apostila de responsabilidade civil 2012

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APOSTILA DE RESPONSABILIDADE CIVIL Bibliografia: CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil; Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas. 2006. DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado; Ed. Saraiva, 2006. UNIDADE I: RESPONSABILIDADE CIVIL: NOÇÕES GERAIS: - Aspectos Históricos; - Evolução da responsabilidade civil e seus fundamentos; - Espécies de responsabilidade: penal; civil; contratual; extracontratual; subjetiva e objetiva. INTRODUÇÃO Embora o Código Civil dedique um Título inteiro (IX) do Livro I da parte especial (artigos 927 a 954), para a Responsabilidade Civil, ele não exaure os dispositivos sobre tema, pois muitos restam dispersos por todo Código e pela legislação extravagante. Nesse sentido, os conceitos de ato ilícito e o abuso de poder são tratados na Parte Geral, enquanto perdas e danos, caso fortuito, força maior, juros, cláusula penal estão na parte das Obrigações, ainda, algumas espécies de responsabilidade civil, como a do empreiteiro, transportador e segurador, estão reguladas na parte dos Contratos e, por fim, dos entes públicos no art. 37, § 6º da CF/88 e a responsabilidade do fornecedor descrita nos artigos 12 a 20 do CDC. 1

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APOSTILA DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Bibliografia:CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007.VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil; Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas. 2006.DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado; Ed. Saraiva, 2006.

UNIDADE I: RESPONSABILIDADE CIVIL: NOÇÕES GERAIS:

- Aspectos Históricos;- Evolução da responsabilidade civil e seus fundamentos;- Espécies de responsabilidade: penal; civil; contratual; extracontratual;

subjetiva e objetiva.

INTRODUÇÃO

Embora o Código Civil dedique um Título inteiro (IX) do Livro I da parte especial (artigos 927 a 954), para a Responsabilidade Civil, ele não exaure os dispositivos sobre tema, pois muitos restam dispersos por todo Código e pela legislação extravagante. Nesse sentido, os conceitos de ato ilícito e o abuso de poder são tratados na Parte Geral, enquanto perdas e danos, caso fortuito, força maior, juros, cláusula penal estão na parte das Obrigações, ainda, algumas espécies de responsabilidade civil, como a do empreiteiro, transportador e segurador, estão reguladas na parte dos Contratos e, por fim, dos entes públicos no art. 37, § 6º da CF/88 e a responsabilidade do fornecedor descrita nos artigos 12 a 20 do CDC.

Destarte, o estudo da responsabilidade civil exige que o aprendiz caminhe por diversos capítulos do Código, bem como por legislações extravagantes e até mesmo pela CF/88, como vimos.

ASPECTOS HISTÓRICOS

Quando estudamos as raízes do nosso Direito sempre encontramos sua nascente no Direito Romano. Com o tema em estudo não poderia ser diferente. Assim, o decantado artigo159 (atual 186) surgiu como corolário de uma longa e lenta evolução histórica, conforme veremos.

O ideal de justiça surgiu quando o homem passou a viver coletivamente e, mesmo nas rudimentares civilizações, os transgressores sofriam alguma punição quando da transgressão das suas regras. Entretanto, tais punições se confundiam com vingança e eram perpetradas de forma coletiva, pois se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o ofensor em resposta a

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ofensa a um de seus componentes, já que nesse momento histórico não existia um poder legitimamente constituido.

Posteriormente, passou-se para a vingança individual, privada, a Lei de Talião demonstrava a reparação, no até hoje conhecido "olho por olho, dente por dente" ou "quem com ferro fere, com ferro será ferido". O poder público pouco intervia.

Posteriormente, nas primeiras formas organizadas de sociedade, a exemplo das civilizações pré-romanas, a origem do instituto ainda estava calcada na concepção de vingança privada, realizada como meio de reação pessoal ao mal sofrido. O famoso princípio da Lei de Talião, da distribuição do mal pelo mal, era a forma que utilizam para punir o infrator. Até hoje é comum utilizarmos os ditados “olho por olho, dente por dente” ou “quem com ferro fere, com ferro será ferido” fazendo analogia a famosa Lei de Talião. Frisa-se que a referida expressão condizia, como nas sociedades que a antecederam, a idéia de reparação do dano, apesar do caracter vingativo da punição.

Nesse momento histórico, o poder público interferia apenas para dizer quando e como a vítima poderia se vingar, já que a punição era levada a efeito pela própria vitima.

Com o advento da Lei das XXII Tábuas, surgiu a primeira forma de compensação material por um dano causado. Compensação facultada a vítima que ainda poderia optar pela punição física, confome se extrai das Tábuas VII, XII da Lei 11°, que dizia que se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, podendo, entretanto, optar por uma compensação material do prejuízo experimentado. Assim, a aludida lei permitia que o ofensor e a vítima fizessem uma composição do dano, afastando, com isso, a aplicação da pena de talião.

Com a evolução, o Estado passou a intervir nos conflitos privados, obrigando a vítima a aceitar a título de composição, o valor por ele fixado . Verificou-se, então, que a composição seria mais conveniente que a retaliação, pois esta (retaliação) não reparava dano algum, ao contrário, produzia um novo dano, agora praticado pela vítima em relação ao ofensor originário. Percebe-se que a composição surgiu como forma de reação a vingança privada, bem como aboliu e substituíu a vingança pela composição obrigatória.

O marco, porém, na evolução histórica da responsabilidade civil se dá em Roma, com o surgimento da Lex Aquiila de Damno, já que tal lei trouxe a idéia de responsabilização pecuniária, onde o patrimônio do ofensor deveria responder na proporção da sua ofensa. Para tanto, a vítima teria que comprovar a culpa do ofensor para ser ressarcida do prejuizo por este causado. Desta forma, o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se então a atribuir o dano à conduta culposa e a indenização a extensão do dano.

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A Lex Aquilia foi um plebiscito originado por um tributo do povo, chamado Lúcio Aquilio, que foi aprovado entre o final do século III a início do século II a.C., e que possibilitou atribuir ao titular de bem o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. A ideia de culpa é centralizadora nessa forma de reparação, e é traduzida no dolo, imperícia, imprudência ou negligência; Se não houvesse culpa, o lesante era isento de qualquer responsabilidade. O Estado passou a interferir nos conflitos privados, fixando o valor do prejuízo. Não havia distinção entre responsabilidade civil e penal, esta diferenciação só tem início na idade média.

Verifica-se que a pré-falada lei estabeleceu as bases da responsabilidade extracontratual, conferindo, inclusive, seu nome responsabilidade civil extracontratual.

Assim, a responsabilidade civil passou a fundamentar-se praticamente na culpa sendo tal idéia foi adotada pelo grande diploma legislativo da idade moderna (Código Civil de Napoleão) que influenciou diversas legislações do mundo, inclusive a brasileira.

No entanto, com a evolução da sociedade, a clássica teoria da culpa que teria se formado não conseguiu satisfazer todas as necessidades da vida cotidiana, em razão da grande quantidade de casos que restaram sem reparação diante da impossibilidade da comprovação da culpa.

É importante ressaltar, que em todas as teorizações da responsabilidade civil, o alicerce jurídico, fundamento da responsabilidade civil é oriundo da velha máxima romana que diz: neminen laedere, ou seja, não lesar ninguém.

Assim, mais recentemente, a jurisprudência começou a vislumbrar novas soluções com a ampliação do conceito de culpa, hipótese em que ainda será subjetiva, bem como pela excepcional responsabilidade decorrente do risco criado sem a existência de culpa, caso em que passará a ser objetiva, formando novas teorias, inclusive a do risco integral que basta a ocorrência de dano para que surja o dever de indenizar, tudo sem prejuízo da teoria tradicional da culpa que ainda se aplica na sociedade moderna.

DEVER JURÍDICO

A responsabilidade civil tem por base o dever jurídico. Sendo certo que tal dever seria a conduta externa que uma pessoa deve adotar por imposição do Direito Positivo a fim de permitir a sadia convivência. Não se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas de um comando que a todos se dirige e a todos vincula.

Conforme afirmou San Tiago Dantas, o principal objetivo da ordem jurídica é proteger o lícito e reprimir o ilícito, ou seja, ao mesmo tempo em que ela se

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empenha em tutelar a atividade do homem que se comporta de acordo com o Direito, reprime a conduta daquele que o contaria.

Entende-se por dever jurídico como a forma de conduta que o homem deve adotar em razão das regras impostas pelo Direito Positivo, por exigência da conivência social.

DEVER JURÍDICO ORIGINÁRIO E DERIVADO.

A violação de um dever jurídico que acarrete dano a outrem configura o ilícito e faz nascer um novo dever jurídico que é o de reparar o dano. Há assim, um dever jurídico originário ou primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo ou secundário que é o de indenizar a vítima pelo prejuízo que lhe foi causado.

Justamente com a violação do dever jurídico originário é que aparece a noção de responsabilidade civil, que no seu sentido etmológico passa a idéia de obrigação, encargo, contraprestação. Igualmente, ocorre com o seu sentido jurídico, pois designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um dever jurídico originário.

Assim, em regra, a responsabilidade civil somente surge onde houver violação de um dever jurídico e dano. É assim, porque responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida e um dano ocasionado.

CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade por seu caráter de extrema importância no ordenamento jurídico encontra melhor alocação na teoria geral do direito, fugindo da abrangência única do Direito Civil. Vale lembrar, que no âmbito jurídico, pode ocorrer a responsabilidade jurídica na área penal, civil e administrativa.

Ao concentrarmos em uma visão jurídica pragmática, ter-se-á a idéia de responsabilidade civil associada à obrigação, mais especificamente à obrigação de reparar um dano sofrido por alguém. Essa idéia se funda na idéia de dano.

Registre-se, ainda que a palavra “responsabilidade”, é oriunda do latim, do verbo respondere, que significa responsabilizar-se, assegurar, assumir algo ou do ato que praticou. Oportuno se torna complementar com o ensinamento de Irineu Antônio Pedrotti :

“Na acepção jurídica responsabilidade corresponde ao dever de responder (do latim respondere) pelos atos próprios e de terceiros, sob proteção legal, e de reparar os danos que forem causados”.

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Já o uso da expressão “civil” refere-se ao cidadão, assim considerado em sua relação com os demais membros da sociedade, das quais resultam direitos a exigir, bem como, a obrigações que devem ser suportadas em razão do descumprimento do dever jurídico também de natureza civil.

Diante da etimologia das duas palavras acima, vale trazer a conceituação do que é a responsabilidade civil da ilustre Maria Helena Diniz :

“A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”.

Frisa-se mais, que a ordem jurídica tem por objetivo proteger o lícito e reprimir o ilícito, e para isso, estabelece deveres e obrigações aos cidadãos. É o dever jurídico. A violação desse dever caracteriza o ilícito, o que gera o dever jurídico de indenizar e reparar o dano.

Vale trazer a colação da definição do insigne Sílvio de Salvo Venosa (2002, p.12):

A responsabilidade em sentido amplo encerra a noção em virtude da qual se atribui a um sujeito o dever de assumir as conseqüências de um evento ou de uma ação. Assim, diz-se, por exemplo, que alguém é responsável por outrem, como o capitão do navio, pela tripulação e pelo barco, o pai pelos filhos menores, etc.

Como se nota na definição de Silvio de Salvo Venosa, a responsabilidade civil existe quando um sujeito, com seu evento, causa dano a outrem, surgindo como consequência a responsabilização em forma de reparação.

Ainda, Odoné Serrano Junior (1966, p.21) observa que:

A responsabilidade é a obrigação de reparar um dano, seja por decorrer de culpa ou de outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida ou por circunstâncias meramente objetivas.

É mister atentar também para o fato de que há uma distinção entre obrigação e responsabilidade, pois o indivíduo, ao deixar de cumprir uma obrigação, deve repará-la, para que restabeleça a situação jurídica anterior à violação. Logo, a responsabilidade civil seria uma espécie de obrigação secundária, haja vista que, primeiro, deve existir violação a um direito, para aí, então, surgir o dever de repará-lo, que nada mais é que a responsabilidade, tendo, assim, a mesma origem na violação do direito de outrem.

Lúcida e agudamente pondera, com autoridade Carlos Roberto Gonçalves (1995, p.3):

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Quem pratica um ato, ou incorre numa omissão de que resulte dano, deve suportar as consequências do seu procedimento. Trata-se de uma regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume, em verdade, o problema da responsabilidade. Vê-se, portanto, que a responsabilidade é um fenômeno social.

Merece destaque, ainda, o entendimento de Carlos Alberto Bittar (1990, p.1):

O direito a reparação nasce com a caracterização da responsabilidade civil do agente, possibilitando ao lesado o acionamento da Justiça, a fim de retirar do respectivo patrimônio o numerário suficiente para repor as perdas experimentadas.

Desse modo, não havendo o cumprimento espontâneo da obrigação, o ordenamento jurídico impõe ao devedor a responsabilidade pela reparação dos danos que tiverem sido causados, tanto os danos materiais como os morais.

Conforme disciplina, sobre o assunto, Sergio Cavalieri Filho (2000, p.29) em seu magistral livro “Programa de Responsabilidade Civil”, dispõe:

A partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar. E nem sempre haverá coincidência entre violação de direito e ilicitude.

Assim, parece-nos lógico concluir que o ato ilícito é a violação do direito de outrem, onde a consequência é a indenização da vítima, como forma de reparar o dano.

Enfatize-se, para terminar, que a violação de um direito gera a responsabilidade em relação ao que a perpetrou.

Conclui-se que responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o prejuízo decorrente da violação de um dever jurídico originário.

FONTE DA RESPONSABILIDADE

Conforme Relata o Mestre Sérgio Cavalieri Filho, o direito estuda os fenômenos jurídicos nos seus traços formais com escopo de criar no plano abstrato um sistema hierárquico. Considerando que a responsabilidade civil como um fenômeno jurídico, seria coerente situá-lo nesse esquema da ordem jurídica.

Para chegarmos ao exato lugar onde se situa a responsabilidade civil, no plano geral do direito temos que partir da noção de fato jurídico.

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Nesse sentido, temos que os fatos jurídicos são aqueles acontecimentos que provocam o aparecimento das relações regulamentadas pelo direito e que se estabelecem entre pessoas em relação a determinado bem.

DOS FATOS JURÍDICOSO direito é como nós seres humanos, ele nasce, desenvolve e se extingue.

Essas fases ou momentos decorrem de fatos, denominados fatos jurídicos, assim denominados por produzirem efeitos jurídicos. Segundo Agostinho Alvim, “fato jurídico é todo acontecimento da vida relevante para o direito, mesmo que seja fato ilícito”, para Savigny, fatos jurídicos “são acontecimentos em virtude dos quais as relações de direito nascem e se extinguem”.

Não é, portanto, qualquer fato social que faz nascer o Direito, mas somente aqueles que têm repercussão jurídica, sendo tais fatos os que se ajustam à hipótese prevista na lei.

Assim, a expressão fatos jurídicos, engloba todos aqueles eventos, provindos da atividade humana ou decorrente de fatos naturais, capazes de ter influência na órbita do direito, por criarem, transferirem, conservarem, modificarem ou extinguirem relações jurídicas.

CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS

Podemos de início, distinguir, entre tais acontecimentos, os que decorrem da natureza dos que defluem da atividade humana. Assim, por exemplo, a mudança do curso de um rio representa em evento da natureza alheio, em regra, à atividade humana e que irá provocar o surgimento ou a modificação de relações jurídicas; enquanto um contrato de locação, o reconhecimento de um filho, são atos humanos, capazes de criar relações na órbita do direito.

Fatos jurídicos em sentido estrito

Os atos da natureza, capazes de gerar relações jurídicas, são chamados de fatos jurídicos em sentido estrito e são espécie do gênero fatos jurídicos.

Assim sendo, fatos jurídicos em sentido estrito são os fatos que não envolvam qualquer ato humano por advirem de forças alheias a vontade humana, como exemplo a inundação, o nascimento, a morte por doença ou causas naturais etc.

Fatos voluntáriosAssim entendidos os atos humanos capazes de criar relações na órbita

jurídica.

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Dentre os atos provindos da atividade humana, com repercussão no âmbito do direito, é possível, por sua vez, distingui-los em duas espécies: atos lícitos e ilícitos.

Atos lícitosEsta espécie de fato jurídico, por sua vez, se divide em ato jurídico e

negócio jurídico.

O negócio jurídico envolve os atos voluntários que a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Ressalta-se que este difere do ato jurídico, justamente porque os efeitos são os desejados por quem pratica e não pela lei. Assim, o que o caracteriza é o fato de ter seus efeitos eleitos por quem praticou. Como exemplo temos o testamento, a compra e venda a doação, etc.

O ato jurídico caracteriza-se, pelo fato de ter seus efeitos predeterminados pela lei. É certo que depende do querer do homem praticá-lo ou não, mas ao fazê-lo objetiva alcançar os efeitos jurídicos descrito na lei. Tomemos como exemplo o reconhecimento de filho havido fora do casamento. Como tal ato é lícito o ordenamento jurídico permite que os efeitos decritos na norma decorram do ato, dessa forma vai se estabelecer, entre pai e filho reconhecido, relações sucessórias, direito a alimentos, poder familiar etc. Igualmente, ocorre com a adoção, entre outros.

Atos ilícitosChega-se ao ato ilícito, conceito de grande relevância para o tema em

estudo, por ser gerador da responsabilidade civil, penal e adminstrativa.

Os atos ilícitos podem ser analisados sob dois pontos de vista. Sob o aspecto subjetivo e objetivo, mas em ambos deve ocorrer o descumprimento de um dever jurídico. Subjetivamente ato ilícito decorre dos atos humanos que faltam característica de liceidade ou licitude por serem contrário ao direito, praticados pelo agente de forma dolosa (com intenção) ou culposa (quando age com negligência, imprudência e imperícia) e causa dano a outrem. Com relação ao ponto de vista objetivo é quando uma determinada pessoa assume o risco do dano causado e por mera imposição legal tem o dever de indenizar.

Assim, o ato ilícito produz efeitos na órbita do direito mas, em vez de serem aqueles almejados pelo agente, são conseqüências não queridas que decorrem. Como exemplo podemos citar, o ladrão que furta uma jóia deseja dela tornar-se proprietário, mas como o meio que utiliza é ilícito, em vez de alcançar o fim desejado, outras são as conseqüências, pois deve devolvê-la e reparar o dano causado.

Sobre os atos ilícitos, vale saber que eles podem ser civis, penais e administrativos, e que há casos em que os três surgem da ocorrêmcia de um mesmo ato, como exemplo de um motorista que avança o sinal de trânsito, atinge um veículo causando-lhe dano e vitimando o seu motorista. Assim, ao

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ultrapassar o sinal vermelho o motorista comete um um ilícito administrativo, já quando fere uma pessoa comete um ilícito penal (crime de lesão corporal) e, por fim, quando causou um prejuizo de ordem material ao colidir com o outro veículo, cometeu um ilícito civil. Para cada ilícito praticado existe uma sanção específica.

