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Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 35, nº 2, p. 113 - 116, abril / maio / junho 2006 Artigo Original 113 RETALHO MIOCUTÂNEO PEITORAL MAIOR: NOVA TÉCNICA PARA SUA CONFECÇÃO PECTORALIS MAJOR MYOCUTANEOUS FLAP: A NEW APPROACH TECHNIQUE 1 ALFIO JOSÉ TINCANI 2 ANDRÉ DEL NEGRO 3 PRISCILA PEREIRA COSTA ARAÚJO 3 HUGO KENZO AKASHI 4 FÁBIO SALATA 5 GILSON BARRETO 1 ANTÔNIO SANTOS MARTINS 1. Doutor em Medicina pelo Departamento de Cirurgia – Faculdade de Ciências MédicasUniversidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, SP 2. Médico Assistente, Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Departamento de Cirurgia – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, SP 3. Ex-Residente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Departamento de Cirurgia – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, SP 4. Ex-residente da Disciplina de Cirurgia Plástica Reparadora, Departamento de Cirurgia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, SP 5. Médico Assistente, Centro Médico Campinas, Campinas, SP e Diretor do Centro de Oncologia de Paulínia, SP Instituição: Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia Faculdade de Ciência Médicas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Correspondência: André Del Negro, Rua Governador Pedro de Toledo, 2157 ap. 141 – 13400-075 – Piracicaba, SP. e-mail: [email protected] Recebido em: 02/03/2006; aceito para publicação em: 01/04/2006 RESUMO Introdução: O retalho miocutâneo do peitoral maior (RMPM) é um dos mais utilizados na reconstrução de cirurgias em cabeça e pescoço devido à facilidade de execução e confiabilidade do seu pedículo. Nas grandes ressecções oncológicas, esse retalho possibilita a reconstrução com baixos índices de complicações em sua execução, porém, quando é necessário um arco de rotação maior, muitas vezes pode haver necrose ou perda do mesmo. Objetivo: Descrever uma técnica em que se pode conseguir com segurança um arco de rotação maior para confecção desses retalhos, com baixo índice de complicações. Casuítica e método: Foram avaliados 44 pacientes consecutivos com tumores malignos em cabeça e pescoço, em que foi empregado o RMPM para a reconstrução do defeito cirúrgico. Resultados: Não houve perda completa do retalho em nenhum caso. Em três casos (6,4%), houve pequena necrose de bordas na porção mais distal. As áreas doadoras da parede torácica foram fechadas primariamente, sempre com resultados estéticos aceitáveis. Conclusão: Essa técnica é rápida, útil e segura. Sua vantagem é que se confecciona o RMPM, com visibilização direta do feixe vásculo-nervoso e otimizando a quantidade de músculo necessária para a reconstrução adequada. Descritores: retalho miocutâneo; reconstrução; tumores de cabeça e pescoço. ABSTRACT Introduction: The pectoralis major myocutaneous (PMMF) flap is the most common technique in head and neck reconstruction surgery because of its great reliability and easy execution. For tumor resection, this flap enables surgical defect closure in up to 90% of the cases and has a low index of complications due to its reliable pedicle. Objective: to describe a new and easier technique of harvesting this flap, with a lower index of complications. Patients and methods: Forty four consecutive patients with head and neck malignant tumors in whom the PMMF was employed to cover the surgical defect were studied. Results: There was no total flap loss. Three cases (6.4%) showed mild necrosis in the distal margin. All donor sites in the thoracic wall were primarily closed with good cosmetic results. Conclusion: This is an easy-to-do, quick and safe new

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Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 35, nº 2, p. 113 - 116, abril / maio / junho 2006

