimim

    recados do sirimim

    chu chu

    lugar do serto

    paisagem do capibaribe

    eu, alice possvel

    o retorno ao lugar onde deixei minha inFncia

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    almira de Jesus lima

    Joo guimares rosa

    Joo guimares rosa

    dilza lopes de oliveira

    conceio clemente de miranda

    Joo cabral de melo neto

    letcia malloy

    nuno manna

  • ndice

    0204

    08

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    baixo velhasbacia do rio parana

    santo hiplito

    lassance

    morro da gara

    barra do guacu

    navegao ria abaixo

    amant-ty-kir

    canoeiros

    estoriinha

    pescaria

    ria

    alongo-me

    aqurio

    domnios de natureza do brasil

    assentamento

    adeus, rio das velhas, adeus

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    gildes bezerra

    edson penha

    Joo guimares rosa

    Joo guimares rosa

    Joo guimares rosa

    Joo guimares rosa

    Joo guimares rosa

    aziz absaber

    chico buarque

    tasso alvarenga

    mdio velhasJaguara

    Jequitib

    Jaboticatubas

    serra do cip

    a terceira margem do rio

    a terceira margem do rio

    p no cho

    nossa senhora das guas

    ripuria

    dias de curvelo

    a voz do rio

    0204

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    16

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    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    caetano veloso

    Joo guimares rosa

    xavier bartaburu

    Joo evangelista rodrigues

    Joo guimares rosa

    bruno Fonseca

    gustavo guimares

    rio das velhasrio das velhas

    minas gerias

    cordel pela natureza

    azo de almirante

    proJeto manuelzo

    as minas de Joo guimares rosa

    0920

    22

    34

    36

    40

    44

    ngela maria da silva

    Joo guimares rosa

    alunos do colgio cavalieri

    Joo guimares rosa

    equipe do projeto

    helosa maria murgel starling

    0204

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    alto velhasvila rica

    galgando montanhas

    glaura e acuru

    rio acima

    sabar

    santa luzia

    e agora velhas?

    o riachinho sirimim

    recados do sirimim

    chu chu

    lugar do serto

    paisagem do capibaribe

    eu, alice possvel

    o retorno ao lugar onde deixei minha inFncia

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    eugnio goulart

    almira de Jesus lima

    Joo guimares rosa

    Joo guimares rosa

    dilza lopes de oliveira

    conceio clemente de miranda

    Joo cabral de melo neto

    letcia malloy

    nuno manna

  • histrico de ocupao

    a riqueza geolgica existente na bacia do rio das velhas criou diferentes possibilidades para apropriao desse espao, uma vez que essa regio era rica em ouro e outros minerais. esses minerais foram os principais responsveis pelo processo de degradao que se instalou na regio, apesar de outros fatores tais como a atividade agropecuria e o processo de urbanizao terem influenciado em grande escala nesse processo. o ciclo da minerao do ouro que havia iniciado no sculo xvii, permitiu o crescimento e surgimento de cidades onde era possvel a extrao de minerais e pedra preciosas, principalmente, no alto e mdio rio das velhas, concentrando-se nas cidades de ouro preto, caet, raposos, sabar e santa luzia. com a corrida do ouro por volta 1760 essa explorao atingiu seu apogeu, decaindo com passar dos anos e iniciando aps esse perodo o processo de industrializao do minrio de ferro. a regio que mais sofreu intervenes foi a regio do alto rio das velhas com a explorao mineraria, expressiva atividade econmica da bacia. no alto rio das velhas que tambm se concentra o maior contingente populacional, com destaque para a regio metropolitana de belo horizonte. o processo de acumulao de capital que ocorreu na bacia, gerado partir das riquezas minerais, possibilitou o processo de industrializao, acompanhado do processo de urbanizao, que se iniciou com a transferncia da capital do estado de minas gerais para belo horizonte em 1987.

    outra atividade que se desenvolveu ao longo da bacia do rio das velhas foi a agricultura, que inicialmente era destinada para a subsistncia das famlias,

    rio das velhas

  • que compunham os pequenos aglomerados que estavam se formando na bacia. esses aglomerados foram se formando a medida que iam sendo descobertas as minas no alto rio das velhas. com todo esse processo de abertura e explorao das minas, inicia se o processo das ocupaes urbanas na bacia, juntamente com a descaracterizao da paisagem da regio. com o passar do tempo a agricultura vai tomando forma, uma vez que a regio onde se localiza a bacia do rio das velhas apresenta uma riqueza natural vasta, propiciando o desenvolvimento de tais atividades.

    o crescimento da agricultura na bacia do rio das velhas se deu de forma rpida e desorganizada, devido ao aumento populacional no percurso da bacia. com o aumento da populao, aumenta tambm a demanda por alimentos, fazendo-se necessria a expanso das reas de cultivo para atender as demandas da populao. a agricultura foi desenvolvida principalmente na mdia e baixa bacia, uma vez que a alta bacia no oferece caractersticas apropriadas ao desenvolvimento dessa atividade. outra atividade tambm de destaque desenvolvida na bacia do rio das velhas foi a pecuria bovina, principalmente na mdia e baixa bacia.

    caracterizao geral da bacia

    a bacia do rio das velhas localiza-se na regio central do estado de minas gerais, entre as latitudes 1715 s e 2025s e longitude 4325W e 4450W e apresenta uma forma alongada na direo norte-sul do estado.

  • a nascente principal do rio das velhas est localizada na cachoeira das andorinhas, no municpio de ouro preto, h aproximadamente 1.520m de altitude e desgua no rio so Francisco na barra do guaicu, distrito de vrzea da palma. o rio aflui para o rio so Francisco a aproximadamente 800 km a rea total da bacia do rio das velhas de aproximadamente 29.173km2 e representa cerca de 5% da superfcie total do estado de minas gerais, onde esto localizados 51 municpios, sendo que desse total 14 esto parcialmente inseridos na bacia. segundo dados do instituto brasileiro de geografia ibge (2000), a populao da bacia do rio das velhas de aproximadamente 4.8 milhes de habitantes, desse total, aproximadamente 89% residem em distritos e municpios integralmente inseridos em seu territrio.

    a bacia do rio das velhas subdividida em alto, mdio e baixo curso do rio.

    alto rio das velhas: est localizado na regio denominada quadriltero Ferrfero, tendo como limite sul o municpio de ouro preto e norte os municpios de belo horizonte, contagem e sabar.

    mdio rio das velhas: ao norte coincide com o divisor de guas do rio parana, principal afluente do rio das velhas e, a partir de sua barra segue para oeste, na mesma latitude do divisor de guas ao norte

    do crrego salobinho, continuando pela linha divisria dos municpios de curvelo e corinto.

    baixo rio das velhas: compreende, ao sul a linha divisria entre os municpios de curvelo (apenas o distrito de thomas gonzaga), corinto, monjolos, gouveia e presidente kubitscheck e, ao norte, os municpios de buenpolis, Joaquim Felcio, vrzea

    da palma e pirapora.

  • clima

    em geral, predomina na bacia do rio das velhas os seguintes tipos climticos: clima quente de inverno seco (alta bacia), clima temperado de inverno seco (margem direita da mdia bacia) e clima tropical com vero mido (margem esquerda da mdia e baixa bacia).

    as mdias anuais de temperatura na bacia do rio das velhas variam entre 18c, na regio das cabeceiras, at 23c no extremo norte, junto foz, onde localiza se o rio so Francisco.

    geologia

    a bacia do rio das velhas encontra se localizada no bloco braslia, sendo que os complexos gnissicos-granitides, de mdio grau metamrfico constituem a maior rea do embasamento que ainda est exposta, principalmente nas regies centro-sul (complexos barbacena, mantiqueira, campos gerais, bao, belo horizonte, gouveia e ressaquinha), meio-leste (complexos gouveia e gunhes) e norte-nordeste (complexo porteirinha) do estado de minas gerais.

    afloram na bacia, ao sul, os complexos bao e belo horizonte e, na borda centro-leste, o complexo gouveia. associados a alguns destes complexos gnissico-granitides, so encontradas as seqncias metavulcano-sedimentares pium-i, Fortaleza de minas e rio das velhas, que se caracterizam tipicamente como greenstone-belts.

