as consequências econômicas da paz - keynes

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    COLEOCLSSICOS IPRIComit Editorial:

    Celso LaferMarcelo de Paiva AbreuGelson Fonseca Jnior

    Carlos Henrique Cardim

    A reflexo sobre a temtica das relaes internacionais est presente desde ospensadores da antigidade grega, como o caso de Tucdides. Igualmente,obras como a Utopia,de Thomas More, e os escritos de Maquiavel, Hobbes eMontesquieu requerem, para sua melhor compreenso, uma leitura sob atica mais ampla das relaes entre estados e povos. No mundo moderno,como sabido, a disciplina Relaes Internacionais surgiu aps a PrimeiraGuerra Mundial e, desde ento, experimentou notvel desenvolvimento, transformando-se em matria indispensvel para o entendimento do cenrio atual. Assim sendo, as relaes internacionais constituem rea essencial do conhecimento que , ao mesmo tempo, antiga, moderna e contempornea.N o Brasil, apesar do crescente interesse nos meios acadmico, poltico, empresarial, sindical e jornalstico pelos assuntos de relaes exteriores e poltica internacional, constata-se enorme carncia bibliogrfica nessa matria.Nesse sentido, o IPRI, a Editora Universidade de Braslia e a Imprensa Oficial do Estado de So Paulo estabeleceram parceria para viabilizar a ediosistemtica, sob a forma de coleo, de obras bsicas para o estudo das relaes internacionais. Algumas das obras includas na coleo nunca foramtraduzidas para o portugus, como O Direito da Paz e da Guerra de HugoGrotius, enquanto outros ttulos, apesar de no serem inditos em lnguaportuguesa, encontram-se esgotados, sendo de difcil acesso. Desse modo, acoleo CLAsSICOS IPRl tem por objetivo facilitar ao pblico interessado oacesso a obras consideradas fundamentais para o estudo das relaes internacionais em seus aspectos histrico, conceitual e terico.Cada um dos livros da coleo contar com apresentao feita por um especialista que situar a obra em seu tempo, discutindo tambm sua importnciadentro do panorama geral da reflexo sobre as relaes entre povos e naes.Os CLAsSICOS IPRl destinam-se especialmente ao meio universitrio brasileiro que tem registrado, nos ltimos anos, um expressivo aumento no nmerode cursos de graduao e ps-graduao na rea de relaes internacionais.

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    Coleo CLSSICOS IPRITcciDIDES"Histria da Guerrado Peloponeso"Prefcio: Hlio JaguaribeE. H. CARR"Vinte Anos de Crise 1919-1939. Uma Introdu o ao Estudo das Relaes Internacionais"Prefcio: Eiti Saro

    J. M. KEYl"ES'54s Consequnaas Econmicas da Paz"Prefcio: Marcelo de Paiva AbreuR A Y ~ l O l " D ARo:-;"Paz e Guerra entre as Naes"Prefcio: Antonio PaimMAQCL\\'EL"Escritos Selecionados"Prefcio e organizao: Jos Augusto GuilhonAlbuquerqueHL:GO GROTlLoS"O Direito da Guerrae da Paz"Prefcio: Celso LaferALEXIS DE TOCQLoE\'ILLE"Escntos Selecionados"Organizao e prefcio: Ricardo VelezRodrgues~ \ l \ ; S MORGF.;\;THf\LO'54 Poltica entre as Naes"Prefcio: Ronaldo M. Sardenbergbl\lAl\;CEL K-\NT"Esmos Polticos"Prefcio: Carlos Henrique CardimSA\IL'EL PLoFE?\JDORF"Do Direito Natural e dasGentes"Prefcio: Trcio Sampaio Ferraz JniorCARL \'01\: CLALSE\\1TZ"Da Guerra"Prefcio: Domcio Proena

    G. W F. HEGEL'Textos Selecionados"Organizao e prefcio: Franklin TreinJEAN-JACQLES ROL'ssEALo'Textos Selecionados"Organizao e prefcio: Gelson Fonseca Jr.NOR..i\lAl" Al"GELL'54 Grande IIuso"Prefcio: Jos ParadisoTHmlAS MORE"[}topia"Prefcio: Joo Almino"Conselhos Diplomticos"Vrios autoresOrganizao e prefcio: Luiz Felipe de SeixasCorraE\IERICH DE V ATTEL"O Direitodas Gentes"Traduo e prefcio: Vicente Marotta RangelTHO\lAS HOBBES'Textos Selecionados"Organizao e prefcio: Renato JanineRibeiroABB DE SAIl"T PIERRE"Proieto para uma Paz Perptua para a Europa"SAINT SI\lOl\;'Reorganizao da Sociedade Europia"Organizao e prefcio: RicardoSeitenfussHEDLEY BCLL'.:4. Sociedade Anrquica"Prefcio: Williams GonalvesFRANCISCO DE VITORIA" De lndis et De Jure Belli"Prefcio: Fernando Augusto AlbuquerqueMouro

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    MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORESMinistro de Estado: Professor CELSO LAFERSecretrio Geral' Embaixador OSMAR CHOHFIFUNDAO ALEXANDRE DE GusMo - FUNAGPresidente: Embaixadora THEREZA MARIA MACHADO QUINTEll.ACENTRO DE HISTRIA E DOCUMENTAO DIPLOMTICA - CHDDDiretor: Embaixador LvARO DA COSTA FRANCOINSTITUTO DE PESQUISA DE RELAES INTERNACIONAIS IPRIDiretor: Ministro CARLOS HENRIQUE CARDIMUNIVERSIDADE DE BRASLIAReitor: Professor LAURO MoRHYDiretor daEditora Universidade deBraslia: ALEXAI"JDRE LIMAConselho EditorialElisabeth Cancelli (Presidente), Alexandre Lima, Estevo Chaves de RezendeMartins, Henryk Siewierski,Jos Maria G. de AlmeidaJnior, Moema MalheirosPontes, Reinhardt Adolfo Fuck, Srgio Paulo Rouanet e Sylvia Ficher.IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SO PAULODiretor Presidente: SRGIO KOBAYASHIDiretorVice-Presidente: LUIZ CARLOS FRIGERIODiretorIndustrial: CARLOS NICOLAEWSK."YDiretorFinanceiro eAdministrativo: RICHARD VAINBERG

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    J. M. K E Y N E S

    AAS CONSEQUENCIASAECONOMICAS DA PAZ

    Prefcio:Marcelo de Paiva Abreu

    Traduo:Srgio Barh

    Imprensa Oficial do E.stadoEditora Universidade de BrasliaInstituto de Pesquisa de Relaes Internacionais

    So Paulo, 2002

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    Copyright The Royal Economic Society 1971Ttulo Original: The Economia Consequences of lhe PeacePublicado originalmente em 1919 pela Macrnillan & Co. Ltd., London.Traduo de Srgio BathDireitos desta edio:Editora Universidade de BrasliaSCS Q. 02 bloco C n. 78,2. andar70300-500 Braslia, DFA presente edio foi feita em forma cooperativa da Editora Universidade de Braslia com oInstituto de Pesquisa de Relaes Internacionais (IPRI/FUNAG) e a Imprensa Oficial doEstado de So Paulo. Todos os direitos reservados conforme a lei. Nenhuma parte destapublicao poder ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem autorizao porescrito da Editora Universidade de Braslia.Equipe tcnica:EIITI SATO (planejamento editorial); EUGNIA D CARLI DEALMEIDA (Edio grfica); RAINALDO AMANCIO E SILVA (programao visual)Fotolitos, impresso e acabamento:IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SO PAULO

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Keynes,John Maynard, 1883-1946.As conseqncias econmicas da paz / JohnMaynard Keynes ; traduo de Srgio Bath ;prefcio Marcelo de Paiva A breu. -- So Paulo:Imprensa Oficial do Estado, Braslia: EditoraUniversidade de Braslia, 2002. (Clssicos IPRI ; v. 3)

    Ttulo original: The economic consequences of the peace.Bibliografia.ISBN 85-230-0662-1 (Editora UnB)ISBN 85-7060-005-4 (Imprensa Oficial do Estado)1. Guerra Mundial, 1914-1918 - Aspectos econmicos2. Histria econmica - 1918-1945 3. Keynes, John Maynard,1883-1946 4. Tratado de Versalhes (1919) I. Abreu, Marcelo dePaiva. lI . Ttulo. IlI. Srie.02-0766 CDD-940.53142

    ndices para catlogo sistemtico:1. Guerra Mundial, 1914-1918: Tratado de paz: Conseqncias econmicas:Europa: Histria 940.531422. Tratado de paz: Guerra Mundial, 1914--1918 : Conseqncias econmicas:Europa: Histria 940.53142

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    SUMARIO

    PREFCIO EDIO BRASILEIRA...................................................... IXPREFCIO PRIMEIRA EDIO........................................................ XXXIPREFCIO ' EDIO FRANCESA XXXIIICAPTULO I: Introduo . 1CAPTULO H: A Europa antes da guerra . 5CAPTULO IH: A Conferncia de paz . 17CAPTULO IV: O Tratado . 37CAPTULO V: As reparaes . 77Captulo VI: A Europa depois do Tratado . 157Captulo VH: Solues . 175ndice Remissivo . 207

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    PREFAcIO

    Keynes e as conseqnciaseconmicas da paz

    Marcelo de Paiva Abreu'A s CONSEQNCIAS Econmicas da Paz teve enorme influncia nosanos vinte do sculo passado. considerado por muitos a melhoro bra de Keyn es.? O melhor livro de um autor que BertrandRussell julgava ter o intelecto mais afiado e mais claro que jamaishavia encontrado certamente merece ateno especial. 3 Estaintroduo est dividida em quatro sees. Na primeira, so tra tadas de forma muito breve a vida e a obra de Keynes. Na segun da, a ateno est centrada exclusivamente em As ConseqnciasEconmicas da Paz. A terceira parte trata dos desdobramentosrelacionados s reparaes e demais clusulas do Tratado deVersalhes ocorridos aps a publicao da obra de Keynes. Segue se uma curta concluso.