Artigo Original

113

RETALHO MIOCUTÂNEO PEITORAL MAIOR: NOVA

TÉCNICA PARA SUA CONFECÇÃO

PECTORALIS MAJOR MYOCUTANEOUS FLAP: A NEW APPROACH

TECHNIQUE

1ALFIO JOSÉ TINCANI2ANDRÉ DEL NEGRO

3PRISCILA PEREIRA COSTA ARAÚJO3

HUGO KENZO AKASHI4

FÁBIO SALATA5

GILSON BARRETO1ANTÔNIO SANTOS MARTINS

1. Doutor em Medicina pelo Departamento de Cirurgia – Faculdade de Ciências MédicasUniversidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, SP2. Médico Assistente, Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Departamento de Cirurgia – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, SP3. Ex-Residente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Departamento de Cirurgia – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, SP4. Ex-residente da Disciplina de Cirurgia Plástica Reparadora, Departamento de Cirurgia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, SP5. Médico Assistente, Centro Médico Campinas, Campinas, SP e Diretor do Centro de Oncologia de Paulínia, SP

Instituição: Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de CirurgiaFaculdade de Ciência Médicas, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

Correspondência: André Del Negro, Rua Governador Pedro de Toledo, 2157 ap. 141 –13400-075 – Piracicaba, SP. e-mail: [email protected]

Recebido em: 02/03/2006; aceito para publicação em: 01/04/2006

RESUMOIntrodução: O retalho miocutâneo do peitoral maior (RMPM) é um dos mais utilizados na reconstrução de cirurgias em cabeça e pescoço devido à facilidade de execução e confiabilidade do seu pedículo. Nas grandes ressecções oncológicas, esse retalho possibilita a reconstrução com baixos índices de complicações em sua execução, porém, quando é necessário um arco de rotação maior, muitas vezes pode haver necrose ou perda do mesmo. Objetivo: Descrever uma técnica em que se pode conseguir com segurança um arco de rotação maior para confecção desses retalhos, com baixo índice de complicações.Casuítica e método: Foram avaliados 44 pacientes consecutivos com tumores malignos em cabeça e pescoço, em que foi empregado o RMPM para a reconstrução do defeito cirúrgico.Resultados: Não houve perda completa do retalho em

nenhum caso. Em três casos (6,4%), houve pequena necrose de bordas na porção mais distal. As áreas doadoras da parede torácica foram fechadas primariamente, sempre com resultados estéticos aceitáveis.Conclusão: Essa técnica é rápida, útil e segura. Sua vantagem é que se confecciona o RMPM, com visibilização direta do feixe vásculo-nervoso e otimizando a quantidade de músculo necessária para a reconstrução adequada.

Descritores: retalho miocutâneo; reconstrução; tumores de cabeça e pescoço.

ABSTRACTIntroduction: The pectoralis major myocutaneous (PMMF) flap is the most common technique in head and neck reconstruction surgery because of its great reliability and easy execution. For tumor resection, this flap enables surgical defect closure in up to 90% of the cases and has a low index of complications due to its reliable pedicle.Objective: to describe a new and easier technique of harvesting this flap, with a lower index of complications.Patients and methods: Forty four consecutive patients with head and neck malignant tumors in whom the PMMF was employed to cover the surgical defect were studied.Results: There was no total flap loss. Three cases (6.4%) showed mild necrosis in the distal margin. All donor sites in the thoracic wall were primarily closed with good cosmetic results.Conclusion: This is an easy-to-do, quick and safe new

technique. Its advantage is that when harvesting the PMMF, the vascular bundle is kept in sight during the whole procedure and it is easy to optimize the amount of muscle needed to perform an adequate reconstruction.

Key-words: myocutaneous flap; reconstruction; head and neck tumors.

INTRODUÇÃO

O retalho miocutâneo do músculo peitoral maior (RMPM) é muito utilizado para reconstruções cirúrgicas em cabeça e pescoço devido à sua versatilidade e, principalmente, para casos de grandes ressecções por

1-6tumores . Nas grandes cirurgias ablativas para ressecções tumorais, o RMPM é efetivo para a reconstrução dos defeitos cirúrgicos, especialmente quando se necessita cobertura com tecidos moles,

5,6podendo ser executado em único estágio . O RMPM tem baixo índice de

complicações, permite fechamento primário da área doadora na parede torácica, é muito resistente à infecção

3,5,6cirúrgica, oferece boa cobertura para os vasos cervicais , com obliteração do espaço morto, e ainda permite grande flexibilidade na quantidade de tecido a ser transferido na dependência do defeito cirúrgico. Como o RMPM não necessita de mobilização do paciente no intra-operatório, ele pode ser elevado por uma segunda equipe cirúrgica,

2-6simultaneamente, durante a cirurgia ablativa .O retalho também permite que doses altas de

radioterapia adjuvante possam ser empregadas na área de ressecção tumoral e pode ser usado como opção terapêutica no tratamento de complicações pós-operatórias, como fístulas ou necrose tecidual.

