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AS ALTERAÇÕES PROPOSTAS ÀS COOPERATIVAS DE CRÉDITO PELA
RESOLUÇÃO CMN Nº 4.434/2015. ANÁLISE E REFLEXÃO À LUZ DO
PLANO DE AÇÃO PARA UMA DÉCADA COOPERATIVA DA ACI
Leonardo Rafael de Souza1
RESUMO
O presente artigo faz uma breve análise das alterações propostas pela Resolução CMN
nº 4.434, de 5 de agosto de 2015, que dispõe sobre a constituição, a autorização para
funcionamento, o funcionamento, as alterações estatutárias e o cancelamento de
autorização para funcionamento das cooperativas de crédito, destacando suas principais
inovações a partir da então Resolução CMN nº 3.859/2010, hoje parcialmente revogada,
refletindo ainda sobre a efetiva colaboração da nova norma às proposições da Aliança
Cooperativa Internacional para o desenvolvimento do movimento cooperativo global,
publicadas em Janeiro de 2013 no documento “Plano de Ação para uma Década
Cooperativa”. Para tanto o artigo trata do legítimo poder regulamentador e fiscalizador
do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil (BACEN),
respectivamente, e a autorizada colaboração desses órgãos aos preceitos globais
publicados pela Aliança Cooperativa Internacional. A partir deste introito se analisam
pontualmente as alterações propostas pela Resolução CMN nº 4.434/2015, para, ao
final, concluir com necessária reflexão sobre alterações propostas à luz dos objetivos do
movimento cooperativo para a próxima década.
1 Advogado; Sócio do Souza & De Lorenzi Advogados Associados, escritório especializado em Direito Cooperativo, Direito
Bancário e Direito do Consumidor; Pós-graduando em Cooperativimo pela Unisinos/RS. Membro efetivo e Delegado Estadual
Instituto Brasileiro de Estudos em Cooperativismo – IBECOOP em Santa Caratina; Membro da Comissão Especial de
Cooperativismo de Crédito do Conselho Federal da OAB (CECC/CFOAB); Presidnete da Comissão de Direito Cooperativo da
OAB/SC. Consultor técnico da Delegacia Brasileira da Asociación Internacional de Derecho Cooperativo (AIDC/BR). Assessor
jurídico do Sistema Cecred. Contato: [email protected]
Palavras-chave: Cooperativismo. Cooperativas de Crédito. Resolução CMN nº
4.434/2015. Banco Central do Brasil. Alterações.
1 INTRODUÇÃO
As sociedades cooperativas de crédito vêm evoluindo de forma significativa nos
últimos anos, ampliando a sua performance no mercado financeiro, mormente quando
este tipo de empreendimento se mostra – na sua natureza – efetivo meio de
desenvolvimento da sociedade, promovendo uma economia solidária baseada na auto
ajuda que fortalece os vínculos sociais e cria oportunidades de trabalho e renda,
fomentando assim a economia local, a descentralização das rendas, a distribuição das
riquezas e a potencialização de capitais.
Não bastassem tais fatos, outra grande motivadora do desenvolvimento
cooperativo de crédito é a evolução do seu quadro legal desde a Lei Federal nº 5.764/71
até o seu mais importante marco legal: a Lei Complementar nº 130/09. E dentro dessa
importante evolução normativa estão o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central
do Brasil através de suas resolução e circulares que dão efetividade às disposições legais
do cooperativismo de crédito.
Dentro desse contexto, no último dia 05 de agosto de 2015, o Banco Central do
Brasil apresentou à sociedade brasileira o mais novo instrumento normativo das
cooperativas de crédito: a Resolução CMN nº 4.434/2015, que dispõe sobre a
constituição, a autorização para funcionamento, o funcionamento, as alterações
estatutárias e o cancelamento de autorização para funcionamento de cooperativas de
crédito. A partir de tal norma, as cooperativas de crédito no Brasil passam a ter uma
nova referência, que fortalece o sistema cooperativo e o coloca em outro patamar,
aumentando como consequência a sua responsabilidade perante o Sistema Financeiro
Nacional.
O objetivo do presente artigo, portanto, é uma detalhada (mas despretensiosa)
análise da norma não apenas a partir das suas efetivas alterações que terão efeito prático
estrondoso, a começar pela reclassificação das cooperativas de crédito a partir das suas
operações e não mais pelas características do seu quadro associativo, por exemplo, mas
também à luz das competências normativas do Conselho Monetário Nacional (CMN) e
do Plano de Ação para uma Década Cooperativa da Aliança Cooperativa Internacional
(ACI).
2. DO PODER REGULAMENTADOR E FISCALIZADOR CONFERIDOS AO
CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL E AO BANCO CENTRAL BRASIL.
LEGITIMAÇÃO ESSENCIAL PARA OS OBJETIVOS DO
COOPERATIVISMO.
Sempre que o Conselho Monetário Nacional edita, através do Banco Central do
Brasil, normas que atingem o cooperativismo de crédito, muitos questionam até onde o
Estado pode interferir nas decisões e na autonomia das cooperativas, mormente quando
este tipo de empreendimento detém regras e princípios próprios que defendem a sua
gestão democrática e a sua autonomia perante terceiros.
Inicialmente há de se compreender que a atividade praticada pelas cooperativas de
crédito é espécie de atividade econômica – de natureza financeira/bancária2 – que
integra a ordem constitucional econômica, disciplinada pelo artigo 170 da Constituição
Federal. Por isso, seu funcionamento deve estar alicerçado na valorização do trabalho
humano e da livre concorrência, garantindo a todos a existência digna conforme os
ditames da justiça social.
Também pela natureza financeira/bancária das suas atividades, as cooperativas de
crédito integram o Sistema Financeiro Nacional que, por sua vez, desenvolve-se nos
ditames da Lei Federal nº 4.595/64, assentada pelo artigo 192 da Carta Magna. Observe-
2 A natureza bancária aqui disposta considera a natureza jurídica das atividades praticadas pelas cooperativas de crédito aos seus associados dentro do Sistema Financeiro Nacional, e não das sociedades cooperativas de crédito em si, que possuem regramento específico e cuja norma de regência (artigo 5º, parágrafo único) veda a utilização da expressão “banco”.
se, por oportuno, que é a Constituição que define a finalidade do sistema financeiro, de
promoção do desenvolvimento do País e os interesses da coletividade, cabendo-lhe
viabilizar o uso eficiente da moeda em todos os seus aspectos, especialmente pelo
fomento de sistemas que garantam às instituições como as cooperativas de crédito,
criarem poupança e riqueza.
Sendo assim, Miragem (2013) ensina que o sistema financeiro para tais fins se
torna instituição jurídica que visa, de um lado, à coordenação das diversas iniciativas
em vista de certos objetivos macroeconômicos, assim como, de outro, ao estímulo ao
desenvolvimento do próprio sistema como parte indissociável do desenvolvimento
econômico nacional.3
Dentro da estruturação do Sistema Financeiro Nacional, disposta na Lei Federal nº
4.595/64, está o Conselho Monetário Nacional, órgão destinado precipuamente a
formular a política de moeda e crédito com vistas ao progresso econômico e social do
País (artigo 2º, caput) e, ainda, regular a constituição, funcionamento e fiscalização das
instituições financeiras (artigo 4º, VIII) na busca de tais objetivos, regulações estas
executadas pelo Banco Central do Brasil, com competência prevista no artigo 9º da
citada lei.
Tais disposições e competências são aqui destacadas porque a Lei Complementar
nº 130/2010, que disciplinou a submissão das cooperativas de crédito aos regramentos
do Sistema Financeiro Nacional (artigo 1º, §1º), atribuiu às sociedades cooperativas de
crédito a execução dos objetivos constitucionais expressos nos artigos 170 e 192 da
Constituição Federal de 1988; quais sejam, a valorização do trabalho humano e da livre
concorrência, a existência digna conforme os ditames da justiça social, o
desenvolvimento do País e a busca pelos interesses comuns da coletividade.
3 MIRAGEM, Bruno. Direito Bancário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. pg. 99.
Contudo, a construção histórica e principiológica do cooperativismo mostram que
os objetivos constitucionais acima postos fazem parte da essência das cooperativas,
afinal, como ensina o sempre atual Paul Lambert (1975), la cooperativa supone la
acción de sus miembros para mejorar su suerte y la de sus semejantes. El cooperador
forja su propio destino, no espera su salvación de la caridad de los demás.4
Em outros termos, dentro do Sistema Financeiro Nacional, as cooperativas de
crédito são instituições que carregam consigo os próprios objetivos da ordem econômica
constitucional, pois enquanto junção de pequenos capitais valorizam a autoajuda e a
solidariedade no engrandecimento da economia solidária, aliviam de forma gradual e
pacífica situações de abuso, escassez e inacessibilidade aos instrumentos financeiros, e
ainda garantem – através dos seus princípios – um desenvolvimento econômico, social e
moral perene.