Para melhor visualização, da área que se situa a responsabilidade civil, segue o quadro:

- FATOS NATURAIS- FATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO

FATOS JURÍDICOS - ATOS JURIDICOS- LÍCITOS - NEGÓCIO

JURIDICO- FATOS VOLUNTÁRIOS

- ILÍCITO - PENAL- CIVIL- ADMINISTRATIVO

Analisando o quadro acima é possível verificar que a responsabilidade civil tem por campo de incidência o ilícito penal ou civil, sendo o ilícito administrativo irrelevante para o estudo da responsabilidade civil.

Para que haja ilícito tem que haver o descumprimento de um dever jurídico e, consequentemente, um dano, ressalvado algumas exceções, como no caso dos art. 188, II c/c 929 e 930 do CC, 1285, 1289, 1293, 1385,§3º, etc.), por expressa exclusão legal. Nesses casos, não é mendaz afirmar que, tecnicamente, não se trata de responsabilidade, pois inexiste a violação de um dever jurídico, mas mera obrigação legal de indenizar por ato lícito.

FUNÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O anseio de obrigar o agente causador dos danos a repará-lo tem seu âmago no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vitima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante. Isso, em regra, se faz através de uma indenização fixada em proporção ao dano.

ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE

Sabendo que a responsabilidade tem por elemento nuclear uma conduta violadora de um dever jurídico. Sob tal premissa, torna-se possível separá-la em

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diferentes espécies, levando em consideração a origem do dever jurídico e o seu elemento subjetivo.

Assim, pode-se concluir que as principais espécies de responsabilidade são: a subjetiva e objetiva, a contratual e extracontratual, e, por fim, civil e penal.

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

Resumidamente, pode-se concluir que a responsabilidade civil subjetiva decorre do dano causado em função da conduta humana dolosa ou culposa, enquanto que para a responsabilidade objetiva a conduta humana dolosa torna-se irrelevante quiça a culposa, pois o que importa é a demonstração do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente quando desempenhada uma atividade, para que surja o dever de indenizar.

O Código Civil adota as duas espécies, sendo a regra a responsabilidade subjetiva. Tal fato pode ser verificado diante da leitura do artigo 186 que manteve a culpa como fundamento da responsabilidade. Ressalta-se, no entanto, que a culpa aqui tratada deve ser empregada em sentido amplo, lato sensu, para indicar tanto a culpa estricto sensu, como o dolo.

Como dissemos no início, a clássica teoria da culpa deixou de satisfazer todas as necessidades da vida comum, resultando em um imenso número de casos concretos que o dano ficava sem reparação pela impossibilidade de comprová-la.

Assim, mais recentemente, a jurisprudência começou a vislumbrar novas soluções com a ampliação do conceito de culpa, tornando-a presumida, hipótese em que ainda será subjetiva, bem como pela excepcional responsabilidade decorrente do risco criado sem a existência de culpa, caso em que passará a ser objetiva. A evolução da responsabilidade objetiva culminou com a teoria do risco integral, onde vincula o dever de indenizar pela mera ocorrência do dano. Frisa-se que tais teorias não prejudicaram a teoria tradicional da culpa, mas completaram uma lacuna existente para reparação do dano.

Então, diante da insuficiência da teoria da culpabilidade para regular todos os casos e recompor o dano causado, surgiu inicialmente a teoria do risco, que sustenta ser o responsável pelo risco ou perigo que a sua atuação promova, ainda que seja diligente na sua conduta para evitar o dano. Se o sujeito obtém vantagens ou benefícios em razão dessa atividade deve indenizar o dano causado. Tema que será novamente abordado mais afrente.

Conclui-se, que para a concepção subjetivista, a vítima só obterá a reparação do dano se provar ao menos a culpa do agente, sendo, pois, este seu ônus. Para a concepção objetivista, largamente utilizada nas relações de consumo e aceita pelo Código Civil, como norma aberta, em seu artigo 927,

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parágrafo único e 187 como regra, leva-se em consideração o dano em detrimento da culpa, desta forma, para o dever de indenizar, bastam o dano e o nexo causal, prescindindo-se a prova da culpa.

Por fim, cumpre esclarecer que a regra continua sendo a responsabilidade subjetiva, por isso, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

Em síntese, sempre que um dever jurídico for violado haverá responsabilidade. Assim, se o dever jurídico tiver como fonte um negócio jurídico estaremos diante da responsabilidade contratual, por outro lado quando a ofensa for legal, teremos a responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

Com base nessa divisão que a doutrina separa a responsabilidade civil em contratual e extracontratual, sendo a primeira também denominada de ilícito contratual ou relativo e a segunda de ilícito aquiliano ou absoluto.

Por fim, conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho, tanto a responsabilidade contratual como a extracontratual, importam na violação de um dever jurídico preexistente. A diferença, portanto, está na origem desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato ou negócio jurídico. Haverá por seu turno responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei.

RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL

Verificamos que a ilicitude ocorre quando da transgressão das normas concebidas em sociedade. Nesse sentido, pode ocorrer em qualquer ramo do Direito.

Outrossim, quando a norma violada for penal, haverá um ato ilícito penal e, consequentemente, a responsabilidade será penal. Na mesma, linha teremos responsabilidade civil, quando a ofensa for perpetrada contra a respectiva norma de Direito Privado.

Maria Helena Diniz ressalta que à responsabilidade penal pressupõe lesão aos deveres de cidadãos para com a sociedade, acarretando um dano social determinado pela violação da norma penal, exigindo para restabelecer o equilíbrio a aplicação de uma pena ao lesante. Enquanto que para responsabilidade civil requer prejuízo a terceiro, particular ou Estado, de modo que a vítima poderá pedir reparação do dano traduzida na recomposição do statu quo ante ou numa importância em dinheiro.

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Ocorre que a separação entre as ilicitudes penais e civis tem cunho meramente didático, pois como vimos ambos importam na violação de um dever jurídico, dever este, oriundo do poder soberano do Estado. Outrossim, a separação dos atos ilícitos permite que a ilicitude praticada pelo mesmo ato ou a pela mesma conduta constitua crime e ato ilícito civil, passível de indenização. Desse modo, para o mesmo ato, podem concorrer a persecução criminal e a ação de ressarcimento, ou seja, um mesmo ato pode gerar dois ilícitos assumindo duplo aspecto e ocasionando uma dupla responsabilidade, qual seja civil e penal.

Tal fato ocorre, pois as normas de direito penal são de direito público e interessam mais diretamente a sociedade, enquanto as de direito civil, são de direito privado, interessando mais de perto ao ofendido. Quando a ofensa permeia por ambas, haverá duas persecuções, uma em favor da sociedade e outra em favor do ofendido.

A exemplo do motorista, que dirigindo com imprudência atropela e mata um pedestre. Tal conduta produz o nascimento da responsabilidade penal do motorista, que ficará sujeito a sanção pelo crime de homicídio e ainda será obrigado a reparar o dano aos descendentes da vítima, decorrente do ilícito civil. Em tal caso, como se vê, haverá dupla sanção: a penal, de natureza repressiva, consistente em uma pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, e a civil, de natureza reparatória, consubstanciada em uma indenização.

Silvio de Salvo Venosa exemplifica utilizando dois círculos concêntricos, sendo a esfera do processo criminal um círculo menor, de menor raio, porque a culpa criminal e aferida de forma mais restrita e rigorosa, tendo em vista a natureza da punição e ainda porque, para o crime, a pena não pode ir além do autor da conduta.

A esfera da ação civil de indenização é mais ampla, porque a aferição de culpa é mais aberta, admitindo a culpa grave, leve e levíssima, mas todas acarretam o dever de indenizar na proporção do dano gerado. Ainda, porque há terceiros que podem responder patrimonialmente pela conduta de outrem, bem como pelo fato de que determinados atos podem não ter conseqüências criminais, mas irão acarretar o dever de indenizar, pois ingressam na categoria de ato ilícito lato sensu, cujo âmbito é estritamente de responsabilidade civil.

Responsabilidade

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Responsabilidade Penal

Civil

Cabe, entretanto, analisar se as decisões do juízo criminal têm repercussão no juízo cível, sob o enfoque da responsabilidade.

JURISDIÇÕES CIVIL E PENAL

Inicialmente, cumpre relembrar que o nosso ordenamento adota a independência relativa das jurisdições, com autonomia das ações civis e penais. No entanto, essa autonomia poderá ser excepcionalmente mitigada, pois em certos casos subsiste relacionamento entre ambas as esferas. Tal segregação tem como escopo apenas facilitar a organização, pois sabemos que sob o ponto de vista da soberania a jurisdição é una e indivisível. Como dito, haverá situações que ambas as jurisdições poderão atuar sobre o mesmo fato e para esses casos deve-se buscar decisões homogêneas e evitar as antagônicas.

A dita mitigação permite inclusive a outorga de competência, ao juízo criminal para homologar acordo quanto à lide civil, nos termos do artigo art. 74 da Lei n.° 9.099/95, a seguir transcrito.

Lei n.° 9.099/95.Art. 74 - A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

No mais, a jurisdição civil independe da penal, mas em algumas situações específicas a segunda poderá produzir reflexos na primeira que não devem ser ignorado, justamente, para que não haja decisões antagônicas ou contraditórias, pois, certamente, traria uma grande insegurança ao mundo jurídico.

Assim, interessam de perto ao estudo os artigos 929, 930 e 935 do Código Civl, 110, 265, IV, 265, §5° 475 “N” do Código de Processo Civil, 91, I do Código Penal e 63, 64, 65, 66, 67, 68, 386 e 387 do Código de Processo Penal.

Verifica-se na primeira parte do artigo 935 do Código Civil, que a responsabilidade civil independe da criminal. Entretanto, a sua segunda parte diz que não poderá novamente ser questionado (no cível) a existência do fato ou

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quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal, permitindo a comunicação das jursidições. Resta, pois demonstrado que independência entre as jurisdições não é absoluta, mas, ao contrário, a decisão criminal poderá até importar preclusão ao pronunciamento do juízo cível.

Código CivilArt. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

SENTENÇA CRIMINAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL

Destarte, vamos analisar os efeitos dos pronunciamentos proferidos pelo juízo criminal para efeitos de responsabilidade civil, a iniciar pelos efeitos da sentença penal absolutória no juízo cível.

SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA

Como regra, somente dois fundamentos da sentença penal absolutória tem o condão de prejudicar definitivamente a reparação civil, quais sejam, negativa material do fato ou negativa de autoria, essa última prejudica, ao menos, contra o suposto meliante.

Diante disso é correto afirmar que se o fato não foi categoricamente afirmado ou negado no juízo criminal ele não foi julgado e assim, poderá ser reexaminado no cível.

Destarte, a sentença penal absolutória nem sempre fará coisa julgada para o juízo cível, como se extrai da parte final do artigo 66 do CPP, a seguir transcrito:

Código de Processo PenalArt. 66 - Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.

Assim, quando o juiz criminal absolver o réu deverá, necessariamente, mencionar a causa na parte dispositiva da sentença, conforme determina o art. 386 do CPP, a seguir transcrito:

Código de Processo PenalArt. 386 - O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:I - estar provada a inexistência do fato;

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II - não haver prova da existência do fato;III - não constituir o fato infração penal;IV - estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; V - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; VII - não existir prova suficiente para a condenação.

Silvo de Salvo Venosa afirma que a maior parte das absolvições criminais ocorre com base no inciso VII do supracitado artigo, isto porque não se lograram provas suficientes no processo para lastrear a condenação. No processo penal, pairando a menor dúvida sobre a culpabilidade, sobre os aspectos fáticos e sobre a conduta o juiz deve decretar absolvição. No tocante a sentença penal absolutória sobre esses aspectos não impede que os fatos sejam novamente discutidos no juízo cível.

Nesse sentido, a prova pode não ser suficiente para consubstanciar a culpa penal, mas pode ser eficaz para configurar a culpa no cível, sendo este, inclusive, o entendimento do STF, senão vejamos:

STF, RE n.° 82.925, Rel. Cordeiro Guerra.“A definição de provas para a condenação criminal, não impede o reexame da culpa e de sua demonstração para fins de responsabilidade civil, conforme tranqüila jurisprudência”

Igualmente ocorre quando é decretada a absolvição por não haver prova da existência do fato (inciso II), que o fato não constitui infração penal (inciso III) e que não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal (inciso V) e no caso de inexistência de provas (VII), pois no caso dos incisos II e VII o fato poderá ser provado no cível, enquanto no caso do inciso III o ato ilícito que acarreta dano pode ser irrelevante para o crime, mas pode implicar no dever de indenizar, pois este é mais abrangente que aquele e, por fim, no caso do inciso V inexistência de prova da concorrência poderá ser elidida no juízo cível.

EXCLUDENTE DE ILICITUDE

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Como vimos o inciso V do artigo 386, cuida da absolvição com base em justificativas e dirimentes e, ao menos teoricamente, faz coisa julgada no cível conforme artigo 65 do CPP.

Código de Processo PenalArt. 65 - Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

A interpretação conjunta dos artigo supracitados permite concluir que, em regra, reconhecido que o ato foi praticado em legítima defesa, no exercício regular de um direito e em estado de necessidade, não mais será possível discuti-la nem mesmo fazer prova no juízo cível, impedindo portanto a ação indenizatória.

ESTADO DE NECESSIDADE

Com escopo de afastar uma equivocada interpretação temos que atentar para as regras do artigo 929 do CC, pois este confere a pessoa lesada ou ao dono da coisa lesada o direito de obter a reparação do dano, ainda que o ato tenha sido praticado em estado de necessidade, assegurando ao autor do dano, de acordo com o artigo 930 do CC, o direito de regresso contra o terceiro que culposamente causou o perigo. Trata-se do mero dever de indenizar e não de responsabilidade civil, pois está exige a ocorrência de ato ilícito e os praticados em estado de necessidade e legitima defesa não os são, conforme segue:

Código CivilArt. 188. Não constituem atos ilícitos:I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Código CivilArt. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

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Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

DA LEGITIMA DEFESA

O código Penal reconhece a legítima defes em seu artigo 25, conforme segue:

Código PenalArt. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Para o reconhecimento de tal excludente no ambito penal, nos termos do artigo 23, II e no ambito civil impôe-se que a causa tenha sido definitivamente julgada. Assim, somente poderá se falar em reconhecimento de legitima defesa como excludente da indenização no âmbito civil se está foi reconhecida na justiça penal, pelo que caberá a suspensão da ação indenizatória, até que a questão seja decidida no âmbito penal. Não sendo reconhecida a legitima defesa na justiça penal a ação prosseguira no juízo civel para análise dos seus respectivos pressupostos não podendo assim, ser a legitima defesa reconecida na justiça cível.

Código PenalArt. 23 - Não há crime quando o Agente pratica o fato: I - em estado de necessidade;II - em legítima defesa;III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Pela regra do parágrafo único do artigo 930 do Código Civil, a seguir transcrito, caberá a ação regressiva contra aquele em defesa de quem causou o dano.

Código CivilArt. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

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Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I).

Verifica-se pois, que ainda haverá o dever de indenizar quando o agente, mesmo em estado de necessidade e de legitima defesa, causar ofensa a terceiro, por erro na execução (RSTJ113/278-279)

Insta salientar, que a legitima defesa putativa, descrita no artigo 20, paragrafo primeiro do Codigo Penal, ainda que reconhecida no juízo cirminal não exclui o dever de indenizar, eis que essa é causa de exclusão da culpa, mas não da antijuridicidade. Igualmente irá ocorrer no caso de dano a terceiro se a legitima defesa for praticada com erro de execução, conforme RSTJ 113/278-279.

Numa visão mais contemporânea, Mirabete assim define a legitima defesa putativa quando: "supondo o agente, por erro, que está sendo agredido, e repelindo a suposta agressão, configura-se a legitima defesa putativa, considerada na lei como caso sui generis de erro de tipo, o denominado erro de tipo permissivo (art. 20, § 1º, CP). Para que se configure a legitima defesa putativa, entretanto, é necessário que, excluído o erro, sejam respeitados os requisitos da legitima defesa".

Código PenalArt. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

Por fim, o artigo 67 do CPP, estabelece que a propositura da ação civil não será vedada no caso de despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação; com a decisão que julgar extinta a punibilidade e a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.

Assim, o simples fato das peças do inquérito terem sido arquivadas não inibe a ação indenizatória, pois nenhum juízo de valor foi feito nesse caso, se assemelhando a sentença absolutória por falta de provas. Igualmente ocorre com as causa de extinção da punibilidade, como por exemplo, a prescrição do crime nada implica na seara civil, bem como o réu poderá ser penalmente inimputável mais civilmente responsável. Por fim, o fato de não ser crime não afasta o dever de indenizar, pois como vimos o campo da responsabilidade civil e muito mais amplo do que o do crime.

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SENTENÇA ABSOLUTÓRIA DO JÚRI

Cediço que a decisão dos jurados não é motivada. Assim, quando o juri absolve, nunca se sabe se foi ou não por insuficiência de provas. Poderá até mesmo ocorrer decisão absolutória manifestamente contrária à prova dos autos. Por isso, tem-se entendido que a sentença absolutória do Júri sobre a questão do fato e da autoria, por não ser fundamentada, não tem nenhuma influência no juízo civel.

Outro não é o entendimento dos nossos Tribunais, como no caso do Recurso especial, Resp n.° 686.486/RJ, da Quarta Turma do STJ que reconheceu o dever de indenizar em caso de absolvição do Jurí por legítima defesa. Igualmente ocorreu com o caso que foi julgado pela Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reafrimou que a absolvição do denunciado reconhecida pelo Tribunal do Júri não impede que a jurisdição civil examine, para efeitos de indenização, pois a ausência de motivação do julgamento pelo corpo de jurados não permite saber o fundamento da absolvição. A decisão acima foi mantida pela Terceira Turma do STJ, no Recurso Especial, Resp n.° 52.280/RS.

SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

A preocupação com o sujeito passivo do crime é verificada na própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 245, que determina que a legislação ordinária deverá dispor sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do ilícito.

CRFB de 1988Art. 245 - A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito

DOS EFEITOS DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

Código PenalArt. 91 - São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;(...)

Código de Processo CivilArt. 475-N. São títulos executivos judiciais: (...)

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II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;(...)

O inciso I do artigo 91 do CP elenca como um dos efeitos legais da condenação criminal a certeza do dever de indenizar, na medida que mencionar tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Vale dizer, condenado no crime, estará também o réu condenado no cível a reparar o dano.

