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Novo modelo para as ferrovias Por Armando Castelar Pinheiro 04/10/2013 O Programa de Investimentos em Logística (PIL), lançado em 2012, ganhou nova dinâmica nas últimas semanas, com o governo se esforçando para aumentar o interesse pelo seu portfólio de projetos, totalizando R$ 242 bilhões em investimentos em aeroportos, ferrovias, portos e rodovias. São valores a serem desembolsados ao longo de trinta anos, mas com alguma concentração nos primeiros cinco anos após a privatização. Se bem sucedido, o PIL ampliará a capacidade de transporte de pessoas e cargas, aumentar a produtividade e estimular outros investimentos. A atratividade dos projetos do PIL é bastante variável. Privatizar os aeroportos deve ser mais fácil. O transporte aéreo cresce acima do PIB em todo mundo; no Brasil, saltou no último decênio. Doravante a expansão do tráfego aéreo será mais lenta, devido à desvalorização do real e ao menor crescimento do PIB, mas a oportunidade de aumentar a produtividade e explorar novas atividades comerciais vão atrair os investidores para os aeroportos. Os portos também vão interessar as empresas. A nova Lei dos Portos, que consolida a anterior e elimina as incertezas jurídicas trazidas pelo decreto 6620/08, torna o setor mais atraente. Além disso, a movimentação de carga portuária também cresce com rapidez, o setor privado já conhece e opera de acordo com essas regras, e questões de licenciamento ambiental são relativamente de menor importância, como nos aeroportos. O modelo regulatório sob o qual vão operar na prática acaba por inviabilizar sua concessão Nas rodovias, como mostrou o fracasso da privatização da BR-262, o quadro é mais complicado. O risco de atrasos nas obras e, pelas regras, no recebimento de pedágios, é maior. O licenciamento ambiental também é mais complicado. E, principalmente, o risco regulatório é bem mais alto. Este voltou com força após as manifestações de junho, depois de ter caído no passado, graças à jurisprudência estabelecida nos tribunais. A modelagem desenhada para o setor, calcada em alavancar o investimento privado com fartos subsídios públicos, também aumenta o risco político. Algumas rodovias precisarão ser remodeladas como PPPs. O principal portfólio de projetos do PIL está no setor ferroviário. Ao todo, estimam-se investimentos de R$ 99,6 bilhões, não incluído o trem-bala. Esses projetos têm qualidades importantes. Eles procuram permitir que se escoe a produção mineral e agrícola das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste que,

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  • Novo modelo para as ferrovias Por Armando Castelar Pinheiro 04/10/2013 O Programa de Investimentos em Logstica (PIL), lanado em 2012, ganhou nova dinmica nas ltimas semanas, com o governo se esforando para aumentar o interesse pelo seu portflio de projetos, totalizando R$ 242 bilhes em investimentos em aeroportos, ferrovias, portos e rodovias. So valores a serem desembolsados ao longo de trinta anos, mas com alguma concentrao nos primeiros cinco anos aps a privatizao. Se bem sucedido, o PIL ampliar a capacidade de transporte de pessoas e cargas, aumentar a produtividade e estimular outros investimentos.

    A atratividade dos projetos do PIL bastante varivel. Privatizar os aeroportos deve ser mais fcil. O transporte areo cresce acima do PIB em todo mundo; no Brasil, saltou no ltimo decnio. Doravante a expanso do trfego areo ser mais lenta, devido desvalorizao do real e ao menor crescimento do PIB, mas a oportunidade de aumentar a produtividade e explorar novas atividades comerciais vo atrair os investidores para os aeroportos.

    Os portos tambm vo interessar as empresas. A nova Lei dos Portos, que consolida a anterior e elimina as incertezas jurdicas trazidas pelo decreto 6620/08, torna o setor mais atraente. Alm disso, a movimentao de carga porturia tambm cresce com rapidez, o setor privado j conhece e opera de acordo com essas regras, e questes de licenciamento ambiental so relativamente de menor importncia, como nos aeroportos.