Apesar de todas essas vantagens, há que se reconhecer que o movimento
cooperativo como um todo possui – por muitas vezes – dificuldades de fomentar o
desenvolvimento econômico e social a que se destina; e isso não é de hoje.
Máurer Júnior (1973) já afirmava na década de 1970 que no Brasil as
cooperativas surgiram de improviso, pondo-se a funcionar, não raro, sem que ao menos
os seus diretores tivessem um conhecimento real dos princípios do movimento.5 Como
consequência, o que se vê ainda hoje – e nas cooperativas de crédito não é diferente –
são cooperativas cujos associados não atuam de forma eficiente, fiscalizadora e
participativa, mas se reduzem à condição de meros clientes, sem iniciativa e com pouca
capacidade de ação. Isso preocupa.
4 LAMBERT, Paul. La doctrina cooperativa. 4ª Ed. Buenos Aires: Intercoop, 1975. pg. 270. 5 PINHO, Diva Benevides. Coord. A problemática cooperativista no desenvolvimento econômico. São Paulo: Artegráfica, 1973.
pg. 201.
Como qualquer sociedade, o sucesso, a perenidade e a sustentabilidade econômica
e social das cooperativas de crédito dependem não apenas do seu capital financeiro
fortalecido, mas de diversos outros fatores que podem ser tratados nas normativas do
Conselho Monetário Nacional, afinal e como dito, é dever seu garantir a estabilidade do
Sistema Financeiro Nacional através do fortalecimento das instituições que a compõem.
Observando a evolução histórica das normativas publicadas pelo Conselho
Monetário Nacional aplicáveis às cooperativas de crédito – e muito bem compiladas por
Pinheiro (2008)6 –, nota-se que muito pouco se fez em prol do cooperativismo de
crédito no que tange a fatores de eficiência que não sejam fatores financeiros, ou seja,
são parcos no marco regulatório das cooperativas de crédito, para não dizer inexistentes,
dispositivos normativos que garantam a observância de outros capitais essenciais às
sociedades cooperativas, como a identidade cooperativa e a efetiva participação do
associado.
Quanto ao desenvolvimento desses demais capitais, incluindo o capital financeiro,
o “Plano de Ação para uma Década Cooperativa” da Aliança Cooperativa
Internacional7, também conhecido como “Plano 2020”, é tido pela comunidade
cooperativista mundial como um instrumento orientador das cooperativas para seus
próximos desafios institucionais. Neste documento, o órgão máximo do cooperativismo
no mundo pretendeu delinear de forma clara um plano de ação com objetivos
específicos e baseados em cinco pilares assim destacados:
1. Participação: Elevar a participação e a governança dos membros a
um novo patamar; 2. Sustentabilidade: Posicionar as cooperativas
como arquitetas de sustentabilidade; 3. Identidade: Construir a
mensagem cooperativa e proteger a identidade cooperativa; 4.
Enquadramento legal: Garantir quadros legais que apoiem o
6 PINHEIRO, Marcos A. Henriques. Cooperativas de crédito: História da evolução normativa no Brasil. 6ª. ed. Brasília: BCB,
2008. 7 GREEN, Dame Pauline. et al. Plano de ação para uma década cooperativa. ACI: Bruxelas, 2013
crescimento cooperativo, e; 5. Capital: Assegurar capital cooperativo
confiável garantindo o controle pelos membros.
Tais pilares objetivam, a partir do ponto de vista do próprio cooperativismo, os
grandes desafios que por vezes travam o desenvolvimento de empresas cooperativas, aí
incluindo as cooperativas de crédito. Nota-se, pelo documento, que a segurança
financeira das cooperativas pelo seu capital é tão somente um dos pilares, que não
prescinde do apoio sistêmico dos demais. Assim, pouco importa uma cooperativa ser
financeiramente saudável se outros aspectos essenciais para o seu desenvolvimento
enquanto sociedade são claudicantes.
Dessa forma, há de se destacar que também é papel do Conselho Monetário
Nacional e do Banco Central do Brasil garantir o desenvolvimento das cooperativas de
crédito, além dos seus aspectos financeiros e monetários, estes muito bem
regulamentados e em franco desenvolvimento desde a promulgação da Resolução CMN
nº 1.914, de 29/07/1992.
E diga-se, por oportuno, que a absorção das premissas da Aliança Cooperativa
Internacional pelo Sistema Financeiro Nacional encontra guarida legal não apenas na
Lei Geral das Cooperativas (Lei Federal nº 5.764/71), que incorpora os princípios e
diretrizes do órgão máximo do cooperativismo, mas também nas próprias fontes do
Direito Financeiro e Econômico, que acatam as recomendações internacionais e as
normas institucionais de relevância (soft law), como já ocorre por exemplo pelos
Acordo de Basiléia, patrocinados pelo Comitê de Basiléia de Supervisão Bancária.
Sendo assim, tem-se como clara que a análise da Resolução CMN nº 4.434/2015
pelo cooperativismo deve considerar se a nova norma contribuiu (ou não) para o
desenvolvimento dos objetivos reconhecidos pela Aliança Cooperativa Internacional,
propondo ainda uma reflexão sobre como o Conselho Monetário Nacional, na edição de
suas normas – e o Banco Central do Brasil com o seu papel fiscalizador – pode
efetivamente promover no âmbito das cooperativas de crédito, além de fortalecimento
do capital financeiro, maior participação dos cooperados, ações sustentáveis que
garantam a perenidade das cooperativas, a valorização da identidade cooperativa e a
plena adequação do quadro legal às necessidades do bem coletivo. O desafio está
lançado!
3 DAS IMPORTANTES ALTERAÇÕES E INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA
RESOLUÇÃO CMN Nº 4.434/2015
Desde a sua publicação no Sisbacen e no Diário Oficial da União do dia
06/08/2015, a Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 4.434/2015 tem
provocado importantes questionamentos sobre o seu teor e o impacto das mudanças
propostas ao Cooperativismo de Crédito brasileiro, notadamente após o Presidente do
Banco Central do Brasil afirmar que a nova regulamentação representa o início de um
novo ciclo do cooperativismo de crédito nacional, que tem potencial para levar o setor
a outro patamar em termos de sua abrangência e de representatividade no Sistema
Financeiro Nacional.8
Portanto, tão logo se encerrou o evento denominado Novo Ciclo do
Cooperativismo de Crédito no Brasil, o movimento cooperativo brasileiro passou a
conviver com um novo marco regulatório que, como toda nova norma, traz dúvidas
quanto a sua plena aplicação e receptividade.
Assim como na parcialmente revogada Resolução CMN nº 3859/2010, a
Resolução CMN nº 4.434/2015 dispõe sobre a constituição, a autorização para
funcionamento, o funcionamento, as alterações estatutárias e o cancelamento de
8 TOMBINI, Alexandre Antônio. Novo Ciclo do Cooperativismo de Crédito no Brasil. Brasília: BCB, 05 ago. 1991. Discurso de
lançamento da Resolução CMN nº 4.434/2015.
autorização para funcionamento de cooperativas de crédito, acrescentando ao seu
objeto, porém, a mudança de suas categorias mediante reclassificações que consideram
não mais as condições de associação, mas sim a abrangência das suas operações ante o
Sistema Financeiro Nacional ou, ainda, seus perfis de risco, conforme a seguir
esmiuçado.
Não obstante isso, o que a norma traz de primeira percepção é a manutenção do
conceito jurídico Cooperativa de Crédito. Tal destaque é importante visto que apesar de
respeitados posicionamentos quanto à necessidade de uma nova identidade, voltada às
diversas plataformas de soluções negociais ofertadas pelas cooperativas de hoje, o que
se tem de concreto é que o sistema jurídico brasileiro, desde a Constituição Federal de
1988, dá a esta forma de organização societária uma conceituação jurídica própria e
específica que possibilita a compreensão dos seus objetos jurídicos cognoscíveis. Por
isso então é que o presente estudo propositadamente opta pela manutenção da
literalidade jurídico-formal do termo Cooperativa de Crédito.
No que tange à sua estruturação legal, a leitura da parte normativa da Resolução
CMN nº 4.434/2015 faz ver que objetivo da norma foi ampliado através da criação de
novos Capítulos que buscaram melhor sistematizar as disposições regulamentares de
acordo com a natureza, a extensão, a importância e a complexidade da matéria. Assim,
questões relativas às operações e aos limites de exposição por cliente, que na Resolução
CMN nº 3.859/2010, por exemplo, eram tratadas conjuntamente no Capítulo VIII, no
novo regulamento foram devidamente segregados em dois capítulos distintos, dando às
operações (novo Capítulo IV) a ênfase necessária para justificar a mudança de
paradigma proposta para a reclassificação das Cooperativas.