Mirabete interpreta o artigo em análise dizendo que a sentença penal condenatória transitada em julgado é um título executivo executório incompleto por depender de liquidação para apuração do quantum devido. No entanto, suprindo a ausência de liquidez do título o artigo 584, II do CPC (atual art. 475 “N” do CPC) coloca a sentença penal condenatória no rol de títulos executivos judiciais, permitindo que o juízo cível apure apenas o quantum debeatur, pois o dever de indenizar já está estabelecido, devendo, pois ser liquidado pelo processo de liquidação de sentença, não obstante, o artigo 387 do Código de Processo Penal, estabeleça que o juízo criminal fixará uma indenização mínima, pela ocorrência do crime, conforme segue:

Código de Processo PenalArt. 387 - O juiz, ao proferir sentença condenatória:(...)IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;

Logo, podemos concluir que a sentença penal condenatória faz coisa julgada no cível quando torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.

Tal fato restou evidenciado na apelação Civel n.° 9.597/99, da qual foi Relator o douto Des. Wilson Marques, e a Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro assim decidiu:

“A vitima, que dispõe, contra o ofensor, de sentença penal condenatória transitada em julgado, tem acesso direto a ação de execução, independente de prévia condenação civil, sendo suficiente que promova, perante o juízo competente, a liquidação da sentença penal condenatória e requeira, ato contínuo, a execução, no cível, da sentença penal condenatória objeto da liquidação”.

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LEGITIMIDADE ATIVA PARA A EXECUÇÃO

Código de Processo PenalArt. 63 - Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Art. 68 - Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (Art. 32, §§ 1º e 2º), a execução da sentença condenatória (Art. 63) ou a ação civil (Art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.

Código de Processo CivilArt. 566 - Podem promover a execução forçada:I - o credor a quem a lei confere título executivo;II - o Ministério Público, nos casos prescritos em lei.

O artigo acima confere legitimidade ativa para propositura da demanda reparatória à vítima, seu representante legal e a seus sucessores. Outrossim, tem o Ministério Público, legitimidade extraordinária para dar assistência ao ofendido e executar a sentença penal ou ajuizar direitamente a ação civil, se o titular da reparação for pobre, nos termos da Lei 1.060/50, conforme reza o artigo 68 do CPP e 566 do CPC, mas somente lhe será permitido atuar como tal a requerimento do credor e se não houver Defensoria Pública constituida no Estado do fato.

LEGITIMIDADE PASSIVA PARA A EXECUÇÃO

Cumpre esclarecer, que a legitimidade passiva da ação de execução que utiliza a sentença criminal não poderá recair sobre o terceiro responsável, como no caso do empregador do motorista que provocou o acidente de trânsito, ou seja, somente o autor do crime tem legitimidade passiva para figurar como réu na ação civil.

Nesse sentido, Silvio de Salvo Venosa afirma que para que terceiros sejam chamados a reparar o dano, deve ser promovida ação de conhecimento (art. 64 CPP), denominada actio civilis ex delito já que estes são estranhos a matéria decidida no juízo criminal e somente com a ação civil terão ampla discussão sobre o fato e o dano, permitindo o exercício do contraditório e da ampla defesa.

O posicionamento acima não é unânime, mas é o que tem prevalecido nos tribunais por estar apoiado no princípio da ampla defesa. Nesse sentido, temos como exemplo o caso do patrão e o comitente que não participaram do processo criminal, portanto, não acompanharam as provas e não puderam se defender. O

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processo criminal lhes será totalmente estranho, assim como a sentença, pois ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal que lhe permita o exercício da ampla defesa. Assim, o título executivo constituído pela sentença penal condenatória somente terá eficácia contra o réu condenado.

FORO COMPETENTE

O foro competente para a o deslinde da ação civilis ex delito ou para a ação de execução da sentença penal condenatória para efeitos de reparação civil, segundo assentado na doutrina e jurisprudência, é o do local do crime ou o do domicilio do autor, nos termos do artigo 100, V, a do CPC, embora a ação se funde em direito pessoal o foro territorial competente não é o do domicilio do réu, segundo a regra geral estabelecida no artigo 94 do CPC.

Nesse sentido, a vítima ou seus familiares teriam privilégio de escolher um dos foros especiais previstos no artigo 100 do pergaminho processual.

SOBRESTAMENTO DO PROCESSO CIVIL

Diante de tudo que já foi estudado e pelo princípio da independência das jurisdições, podemos afirmar que não será necessário aguardar o desfecho do processo criminal para ingressar com a ação civil de reparação. A aludida regra conta de forma clara no caput do art. 64 do CPP, acima transcrito.

Código de Processo PenalArt. 64 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.

Entretanto, o parágrafo único do mesmo artigo, confere ao juiz do cível a faculdade (e não obrigação) de suspender o curso da ação civil se o conhecimento da lide depender da verificação da existência do fato delituoso. Igualmente, tratam os artigos 110 e 265, IV, “a” do Código de Processo Civil, que faculta a suspensão do processo quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica que constitua objeto principal de outro processo pendente. Entretanto, o aludido sobrestamento não poderá ser superior a um ano, conforme § 5° do último artigo do mesmo artiog 265.

Código de Processo PenalArt. 64 (...)Parágrafo único - Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela.

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Código de Processo CivilArt. 110 - Se o conhecimento da lide depender necessariamente da verificação da existência de fato delituoso, pode o juiz mandar sobrestar no andamento do processo até que se pronuncie a justiça criminal.

Art. 265 - Suspende-se o processo:(...)IV - quando a sentença de mérito:a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;(...)§ 5º - Nos casos enumerados nas letras a, b e c do nº IV, o período de suspensão nunca poderá exceder 1 (um) ano. Findo este prazo, o juiz mandará prosseguir no processo.

Essa suspensão é facultativa e fica a critério do juiz que poderá, a fim de afastar decisões contraditórias ou no caso de restarem dúvidas quanto a existência do fato delituoso, suspender o curso da demanda indenizatória.

PRESCRIÇÃO

Código CivilArt. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

Por derradeiro, com o escopo de evitar decisões conflitantes no juízo criminal e no juízo cível o legislador introduzir no Código Civil a regra do art. 200 que impede o curso da prescrição antes da sentença penal definitiva, que para a reparação civil seria de 3 anos, conforme artigo 206, parágrafo 3°, inciso IV do CC. Com esse mecanismo atende-se à prevalência do juízo penal sobre o cível, no que se refere á apuração do delito e da responsabilidade de seu agente. Se a prescrição civil acontecesse antes do encerramento do processo criminal, a condenação do acusado perderia a força do título executivo civil. O delinqüente sofreria a sanção penal, mas não teria de indenizar o dano da vítima ou de seus dependentes.

Foi para evitar que isso acontecesse e que sempre o condenado no crime tivesse de sujeitar-se, também, ao dever de reparar o dano civil, que o art. 200 do Código Civil veio impedir que a pretensão civil prescrevesse antes do julgamento definitivo do processo-crime.

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CONCLUSÃO Nesse sentido, conclui-se que a sentença penal absolutória transitada em

julgado somente terá o condão de prejudicar a reparação no cível quando se tratar de negativa material do fato ou negativa de autoria (inciso I e IV do art. 386 do CPP), ou seja, quando a sentença estiver fundada na inexistência do fato ou que o acusado não foi o seu autor, sob fundamento de que o fato não pode existir no Cível e inexistir no Crime.

Tal fato se justifica, pois o réu não pode ser considerado o autor no Cível do fato se a justiça Criminal já declarou que ele não é, pois se assim fosse permitido haveria nítida contradição das jurisdições.

Nesses dois casos a sentença penal absolutória faz coisa julgado no Cível, sendo tal regra contemplada pela parte final do art. 935 do CC, cumulada com o artigo 66 do CPP, conforme vimos.

Quanto a sentença condenatória, não é mendaz afirmar que fará coisa julgada no cível quanto ao dever de indenizar o dano decorrente da conduta criminal, de acordo com os artigos 91, I CP, 63 do CPP e 475 “N” do CPC, podendo ser executada no Juízo cível apesar das jurisdições penal e civil, em nosso país, serem independentes. É certo que o título em questão somente poderá ser utilizado em face do condenado, sendo ineficaz, portanto contra um eventual responsável e deverá ser liquidado. Para esses casos a demanda cognitiva de nominada actio civilis ex delito deverá ser proposta a fim de permitir ampla e irrestrita defesa do responsável.

E, por fim deve-se esclarecer que, tanto num quanto noutro caso, não será necessário aguardar o desfecho do processo criminal para ingressar com a ação civil de reparação, mas se assim o quiser já que pretensão não será atacada pela prescrição, de acordo com o artigo 200 do código Civil .

RESPONSABILIDADE DIRETA E INDIRETA

De regra, a responsabilidade é direta, ou seja, somente responde pelo fato aquele que lhe dá causa, mediante uma conduta própria, seja positiva ou negativa. Entretanto, conforme adiante veremos, a lei permite que a responsabilidade recaia sobre outra pessoa, que não o próprio agente, mas que em última análise veremos que, na verdade, a responsabilidade não deixa de ser pelo fato próprio em razão da conduta omissiva.

Na verdade, a responsabilidade indireta será estudada mais adiante, agora veremos apenas um ponto desta questão, a possibilidade do incapaz responder diretamente por seus atos, pois como regra quem irá responder será o seu reponsável.

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RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS INCAPAZES

Sabemos que a conduta humana que cause dano, para ser reprovável deve culpável, e para tanto, voluntária. A culpabilidade deve ser aferida diante da possibilidade do agente conhecer o caráter ilícito do ato por ele praticado. Assim, o agente deve ter plena consciência do ato praticado para que haja voluntariedade na conduta. Entretanto, mesmo sem condições de discernir sobre o que é certo ou errado, ou seja, mesmo que esteja ausente a verdadeira voluntariedade do ato, o incapaz poderá responder diretamente pelo dano que causar a parte ofendida, desde que se enquadre em uma das hipóteses do artigo 928 do Código Civil, a seguir descrito:

Código CivilArt. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

O Diploma atual trata de forma diferente a questão quando comparado com o código de 1916, já que este, ao regular a responsabilidade dos absolutamente incapazes, os considerava inimputáveis, ou seja, quem responderia por seus atos ilícitos seriam seus pais, tutores ou curadores, desde que estivessem sob sua guarda. Quanto aos relativamente incapazes, eram equiparados a capazes e, portanto, responderiam pelo dano.

Vimos com a leitura do artigo acima que o novo diploma regula a dita responsabilidade de forma diferente, pois optou pelo critério subsidiário descrito no seu artigo 928, pois o incapaz somente será responsabilizado se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação ou não dispuserem de meios para fazê-lo. Assim, o atual diploma permite que o incapaz, absoluta ou relativamente, responda diretamente por seus atos.

Desse modo, se a vítima não conseguir receber a indenização da pessoa encarregada de sua guarda, poderá o juiz, mas somente se o menor for abastado, condená-lo ao pagamento de uma indenização equitativa. Nesse sentido, a obrigação de indenizar cabe, em primeiro lugar, as pessoas responsáveis pelo incapaz. Este só será responsável, se aquelas não dispuserem de meios suficientes para po pagamento.

Enfim, para que haja a responsabilização direta do incapaz, como disposto no art. 928 e parágrafo, do Código Civil, faz-se necessário que o ato praticado pelo incapaz tenha as mesmas condições de ser considerado culposo caso tivesse sido praticado por pessoa imputável e que, ao menos, satisfaça um dos requisitos abaixo:

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1) Não tenham os responsáveis pelo incapaz obrigação de responder por seus atos lesivos;

2) Não tenham os responsáveis pelo incapaz meios suficientes para responder pelos prejuízos por ele causados.

A primeira hipótese é de difícil verificação prática, pois não é fácil vislumbrar uma situação na qual a pessoa possa ser responsável pelo incapaz, mas não tenha obrigação de indenizar os prejuízos que este der causa, mas tomemos como exemplo o caso em que um menor, dolosamente, oculte a sua idade ou, espontaneamente, declare-se maior no ato de se obrigar, perderá a proteção que a lei confere aos incapazes e os seus responsáveis não poderão ser responsabilizados, conforme determina o artigo 180 do Código Civil.

Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.

Outrossim, cumpre colacionar o exemplo do mestre Pablo Stolze Gagliano, para demonstrar a responsabilidade direta do incapaz na hipótese descrita na primeira parte do artigo 928. Assim, suponhamos que um menor, absolutamente incapaz, órfão de mãe, cause um dano a uma pessoa quando estava na companhia da sua avó idosa, pois seu pai estava em coma. Nesse caso, para o referido mestre, o pai, responsável legal pelo filho, não teria reponsabilidade pelo ato ilícito praticado pelo infante, devendo este responder pessoalmente pelo dano causado. Não compartilho desse exemplo por entender que a avó seria responsável sim, por ter a guarda do infante que praticou o ilícito, , ainda que de forma fática.

A segunda hipótese já é mais factível, podendo ocorrer, por exemplo, com pais, sem recursos, de artistas ou esportistas mirins que aufiram grandes somas em dinheiro.

Uma vez caracterizada a responsabilidade direta do incapaz ou mesmo do seu responsável pela via indireta, a indenização não terá como base a idéia de recompor, integralmente, o dano sofrido (CC, art. 944), mas sim, o critério da equidade a fim de não privar o incapaz e as pessoas que dele dependam do necessário. Portanto, a recomposição total do dano somente terá vez se o incapaz possuir vasto patrimônio que seja suficiente para arcar com a indenização e manter-se, bem como os que dele dependa.

Código CivilArt. 928. (...)

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Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

UNIDADE II: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL SUBJETIVA:

- Conduta culposa : conceito e elementos. A ação e a omissão.- Culpa: sentido genérico e estrito.- Abuso de direito.- Nexo causal : conceito.- Teorias.- Exclusão do nexo causal.- Dano : conceito- Dano material: dano emergente e lucro cessante.- Dano reflexo, indireto ou em ricochete.- Dano moral: dano estético. Arbitramento do dano moral. Dano moral de

pessoa jurídica.- Perda da chance.- Liquidação do dano.

PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

Inicialmente, cumpre esclarecer que o Código Civil de 1916 era extremamente subjetivista já que a responsabilidade civil estava apoiada na culpa provada, tal como previsto na regra geral do seu artigo 159 que não abria espaço para responsabilidade outra que não a subjetiva. Apenas topicamente o código admitia a culpa presumida (art. 1521) e a responsabilidade objetiva (artigos 1527 a 1529).

Entretanto, como vimos, as leis devem acompanhar a sociedade e assim foi feito com a responsabilidade civil que partiu da culpa provada, evoluiu para presumida até chegar a responsabilidade objetiva, que em alguns casos está fundada na teoria do risco integral. Tal evolução se deu a margem do diploma civil até então existente, por meio de leis esparsas.

No entanto, o mesmo não ocorreu com o Código Civil de 2002, pois introduziu profundas modificações na disciplina da responsabilidade civil estabelecida no código anterior, na medida em que incorporou ao seu texto todos os avanços abarcados pelas aludidas legislações extravagantes.

Não é mendaz afirmar que a responsabilidade civil subjetiva continua sendo a regra. Entretanto, poderá ser afastada sempre que tiver disposição legal expressa consagrando a responsabilidade civil objetiva.

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A idéia de responsabilidade civil subjetiva vem do fundamento de que aquele que causar dano a outrem, seja moral ou material, deverá restabelecer o patrimônio ao estado em que se encontrava antes do seu ato danoso, e, caso o restabelecimento não seja possível, deverá compensar aquele que sofreu o dano.

Por isso, o Código Civil de 2002, não poderia deixar de prever uma cláusula geral da responsabilidade subjetiva, como de fato fez com os artigos 927 e 186, que comportam os seus pressupostos.

Maria Helena Diniz, na primeira parte do texto abaixo define a responsabilidade civil subjetiva e na parte final, a objetiva:

“A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal.”

Não é tarefa fácil caracterizar os pressupostos da responsabilidade civil em razão da grande divergência doutrinária sobre o tema. No entanto, a existência de uma conduta humana, culposa ou dolosa, a ocorrência de um dano e o nexo causal são considerados para todos, como sendo seus elementos essenciais, razão pela qual neles nos concentraremos. Mesmo porque, esses três elementos foram os apresentados pela doutrina francesa que é a percussora no estudo sobre responsabilidade civil, bem como por estarem claramente identificados nos artigos 186 e 927 do Código Civil, mediante a simples análise do seu texto, a saber:

Código CivilArt. 186 CC Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

a) Conduta culposa do agente caracterizado pela expressão “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”;

b) Nexo causal, evidenciado pelo verbo causar; e

c) Dano revelado nas expressões “violar direito ou causar dano a outrem”.

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Nesse sentido, quando alguém, mediante conduta culposa violar direito de outrem e causar-lhe dano, cometerá um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, conforme se depreende do artigo 927 do CC, a seguir transcrito:

Código CivilArt. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Devemos entender que o direito violado pode ser qualquer direito subjetivo, não só os relativos, que estão mais presentes no campo da responsabilidade contratual, como também os absolutos, reais e personalíssimos, como o direito à vida, à saúde, à segurança, à honra, à liberdade, ao nome, à intimidade e à imagem.

Sérgio Cavalieri Filho adverte que os pressupostos acima analisados são comuns à responsabilidade contratual, com a única atenuante de ser a prova da culpa, nesse caso, limitada à demonstração de que a prestação foi descumprida.

Passemos ao estudo do primeiro elemento da responsabilidade civil extracontratual subjetiva: CONDUTA HUMANA

Como vimos anteriormente, será possível que um fato da natureza cause dano a alguém, mas por ser ato involuntário, externo a conduta humana não geraria responsabilidade civil.

Nesse segmento, somente uma conduta humana poderia ser passível de obrigação.

Código CivilArt. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Código CivilArt. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo

CONDUTA HUMANA

CONCEITO

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Podemos entender por conduta humana como sendo o comportamento voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão e que produz conseqüências jurídicas. Nesse sentido, ação seria a atividade humana, ou seja, a prática de um ato comissivo ou omissivo, enquanto que a omissão voluntária seria a falta de agir por querer, quando o podia e devia fazer.

CONDUTA VOLUNTÁRIA

Como vimos acima a conduta humana tem que ser voluntária, mas isso não quer dizer que ela seja intencional. A voluntariedade deve repousar no ato de praticá-la não no seu resultado. Quando o resultado é pretendido temos uma conduta voluntária e intencional. Nesse sentido, a conduta deve ser sempre voluntária, pois quando for involuntária não dará, em regra, respaldo a responsabilidade civil, já que nem mesmo será considerada conduta.

Conclui-se, que não será considerada conduta, por estar ausente o elemento volitivo, os atos denominados reflexos, como nos casos de sonambulismo, coação física irresistível (neste ato a responsabilidade será do coator e não do coato), hipnose ou oriundos de outras formas de inconsciência.

