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  • 8/7/2019 Artigo Habermas

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    GESTO PBLICA, TEORIA DEMOCRTICA E PARTICIPAO SOCIAL:

    REFLEXES SOBRE A PROPOSTA HABERMASIANA

    Dayane Gomes1

    1. Introduo

    A administrao pblica contempornea vem passando por inmeras

    modificaes, numa tentativa de ampliao da democracia. Especialmente aps os anos

    1970, a teoria democrtica est desenvolvendo uma maior preocupao com o elemento

    argumentativo no processo de deciso poltica. Trata-se da procura por uma maior e

    mais efetiva participao da sociedade na gesto pblica. Surge um novo contexto

    participativo assinalado pela busca da ampliao de espaos de gesto partilhada das

    polticas pblicas, um novo modo de relao entre Estado e Sociedade civil.

    H uma maximizao dos ideais da participao popular nas diferentes esferas

    sociais. Crescem os espaos coletivos de busca por direitos e reconhecimentos.

    Emergem novas experincias sobre soberania popular. No Brasil, por exemplo, as mais

    diversas experincias de Conselhos Gestores e Oramentos Participativos ganham

    destaque nas mais distintas conjunturas. Trata-se de um novo panorama democrtico

    que possibilitou o aparecimento de novas maneiras de olhar o discurso tericodemocrtico.

    E foi neste contexto de reconfigurao social que ganhou relevncia a teoria

    deliberativa desenvolvida, sobretudo, a partir dos escritos de Jrgen Habermas, e que se

    constitui como uma tentativa de superar os limites das teorias democrticas

    minimalistas/elitistas.

    Ela advoga um modelo de deciso poltica marcado pela discusso via esfera

    pblica das questes de interesse coletivo, onde se tm a formao racional da opinio

    sobre temas importantes ao todo social. Essas decises convertidas em resolues

    legislativas transformam o poder originado na esfera comunicativa em um poder que

    pode ser aplicvel administrativamente.

    Logo pela deliberao pblica de cidados iguais que as decises polticas

    ganham legitimidade. Essa contribui para construo de um poder poltico ancorado na

    vontade democrtica da sociedade, dando a esta maior grau de participao efetiva no

    jogo poltico.

    1 Artigo apresentado ao professor Artur Perrusi, a ttulo de avaliao da disciplina Teoria Sociolgica II.

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    Este artigo prope-se a apresentar o modelo de democracia deliberativa

    habermasiana, expondo alguns de seus impasses e limites. Para tanto, divide-se em trs

    sees, alm dessa parte introdutria. A primeira parte relata em resumo a trajetria do

    pensamento democrtico, desde sua concepo decisionstica deliberativa; num

    segundo momento descreve-se a democracia habermasiana a partir de dois conceitos

    centrais ao seu entendimento, o de esfera pblica e sociedade civil; na terceira seo

    apresentam-se alguns possveis impasses do modelo deliberativo; Por ltimo so tecidas

    algumas consideraes finais.

    2. Do modelo decisionstico de democracia ao deliberativo

    A relao entre a prtica democrtica e o processo deliberativo tem sido tratada

    de duas diferentes formas pela teoria democrtica. Enquanto autores como Rousseau,

    Schumpeter e Hawls, priorizam o aspecto decisrio do processo deliberativo,

    entendendo este como o momento no qual a tomada de deciso ocorre, h os que, a

    exemplo central de Habermas, atribuem maior peso ao elemento argumentativo, numa

    percepo de deliberao como procedimento no qual agentes sociais julgam as razes

    envolvidas numa determinada questo. (AVRITZER, 2000)

    Sobretudo a partir da dcada de 1970 a teoria democrtica tem atribudo maior

    peso a argumentao no processo de deliberao poltica, tendo-se uma passagem de um

    conceito decisionstico para um conceito argumentativo de deliberao, o que significa

    o questionamento da centralidade do momento decisrio no processo de deliberao e a

    ateno ao momento argumentativo (COSTA, 2009, p. 3)

    2.1 Modelo decisionstico de democracia

    Autores como Weber, Downs e Schumpeter priveligiam em suas anlises o

    aspecto decisrio discusso argumentativa na prtica democrtica.

    Segundo Nbrega Jr. (2004) Max Weber, ainda no incio do sculo XX, revelou

    seu ceticismo em relao democracia, expressando em sua teoria traos de uma

    concepo decisionstica de democracia. Ele no acreditava na possibilidade efetiva de

    debates constitudos por tradies culturais diferentes. Isto porque percebeu uma

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    tendncia a pluralizao cultural, o que traria srios problemas ao viver democrtico,

    dada a dificuldade de se optar cientificamente por uma cultura em prol de outra. Por

    outro lado, julgava que a burocratizao administrativa no seria condizente com a

    participao, nem to pouco com a argumentao pblica, antes se constituiria como um

    obstculo a complexificao da mquina pblica.