  • o supergrupo minas apresenta-se extensamente exposto no quadriltero Ferrfero, representando uma cobertura posterior ao supergrupo rio das velhas. dados geocronolgicos recentes indicam que na poro mdio - inferior deste supergrupo (grupos caraa e itabira) depositou-se no limiar do arqueano com paleoproterozico.

    recursos minerais

    a explorao dos recursos minerais existentes na bacia do rio das velhas teve um papel importante na ocupao e desenvolvimento da bacia, principalmente no alto rio das velhas, quando descobriram a existncia de ouro e outros minerais preciosos na regio.

    os principais recursos minerais encontrados na bacia do rio das velhas so ferro, mangans, ouro, alumnio, urnio, mercrio, chumbo, zinco, cobre, calcrio, mrmore, dolomito, quartzo, filito, caulim e argila, tendo eles muita importncia para o desenvolvimento econmico na bacia.

    o ouro foi encontrado na alta bacia do rio das velhas no final do sculo xvii, fazendo com que a minerao se tornasse a primeira atividade econmica da bacia com de minas gerais, j o minrio de ferro foi encontrado, principalmente, na regio do quadriltero ferrfero que apesar da sua disponibilidade em grande escala tinha pouca visibilidade durante o perodo da minerao do ouro e outras pedras preciosas. outro mineral encontrado na bacia e o que calcrio localizado, principalmente, na regio entre lagoa santa e sete lagoas.

  • a regio de pirapora e vrzea da palma tornaram se um importante plo de fabricao de ligas metlicas, onde utiliza se o quartzo no processo de fabricao, uma vez que o silcio e produzido a partir de ligas de quartzo.

    o diamante atraiu muitos viajantes estrangeiros para a bacia do rio das velhas durante o sculo xx, principalmente, para a regio de datas onde se deu a origem dos diamantes. registros de diamantes podem ser encontrados no rio cip e ate mesmo no rio das velhas.

    na bacia tambm tiveram materiais que foram importantes para o desenvolvimento da bacia como e o caso dos materiais utilizados na construo civil, com areia, cascalho, argila, brita sendo que alguns deles eram explorados em grandes escala sobretudo na regio metropolitana.

    pedologia

    a formao dos solos est relacionada a vrios fatores, tais como clima, tempo, material parental e outros. todos os solos tm sua origem atravs do processo de intemperizao das rochas superficiais ou localizadas a pequenas profundidades, as caractersticas das rochas que mais influncia na formao dos solos a composio mineralgica, a resistncia mecnica e a textura.

    as sete classes de solos predominantes na bacia do rio das velhas so as seguintes:

  • 1 - latossolo vermelho-amarelo: so solos no hidromrficos, com horizonte a fraco a moderado e b latosslico, e que apresenta grande parte de suas caractersticas similares ao latossolo amarelo e latossolo vermelho escuro. ocorrem em regies de relevo plano ou suavimente ondulado, no extremo sul e nos vales encaixados associados a afloramentos de rochas a noroeste da bacia, sendo a maior parte desse tipo de solo identificado nas regies noroeste e norte da regio metropolitana de belo horizonte.

    2 - latossolo vermelho escuro: so solos profundos, originados de diversos tipos de rocha e uma atrao pelo magneto fraca ou inexistente, ocorrem principalmente na poro norte e noroeste da bacia, reas de superfcie de aplainamento entre afloramentos de rochas e os solos litlicos.

    3 cambissolos: so solos rasos ou pouco profundos, de textura franco-arenosa ou mais fina. as propriedades fsicas e qumicas desses solos so bastante heterogneas podendo ser eutrficos, distrficos e licos e apresenta argila de baixa ou alta atividade, sendo essa a classe de solo que mais ocorre na bacia, que se estende desde o extremo sul at a regio nordeste da bacia.

    4 - podzlicos vermelho amarelo: so solos bem drenados, profundos, com perfis bem diferenciados e apresenta textura que varia de argilosa mdia a moderada, ocorrem nas pores restritas na regio central.

    5 litossolos: so poucos evoludos, rasos, pedregosos, podendo apresentar horizontes do tipo c, r e a, r, sua ocorrncia pouco expressiva e limita-se a regies restritas no noroeste e centro da bacia.

    6 - areias quartzosas: so solos de textura argilosa, quartzosos, excessivamente bem drenados com a ausncia de minerais primrios, so encontrados no limite oeste de bacia e em reas de relevo plano a suave ondulado.

    7 aluviais: so solos rasos e pouco evoludos, formados pela deposio aluvial recente, seguido por camadas estratificadas, sem relao pedolgica entre eles, apresenta tambm variaes quanto granulometria, composio qumica e mineralgica. corresponde a menor classe mapeada, localizando-se no extremo norte prxima confluncia do rio das velhas com o so Francisco. as demais reas onde ocorrem esses solos so pequenas pores localizadas ao longo dos rios e vrzeas ou terraos formados por sedimentos recentes ou sub-recentes.

  • geomorfologia

    as formas de relevo da bacia podem ser agrupadas em trs categorias:

    reas ou formas aplainadas: essas reas quando localizadas sobre planaltos, so constitudas de superfcies aplainadas ou onduladas, ocorrem tambm no interior de amplas depresses, so antigas superfcies de aplainamento delimitadas por escapamentos.

    reas dissecadas: so encontradas em compartimentos intermedirios dos planaltos, no interior das depresses

    e em macios antigos, atualmente as formas que caracterizam essas reas esto interligadas s condies climticas.

    Formas crsticas: advm das rochas calcrias, apresenta uma morfologia prpria resultante de processos de decomposio e de reaes qumicas dos elementos existentes nesse tipo de relevo.

    as unidades geomorfologicas da bacia hidrogrfica do rio das velhas so as seguintes:

    1 - planalto do so Francisco: so grandes blocos individualizados pela drenagem, constitudas por rochas do grupo bambu, subordinadas por rochas do supergrupo espinhao, ocorre na borda norte da bacia e em alguns pontos da parte central.

    2 - depresso do so Francisco: extensas reas aplainadas e dissecadas elaboradas por processos erosivos, ocorrem na rmbh at o norte da bacia, localiza-se a oeste do espinhao e a norte do quadriltero Ferrfero e circundada a leste e a norte do planalto do so Francisco.

    3 - serra do espinhao: conjunto de serras escarpadas resultantes da dissecao fluvial nas rochas do supergrupo espinhao, ocorre na poro leste da bacia e estende-se desde a proximidade do quadriltero Ferrfero at o nordeste da bacia.

    4 - quadriltero Ferrfero: unidade morfoestrutural apresentando relevo acidentado, com serras e inmeras gargantas. ocorre no extremo sul da bacia, entre os planaltos dissecados no centro sul e do leste de minas gerais e das escarpas

    da serra do espinhao.

  • vegetao

    na bacia do rio das velhas restam poucas reas de vegetao nativa, principalmente no mdio e baixo curso, onde grande parte dessa vegetao foi suprimida, dando lugar a outras atividades, principalmente atividade agropecuria.

    as matas ciliares vm sendo cada vez mais reduzidas, aumentando assim o assoreamento dos corpos de gua, prejudicando todo o bioma existente na bacia.

    de forma geral, o modelo de desenvolvimento humano implantado na bacia vem cada vez mais degradando o ecossistema da bacia e reduzindo a sua biodiversidade.