    1. KEYNES: VIDA E OBRA4

    John Maynard Keynes nasceu em 1883, filho da alta classe mdiaprofissional vitoriana. Estudou em Eton e Cambridge, onde foi1 Professor titular do Departamento de Economia da PU C-Rio. Ph. D. em Economia pelaUniversidade de Cambridge. O autor agradece os comentrios de Alice R. de Paiva Abreue Rogrio L.F. Werneck.2 Sk.idelsky (1983), p. 384 e Russell (1967), p. 71.3 Russell (1967), p. 72.4 As biografias clssicas de Keynes so as de Harrod (1951), Moggridge (1992) e Skidelsky(1983), (1992) e (2000). A primeira tem as virtudes e os defeitos de ter sido escrita por um

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    x J. M. KEYNESaluno de King's College. Em 1905, graduou-se com distinoem matemtica, mas, em seguida, sob a orientao de AlfredMarshall, interessou-se crescentemente por economia. Passoudois anos no India Office em 1906-1908 e de seu interesse naeconomia indiana resultou o seu primeiro livro curto sobre assuntoseconmicos, Indian Currency and Finance' , publicado em 1913, que seriaseguido por As Conseqncias Econmicas da Pa:t (1919). Em 1908,voltou para Cambridge, como lecturer em economia, fellow deKing's College (at a sua morte, em 1946) e logo se tornou editordo Economic Journal (1911-1945). Ocupou boa parte de seu tempolivre no perodo anterior Primeira Guerra Mundial na redaode A Treatise on Probability que s seria publicado em 1921. Datamdo pr-guerra interesses que o acompanhariam a vida inteira:especulao financeira, livros antigos - especialmente de histriada cincia - , as artes, inicialmente como consumidor, depoiscomo patrono. Em 1915, foi para o Tesouro. Sua carreira comofuncionrio pblico culminaria na Conferncia de Paz de Paris,em 1919, da qual participaria como principal representante doTesouro na delegao britnica. Inconformado com o tratamentodispensado pelos vencedores Alemanha, afastou-se dadelegao antes que o Tratado de Versalhes fosse assinado.

    As Conseqncias Econmicas da Paz foi escrito como reaoindignada postura dos aliados imediatamente aps voltar deParis. Como j foi mencionado, a obra e a sua essncia analticabem como os desdobramentos futuros das questes relacionadasao cumprimento das clusulas do tratado sero considerados nassees 2 e 3 que se seguem. Mas cabe aqui o registro de que oamigo de Keynes: bastante acrtica e mais pobre do ponto de vista documental do que asmais modernas. A de Moggridge a mais focada do ponto de vista estritamente econmicoe beneficia-se da intimidade do autor, um dos editores das Collected Works (CW), com adocumentao primria. A de Skidelsky de longe a mais completa. Especialmente novolume final, h certa insistncia em descobrir um alinhamento de Kevnes com o liberalismo que no convincentemente sustentado pela evidncia apresentada. Milo Keynes(1975) e Wood (1983) incluem materiais adicionais de grande interesse para a biografia deKeynes.scw, vol, I.6 Para a edio original definitiva em ingls ver CW, vol. 11.

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    XIrefcio nova edio

    episdio marca o primeiro de muitos outros em que Keynes,extremamente persistente na difuso de suas idias, viufrustradas suas tentativas de influenciar polticas pblicas. Defato, uma possvel forma de relatar a vida de Keynes acompanhando as suas diversas derrotas pessoais que, em muitoscasos, se converteriam em vitrias estratgicas.

    O retumbante sucesso da publicao de As ConseqnciasEconmicas da Paz7 em 1919 marcou um ponto de inflexo nacarreira de Keynes, afastando-o, ao menos formalmente, docentro decisrio da poltica econmica britnica at 1940.8 Porvinte anos, a influncia de Keynes foi exercida atravs dapublicao de verdadeira barragem de artigos, panfletos e livros.Uma seqela de As Conseqncias, intitulada A Revision 0/ theTreaty"; publicada em 1922, tambm foi um bestseller; mas eraum livro curto muito mais tcnico do que As Conseqncias. Sema mesma contundncia ou elegncia, coroou as preocupaes deKeynes quanto a reparaes e dvidas interaliadas no perodoimediatamente ps-Primeira Guerra Mundial. Logo em seguida,em 1923, Keynes publicou A Tract on Monetary Reform'": que seriao ltimo de seus livros curtos, e tambm o seu primeiro textoterico influente em economia. O esforo terico seria seguidocom obras de maior flego: o Treatise on Money, em 1930, e, em1936, o revolucionrio A Teoria Geral, com influncia maisintensa e mais duradoura do que a de As Conseqncias.

    No restante da dcada de 1920, a principal batalha deKeynes no terreno da poltica econmica foi travada no debatequanto s condies da volta da libra ao padro ouro. Keynespropugnou, em 'The Economic Consequences of Mr Churchill'!' ,7 Em seis meses, entre dezembro de 1919 e junho de 1920, o livro vendeu cerca de 100.000cpias, Skidelsky (1983), pp. 392-4.S Isto no impediu que Keynes colaborasse com o governo, mas mantendo sua posio deindependncia, como, por exemplo, quando foi membro do Macmillan Committee onFinance and Industry, 1929-1931.9 Clf/, vol. IlI.IOOf/, vol. IV.11 Panfleto reproduzido em OF, vol. IX. Este volume das CW recolhe ensaios de Kevnes,

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    Prefcio nova edio XIIIno de desvalorizao cambial e cortes de salrio. O relatrio deminoria, inspirado por Keynes e assinado por cinco outros membros, entre os quais o ex-ministro liberal Reginald McKenna e ofuturo ministro trabalhista Ernest Bevin, preconizava o uso decontroles de importao e outros incentivos ao investimento.

    Apesar do processo de aperfeioamento das suas idias naprimeira metade da dcada de 1930 que culminaria na Teoria Geral,Keynes teve influncia limitada sobre as autoridades do Tesouro Britnico que permaneceram cticas quanto ao impacto deprogramas de gastos pblicos sobre o nvel de atividade." Similarmente, a despeito do folclore, a influncia keynesiana sobreo New Deal nos EUA foi muito modesta; s na Sucia as idiaskeynesianas tiveram influncia decisiva sobre as polticas pblicas na dcada de 1930. 16 claro que, na Alemanha, por razes que nada tiveram a ver com as idias macroeconmicas deKeynes, o programa de obras pblicas foi um importante ingrediente na recuperao ps-1933. Keynes, sempre propenso ameter os ps pelas mos quando se tratava de Alemanha, escreveu um prefcio quase indecente para a edio Teoria Geral emalemo. Segundo ele, no apenas a sua teoria era mais adaptvels condies de um estado totalitrio do que s condies delivre concorrncia. Embora tivesse sido elaborada levando emconta as condies nos pases anglo-saxes, "onde uma boa dosede laissez faire ainda permanece", era tambm mais facilmenteaplicvel a situaes em que "a liderana nacional mais pron u n c i a d a i T'"N o primeiro ano da Segunda Guerra Mundial, Keynes envolveu-se com um amplo leque de questes econmicas e financeiras associadas ao esforo de guerra britnico, sendo extremamente bem sucedido. Sua principal contribuio pblica foi opanfleto 'How to Pay for the War'18, mas envolveu-se em mui15 Ver Peden (1988), capo 3.16 Ver Winch (1969), capo 12.17 Ver Moggridge (1992), pp. 610-611.18 Includo na edio definitiva de Essqys in Persuasion, C\'v, vol. IX.

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    XIV J. M. KEYNES

    tos outros projetos, inclusive o esforo no Tesouro que levou elaborao da primeira estimativa de contas nacionais por JamesMeade e Richard Stone. Em 'How to Pay for the War' demonstrou grande ceticismo em relao eficcia do racionamento efoi crtico quanto ao custo de sua implementao. Advogou acriao de mecanismos de poupana compulsria atravs do congelamento de renda acima de certo limite com liberao diferidapara o ps-guerra para enfrentar a crise que se antecipava. Foi,tambm, o inspirador dos acordos de pagamentos assinados pelaGr-Bretanha com muitos pases, inclusive o Brasil. Estes acordos, somados a rgidos controles de exportaes, levaram acumulao de grandes saldos em libras esterlinas pelos parceiroscomerciais britnicos e transformaram estes pases em importantes financiadores do esforo de guerra.

    Keynes envolveu-se crescentemente com problemas relacionados cooperao financeira com os Estados Unidos. Foi nomeado diretor do Banco da Inglaterra, em substituio a LordStamp, morto por uma bomba alem. Escrevendo para sua mefoi irnico quanto sua absoro pelo establishment dizendo queagora temia ser nomeado bispo." Keynes foi a figura dominanteem Bretton Woods, quando se decidiu a criao do Fundo Monetrio Internacional, culminando um longo envolvimento nasnegociaes de reconstruo da nova ordem financeira internacional. Sua competncia era reconhecida pelo outro lado da mesa.Entre os negociadores britnicos era simplesmente venerado:"sentamo-nos como os seguidores de Lcifer em Milton, 'glorificando o chefe incomparvel' ".20 Mas, a sua posio no erafcil, dado o fraco poder de barganha britnico e a clara inteno norte-americana de colocar em cheque os arranjos imperiaisbritnicos, em especial as preferncias comerciais. O PlanoKeynes, que previa a efetiva operao de um banco central dos19 Ver Moggridge (1992), pp. 663-664.20 Ver EG. Lee, 'The International Negotiator'in Keynes (1975). A citao de JohnMilton, Paraso Perdido, canto II, verso 487: "rejoicing in their matchless chief".

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    xvrefcio nova ediobancos centrais, foi abandonado em benefcio do Plano White 21que incorporava uma viso mais conservadora, em que o Fundono teria condies de aumentar a liquidez internacional. Foram sepultadas tambm idias, obviamente de grande interessepara a Gr-Bretanha, como as que previam a imposio de polticas corretivas, no apenas aos pases com balano de pagamentos deficitrio, mas tambm aos superavitrios, e impunhamcondicionalidades menos estritas para o uso de facilidades definanciamento providas pela nova instituio.Aps a derrota com honra de Bretton Woods, seguiram-seoutras derrotas menos honrosas em uma srie de negociaesanglo-americanas cujos resultados ficaram bem aqum das expectativas -britnicas.F Merece meno especial a ltima grandenegociao da qual participou Keynes sobre as condies de emprstimos no valor total de US$ 4,4 bilhes para liquidao dasobrigaes relativas Lei de Emprstimo e Arrendamento (LendLease) e para financiar a volta da Gr-Bretanha normalidade, eno mdio prazo a volta da libra conversibilidade.P O fracassoda tentativa de fazer com que a libra esterlina voltasse a serconversvel em 1947, como "fada madrinha" das outras moedaseuropias, no foi testemunhado por Lord Keynes que morreuem 1946 exaurido pelas negociaes anglo-americanas.