Apesar desta salutar reorganização normativa, neste estudo a análise da Resolução
CMN nº 4.434/2015 acerca da amplitude dos impactos impostos pela aplicação da
norma buscará pontuar no novo regulamento os dispositivos normativos que propõem
importantes mudanças quanto à classificação das Cooperativas, a fundamentada
inferência à filiação aos Sistemas Cooperativos existentes, a amplitude associativa e sua
regulamentação pelos próprios estatutos, aos novos limites de capital e patrimônio, a
aplicação objetiva de regras de governança, entre outros.
3.1 Do privilégio aos Sistemas Cooperativos existentes na criação de novas
Cooperativas de Crédito.
Um dos primeiros aspectos que ressalta da simples leitura da norma é a clara e
justificada atenção que à criação de novas Cooperativas de Crédito, exigindo, já nos
seus procedimentos de pré-constituição, profissionalizações e certificações que não
condizem com a realidade de grande parte dos empreendimentos cooperativos já
fundados e que hoje são, inclusive, referências de sucesso.
Do ponto de vista histórico e doutrinário, é uníssono que o nascimento do
movimento cooperativo e o desenvolvimento dos seus mais diversos ramos ocorreram
em cenários ou momento de crises que sempre ressaltaram o potencial emancipatório
desse tipo de empreendimento através da posse coletiva dos meios de produção
existentes. No Cooperativismo de Crédito, a história não é diferente. Desde a
idealização das primeiras cooperativas de crédito na Alemanha, por Hermann Schulze,
Friedrich Raiffeisen e Wilhelm Haas, passando pela iniciativa italiana de Luigi Luzzatti,
até a criação, no Brasil, da hoje Sicredi Pioneira pelo padre Theodor Amstad, em 1902,
o fundamento do cooperativismo de crédito sempre esteve pautado nas urgentes
necessidades dos modestos proprietários do campo ou dos pequenos comerciantes das
cidades, como bem destacam Alicia Kaplan de Drimer e Bernardo Drimer9.
9 DRIMER. Alicia K. de.; DRIMER Bernardo. Las Cooperativas: fundamentos, historia, doctrina. 3ª Ed. Intercoop: Buenos Aires, 1981. pg. 240.
Tal revisão histórica é importante para destacar que as exigências normativas
trazidas pela nova Resolução vão na contramão da história de muitas cooperativas que
iniciaram suas operações em pequenas cidades, baseadas na confiança e nos importantes
vínculos que uniam os seus poucos mas abnegados e esperançosos associados.
Por isso, ainda que justificável sob o prisma dos objetivos regulatórios do Banco
Central, exigências como a necessidade de indicação de um responsável técnico
capacitado para o acompanhamento do processo de autorização junto ao Banco Central
(artigo 4º), além da necessária identificação, entre os fundadores, de pelo menos um
integrante que detém conhecimento sobre o ramo de negócio e sobre o segmento no
qual a cooperativa pretende operar, ou seja, a certificação profissional, inclusive sobre
os aspectos relacionados à dinâmica de mercado (artigo 6º, III), se mostram como
efetivos entraves à criação novas cooperativas.
E o que falar então do procedimento administrativo prévio previsto no artigo 5º e
seus parágrafos, para a constituição de cooperativa de crédito singular que não
pretender se filiar a cooperativa central? Segundo os dispositivos do citado artigo, para
aquelas pretensas cooperativas de crédito “solteiras” se formarem é necessária uma
prévia apresentação do sumário executivo do Plano de Negócios de que trata o inciso V,
do artigo 6º, e cujo conteúdo mínimo fica ao critério subjetivo do Banco Central,
prevendo ainda a possibilidade de entrevistas técnicas do grupo de fundadores (§1º e
§3º, do artigo 5º). Ainda que louvável do ponto de vista técnico, tratar de forma
diferenciada uma pretensa cooperativa de crédito ante o fato da mesma simplesmente
optar por não participar de um Sistema Cooperativo existente parece ferir o Princípio da
Igualdade que rege não apenas o Direito, mas também os próprios princípios do
cooperativismo, recepcionados pela legislação brasileira, além de reforçar a perceptível
barreira à criação de Cooperativas independentes.
Em outros termos, ainda que se admita que a verticalização sistêmica proposta
pela novel Resolução CMN nº 4.434/2015, privilegiando a criação de cooperativas
vinculadas a Sistemas Cooperativos que as deem suporte, seja um importante e valioso
instrumento de organização do movimento cooperativo de crédito, não se pode negar
que tais exigências, na prática, impedem por vezes a criação de novas Cooperativas na
medida em que estes mesmos Sistemas Cooperativos, existentes na atualidade, resistem
à criação de cooperativas para privilegiar a ampliação da sua base de atendimento a
partir das cooperativas já instituídas, provocando a concentração de capitais, tal qual
ocorre em bancos e outras casas de crédito.
Só isso, então, já justifica a crítica às inovações citadas. Impor limitações técnicas
para a criação de novas cooperativas de crédito, a partir de uma escolha dos fundadores,
qual seja, participar ou não de uma central cooperativa, significa efetivamente negar que
o cooperativismo em todos os seus valores e princípios é um movimento de base, que
parte dos anseios e das expectativas dos seus integrantes, e não uma escolha estratégica
de poucos executivos que por vezes parecem nivelar cooperados e consumidores e,
ainda, transformar seus dirigentes em profissionais do mercado de crédito. E neste
sentido, parafrasenado José Odelso Schneider, garantir a igualdade de condições para o
nascimento de novas cooperativas é garantir a perenidade daqueles empreendimentos,
afinal, via de regra, a participação do associado na cooperativa será resultante da sua
efetiva participação como dono, decidindo com liberdade e a partir de bases
democráticas os destinos da sua cooperativa.10
Ultrapassada a reflexão inicial sobre a indução sistêmica proposta pelo Conselho
Monetário Nacional, passa-se a analisar as alterações propostas pela Resolução CMN nº
4.434/2015, embora por vezes este autor não resista em analisar aspectos de relevância a
partir dos objetivos deste estudo.
10 Cf. SCHNEIDER, José Odelso. Democracia, participação e autonomia cooperativa. 2. Ed. São Leopoldo: Unisinos, 1999. pg. 91.
3.2 Do processo de constituição de novas cooperativas a partir da nova resolução.
Além dos artigos iniciais citados acima, o artigo 3º da Resolução CMN nº
4.434/2015, traz em si uma importante revisão temporal quanto à constituição das
cooperativas de crédito ao dispor que o seu reconhecimento jurídico pressupõe, ou seja,
supõe antecipadamente, ...a constituição na forma da legislação e da regulamentação
em vigor e a autorização para funcionamento.(grifamos) Tal disposição normativa
deixa claro que antes mesmo de qualquer ato societário constitutivo da cooperativa,
como a assembleia geral de criação, por exemplo, a autorização pelo Banco Central do
Brasil se mostra como necessária. E tal imposição é reforçada quando da leitura do
artigo 7º, que assim prevê:
Art. 7º. No prazo de noventa dias a contar do recebimento da
manifestação favorável do BCB a respeito do processo de
constituição, os interessados deverão formalizar os atos societários
de constituição da cooperativa de crédito. (grifamos)
Portanto, ao optarem pela criação de uma cooperativa de crédito, seus fundadores
deverão realizar uma espécie de pré-assembleia, onde se fará deliberação não apenas
sobre a referida criação, mas também quanto a intenção (ou não) de filiação a uma
central cooperativa, a qual deverá ser recíproca, e, ainda, dispor tanto sobre as
condições documentais exigidas pelo artigo 6º, quanto à indicação do responsável
tecnicamente capacitado para acompanhamento do processo de autorização junto ao
Banco Central (art. 4º).
A partir de tal deliberação pré-assemblear e, ainda, cumpridos todos os requisitos
documentais do artigo 6º, o Banco Central do Brasil fará a necessária análise do pedido,
a qual observará ainda o disposto no artigo 9º da nova Resolução, podendo inclusive
exigir medidas complementares (artigo 9º, §2º).
Estando a pretensa cooperativa de crédito vinculada a um sistema cooperativo, a
análise quanto à constituição será comunicada aos fundadores, oportunidade em que os
mesmo terão o prazo de noventa dias (artigo 7º, caput), prorrogáveis por mais noventa
(art. 7º, §1º), para formalizarem os atos societários de constituição da Cooperativa de
Crédito. Contudo, caso a deliberação pré-assemblear opte pela não vinculação do
projeto a uma central, torna-se obrigatoriamente necessário que esta escolha seja
suficientemente justificada quanto aos motivos que determinaram a decisão,
evidenciando ainda como a cooperativa pretende suprir os serviços prestados pelas
centrais (art. 6, IV, “c”, 11).