Descreveremos uma técnica segura para a confecção do RMPM, que minimiza complicações de perdas, podendo-se otimizar a quantidade de músculo a ser utilizada, apresentando também um grande arco de rotação, com elevação acima do arco zigomático.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Foram revisados 44 casos consecutivos de cirurgias ablativas em cabeça e pescoço em que se empregou o RMPM para fechamento do defeito cirúrgico e utilizou-se esSa técnica. Dos 44 pacientes estudados, 36 apresentavam tumores intra-orais (81%) e os demais tumores de pele da região de cabeça e pescoço (19%). Todos foram tratados em um único tempo cirúrgico, com a ressecção tumoral seguida por reconstrução imediata do defeito cirúrgico.

Técnica CirúrgicaA técnica proposta consiste em fazer-se a incisão cutânea com uma linha levemente curva, que se inicia na prega axilar e termina na porção mais inferior do músculo peitoral maior, geralmente medialmente ao mamilo. Nos casos de pacientes com mamas grandes e pendulares, fazemos a incisão mais medial, para evitar a transferência de grandes quantidades de tecido mamário. Essa incisão pode estender-se até cinco centímetros além da porção superior do músculo reto abdominal, possibilitando a confecção de um retalho maior, caso seja necessário em

defeitos mais extensos ou se o RMPM for utilizado para reconstruir defeitos em regiões anatômicas mais craniais da região facial.Iniciando-se a incisão na prega axilar, a pele do ombro entre a clavícula e o RMPM é preservada e, se necessário, poderá ser utilizada, posteriormente, na confecção do retalho fasciocutâneo deltopeitoral. Toda a fáscia muscular do peitoral maior é preservada.A porção mais inferior da incisão cutânea é a parte lateral do futuro RMPM (figura 1). Até esse ponto, não há preocupação quanto à delimitação precisa do tamanho da ilha do RMPM, sendo essa a diferença marcante quando comparada à

1técnica clássica . O próximo passo é a dissecção na parte lateral da parede torácica, entre o tecido celular subcutâneo e as fáscias dos músculos peitoral maior, grande dorsal e serrátil anterior (figura 2). Essa etapa resulta no descolamento dos tecidos adjacentes, facilitando, assim, o fechamento primário da área doadora.

Figura 1 – Incisão da pele e subcutâneo estendendo-se a porção mais inferior da incisão que será parte da face lateral da ilha de pele do retalho.

Figura 2 – Dissecção da porção lateral da parede torácica entre o tecido subcutâneo, fáscia do peitoral maior, grande dorsal e serrátil anterior.

Nesse ponto da dissecção, as bordas laterais dos músculos peitoral maior e menor, assim como a porção superior do músculo reto abdominal podem ser bem visualizadas (figura 3). Com dissecção romba delicada, preferencialmente com movimentos digitais leves, as fibras musculares dos músculos peitoral maior e menor são individualizadas e, na porção súpero-posterior do músculo peitoral maior, o feixe tóraco-acromial é identificado (figura 4).

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Figura 3 – Visualização da borda lateral do peitoral maior e menor e a porção superior do reto abdominal.

Figura 4 – Identificação do feixe tóraco-acromial.

A seguir, é realizada a moldagem do retalho em ilha, baseado no tamanho e distância cranial do defeito cirúrgico a ser reconstruído (figura 5). Aqui, podemos idealizar a ilha no tamanho necessário para servir à reconstrução. Com apenas a incisão lateral realizada, temos a visão da porção mais inferior do músculo peitoral maior, da fáscia do músculo reto abdominal e do pedículo vásculo-nervoso.