    21 Harry Dexter White foi o principal negociador norte-americano em Bretton Woods eseria o primeiro diretor do Fundo.22 Keynes advogava que a Gr-Bretanha cancelasse unilateralmente cerca de 30% dos saldosacumulados em libras por pases como ndia, Argentina e Brasil e impusesse a transformao em emprstimo compulsrio Gr Bretanha de cerca de 60%, liberando menos de 10%do valor total. claro que aos EUA no interessava financiar a Gr-Bretanha para que osbritnicos saldassem o seu compromisso com os detentores de depsitos em libras emLondres. Ver Abreu (1990).23 O comentrio de Lione1 Robbins sintetiza a situao; "Humilhao, exatamente comoesperado.", citado por Moggridge (1992), p. 813. Embora algo antiquado, Gardner (1956) um excelente livro sobre as negociaes anglo-americanas no final da guerra e no imediato ps-guerra, incluindo Bretton Woods e o grande emprstimo anglo-americano de 1945.A reedio apenas inclui um novo prefcio.

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    Prefcio nova edio XVII

    zou-o de tal modo que ele se esquecera de tentar parecer inteligente, sem, entretanto, deixar de s-lo."Lord Skidelsky, o mais recente bibligrafo de Keynes, vno livro a proposta do economista como o Prncipe. Todas asoutras formas de governo estariam falidas: "a viso do economista quanto ao bem estar e um novo padro de excelncia tcnica constituam os ltimos obstculos ao caos, loucura e aoretrocesso.?"

    Depois de uma curta introduo, Keynes caracteriza os problemas estruturais enfrentados pelas economias europias: excesso de populao, o papel central da economia alem, a "instabilidade psicolgica das classes operria e capitalista" - umaverso keynesiana da luta de classes - e, menos convincentemente, a instabilidade da oferta de alimentos originrios do NovoMundo. Em nenhum momento, por exemplo, faz referncia resposta protecionista europia ameaa competitiva dos grosextra-europeus que se seguiu ao barateamento de fretes martimos aps 1870.

    A descrio do Conselho dos Quatro, que se segue, merecidamente famosa como um dos melhores exemplos da modernaprosa inglesa. Seus retratos dos trs grandes, Clemenceau, Wilson e Lloyd George, so extremamente perspicazes e crticos, a'27Russell (1967), p. 71. Vale a pena citar o original: "He went about the world carryingwith him everywhere a feeling of bishop in partibus. True salvation was elsewhere, amongthe faithful at Cambridge. When he concerned himself with politics and economics he lefthis soul at home. This is the reason for a certain hard, glittering, inhuman quality in mostof his writing. There was one great exception, Th e Economic Consequences of the Peace.., Something of the Nonconformist spirit [of Keynes's father] remained in his son, but itwas overlaid by the realization that facts and arguments mal' lead to conclusions sornewhatshock.ing to many people, and a strain of arrogance in his character made him find notunpleasant to paterles bourgeois. In his Economic Consequences of the Peace this strainwas in abeyance. The profound conviction that the Treaty of Versailles spelt disaster soroused the earnest moralist in him that he forgot to be dever - without, however, ceasingto be so."'28Para Skidelsky, Keynes de fato no se decepcionou com os resultados de Versalhes, poismesmo antes do fim da guerra suspeitava que prevaleceria uma viso "perversa" nasnegociaes de paz. Keynes, ao escrever As Conseqncias, teria tentado reparar as conseqncias de sua participao pessoal em algo que abominava. Skidelsky (1983), pp. 384 e 353.

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    XVIII J. M. KEYNES

    mordacidade de Keynes refletindo claramente a sua frustraocom as decises finais quanto ao tratamento reservado Alemanha no Tratado de Versalhes, cujo formato final decorria de"uma idia da Frana e de Clernenceau". A anlise de Keynesconcentra-se no que considera a capitulao de Wilson, apslonga luta "teolgica" quanto legitimidade da incluso do custo das penses pagas em decorrncia da guerra no clculo dasreparaes a cobrar da Alemanha, o que aumentava significativamente o montante total das reparaes.A edio da Royal Economic Society das Conseqncias segue a deciso original de Keynes de excluir, por recomendaode seu amigo Lord Asquith 29 , os comentrios mais ferinos sobreLloyd George, s divulgados em 1933 quando foram publicadosos Esscrys in Biography na forma de 'Lloyd George: a Fragrnent?".As referncias feiticeira galesa ou femme fatale, isto , a LloydGeorge, que tratava de encantar, com escasso sucesso,Clemenceau, "um velho homem do mundo" e, principalmente, opresidente Wilson, o clrigo "no-conformista", so quase brutais. Mas o seu juzo final sobre a paz de Versalhes terrvel:"Estas eram as personalidades de Paris - deixo de mencionaroutras naes ou homens menores: Clernenceau, esteticamenteo mais nobre; o presidente, moralmente o mais admirvel; LloydGeorge, intelectualmente o mais sutil. O tratado nasceu de suasdisparidades e fraquezas, filho dos menos valiosos atributos deseus pais: sem nobreza, sem moralidade, sem intelecto." Quando Keynes avaliou a oportunidade de divulgar seu retrato completo de Lloyd George julgou mais conveniente, talvez luz dareaproximao ocorrida desde a conferncia, retirar silenciosamente o pargrafo mais truculento de seu texto original de 1919:"omiti muito [sobre Lloyd George] - aqueles mtodos de intrigamentirosa, na verdade vergonhosa, que levariam runa finalqualquer causa que lhe fosse confiada; sua incapacidade para29 Primeiro Ministro liberal, 1908-1916.30 CW, vai. x. capo 2

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    XIXrefcio nova edio

    liderar de forma leal e para controlar o prprio instrumento degoverno; e tambm o seu esprito indomvel e a sua ascendncia pessoal sobre qualquer grupo de homens entre os quais seencontrasse." O fragmento tem interesse tambm porque neleKeynes, ainda mais claramente do que no texto publicado em1919, assinala no apenas que a margem para atritos entre Wilson e Lloyd George era muito menor do que entre Wilson eClemenceau, mas que os assuntos de maior interesse britnicoforam resolvidos no incio da conferncia: marinha mercante,frota de guerra, colnias."

    Na sua anlise do Tratado de Versalhes, Keynes consideraseparadamente as suas condies gerais e as reparaes. Quantoao tratado em geral, Keynes analisa uma longa lista de clusulasque considerava indevidamente lesivas aos interesses alemesque vo desde o tratamento da propriedade privada de cidadosalemes nas ex-colnias e na Alscia-Lorena at a interfernciana operao das ferrovias alems passando pelo volume de entregas de carvo Frana, considerado invivel.

    Keynes questionou acertadamente as avaliaes francesassobre os danos provocados pela guerra que eram cerca de seisvezes maiores do que o razovel. Utilizando material de seusmemorandos quando ainda funcionrio do Tesouro, estimavagrosso modo que os danos causados pelos alemes montavam a[) b ilhe s?". A incluso das penses elevaria conta em [,5 biIh esF. Neste caso, a Alemanha teria que pagar [,480-780 milhes ao ano, algo incompatvel com a sua capacidade de pagamento, por ele estimada em [,100 milhes ao ano. Ao avaliar acapacidade anual de pagamento da Alemanha, Keynes sublinhou31 'Mr Lloyd George: a Fragrnent', CW, vai. X. MacMillan (2001), p. 202, com base emexemplos de atitudes britnicas bastante mais inflexveis do que as francesas, qualificasignificativamente a imagem algo estereotipada de uma Frana vingativa, como sugeridopor Keynes.32 Nas referncias valores monetrios so utilizadas as taxas de cmbio do perodo pr1914: US$ 4,86/[, e 20,40 marcos/L33Note-se que foi Lloyd George quem enganou [bamboozledno original] Wilson, convencendo-o aceitar a incluso das penses. Depois disto os britnicos mudaram de opinio.

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    a importncia das restrioes ao aumento das exportaes alems, em muitos casos diretamente competitivas com as exportaes britnicas. A soluo preconizada por Keynes envolveriapagamentos alemes limitados a [,2 bilhes:" mas, tambm, outros elementos freqentemente esquecidos" Propunha o cancelamento das dvidas inter-aliadas que envolveria perdas lquidas de [,2 bilhes para os EUA e [900 milhes para a Gr-Bretanhae ganhos de [,700 milhes para a Frana e [,800 milhes para aItlia. Mas, da contribuio britnica de [,900 milhes, [,570milhes j poderiam ser considerados perdidos, pois haviam sidoemprestados Rssia, em contraste com os EUA que nada haviam emprestado quele pas. Keynes propunha, tambm, que aGr-Bretanha renunciasse ao recebimento de reparaes alemsem benefcio da Blgica e da Frana e ainda, um grande emprstimo de reconstruo e a flexibilizao de clusulas relativas aosuprimento de carvo alemo Frana e s minas do Sarre. difcil no concordar com praticamente todos os argumentos econmicos de Keynes. Mas h francofobia, embora noto aguda quanto sugerida pela opinio pblica francesa. Quando envereda pelo terreno poltico, o rano anti-francs perceptvel como, por exemplo, quando tece consideraes sobre o34 Pagamentos totais de [,2 bilhes equivaliam grosso modo a 1,2 vezes a renda nacionalalem em 1921. Este nmero frequentemente comparado aos 5 bilhes de francos (cercade [,200 milhes) pagos pela Frana aps a derrota na guerra franco-prussiana, correspondentes a um quarto da renda nacional francesa poca, ver Eichengreen (1992), p. 131-2.Mas relevante lembrar que em 1914-1918 trata-se de reparaes e em 1870-1871 deindenizaes. O custo total guerra como base do clculo de reparaes foi abandonado noincio das negociaes interaliadas em 1919 pois implicaria pagamentos astronmicos porparte da Alemanha.35 Como assinalou John Foster Dulles, que havia trabalhado com Keynes em Paris naredao de clusulas cruciais do Tratado, a posio de Keynes parecia exageradamentefavorvel Alemanha como, por exemplo, quando sugeriu que, dado que cerca de [500milhes j haviam sido pagos, os restantes [,1500 milhes poderiam ser pagos em 30 anossem juros. Dulles lembrou que o valor presente total desta proposta era de apenas [,1250milhes comparados aos [,2 bilhes que o prprio Keynes considerava justos. Ver trechosde carta de Dulles a The Times, 16.1.1920, CW, vol. XVII, p. 24. A suspeita de francofobiade Keynes levou a episdios embaraosos at mesmo na Gr-Bretanha, como a rejeio,pela assemblia geral da British Academy, de seu nome para a seo econmica da academia, embora j tivesse sido aprovado pelo Conselho, CW, vol, XVII, pp. 164 e ss.