    Joseph Schumpeter, conforme retrata Avritzer (2000), solucionou o problema da

    diferena cultural, reiterando-a para fora da poltica democrtica. Ele tambm se mostra

    contra formas pblicas de discusso, numa reduo da deliberao eleio por meio do

    voto de representantes polticos. Os elementos argumentativos da democracia so

    descartados, j que para ele, devido integrao do homem comum poltica e ao

    fortalecimento dos meios de comunicao de massa, tais elementos foram

    desaparecendo perdendo sua centralidade na democracia.

    Antony Downs, por sua vez, acentuou elementos anti-deliberativos ao postular

    que os indivduos possuem preferncias pr-formadas, relacionando estas com os

    pressupostos polticos feitos pelas elites. Deste modo dar-se-ia de acordo com

    predilees anteriormente constitudos.

    Em sntese, esse elitismo democrtico, conforme denominou Avritzer (2000),fortemente difundido at a metade do sculo XX e recheado de desdobramentos

    contemporneos. Tem como base as idias de que: a) a argumentao no consegue

    solucionar diferenas culturais; b) h uma correlao entre administrao pblica no

    participativa e burocracia racional eficiente; c) o processo eleitoral consiste na aferio

    de predilees individuais anteriormente formadas.

    2.2 Modelo argumentativo de democracia

    A partir dos anos 1970 ganha flego na teoria democrtica as idias de Jrgen

    Habermas, trazendo tona a importncia do debate pblico para esfera poltica. Ele

    representa uma tradio da teoria social que rompe com o decisonismo e aprofunda e

    aprofunda a idia de argumentao, muito embora suas elaboraes conceituais

    apresentem certas variaes ao longo de sua trajetria terica.

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    A preocupao habermasiana com a insero do debate argumentativo na

    poltica, com o acolhimento da pluralidade humana nas decises pblicas, pode ser vista

    em diversas obras suas, e em especial em A transformao estrutural na esfera

    pblica, em Teoria da ao comunicativa e em A incluso do outro.

    J nesta primeira obra o autor revelou sua preocupao em criar

    2.2 Modelo argumentativo de democracia

    A partir dos anos 1970 ganha flego na teoria democrtica as idias de Jrgen

    Habermas, trazendo a tona a importncia do debate pblico para esfera poltica.

    Parte-se aqui do pressuposto de que a democracia deliberativa constitui-se como

    um modelo ou ideal de justificao do exerccio do poder poltico pautado no debate

    pblico entre cidados livres e em condies iguais de participao. Diferente da

    democracia representativa, caracterizada por conferir a legitimidade do processo

    decisrio ao resultado eleitoral, a democracia deliberativa advoga que a legitimidade das

    decises polticas advm de processos de discusso que, orientados pelos princpios da

    incluso, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem-comum,

    conferem um reordenamento na lgica de poder tradicional.

    A teoria deliberativa, cujo principal expoente Jrgen Habermas constituiu-se

    como uma tentativa de ocupar espaos vagos deixados palas outras interpretaes do

    processo democrtico, em especial s concepes liberal e republicana.2

    No tocante a dimenso poltica, por exemplo, enquanto a democracia liberal-

    elitista elege o voto como motor central da legitimidade poltica ao invs do debate

    pblico, subjugando o processo democrtico apenas ao artifcio eleitoral, e a teoria

    2 Essa distino pode ser lida em HABERMAS, Jrgen. A Incluso do outro- estudos de teoria poltica.Edies Loyola, So Paulo, 2002.

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    republicana, ou participativa, numa tentativa de rearticulao entre os conceitos de

    soberania popular e cidadania, tece um idealismo excessivo, vinculando diretamente o

    processo democrtico a virtudes de cidados guiados pelo interesse comum, a proposta

    Habermasiana consiste em recuperar o ideal republicano de espaos participativos nos

    quais o debate pblico contempla diferentes interesses e conflitos sociais, dando carter

    deliberativo poltica, independentemente do cidado virtuoso idealizado, ressaltando a

    formao da vontade coletiva por meio da institucionalizao de procedimentos

    comunicativos.

    Assim, a teoria deliberativa habermasiana une elementos dessas duas teorias

    antecedentes, formando um tipo de procedimento ideal para tomada de decises,

    criando coeso interna entre os discursos e almejando um resultado justo e racional.

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