Insta o bservar, que a conduta voluntária está intimamente ligada a imputabilidade, culpabilidade, isto é, tem que ser culpável reprovável, passível de juízo de censura e, para tanto, seu agente tem que ter consciência do ato. Fato este que depende da capacidade psiquica de entendimento e autodeterminação, o nos leva a imputabilidade e, consequentemente, a ausência de vontade quando o ato for praticado por incapaz, mas que pela via excepcional, neste último caso, conduzirá a responsabilidade direta do incapaz ou idireta de seu responsável. Por isso, se diz que não há como responsabilizar quem quer que seja pela prática de um ato danoso, se no momento em que pratica, não tem condição de entender o caráter reprovável de sua conduta.

Dependendo da forma pela qual a conduta voluntária se manifesta pode-se classificar a conduta humana em positiva ou negativa, conforme segue:

CONDUTA POSITIVA

A sua forma positiva traduz-se em um comportamento ativo, positivo, a exemplo do dano causado pelo sujeito que, embriagado, arremessa seu veículo contra o muro. Essa forma é a mais comum de exteriorização da conduta, porque normalmente, as pessoas estão obrigadas a abster-se da prática de atos que possam causar dano a outrem.

Para Sérgio Cavalieri Filho, a ação, como forma de conduta humana causadora de dano, seria o movimento corpóreo comissivo, um comportamento

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positivo com a destruição da coisa alheia, a morte ou lesão corporal causada em alguém, etc.

CONDUTA NEGATIVA

Esta espécie de conduta, que é a forma menos comum de comportamento, caracteriza-se pela voluntária inatividade, abstenção de alguma conduta devida, ou seja, quando o omitente tinha um dever jurídico agir, de praticar um ato para impedir o resultado, dever, esse, que pode advir da lei, do negócio jurídico ou mesmo da conduta anterior do próprio omitente, criando o risco da ocorrência do resultado, devendo, por isso, agir para impedi-lo.

Como exemplo, os pais seriam responsáveis pela omissão alimentar dos filhos, porque a eles cabe o dever legal de alimentar-los. Igualmente, ao médico contratado pelo paciente ou aquele que está vinculado, pois assumiu a posição de garantidor e por isso tem respondem pela falta de atendimento.

CULPA LATO SENSU

Insta esclarecer, que nem toda conduta estará apta a responsabilizar o agente pelo ato danoso, eis que para tanto a conduta deverá ser, além de voluntária, culposa. Nesse sentido, o prejudicado que tenha experimentado um dano somente terá seu patrimônio recomposto caso consiga provar que a pessoa que causou o dano agiu com culpa, caso contrário absorverá integralmente o prejuízo. Desta conclusão vem a observação de De Page de que a irresponsabilidade é a regra e a responsabilidade a exceção.

Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente censurado ou reprovado na sua conduta quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba a afirmação de que ele podia e devia ter agido de outro modo.

Se a atuação desastrosa do agente é deliberadamente procurada, voluntariamente alcançada, diz-se que houve culpa lato sensu (dolo). No entanto, se o prejuízo da vítima decorre de um comportamento negligente, imprudente ou imperito do autor do dano, diz-se que houve culpa strito sensu.

Assim, a diferença entre dolo e culpa encerra no fato de que para o dolo a conduta já nasce ilícita, pois a vontade se dirige ao resultado ilícito, enquanto na culpa a conduta nasce lícita, mas o seu resultado se torna ilícito por falta de cuidado. Em suma, no dolo o agente quer a ação e o resultado e na culpa ele só quer a ação, mas o resultado é atingido por desvio acidental da conduta.

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Conclui-se que a culpa, para a responsabilidade civil, é tomada pelo seu sentido lato sensu, abrangendo assim, também o dolo, ou seja, todas as espécies de comportamento contrário ao direito sejam intencionais ou não, mas sempre imputáveis ao causador do dano.

Para surgir a obrigação de indenizar o dano causado, é necessário que o agente tenha agido dolosa ou culposamente. Portanto aquele que causar prejuízo a alguém através de ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ficará obrigado a reparar. Desse modo, para que se caracterize a responsabilidade é necessário que se prove que a conduta do agente causador do dano tenha sidodolosa ou pelo menos culposa.

CONDUTA CULPOSA OU DOLOSA E LIQUIDAÇÃO DO DANO

Para a responsabilidade civil, em regra, a diferença entre conduta dolosa ou culposa não faz diferença, pois o agente responde igualitariamente pelo seu ato danoso seja intencional ou não, pois, como vimos, a função da responsabilidade civil é, exclusivamente, reparadora e não punitiva como ocorre no direito penal.

Tal conclusão resta regulada pelo artigo 403 e 944, a seguir transcrito:

Código CivilArt. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

No entanto, cabe ressaltar a única exceção que difere a culpa do dolo proposta pelo artigo 944, parágrafo único. No referido artigo é permitido ao juiz reduzir equitativamente a indenização se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. Nesse caso o legislador restringe a redução equitativa da indenização somente no caso de culpa estrito sensu, não abrangendo, portanto, a conduta intencional, ou seja, se ficar provado que a conduta foi dolosa o juiz não poderá reduzir a indenização, pois neste caso guardará a proporção do dano.

Pode-se definir o dolo ou culpa lato sensu como sendo a vontade intencional dirigida à produção de um resultado ilícito. È a infração consciente do dever preexistente, ou o propósito de causar dano a outrem, conforme leciona Caio Mário.

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Para Silvio Rodrigues o dolo se caracteriza pela ação ou omissão do agente que, antevendo o dano que por sua atividade vai causar, deliberadamente prossegue, com o propósito de alcançar o resultado danoso.

,Assim, o agente age dolosamente quando sabe ser ilícito o resultado que

intenciona alcançar com sua conduta. Está consciente de que age de forma contrária ao dever jurídico, embora lhe seja possível agir de forma diferente.

CULPA STRITO SENSU

A culpa, por sua vez caracteriza-se pelo descumprimento de um dever jurídico de cuidado, que é o dever genérico de não causar dano a ninguém que poderá estar previsto na lei, no contrato ou no dever geral de cautela. Assim, ao praticar os atos da vida, mesmo que lícitos deve ter a cautela necessária para que de seu atuar não resulte lesão a bens jurídicos alheios, pois quando isso ocorrer teremos um erro na conduta do agente.

Afirma o Mestre Sérgio Cavalieri Filho que, na culpa não há vontade de praticar ato ilícito, ao contrário, a vontade se dirige para praticar um ato lícito, mas o agente, por não adotar a conduta adequada, acaba por praticar ato ilícito. Verifica-se, então que há na culpa uma conduta mal-dirigida a um fim lícito, mas inadequada aos padrões sociais, pois uma pessoa prudente e cautelosa não teria praticado.

Como exemplo, suponhamos que uma pessoa pretende construir em seu terreno, mas por falta de cuidado na execução da obra acaba por derrubar o muro do terreno do vizinho. O exemplo apenas reafirma o que já foi dito: a conduta nasce lícita, mas que acaba por produzir um resultado ilícito.

CONCEITO

O mestre José de Aguiar Dias define culpa como a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais de sua atitude.

Para Sérgio Cavalieri Filho culpa seria a conduta voluntária, contraria ao dever jurídico de cuidado, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível.

ELEMENTOS DA CONDUTA CULPOSA STRITO SENSUCom os conceitos acima é possível extrair três elementos

da conduta culposa, quais sejam:

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a) conduta voluntária com resultado involuntário; b) previsibilidade e c) falta de cuidado.

O primeiro elemento foi exaustivamente tratado quando distinguimos culpa lato sensu da estricto sensu, ou seja, o dolo da culpa. O segundo e terceiro merecem um atenção especial nesse momento.

PREVISIBILIDADE

O elemento mínimo da culpa é a previsibilidade, ou seja, o resultado tem que ter possibilidade de ser previsto, pois somente é possível evitar aquilo que tem certo grau de probabilidade de ocorrer. Assim, só se pode cogitar culpa se o evento é previsível. Se, ao contrário, é imprevisível não há que se cogitar culpa.

Não havendo previsibilidade, não há culpa, pois estaremos diante do caso fortuito, pois ninguém pode responder por fato imprevisível porque, na verdade, não lhe deu causa.

Podemos graduar a culpa levando em consideração a postura do agente diante da previsibilidade, e nesse caso a doutrina tradicional divide a culpa em grave leve e levíssima. Classificação esta que, inclusive, teria sido adotada pelo Código Civil em seu artigo 944.

CULPA GRAVE

A culpa grave, também denominada de culpa consciente, é a que se manifesta de forma grosseira com extrema falta de cautela, com descuido injustificável ao homem normal e como tal, se aproxima do dolo eventual do direito penal. Em ambos há previsão ou representação do resultado, só que no dolo eventual o agente assume o risco de produzi-lo, enquanto na culpa consciente ele acredita sinceramente que o evento não ocorrerá.

A culpa grave consiste em não prever o que todos preveem, omitir aos cuidados mais elementares ou descuidar da diligência mais evidente. Como no caso de dirigir um veículo em estado de embriaguez alcólica ou em velocidade excessiva, ingressar em cruzamento sinalizado com o semáforo fechado, etc.

Diante da aproximação do dolo, a conduta caracterizada pela culpa grave, conduzirá a responsabilidade do agente ainda que a lei civil precreva que a responsabilização somente se dará na ocorrência de dolo, conforme o artigo 392 do CC. Tal fato ocorre porque a culpa grave é a decorrente de uma violação mais séria do dever de diligência que se exige do homem mediano.

CULPA LEVE

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Haverá, por sua vez, culpa leve se a falta puder ser evitada com atenção ordinária, com o cuidado próprio do homem comum, de um bônus pater famílias ou bom pai de família. São situações nas quais o homem comum não transgrediria o dever de conduta.

CULPA LEVÍSSIMA

Por fim, temos a culpa levíssima que seria aquela constatada pela falta de atenção extraordinária, que somente uma pessoa muita atenta ou muito perita, dotada de conhecimento especial para o caso concreto poderia ter.

Como falamos, a responsabilidade civil difere do penal, pois aquele equipara a culpa ao dolo para fins de reparação e mesmo a culpa levíssima obriga que o agente indenize o dano proporcionado, pois esta não deve ser medida pela culpa, mas pelo dano. Assim, provado o dano, deve ele ser ressarcido integralmente por seu causador, tenha agido com dolo, culpa grave ou mesmo levíssima. O montante da indenização nunca pode exceder o valor dos danos causados ao lesado. Por outro lado, não deve ser menor que estes, salvo exceções, como a do parágrafo único do artigo 944 do CC, bem como as contempladas em algumas legislações extravagantes como o Código Brasileiro de Aeronáutica, pois seus artigos 247, 272, I, e 278, I exigem culpa grave para que haja o dever de indenizar ou mesmo do patrão com relação ao dano experimentado por seu emrpegado, etc..

FALTA DE CUIDADOSérgio Cavalieri Filho faz a seguinte indagação: Se o resultado foi previsto

pelo agente por que, então, não o evitou? Não estaria então agindo dolosamente?

Além da indagação ele dá a resposta: Porque faltou com a cautela devida e violou aquele dever de cuidado que é a própria essência da culpa.

Como vimos, a responsabilidade civil é necessariamente uma reação provocada pela infração a um dever preexistente mais dano. Em qualquer atividade, o homem deve observar a necessária cautela para que sua conduta não venha a causar dano a terceiro, ainda que ausente o animus laedendi. A inobservância desse dever geral de cautela ou dever de cuidado, imposto genericamente no artigo 186 do CC, configura a culpa strito sensu ou aquiliana.

Convém ressaltar que o fato da conduta ter possibilidade de ser prevista pelo agente não torna o ato doloso, pois o que importa é o resultado pretendido, ou seja, mesmo previsto ele não quer aquele resultado doloso e ainda, acredita que o mesmo não irá ocorrer.

A falta de cuidado, como elemento da conduta culposa, se manifesta mediante a atuação Imperita, negligente ou imprudente.

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IMPRUDÊNCIAImprudência é falta de cautela ou cuidado por conduta comissiva, positiva,

por ação, ou seja, é a precipitação ou o ato de proceder sem cautela Age com imprudência o motorista que dirigem excesso de velocidade ou avança o sinal.

Silvo de Salvo afirma que na imprudência o agente é intrépido, açodado precipitado e age sem prever consequências nefastas ou prejudiciais.

NEGLIGÊNCIANegligência é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva, ou seja, o

agente não toma as precauções necessárias, exigidas pela natureza da obrigação e circunstâncias ao praticar uma ação. Haverá negligência se o veículo não estiver em condições de trafegar, por deficiência de freios, pneus, lanterna queimada, mas ainda assim o seu proprietário faz uso do mesmo, o individuo que faz uma queimada e se afasta do campo sem verificar se o fogo está completamente apagado, etc.

Para Rui Stoco na negligência, há um desajuste psíquico traduzido no procedimento antijurídico ou uma omissão de certa atividade que teria evitado o resultado danoso.

IMPERÍCIAApesar da imperícia não estar no bojo do artigo 186 do CC, certamente ela

integra o conceito de culpa, pois o legislador pretendeu coloca-la como espécie de negligência, mas de uma negligência técnica ou profissional.

A imperícia, por sua vez, decorre da falta de habilidade no exercício de seu ofício, atividade técnica ou profissão caso em que se exige, de regra, maior cuidado ou cautela do agente. Haverá imperícia de um advogado que redija uma petição inicial inepta ou do médico que administra medicação equivocada e danosa ao paciente, etc.

OUTRAS ESPÉCIES DE CONDUTA CULPOSAA culpa pode ser estudada sob diversos enfoques e não somente sobre a sua

gradação em grave, leve e levíssima. Assim, temos, culpa in eligendo in vililando e in custodiando, culpa presumida, culpa contra a legalidade e culpa concorrente.

As culpas in eligendo in vigilando e in custodiando, eram expressões utilizadas pelo Código Civil de 1916, onde a primeira decorria da má escolha do representante ou preposto como no caso do patrão pelo ato culposo do empregado ou preposto, em razão da sua má escolha, por exemplo contratar funcionário inabilitado ou imperito. A segunda, por sua vez decorria da falta de fiscalização ou cuidado com o procedimento do outro que estava sob sua guarda ou responsabilidade, como os pais pelos atos dos filhos incapazes, tutor pelos atos do tutelado, etc. Por fim, a terceira forma caracterizava-se pela falta de atenção em relação a animal ou coisa que estavam sob os cuidados do agente,

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como o cachorro que ao encontrar o portão aberto foge e ataca uma pessoa na rua.

Ocorre que, tais expressões estão em desuso, pois o novo Código estabeleceu responsabilidade objetiva para os pais, patrão, comitente, detentor do animal, etc. e não por culpa presumida como antes, fazendo surgir a reponsabilidade pelo fato de outrem, da coisa ou do animal que, oportunamente, será estudada.

CULPA PRESUMIDA e CONTRA A LEGALIDADE

Vimos que a concepção clássica é a de que a vítima tem que provar a culpa do agente para obter a reparação. Essa posição passou por diversos estágios evolutivos a fim de se adequar a nova realidade para permitir que a indenização seja alcançada. Assim, tem-se observado que a lei, em várias situações, estabelece presunções juris tantum, para facilitar a prova da culpa e do ato ilícito. Nesses casos ocorre a inversão do ônus da prova, melhorando muito a situação da vítima. Esta não terá que provar a culpa psicológica, subjetiva, do agente que é presumida. Basta a prova da relação de causa e efeito entre o ato por este praticado e o dano causado. Para livrar-se da presunção de culpa o causador da lesão patrimonial ou moral é que terá de produzir prova de inexistência de culpa oude que o nexo causal foi rompido.

Assim, não só a lei, mas, em muitos casos a jurisprudência considera a culpa presumida, pois em inúmeras situações concretas, de evidência patente, provar a culpa é totalmente despiciendo, como no exemplo do acidente de trânsito, presume-se a culpa de quem abalroa na traseira, a do que sobe com o carro na calçada e atropela o transeunte, etc.. Assim, a regra da culpa presumida se aplica diante dos fatos que restarem evidentes que a mesma existe ou nos casos em que o dever de cautela resta regulado por lei ou regulamento e o dano decorre do seu descumprimento, neste último caso será culpa será presumida, mas terá denominação de culpa contra a legalidade.

Nos casos de culpa presumida carreados pela lei e jurisprudência o que ocorre é a inversão dos ônus da prova cabendo, portanto, ao réu a prova de que não agiu com culpa, pois nesses casos a prova da culpa seria uma verdadeira prova diabólica, expressão utilizada por Sérgio Cavalieri Filho, e seria uma barreira intransponível para o lesado.

Sérgio Cavalieri Filho exemplifica culpa presumida usando a seguinte passagem: Se o motorista sobe com o veículo na calçada e atropela transeunte, a culpa decorre do próprio fato; isto é in re ipsa, cabendo ao agente afastá-la provando caso fortuito, força maior, fato de terceiro, etc.

A culpa presumida passou a ser adotada para beneficiar a vítima em razão da dificuldade de se provar a culpa em determinados casos e favoreceu o

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processo de evolução da responsabilidade subjetiva que desencadeou nas bases da responsabilidade objetiva.

Com a culpa presumida o fundamento da responsabilidade civil continua o mesmo, a culpa, a diferença reside, como vimos acima, no aspecto processual da distribuição do ônus da prova. Enquanto no sistema clássico (culpa provada) cabe à vitima provar a culpa do causador do dano, no de inversão do ônus probatório atribui-se ao demandado o ônus de provar que não agiu com culpa.

Sérgio Cavalieri Filho afirma que, a culpa presumida, não abandonou a teoria da culpa, já que permite amplamente a sua discussão, mas confere, por via de uma presunção, um efeito prático próximo a teoria objetiva. O causador do dano, até prova em contrário, presume-se culpado, mas por se tratar de uma presunção relativa (juris tantum) admite prova em contrário que possa elidir a presunção de culpa.

A culpa contra a legalidade, expressão utilizada pelos tribunais, refere-se ao descumprimento de um texto expresso em lei ou regulamento. Como por exemplo, o dever de obediência ao regulamento de trânsito ou o dever de obediência a certas regras para o desempenho de certas atividades, como as advertências para se utilizar equipamentos de segurança, não fumar, não usar celulares etc. Nessas hipóteses, provadas a conduta violadora, o nexo causal e o evento danoso a culpa decorre da conseqüência, portanto, presume-se a culpa. Também não se trata de responsabilidade objetiva, pois permite extensa discussão sobre o tema.

Passemos ao estudo do segundo elemento da responsabilidade civil extracontratual subjetiva: NEXO CAUSAL

NEXO CAUSALO segundo elemento e o elo que liga o ato ilicito ao dano produzido, pois

sem essa relação de causalidade não se admite a obrigação de indenizar.

O nexo causal é, na verdade, o primeiro passo para verificar se o caso envolve a responsabilidade civil. Nesse sentido, antes de verificarmos se o autor agiu com culpa temos que verificar se ele deu causa ao resultado. Isso porque ninguém pode responder por algo que não fez.