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    provvel projeto de estabelecer uma repblica independente margem esquerda do Reno sob os auspcios de crculos clericaisda Frana. H, tambm, uma clara assimetria no tom de suascrticas quando dirigidas aos franceses ou a outros participantesda conferncia. De um lado, Klotz, o ministro francs, crucificado, na maior parte das vezes com justia, mas com uma antipatia profunda que seria revelada mais explicitamente em seusescritos dos anos 1930, inclusive com um travo de, no mnimo,complacncia com o anti-semitismo. De outro, as crticas a LloydGeorge sublinham a "falta de sabedoria poltica" que marcou acampanha eleitoral britnica (embora comente que a desejvelsabedoria prudente havia sido substituda pela cobia imbecil).Nas suas negociaes sobre o abastecimento da Alemanha, noincio de 1919, Keynes conheceu Melchior, um dos delegadosalemes, que depois soube ser judeu, "embora no aparentasse", e que, solitrio, "manteve a dignidade na derrota". O ensaio de Keynes sobre Melchior comovente, mas difcil nocontrastar a sua simpatia pelo alemo - "de alguma forma euestava cativado [in love no original] por ele" - com a sua impacincia irritada com os delegados franceses." As referncias deKeynes ao marechal Foch, no mesmo ensaio, so algo mais respeitosas do que os comentrios sobre Klotz, mas totalmente destitudas de simpatia: trata-se de algum com intelecto estreitode natureza "militarista", um catlico beato que, tal como osjesutas em matria religiosa, detestava a interferncia de leigosem assuntos que interessavam aos militares.F O juzo sobre o36 'Melchior: a Defeated Enerny' in CWJ', vol. X, pp. 415 e 422. Note-se que este ensaio, lidopor Keynes a amigos provavelmente em 1931, no foi publicado na edio original deEssays in Biography, mas s aps a morte de Keynes, em 1949, em um volume intitulado TwoMemoirs, juntamente com 'My Early Beliefs'. MacMillan (2001), p. 193, sugere, de formano totalmente convincente, que a meno de Keynes a Melchior deve ser entendida comoum "floreio retrico" em vista da audincia ser composta de velhos amigos que conheciamo seu complicado passado sexual.37 Clemenceau, cujo anti-clericalismo no deve ser posto em dvida e que no tinha nenhuma simpatia por Foch, no hesitou em indicar o ento general para comandar a Escola deGuerra em 1908, quando ocorreu um famoso dilogo. Quando Foch mencionou defensivamente que seu irmo era jesuta, Clemenceau respondeu sem titubear com um enftico "je

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    general Weygand um pouco melhor, embora tambm suponhaque tenha tido educao jesutica. A Frana de Keynes pareceestar povoada principalmente por judeus incapazes e gananciosos e por obtusos militares catlicos conservadores, unidos pelodio Alemanha. H clara dificuldade em reconhecer em toda aextenso a revolta na Frana e na Blgica quanto ao comportamento alemo nas regies ocupadas, a intensidade da rivalidadefranco-alem e a profundidade do sentimento de insegurana emrelao ao vizinho cada vez mais poderoso."A imposio de uma paz cartaginesa, segundo Keynes, le varia runa a Alemanha e a Europa crise. Fez uso de citaoapcrifa de Lnin quanto aos efeitos destrutivos da inflao sobre o capitalismo, sugerindo que Klotz e Lloyd George poderiam levar a Europa revoluo to eficazmente quanto os "sanguinrios filsofos da Rssia". Keynes concluiu suas propostascom a sugesto de que deveria ser promovida pela Liga das Naes a criao de uma zona de livre comrcio europia englobando, em torno da Alemanha, as naes que surgiram do esfacelamento da ustria-Hungria e da Rssia e depois as naes daEuropa Ocidental. Incluiria eventualmente a Frana e a Itliacuja adeso seria o antdoto mais eficaz para a recorrncia dosonho alemo quanto Mittel-Europa. A proposta era de "estimular e ajudar a Alemanha a assumir novamente seu lugar naEuropa, como fonte de criao e ordenao de riqueza dos seusvizinhos orientais e meridionais". No um delrio acreditar queo livro de Keynes tenha enfraquecido a posio da Frana. Aparte mais relevante das crticas s Conseqncias enfoca exatam'enfous", ver Clemenceau (1930), p. 1. As relaes entre Clemenceau e Foch se deterioramprincipalmente com a derrota das idias do marechal quanto a um estado tampo renanoque contivesse a Alemanha. Foch fez ento a sua famosa previso: "na prxima vez, no seenganem, os alemes no erraro: irrompero no norte da Frana e ocuparo os portos docanal como base de operaes contra a Inglaterra", Paul Mantoux citado por MacMillan(2001), p. 469.38 A intensidade da rivalidade pode ser avaliada pela fotografia de Foch, na Estrasburgorecm liberada, saudando a esttua de Klber, heri da campanha do Egito, com o sabre dotenente Bonaparte. Ver Foch (1931), vol. 2, fotografia em seguida pgina 328.

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    mente a complacncia quanto s preocupaes francesas relati vas recorrncia de uma ameaa alem." Mesmo os leitores maissimpticos de Keynes no podem deixar de concordar que a suaanlise poltica revelou ser estritamente insular."?

    111. REPARAES: DE VERSALHES A SUSPENSA-O DE PAGAMENTOSA questo das reparaes se arrastaria por mais de uma dcadae culminaria em 1931 com a moratria Hoover que suspendeu opagamento tanto de reparaes quanto de dvidas de guerra inter aliadas." Em termos muito esquemticos, sob a tica do balan o de pagamentos, que dominou o debate na dcada de 1920,havia dois' problemas principais em discusso quanto capaci dade de pagar as reparaes.f O primeiro se referia possibilidade de que o pagamento das reparaes fosse efetivado ou no.Isto, claro, depende, esquecendo da existncia da conta decapital, se o aumento de exportaes somado diminuio deimportaes do pas pagador, ou seja, se o aumento do seu saldo comercial pelo menos igual ao valor das reparaes devi das. Em um mundo de dois pases, Frana e Alemanha, a rendada Alemanha diminui T com o pagamento das reparaes, en 39 Esta a tnica das melhores crticas de Mantoux (1946): ataca o "econornicismo" deKeynes e, certamente com algum exagero, sugere que Keynes, ao levar Versalhes ao descrdito, encorajou o apaziguamento dos ditadores da Alemanha e da Itlia pelos governosbritnicos e franceses na dcada de 1930. O pai de Etienne Mantoux, autor do livropstumo de 1946, era Paul Mantoux, intrprete na Conferncia de Versalhes, que haviacolocado em dvida se Keynes havia realmente participado das sesses regulares do Conse lho dos Quatro e no apenas do Conselho dos Dez. Os leitores que desejarem tomar umaposio sobre o assunto devem ler CW, capo 5, sugestivamente intitulado 'What ReallyHappened in Paris'.40 Ver Moggridge (1992), pp. 345-6.41 Ver (W', vol. XVIII, para os papis de Keynes relativos a reparaes entre 1922 e 1932.Para um sumrio da histria das reparaes ver Eichengreen (1992). Podem ser vistostambm: Artaud (1978), Bergmann (1927), Kent (1989), Machlup (1966), Schuker (1976)e Trachtenberg (1980), entre outros. Fraga (1985) de especial interesse pois compara oendividamento alemo nos anos 1920 com a crise da dvida externa brasileira que culminou no incio da dcada de 1980. Maier (1975) coloca o tema em um contexto europeumais amplo, tanto do ponto de vista econmico quanto do poltico.42 Para uma discusso mais detalhada ver Ethier (1983), pp. 263 e ss.

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    quanto a renda da Frana aumenta T. As importaes caem naAlemanha (de mT, onde m a propenso marginal a importar daAlemanha) e crescem na Frana (de m*T, onde m* a propensomarginal a importar da Frana). O saldo comercial da Alemanhaaumentar m*T+mT. Para que a transferncia seja integralmenteefetivada necessrio que T=m*T+mT. Se T>m*T+mT (ou seja,1>m+m*), a transferncia ser subefe-tuada, ou seja os valoresde m e m* so insuficientes para assegurar que o valor total datransferncia seja efetuada, sendo necessria a mobilizao derecursos adicionais tais como transferncia de ativos, reduode reservas ou financiamento externo para assegurar o pagamentointegral de T.

    O segundo problema tem a ver com o impacto das reparaes sobre os termos de troca do pas pagador. O pagamentoinicial de reparaes reduz a demanda por importaes na Ale manha em mT. Se m* denota a propenso gastar em importaesna Frana, (l-m*)T denota a propenso a gastar em exportveisnaquele pas. A Frana recebeu T de reparaes, portanto a suaoferta de exportveis diminuir em (l-m*)T. Se a demanda porimportaes na Alemanha cair menos do que a contrao da ofertana Frana, mTl-m*)T (ou seja, m+m*

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    tranches, sendo que o servio da primeira (de 50 bilhes) seriainiciado imediatamente enquanto uma definio sobre a segunda tranche era adiada at que se esclarecesse a capacidade depagamento alem. Mesmo assim, os pagamentos anuais fixadoscorrespondiam a 10% da renda nacional alem e exigiriam, parapossibilitar a transferncia, um saldo comercial equivalente a80% das exportaes em 1920-1921, enfrentando competiodireta com as exportaes dos antigos inimigos.