Não bastasse isso, a não vinculação da pretensa cooperativa a um sistema
cooperativo poderá provocar também um procedimento incidental de inspeção prévia do
projeto pelo Banco Central, conforme disposto no artigo 8º, e cujo objetivo será
“...avaliar a compatibilidade entre a estrutura organizacional implementada e aquela
prevista no plano de negócios.” Este procedimento de inspeção, regulamentado pelo §2º
do artigo 8º, poderá na prática inviabilizar o projeto, visto que o inciso III do §2º,
determina que cooperativa solteira implemente desde já a sua estrutura organizacional,
contemplando as estruturas de governança corporativa, de gerenciamento de negócios,
de controles internos e de gerenciamento de riscos, além da contratação dos sistemas
eletrônicos e de mão de obra, entre outros projetos previstos no plano de negócio
apresentado.
Note-se, por oportuno, que o procedimento incidental de inspeção prévia do
projeto pelo Banco Central não se aplica aos projetos vinculados aos sistemas
cooperativos, afinal, pelo texto do §1º do artigo 8º, a decisão sobre a inspeção prévia
levará (aspecto impositivo da norma) em consideração ...o porte da instituição, a
complexidade e o risco das operações pretendidas e a ausência de participação da
pleiteante em sistema cooperativo organizado (grifamos). Reitera-se, portanto, a crítica
pontual à Resolução: sem vinculação a um sistema cooperativo a vontade social de
instalação de uma cooperativa de crédito pode ser uma tarefa impossível.
Voltando, porém, aos procedimentos, em ambos os casos a cooperativa pleiteante
apenas poderá formalizar os seus atos societários de constituição, ou seja, realizar a
Assembleia Geral de instalação, após a devida autorização do Banco Central (parte
final do caput do artigo 7º), devendo os atos societários retornarem para aprovação
daquela autarquia antes de serem encaminhados para o seu arquivamento nos órgãos
competentes (artigo 7º, §2º).
Quanto aos requisitos documentais necessários para a autorização de constituição
das cooperativas de crédito, merece destaque o artigo 6º da Resolução CMN nº
4.434/2015, que constitui uma importante reorganização dos dispositivos constantes no
artigo 3º da Resolução CMN nº 3.859/2010.
Até a publicação da nova Resolução, o revogado artigo 3º dispunha que a pretensa
cooperativa de crédito deveria demonstrar a sua possibilidade de reunião, controle,
realização de operações e prestação de serviços (inciso I); demonstrar a sua viabilidade
financeira por no mínimo três anos (inciso II), e, ainda, apresentar um Plano de
Negócios com o mesmo horizonte temporal (inciso III). Pela nova norma, além da
manutenção quanto à demonstração de reunião, controle, entre outros (inciso I), o artigo
6º exige ainda a apresentação de novos documentos como a comprovação de que pelo
menos um dos associados detém conhecimento sobre o ramo do negócio (inciso III), e
as minutas dos atos societários de constituição (inciso V) da Cooperativa.
Não bastasse isso, no inciso IV do artigo 6º, a Resolução CMN nº 4.434/2015 dá
ao Plano de Negócios da cooperativa especial destaque, dispondo que além da sua
vigência se fundamentar com projeção mínima de cinco anos, deve estar baseado em
três espectros básicos, quais sejam, o (a) Plano Financeiro, onde a cooperativa deve
demonstrar a sua viabilidade econômico-financeira; o (b) Plano Mercadológico, no
qual o projeto deve contemplar os objetivos estratégicos do empreendimento, suas
condições estatutárias, os mecanismos que visem à efetivação dos princípios
cooperativistas, e; o (c) Plano Operacional, na qual a cooperativa explanará seus
padrões de governança, seu organograma, estruturas, entre outros. Importante destacar,
contudo, a ressalva normativa (§1º) existente de que tais requisitos não são exauríveis,
permitindo então que o Banco Central apresente novas exigências de acordo com a
natureza e/ou porte da cooperativa, ou ainda, em função da extensão do pleito.
Assim, não obstante o salutar aclaramento e a objetiva reestruturação no
processo de constituição de novas cooperativas pela Resolução CMN nº 4.434/2015,
impor diferenciações entre cooperativas na sua constituição somente porque vinculadas
(ou não) a sistemas cooperativos parece ferir também a gestão democrática e a
autonomia garantida aos seus associados, atuação que vai de encontro aos anseios do
movimento cooperativo.
3.3 Da nova classificação das Cooperativas de Crédito. Mudança de paradigma
que privilegia a vontade estatutária de associação.
Certamente a alteração mais comentada na Resolução CMN nº 4.434/2015 foi a
adequação provocada pelo seu Capítulo III, que trata da classificação das cooperativas
de crédito e das condições estatutárias de admissão de associados. Como se sabe, desde
a primeira regulamentação específica sobre as Cooperativas de Crédito (Resolução
CMN nº 1.914/1992) após a edição da Lei Federal nº 5.764/71, e da Constituição
Federal de 1988, o Banco Central do Brasil tratou de regrar suas orientações normativas
sob o prisma da limitação do quadro associativo.
E tanto isso é verdade que quando da publicação da Resolução CMN nº
1.914/1992, a constituição de cooperativas que não apresentavam restrições de
associação, então conhecidas como cooperativas do tipo Luzzatti, restaram proibidas,
permitindo aquela norma tão somente a autorização para funcionamento das
cooperativas de economia e crédito mútuo e as cooperativas de crédito rural. Desde
então, e mesmo após a reafirmação pelo Código Civil (Lei Federal nº 10.406/02) das
características básicas das sociedades cooperativas, o órgão regulador do Sistema
Financeiro Nacional sempre tratou com muita cautela a abertura dos quadros
associativos.
Mesmo a partir de concessões importantes que avançaram até a presente mudança
de paradigma, como as provocadas tanto pela Resolução CMN nº 3.058/2002, que
permitiu a constituição de cooperativas de crédito mútuo formada por pequenos
empresários, microempresários e microempreendedores, quanto pela Resolução CMN
nº 3.106/2003, que liberou a constituição de cooperativas de livre admissão, o que se
viu até a publicação da Resolução CMN nº 3.859/2010 foi uma constante tentativa de
regular o que a própria Lei Complementar nº 130/09 (artigo 4º) já garantia às
cooperativas de crédito: liberdade na construção do seu quadro social a partir da
vontade soberana da assembleia geral, ressalvadas obviamente as limitações impostas
pelo parágrafo único daquele artigo11
.
Neste aspecto, as palavras do Presidente do Banco Central do Brasil no
lançamento da Resolução CMN nº 4.434/2015 também são didáticas:
(...) Como sabemos todos, o Banco Central apresentou em novembro
do ano passado a Consulta Pública 47, sobre a norma que altera
significativamente a forma de segmentação até hoje vigente entre as
11 Art. 4o (...). Parágrafo único. Não serão admitidas no quadro social da sociedade cooperativa de crédito pessoas jurídicas que
possam exercer concorrência com a própria sociedade cooperativa, nem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios bem
como suas respectivas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes.
cooperativas de crédito. A alteração foi muito bem recebida pelo
segmento, e há boas razões para isso.
A evolução histórica da regulamentação que mencionei há pouco
acabou levando a uma segmentação complexa, que implicava um
tratamento prudencial distinto para cooperativas que representavam,
essencialmente, o mesmo grau de risco.
Ao mesmo tempo, algumas cooperativas tinham seu quadro
associativo limitado simplesmente porque a opção específica que lhes
interessava não fazia parte do rol de segmentos presente nas
resoluções.
Por outro lado, cooperativas extremamente simples, como as de
capital e empréstimo, enfrentavam requisitos prudenciais mais
elevados que o justificado estritamente por seu grau de risco.
Nesse cenário, o CMN decidiu conferir plena consequência à
possibilidade, já prevista na Lei Complementar 130, de dar ao grupo
fundador ou à assembleia geral liberdade para determinar o quadro
associativo que mais se ajusta a seus interesses, cabendo ao Banco
Central o enquadramento das cooperativas conforme o grau de risco
que elas incorram e a aplicação do regime prudencial correspondente.