ConceitoPodemos conceituar o nexo causal como sendo o vínculo, a ligação, o

liame, a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.

Sérgio Cavalieri Filho conceitua dizendo que nexo causal seria o elemento referencial entre a conduta e o resultado.

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Pode-se afirmar que o nexo causal é um elemento praticamente indispensável, em qualquer espécie de responsabilidade civil, pois como veremos, poderá haver responsabilidade sem culpa, (responsabilidade objetiva), mas não poderá ter responsabilidade sem nexo causal exceto no caso da teoria do risco integral. Nesse sentido, mesmo no caso de responsabilidade objetiva será necessário a constatação do nexo causal, ainda que a culpa seja a dispensada, salvo, como vimos, quando o caso fundamentar-se na teoria do risco integral. Assim, se a vítima que experimentou o dano não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida.

A sua determinação, não oferece muita dificuldade quando o resultado decorre de um fato simples, pois a causalidade fica estabelecida de maneira direta entre o fato e o dano. O problema aparece nas hipóteses de causalidade múltipla, isto é, quando há uma cadeia de condições concorrendo para o evento danoso, pois nesse caso teremos que determinar qual dentre elas é a causa real do resultado. Nesse sentido, qual critério poderia ser utilizado para chegar à conclusão de que, no concurso de várias circunstâncias, qual delas levaria ao responsável pelo dano ?

Destarte, cabe a seguinte indagação: Suponhamos que um prédio desabe por culpa do engenheiro que foi inábil, imperito; o desabamento proporcionou o saque de uma elevada quantia e jóias que estavam em um apartamento, o que, por sua vez, gerou a falência do proprietário. O engenheiro responde por essa ruina financeira?

Algumas teorias foram formuladas a respeito dessa questão, pois buscam determinar a solução nos casos de causalidades múltiplas, entre as quais, duas merecem destaque.

Insta observar, que uma não exclui a outra, pois o julgador poderá utilizar-se do bom senso e da equidade para a solução do caso concreto. Assim, o nexo causal terá que ser determinado caso a caso, com base nas provas produzidas pelo demandante.

TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES OU ANTECEDENTES

Como o próprio nome diz essa teoria não faz diferença entre a causa e a condição, onde a causa seria aquilo de que uma coisa depende quanto à existência, enquanto a condição seria o aquilo que permite à causa produzir seus efeitos positivos ou negativos. Se várias condições concorrerem para o mesmo resultado, todas têm o mesmo valor, a mesma relevância, todas se equivalem. Nesse caso, não se indaga se uma delas foi mais ou menos eficaz ou mais ou menos adequada ao resultado. Assim, todas e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano será considerado causa.

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Para essa teoria a causa seria a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, sem a distinção da maior ou menor relevância que cada uma teve. Por isso, essa teoria é chamada de conditio sine qua nom, ou da equivalência das condições.

Para saber se uma determinada condição é causa, elimina-se mentalmente essa condição, através de um processo hipotético. Se o resultado desaparecer, a condição é causa, mas, se persistir, não será. Desta forma, é todo antecedente que não pode ser eliminado mentalmente sem que venha afastar o efeito.

Sustentam seus defensores que o resultado é sempre uno e indivisível, não podendo ser subdividido em partes, de forma a ser atribuído a cada uma das condições, isolada e autonomamente. Logo todas as condições teriam efeito como antecedentes necessários do resultado, portanto, se equivalem.

Essa teoria sofre consideráveis críticas, em razão exacerbação da causalidade e da regressão infinita do nexo causal. Assim, para o seu criador, Von Buri, no seguinte exemplo, teriam que indenizar a vítima de um atropelamento não só quem dirigia o veículo com imprudência, mas também quem lhe vendeu o automóvel, quem o fabricou, quem forneceu a matéria prima, etc.

Igualmente ocorreria no caso de alguém matar outra pessoa utilizando uma arma de fogo. A causa da morte, de acordo com essa teoria, não recairia apenas na pessoa que efetuou o disparo, mas também o vendedor, fabricante, vendedor da matéria prima, como aço, pólvora, utilizados para a produção da arma, ou no caso do nascimento de uma pessoa ser considerado como causa do acidente de que foi vítima, entre outros.

TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA

Essa teoria, elaborada pelo filósofo alemão Von Kries é a que mais se destaca das que individualizam ou qualificam as condições. Causa para ela, é o antecedente não só o necessário, mas, também, adequado à produção do resultado. Logo, se várias condições concorreram para determinado resultado, nem todas serão causas, mas somente aquela que for a mais adequada à produção do evento.

Assim essa teoria difere da anterior, pois faz distinção entre causa e condição, entre os antecedentes que tiveram maior ou menor relevância.

Seguindo o mesmo processo hipotético nas concorrências de condições, só para este é necessário verificar qual foi a mais adequada, ao resultado, sendo está a causa, desconsiderando, portanto, as demais. Assim, a causa adequada será aquela que, segundo a realidade concreta, o curso normal das coisas, o bom senso e a experiência comum de vida, se revelar a mais idônea para gerar o resultado.

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Note-se que, para considerar uma causa “adequada” esta deverá, abstratamente, ser apta à efetivação do resultado. Assim, no exemplo acima que relata o desmoronamento do prédio o engenheiro não responderia pela ruína financeira do proprietário do dinheiro saqueado, mas sim que o furtou.

Como bem ensina o mestre Sérgio Cavalieri Filho, para a sua constatação, deverá o julgador retroceder ao momento da conduta e colocar-se no lugar do agente e, com base no conhecimento das leis da natureza, bem como nas condições particulares em que se encontrava o agente, emitir seu juízo sobre a idoneidade de cada condição.

O cerne para o correto entendimento desta teoria repousa no fato de que somente o antecedente abstratamente apto à determinação do resultado, segundo um juízo razoável de probabilidade, em que conta a experiência do julgador, poderá ser considerado causa.

TEORIA ADOTADA PELO CÓDIGO CIVIL

Apesar da teoria da equivalência das condições, ainda que mitigada, prevalecer na esfera penal, para o Direito Civil, a que prevalece é a da causalidade adequada ou como alguns doutrinadores preferem denominar, teoria das causas ou danos diretos e imediatos, com pequenas variações, mas que possui mesma essência. Nesse sentido, pode-se afirmar que, em sede de responsabilidade civil, nem todas as condições que concorreram para o resultado são equivalentes, mas somente aquela que foi a mais adequada, direta a produzir concretamente o resultado,

Destarte, ao se indagar se uma determinada condição concorreu concretamente para o evento, é ainda preciso apurar se, em abstrato, ela era adequada a produzir aquele evento. Entre as duas ou mais circunstâncias que concorreram para a produção do resultado, causa será aquela que teve interferência decisiva.

Com escopo de esclarecer a questão vale colacionar a precisa lição do M.M. Des. Martinho Garcez Neto:

A teoria dominante na atualidade é a da causa adequada, segundo a qual nem todas as condições necessárias de um resultado são equivalentes: só os são, é certo, em concreto, isto é, considerando-se o caso particular, não, porém em geral ou em abstrato, que é como se deve plantar o problema (…). De fato, o que esta ciência demonstrou irrefutavelmente, é que, para aferir a responsabilidade civil pelo acidente, o juiz deve retroceder até o momento da ação ou omissão, a fim de estabelecer se esta era ou

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não idônea para produzir o dano. A pergunta que, então, se faz é a seguinte: a ação ou omissão do presumivelmente responsável era, por si mesma, capaz de normalmente causar o dano? Se a resposta positiva chega-se a causa adequada.

Tal pergunta é a conseqüência deste princípio: para se estabelecer a causa de um dano é preciso fazer um juízo de probabilidade. Portanto, se se responde afirmativamente, de acordo com a experiência da vida, se se declara que a ação ou omissão era adequada a produzir o dano então, este é objetivamente imputável ao agente. O juízo de probabilidade ou previsibilidade das consequências é feito pelo juiz, retrospectivamente, e em atenção ao que era cognoscível pelo agente, como exemplar do tipo do homem médio.

O que se deve indagar é, pois, qual dos fatos, ou culpas foi adequado para o evento danoso, isto é, qual dos atos imprudentes fez com que o outro, que não teria conseqüência por si só, determinasse, adjuvado por ele, o acidente,

Conforme dito acima, a teoria da causalidade adequada seria a que prevalece na esfera civil, apesar da sua omissão legislativa, pois não há no atual Código Civil, como existia no anterior em seu art. 1.060, uma regra expressa, sobre o nexo causal.

Acrescenta-se que alguns autores afirmam que o aludido artigo 1.060 do Código Civil de 1916 teria sido reproduzido no artigo 403 do atual diploma, que diz:

Art. 403 - Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato.

Com base nesse dispositivo, boa parte da doutrina e jurisprudência acredita que a teoria da causalidade adequada acabou positivada. Embora o artigo fale em inexecução, o que é próprio da responsabilidade contratual, está consolidado o entendimento de que também se aplica à responsabilidade extracontratual.

Ressalta-se, que a expressão ”efeito direto e imediato” indica a causa que foi direta, determinante segundo o curso natural e ordinário das coisas e nada tendo haver com elemento temporal.

Por fim, convém tomar emprestadas as lições dos mestres Agostinho Alvim e Aguiar Dias para afastar toda dúvida sobre o tema. O primeiro exemplifica a questão no seguinte caso:

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Se o locatário é injustamente forçado a mudar-se e sobrevém, durante a mudança, uma tempestade que lhe estraga os móveis, não teria ele de quem haver o dano resultante deste fato. Isso é assim, porque o legislador não quis que o autor do dano respondesse senão pelas consequências diretas e imediatas, derivadas necessariamente da sua conduta. Poderíamos chegar a mesma conclusão caso a perda dos móveis decorresse de acidente causado pela imprudência do motorista do caminhão que fazia a mudança, nesse caso a responsabilidade seria apenas do motorista do caminhão e não do locador.

Por sua vez, Aguiar Dias esclarece que para haja relação de causalidade exige-se que a culpa tenha sido causa direta do prejuízo, sem o que a responsabilidade não ocorrerá a cargo do autor material do fato. Completa dizendo que para que a ação de responsabilidade possa ter cabimento em proveito da vítima, é necessário que o dano se ligue diretamente à falta do réu, e que tal relação não seja interrompida.

Por fim, insta salientar, que outros juristas, entre os quais estão Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona, Carlos Roberto Gonçalves, etc., pugnam pela aplicação de uma terceira teoria, qual seja, Teoria da Causalidade Direta, que, resumidamente, atribui como causa, somente àquele antecedente fático ligado diretamente e imediatamente ao resultado, mas que para Sérgio Cavalieri Filho esta teoria seria a mesma da causa adequada.

CONCORRÊNCIA DE CAUSASCerto que muitos doutrinadores falam em culpa concorrente, mas

atualmente, tem-se preferido utilizar a expressão concorrência de causas, pois é mais concorrência de causas do que culpa.

Teremos a culpa concorrente ou a concorrência de causas, quando, paralelamente à conduta do causador do dano, há também a conduta culposa da vítima, de modo que o comportamento culposo decorre do comportamento de ambos.

Sua análise interessa de perto para a fixação da indenização, pois se o grau de participação para o evento é idêntico as responsabilidades se compensam. Pode, no entanto, ocorrer que a intensidade da culpa de um seja maior do que do outro, nesse caso, a indenização deve ser proporcional.

O Código Civil regula o tema em seu artigo 945, a seguir transcrito:

Art. 945 – Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada, tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com o autor do dano.

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Assim, se dois motoristas ingressam ao mesmo tempo, em velocidade incompatível em um cruzamento, acarretando um embate dos veículos, conclui-se pela culpa de ambos, cada um indenizando a metade dos danos acasionados. Da mesma forma, se um motorista A, na contramão, vier a colidir com o veículo conduzido por B, que corre a 200 Km/h, o magistrado deverá estabelecer o montante global do prejuízo sofrido, na proporção da culpa da vítima e do lesante, por exemplo, 70% para A e 30% para B.

CAUSALIDADE ALTERNATIVA

Existem situações em que se torna muito difícil a caracterização do nexo causal, pois diversas pessoas atuaram para o dano, mas não é possível identificar qual atuação foi causa determinante ou mesmo não se sabe quantas pessoas efetivamente atuaram. Tal fato ocorre nos casos de passeatas, estudantis, manifestações grevistas, briga de torcida, quedas de objetos de condomínio, etc.,

No exemplo do condomínio, quando determinada coisa cair ou for lançada do edifício vindo a atingir uma pessoa ou bem ao ponto de lhe causar dano, o responsável será habitante do apartamento cujo objeto foi lançado ou caiu, conforme o artigo 938 do CC.

Código CivilArt. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

No caso acima não restam maiores dúvidas sobre o real causador do dano. No entanto, o problema surge, quando não puder identificar de onde o objeto partiu.

Para tais casos, a doutrina e a jurisprudência têm utilizado a chamada causalidade alternativa, que permite a responsabilização de todos os moradores solidariamente.

Nesse sentido, a firmou-se o entendimento do STJ, conforme se verifica do julgado proferido no REsp 64.682/RJ, a seguir transcrito:

Responsabilidade Civil. Objetos Lançados da janela de edifícios. A reparação dos danos é responsabilidade do condomínio. A impossibilidade de identificação do exato ponto de onde parte a conduta lesiva impõe ao condomínio arcar com a responsabilidade reparatória por danos causados a terceiros. Inteligência do art. 1.529 do Código Civil. (1916)

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Verifica-se que o Ministro Ruy Rosado Aguiar aduziu ser aplicável à espécie de causalidade alternativa, pela qual todos os possíveis autores (aqueles que se encontram no grupo), serão considerados de forma solidária, responsáveis pelo evento. Outrossim, nesses casos a responsabilidade será solidária, conforme determina o artigo 942 do Código Civil a seguir colacionado:

Código CivilArt. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

CONCAUSAS

Podemos entender como concausa, aquela que junta-se a causa principal, ou seja, é aquela que se junta a causa determinante sem romper o nexo causal, mas que pode agravar o dano. Assim, não será considerado concausa quando esta segunda causa for absolutamente independente em relação à conduta do agente ao ponto de romper o nexo causal originário.

Sérgio Cavalieri Filho exemplifica dizendo que a concausa ocorreria como no caso do rio pequeno que deságua em outro maior, aumentando-lhe o caudal, onde o rio pequeno seria a concausa o maior a causa adequada, determinante e o caudal o dano, que foi ampliado pelo volume de água acrescido pelo rio menor.

Assim, conclui-se que concausas são circunstâncias que concorrem para o agravamento do dano, sem excluir o nexo causal que continua vinculado a conduta principal, pois por si sós as concausas não teriam produzidos o resultado.

Nesse sentido, ainda que haja concorrências de causas, o agente cuja causa é determinante ao resultado deverá suportar todo dano, pois a vítima somente experimentou tal prejuízo em razão da atuação, pois as demais, por si, não produziriam o resultado.

Assim, podemos falar em concausas preexsitente, concomitantes e supervenientes.

PREEXISTENTES, CONCOMITANTES E SUPERVENIENTES

De acordo com a doutrinária e jurisprudencial, concausas preexistentes seriam aquelas que já existiam quando da conduta do agente, como exemplo, as condições pessoais da vitima, bem como as predisposições patológicas, embora agravantes do resultado, em nada diminuem a responsabilidade do agente. Assim, será irrelevante se de uma lesão leve resulte a morte por ser a vítima hemofílica ou se de um atropelamento resulte complicações se a vitima for diabética, entre outros.

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Em todos os resultados o agente responde pelo resultado mais grave, independente de ter conhecimento ou não da concausa antecedente que agravou o dano. Igualmente, ocorre nos casos de concausas concomitantes e supervenientes.

A diferença reside apenas no momento, pois na primeira (concomitante) a concausa aparece junto com a causa determinante, enquanto a superveniente surge depois da conduta, mas ambas jamais produziriam o resultado se por si só atuassem. Assim, se uma vitima de um atropelamento morre porque perdeu muito sangue, em razão da demora em receber atendimento, o agente responde integralmente pelo dano, pois será irrelevante se a concausa “demora no atendimento” tenha contribuído para o agravamento do dano. Tal fato se justifica, porque ela, por si só, não seria capaz de produzir o resultado, não obstante o tenha agravado.

As concausas, somente terão relevância para afastar a responsabilidade, quando romperem com o nexo causal e passarem para a categoria de causa determinante, dando nova origem, portanto, ao novo nexo causal, como ocorre nos casos abaixo:

Durante a realização de um parto normal, a parturiente teve a ruptura de um aneurisma cerebral vindo a falecer. O aneurisma cerebral seria a causa concomitante, mas determinante do resultado e não o parto, sendo o aneurisma a causa adequada ao evento morte. Assim o é, pois um endema ou hematona no cérebro não guarda qualquer relação com o parto, mesmo porque possui quadro fisiológico independente da gravidez, além de não ser possível a sua constatação nos exames do pré-natal. Igualmente ocorre no caso de causa preexistente, como a ingestão de veneno antes do tiro ou de ser atropelada, ou superveniente, como no caso de terremoto que causa o desabamento do prédio onde a vítima estava e tinha levado um tiro poucos minutos antes.

Nos casos acima verificamos que a ingestão de veneno, rompimento do aneurisma cerebral, e o terremoto não podem ser considerados concausas, pois por si sós teriam levado a morte da vítima. Não fossem os fatídicos acontecimentos (rompimento do aneurisma, ingestão de veneno e terremoto) a vitima do projétil, acidente de trânsito e a parturiente não teriam morrido.

EXCLUSÃO DO NEXO CAUSAL

As excludentes são de grande importância, em especial, aos réus das ações indenizatórias propostas pelas vítimas diretas ou indiretas do dano, pois podem afastar a sua responsabilidade.

Sabemos que ninguém poderá responder por um resultado que não tenha dado causa. Nesse sentido, quando restar provado que determinada pessoa não concorreu para aquele resultado, teremos a exclusão do nexo causal, ou as

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também chamadas causas de exclusão da responsabilidade que poderão ocorrer nos casos de legítima defesa, estado de necessidade (CC, art. 188), força maior, caso fortuito, fato exclusivo da vítima ou de terceiro e no campo contratual, que adiante será estudado, a cláusula de não indenizar.

Nesse sentido, podemos afirmar que serão causas excludentes da responsabilidade civil todas as circunstâncias que romperem um dos elementos ou pressupostos da responsabilidade civil (conduta – nexo - dano), mas que nos casos abaixo atacam o nexo causal.

FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA

Assim, quando restar demonstrado que o dano se deu por fato exclusivo da vítima, o dever de indenizar irá desaparecer, pois o agente causador direto do dano foi um mero instrumento do acidente. Nesse caso, o fato da vítima elide a responsabilidade e impede o nexo. Não se trata da causa concorrente, mas exclusiva da vítima.