    O modelo regulatrio sob o qual vo operar na prtica acaba por

    inviabilizar sua concesso

    Nas rodovias, como mostrou o fracasso da privatizao da BR-262, o quadro mais complicado. O risco de atrasos nas obras e, pelas regras, no recebimento de pedgios, maior. O licenciamento ambiental tambm mais complicado. E, principalmente, o risco regulatrio bem mais alto. Este voltou com fora aps as manifestaes de junho, depois de ter cado no passado, graas jurisprudncia estabelecida nos tribunais.

    A modelagem desenhada para o setor, calcada em alavancar o investimento privado com fartos subsdios pblicos, tambm aumenta o risco poltico. Algumas rodovias precisaro ser remodeladas como PPPs.

    O principal portflio de projetos do PIL est no setor ferrovirio. Ao todo, estimam-se investimentos de R$ 99,6 bilhes, no includo o trem-bala. Esses projetos tm qualidades importantes. Eles procuram permitir que se escoe a produo mineral e agrcola das regies Norte, Nordeste e Centro-Oeste que,

  • apesar do dinamismo atual, eram economicamente marginais quando se desenvolveu a malha existente. Tambm integram melhor as malhas existentes, gerando economias de rede.

    Por outro lado, as caractersticas dessas ferrovias e o modelo regulatrio sob o qual vo operar praticamente inviabilizam sua concesso. Alguns dos projetos, como o trecho Aailndia-Vila do Conde, so totalmente novos e devem esbarrar em problemas de engenharia e dificuldades de licenciamento ambiental, como os que atrasam a Ferrovia de Integrao Oeste-Leste.

    H tambm um risco de demanda considervel. Para lidar com este risco, o governo prometeu comprar toda a capacidade de transporte das ferrovias novas ou reconcessionadas. Assim, no novo modelo, separam-se os operadores da infraestrutura (trilho) dos de transporte (trens). A Valec compra a capacidade da infraestrutura e vende para os operadores de transporte, que a partir da tm livre trnsito pelas vias.

    Os problemas com esse modelo so variados. Primeiro, perde-se as economias de escopo que existem na explorao conjunta de trilhos e trens. Segundo, como o operador de trilhos no ganha nada em atrair clientes e trat-los bem, no vai faz-lo, pois isso tem custos. Ele tambm no ganha nada em manter os trilhos em boas condies. Os operadores de trem tambm no tm incentivos para usar equipamentos que poupem os trilhos, que no so deles. Tudo isso aumenta a chance de acidentes. o que mostrou a experincia britnica.

    Obviamente, o modelo penaliza esse tipo de comportamento, mas aplicar sanes mais difcil do que parece. Mire-se o exemplo das rodovias. L tambm h desverticalizao e interao entre vias e veculos. O que se observa que as rodovias brasileiras tm vida til menor do que a prevista, pois os caminhes trafegam com cargas acima do peso permitido. Em tese isso deveria ser punido, mas as balanas no funcionam, nem h fiscalizao.

    H outros riscos. Como garantir que a Valec ter recursos para no futuro pagar o operador de infraestrutura? Ou que a TJLP, que indexa os emprstimos que viabilizaro esses investimentos, no subir no futuro?

    Eu acredito que se deveria esquecer essas mudanas e operar com o modelo verticalizado, que deu certo nas malhas existentes e, por exemplo, nos EUA. Questes concorrenciais deveriam ser tratadas pelo Cade. Onde h necessidade de subsdios pblicos, esses deveriam ser canalizados via PPPs, por meio de leiles para determinar que concessionrio quer menos subsdios para cumprir as metas pr-estabelecidas. Ainda h trabalho a fazer para viabilizar as concesses ferrovirias.

    Armando Castelar Pinheiro coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreve mensalmente s sextas-feiras.