    Fauna

    a bacia do rio das velhas apresenta uma fauna diversificada, pelo fato de estar localizado num estado que apresenta vrios biomas, e por estar numa posio estratgica dentro do estado o que confere certa vantagem quando biodiversidade da fauna na bacia.

    a fauna na bacia atualmente encontra se bastante reduzida, graas s intervenes no meio ambiente causadas pelo modelo de desenvolvimento humano, que vem degradando cada vez mais os habitats existentes na bacia.

  • rio das velhas ngela Maria da Silva

    26

  • rio das velhas

    caudalosoe sem trguasdesce lguas e lguas

    sem ourosem bateriasem lavanderia na areia

    se escondeu atrs da serratrem achou

    outro dia na pacinciabarco do sculo passadops caro para fora

    prefeito pensou que fosse navio do ouroassombrou a populaoo borba nem ligou

    l no toco,num perau profundourubu carrancudoespera passar o morto

    o morto-vivo no pra de passars urubu carrancudo no v.olegrio alfredo

  • minas gerais

    28

  • minas uma montanha, montanhas, o espao erguido, a constante emergncia, a verticalidade esconsa, o esforo esttico; a suspensa regio - que se escala. atrs de muralhas, atravs de desfiladeiros - passa um, passa dois, passa quatro, passa trs - por caminhos retorcidos, ela comea, como um desafio de serenidade.

    minas gerais Joo Guimares Rosa

  • aguarda-nos amparada, dada em neblinas, coroada de frimas, aspada de eptetos: alterosas, estado montanhs, estado mediterrneo, centro, chave da abbada, suia brasileira, corao do brasil, capitania do ouro, a herica provincia, Formosa provncia. o quanto que envaidece e intranqiliza, entidade to vasta, feita de celebridade e lucidez, de cordilheira e histria. de que jeito diz-ia? minas: patriazinha. minas - a gente olha, se lembra, sente, pensa. minas - a gente no sabe.

    sei, um pouco, seu fades, a natureza fsica - muros montes e ultramontes, vales escorregados, os andantes belos rios, as linhas de cumeeiras, a aeroplancie ou cimos profundamente altos, azuis que j esto nos sonhos - a teoria dessa paisagem. saberia aquelas cidades de esplndidos nomes, que de algumas j roubaram. maria da F, serro Frio, brejo das almas, dores do indai, trs coraes do rio verde, so Joo del-rei, mar de espanha, tremedal, coromandel, gro mogol, Juiz de Fora, borda da mata, abre campo, passa tempo, buriti da estrada, tiros, pequi, pomba, Formiga, so manuel do mutum, caracol, varginha, sete lagoas, soledade, pouso alegre, dores da boa esperana ... saberei que muito brasil, em ponto de dentro, brasil contedo, a raiz do assunto. soubesse-a, mais.

    sendo, se diz, que minha terra representa o elevado reservatrio, a caixa-dgua, o corao branco, di fluente, multivertente, que desprende e deixa, para tantas direes, formadas em caudais, as enormes vias - o so Francisco, o paranaba e o grande que fazem o paran, o Jequitinhonha, o doce, os afluentes para o paraba, e ainda, - e que, desde a meninice de seus olhos-dgua, da discrio de brejos e minadouros, e desses monteses riachinhos com subterfgios, minas a doadora plcida.

    sobre o que, em seu territrio, ela ajunta de tudo, os extremos, delimita, aproxima, prope transio, une ou mistura: no clima, na flora, na fauna, nos costumes, na geografia, l se do encontro, concordemente, as diferentes partes do brasil. seu orbe uma pequena sntese, uma encruzilhada; pois minas gerais muitas. so, pelo menos, vrias minas. a que via geral se divulga e mais se refere, a minas antiga, colonial, das com arcas mineradoras, toda na extenso da chamada zona mineralgica, a de montes de ferro, cho de ferro, gua que mancha de ferrugem e rubro a lama e as pedras de crregos que do ainda lembrana da formosa mulher subterrnea que era a me do ouro,deparada nas grupiaras, datas, cavas, lavras, bocas da serra, porta

  • dessas velhas cidades feitas para e pelo ouro, por entre o trabeculado de morros, sob picos e atalaias, aos dias longos em nevoeiro e friagem, ao sopro de tramontanas hostis ou ante afantasmagoria alva da corrubiana nas faces de soalheiro ou noruega, num mbito que bem congrui com o peso de um legado severo, de lstimas avaliadas, grandes sinos, agonias, procisses, oratrios, pelourinhos, ladeiras, jacarands, chafarizes realengos, irmandades, opas, letras e latim, retrica satrica, musas entrevistas, estagnadas ausncias, msicas de flautas, poesias do reesvaziado - donde de tudo surde um hbito de irrealidade, hlito do passado, do mais longe, quase um esprito de runas, de paradas aventuras e problemas de conduta, um intimativo nostalgir-se, a melancolia que coerce, que vem de nveis profundos.

    essa - tradicional, pessimista ainda talvez, s vezes casmurra, asctica, reconcentrada, professa em sedies - a minas geratriz, a do ouro, que evoca e informa, e que lhe tinge o nome; a primeira a povoar-se e a ter nacional e universal presena, surgida dos arraiais de acampar dos bandeirantes e dos armados de fixao do .reinol, em capitania e provncia que, de golpe, no setecentos, se proveu de gente vinda em multido de todas as regies vivas do pas, mas que, por conta do ouro e dos diamantes, por prolongado tempo se ligou diretamente metrpole de alm-mar, como que atravs de especial tubulatura, fluindo apartada do brasil restante. a, plasmado dos paulistas pioneiros, de lusos aferrados, de baianos trazedores de bois, de numerosissimos judeus manipuladores de ouro, de africanos das estirpes mais finas, negros reais, aproveitados na rica indstria, se fez a criatura que o mineiro inveterado, o mineiro mineiro, mineiro

  • da gema, com seus males e bens. sua feio pensativa e parca, a seriedade e interiorizao que a montanha induz - compartimentadora, distanciadora, isolante, dificultosa. seu gosto do dinheiro em abstrato. sua desconfiana e cautela - de vez que de portugal vinham para ali chusmas de policiais, agentes secretos, burocratas, tributeiros, tropas e escoltas, beleguins, fiscais e espies, para esmerilhar, devassar, arrecadar, intrigar, punir, taxar, achar sonegaes, desleixos, contrabandos ou extravios do ouro e diamantes, e que intimavam sombriamente o poder do estado, o permanente perigo, quela gente vigiadssima, que cedo teve de aprender a esconder-se. sua honesta astcia meandrosa, de regato serrano, de mestres na resistncia passiva. seu vezo inibido, de homens aprisionados nas manhs nebulosas e noites nevoentas de cidades tristes, entre a religio e a regra coletiva, austeras, homens de alma encapotada, posto que urbanos e polidos. sua carta de menos. seu fio de barba. sua arte de firmeza. mas esse mineiro se estendeu de l, no alargado, porque o cho de minas mais, expe maior salto de contrastes.

    a mata, cismontana, molhada ainda de marinhos ventos, agrcola ou madeireira, espessamente frtil. o sul, cafeeiro, assentado na terra-roxa de declives ou em colinas que europias se arrumam, quem sabe uma das mais tranqilas jurisdies da felicidade neste mundo. o tringulo, saliente avanado, reforte, franco. o oeste, calado e curto nos modos, mas fazendeiro e poltico, abastado de habilidades. o norte, sertanejo, quente, pastoril, um tanto baiano em trechos, ora nordestino na intratabilidade da caatinga, e recebendo em si o polgono das secas. o centro