Figura 5 – A ilha de pele pode englobar até 5 cm sobre a fáscia do músculo reto abdominal.

O RMPM pode, então, ser rodado superiormente através da confecção de túnel subcutâneo abaixo da pele

intacta (área deltopeitoral) entre a fáscia do músculo peitoral maior e o tecido celular subcutâneo (figuras 6,7 e 8). Durante todo o procedimento, o pedículo tóraco-acromial é mantido sob visão direta, evitando-se tração desnecessária ou lesão dos vasos (figura 9). Para minimizar o sangramento, o eletrocautério é utilizado durante todo o procedimento, exceto quando a dissecção é próxima ao pedículo tóraco-acromial.

Figura 6 – O RMPM é rodado para o defeito cirúrgico por túnel subcutâneo abaixo da área deltopeitoral.

Figura 7 – O RMPM é rodado para o pescoço.

Figura 8 – O RMPM é rodado para a área do defeito cirúrgico.

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Figura 9 – O pedículo tóraco-acromial é mantido sob visão direta para se evitar tração ou lesão dos vasos.

RESULTADOS

Nos 44 pacientes estudados, não houve perda completa do retalho em nenhum caso. Ocorreram três casos (6,4%) de pequena necrose das bordas do mesmo em sua porção mais distal. Em um paciente (2,2%), o retalho foi empregado para correção de defeito da região peri-orbitária e, nos outros dois (4,4%), para correção de defeito de soalho anterior de boca – tabela 1.

Todas as áreas doadoras da parede torácica foram fechadas primariamente, sendo os resultados estéticos bem aceitáveis em todos os casos.

Tabela 1 – Tempo cirúrgico médio e complicações para confecção do RMPM.* Tempo em minutos para confecção do retalho.

DISCUSSÃO

A vantagem dessa técnica é que, quando realizada a primeira incisão, ou seja, a da axila até a face medial ao mamilo, já podemos dissecar a face lateral do retalho até o músculo grande dorsal. Ao término dessa fase, separa-se

gentilmente o músculo peitoral maior do menor e é possível se ter a visão do feixe vásculo-nervoso, da fáscia e do músculo reto abdominal. Com isso, pode-se otimizar o tamanho do retalho a ser confeccionado sem riscos de lesão ao pedículo e também dosar o quanto podemos avançar à fáscia do reto abdominal. Isso nos dará extrema segurança de saber o quanto poderá ser o arco de rotação do retalho e a distância mais cranial que o mesmo alcançará na região de cabeça e pescoço.

CONCLUSÕESEssa nova técnica de confecção do RMPM é

rápida, útil e segura. Sua grande vantagem é que se pode realizar o RMPM com visualização direta do feixe vásculo-nervoso e otimizar o quanto de músculo será necessário na reconstrução, aumentando, assim, o seu arco de rotação, com segurança.

REFERÊNCIAS

1. Ariyan S. The pectoralis major myocutaneous flap: a versatile flap for reconstruction in the head and neck. Plast Reconstr Surg. 1979;63: 73-81.2.Azevedo JF. Modified pectoralis major myocutaneous flap with partial preservation of the muscle: a study of 55 cases. Head Neck Surg. 1986;8:327-31.3 .Ded iv i t i s RA, Gu imarães AV. Pectora l i s ma jor musculocutaneous flap in head and neck cancer reconstruction. World J Surg. 2002;26: 67-71.4.Durazzo MD, Brandão LG. Complicações dos retalhos miocutâneos: Artigo de revisão. Rev Bras Cir Cab Pesc. 2005;34(1): 27-30.5.Tincani AJ. Reconstrução com o retalho miocutâneo pediculado do peitoral maior em cirurgia de cabeça e pescoço – estudo retrospectivo em 42 pacientes. Campinas, 1991 [Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas].6. Tincani AJ, Martins AS, Barreto G, Steck JH, Brandalise NA. Retalho miocutâneo com o peitoral maior para reconstrução em cabeça e pescoço. Rev Col Bras Cir. 1993;20:118-23. 7.Gardner E, Gray DJ, O'Rahilly R. Anatomia. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1971. pp.118-35.

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