    A Alemanha pagou apenas 75 % das reparaes devidas noano a partir de maio de 1921 e continuou pagando muito aqumdos nveis fixados em janeiro de 1922, o que levou ocupaodo Ruhr pelos franceses e belgas em janeiro de 1923. Seguiu-seum perodo de srias perturbaes internas em 1923-1924 bemretratadas pela hiperinflao, s interrompido quando foi possvel com um acordo entre industriais, governo alemo e aliados,culminando na estabilizao monetria alem e na negociaodo Plano Dawes em 1924. 43 Foi concedido um importante emprstimo Alemanha e as reparaes foram muito reduzidas,flutuando entre 0,8 e 2 bilhes de marcos entre 1924 e 1928,cerca de 10 % dos pagamentos previstos inicialmente s para oservio da primeira tranche. De fato, entre 1925 e 1928, os emprstimos dos EUA Alemanha superaram folgadamente os pagamentos de reparaes por parte da Alemanha. De uma formaindireta tornou-se concreta a idia de Keynes que, de algumaforma, os EUA pagariam a conta."

    Com a retrao de capitais norte-americanos j em 1928,os pagamentos de reparaes forma mais uma vez reduzidos atravs do Plano Young de 1929, que tambm incluiu um grandeemprstimo Alemanha. Com a moratria Hoover de 1931, queafetava tanto reparaes quanto emprstimos interaliados, ospagamentos seriam interrompidos. Os pagamentos totais da Alemanha entre 1918 e 1931, somando valores correntes,43 Ver Eichengreen (1992), capo 5.44 Ver Schuker (1988), p.24.

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    totalizariam 22,9 bilhes de marcos (pouco mais de [, 1,2 bilho), 17,3% das reparaes fixadas inicialmente. Mas, razo oupretexto, os pagamentos de reparaes, somados exploraopela direita na Alemanha de que a derrota de 1918 deveu-se "facada nas costas", isto , traio da esquerda na frente domstica, alimentariam a sede por novo acerto de contas em 1939.

    Por trs vezes, entre 1815 e 1945, colocou-se de forma dominante no cenrio internacional a escolha do formato da paz na Europa. Em 1815, a restaurao monrquica na Frana permitiuque a reconciliao europia se fizesse em torno dos objetivos daSanta Aliana e sombra da balana de poder perseguida na PaxBritannica. O mundo unipolar britnico facilitava a manutenoda paz no centro do sistema. A disputa pela hegemonia no continente, entretanto, tornou-se de administrao crescentementedifcil para uma Gr-Bretanha em declnio, primeiro industrialmente, e logo em seguida tambm financeira, poltica e militarmente. Com o declnio da Frana, a Alemanha surgiu como potncia hegemnica continental no Salo dos Espelhos de Versalhesem 1871. As duas guerras mundiais podem ser vistas, na sua origem, como generalizaes, atravs do domin dos sistemas dealianas, de conflitos franco-alemes pela preeminncia na Europa, agravados por disputas imperiais envolvendo interesses britnicos, norte-americanos, japoneses e russos ou soviticos.

    Na conferncia de Versalhes, em 1919, a nascente ameaasovitica no foi suficiente para conter de forma significativaos anseios nacionais da Alemanha e da Frana que continuaramreferidas a projetos nacionais baseados em iluses hegemnicas.Keynes brandiu Lnin, mas em vo: a ameaa bolchevique notornou mais razoveis os senhores de Versalhes e, menos ainda,os seus sucessores. S em 1945, a conscincia da real ameaasovitica no plano poltico e principalmente militar, fez com que

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    que as elites europias concentrassem os seus esforos na busca de uma soluo pacfica do conflito pela hegemonia europiaocidental. 45 Ironicamente, demandas de sacrifcios polticos muitomais exigentes do que em 1919 foram atendidas em face dasrealidades do mundo bipolar e da dependncia militar da Europa em relao aos Estados Unidos. Apuraes de responsabilidades, monstruosas no caso da Alemanha hitlerista, foram quase que perfunctrias. Foram lanadas as bases da unificaoeconmica da Europa continental e a paz europia tem repousado firmemente desde ento na parceria entre Berlim e Paris.

    Com o benefcio da viso retrospectiva curioso constatarque, mesmo depois de outra guerra mundial em que os francesessofreram diretamente de forma muito mais intensa as conseqncias de uma poltica expansionista da Alemanha, o compromisso poltico franco-alemo acabou sendo possvel. J a GrBretanha continuou em dvida quanto ao ponto de refernciaprincipal de sua poltica externa, ajustando-se ao colapso doImprio: ou Estados Unidos, ou Europa Continental sob ahegemonia (franco)-alem. Passados mais de oitenta anos ainda verdade o que Keynes escreveu em 1919: "A Inglaterra (sic)ainda permanece fora da Europa.":"

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    PREFCIO DA EDIOFRANCESAESTE LIVRO pretendia dirigir-se principalmente a leitores ingleses(e norte-americanos), e acentua aqueles pontos que, na avaliao do autor, exigem nfase no caso desses leitores. Assim, aopreparar uma traduo francesa pode ser interessante indicarfrancamente e em poucas palavras um ou dois aspectos da situao decorrente do Tratado de Versalhes que tm interesse especial para a F rana.

    Os captulos que seguem procuram demonstrar, entre outras coisas, que os nossos representantes na conferncia de Paris cometeram dois grandes erros contra os nossos interesses.Ao exigir o impossvel, desprezaram a substncia em favor deuma sombra, e terminaro por perder tudo. Concentrando-se excessivamente nos temas polticos, e na busca de uma seguranailusria, deixaram de levar em conta a unidade econmica daEuropa - segurana ilusria - porque o seu fator menos importante a ocupao territorial extensa, e tambm porque as circunstncias polticas do momento sero em grande parteirrelevantes para os problemas de uma dcada mais tarde.

    Vou repetir, com mais nfase, o que digo nas pginas queseguem a respeito da repercusso desses erros sobre o destinoda Frana.

    Com a vitria triunfante na guerra, a posio poltica e moralda Frana deixou de ser contestada, mas as suas perspectivasfinanceiras e econmicas eram muito ruins. Por isso uma estratgia prudente deveria ter procurado garanti-las na paz. No hdvida de que os interesses da Frana exigiam acima de tudo

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    que ela obtivesse uma prioridade razovel no acesso s somasque a Alemanha pudesse pagar; que as suas dvidas excessiva mente pesadas para com os aliados fossem reordenadas; e que,havendo demonstrado uma certa magnanimidade com respeitoao inimigo, deveria estar em situao de esperar o mesmo, e departicipar moderadamente, e em proporo s suas necessida des, dos crditos oferecidos ao conjunto da Europa, desde queaqueles pases que sofreram menos com a guerra consentissemem contribuir assim para a causa da paz universal. So essas asminhas recomendaes, nos captulos que seguem. Considerocerto e oportuno que a Inglaterra no solicitasse receber o paga mento de reparaes da Alemanha antes de satisfeitas as solici taes mais urgentes da Frana e da Blgica; e que a Inglaterra eos Estados Unidos cancelassem inteiramente os dbitos dos seusaliados, somas a que no tm qualquer direito, luz dos seusinvestimentos comerciais; e mediante um emprstimo amplodeveramos reconstituir uma parte do capital de giro europeu.No posso ser acusado de orientar mal minha simpatia, porqueacrescento tambm recomendaes no sentido de sermos leaispara com um inimigo humilhado, e de buscarmos a recuperaoe a sade da Europa como um todo.

    Contudo, esses interesses fundamentais da Frana foram todos trados por aqueles com quem o Senhor Clemenceau se cer cou. Eles degradaram as reivindicaes morais das reas devas tadas, exagerando indecentemente a sua magnitude. Cederam aprioridade da Frana nessas reivindicaes, em troca de um acor do que iria aumentar a conta global a ser paga pela Alemanha,acima de' qualquer possibilidade de cumprimento dessa obriga o (fato que sabem muito bem, o que quer que digam em pbli co), incluindo uma reivindicao de penses e indenizaes con trria aos nossos compromissos; colocaram assim sobre osombros do inimigo um nus impossvel, sem outra conseqn cia a no ser reduzir a proporo devida Frana de cada pres tao paga pela Alemanha, sem aumentar a soma total a ser de

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    Prefcio da edio francesa xxxvsembolsada. No garantiram um emprstimo ou liquidao dadvida existente entre os aliados, alienando simpatias com aimagem de uma cobia criticvel. Os representantes da Franana Conferncia de Paz sacrificaram os interesses substantivosdo seu pas em troca de promessas que no podiam ser honra das, obtidas sob force majeure; e os dois lados sabiam bem queessas promessas no valiam o papel sobre o qual foram inscri tas.

    A poltica que defendo , portanto, mais interessante paraa Frana do que as iluses vazias de Versalhes. Mas advogo quesejam apoiadas mais ainda porque ela significa a solidariedadeeuropia, a segurana efetiva para todos ns. Estaria a Franaem segurana devido aos sentinelas postados no Reno se suasfinanas estivessem em desordem e runa, se estivesse isoladaespiritualmente dos seus amigos, se a misria, o fanatismo e oderramamento de sangue prevalecessem do rio Reno para o Ori ente, atravs de dois continentes?

    No se pense que estou imputando Frana a responsabili dade pelo Tratado desastroso - responsabilidade que com efeitodeve ser compartilhada por todos os seus signatrios. justoobservar que a Inglaterra no tardou a garantir egoisticamente oque supunha fossem seus interesses, e a ela cabe principalmentea culpa pela forma adotada para o captulo sobre reparaes. AInglaterra obteve colnias, navios e uma parte das reparaesmaior do que a que lhe devia caber com justia.

    No entanto, com relao a um aspecto a Frana agora ests e devido a ele vem se isolando. A Frana em todo o mundoo nico pas onde os estadistas ainda no comearam a contar averdade aos seus cidados, ou talvez at mesmo a si prprios.H cerca de trs meses o meu livro foi publicado na Inglaterra, eembora tenha recebido muitas crticas, no houve qualquer ten tativa sria de contradizer os argumentos que apresenta sobre acapacidade de pagamento da Alemanha. O rumo dos aconteci mentos, desde que escrevi este livro, me deixa convencido de

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    XXXVI J. M. KEYNESque, em vez de serem excessivamente baixos, os dados que forneci so provavelmente muito otimistas. De qualquer forma,sustento que minhas concluses gerais sobre esse ponto em particular no so contestadas seriamente, fora da Frana, em qualquer setor competente, e tm a concordncia da opinio informada de nossos dias. Em conseqncia, fora da Frana nenhumaautoridade de importncia supe possvel ou desejvel aplicar oTratado integralmente; e a opinio se divide agora entre aquelesque desejariam sua reviso formal e os que (na ausncia de ummecanismo apropriado para essa reforma) depositam suas esperanas em uma reviso quotidiana, por meio da simples aoexecutiva. S na Frana so ouvidas essas palavras dbeis e vazias: "I'excution intgrale du trait de Versailles". medida que fica mais claro que o Tratado no est sendoimplementado, e que no pode ser executado, os estadistas franceses aparentemente tapam os olhos e fecham os ouvidos, procurando negar os fatos para alter-los.