Essa é, portanto, além de uma providência de racionalização muito
aguardada, um marco notável na história das cooperativas de crédito
no Brasil. (...)12
Como se pode perceber, diante do aperfeiçoamento regulatório do Banco Central
de Brasil advindo desde a Lei Federal nº 5.764/71 até a Lei Complementar nº 130/09,
passando pelas consistentes referências constitucionais e legais trazidas,
respectivamente, pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002, bem
como a partir do constante e importante avanço das práticas de gestão, atualização
tecnológica, e controles administrativos das cooperativas de crédito, estas creditadas à
atuação responsável dos eficientes sistemas cooperativos brasileiros e seus dirigentes, o
que a Resolução CMN nº 4.434/2015 traz ao cooperativismo de crédito é a fiança
necessária para que o próprio movimento cooperativo possa gerir com liberdade e
responsabilidade, sob as premissas axiológicas do Cooperativismo, o seu quadro social.
E a tradução desse pensamento está na exclusão de todo um arcabouço jurídico
construído em cinco longos artigos (12/16) e dois Capítulos (II e III) da Resolução
12 TOMBINI, Alexandre Antônio. Novo Ciclo do Cooperativismo de Crédito no Brasil. Brasília: BCB, 05 ago. 1991. Discurso de
lançamento da Resolução CMN nº 4.434/2015.
CMN nº 3.859/2010, que tratavam das condições de admissão de associados e das
condições especiais relativas às cooperativas de livre admissão, em favor de um único
artigo da Resolução CMN nº 4.434/2015, o artigo 16, que trata sobre as condições de
admissão de associados e área de atuação, a saber:
Art. 16. As condições de admissão de associados e área de atuação,
conforme definido pela assembleia geral, devem constar no estatuto
social da cooperativa de crédito. (grifamos)
Tal abertura deve ser comemorada não apenas sob o ponto de vista estratégico
para a expansão do cooperativismo de crédito no Brasil, como dito por muitos e pelo
próprio Presidente do Banco Central no seu indigitado discurso, mas principalmente
porque tal mudança de paradigma provocada pela Resolução CMN nº 4.434/2015
reforça a autonomia do Direito Cooperativo brasileiro, há muito debatido por
importantes doutrinadores do escol de Waldirio Bulgarelli, Renato Lopes Becho e José
Eduardo de Miranda, entre tantos outros. Ademais, garantir à assembleia geral a
soberana decisão sobre as suas regras de admissão e área de atuação significa o mais
amplo e irrestrito respeito ao primeiro princípio do cooperativismo: garantir a Adesão
Livre e Voluntária sem restrições artificiais de ingresso.
Dessa forma, as cooperativas de crédito deixam de ser classificadas a partir do
seu quadro associativo e área de atuação, estas agora de livre disposição dos associados
e limitadas pelos seus estatutos sociais, para serem segregadas de acordo com a
natureza das suas operações junto ao Sistema Financeiro Nacional. É como dispõe
o artigo 15, da Resolução CMN nº 4.434/2015, verbis:
Art. 15. A cooperativa de crédito singular, de acordo com as
operações praticadas, se classifica nas seguintes categorias:
I - cooperativa de crédito plena: a autorizada a realizar as operações
previstas no art. 17;
II - cooperativa de crédito clássica: a autorizada a realizar as
operações previstas no art. 17, observadas as restrições contidas no
art. 18; e
III - cooperativa de crédito de capital e empréstimo: a autorizada a
realizar as operações previstas no art. 17, exceto as previstas em seu
inciso I, observadas as restrições contidas no art. 18. (grifamos)
Portanto, a partir do rol de operações elencados no artigo 17, complementadas
pelas restrições constantes no artigo 18, as Cooperativas de Crédito brasileiras passam a
ser classificadas, e consequentemente fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil, de
acordo com a amplitude das suas operações. Sendo assim, enquanto as Cooperativas de
Crédito Plenas podem instrumentalizar todas as operações previstas no artigo 17, como
por exemplo, a aplicação em títulos de securitização de créditos, às Cooperativas de
Crédito Clássicas tal operação é vedada, visto que constante no rol de exceção do artigo
18, notadamente no inciso I, eis que se trata de operação que impõe maior risco à
sociedade. Já nas Cooperativas de Crédito de Capital e Empréstimo, além de lhes
serem vedadas as mesmas operações que são negadas às Cooperativas de Crédito
Clássicas, estas não podem captar exclusivamente de associados recursos e depósitos
sem emissão de certificado, como por exemplo, os Recibos de Depósito Bancários
(RDB).
Ainda quanto a esta classificação, as explicações do Presidente do Banco Central
do Brasil são não apenas esclarecedoras, mas indicam com clareza solar a mens legis do
Conselho Monetário Nacional ao editar a norma:
(...) A Resolução 4.434, publicada hoje, estabelece três graus de risco,
correspondentes a três tipos de cooperativas de crédito: as plenas, as
clássicas e as de capital e empréstimo.
As cooperativas plenas poderão praticar todas as operações previstas
para as cooperativas de crédito, e entre elas estão, de maneira geral, as
cooperativas de maior porte. Delas serão exigidos maiores montantes
de capital inicial e patrimônio líquido, apuração do capital requerido
conforme o grau de risco pelo regime prudencial completo, assim
como estruturas de governança mais robustas.
Por sua vez, as cooperativas clássicas poderão realizar somente as
operações hoje permitidas no regime prudencial simplificado. Esse
segmento de cooperativa não pode realizar, por exemplo, operações
que gerem exposição a variação cambial ou de preço de mercadorias,
nem manter aplicações em derivativos.
Por fim, as cooperativas de capital e empréstimo não poderão captar
recursos ou depósitos, sendo seu funding o capital próprio
integralizado pelos associados. Suas operações ativas também estão
limitadas àquelas permitidas no regime prudencial simplificado. São
cooperativas com estruturas física e organizacional menores e que
apresentam menos risco que as plenas ou as clássicas. (...)
Não bastassem tais benefícios de ordem operacional, a liberdade quanto à área de
atuação também representa uma importante ferramenta de expansão das cooperativas e
do Cooperativismo enquanto movimento social. Questões de mera territorialidade e
abrangência, antes existentes e até mesmos exigidos pelo Banco Central do Brasil, hoje
dão espaço à simples comprovação de que as cooperativas podem, operacionalmente,
atuar na área que se propõem assemblear e estatutariamente. Como consequência,
limites territoriais e de expansão ficam a cargo das estratégias sistêmicas e da
capacidade da sociedade cooperativa de ampliar os seus horizontes sem desnaturar a
essência cooperativa da associação. E neste aspecto em específico, o Banco Central do
Brasil, na aplicação da nova norma, deverá estar atento enquanto órgão de fiscalização
estatal.
Feitas tais considerações, ressalta-se que a classificação das Cooperativas de
Crédito hoje existentes será inicialmente indicada pelo próprio Banco Central do Brasil.
Tal classificação automática, prevista no seu artigo 59, tem como base as operações
atualmente praticadas pelas Cooperativas e será comunicada às mesmas no prazo de
noventa dias contados da publicação da nova Resolução (06/08/2015). Conforme
procedimento previsto no parágrafo único do referido artigo, ao receber a indicação do
Banco Central do Brasil sobre o seu enquadramento, a cooperativa singular deve (i)
manifestar a sua concordância ou, alternativamente, (ii) solicitar a mudança de
categoria. Neste caso, porém, a cooperativa de crédito solicitante deverá demonstrar que
atende aos requisitos exigidos para a categoria em que pretende ingressar, como por
exemplo, adequação de capital, patrimônio líquido e estrutura de governança, entre
outros. Outrossim, o procedimento de mudança de categoria seguirá os mesmos trâmites
previstos no artigo 14 da novel Resolução.
Como visto, mudar o paradigma da forma de classificação das cooperativas
parecer ter sido o grande avanço da nova norma. Privilegiar a vontade do cooperado
quanto às regras de associação e limites de atuação garante às sociedades cooperativas o
respeito aos seus objetivos comuns, deixando ao Banco Central o papel fiscalizador das
suas operações.