  • corogrfico, do vale do rio das velhas, calcrio, ameno, claro, aberto alegria de todas as vozes novas. o noroeste, dos chapades, dos campos-gerais que se emendam com os de gois e da bahia esquerda, e vo at ao piau e ao maranho ondeantes. se so tantas minas, porm, e contudo uma, ser o que a determina, ento, apenas uma atmosfera, sendo o mineiro o homem em estado minasgerais? ns, os indgenas, nem sempre o percebemos. acostumaram-nos, entretanto, a um vivo rol de atributos, de qualidades, mais ou menos especficas, sejam as de: acanhado, afvel, amante da liberdade, idem da ordem, anti-romntico, benevolente, bondoso, comedido, canhestro, cumpridor, cordato, desconfiado, disciplinado, discreto, escrupuloso, econmico, engraado, equilibrado, fiel, fleumtico, grato, hospitaleiro, harmonioso, honrado, inteligente, irnico, justo, leal, lento, morigerado, meditativo, modesto, moroso, obstinado, oportunidade (dotado do senso da), otrio, prudente, paciente, plstico, pachorrento, probo, precavido, po-duro, perseverante, perspicaz, quieto, recatado, respeitador, rotineiro, roceiro, secretivo, simplrio, sisudo, sensato, sem nenhuma pressa, sagaz, sonso, sbrio, trabalhador, tribal, taciturno, tmido, utilitrio, virtuoso.

    sendo assim o mineiro h. essa raa ou variedade, que, faz j bem tempo, acharam que existia. se o confirmo, sem quebra de pejo, pois de mim, sei, compareo, ante quase tudo, como espcime negativo.

    reconheo, porm, a aura da montanha, e os patamares da montanha, de onde o mineiro enxerga. porque, antes de mais, o mineiro muito espectador. o mineiro velhssimo,

  • um ser reflexivo, com segundos propsitos e enrolada natureza. uma gente imaginosa, pois que muito resistente monotonia. e boa - porque considera este mundo como uma faisqueira, onde todos tm lugar para garimpar. mas nunca inocente. o mineiro traz mais individualidade que personalidade. acha que o importante ser, e no parecer, no aceitando cavaleiro por argueiro nem cobrindo os fatos com aparatos. sabe que agitar-se no agir. sente que a vida feita de encoberto e imprevisto, por isso aceita o paradoxo; um idealista prtico, otimista atravs do pessimismo; tem, em alta dose, o amor fati. bem comido, secularmente, no entra caninamente em disputas. melhor, mesmo - no disputa. atencioso, sua filosofia a da cordialidade universal, sincera; mas, em termos. gregrio, mas necessitando de seu tanto de solido, e de uma rea de surdina, nos contactos verdadeiramente importantes. desconhece castas. no tolera tiranias, sabe deslizar para fora delas. se precisar, briga. mas, como ouviu e no entendeu a pitonisa, teme as vitrias de pirro. no tem audcias visveis. tem a memria longa. ele escorrega para cima. s quer o essencial, no as cascas. sempre freqentado pelo enigma, retalha o enigma em pedacinhos, como quando pica seu fumo de rolo, e faz contabilidade da metafsica; gente muito apta ao reino-do-cu. no acredita que coisa alguma se resolva por um gesto ou um ato, mas aprendeu que as coisas voltam, que a vida d muitas voltas, que tudo pode tornar a voltar.

    principalmente, isto: o mineiro no usurpa. at sem saber que o faz, o mineiro est sempre pegando com deus.

  • a est minas: a mineiridade. mas, entretanto, cuidado. Falei em paradoxo. de minas, tudo possvel. viram como de l que mais se noticiam as coisas sensacionais ou esdrxulas, os fenmenos? o diabo aparece, regularmente, homens ou mulheres mudam anatomicamente de sexo, ocorrem terremotos, trombas-dgua, enchentes monstras,corridas-de-terreno, enormes ravinamentos que desabam serras, aparies metericas, tudo o que aberra e espanta. revejam, bem. chamam a seu povo de carneirada, porque respeita por modo quase automtico seus governos, impessoalmente, e os acata; mas, por tradio, conspira com rendimento, e entra com decisivo gosto nas maiores rebelies. dados por rotineiros e apticos, foram de repente ndia, buscar o zebu, que transformaram, dele fazendo uma riqueza, e o exportam at para o estrangeiro. tidos como retrgrados, cedo se voltaram para a instruo escolar, reformando-a da noite para o dia, revolucionariamente, e ainda agora dividindo com so paulo o primeiro lugar nesse campo. sedentrios famosos, mas que se derramaram sempre fora de suas divisas estaduais, iniciando, muito antes do avano atual, o povoamento do norte do paran, e enchendo com suas colnias o rio, so paulo, gois e at mato grosso. pacficos por definio, tiveram em sua. Fora pblica militar, prussianamente instruda e disciplinada, uma formidvel tropa de choque, tropa de guerra, que deu o que respeitar-se, e com larga razo. e, de seus homens polticos, por exemplo, vem-se atitudes por vezes menos previsveis e desconcertantes; que no sero anmalas, seno antes marcas de sua coerncia profunda - a nica verdadeiramente com valibilidade e eficcia.

    disse que o mineiro no cr demasiado na ao objetiva; mas, com isso, no se anula. s que mineiro no se move de graa. ele permanece e conserva. ele espia, escuta, indaga, protela ou palia, se sopita, tolera, remancheia, perrengueia, sorri, escapole, se retarda, faz vspera, tempera, cala a boca, matuta, destorce, engambela, pauteia, se prepara. mas, sendo a vez, sendo a hora, minas entende, atende, toma tento, avana, peleja e faz.

    sempre assim foi. ares e modos. assim seja.

  • s e no mais: sem ti, jamais nunca! - minas, minas gerais, inconfidente, brasileira, paulista, emboaba, lrica e sbia, lendria, pica, mgica, diamantina, aurifera, ferrfera, ferrosa, frrica, balneria, hidromineral, j, puri, acro,goitac, goian, cafeeira, agrria, barroca, luzia, rcade, alpestre, rupestre, campestre, de el-rei, das minas, do ouro das minas, das pretas minas, negreira, mandingueira, moambiqueira, conga, dos templos, santeira, quaresmeira, processional, grantica de ouro em ferro, siderrgica, calcria, das pirambeiras, serrana bela, idlica, ilgica, translgica, supralgica, intemporal, interna, leiteira, do leite e da vaca, das artes de deus, do caos claro, malasarte, conjuradora, adversa ao fcil, tijucana, januria, peluda, baeteira, tapiocana, catrumana, fabril, industriosa, industrial, fria, arcaica, mtica, ehigmtica, asitica, assombrada, salubre e salutar, assobradada, municipal, municipalssima, paroquial, marlia e heliodora, de pedra-sabo, de hematita compacta, da sabedoria, de borba gato, minas Joo-pinheira, minas plural, dos horizontes, de terra antiga, das lapas e cavernas, da gruta de maquin, do homem de lagoa santa, de vila rica, franciscana, barranqueira, bandoleira, pecuria, retrada, cannica, sertaneja, jaguna, clssica,

  • mariana, clustral, humanista, poltica, sigilosa, estudiosa, comum, formiga e cigarra, labirintica, pblica e fechada, no alto afundada, toucinheira, metalrgica, de liteira, mateira, missionria, benta e circuncisa, tropeira, borracheira, mangabeira, comboieira, rural, ladina, citadina, devota, cigana, amealhadora, mineral e intelectual, espiritual, arrieira, boiadeira, urucuiana, cordisburguesa, paraopebana, fluminense-das-velhas, barbacenense, leopoldinense, alm-paraibana, itaguarense, curvelana, belorizontina, do ar, do lar, da saudade, doceira, do queijo, do tutu, do milho e do porco, do angu, do frango com quiabo, minas magra, capioa, enxuta, groteira, garirnpeira, sussurrada, sibilada, minas plenria, imo e mago, chapadeira, veredeira, zebuzeira, burreira, bovina, vacum, forjadora, nativa, simplissima, sabida, sem desordem, sem inveja, sem realce, tempestiva, legalista, legal, governista, revoltosa, vaqueira, geralista, generalista, de no navios, de no ver navios, longe do mar, minas sem mar, minas em mim: minas comigo. minas.