Nesse contexto, a alteridade é fundamental, pois exige-se que os prejuízos tenham sido suportados por outra pessoa que não o agente; somente haverá antijuridicidade na lesão a patrimônio alheio, não havendo que se falar em dever de reparar dano infligido a si próprio ou ao seu próprio patrimônio, ainda mais por uma terceira pessoa não causadora.

Assim, a exclusiva atuação da vítima tem o condão de quebrar o nexo de causalidade, eximindo o agente da responsabilidade civil, como no caso de (A), em uma atitude desesperada se atira na frente do veículo dirigido por (B), não se poderá falar em nexo de causalidade deste (B), com o dano daquele (A), pois o veículo conduzido por (B) serviu apenas como instrumento do acidente e do dano suportado e causado por (A).

Note-se que somente haverá a excludente de responsabilidade se a atuação for exclusiva da vítima, pois se ambos concorrerem haverá concorrência de causas e, como vimos, a responsabilidade será repartida proporcionalmente a atuação de cada agente.

Por fim, cabe ressaltar que o fato exclusivo da vítima exclui o próprio nexo causal em relação ao aparentemente causador do direto do dano pelo que não se deve falar em simples ausência de culpa deste, mas em causa de isenção de responsabilidade.

FATO DE TERCEIRO

Inicialmente devemos destacar que “terceiro” poderá ser qualquer pessoa além da vítima e o responsável, ou seja, alguém que não tenha qualquer ligação

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com o causador aparente do dano e o lesado. Assim, quando este terceiro exclusivamente, por seu ato, der causa ao dano restará afastada a responsabilidade por não caracterizar o nexo causal entre a conduta do autor aparente e a vítima.

Como exemplo, suponhamos que o motorista de um caminhão tenta imprudentemente ultrapassar um sujeito que conduzia um Fiat 147 e percebe não haverá pista suficiente para completar sua manobra, pois vem outro veículo na sentido contrário. Diante de tal fato, ele joga o seu caminhão em direção ao Fiat 147 que é lançado ao acostamento e atropela uma pessoa.

Nesse caso, verifica-se que o Fiat 147 foi mero instrumento na cadeia causal dos acontecimentos, não podendo, pois o seu proprietário e condutor responder pelo dano causado ao transeunte atropelado.

Ressalta-se que o fato de terceiro só exclui a responsabilidade quando rompe o nexo causal entre o agente e o dano sofrido pela vítima, como no exemplo acima. Em tais casos o fato de terceiro equipara-se ao caos fortuito ou força maior para a pessoa equivocadamente apontada como causadora do dano, segunda a doutrina dominante, por ser uma causa estranha à conduta do agente aparente, imprevisível e inevitável.

Veremos, em tempo azado, que terão casos que a lei e a jurisprudência não admitirão o fato de terceiro como excludente de responsabilidade, como ocorre no caso dos bancos e contratos de transporte (art. 735, CC).

CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

Muitos doutrinadores entendem que as expressões caso fortuito e força maior são expressões sinônimas e que sua diferenciação não traz qualquer efeito prático para a responsabilidade civil. Já afirmava Noronha que qualquer critério que se adote a distinção nunca terá consequências práticas, assim, os autores são unânimes em frisar que juridicamente os efeitos são sempre os mesmo.

O parágrafo único do artigo 393 do Código Civil, praticamente os afirma que são sinônimos, na medida em que considera o caso fortuito e a força maior como sendo o fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, conforme segue:

Código CivilArt. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

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Assim a referida excludente continua sendo tratada na parte relativa ao inadimplemento das obrigações, como o Código anterior fazia, e que o artigo acima confere, praticamente, o mesmo sentido aos dois, na medida em que considera o caso fortuito e a força maior como sendo o fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Ocorre que O mestre Sérgio Cavalieri Filho, entende que os termos guardam diferenças, pois o caso fortuito tem como elemento nuclear a imprevisibilidade, enquanto a força maior tem como cerne a inevitabilidade. Conclui dizendo, que estaremos diante do caso fortuito quando tratar de evento imprevisível, mas se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior as forças do agente, como normalmente são os fatos da natureza, como as tempestades, enchente, terremotos, estaremos diante da força maior.

Por fim, o caso fortuito e a força maior excluem o nexo causal por constituírem causa estranha à conduta aparente do agente, ensejadora direta do evento.

Enfim, o terceiro, porém não menos importante, elemento da responsabilidade civil extracontratual subjetiva: DANO

DANO

Ao contrário do que ocorre na esfera penal, o dano sempre será elemento essencial na configuração da responsabilidade civil, não havendo responsabilidade civil por tentativa, ainda que a conduta tenha sido dolosa. Portanto, não haveria que se falar em indenização, nem ressarcimento ou compensação se não houvesse o dano.

Como vimos, pode haver responsabilidade sem culpa (e até sem nexo na teoria do risco integral), mas sem dano não poderá existir a responsabilidade, pois sem dano não haverá o que reparar ou compensar. Nesse contexto, indenização sem dano importa em enriquecimento ilícito, ou seja, enriquecimento sem causa para quem recebesse e pena para quem pagasse.

O mestre Sérgio Cavalieri Filho define dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de bem material, quer se trate de um bem extrapatrimonial como os integrantes da própria personalidade da vítima, como a sua honra, imagem, nome, liberdade, etc. Em suma, dano é a lesão de um bem jurídico que pode ser patrimonial ou extrapatrimonial.

DANO PATRIMONIAL

O dano patrimonial ou material, como o próprio nome diz atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de

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relações jurídicas de uma pessoa que são apreciáveis economicamente, ou seja, contempla as coisas corpóreas, como o carro, a casa, o livro, o celular, como as incorpóreas, como os direitos autorais, de crédito, etc. Nem sempre o dano patrimonial resulta da lesão de bens ou interesses patrimoniais, já que podem surgir com a violação de bens personalíssimos, como o bom nome, a reputação, a saúde, a imagem e a própria honra mas que geram resultados de ordem material. Entretanto, poderá refletir no patrimônio da vítima, gerando perda de receita ou realização de despesas, o que para alguns configura dano patrimonial indireto.

Com base na reelaborada Teoria da Diferença de Friedrich Mommsen, que converteu o dano numa dimensão matemática e, portanto, objetiva e facilmente calculável, definindo-se como a diferença entre o que se tem e o que se teria, não fosse o evento danoso.

Por fim, com relação aos efeitos do dano, a doutrina divide o dano patrimonial em emergente e lucro cessante.

DANO EMERGENTE

Dano emergente ou positivo é aquele que resulta na imediata e efetiva diminuição do patrimônio da vítima em razão do ato ilícito, ou seja, são os efeitos diretos e imediatos experimentados pela vitima.

O Código Civil caracteriza o dano emergente em seu artigo 402, como sendo aquilo que a vítima efetivamente perdeu, conforme segue:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

A sua aferição é simples, pois, via de regra, importará no desfalque sofrido pelo patrimônio da vítima, ou seja, será a diferença (teoria da diferença) do valor jurídico entre aquele que ele tinha antes e depois do ato ilícito. Como no exemplo de um comum acidente de trânsito onde a vítima teve apenas prejuízos imediatos decorrentes da colisão, ou seja, a avaria em seu veículo.

LUCRO CESSANTE

Por sua vez, o ato ilícito poderá produzir além dos efeitos diretos e imediatos no patrimônio da vítima, efeitos mediatos ou futuros, impedindo lucro, reduzindo ganhos, etc. Nesse caso estaremos diante do lucro cessante, pois este será a conseqüência futura de um fato já ocorrido.

No caso do lucro cessante, podemos exemplificar utilizando a situação acima, acrescida do fato de que o carro que foi danificado era instrumento de

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trabalho da vítima, pois ele era um taxista. Igualmente ocorre com o profissional que em razão do acidente fica impossibilitado de trabalhar por vários meses.

Consiste, portanto, o lucro cessante na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima.

AFERIÇÃO

O artigo 402 do Código Civil, anteriormente citado, consagrou o princípio da razoabilidade ao caracterizar o lucro cessante, afirmando ser aquilo que seja, ao mesmo tempo, adequado, necessário e proporcional, ou seja, aquilo que o bom senso diz que o credor lucraria decorrente do normal desenrolar dos fatos.

Atentando para esse princípio, o judiciário, ao fixar a indenização pela morte da vítima, o faz com base nos seus ganhos durante a sua provável sobrevida. Entretanto, para chegar aos ganhos do trabalhador autônomo o lucro cessante deve ser fixado com base na média de ganhos dos últimos 6 (seis) a 12 (doze) meses anteriores ao ato ilícito, mas nada impede que se adote maior período, como de fato foi feito no caso dos danos decorrentes da expansão das linhas do metrô do Rio de Janeiro, pois a prova perícial fixou o lucro cessante com base na média de lucro dos comerciantes dos últimos 03 (três) anos.

PERDA DA CHANCE

A teoria da perda da chance (perte d’une chance) tem sua origem na doutrina francesa da década de 60 que expandiu o conceito de lucro cessante nos casos em que a vítima poderia obter uma situação futura melhor. Caracteriza-se perda da chance quando desaparece a probabilidade de progressão na carreira, de ter um lucro, de evitar um prejuízo, etc., em razão de um ato ilícito praticado por outrem. Assim, por chance deve-se entender probabilidade.

O direito pátrio absorveu a idéia e vem admitindo a responsabilização por tal fato com bem ensina Caio Mário da Silva Pereira, pois enfatiza que, a reparação da perda de uma chance repousa em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo.

Como exemplo, suponhamos que um advogado perca o prazo de recorrer de uma sentença. A indenização não será medida pelo benefício que o cliente do advogado teria auferido com a vitória da causa, mas pelo fato de ter perdido essa chance, ou seja, não será pelo fato de ter perdido a disputa, mas pelo fato de não ter podido disputar.

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Nestes termos, a chance terá que ser real, séria e que propicie ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada, não poderá, portanto, ser mera possibilidade aleatória, hipotética. A vantagem esperada pelo lesado não pode consistir numa mera eventualidade, suposição ou desejo

Sérgio Cavalieri Filho afirma que não se deve olhar para chance como perda de um resultado certo porque não se terá a certeza de que o evento se realizará. Deve-se olhar a chance como perda da possibilidade de conseguir um resultado ou de evitar um dano.

A doutrina condiciona a indenização por perda da chance se esta tiver probabilidade de sucesso superior a 50% (cinqüenta por cento), onde se conclui que nem todos os casos de perda da chance serão indenizados. Entretanto, cada caso deve ser analisado, pois é possível que se adote critério diferente. No entanto, uma vez caracterizada a possibilidade de indenização, esta deve ser fixada de forma equitativa pelo juiz, atentando para o critério da razoabilidade e em razão da perda de uma oportunidade e não pela perda da própria vantagem.

Não é rara a dificuldade de se distinguir o dano meramente hipotético da chance real de dano. Quanto a este ponto, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), avalia que “a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas”.

Como exemplo da responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance, convém mencionar o Julgamento do Recurso Especial REsp n. 78459, do famoso caso do “Show do milhão”, bem como os seguintes recursos, REsp n.° 96578 e 1079185.

No STJ, no caso do “Show do Milhão”, um voto do ministro aposentado Fernando Gonçalves é constantemente citado como precedente. Trata-se da hipótese em que a autora teve frustrada a chance de ganhar o prêmio máximo de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) no programa televisivo “Show do Milhão”, em virtude de uma pergunta mal formulada.

Na ação contra a BF Utilidades Domésticas Ltda., empresa do grupo econômico Silvio Santos, a autora pleiteava o pagamento por danos materiais do valor correspondente ao prêmio máximo do programa e danos morais pela frustração. A empresa foi condenada em primeira instância a pagar R$500.000,00 (quinhentos mil reais) por dano material, mas recorreu, pedindo a redução da indenização para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil areais).

Para o ministro, não havia como se afirmar categoricamente que a mulher acertaria o questionamento final de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) caso ele

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fosse formulado corretamente, pois “há uma série de outros fatores em jogo, como a dificuldade progressiva do programa e a enorme carga emocional da indagação final”, que poderia interferir no andamento dos fatos. Mesmo na esfera da probabilidade, não haveria como concluir que ela acertaria a pergunta.

Relator do recurso na Quarta Turma, o ministro Fernando Gonçalves reduziu a indenização por entender que o valor advinha de uma “probabilidade matemática” de acerto de uma questão de quatro itens e refletia as reais possibilidades de êxito da autora.

De acordo com o civilista Miguel Maria de Serpa Lopes, a possibilidade de obter lucro ou evitar prejuízo deve ser muito fundada, pois a indenização se refere à própria chance, não ao lucro ou perda que dela era objeto.

A teoria da perda da chance tem sido aplicada para caracterizar responsabilidade civil em casos de negligência de profissionais liberais, em que estes possuem obrigação de meio, não de resultado, ou seja, devem conduzir um trabalho com toda a diligência, contudo não há a obrigação do resultado.

Nessa situação, enquadra-se um pedido de indenização contra um advogado. A autora alegou que o profissional não a defendeu adequadamente em outra ação porque ele perdeu o prazo para interpor o recurso. Ela considerou que a negligência foi decisiva para a perda de seu imóvel e requereu ressarcimento por danos morais e materiais sofridos.

Em primeira instância, o advogado foi condenado a pagar R$2.000,00 (dois mil reais) de indenização. Ambas as partes recorreram, mas o Tribunal de origem manteve a sentença. No entendimento da ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, n° 96578, na Terceira Turma, mesmo que comprovada a culpa grosseira do advogado, “é difícil antever um vínculo claro entre esta negligência e a diminuição patrimonial do cliente, pois o sucesso no processo judicial depende de outros fatores não sujeitos ao seu controle.”

Apesar de discorrer sobre a aplicação da teoria no caso, a ministra não conheceu do recurso, pois ele se limitou a transcrever trechos e ementas de acórdãos, sem fazer o cotejo analítico entre o acórdão do qual se recorreu e seu paradigma. @@@@@

DANO MATERIAL REFLEXO

A doutrina também denomina o dano reflexo em dano em ricochete ou, ainda, dano indireto que pode ser material ou moral.

Dano reflexo seria aquele sofrido indiretamente pela pessoa intercalar em razão de um dano sofrido diretamente pela vítima principal que pode ser material ou moral. Como exemplo, suponhamos que um carro bate em outro em uma movimentada avenida e causa um grave acidente que interdita a rodovia por

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horas, fazendo com que inúmeras pessoas não cheguem ao trabalho, outras percam o avião ou deixem de realizar negócios, sofrendo, com isso, diversos prejuízos.

O problema se resume em determinar até que ponto será possível reclamar pelo dano reflexo de um dano causado a outra pessoa. Nesse caso, devemos nos reportar a teoria da causalidade adequada para saber se o dano efetivamente decorreu da conduta do agente, conforme determina o artigo 403, anteriormente estudado.

Sendo assim, somente o dano direto e que tenha sido conseqüência direta e imediata da conduta ilícita pode ser objeto da reparação, ficando afastado aquele que se coloca como conseqüência remota.

Antunes Varela de forma precisa exemplifica a questão na forma que segue:

Se ‘A’ foi atropelado por ‘B’ e sofreu ferimentos, será este obrigado a indenizá-lo do dano que lhe causou. Mas já não será obrigado a indenizar ‘C’, dono do teatro onde ‘A’ deveria exibir-se no dia do acidente, nem a ‘D’, arrendatário do Buffet que não funcionou por não haver espetáculo, nem a ‘E’, crítico teatral que perdeu a remuneração ajustada a sua crítica, visto ‘B’ não ter violado nenhuma das relações contratuais afetadas na sua consistência prática.

Igualmente ocorre se ‘E’ agredir ‘F’ causando-lhe impossibilidade de trabalho, terá naturalmente que indenizar o agredido das despesas que tenha feito e dos incômodos que tenha padecido por serem resultantes da sua inatividade. Mas já não terá que indenizar a empresa onde ‘F’ é empregado, pelos prejuízos que lhe cause a falta do agredido, durante o período de impossibilidade de trabalho, atendendo o caráter relativo da relação de trabalho.

Conclui-se que os danos materiais reflexamente causados a terceiros, sem que haja violação de qualquer relação contratual ou extracontratual, não encontram cobertura direta na responsabilidade aquiliana, porque não decorrem diretamente do ato ilícito. A única exceção ocorre no caso de morte da vítima, pois neste caso a indenização não caberá a quem sofreu diretamente o dano, já que permite que seja pleiteada por aqueles que vivam sob sua dependência econômica, conforme artigo 948, II do Código Civil.

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: (…)II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

LEGITIMIDADE

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O dispositivo em apreço trata daquelas pessoas que dependiam economicamente da vítima e que são beneficiários da pensão, portanto, se refere ao dano material.

Nestes termos, deve-se provar a dependência econômica. Entretanto, tratando-se de filhos incapazes e cônjuge ou companheiro a dependência é presumida, mas nos demais casos, ascendentes, filhos capazes, irmão da vítima, a dependência econômica terá que ser provada.

O artigo em baila, embora pertinente ao dano material, pode ser aplicado analogicamente para limitar a indenização pelo dano moral, em razão da omissão legislativa, àqueles que estavam em estreita relação com a vítima, como o cônjuge, companheiro, pais e irmãos menores que viviam sob o mesmo teto, independente da relação economica. Assim a indenização pelo dano moral somente poderá ser pleiteada na falta daqueles familiares desde que haja prova de convivência próxima e constante. Reforça esse entendimento o parágrafo único do artigo12 e 20 do Código Civil, a seguir:

Código CivilArt. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes

Nos termos acima é possível concluir que a aferição da legitimidade para pleitear dano moral adota o mesmo critério do dano material, exceto com relação a dependência econômica. Assim, tratando-se de filhos, cônjuge, companheiro, pai e irmãos menores haverá presunção juris tantum da ocorrência do dano moral, mas além dessas pessoas todas as outras, parentes ou não o dano moral deverá ser provado em razão de fatos ocorrido com terceiro.

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Outrossim, não podemos deixar de comentar a possibilidade a porta que a jusriprudência vem abrindo para a indenização decorrente de dano reflexo, quando a vitima que experimentou diretamente o dano não morre. Nesse sentido, os Tribunais do Brasil têm reconhecido a legitimidade ativa das pessoas que indiretamente experimentaram um dano moral concomitante com a pessoa que o experimentou diretamente, conforme segue:

DANO MORAL POR RICOCHETE: INDENIZAÇÃO PARA FAMILIARES QUE SOFREM COM A MORTE DE PARENTE PRÓXIMO

Como vimos, a ofensa ao direito da personalidade decorrente da perda de um ente querido que causa sofrimento, a dor e o trauma podem gerar o dever de indenizar. Assim tem entendido o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar pedidos de reparação feitos por parentes ou pessoas que mantenham fortes vínculos afetivos com a vítima. Trata-se de dano moral reflexo ou indireto, também denominado dano moral por ricochete.