3.4 Dos novos limites mínimos de capital e de patrimônio.
Soa como consequência natural que a reclassificação das cooperativas de crédito
ditada pela Resolução CMN nº 4.434/2015, agora considerando como objeto de
classificação as operações praticadas e os decorrentes riscos impostos aos seus
associados, exija uma readequação quanto aos limites mínimos de capital e patrimônio,
afinal, são esses índices que pretender garantir minimamente a integridade do
empreendimento cooperativo. E para desde já acentuar as diferenças propostas, mostra-
se pertinente a transcrição dos novos limites mínimos, assim definidos pelo artigo 19, da
nova Resolução, verbis:
Art. 19. A cooperativa de crédito deve observar os seguintes limites
mínimos, em relação ao capital integralizado e ao Patrimônio
Líquido (PL):
I - cooperativa central de crédito e confederação de centrais:
integralização inicial de capital de R$200.000,00 (duzentos mil reais)
e PL de R$1.000.000,00 (um milhão de reais);
II - cooperativa de crédito de capital e empréstimo, classificada nos
termos do inciso III do art. 15: integralização inicial de capital de
R$10.000,00 (dez mil reais) e PL de R$100.000,00 (cem mil reais);
III - cooperativa de crédito clássica, classificada nos termos do inciso
II do art. 15, filiada a cooperativa central: integralização inicial de
capital de R$10.000,00 (dez mil reais) e PL de R$300.000,00
(trezentos mil reais);
IV - cooperativa de crédito clássica, classificada nos termos do inciso
II do art. 15, não filiada a cooperativa central: integralização inicial
de capital de R$20.000,00 (vinte mil reais) e PL de R$500.000,00
(quinhentos mil reais);
V - cooperativa de crédito plena, classificada nos termos do inciso I
do art. 15, filiada a cooperativa central: integralização inicial de
capital de R$2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais) e PL
de R$25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais); e
VI - cooperativa de crédito plena, classificada nos termos do inciso I
do art. 15, não filiada a cooperativa central: integralização inicial de
capital de R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e PL de
R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). (grifamos)
Inicialmente, merece destaque a repetida distinção que a Resolução CMN nº
4.434/2015 dá às cooperativas de crédito Clássicas e Plenas filiadas à cooperativa
central, privilegiando-as. Embora o presente estudo mantenha – do ponto de vista
estritamente legalista, repise-se – as críticas já mencionadas quanto ao privilégio
sistêmico, há que se reconhecer que a diferenciação apresentada quanto às exigências de
capital e patrimônio está, aqui, escorada em critérios objetivos que consideram, de
forma positiva na visão deste autor, a participação dos Sistemas Cooperativos na defesa
da integridade financeira das suas singulares.
Em relação ao capital integralizado pelos sócios, assim entendido como o capital
social subscrito pelo cooperado e que foi efetivamente colocado à disposição do
empreendimento, o cuidado histórico das Resoluções do Banco Central em impor um
capital mínimo se escora no fato da Lei Federal nº 5.764/71 (artigo 4º, II) atribuir às
cooperativas a variabilidade do seu capital social, decorrência da liberdade de
associação e do caráter finalístico da sociedade: obter vantagens para os seus sócios. Em
comparação à Resolução revogada, percebe-se que os novos dispositivos trazidos pelo
CMN propuseram uma positiva simplificação das suas exigências, sendo em alguns
casos, inclusive, inferiores às exigências atualmente postas13
.
13 Considerando que a partir da Resolução CMN nº 4.434/2015, todas as cooperativas podem ser consideradas, quanto à formação do seu quadro associativo, de livre admissão, as exigências de capital mínimo postas às Cooperativas de Crédito
Já no que tange aos limites de patrimônio, a primeira mudança percebida pelo
cotejo das normas está na substituição da forma de apuração do mesmo. Enquanto o
artigo 31 da Resolução CMN nº 3.859/2010 trazia como apuração de patrimônio o
limite mínimo de Patrimônio de Referência (PR), o artigo 19 da nova Resolução CMN
nº 4.434/2015 torna necessária a demonstração mínima de Patrimônio Líquido (PL), a
partir do quinto ano contado da data de autorização para funcionamento da cooperativa
(art. 19, §2º). Na prática, o que tal alteração propõe é a simplificação quanto à
compreensão dos requisitos mínimos, na medida em que a avaliação do Patrimônio
Líquido desconsidera a análise de alguns itens exigidos para a apuração do Patrimônio
de Referência como, por exemplo, a provisão, das dívidas subordinadas, as reservas,
entre outros.
Entretanto, a substituição do Patrimônio de Referência pelo Patrimônio Líquido
para fins de limites mínimos não significa a alforria das cooperativas de crédito ao
atendimento dos requerimentos mínimos de Patrimônio de Referência exigidos pelo
Banco Central do Brasil. Não apenas o artigo 21 da nova Resolução destaca tal ressalva,
como também a própria Resolução CMN nº 4.192/2013, que dispõe sobre a
metodologia para apuração do Patrimônio de Referência, diz em seu artigo 1º que tal
índice dever ser apurado pelas instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo
Banco Central do Brasil, como os bancos.
Por fim, é válido repisar que o §2º do artigo 19, da Resolução CMN nº
4.434/2015, manteve a exigência de patrimônio mínimo a partir de cinco anos da
autorização para funcionamento. Contudo, a parte final do mesmo dispositivo inova ao
fixar que ...até o terceiro ano, o PL deve representar, no mínimo, 50% (cinquenta por
cento) dos respectivos limites. De igual forma, redutores de limites para regiões
específicas do país, previstos no parágrafo único do artigo 31, da Resolução CMN nº
Clássicas vinculadas a uma Central Cooperativa (art. 19, III), qual seja, R$10.000,00 (dez mil reais), são inferiores às exigências impostas pela Resolução CMN nº 3.859/2010, às Cooperativas de Livre Admissão de Associados (artigo 31, IV, “a” – R$20.000,00).
3.859/2010, passam a não mais existir com a nova norma, até porque os recentes
números do Cooperativismo de Crédito mostram a pujança do movimento nas regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Neste aspecto, nota-se que a norma avança quanto à estabilidade do capital da
cooperativa, fator sempre destacado no Plano 2020 da Aliança Cooperativa
Internacional.
3.5 Da evolução da norma quanto à Governança Cooperativa. Da aplicação de
princípios à criação objetiva de regras.
Não é de hoje que o sistema cooperativo brasileiro e o Banco Central do Brasil,
com importantes contribuições como a do Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa (IBGC) e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), vêm
centrando as suas atenções também quanto à forma como as cooperativas de crédito
brasileiras são dirigidas, monitoradas e incentivadas, sem interferir na autonomia e na
gestão democrática pelos seus associados. Já em 2009, por exemplo, o Banco Central do
Brasil lançou ao segmento de crédito cooperativo o livro “Governança Cooperativa:
Diretrizes e mecanismos para fortalecimento da governança em cooperativas de
crédito.”, ocasião em que traçou as primeiras linhas de abordagem quanto ao tema e
que, em sua apresentação, assim situava o desafio da época:
Visando ao fortalecimento do segmento, o Banco Central, por meio do
projeto Governança Cooperativa, deu um passo além, ao diagnosticar,
por meio de estudos e pesquisas, as particularidades da governança
nas cooperativas de crédito e ao definir diretrizes para consecução de
boas práticas. Buscou, então, apontar um caminho e induzir a adoção
de boas práticas pelas cooperativas, de forma voluntária.14
14 VENTURA, Elvira Cruvinel Ferreira. et al. Governança Cooperativa: Diretrizes e mecanismos para fortalecimento da governança em cooperativas de crédito. Brasília: BCB, 2009. pg. 09.
Tais delineamentos foram, em linhas gerais, incorporados pela Resolução CMN nº
3.859/2010, que inovou ao provocar as Cooperativas quanto às observâncias das
políticas de governança corporativa que abordassem aspectos de representatividade e
participação, propondo uma direção estratégica com gestão, fiscalização e controle.
Contudo, ressalvados específicos regramentos, como as constantes no artigo 18,
onde as cooperativas singulares de livre admissão, de empresários, de pequenos
empresários, microempresários e microempreendedores, entre outras, são obrigadas a
adotar estrutura administrativa integrada por conselho de administração e por diretoria
executiva, o que a Resolução CMN nº 3.859/2010 inicialmente propusera fora tão
somente a observância de princípios de governança, como a equidade, transparência,
ética, educação.