    Fao um apelo assim inteligncia da Frana, acima dos seuspolticos, a esse elemento da mente francesa que se compraz emver as coisas como elas so, extraindo delas as conseqnciascabveis; e tambm para esse idealismo que nasce do bom sensoe do pensamento humanitrio. Assim como na Inglaterra, asmelhores mentes da nao francesa se mantiveram afastadas doTratado, sem l-lo ou compreend-lo. Que elas unam suas foras para evitar as desgraas que de outro modo nos ameaam.

    J. M. KEYNESParis

    Maro de 1920

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    CAP TULO I

    INTRODUOUMA caracterrstica marcante da humanidade a capacidade dese adaptar ao meio. Poucos dentre ns percebem com convicoa natureza intensamente incomum, instvel, complexa, temporria e no confivel da organizao econmica da Europa Ocidental na ltima metade de sculo. Achamos que algumas denossas vantagens posteriores, das mais peculiares e temporrias, so naturais e permanentes; pensamos que possvel contarcom elas, e com base nesta premissa fazemos os nossos planos.Sobre alicerces frgeis e terreno arenoso planejamos o aprimoramento da sociedade e criamos nossas plataformas polticas;seguimos o rumo das nossas animosidades e ambies particulares, e nos achamos com uma margem suficiente para promover o conflito civil na famlia europia, em vez de mitig-lo.Movido por uma ambio insana e uma auto-estima desastrosao povo alemo derrubou as bases sobre as quais todos vivemose construmos. Mas os porta-vozes do povo francs e do inglscorreram o risco de completar a runa iniciada pelo estadogermnico com uma paz que, levada a efeito, dever prejudicarainda mais, em vez de restaurar, a organizao complexa e deli cada j prejudicada e tornada vulnervel pela guerra, graas qual os europeus podem empregar-se e viver.

    N a Inglaterra, o aspecto aparente da vida no nos ensinaainda a sentir que chegamos ao fim de toda uma era. Estamospreocupados em recolher os fios da nossa vida onde os deixa mos cair, com uma nica diferena: muitos de ns parecemosbem mais ricos do que antes. Onde antes da guerra gastvamosmilhes aprendemos agora a gastar centenas de milhes, aparentemente sem qualquer problema. Naturalmente, no explo

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    ramos ao mximo as possibilidades da nossa vida econmica.Por isso esperamos no s um retorno s comodidades de 1914mas uma ampliao e intensificao desses confortos. Todas asclasses fazem planos: os ricos para gastar mais e poupar menos,os pobres para gastar mais e trabalhar menos.No entanto, talvez s na Inglaterra (e nos Estados Unidos)seja possvel ser to inconsciente. No continente europeu a terra se move sem que ningum perceba. No se trata apenas deuma questo de extravagncia ou de "problemas trabalhistas",mas de vida e morte, de fome e sobrevivncia, as tremendasconvulses de uma civilizao moribunda.

    ***Para quem viveu em Paris a maior parte dos seis meses que

    sucederam o armistcio, uma visita ocasional a Londres era umaexperincia estranha. A Inglaterra ainda se encontra fora daEuropa, cujos tremores silenciosos no a alcanam. A Europaest afastada e a Inglaterra no parte do seu corpo e da suaalma. Mas a Europa continental una: Frana, Alemanha, Itlia, ustria, Holanda, Rssia, Romnia e Polnia vibram juntas- tm uma s estrutura e civilizao. Floresceram juntas, juntasforam sacudidas por uma guerra em que ns, ingleses, a despeito da enorme contribuio e dos grandes sacrifcios que fizemos(embora em grau menor do que os Estados Unidos da Amrica)ficamos de fora economicamente. Assim, esses pases podemdecair juntos. Este o sentido destrutivo da Paz de Paris. Se aguerra civil europia deve terminar com a Frana e a Itlia usandoabusivamente o poder momentneo da sua vitria para destruira Alemanha e a ustria-Hungria, que jazem prostradas, estoconvidando a sua prpria destruio, por estarem to profundae indissoluvelmente ligadas s suas vtimas, por vnculos econmicos e espirituais ocultos. De qualquer forma, um ingls queparticipou da conferncia de Paris e durante aqueles meses per

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    3ntroduo

    tenceu ao Conselho Econmico Supremo das Potncias Aliadas, deveria tornar-se um europeu nos seus cuidados e na suaviso (uma experincia nova para ele). Ali, no centro nervosodo sistema europeu, suas preocupaes britnicas em boa partedesapareceriam, e ele seria perseguido por outros espectros, maisassustadores. Paris foi um pesadelo, e todos estavam envolvidos por uma atmosfera de morbidez. Um sentido de catstrofeiminente assombrava o frvolo cenrio: a futilidade e mesquinharia do homem diante dos grandes eventos que o confrontavam; o significado ambguo e o irrealismo das decises; a ligeireza, a cegueira, a insolncia, os gritos confusos de ira - haviaali todos os elementos da tragdia antiga. Sentado ao lado dasdecoraes. teatrais dos sales oficiais franceses, podia-se especular se os rostos peculiares de Wilson e Clemenceau, com suacor fixa e caracterizao imutvel, eram de fato rostos e no asmscaras tragicmicas de algum estranho drama ou de um espetculo de marionetes.

    Os procedimentos em Paris tinham todos esse ar de extraordinria relevncia e ao mesmo tempo de pouca importncia.As decises tomadas pareciam prenhes de conseqncias para ofuturo da sociedade humana; contudo, o contexto insinuava queas palavras no tinham peso - eram fteis, insignificantes, semefeito, dissociadas dos fatos. Sentia-se fortemente a impresso,descrita por Tolstoy em Guerra e Paz e por Thomas Hardy em OsDinastas, de acontecimentos que caminhavam para a sua concluso sem sofrer qualquer influncia das celebraes dos estadistas reunidos em conselho:

    O Esprito dos AnosV como essa gente enlouquecidaAbandona toda viso larga e toda contenoEm troca de uma negligncia imanente.Nada resta alm da vingana entre os fortes eEntre os fracos uma ira impotente.

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    o Esprito da PiedadeQue d fora a essa vontadePara agir de forma to insensata ?o Esprito dos AnosJ te disse que inconsciente, ela operaSem julgar, como um ser possudo.Em Paris, onde os que trabalhavam no Conselho Econmico Supremo recebiam quase que a cada hora relatos sobre a mi

    sria, a desordem e a desorganizao de toda a Europa Central eOriental, nos pases aliados como nos inimigos, e ouviam dosrepresentantes financeiros da Alemanha e da ustria o testemunho da terrvel exausto dos seus pases, uma visita ocasional sala quente e seca do Presidente da Casa, onde os Quatro cumpriam o seu destino em uma intriga rida e vazia, s aumentavaesse sentido de pesadelo. No entanto, em Paris os problemas daEuropa eram terrveis e clamavam por soluo, fazendo com queo retorno ocasional a Londres, que parecia no se preocupar comeles, fosse um pouco desconcertante. Porque em Londres essesproblemas eram muito distantes, e s nos ocupavam nossos prprios problemas, menos graves. Em Londres acreditava-se queParis estava criando uma grande confuso, mas no havia muitointeresse pelo assunto. Dentro desse esprito o povo ingls recebeu o Tratado ali negociado mas no o leu. Mas este livro foiescrito sob a influncia de Paris, no de Londres; escrito porquem, embora ingls, se considera tambm um europeu, e, devido a uma experincia recente muito vvida, no pode desinteressar-se pelo desdobramento do grande drama histrico destesdias, que destruir grandes instituies mas poder tambm cri ar um novo mundo.

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    CAP TULO 11

    A EUROPA ANTES DAGUERRA

    ANTES de 1870 diferentes partes do pequeno continente europeu se tinham especializado na produo de alguns produtos;tomada em conjunto, porm, a Europa era substancialmente autosuficiente, e sua populao estava ajustada a essa situao.

    Depois de 1870 desenvolveu-se em larga escala uma situao sem precedentes, e nos cinqenta anos seguintes a condioeconmica da Europa tornou-se peculiar e instvel. A pressoda populao sobre os alimentos, que j tinha sido compensadapelo acesso a suprimentos vindos da Amrica, inverteu-se definitivamente pela primeira vez nos tempos histricos. A populao aumentava mas os alimentos se tornavam mais fceis de obter, e a agricultura como a indstria passaram a ter umrendimento proporcionalmente maior, devido ao aumento daescala de produo. O crescimento da populao europia fezcom que houvesse mais emigrantes para cultivar o solo do NovoMundo; por outro lado, na Europa havia mais trabalhadores parafabricar produtos industriais, assim como bens de capital, contribuindo assim para manter os emigrantes em seus novos lares,para construir as ferrovias e os navios que tornavam acessveisaos europeus os alimentos e as matrias primas provenientes defontes distantes.

    At cerca de 1900 uma unidade de trabalho aplicada indstria produzia cada ano poder de compra de uma quantidadecrescente de alimento. Possivelmente por volta do ano 1900 esseprocesso comeou a ser inverter, e passou a haver uma reduodo produto da natureza em resposta aos esforos do homem.