Decisões recentes do STJ têm contribuído para firmar jurisprudência a respeito do tema. A discussão gira em torno, principalmente, da legitimidade para pleitear a indenização, em virtude da ausência de dano direto ou da comprovação de dependência econômica. Em 2010, dois julgamentos resgataram o debate, mas desde 1999 o assunto figura em decisões do Tribunal. As doutrinas francesa e alemã também admitem a existência de danos reflexos.

O caso mais recente trata de uma ação de indenização por danos morais ajuizada pelos pais de uma menina atropelada em Belo Horizonte, Minas Gerais. O motorista havia sido condenado em primeira instância a pagar R$ 20 mil por danos morais, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). No recurso especial (REsp 1.208.949), o réu questionava a legitimidade dos pais para pleitear a indenização. 

Nesse sentido, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso de um motorista condenado a pagar indenização por danos morais aos pais de uma menina atropelada por ele. O réu havia alegado que o casal não é parte legítima para pleitear a compensação por danos morais sofridos em decorrência do acidente com a filha.

O acidente aconteceu em Minas Gerais. A menina caminhava por uma calçada quando foi atropelada pelo veículo que o réu conduzia. O motorista causador do acidente não observou a preferencial existente em um cruzamento e acabou sendo atingido por um segundo veículo, que por sua vez o impulsionou em direção à vítima.

Foi ajuizada ação de indenização por danos materiais e compensação por danos morais pelos pais – representando a si mesmos e à filha menor de idade. O homem foi condenado a pagar à menina indenização por danos materiais no valor de R$7.617,72 (sete mil seiscentos e dezesete reais e setenta e dois centavos) e

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compensação por danos morais no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). O recurso de apelação do réu foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

No recurso especial, o homem sustentou que os pais não tinham legitimidade para pleitear a compensação por danos morais e que o acórdão do TJMG não admitiu a dedução do valor do seguro obrigatório da indenização judicialmente fixada, desrespeitando a Súmula 246/STJ. Afirmou, ainda, caber a denunciação da lide do condutor do segundo veículo.

A relatora ministra Nancy Andrighi, considerou que não cabe a interposição de recurso especial quando ocorre violação de súmula. “Mesmo que assim não fosse, a análise dessa questão encontraria óbice na Súmula 7/STJ”, afirmou.

Sobre o cabimento da denunciação da lide, a Ministra constatou que no acórdão ficou comprovado que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do réu. Para alterar a decisão proferida pelo TJ/MG, portanto, seria preciso reexaminar fatos e provas, o que é vedado pela Súmula 7/STJ. A relatora ressaltou que, mesmo que não houvesse tal impedimento, o motorista recorrente não impugnou todos os fundamentos utilizados pelo TJ/MG para justificar sua condenação, incidindo a Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal (STF).

Quanto à legitimidade dos pais para propor a ação, a Ministra considerou que “são perfeitamente plausíveis situações nas quais o dano moral sofrido pela vítima principal do ato lesivo atinja, por via reflexa, terceiros, como seus familiares diretos, por lhes provocarem sentimento de dor, impotência e instabilidade emocional.”

Para a ministra, trata-se de danos morais reflexos. Embora o ato tenha sido praticado diretamente contra determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros. “É o chamado dano moral por ricochete ou préjudice d’affection, cuja reparação constitui direito personalíssimo e autônomo dos referidos autores”, completou.

A relatora reiterou ainda que o STJ já acatou em diversas ocasiões a possibilidade de indenização por danos morais indiretos ou reflexos, sendo irrelevante, para esse fim, a comprovação da dependência econômica entre os familiares lesados.

DEPENDÊNCIA ECONÔMICAAo julgar o REsp 160.125 em 1999, o ministro Sálvio de Figueiredo

Teixeira, já aposentado, foi pioneiro no STJ ao enfrentar a questão de danos morais reflexos e afastar a necessidade de dependência econômica entre a vítima e aquele que postula compensação pelo prejuízo experimentado. A decisão do ministro é destacada até hoje em julgamentos de danos morais por ricochete.

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No caso, uma adolescente de 14 anos morreu depois que o ônibus escolar em que se encontrava tombou ao fazer uma curva com velocidade inadequada. Mãe e dois irmãos menores de idade ajuizaram ação de indenização contra a empresa de ônibus, pedindo R$10 milhões a títulos de danos morais, além de pensão mensal de cinco salários mínimos para cada um até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos.

A sentença extinguiu o processo em relação aos irmãos da adolescente e julgou parcialmente procedente o pedido de indenização da mãe. A empresa foi condenada ao pagamento de 300 (trezentos) salários mínimos por dano moral, bem como pensão mensal no valor de dois terços do salário mínimo, a contar da data do óbito até o dia em que a vítima viesse a completar 65 anos de idade.

Os irmãos apelaram da decisão, assim como a empresa de ônibus, que questionava o valor da condenação. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) reduziu o valor dos danos morais para 200 (duzentos) salários mínimos. Ainda que não tivesse havido pedido na apelação nesse sentido, alterou o termo final da pensão mensal para a data em que a menina completaria 25 anos, por entender que não seriam devidos danos materiais no caso concreto, em razão de a vítima não exercer atividade remunerada. Quanto aos irmãos, o TJDFT concluiu que faltaria legitimidade ativa por não haver reciprocidade na prestação de alimentos entre irmãos.

O Ministério Público do Distrito Federal interpôs recurso especial, com o argumento de que os irmãos da vítima teriam legitimidade para, pelo menos, pleitear a condenação da ré por danos morais. O ministro Sálvio, relator, explicou que a indenização por dano moral não tem cunho patrimonial, isto é, não visa ao reembolso de eventual despesa ou a indenização por lucros cessantes.

“Irrelevante, portanto, se havia ou não, ou se haveria ou não futuramente, dependência econômica entre os irmãos. O que interessa, para a indenização por dano moral, é verificar se os postulantes da pretensão sofreram intimamente o acontecimento”, concluiu o ministro. “Assim não fosse, os pais também não poderiam pleitear a indenização por dano moral decorrente da morte de filho que não exercesse atividade remunerada, nem pessoa rica teria legitimidade, e assim por diante”, completou.

Desse modo, o STJ considerou os irmãos como parte legítima para pedir a reparação e arbitrou a indenização por dano moral em 200 (duzentos) salários mínimos, a ser dividido entre os menores.

DANO MORAL POR RICOCHETE - BALA PERDIDA

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Apesar de ser comumente aplicado em casos de morte, o dano moral por ricochete também ocorre quando o ente querido sobrevive ao efeito danoso. Foi o caso do julgamento do REsp 876.448, no ano de 2009.

Em maio de 2003, uma estudante do curso de Enfermagem da Universidade Estácio de Sá no Rio de Janeiro foi alvejada por uma bala perdida nas dependências da instituição de ensino. A universitária sofreu politraumatismo com fratura de mandíbula, perda de substância e trauma raqui-medular cervical, com consequente tetraplegia.

No dia do fato, segundo informações do processo, a instituição teria sido advertida sobre determinação de traficantes de drogas instalados em região próxima ao campus, cujo objetivo seria a paralisação das atividades comerciais da área.

Os pais, irmãos e a própria estudante moveram ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos, com pedido de antecipação de tutela, contra a universidade. Em decisão antecipatória, determinou-se que a instituição mantivesse o custeio do tratamento médico da vítima, fixando-se multa diária de 10 (dez) salários mínimos em caso de descumprimento.

A sentença concluiu que o disparo de arma de fogo que atingiu a estudante partiu do Morro do Turano, sendo previsível a ocorrência do evento, restando demonstrada a ciência da universidade quanto à necessidade de adoção de medidas de segurança. Fixou-se pensão mensal de um salário mínimo à estudante de Enfermagem, com o acréscimo de 13º salário, FGTS e gratificação de férias, além da inclusão dela na folha de pagamento da instituição desde a data do evento até a data limite de 65 anos de idade completos.

Foi arbitrado ainda o pagamento à universitária de R$400.000,00 (quatrocentos mil reais) de indenização por danos morais e R$200.000,00 (duzentos mil reais) por danos estéticos, além do custeio das despesas médicas e hospitalares. Os pais foram indenizados em R$100.000,00 (cem mil reais), cada um, por danos morais reflexos. Já os irmãos, R$50.000,00(cinquenta mil reais) cada também por danos morais reflexos. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a condenação.

Os familiares e a estudante interpuseram recurso especial, alegando que a indenização fixada seria insuficiente à reparação dos danos sofridos pela universitária. Quanto à pensão mensal, por se tratar de uma estudante de Enfermagem, o valor deveria corresponder ao salário que receberia caso estivesse exercendo a profissão.

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A universidade também recorreu, sob o argumento de que não cometeu ato ilícito, sendo os atos de violência, ainda que previsíveis, eram inevitáveis, razão pela qual a ausência de conexão entre os danos experimentados pela vítima e os riscos inerentes à atividade desenvolvida pela instituição de ensino excluem a responsabilidade do prestador de serviços. Por fim, pedia a redução das indenizações em favor da estudante e a exclusão das reparações arbitradas aos familiares.

O relator, ministro Sidnei Beneti, destacou que, em regra, a indenização é devida apenas e tão somente ao lesado direto, ou seja, a quem experimentou imediata e pessoalmente as consequências do evento danoso. “Deve-se reconhecer, contudo, que, em alguns casos, não somente o prejudicado direto padece, mas outras pessoas a ele estreitamente ligadas são igualmente atingidas, tornando-se vítimas indiretas do ato lesivo”, ponderou.

Na decisão, o ministro citou ainda trecho do livro Os danos extrapatrimoniais, do professor e jurista Sérgio Severo, que assinala que “sobrevivendo a vítima direta, a sua incapacidade pode gerar dano a outrem. Neste caso, o liame da proximidade deve ser mais estreito. Os familiares mais próximos da vítima direta gozam o privilégio da presunção – juris tantum – de que sofreram um dano em função da morte do parente, mas, se a vítima sobreviver, devem comprovar que a situação é grave e que, em função da convivência com a vítima, há um curso causal suficientemente previsível no sentido de que o dano se efetivar-se-á”.

Assim, Sidnei Beneti concluiu que os familiares da estudante têm direito à indenização decorrente da incapacidade e da gravidade dos danos causados à integridade física da vítima, pois “experimentaram, indubitavelmente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa”, como reconheceu o TJRJ.

@@@@DANO REFLEXO

A doutrina também denomina o dano reflexo em dano em ricochete ou, ainda, dano indireto que pode ser material ou moral.

Dano reflexo seria aquele sofrido indiretamente pela pessoa intercalar em razão de um dano sofrido diretamente pela vítima principal. Como exemplo, suponhamos que um carro bate em outro em uma movimentada avenida e causa um grave acidente que interdita a rodovia por horas, fazendo com que inúmeras pessoas não cheguem ao trabalho, outras percam o avião ou deixem de realizar negócios, sofrendo, com isso, diversos prejuízos.

O problema se resume em determinar até que ponto será possível reclamar pelo dano reflexo de um dano causado a outra pessoa. Nesse caso devemos nos reporta a teoria da causalidade adequada para saber se o dano efetivamente

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decorreu da conduta do agente, conforme determina o artigo 403, anteriormente estudado e a teoria da causalidade adequada.

Sendo assim, somente o dano reflexo direto e que tenha sido conseqüência direta e imediata da conduta ilícita pode ser objeto da reparação, ficando afastado aquele que se coloca como conseqüência remota. Antunes Varela de forma precisa exemplifica a questão na forma que segue:

Se ‘A’ foi atropelado por ‘B’ e sofreu ferimentos, será este obrigado a indenizá-lo do dano que lhe causou. Mas já não será obrigado a indenizar ‘C’, dono do teatro onde ‘A’ deveria exibir-se no dia do acidente, nem a ‘D’, arrendatário do Buffet que não funcionou por não haver espetáculo, nem a ‘E’, crítico teatral que perdeu a remuneração ajustada a sua crítica, visto ‘B’ não ter violado nenhuma das relações contratuais afetadas na sua consistência prática.

Igualmente ocorre se ‘E’ agredir ‘F’ causando-lhe impossibilidade de trabalho, terá naturalmente que indenizar o agredido, não só das despesas que tenha feito e dos incômodos que tenha padecidopor serem resultantes da sua inatividade. Mas já não terá que indenizar a empresa onde ‘F’ é empregado, pelos prejuízos que lhe cause a falta do concurso do agredido, durante o período de impossibilidade de trabalho, atendendo o caráter relativo da relação de trabalho.

Conclui-se que os danos reflexamente causados a terceiros, sem que haja violação de qualquer relação contratual ou extracontratual, não encontram cobertura direta na responsabilidade aquiliana, nem mesmo na contratual, porque não decorrem diretamente do ato ilícito. Uma exceção legal ao dano material reflexo ocorre no caso de morte da vítima, pois neste caso a indenização não caberá a quem sofreu diretamente o dano, já que permite que seja pleiteada por aqueles que vivam sob sua dependência econômica., conforme artigo 948, II do Código Civil.

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: (…)II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

LEGITIMIDADE

O dispositivo em apreço trata daquelas pessoas que dependiam economicamente da vítima e que são beneficiários da pensão, portanto, se refere ao dano material.

Nestes termos, deve-se provar a dependência econômica. Entretanto, tratando-se de filhos incapazes e cônjuge ou companheiro a dependência é

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presumida, mas nos demais casos, ascendentes, filhos capazes, irmão da vítima, a dependência econômica terá que ser provada.

O artigo em baila, embora pertinente ao dano material, pode ser aplicado analogicamente para limitar a compensação pelo dano moral, em razão da omissão legislativa, àqueles que estavam em estreita relação com a vítima, como o cônjuge, companheiro, pais e irmãos menores que viviam sob o mesmo teto. Entretanto, a compensação pelo dano moral somente será acolhida se houver prova de convivência próxima e constante. Reforça esse entendimento o parágrafo único do artigo12 e 20 do Código Civil, a seguir:

Código CivilArt. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Nos termos acima é possível concluir que a aferição da legitimidade para pleitear dano reflexo moral adota o mesmo critério do dano reflexo material, assim, tratando-se de filhos, cônjuge, companheiro, pai e irmãos menores haverá presunção juris tantum da ocorrência do dano moral, mas além dessas pessoas todas as outras, parentes ou não o dano moral deverá ser provado em razão de fatos ocorrido com terceiro.

DANO MORAL POR RICOCHETE: INDENIZAÇÃO PARA FAMILIARES DECORRENTE DA MORTE DE PARENTE PRÓXIMO

O sofrimento, a dor e o trauma provocados pela morte de um ente querido podem gerar o dever de indenizar. Assim tem entendido o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar pedidos de reparação feitos por parentes ou pessoas que

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mantenham fortes vínculos afetivos com a vítima. Trata-se de dano moral reflexo ou indireto, também denominado dano moral por ricochete.

Decisões recentes do STJ têm contribuído para firmar jurisprudência a respeito do tema. A discussão gira em torno, principalmente, da legitimidade para pleitear a indenização, em virtude da ausência de dano direto ou da comprovação de dependência econômica. Em 2010, dois julgamentos resgataram o debate, mas desde 1999 o assunto figura em decisões do Tribunal. As doutrinas francesa e alemã também admitem a existência de danos reflexos.

O caso mais recente trata de uma ação de indenização por danos morais ajuizada pelos pais de uma menina atropelada em Belo Horizonte, Minas Gerais. O motorista havia sido condenado em primeira instância a pagar R$ 20 mil por danos morais, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). No recurso especial (REsp 1.208.949), o réu questionava a legitimidade dos pais para pleitear a indenização, cuja ementa segue abaixo:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.208.949 - MG (2010⁄0152911-3)  RELATORA : MINISTRA NANCY

ANDRIGHIRECORRENTE : JOSÉ RENATO DE OLIVEIRA ADVOGADO : SABRINA RODRIGUES

BELICO E OUTRO(S)RECORRIDO : ORLANDO ORSINI E OUTROSADVOGADO : HÉLCIO DE OLIVEIRA

FERNANDES EMENTA DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE ATIVA. PAIS DA VÍTIMA DIRETA. RECONHECIMENTO. DANO MORAL POR RICOCHETE. DEDUÇÃO. SEGURO DPVAT. INDENIZAÇÃO JUDICIAL. SÚMULA 246⁄STJ. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DE SÚMULA. DESCABIMENTO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. IMPOSSIBILDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7⁄STJ E 283⁄STF. 1. A interposição de recurso especial não é cabível quando ocorre violação de súmula, de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF⁄88.2. Reconhece-se a legitimidade ativa dos pais de vítima direta para, conjuntamente com essa, pleitear a compensação por dano moral por ricochete, porquanto experimentaram, comprovadamente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa. Precedentes.  3. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora.   Brasília (DF), 07 de dezembro de 2010(Data do Julgamento) 

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 MINISTRA NANCY ANDRIGHI  Relatora

A relatora, ministra Nancy Andrighi, argumentou que, “embora o ato tenha sido praticado diretamente contra determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros. É o chamado dano moral por ricochete ou préjudice d'affection, cuja reparação constitui direito personalíssimo e autônomo dos referidos autores”. (Grifo meu).

Na ocasião, a ministra destacou entendimento do jurista Caio Mário da Silva Pereira de que as pessoas prejudicadas pelo ato danoso têm legitimidade ativa para a ação indenizatória. “Pessoa que não pode evidenciar dano direto pode contudo arguir que o fato danoso nela reflete e, assim, adquire legitimidade para a ação, com exclusividade ou cumulativamente com o prejudicado direto, ou em condições de assistente litisconsorcial”, afirma Pereira no livro Responsabilidade Civil, de sua autoria.

DEPENDÊNCIA ECONÔMICA

Ao julgar o REsp 160.125 em 1999, o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, já aposentado, foi pioneiro no STJ ao enfrentar a questão de danos morais reflexos e afastar a necessidade de dependência econômica entre a vítima e aquele que postula compensação pelo prejuízo experimentado. A decisão do ministro é destacada até hoje em julgamentos de danos morais por ricochete.

No caso, uma adolescente de 14 anos morreu depois que o ônibus escolar em que se encontrava tombou ao fazer uma curva com velocidade inadequada. Mãe e dois irmãos menores de idade ajuizaram ação de indenização contra a empresa de ônibus, pedindo R$ 10 milhões a títulos de danos morais, além de pensão mensal de cinco salários mínimos para cada um até a data em que a vítima completaria 65 anos.

A sentença extinguiu o processo em relação aos irmãos da adolescente e julgou parcialmente procedente o pedido de indenização da mãe. A empresa foi condenada ao pagamento de 300 salários mínimos por dano moral, bem como pensão mensal no valor de dois terços do salário mínimo, a contar da data do óbito até o dia em que a vítima viesse a completar 65 anos de idade.