  • cordel pela natureza

    40

  • ns ainda somos crianas,mas podemos ensinar,aos que andam destruindo,toda nossa natureza,a respeitar e preservar.

    vamos encontrar um jeito,com toda a certeza,de ensinar o ser humanoa usar a intelignciarespeitando a natureza.

    no matando os animais,no queimando as florestas,no poluindo as guas.para que envenenar?a terra mal tratadaproduz frutos de venenoque podem nos matar.

    ns ainda somos crianas,e sabemos tudo isso.

    os adultos no pensam,temos que reconhecer,que o ar que respiramos,produzido pelas plantas,puro, limpo e sem mal cheiro,nos far sobreviver.

    como gostosa a praia!brincar na areia, respirar,o sol moderado, o ar fresquinho,a gua limpa nos rios,os passarinhos nos ninhos,a mata toda a cantar.

    a vida um presente,que deus nos concedeu s respirar, tocar e ver.as flores tm perfumes,os filhotes vo nascera natureza colore a vida,o planeta no pode morrer.

  • 42

  • longe, atrs uma de outra, passaram as mais que meia dzia de canoas, enchusmadas e em celeuma, ao empuxo de remos, a toda a voga. o sol a tombar, o rio brilhando que qual enxada nova, destacavam-se as cabeas no resplandecer. iam rumo ao calcanhar, aonde se preparava alguma desordem. de um hetrio eram as canoas, que ele regia. despropsito? o caso tem mais dvida.

    azo de almirante Joo Guimares Rosa

  • eventos vrios. em fatal ano da graa, hetrio sobressara, a grande enchente de arrasar no comeo de seus caminhos. Fora homem de famlia, merecedor de silncio, s6 no fastio de viver, sem hlito nem bafo. o gnio punhal de que no se v o cabo. no o suspeitavam inclinado ou apontado ao xito no sculo.

    na cheia, por chuvas e trombas, desesperara-se o povo, estraga, em meio ao de repente mar - as guas antepassadas - por cima o esprito solto. hetrio teve ento a suscitada.

    ajuntou canoas e acudiu, valedor, dado tudo, sabendo lidar com o fato, o jeito de chefe. mpetos maiores nunca houve, coisa que parecia glria. salvou, quantidade. voltado porm da socorreria, no achou casa nem corpos das filhas e mulher, jamais, que o rio levara.

    no exclamou. no se pareceu mais com ningum, ou brio por dentro, aquela novidade de carter. sacudia, com a cabea, o perplexo existir, de d sem parar, em tanta maneira. e nem a bola de bilhar tem caprichos cinemticos. de modo ou outro, j estava ele adquirindo as boas canoas, de que precisava.

    para o que de efeito. destrura-se a ponte da Foa, cortando a estrada, ali de movimento. hetrio despachou-se para l, tripulantes ele e os filhos, e outros moos, e arranjaram-se ao travessio. durado mais de ano, versaram aquilo, transpondo gente e carga, de banda para banda. at cortejos de noivos passaram, sob baldaquim, at enterros, o bispo em pastoral, troos de soldados. Foi tudo justo. obedeciam os outros a hetrio - o em posio personificada - o na maior, canoa barcaosa, a caravela com caveiras.

    ao certo, nada explicava, ainda que de humor benigno, homem de cabea perptua; cerrando bem a boca que a gente se convence a si mesmo. morriam-lhe os inimigos, e ele nem por isso se alegrava, ao menos. segue-se ver o que quisesse.

    a ponte nova repronta, o bom ofcio tocava a termo. hetrio, entretanto, se reaviara. descobrira-se, rio acima, uma mulher milagreira jejuadora, a quem os crentes acorriam. vieram tambm, para passadores, ele e os seus; todo o mundo , de algum modo, inteligente. travessavam, com acurao, os peregrinos da santa, aleijados, cegos, doentes de toda loucura e lepra, o rico triste e o prximo precisado.

  • semi-ator, hetrio, em mos o rosrio e o remo amarelo-venado de taipoca, tivesse mudado talvez a lembrana da enchente e de sua ocasio de heri, que j era apenas virtude sem fama, um fragmento de lenda. ao adiante, assim s-guas - outras e outras. no rio nada durava.

    agora, ao pr-do-sol, desciam as canoas - de enfia-a-fino, serenas, horizonteantes, cheias de rude gente grita, impelidas no reluzente de longe, soslonge.

    ainda no.

    seguindo-se antes outros atos. desaparecida de l a mulher beata, hetrio com os dele saram-se imediatamente a mascatear, revendendo aos ribeirinhos mercadorias e miudezas, em faina de ciganos regates. sobe e descendo, nessa cabotagem trafegaram at a guas sofranciscas, ou abocando a outros rios, as canoas mercantes separadas ou juntas, como de estanceio chegaram ao porto de santo hiplito e ao porto-das-galinhas, abaixo de traras, lugares de negcio, no das velhas, de praias amarelas, trazia ele ento lpis e uma grande caderneta, em que assentava e repassava difceis contas. os que o seguiam, pensavam na riqueza.

    da, vai, comeou a construir-se barragem para enorme usina, a do govemo, em tumulto de trabalhadores, mil, totalmente, de dezenas de engenheiros.rearvorado, logo hetrio largou-se para l, com seu lide de canoas. vales, a bacia, convertiam-se em remanso de imenso lago, em que podiam navegar com favor e proveito. empreitaram-se, por fim, a contrato daqueles. mquinas e casas, nas margens, barraces de madeira e foi que

    um dos filhos de hetrio o deixou, para namorar e se casar. hetrio, ora, em oferecido tempo, encontrou um normo, homem apaixonado, na maior imaginao. a paisagem ali tomava mais luz: fazia-se mais espelho - a represa, lisa - que no retinha, contudo, corpos de afogadas.

    e esse normo, propcio, queria reaver sua mulher, que o pai guardava prudente, de refm, na Fazenda-do-calcanhar, beirade. enquanto anos; e a usina deu-se por pronta. o rio no deixa paz ao canoeiro.

    assim ao de longe, contra raso sol, viu-se a fila de canoas, reta rpida, remadas no brilhar, com homens com armas, de normo, que rumavam a rixa e fogo. hetrio comandava-as, definitivo severamente decerto, sua figura apropriada, vogavante.

    certo, soube-se.

    aproaram aos fundos da do-calcanhar, numa gamboa, e atacaram, de faca em polpa. troou, curto, o tiroteio, normo, vencedor, raptada em paz a mulher, no ribanceiro acendeu fogueira de festa. as canoas todas entanto se perderam. s na sua, hetrio continuou, a esporte de ir, rio abaixo, popeiro proezista, de levada, estava ferido, no a conduzia de por si, vogavagante; e seu outro filho na briga terminara, baleado.

    adiante, no travesso do Fervor, itaipava perigosa, a canoa fez rombo. ainda ele mesmo virou-a ento, de boca para baixo, num completamento. safo, escafedeu-se de espumas, braceante, alcanou o brejo da beira, onde atolado se aquietou. acharam-no - risonho morto, muito velho, velhaco - a qualidade de sua pessoa.