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    6 J. M. KEYNESMas a tendncia para o aumento real do preo dos cereais eracompensada por outras melhorias. Por outro lado - uma dasmuitas novidades - os recursos da frica tropical pela primeiravez passaram a ser utilizados em larga escala, e um comrcioimportante de oleaginosas levou mesa da Europa um dos alimentos essenciais da humanidade, em forma nova e mais barata. A maioria de ns fomos criados nesse Eldorado econmico,essa Utopia - como teriam pensado os economistas mais antigos. Essa poca feliz afastou uma viso do mundo que encherade melancolia profunda os fundadores da nossa economia poltica. Antes do sculo dezoito a humanidade no alimentava falsas esperanas. Contrariando as iluses popularizadas nos ltimos anos dessa fase, Malthus apresentou ao mundo um demnio.Durante meio sculo todos os trabalhos srios de economiamantinham esse espantalho claramente vista. No meio sculoseguinte ele foi posto de lado. Pode ser que agora tenhamos voltado a solt-lo.A era que terminou em agosto de 1914 foi um episdio extraordinrio do progresso econmico da humanidade! verdade que a maior parte da populao trabalhava duramente e tinhaum baixo padro de conforto; no entanto, aparentemente ela secontentava com a sua sorte. Mas qualquer homem de capacidade ou carter acima da mdia podia escapar para as classes mdia ou superior, s quais a vida oferecia, a baixo custo e compouco esforo, convenincias, confortos e amenidades que ultrapassavam as possibilidades dos monarcas mais ricos e poderosos de outras pocas. Bebericando o ch da manh, antes dedeixar o leito, o habitante de Londres podia encomendar pelotelefone vrios produtos de todo o mundo, na quantidade desejada, e era razovel esperar que todos lhe fossem entregues emcasa. No mesmo momento e pelos mesmos meios podia aplicarsua riqueza nos recursos naturais e em novos empreendimentosem qualquer parte da terra, participando assim, sem esforo ou

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    trabalho, dos frutos em perspectiva. Ou ento podia decidir ga rantir a segurana da sua fortuna com a boa f dos habitantes dequalquer municpio importante selecionado pela sua informao ou fantasia, em qualquer continente. Se o desejasse podiaobter imediatamente meios de transporte baratos e confortveispara qualquer pas ou clima, sem precisar de passaporte ou dequalquer outra formalidade; podia enviar um empregado agncia bancria mais prxima para suprir-se de metais preciosos, edepois viajar para o exterior, sem conhecer a religio, a lnguaou os costumes do pas visitado, levando os recursos vinculados sua pessoa, e considerando surpreendente e impertinente a menor interferncia sua movimentao. E, mais importante ain da, achava' essa situao normal, segura e permanente, excetono sentido de um aprimoramento adicional; e considerava qualquer desvio como algo aberrante, escandaloso e perfeitamenteevitvel. Os projetos e a poltica do militarismo e do imperialismo, dos monoplios, rivalidades raciais e culturais, restries eexcluso, que deveriam agir como a serpente nesse paraso, erampouco mais do que a diverso dos jornais quotidianos, e quasepareciam no ter influncia sobre o curso ordinrio da vida econmica e social, cuja internacionalizao era na prtica completa.

    Se for possvel esclarecer um pouco mais alguns dos principais elementos de instabilidade na vida econmica da Europa,que j estavam presentes quando a guerra comeou, isso nosajudar a apreciar o carter e as conseqncias da paz que impusemos aos nossos irumrgos.

    Em 1870 a Alemanha tinha uma populao de cerca de quarenta milhes de habitantes. Em 1892, esse nmero havia aumentado para cinqenta milhes, e em 30 de junho de 1914 era desessenta e oito milhes. Nos anos que precederam imediatamente.

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    as hostilidades o crescimento demogrfico anual era da ordemde 850.000 indivduos, dos quais s uma proporo insignificante emigrava.' Esse aumento notvel s foi possvel pela transformao ampla da estrutura econmica do pas. De uma naoagrcola, fundamentalmente autctone, a Alemanha se transformou em uma grande e complicada mquina industrial, que dependia do equilbrio de muitos fatores externos e internos. Spelo funcionamento contnuo dessa mquina, a pleno vapor, erapossvel criar emprego internamente para a populao em crescimento, assim como ter recursos para adquirir no exterior elementos de subsistncia. A economia alem era como um pioque para manter seu equilbrio precisa girar cada vez mais rpido. No Imprio Austro-Hngaro, cuja populao cresceu decerca de quarenta milhes em 1890 para cerca de cinqenta milhes no comeo da guerra, a mesma tendncia se fazia sentir,embora em menor grau. O excesso de nascimentos sobre bitosera de cerca de meio milho por ano, havendo contudo umaemigrao anual de um quarto de milho.Para compreendermos a situao atual precisamos perceber claramente como o desenvolvimento do sistema germnicotransformou a Europa Central em um extraordinrio centrodemogrfico. Antes da guerra a populao da Alemanha, unida da ustria Hungria, no s excedia substancialmente a norteamericana mas era quase igual de toda a Amrica do Norte.Nesses nmeros, concentrados em um territrio compacto, residia o potencial militar das Potncias Centrais. Mas so eles tambm que representam hoje um perigo no menor para a ordemeuropia, caso essa populao se veja privada de meios de subsistncia - porque at mesmo a guerra no os diminuiu consideravelmen te. 21 Em 1913 houve 25.843 emigrantes, dos quais 19.124 foram para os Estados Unidos.2 O decrscimo lqido da populao alem, no fim de 1918, pela diminuio de nascimentos e o aumento de bitos, comparativamente ao comeo do ano de 1914, pode ser estimado em cerca de 2.700.000.

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    A Rssia europia teve um crescimento demogrfico aindamaior que o da Alemanha: sua populao passou de menos decem milhes em 1890 para cerca de cento e cinqenta milhesno incio da guerra;3 e nos anos que precederam imediatamente1914, o excesso de nascimentos sobre bitos na Rssia, em conjunto, mostrava a taxa prodigiosa de dois milhes por ano. Esseenorme crescimento demogrfico russo, que no se tem percebido amplamente na Inglaterra, contudo um dos fatos maisimportantes da atualidade.

    Os grandes eventos histricos so devidos muitas vezes amudanas seculares no crescimento da populao e a outras causas econmicas fundamentais que escapam pelo seu gradualismo percepo dos observadores contemporneos. Estes tendemassim a atribui-los insensatez dos estadistas ou ao fanatismodos ateus. Os acontecimentos extraordinrios ocorridos naRssia, nos ltimos dois anos, essa ampla sublevao da sociedade que derrubou tudo o que parecia mais estvel - a religio,a base da propriedade, inclusive da terra, assim como a formade governo e a hierarquia das classes sociais - podem ser devidos mais s influncias profundas da populao em crescimentodo que a Lenin ou ao Czar Nicolau; e o poder de perturbaosocial da fecundidade excessiva do pas pode ter desempenhadoum papel mais importante na derrubada dos laos da convenodo que o poder das idias ou os erros da autocracia.

    11. ORGANIZAA-O

    A delicada organizao sob a qual" viviam esses povos dependia em parte de fatores internos do sistema.A interferncia das fronteiras e das tarifas ficou reduzida aum mnimo, e no muito menos de trezentos milhes de pessoasviviam dentro das fronteiras dos trs imprios da Rssia, Ale3 Incluindo a Polnia e a Finlndia, mas excluindo a Sibria, a sia Central e o Cucaso.

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    manha e ustria-Hungria. As vrias moedas, mantidas todas emuma base estvel entre si e em relao ao ouro, facilitavam olivre fluxo de capital e comrcio, em uma escala que s agorapercebemos plenamente, aos nos vermos privados dessas vantagens. Nessa grande rea havia uma segurana quase absolutapara a propriedade e as pessoas.Esses fatores de ordem, segurana e uniformidade, que aEuropa nunca tinha gozado em uma rea to ampla e populosa,ou por um perodo to longo, prepararam o caminho para a organizao desse vasto mecanismo de transporte, distribuio docarvo e de comrcio internacional que tornou possvel umaordem industrial nos densos centros urbanos. Fato que pordemais conhecido para exigir consubstanciao detalhada comdados estatsticos, mas que bem ilustrado pelos dados sobre ocarvo, que tem sido a chave do crescimento industrial da Europa Central, pouco menos do que da Inglaterra: a produo decarvo pela Alemanha cresceu de trinta milhes de toneladasem 1871 para setenta milhes em 1890, cento e dez milhes em1900 e cento e noventa milhes em 1913.

    O sistema econmico do continente dependia principalmente da Alemanha como base central de apoio, da sua prosperidade e iniciativa. O crescimento da Alemanha propiciava aos vizi nhos um mercado para os seus produtos, em troca dos quais oesprito empreendedor dos comerciantes alemes lhes proporcionava o que era necessrio para manter os preos baixos.Os dados estatsticos sobre a interdependncia da Alemanha e dos seus vizinhos so reveladores. A Alemanha era o melhor cliente da Rssia, Noruega, Holanda, Blgica, Sua, Itliae ustria-Hungria; o segundo melhor cliente da Gr-Bretanha,Sucia e Dinamarca; e o terceiro melhor cliente da Frana. Eraa maior fonte de suprimento da Rssia, Noruega, Sucia, Dinamarca, Holanda, Sua, Itlia, ustria-Hungria, Romnia eBulgria; e a segunda maior fonte de suprimento da GrBretanha, Blgica e Frana.

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    N o caso da Inglaterra, exportvamos mais para a Alemanhado que para qualquer outro pas, com exceo da ndia; e importvamos mais da Alemanha do que de qualquer outro pas,excetuados os Estados Unidos.Todos os Estados europeus, exceto aqueles situados a Oesteda Alemanha, tinham mais de uma quarta parte do seu comrcioexterior dirigida para aquele pas. No caso da Rssia, ustriaHungria e Pases Baixos essa proporo era bem maior.

    A Alemanha no s comerciava com esses pases como supria uma grande parte do capital necessrio para o desenvolvimento de alguns deles. Do investimento externo alemo antesda guerra, que totalizava 1.250 milhes de libras esterlinas, quase 500 milhes estavam investidos na Rssia, ustria-Hungria,Bulgria, Romnia e Turquia. Com o sistema da "penetraopacfica" os alemes levavam a esses pases no s capital mas aorganizao de que eles tambm necessitavam. Assim, toda aEuropa a Leste do Reno estava includa na rbita industrial daAlemanha, e sua vida econmica estava ajustada a essa situao. Mas esses fatores internos no teriam bastado para habili tar a populao a manter-se sem a cooperao de fatores externos e de certa disposies gerais comuns ao conjunto dos paseseuropeus. Muitas das circunstncias j tratadas aqui eram caractersticas de toda a Europa e no apenas dos Imprios Centrais.Mas tudo o que se segue era comum totalidade do sistemaeuropeu.