Ocorre que com a publicação do Plano de Ação para uma Década Cooperativa
pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em 2013, a aplicação dos princípios de
governança corporativa às cooperativas foram alçadas a outro patamar. Pelo documento,
por serem as cooperativas um modelo negocial que prioriza as pessoas, a sua
administração democrática, autônoma e baseada nos princípios de governança, garantirá
às cooperativas em todo o mundo maior sustentabilidade econômica, social e ambiental,
além de tornar o movimento cooperativo um ator de destaque nesse cenário. Neste
ponto, os desafios lançados pelo órgão máximo do Cooperativismo mundial são claros:
Sustentabilidade em sentido lato é a capacidade de suportar, manter e
resistir. Desde os anos 1980 a sustentabilidade humana tem sido
ligada à integração das dimensões ambiental, econômica e social na
fiscalização global e gestão responsável dos recursos. As cooperativas
sempre atuaram de forma a permitir às pessoas que ascendessem aos
bens e serviços sem serem exploradas. Tal significou negociar de
acordo com uma série de valores assentes no que hoje se chama
desenvolvimento sustentável. (...) As Cooperativas procuram
“otimizar” os resultados para todos os intervenientes, sem procurar
“maximizar” os benefícios de um só deles. Construir um
desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável deveria
constituir uma das motivações e justificações principais para o
crescimento do setor cooperativo. (...) Embora existam exceções
locais, sustentabilidade não é um termo que esteja universalmente
associado às cooperativas. Isso tem de mudar até 2020 – posicionar as
cooperativas como arquitetas da sustentabilidade, (...), e isso inclui
Práticas de Gestão: O setor cooperativo necessita fazer mais para
desenvolver e promover práticas específicas de gestão que reflitam os
valores democráticos e o horizonte de longo prazo do modelo de
empresa cooperativo, e que explore a vantagem cooperativa.15
Nessa mesma esteira, o recente documento publicado pelo Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa (IBGC) – Guia das Melhores Práticas de Governança para
Cooperativas –, reforça a busca de boas práticas pelo próprio movimento cooperativo
brasileiro, justificando em seu texto que a conversão das boas práticas de governança
corporativa em recomendações objetivas às realidades das cooperativas se alinha com a
finalidade de preservação e otimização dos valores cooperativos, promovendo o
desenvolvimento e contribuindo para a longevidade e perenidade das cooperativas.16
Apesar de não se saber ao certo se o Banco Central do Brasil considerou na
formulação da norma os desafios da ACI e as importantes colaborações do IBGC e da
OCB para o desenvolvimento da gestão cooperativa, aí incluindo as cooperativas de
crédito, o que se tem de concreto é que as boas práticas de governança, ditadas agora de
forma efetiva e objetiva pela Resolução CMN nº 4.434/2015, vão ao encontro dos
objetivos do Cooperativismo, alinhando interesses dos sócios com a finalidade de
preservar o empreendimento cooperativo como instituição social, sobretudo
contribuindo também para a sua longevidade.
Nessa perspectiva, o artigo 26 da nova Resolução é pontualmente positivo ao
acrescentar à política de governança corporativa o princípio da remuneração dos
15 GREEN, Dame Pauline. et al. Plano de ação para uma década cooperativa. ACI: Bruxelas, 2013. pg. 13/14. 16 cf. MUNHÓS, José Luiz. et al. Guia das Melhores Práticas de Governança para Cooperativas. São Paulo: IBGC, 2015. pg. 14.
membros dos órgãos estatutários, assunto este por vezes sensível nas discussões
assembleares das cooperativas de crédito. Com tal pilar de governança, desde que
analisado de forma equânime com os demais princípios indicados no artigo, as
cooperativas de crédito recebem do Banco Central do Brasil a chancela quanto à
importância da remuneração justa dos membros dos órgãos estatutários e o consequente
comprometimento dos mesmos aos objetivos sociais impostos pelos estatutos sociais,
medida salutar para aqueles que dedicam a sua força de trabalho a uma empresa que não
possui qualquer natureza filantrópica, apesar da ausência de lucro.
No mais, ao acrescentar – em relação à norma revogada – competências mínimas
e atribuições específicas ao Conselho de Administração (artigo 28) e ao Conselho Fiscal
(artigo 31), a Resolução CMN nº 4.434/2015 diminui o risco de conflito de interesses
entre os órgãos estatutários, aumentando como consequência a confiança no trabalho
conjugado. A busca pela eliminação de riscos que atinjam a governança justificam ainda
as novidades normativas trazidas pelos artigos 29 e 30 da nova Resolução, que preveem
requisitos e organizações mínimas a serem dispostas nos estatutos daquelas
cooperativas que possuírem estrutura administrativa segregada em conselho de
administração e diretoria.
Cabe ressaltar que tais regras de estrutura administrativa integrada entre conselho
de administração e diretoria executiva ainda são facultadas às cooperativas de crédito
em geral17
, sendo obrigatórias tão somente a todas as Cooperativas de Crédito Plenas e
às Cooperativas de Crédito Clássicas cuja média de ativos totais, nos últimos três anos,
seja igual ou superior a R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), como determina
o artigo 27. De todo modo, independentemente do tamanho ou da sua classificação, há
de se haver regras internas de “compliance” e de controles internos a serem exercidas
por toda e qualquer cooperativa de crédito frente o cenário atual, regras estas que nem
sempre são financeiramente custosas.
17 Em caráter excepcional o §2º do artigo 27 prevê que outros tipos de Cooperativas de Crédito podem ser obrigadas a adotarem o
modelo dual, de acordo com a conveniência do Banco Central do Brasil.
Por fim, a última mudança de governança aqui destacada merece atenção por hoje
impactar diretamente sobre diversas cooperativas de crédito que optam pela segregação
dos seus órgãos estatutários. Com a vigência da nova Resolução, fica completamente
vedado o exercício simultâneo de cargos no conselho de administração e na
diretoria executiva de cooperativas (artigo 27, §1º), sendo que estas deverão se
adequar à nova exigência na primeira eleição de administradores realizada a partir de
2017, ou antes desse prazo, a critério da assembleia, como disposto no artigo 60, inciso
II.
3.6 Da desfiliação da cooperativa de crédito singular. Criação de procedimentos.
Sob o aspecto legal, o artigo 3º da Lei 5.764/71 diz que a sociedade cooperativa é
a celebração de um contrato societário pelo qual os seus sócios se obrigam a
contribuir para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem
objetivo de lucro. Já o artigo 6º da mesma lei diz que esse tipo de contrato societário
pode ser celebrado também por outras sociedades cooperativas que igualmente se
obrigam entre si e são chamadas de Cooperativas Centrais (inciso II), cujo objetivo é
organizar, em comum e em maior escala, os serviços econômicos e assistenciais de
interesse das filiadas.
Ao se filiar a um sistema cooperativo, toda e qualquer cooperativa singular está,
na verdade, aderindo às suas regras estatutárias e, portanto, obrigando-se a
contribuir para os seus objetivos sociais, posto que esta é a contrapartida da gestão
democrática que garante à singular participar ativamente das decisões sobre os rumos e
as regras mínimas para funcionamento harmônico e seguro da sua cooperativa central.
Tal revisão legal se mostra importante, pois, ainda que o princípio da livre
admissão permita também a livre saída de qualquer pessoa de uma sociedade
cooperativa, não se pode olvidar que a obrigação anterior ao empreendimento
cooperativista impõe ao retirante o respeito não apenas às regras da sociedade, mas
também às regras que visem à integridade do Sistema Cooperativo em seu sentido lato.
E foi baseada nessa concepção, que considera também as competências reguladoras já
discutidas, que o Banco Central de Brasil buscou regrar com a Resolução CMN nº
4.434/2015 a desfiliação de cooperativas de crédito singulares.
Entre os seus artigos 40 e 42, a nova Resolução cria um procedimento mínimo
para que cooperativas singulares passem a atuar de forma independente, a partir da
desfiliação, não fazendo qualquer exigência para aquelas que pretendem tão somente
trocar de cooperativa central. Partindo, então, da premissa que a filiação presume
adesão às regras estatutárias e aceitação dos objetivos sistêmicos, o artigo 40 determina
que antes do ato de desfiliação a cooperativa singular deve apresentar ao Banco
Central do Brasil – mediante relatório próprio – os motivos da desfiliação e como a
cooperativa singular pretende suprir os serviços e produtos até então ofertados pela
cooperativa central, inclusive quanto a sistemas operacionais e canais de acesso ao
sistema financeiro.
Não bastasse isso, no caso de ausência de previsão estatutária da singular sobre o
assunto, o mesmo artigo determina que para legitimar a opção dos gestores e
administradores quanto à desfiliação, o relatório a ser apresentado ao Banco Central do
Brasil deve ter sido objeto de parecer pelo conselho fiscal da cooperativa e ter sido
aprovado por assembleia geral18
destinada a deliberar sobre o tema. Ademais, também
a cooperativa central a qual a singular está filiada deverá encaminhar avaliação sobre a
18 Nos termos dos artigos 44, 45 e 46, da Lei Federal nº 5.764/71 (Lei Geral das Cooperativas), a deliberação sobre o tema pode ocorrer em assembleia geral ordinária ou extraordinária, desde que a discussão da desfiliação seja mencionada no edital de convocação. Para a aprovação da desfiliação, é necessária maioria simples dos presentes.
situação da filiada, abordando objetivamente eventuais deficiências e irregularidades,
apresentando ainda suas perspectivas sobre a cooperativa singular após sua desfiliação.
Mas não são apenas as cooperativas singulares que podem, a partir dos requisitos
acima expostos, solicitar sua desfiliação. Às cooperativas centrais é igualmente
garantido o direito de solicitar a desfiliação de uma cooperativa singular. Contudo, o
artigo 42 da nova regra determina que o pedido de desfiliação esteja acompanhado de
justificativa que avalie eventuais infrações legais e/ou estatutárias praticadas pela
cooperativa singular, além das mesmas explicações sobre as perspectivas da singular
após a desfiliação.