  • proJeto manuelzoEquipe do projeto

    o projeto manuelzo completou, em 2007, uma dcada de existncia bem vivida, com muitas realizaes e boas perspectivas para o caminho a percorrer. somos, hoje, fruto de um trabalho cotidiano intenso, agitado, quase frentico, muitas vezes conflituoso, mas sempre frtil.

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  • o projeto nasceu a partir do esforo de um grupo de professores do departamento de medicina preventiva e social da Faculdade de medicina da universidade Federal de minas gerais. estes professores empenharam-se em extrapolar o mbito de atuao da disciplina internato em sade coletiva, conhecida como internato rural, do ltimo ano do curso mdico de graduao. partiu-se da premissa de que a sade humana est ntima e inevitavelmente ligada qualidade de vida, ou seja, a um ecossistema saudvel. neste ecossistema, a questo ambiental e social se fundem. como local de atuao, o projeto optou metodologicamente pela bacia hidrogrfica do rio das velhas, que compreende cinqenta e um municpios mineiros, total ou parcialmente. sob a perspectiva histrica, o velhas como a espinha dorsal de minas gerais, cavando oitocentos e quatro quilmetros de leito ao longo da regio central de nosso estado. a rea densamente povoada, pois em suas terras est situada a regio metropolitana de belo horizonte, que agride diariamente o nosso querido rio, alm de seus afluentes.

    o manuelzo no prescinde do dilogo, e realiza suas atividades sob a tica da transdisciplinaridade, agregando bilogos, mdicos, engenheiros, gelogos, gegrafos, historiadores, advogados, pedagogos e vrios outros profissionais. consolidou e continua a fomentar, ainda, parcerias com universidades, escolas de ensino fundamental e mdio, rgos e entidades governamentais e no governamentais, empresrios e diversos setores da sociedade civil. a partir da articulao com os diversos atores da bacia, o projeto manuelzo estruturou-se e pde desenvolver pesquisas, como as relacionadas ao biomonitoramento de nossa fauna de peixes e de pequenos invertebrados, indicadores da qualidade das guas, e aquelas relativas s tcnicas de replantio de matas ciliares. desenvolveram-se, tambm, programas de educao ambiental e de mobilizao social. dentre nossas vitrias, pode-se citar a formulao de nova abordagem para o tratamento. de cursos dgua, aprovada pelo estado de minas gerais, por meio da qual devem ser evitadas, sempre que possvel, as canalizaes. afinal, um dos lemas do manuelzo o destino dos peixes anuncia o nosso.

  • as minas de Joo guimares rosa

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  • na composio do romance grande serto: veredas, guimares rosa faz o registro detalhado das runas, fragmentos, detritos, resduos de tudo aquilo que o brasil modernizado pelo desenvolvimentismo de kubitschek no conseguiu mais aproveitar e a repblica descartou por improdutivo, suprfluo, intil.

    as minas de Joo guimares rosa

    Heloisa Maria Murgel Starling

  • Fundar uma nao onde s parece crescer o vazio, criar formas de vida em comum, introduzir a possibilidade do convvio poltico a partir das margens esta a tarefa que nos coube, habitantes nesse desvio esconso do mundo ocidental a que se deu o nome de brasil. tarefa no apenas nossa. nos subrbios latinoamericanos onde vivemos j anotava Jorge luis borges, em Fragmentos de um evangelho apcrifo , o gesto de fundao sempre traduziu o dever de inventar uma maneira prpria para plantar um marco de pedra num cho onde apenas parece existir areia, deserto e aparente caos.

    na literatura de interpretao do brasil, a palavra serto traz associado um conceito. uma palavra torna-se conceito quando a plenitude de um contexto poltico e social de significado e de experincia no e para o qual essa palavra usada pode ser nela condensado. no caso da palavra serto, o conceito revela uma maneira peculiar de narrar o projeto sempre problemtico da fundao nacional brasileira a partir dos confins, das margens em que se refletem e se cruzam as dvidas sobre os dilemas da nossa formao histrica e social. e revela igualmente o melhor modo para entender essa figurao equvoca do brasil, essa paradoxal metfora de uma repblica construda longe da dxa, distante daquilo que comum: um pas sem lugar, permanentemente suspenso entre universalismo e particularismo, entre cidade e interior, entre modernidade e arcasmo, entre autonomia e dependncia, entre misria e abundncia, entre repblica e corrupo, entre desigualdade e democracia, entre primeiro e quarto mundos.

    conceito o concentrado de inmeros significados substanciais e precisamente esse concentrado que confere ao conceito qualquer conceito sua mltipla carga de significao. originariamente uma contrao do aumentativo de serto, muito utilizado na frica e na amrica do sul, no caso do brasil, o termo serto carregou consigo, desde o incio, uma forte dose de ambigidade. durante o sculo xviii, serviu para designar as terras do interior, lugar de desvio das povoaes, domnio do desconhecido, rea de ausncia da minerao. desde ento, seu sentido encontra-se articulado por uma dupla rede de significao: de um lado, serto indica o processo de formao de um espao interno, a perspectiva do interior; de outro, serto traduz a configurao de uma realidade poltica: a condio do desterro, a ausncia de leis, a precariedade dos direitos, a inexistncia da ordem.

    em certa medida, a prpria formao do nome do estado brasileiro minas

  • gerais, por exemplo, tributria dessa duplicidade de significados: minas a enfiada de cidades interligadas pelo caminho do ouro e dos diamantes, a regio em contato constante com o mar, o mundo da ordem por onde a metrpole portuguesa se transps ao interior. J os gerais so outra coisa: a inexistncia do ouro, a ausncia de governo, o abismo do desconhecido, o espao vazio, a fronteira aberta, o potencial de liberdade, o risco da barbrie. na perspectiva do conceito, os gerais surgem subordinados s minas sua oportunidade de expanso. J nesse caso, serto no significa apenas um ponto extremo do mapa ou a indicao de um espao geogrfico vazio , ao mesmo tempo, um condicionante histrico e poltico de formao do mundo pblico e uma paisagem fadada a desaparecer.

    grande serto: brasil

    no foram poucos os autores que se debruaram sobre o tema. mas foi Joo guimares rosa e seu projeto literrio sempre pronto a apontar para as possibilidades no concretizadas em um determinado momento da realidade histrica e poltica brasileira, projeto capitaneado pelo livro grande serto: veredas quem expandiu, pela via da imaginao literria, a profunda ambigidade do conceito serto. seu projeto tinha vrios objetivos. um deles: facultar ao objeto histrico brasil atingir sua mxima visibilidade.

    em 1967, numa declarao que glosa o prprio estilo, no prefcio de seu ltimo livro, tutamia, guimares rosa tratou de definir esse projeto literrio. e definiu sua obra no como um espelho cuja materialidade translcida reproduz e multiplica imagens do mundo humano, mas como um vo, um tipo caracterstico de fenda na superfcie do real, que indica existir em toda realidade algo mais do que aquilo que chamamos realidade: o livro pode valer, afirma o prefcio de tutamia, pelo muito que nele no deveu caber. publicado em maio de 1956, o romance grande serto: veredas traduz uma espcie de sntese desse projeto literrio fundado no corao do mito, no impulso ficcional de inscrever no cotidiano dos homens as possibilidades ainda latentes de uma determinada realidade, convidando-os a imaginar que as coisas no mundo poderiam ser diferentes do que realmente so.

    nesse convite imaginao do possvel ou, para usar os termos do prprio guimares rosa, nesse esforo para extrair no horizonte do real o que aqui se quer tirar: o leite que a vaca no prometeu, as fronteiras do fazer literrio

  • recuperam um ponto essencial da articulao entre histria, poltica e fico; e recuperam-no poeticamente, vale dizer, retomando o princpio que orientava a tarefa do poeta grego arcaico: conferir fama imortal s palavras e s faanhas humanas, transmitindo-a de gerao a gerao e obtendo para isso, tal como ocorria com os adivinhos e com os profetas, acesso s partes do tempo inacessveis aos demais homens o que existiu no passado, o que ainda no chegou a existir.