    I l l. A PSICOLOGIA SOCIALA Europa estava organizada social e economicamente de modoa proporcionar a acumulao mxima de capital. Embora namassa da populao tivesse havido uma certa melhoria contnuanas condies da vida quotidiana, a sociedade estava constituda de tal forma que uma boa parte do aumento da renda ficava

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    sob controle da classe menos disposta a consumir. No sculodezenove os novos ricos no se inclinavam a fazer grandes gas tos, preferindo aos prazeres do consumo imediato o poder quelhes dava o investimento. Com efeito, foi justamente a desigualdade da distribuio da renda que tornou possvel essa vastaacumulao de riqueza fixa e de aprimoramento do capital quedistinguiu essa poca de todas as outras. Essa era, de fato, aprincipal justificativa do sistema capitalista. Se os ricos tivessem gasto consigo suas novas riquezas, o mundo h muito queteria considerado esse regime intolervel. Mas os ricos poupavam e acumulavam como abelhas, no tanto em benefcio doconjunto da comunidade, porque seus objetivos eram mais limi tados.

    A imensa acumulao de capital fixo havida no meio sculo que precedeu a guerra, com grande benefcio para a humanidade, nunca teria ocorrido em uma sociedade onde a riquezafosse dividida eqitativamente. As ferrovias do mundo, que aquela poca construiu como um monumento posteridade, eram,como as pirmides do Egito, a obra de quem no podia consumir imediatamente o equivalente pleno do seu esforo.

    Esse sistema notvel dependia assim, para o seu crescimento, de um duplo logro. De um lado, a classe trabalhadora aceita va (por ignorncia ou impotncia), ou era obrigada (pelos costumes, a conveno, a autoridade e a ordenao bem estabelecidada sociedade) a aceitar uma situao em que pouco podia aproveitar do acervo produzido pela sua cooperao com os capitalistas e a natureza. De outro lado, a classe capitalista podia apropriar-se da maior parte desse produto, ficando em teoria livrepara consumi-lo, com a condio tcita de que na prtica consumisse muito pouco. O dever de poupar passou a representar novedcimos da virtude, e o crescimento do bolo era objeto de umaatitude verdadeiramente religiosa. Em torno do no-consumodo bolo cresceram todos os instintos do puritanismo, que emoutras pocas se tinham retirado do mundo, negligenciando as

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    artes da produo como as do prazer. Assim, o bolo cresceu,embora no se percebesse bem com que propsito. As pessoaseram exortadas no tanto abstinncia como a adiar os prazeres, e a cultivar a satisfao dada pela segurana e a expectativa. Poupava-se para a velhice ou para os filhos, mas isto s emteoria: a virtude do bolo estava em nunca ser consumido, nemhoje nem no futuro.

    Ao dizer isso no estou criticando necessariamente as prticas daquela gerao. No recesso inconsciente do seu ser a sociedade sabia o que estava fazendo. Na verdade o bolo era muito pequeno em proporo aos apetites de consumo, e se fosserepartido ningum melhoraria muito de situao. A sociedadeno se empenhava na busca dos pequenos prazeres do momento , mas na segurana e aprimoramento da raa, no futuro: pelo"progresso". Se no se repartisse o bolo, e ele pudesse crescerna razo geomtrica prevista por Malthus para a populao, ajuros compostos, chegaria talvez um dia em que houvesse porfim o suficiente para todos, de modo que a posteridade pudessegozar os frutos dos nossos esforos. Nesse dia desapareceriam oexcesso de trabalho e de populao, assim como a falta de ali mentos, e os homens, garantidos a necessidade e os confortosdo corpo, poderiam dedicar-se ao exerccio mais nobre das suasfaculdades. Uma progresso geomtrica poderia cancelar a outra, e o sculo dezenove pde esquecer a fertilidade da espciena contemplao das virtudes espantosas dos juros compostos.

    Havia duas falhas nessa viso: se a populao ultrapassasse a acumulao, abster-nos promoveria apenas nmeros, no afelicidade geral; e o bolo poderia ser consumido prematuramente pela guerra, grande consumidora de tais expectativas.

    Mas essas reflexes me afastaram demais do meu objetivoatual. Quero apenas observar que o princpio da acumulao,baseado na igualdade, foi uma parte fundamental da ordem social do pr-guerra, e do progresso como na poca o entendamos; e pretendo acentuar que esse princpio depende de condi

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    14 J. M. KEYNESes psicolgicas instveis, cuja recriao pode ser impossvel.No era natural que uma populao na qual to poucos gozavam os confortos da vida acumulasse tanto. A guerra mostrou apossibilidade da extenso do consumo para todos e a vaidaderepresentada pela abstinncia de tantos. Assim, o equvoco descoberto: a classe trabalhadora pode no estar mais dispostaa dispensar o consumo, e os capitalistas, que deixaram de confiar no futuro, podem inclinar-se a gozar mais plenamente a liberdade de consumir, enquanto ela subsiste, precipitando assim omomento do seu confisco.

    IV A REL4A-O ENTRE O VELHO E O Novo MUNDOo hbito de acumulao dos europeus, antes da guerra, era acondio necessria do mais importante dos fatores externos quemantinham o equilbrio da Europa.Uma parte substancial dos bens de capital excedentes acumulados pela Europa foi exportada, e o seu investimento tornou possvel desenvolver novos recursos no campo dos transportes, na produo de alimentos e matrias primas; investimentoque ao mesmo tempo habilitou o Velho Mundo a reivindicar partedas riquezas naturais e das potencialidades virgens do NovoMundo. Este ltimo fator adquiriu a maior importncia, e o Velho Mundo administrou com grande prudncia o tributo anualque estava assim autorizado a cobrar. bem verdade que a vantagem representada por um suprimento abundante e barato, emconseqncia desse excedente de capital, foi gozada, e no posposta. Mas a maior parte dos juros em dinheiro resultantes desses investimentos foi reinvestida e acumulada, como reserva esperava-se - para os tempos menos felizes quando na Europa afora de trabalho industrial no pudesse mais adquirir em condies to fceis os produtos de outros continentes, ou quandoo equilbrio necessrio entre as civilizaes histricas da Europa e as raas em expanso em outros climas e ambientes sofres

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    A Europa antes da guerra 15

    se uma ameaa. Deste modo, todo o conjunto das raas europias tendia a se beneficiar igualmente do desenvolvimento de novos recursos, quer vivessem sob sua cultura em cada pas ou seaventurassem no exterior.

    No entanto, mesmo antes da guerra o equilbrio assim estabelecido entre as antigas civilizaes e os novos recursos j estava ameaado. A prosperidade da Europa tinha como base ofato de que, devido ao amplo excedente exportvel de alimentos na Amrica, era possvel adquirir esses alimentos a um preo modesto, em termos do trabalho exigido em troca da sua exportao; e tambm a circunstncia de que, devido aosinvestimentos passados, os europeus recebiam cada ano umaimportncia substancial, sem a necessidade de qualquer retorno. Na poca, o segundo desses fatores parecia garantido, mas oprimeiro no era to seguro, devido ao crescimento da populao no alm-mar, em especial nos Estados Unidos.N o princpio da explorao dos solos virgens da Amrica aproporo entre a populao desses continentes, e conseqentemente as suas necessidades locais, e s da Europa, era muitofavorvel. Em 1890 a Europa tinha uma populao trs vezesmaior do que a de todo o continente americano, de Norte a Sul.Mas em 1914 a demanda interna de trigo nos Estados Unidos seaproximava da produo, e no estava longe o momento em ques em anos de colheita excepcional haveria do outro lado doAtlntico um excedente exportvel. Na verdade, a atual demanda interna dos Estados Unidos pode ser estimada em mais denoventa por cento da produo mdia nos cinco anos 1909-13.4Naquela poca, porm, manifestava-se uma tendncia escassez, sob a forma no tanto de inexistncia de fartura como de4 Desde 1914 a populao dos Estados Unidos aumentou em sete ou oito milhes. Como oseu consumo anual per capu!de trigo no menor do que seis busbels, a escala de produoantes da guerra s mostraria um excedente substancial sobre a presente demanda internaem um ano em cada cinco. Fomos salvos at aqui pelas grandes colheitas de 1918 e 1919,provocadas pela garantia de preos do Governo Hoover, mas no se pode esperar que osEstados Unidos continuem indefinidamente a aumentar seu custo de vida de forma substancial para suprir de trigo a Europa, que no pode pagar pelo cereal.

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    um aumento regular do custo real. Em outras palavras, tomandoo mundo como um conjunto, no havia propriamente falta detrigo, mas era necessrio pagar mais para conseguir uma ofertaadequada. Nessa situao, o fator mais favorvel era a medidaem que a Europa Central e Ocidental estava sendo alimentadacom o excedente exportvel da Rssia e da Romnia.

    Em suma, a reivindicao da Europa com respeito aos recursos do Novo Mundo se tornava precria; a lei dos retornosdecrescentes finalmente se reafirmava, tornando necessrio quea Europa a cada ano fornecesse uma quantidade maior de outros produtos em troca da mesma quantidade de po; assim, oseuropeus no se podiam permitir a desmobilizao de qualqueruma das suas principais fontes supridoras.

    Muito mais poderia ser dito para tentar retratar as peculiaridades econmicas da Europa do ano 1914. Para maior nfaseselecionei os trs ou quatro fatores de instabilidade mais importantes - a populao excessiva dependente de uma organizaoartificial e complicada, a instabilidade psicolgica dos trabalhadores e capitalistas, a instabilidade da reivindicao europiacom respeito ao suprimento de alimentos do Novo Mundo, juntamente com a sua dependncia, agora completa, desses alimentos.

    A guerra prejudicou de tal forma esse sistema que ps emperigo toda a vida da Europa. Uma grande parte do continentejazia doente e moribunda; sua populao excedia de muito a oferta dos meios de sobrevivncia; sua organizao foi destruda, osistema ~ transporte desarticulado, a produo de alimentosterrivelmente prejudicada.

    Cabia Conferncia de Paz honrar os compromissos e satisfazer os reclamos da Justia; mas cabia-lhe igualmente restabelecer a vida na Europa e curar as suas feridas. Tarefas ditadastanto pela prudncia como pela magnanimidade que a sabedoriados antigos tanto elogiava nos vencedores. Nos captulos seguintesvamos examinar a natureza verdadeira da paz alcanada.

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    CAP TULO 111

    A CONFERNCIA DE PAZN os CAPTULOS 4 e 5 estudarei em algum detalhe as provlsoeseconmicas e financeiras do Tratado de Paz com a Alemanha,mas ser mais fcil avali