Como se pode perceber, o ato de desfiliação também passa a ser regulado e
fiscalizado pelo Banco Central do Brasil, fato este salutar na medida em que o
rompimento entre cooperativas singulares e centrais não se baseará tão somente em
aspectos estratégicos e/ou econômicos, mas sim no efetivo descumprimento dos
requisitos legais e estatutários que outrora as reuniram em busca dos objetivos comuns.
3.7 Dos pontuais aprimoramentos quanto às auditorias externas e às regras de
cancelamento da autorização para funcionamento das cooperativas de crédito.
O constante avanço normativo quanto à atividade de auditoria externa junto às
cooperativas de crédito permitiu que a Resolução CMN nº 4.434/2015 trouxesse em
relação ao tema tão somente ajustes e esclarecimentos pontuais, como nos casos de
suspeição19
. Pelo novo regramento, eventual suspeição não acarretará na
desconsideração automática da auditoria, mas possibilitará, a critério do Banco Central
19 Do ponto de vista jurídico, a suspeição se opera quando o ato praticado por terceiro é suscetível de oposição por parcialidade. Na Resolução CMN nº 4.434/2015, os casos de suspeição da auditoria estão mantidos (artigo 44, IV), quais sejam, as vinculações existentes entre membro de órgão estatutário, empregado ou prestador de serviço da cooperativa auditada e a entidade de auditoria. Na Resolução CMN nº 3.859/2010, tais casos estavam dispostos no artigo 28, VI.
do Brasil, a revisão por outra entidade que não possua vínculo com o sistema
cooperativo auditado.
Outrossim, além de a nova regra permitir que a entidade de auditoria cooperativa
audite as demonstrações das cooperativas a ela associadas, fato que ainda será
aperfeiçoado com a regulamentação específica sobre as entidades especializadas em
auditoria cooperativa, como bem destacou Enio Meinen20
, critérios facilitadores como a
verificação das demonstrações contábeis das cooperativas de crédito singulares numa
única vez no dia 31 de dezembro permitirão importantes avanços também no
acompanhamento dos resultados e balanços pelos cooperados, estes sim o objeto
principal de todo o arcabouço aqui estudado.
No que tange às regras de cancelamento da autorização para funcionamento, a
nova Resolução CMN nº 4.434/2015 igualmente inovou de forma pontual a fim de
melhor sistematizar os processos de cancelamento da autorização junto ao Banco
Central do Brasil.
Além de a Resolução afirmar que a dissolução da cooperativa por si só implica o
cancelamento da respectiva autorização (artigo 47), e prever objetivamente quais os
requisitos indispensáveis para o referido cancelamento (artigo 48), o artigo 49 é
especialmente inovador ao trazer em seus parágrafos a necessidade de procedimento
administrativo específico proposto pelo Banco Central do Brasil, que garanta não
apenas o contraditório e a ampla defesa às cooperativas singulares, mas principalmente
a necessária justificativa do cancelamento à luz de critérios objetivos como a defesa da
estabilidade do Sistema Financeiro Nacional, da poupança popular e dos credores
operacionais da instituição.
20 MEINEN, Ênio. 09 de agosto de 2015. O cooperativismo financeiro brasileiro sob nova regulamentação. Portal do
Cooperativismo Financeiros. Disponível em: <http://www. http://cooperativismodecredito.coop.br/2015/08/o-cooperativismo-
financeiro-brasileiro-sob-nova-regulamentacao-por-enio-meinen/> Acesso em: 28 ago. 2015.
Como visto, todas as alterações até aqui apresentadas demonstram que a
Resolução CMN nº 4.434/2015 se consolida como uma importante ferramenta de
desenvolvimento das cooperativas singulares, suas respectivas centrais e confederações
que atualmente formam um Sistema Cooperativo sólido e crescente. Não obstante as
pontuais críticas, não se pode deixar de ver que o novo regramento é um passo à frente
no desenvolvimento do quadro legal das cooperativas de crédito.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do presente estudo buscou-se analisar não apenas as alterações
propostas pela Resolução CMN nº 4.434/2015 em comparação às condições normativas
apresentadas pela parcialmente revogada Resolução CMN nº 3.857/2010, mas também
verificar se essas alterações contribuem para a realização dos objetivos estratégicos do
cooperativismo lançados pela Aliança Cooperativa Internacional no documento Plano
de Ação para uma Década Cooperativa. Para tanto, iniciou-se pela perspectiva da
legitimidade e competência normativa do Conselho Monetário Nacional, a fim alcançar
também os objetivos internacionais do cooperativismo; num segundo momento,
apresentar as efetivas alterações trazidas e criticá-las à luz dos aspectos práticos e
principiológicos do cooperativismo.
A primeira conclusão é que a nova Resolução efetivamente significa um passo
adiante na evolução normativa do cooperativismo de crédito brasileiro. Alterar a
classificação das cooperativas de crédito para tratá-las a partir das operações praticadas,
e não mais pelos seus associados, parece ser o grande avanço da norma, pois respeita de
forma inconteste a livre adesão e autonomia das cooperativas em decidir os rumos do
seu quadro associativo. Contudo, caberá às cooperativas bem regrar tal liberdade, afinal,
o fortalecimento dos vínculos e a valorização da identidade cooperativa são essenciais
para o sucesso do empreendimento, como bem destacado no Plano 2020 da ACI.
Outro aspecto que merece elogios, somado à salutar reorganização dos capitais e
patrimônios, é a efetiva introdução de boas práticas de governança. Bem estabelecer
limites, critérios e competências dos órgãos estatutários das cooperativas, como faz a
nova Resolução com importantes contribuições do Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa (IBGC) e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), por
exemplo, promove um positivo ambiente de gestão, essencial para a sustentabilidade
econômica e social das cooperativas.
No mais, a criação de regras e procedimentos administrativos para o
desligamento de cooperativas singulares das centrais cooperativas e, ainda, para se
promover o cancelamento da autorização de funcionamento destas, sempre com a
necessária prévia fundamentação técnica e legal que a justifique, garantindo o
contraditório e a ampla defesa, são igualmente salutares para a sustentabilidade e o
fortalecimento do quadro legal propostos pela ACI na medida em que estabelecem a
segurança jurídica necessária para o funcionamento e a manutenção das cooperativas de
crédito com a liberdade constitucionalmente garantida.
Contudo, os avanços e aspectos positivos da norma não podem ofuscar as
pontuais críticas trazidas com o presente estudo. A primeira crítica, já trabalhada, é o
privilégio às vinculações sistêmicas no processo de constituição de cooperativas de
crédito. Ainda que se entenda e respeite que o Sistema Cooperativo atual é muito bem
consolidado e administrado pelas grandes centrais cooperativas, o que facilita a
autorregulação sempre incentivada pelo Banco Central do Brasil, criar mecanismos
legais que diferenciem as formas de constituição de uma cooperativa tão somente pela
sua vinculação sistêmica parece ferir os princípios da legalidade e da igualdade, embora
tal reflexão mereça maior aprofundamento.
Uma segunda consideração negativa sobre a Resolução CMN nº 4.434/2015 diz
respeito às omissões que a mesma apresenta sobre outros aspectos de fortalecimento do
cooperativismo de crédito, aspectos estes muito bem apresentados pela Aliança
Cooperativa Internacional, em 2013, e que poderiam ser considerados na sua
integralidade pela nova Resolução. Como visto, mais uma vez a evolução normativa do
Conselho Monetário Nacional, sempre muito bem executada e fiscalizada pelo Banco
Central do Brasil, privilegiou o fortalecimento da estabilidade financeira das
cooperativas de crédito, o que é plenamente justificado pelos objetivos legais do
Sistema Financeiro Nacional.
Entretanto, e ainda que a nova norma sinalize avanços além dos aspectos
financeiros, como ocorre com o fortalecimento das políticas de governança, é também
dever do Sistema Financeiro Nacional desenvolver em seu quadro legal aspectos
normativos que fortaleçam a participação do associado, seus vínculos e a identidade
cooperativa. O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil não podem
desconsiderar, por exemplo, o constante esvaziamento das assembleias gerais das
cooperativas atuais, que revelam uma grave crise de identidade e pertencimento pelos
seus cooperados. Tais situações podem colocar em risco a estabilidade futura dos
Sistemas Cooperativos e, por isso, devem ser debatidos com a sociedade na busca de
uma evolução normativa também neste sentido.
Apesar de tudo isso, o momento é de comemoração quanto aos avanços trazidos
pela Resolução CMN nº 4.434/2015. Que as cooperativas saibam aproveitar o aval dado
pelo Sistema Financeiro Nacional para manter com profissionalismo e altruísmo o
sólido e constante crescimento, de forma sustentável, do cooperativismo de crédito no
Brasil.
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