    emerso desse territrio caracterstico onde literatura, poltica e histria encontram suas razes comuns, grande serto: veredas tambm pode ser entendido, entre vrias outras possibilidades de leitura, como a extraordinria tentativa de iluminar uma viso do brasil e convert-la em palavras, por meio da contemplao de um mundo arcaico, longnquo, fechado sobre si mesmo, supostamente imvel e mtico o serto. como conseqncia, o ncleo central do romance consegue realizar um duplo trabalho de articulao entre a imaginao literria e a imaginao histrica e poltica brasileira: por um lado, busca recriar, literariamente, os pontos de tenso e de ancoragem entre uma configurao histrica muito bem determinada as relaes sociais e de poder estabelecidas ao longo dos primeiros cinqenta anos da histria republicana do pas e os projetos de modernizao e de consolidao poltica da nao brasileira. por outro lado, contudo, grande serto:veredas tambm trata de refletir sobre as condies de transformao dessa nao isto , dessa comunidade territorial, lingstica, tnica ou religiosa numa repblica. mais incisivo do que isso, talvez, em grande serto: veredas o acento republicano insiste em sublinhar tanto a natureza

  • poltica dessa comunidade e de sua vida pblica quanto a necessidade de agregar seus membros condio prpria de cidados, tendo em vista o bem, os direitos e os interesses comuns e, nesse caso, o acento republicano da obra nos remete, no fundamental, sua significao de coisa pblica, de esfera dos interesses comuns, do bem comum.

    brasil de mil-e-tantas misrias

    quando guimares rosa publicou grande serto: veredas, em maio de 1956, Juscelino kubitschek, recm-empossado na presidncia da repblica, tratava de oferecer concretude ao seu prprio projeto poltico para o pas: inventar cidades voltadas para o futuro, capazes de representar um esforo de afirmao da nacionalidade, um desejo de integrao do interior ao centro, do brasil ao mundo, da tradio ao moderno. evidentemente, a traduo mais completa desse projeto braslia. a capital inaugurada em 21 de abril de 1960 era parte de um programa ainda maior: Jk sonhava construir, no pas, as bases de uma sociedade mais avanada, comprometida com um amplo programa modernizador e, portanto, disposta a produzir os mecanismos de integrao dos brasileiros ao mundo moderno embora tambm seja possvel dizer, quarenta e dois anos passados, que braslia manteve seus palcios, como queriam kubitschek e niemeyer, suspensos, leves e brancos, nas noites sem fim do planalto, mas tornou o poder mais assptico, mais isolado, mais arrogante, transformou-se numa cidade onde os governantes do pas correm o risco de perder o contato com sua populao e passam a viver num mundo tecido da prpria alienao.

  • para revestir o sonho de kubitschek de solidez, o ano de 1956 marcou, tambm, o lanamento do mais ambicioso programa de modernizao j apresentado ao pas o programa de metas. o contedo mais caracterstico desse programa vinha da crena inabalvel de kubitschek na frmula quase mgica do desenvolvimentismo como principal derivao da normativa modernista.

    com sua frmula, Jk acreditava-se capaz de fazer brotar no brasil e, no cenrio latino-americano, uma sociedade industrial, urbana, enraizada na promessa de uma cidade perfeitamente moderna. no ficou na inteno. o termo desenvolvimento traduz o esforo de superao da dualidade bsica da economia brasileira. na prtica, isso significava dizer pelo menos trs coisas sobre o brasil: em primeiro lugar, as relaes de produo, incrustadas na estrutura da sociedade e da economia dos pases latino-americanos, conduziram o pas a uma dualidade bsica, defasada e dependente com as sociedades mais avanadas; em segundo lugar, essa dualidade podia ser definida em termos de plos tradicional/moderno e centro/periferia; em terceiro, essa era uma dualidade que se devia resolver pela via da industrializao e da urbanizao.

    nos termos definidos pelo projeto de kubitschek, no programa de metas, desenvolvimento era entendido, sem dvida, como industrializao; mas era, tambm, muito mais do que isso: significava o mecanismo mediante o qual o brasil iria realizar sua revoluo capitalista. por essa razo, no contexto de realizao da passagem de uma sociedade tradicional como a brasileira para uma sociedade moderna, o projeto desenvolvimentista de Jk tambm elegeu um personagem importante para a construo do pressuposto de que a dualidade seria superada pela industrializao: os camponeses. em torno da definio de um mundo rural sempre apresentado como tradicional e, portanto, pr-capitalista, as condies de transio dessa sociedade s poderiam ser garantidas de duas maneiras: de um lado, pelo deslocamento de populaes da rea rural; de outro, por benefcios do desenvolvimento capazes de absorver essas populaes na cidade parteira e inventora de uma sociedade moderna.

    havia quem pensasse diferente. ainda em 1956, a narrativa literria de guimares rosa tratou de introduzir uma dvida radical sobre os procedimentos e os rumos desse moderno ambguo, capaz de produzir um mecanismo profundamente perverso no interior do qual o fortalecimento das

  • cidades desagregava o serto e seu universo de continuadas deformaes sem, contudo, substitu-lo por uma expanso do ideal de cidadania. talvez ele tenha ido um pouco mais longe. na composio do romance, guimares rosa faz o registro detalhado das runas, fragmentos, detritos, resduos de tudo aquilo que o brasil modernizado pelo desenvolvimentismo de kubitschek no conseguiu mais aproveitar e a repblica descartou por improdutivo, suprfluo, intil: a massa compacta de vaqueiros, tropeiros, jagunos, garimpeiros, romeiros, roceiros, caipiras, prostitutas, ndios, velhos, mendigos, loucos, doentes, aleijados, idiotas uma gente que no vai a parte alguma, ningum os reivindica, no so ningum. apenas uma multido de depauperados e miserveis deslocando-se, sem parar, saindo do serto, no rumo das grandes cidades, que simbolizam sua ltima chance de escape de um mundo de necessidades e carncias absurdas para descobrirem, ao fim e ao cabo, a completa inutilidade desse deslocamento.

    contudo, a narrativa de grande serto: veredas no fez somente o inventrio do que a repblica definiu como farrapo e lixo e tornou-se, portanto, incompatvel com os procedimentos da modernizao brasileira; ela usou desse material aparentemente intil para indicar que ocorreu uma ruptura no mundo pblico capaz de transformar o serto em uma condio particular de desterro condio esta produzida pela repblica brasileira no interior do prprio pas. mais do que isso. a permanncia dessa nova e absurda modalidade de desterro conformou o trgico destino dos brasileiros prias uma gente annima e insignificante, simples e obscura, movimentando-se, precariamente, no vazio da nao, merc de uma repblica que no os reivindica nunca. e que ainda hoje continua se equilibrando nos subrbios do moderno, sem acesso aos bens, s leis, a um catlogo mnimo de direitos, ao mundo poltico da repblica:

    e de repente aqueles homens podiam ser monto, montoeira, aos milhares, mis e centos milhentos, vinham se desentocando e formando, do brenhal, enchiam os caminhos todos, tomavam conta das cidades. como que iam saber ter poder de serem bons, com regra e conformidade, mesmo se quisessem ser? nem achavam capacidade disso. haviam de querer usufruir depressa de todas as coisas boas que vissem, haviam de uivar e desatinar. ah, e bebiam, seguro que bebiam as cachaas inteirinhas da Januria. e pegavam as mulheres, e puxavam para as ruas, com pouco nem se tinha mais ruas, nem roupinha de meninos,

  • nem casas. era preciso de poder mandar tocar depressa os sinos das igrejas, urgncia implorando de deus o socorro. e adiantava? onde que os moradores iam achar grotas e fundos para se esconderem deus me diga?

    ao constatar a ausncia de esperana de incorporao poltica na concretizao do destino dessa gente, o projeto literrio de guimares rosa, de certo modo, explorou a suposio de que o processo de modernizao da nossa sociedade, iniciado ainda no final do sculo xix, inexorvel, mas seu resultado enquanto modo especfico de fazer a experincia da vida poltica fortemente ambguo: aqui cidade, diz-se que um pode puxar pelos seus direitos, afirmava o capiau Jos de tal, tambm conhecido como z centeralfe. e insistia: sou pobre, no particular. mas eu quero a lei.

    z centeralfe personagem do conto Fatalidade, publicado em primeiras estrias, um livro que parece ter sido organizado em torno do aparecimento de sinais expressos de enfrentamento do serto com as experincias de despersonalizao civil e de ordenao abstrata provocadas pelo processo de urbanizao. perante a lei que falta, lei excessivamente remota, postada alm do alcance das vistas de z centeralfe e sua gente e, simultaneamente, tambm postada alm dos olhos de nossa sociabilidade urbana , foroso reconhecer que todos fazem o que podem e fazem a lei como podem. por conseqncia, insistiria guimares rosa, ordem e transgresso, lcitos e ilcitos se confundem no mesmo fundo arcaico de violncia e fora prepotente, na mesma ocupao desordenada de espao urbano e rural, na mesma desigualdade social ancestral que costuma ser atenuada ou adocicada, ilusoriamente, com formas modernas, na aparncia, harmnicas, de mando e de obedincia.

    ao contrrio do que supunham os procedimentos da modernizao brasileira, na opinio de guimares rosa no havia nada de previsvel na entrada do pria no mundo da cidade transformando-se, enfim, num cidado. mais do que isso, talvez, existem alguns desdobramentos importantes para a constatao de z centeralfe sobre a extrema dificuldade encontrada pela repblica no brasil em submeter toda a sociedade ao fundamento da lei republicana, vale dizer, ao estabelecimento, por consentimento comum, de uma vontade no arbitrria que se aplica a todos os brasileiros e, nessa aplicao, os torna completamente livres. de fato, com essa constatao, guimares rosa, por um lado, tratou de orientar, no interior de seu projeto literrio, o deslocamento do tema das virtudes essenciais da vida cvica, tema muito forte em grande

  • serto: veredas e recorrente no argumento de personagens como medeiro vaz ou Joca ramiro, para o reconhecimento da necessidade da lei como fundamento moderno da idia de repblica.

    por outro lado, porm, ao constatar qual a lei que falta e quais so as possibilidades de conteno de uma fora que nenhuma norma parece limitar, guimares rosa tambm atualizou literariamente a figura fundadora do desterrado e fez isso talvez para tentar compreender por que razo a nacionalidade da idia de ptria, para o caso brasileiro, em geral s pode ser caracterizada pela incompletude, pela no-pertinncia, pela carncia. dito de outro modo: no brasil esse outro ocidente , o contexto republicano da idia de ptria sempre estranho sua possibilidade de realizao histrica.

    ao mergulhar no fundo do brasil, no instante da queda, para escutar seu lamento, guimares rosa encontrou catrumanos moradores do brasil, um pas de mil-e-tantas-misrias, como ele mesmo dizia. talvez concordasse em tambm cham-los por prias: perderam de alguma forma, nesse vaivm entre uma identidade coletiva de exilados nos subrbios da modernidade e uma ausncia de identidade, as qualidades que poderiam vincul-los ao mundo de seus semelhantes e se encontraram, portanto, reduzidos nudez abstrata de sua humanidade. no serto, completaria talvez ainda guimares rosa, a repblica esqueceu-se de realizar seu ideal plebesta, esqueceu-se do desejo muito humano e essencialmente poltico de estender a todos os seus membros a oportunidade do exerccio da cidadania.

  • serto: o sem-lugar

    terra de prias e de desterrados, por maior que seja, serto o que no se v. ou, no argumento do prprio guimares rosa: serto o sem-lugar que dobra sempre mais para adiante, territrios. de fato, serto dobra: nem um nem outro, mas o que se d entre; no vai a lugar nenhum, refaz-se sempre no meio do caminho. logo no incio da narrativa de grande serto: veredas, o jaguno riobaldo tatarana afirma convicto: lugar serto se divulga: onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze lguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. um mundo onde todas as coisas ainda esto por fazer, e seu avesso, o lugar do desterro de z centeralfe e de sua gente, a terra onde os catrumanos vivem sua runa, a repblica em que uma grande oportunidade se perdeu irremediavelmente.

    um sem-lugar -topos; serto , tambm, a evocao de uma utopia. nem s sonho nem apenas irrealidade ou fantasia, a utopia tem provavelmente o estatuto de fico e aponta para aquilo que Walter benjamin dizia estar entre o gesto de euforia do vencedor e o lamento do vencido: o que poderia ter ocorrido, o que ainda no chegou a existir. projeo renitente de um entendimento preciso sobre a virtude poltica da esperana definida, nesse caso, como a tenso para algo que ainda no aconteceu, algo que permanece na categoria do ainda no consciente , a utopia s pode existir de fato como proposta na imaginao dos homens e tem a delicada funo de fazer estalar os limites da realidade, atualizando, a cada momento, a busca insofrida da felicidade humana.

  • tal como acontece com as utopias, as histrias de guimares rosa so tambm, j dizia riobaldo tatarana, histrias de impossveis, cenas de resistncia e de contestao, bruscas irrupes de isonomia poltica, aparies imprevistas da liberdade so histrias de amor e de guerra, de diadorim e de paredo. desse ponto de vista, so peas mticas: funcionam, na realidade, como palavras que nomeiam a origem. mas transitam tambm e simultaneamente na histria, no arqutipo, na lenda. por essa razo, servem, alm disso, de alimento para a imaginao poltica, so histrias que permitem ainda uma vez criar e recriar num brasil hipnotizado pelo desejo de modernizao, onde levas de migrantes da zona rural formaram, a duras penas e a um preo pessoal altssimo, uma populao predominantemente urbana e irremediavelmente moderna o sentido e o significado da idia de serto.

    nesse caso, cabe arriscar. quem sabe, ento, dentro do projeto literrio de guimares rosa talvez sobreviva, ainda hoje, uma proposta arrojada para se pensar o pas. uma proposta que se desdobra estrategicamente na linguagem, lugar em que se resolvem os grandes contedos de sua obra, segue para alm da lgica habitual e produz o encontro entre a imaginao literria brasileira e uma ptria de formato poltico invariavelmente instvel e incerto, onde os ideais normativos da repblica ainda esto sempre por fazer-se e a modernidade parece surgir da tenso sem resoluo entre o mais moderno, o mais arcaico e seus destroos.

    bem verdade que se trata de uma proposta literria para um pas encharcado de fico: nesse enredo problemtico chamado brasil, algo permanece sem lugar, -topos, exilado numa encruzilhada diablica e, exatamente por isso, contendo todos os lugares, todas as ausncias, tudo aquilo que ainda pode vir a ser. como uma dobra: o fundo arcaico do mundo rural projetado sobre uma sociedade primitiva que vive longe do espao urbano e o que aparentemente seu avesso, uma cidade brasileira qualquer e todas as outras cidades do pas, a que se deixou perder de seus princpios civis e a que j apenas degradao de seus lugares pblicos, a cidade concebida para expressar a modernizao e o migrante miservel que fixou seu perfil. algo que se mantm suspenso por entre as margens em que se divisa a esperana e o abandono de nosso pas e permanece -topos, embora continue enunciado em grande serto: veredas, pela voz do jaguno riobaldo tatarana.