Os irmãos apelaram da decisão, assim como a empresa de ônibus, que questionava o valor da condenação. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) reduziu o valor dos danos morais para 200 salários mínimos. Ainda que não tivesse havido pedido na apelação nesse sentido, alterou o termo final da pensão mensal para a data em que a menina completaria 25 anos, por entender que não seriam devidos danos materiais no caso concreto, em razão de a vítima não exercer atividade remunerada. Quanto aos irmãos, o TJDFT

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concluiu que faltaria legitimidade ativa por não haver reciprocidade na prestação de alimentos entre irmãos.

O Ministério Público do Distrito Federal interpôs recurso especial, com o argumento de que os irmãos da vítima teriam legitimidade para, pelo menos, pleitear a condenação da ré por danos morais. O ministro Sálvio, relator, explicou que a indenização por dano moral não tem cunho patrimonial, isto é, não visa ao reembolso de eventual despesa ou a indenização por lucros cessantes.

“Irrelevante, portanto, se havia ou não, ou se haveria ou não futuramente, dependência econômica entre os irmãos. O que interessa, para a indenização por dano moral, é verificar se os postulantes da pretensão sofreram intimamente o acontecimento”, concluiu o ministro. “Assim não fosse, os pais também não poderiam pleitear a indenização por dano moral decorrente da morte de filho que não exercesse atividade remunerada, nem pessoa rica teria legitimidade, e assim por diante”, completou.

Desse modo, o STJ considerou os irmãos como parte legítima para pedir a reparação e arbitrou a indenização por dano moral em 200 salários mínimos, a ser dividido entre os menores.

BALA PERDIDA

Apesar de ser comumente aplicado em casos de morte, o dano moral por ricochete também ocorre quando o ente querido sobrevive ao efeito danoso. Foi o caso do julgamento do REsp 876.448.

Em maio de 2003, uma estudante do curso de Enfermagem da Universidade Estácio de Sá no Rio de Janeiro foi alvejada por uma bala perdida nas dependências da instituição de ensino. A universitária sofreu politraumatismo com fratura de mandíbula, perda de substância e trauma raqui-medular cervical, com consequente tetraplegia.

No dia do fato, segundo informações do processo, a instituição teria sido advertida sobre determinação de traficantes de drogas instalados em região próxima ao campus, cujo objetivo seria a paralisação das atividades comerciais da área.

Os pais, irmãos e a própria estudante moveram ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos, com pedido de antecipação de tutela, contra a universidade. Em decisão antecipatória, determinou-se que a instituição mantivesse o custeio do tratamento médico da vítima, fixando-se multa diária de 10 salários mínimos em caso de descumprimento.

A sentença concluiu que o disparo de arma de fogo que atingiu a estudante partiu do Morro do Turano, sendo previsível a ocorrência do evento, restando demonstrada a ciência da universidade quanto à necessidade de adoção de medidas de segurança. Fixou-se pensão mensal de um salário mínimo à estudante

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de Enfermagem, com o acréscimo de 13º salário, FGTS e gratificação de férias, além da inclusão dela na folha de pagamento da instituição desde a data do evento até a data limite de 65 anos de idade completos.

Foi arbitrado ainda o pagamento à universitária de R$ 400 mil de indenização por danos morais e R$ 200 mil por danos estéticos, além do custeio das despesas médicas e hospitalares. Os pais foram indenizados em R$ 100 mil, cada um, por danos morais reflexos. Já os irmãos, R$ 50 mil cada. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a condenação.

Os familiares e a estudante interpuseram recurso especial, alegando que a indenização fixada seria insuficiente à reparação dos danos sofridos pela universitária. Quanto à pensão mensal, por se tratar de uma estudante de Enfermagem, o valor deveria corresponder ao salário que receberia caso estivesse exercendo a profissão.

A universidade também recorreu, sob o argumento de que não cometeu ato ilícito, sendo os atos de violência, ainda que previsíveis, inevitáveis, razão pela qual a ausência de conexão entre os danos experimentados pela vítima e os riscos inerentes à atividade desenvolvida pela instituição de ensino excluem a responsabilidade do prestador de serviços. Por fim, pedia a redução das indenizações em favor da estudante e a exclusão das reparações arbitradas aos familiares.

O relator, ministro Sidnei Beneti, destacou que, em regra, a indenização é devida apenas e tão somente ao lesado direto, ou seja, a quem experimentou imediata e pessoalmente as consequências do evento danoso. “Deve-se reconhecer, contudo, que, em alguns casos, não somente o prejudicado direto padece, mas outras pessoas a ele estreitamente ligadas são igualmente atingidas, tornando-se vítimas indiretas do ato lesivo”, ponderou.

Na decisão, o ministro citou ainda trecho do livro Os danos extrapatrimoniais, do professor e jurista Sérgio Severo, que assinala que “sobrevivendo a vítima direta, a sua incapacidade pode gerar dano a outrem. Neste caso, o liame da proximidade deve ser mais estreito. Os familiares mais próximos da vítima direta gozam o privilégio da presunção – juris tantum – de que sofreram um dano em função da morte do parente, mas, se a vítima sobreviver, devem comprovar que a situação é grave e que, em função da convivência com a vítima, há um curso causal suficientemente previsível no sentido de que o dano se efetivar-se-á”.

Assim, Sidnei Beneti concluiu que os familiares da estudante têm direito à indenização decorrente da incapacidade e da gravidade dos danos causados à integridade física da vítima, pois “experimentaram, indubitavelmente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa”, como reconheceu o TJRJ.

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DANO MORAL

Hodiernamente, dano moral deve ser conceituado á luz da Constituição Federal de 1988, pois a Carta Magna colocou o homem no vértice do ordenamento jurídico.

Nesse contexto, além dos direitos patrimoniais que se traduzem em expressão econômica, o homem é ainda titular de relações jurídicas que embora despida de expressão pecuniária representam os seus maiores “direitos “, por serem atinentes à própria natureza humana, os quais lhes são conferidos após o nascimento com vida.

São os direito da personalidade que ocupam essa posição posto que foram vinculados ao princípio da dignidade humana e passaram a ocupar posição supra-estatal.

Nesse sentido, podemos conceituar o dano moral como a violação do direito à dignidade e foi, justamente, por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada da honra e da imagem que a Constituição Federal de 1988 inseriu em seu artigo 5º, V e X, a plena reparação do dano moral, conforme segue:

Constituição de 1988Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...)V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;(...)X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;(...)

Este é o novo enfoque pelo qual deve ser examinado o dano moral que já passou a ser adotado pelo judiciário, conforme segue:

Qualquer agressão à dignidade pessoal lesiona a honra, constitui dano moral e é por isso indenizável. Valores como liberdade, a inteligência, o trabalho, a

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honestidade, aceitos pelo homem comum, formam a realidade axiológica a que todos estamos sujeitos. Ofensa a tais postulados exige compensação indenizatória (Ap. cível 40.541, rel. Des. Xavier Vieira, in ADCOAS 144.719).

Nessa linha o dano moral deixa de ser visto sob o antigo aspecto positivo que afirmava que o dano moral seria o que causasse dor, vexame, sofrimento, desconforto, humilhação, etc., pois não está necessariamente vinculado a reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa a dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, que passam a ser consequências e não causas.

Com essa ideia, abre-se espaço para reconhecer o dano moral, mesmo com relação àquelas pessoas que não tenham discernimento, como os doentes mentais, as crianças de tenra idade, os que estão em estado comatoso ou vegetativos, etc. Verifica-se que os bens que integram a personalidade, constituem valores distintos do bens patrimoniais, cuja agressão resulta no que se convencionou chamar de dano moral.

O outro aspecto consiste nos novos direito da personalidade, mas que também estão vinculados à dignidade humana como, a imagem, o bom nome, a reputação, os sentimentos, as relações afetivas, aspirações, hábitos, convicções políticas, religiosas, direitos autorais, etc.

Como se vê o dano moral não mais restringe ao sofrimento, à dor, tristeza, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos, os complexos de ordem ética, razão pela qual se torna mais coerente chamá-los de dano imaterial ou não patrimonial.

Diante da nova ótica do dano moral não é mendaz afirmar que o dano moral não precisa ser provado, pois seria extremamente difícil ou mesmo impossível prová-lo ou as suas consequências como a dor, tristeza, sofrimento, através das provas documentais ou periciais. Nesse sentido, podemos dizer que o dano moral existe in re ipsa, ou seja, deriva inexoravelmente do próprio do próprio fato ofensivo de forma que, provada a ofensa ipso facto está demonstrado o dano moral em razão de uma natural presunção.

ABANDONO AFETIVO GERA DANO MORAL DE ACORDO COM STJ

A 3ª turma do STJ, em 02/05/2012, através do REsp n° 1.159.242, asseverou ser possível exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. A decisão é inédita. Em 2005, a 4ª turma do STJ, que também analisa o tema, havia rejeitado a possibilidade de ocorrência de dano moral por abandono afetivo.

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No caso mais recente, a autora entrou com ação contra o pai, após ter obtido reconhecimento judicial da paternidade por ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e adolescência. Na primeira instância, o pedido foi julgado i

mprocedente, tendo o juiz entendido que o distanciamento se deveu ao comportamento agressivo da mãe em relação ao pai.

Ilícito não indenizável

O TJ/SP, porém, reformou a sentença. Em apelação, afirmou que o pai era "abastado e próspero" e reconheceu o abandono afetivo. A compensação pelos danos morais foi fixada em R$ 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil reais).

No STJ, o pai alegou violação a diversos dispositivos do Código Civil e divergência com outras decisões do Tribunal. Ele afirmava não ter abandonado a filha. Além disso, mesmo que tivesse feito isso, não haveria ilícito indenizável. Para ele, a única punição possível pela falta com as obrigações paternas seria a perda do poder familiar.

Dano familiar

Para a ministra Nancy Andrighi, relatora, porém, não há por que excluir os danos decorrentes das relações familiares dos ilícitos civis em geral. "Muitos, calcados em axiomas que se focam na existência de singularidades na relação familiar – sentimentos e emoções –, negam a possibilidade de se indenizar ou compensar os danos decorrentes do descumprimento das obrigações parentais a que estão sujeitos os genitores", afirmou.

"Contudo, não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família", completou a ministra Nancy. Segundo ela, a interpretação técnica e sistemática do Código Civil e da Constituição Federal de 1988 apontam que o tema dos danos morais é tratado de forma ampla e irrestrita, regulando inclusive "os intrincados meandros das relações familiares".

Liberdade e responsabilidade

A ministra apontou que, nas relações familiares, o dano moral pode envolver questões extremamente subjetivas, como afetividade, mágoa, amor e outros. Isso tornaria bastante difícil a identificação dos elementos que tradicionalmente compõem o dano moral indenizável: dano, culpa do autor e nexo causal.

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Porém, ela entendeu que a par desses elementos intangíveis, existem relações que trazem vínculos objetivos, para os quais há previsões legais e constitucionais de obrigações mínimas. É o caso da paternidade.

Segundo a ministra, o vínculo – biológico ou autoimposto, por adoção – decorre sempre de ato de vontade do agente, acarretando a quem contribuiu com o nascimento ou adoção a responsabilidade por suas ações e escolhas. À liberdade de exercício das ações humanas corresponde a responsabilidade do agente pelos ônus correspondentes, entendeu a relatora.

Dever de cuidar

"Sob esse aspecto, indiscutível o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança", explicou.

"E é esse vínculo que deve ser buscado e mensurado, para garantir a proteção do filho quando o sentimento for tão tênue a ponto de não sustentar, por si só, a manutenção física e psíquica do filho, por seus pais – biológicos ou não", acrescentou a ministra Nancy.

Para a relatora, o cuidado é um valor jurídico apreciável e com repercussão no âmbito da responsabilidade civil, porque constitui fator essencial – e não acessório – no desenvolvimento da personalidade da criança. "Nessa linha de pensamento, é possível se afirmar que tanto pela concepção, quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que vão além daquelas chamadas necessarium vitae", asseverou.

Amor"Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e

legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos", ponderou a ministra. O amor estaria alheio ao campo legal, situando-se no metajurídico, filosófico, psicológico ou religioso.

"O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes", justificou.

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Alienação parentalA ministra ressalvou que o ato ilícito deve ser demonstrado, assim como o

dolo ou culpa do agente. Dessa forma, não bastaria o simples afastamento do pai ou mãe, decorrente de separação, reconhecimento de orientação sexual ou constituição de nova família. "Quem usa de um direito seu não causa dano a ninguém", ponderou.

Conforme a relatora, algumas hipóteses trazem ainda impossibilidade prática de prestação do cuidado por um dos genitores: limitações financeiras, distâncias geográficas e mesmo alienação parental deveriam servir de excludentes de ilicitude civil.

Ela destacou que cabe ao julgador, diante dos casos concretos, ponderar também no campo do dano moral, como ocorre no material, a necessidade do demandante e a possibilidade do réu na situação fática posta em juízo, mas sem nunca deixar de prestar efetividade à norma constitucional de proteção dos menores.

"Apesar das inúmeras hipóteses que poderiam justificar a ausência de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, não pode o julgador se olvidar que deve existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o menor que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social", concluiu.

Filha de segunda classe

No caso analisado, a ministra ressaltou que a filha superou as dificuldades sentimentais ocasionadas pelo tratamento como "filha de segunda classe", sem que fossem oferecidas as mesmas condições de desenvolvimento dadas aos filhos posteriores, mesmo diante da “evidente” presunção de paternidade e até depois de seu reconhecimento judicial.

Alcançou inserção profissional, constituiu família e filhos e conseguiu “crescer com razoável prumo”. Porém, os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna perduraram.

"Esse sentimento íntimo que a recorrida levará, ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurge, inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício de seu dever de cuidado em relação à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação", concluiu a ministra.

A relatora considerou que tais aspectos fáticos foram devidamente estabelecidos pelo TJ/SP, não sendo cabível ao STJ alterá-los em recurso

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especial. Para o TJ/SP, o pai ainda teria consciência de sua omissão e das consequências desse ato.

A turma considerou apenas o valor fixado pelo TJ/SP elevado, mesmo diante do grau das agressões ao dever de cuidado presentes no caso, e reduziu a compensação para R$200.000,00 (duzentos mil reais). Esse valor deve ser atualizado a partir de 26 de novembro de 2008, data do julgamento pelo Tribunal paulista.

DANO ESTÉTICO

O dano é estético é o resultado de uma ofensa àquilo que a doutrina chama de imagem-retrato da pessoa, ou seja, é a modificação física permanente do aspecto externo do corpo humano.

Embora o conceito de beleza seja plenamente discutível, é indubitável que decorrentes da vida social existem padrões normalmente aceitos como sendo representativos do que é belo. E, se é certo que o conceito pessoal e também público de beleza é um dos vetores de autoestima do indivíduo, é razoável concluir que o dano estético é aquele que se configura como uma perda de um aspecto corporal tido por bonito. É, portanto, uma piora da aparência.

Apesar da importância do dano estético que da doutrina e da jurisprudência denotam, o dano estético não mereceu referência expressa pela nova ordem civil, mas que para muitos seria possível identificá-lo na última parte do artigo 949, a seguir:

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

O dano estético está ligado não só as deformidades físicas que provocam aleijão e repugnância, mas também nos outros defeitos físicos que causam desgosto ou complexo de inferioridade, como a cicatriz no rosto da atriz.

A doutrina se contradiz ao determinar a categoria do dano estético, pois alguns afirmam ser integrante do dano moral, como Caio Mário. Tal fato tem importância para saber se pode cumular os pedidos de dano estético com o moral e material, já que, se o dano estético for integrante de um ou outro tal fato não poderá ocorrer.

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O STJ passou a entender que o dano estético e distinto do dano moral, podendo, portanto haver cumulação de pedidos desde que inconfundíveis as suas causas, conforme segue a Súmula 387:

STJ Súmula nº 387 - 26/08/2009 - DJe 01/09/2009 Licitude - Cumulação - Indenizações de Dano Estético e Dano Moral É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.

Nesse sentido prevaleceu para essa Corte Superior que o dano estético e algo distinto do dano moral, correspondendo o primeiro a uma alteração morfológica de formação corporal que agride a visão, causando desagrado, repulsa; o segundo a ofensa a diginidade humana acarrentando sofrimento mental, dor da alma, aflição, angústia a vítima submetida.

Destarte, segundo entendimento pacificado do STJ, o dano estético, ao contrário do dano puramente moral, é concreto, é físico, ainda que não-patrimonial. Enquanto o dano moral propriamente dito seria de ordem puramente psíquica, pertencente ao foro íntimo, o dano estético é visível, porque concretizado na deformidade.

Sérgio Cavalieri Filho adota uma posição contrária, pois acompanha a tese de Caio Mário e afirma que o dano estético é apenas uma modalidade do dano moral. "Em razão da sua gravidade e da intensidade do sofrimento, que perdura no tempo, o dano moral deve ser arbitrado em quantia mais expressiva quando a vítima sofre deformidade física".

@@@@@São causas frequentes de danos estéticos as mazelas deixadas por

acidentes diversos como os de trânsito -, cirurgias plásticas mal feitas e outros erros médicos, lesões laborais, produtos cosméticos inseguros etc.

O dano estético pode ocorrer conjunta ou isoladamente ao dano moral, ou seja, do mesmo fato lesivo podem concorrer danos morais e estéticos, ou apenas um ou outro.

Pense-se na hipótese de uma cirurgia plástica mal executada, que ocasiona dano moral pela violação à dignidade da vítima (angústia e medo da recuperação incerta, vergonha da própria imagem), e deformidade corporal permanente comprometedora da beleza (dano estético).

Desse modo, a ligação entre dano estético e dano moral é apenas o fato causador das lesões, quando no caso particular ocorrer de ser o mesmo para as duas modalidades de prejuízos. Por isso, o dano moral pode e deve ser reparado de forma autônoma ao dano moral.

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Este, aliás, é o entendimento que vem sendo adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual é possível cumular as quantias reparatórias dos danos estético e moral, desde que uma lesão e outra possam ser reconhecidas ou identificadas em separado, mesmo que decorrentes do mesmo sinistro.

Pelo que viu, dano moral e dano estético não são a mesma lesão, embora possam resultar do mesmo fato. Essa distinção é útil para a adequada demonstração de todas as consequências maléficas de um ato ilícito, de modo a permitir a reparação integral da vítima em uma ação judicial.

@@@

DANO À IMAGEM

A imagem recebeu a tutela do Código Civil em seu artigo 20 estendido no que couber às pessoas jurídicas pelo artigo 52, conforme seguem:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

A CF/88 assegura a inviolabilidade da imagem no seu artigo 5º, X e XXVIII, conforme seguem:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...)X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;(...)XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;(...)

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Assim, a imagem é um bem personalíssimo, emanação de uma pessoa, através da qual projeta-se, identifica-se e individualiza-se no meio social. É o sinal sensível da sua personalidade, destacável do corpo e suscetível de representação através de múltiplos processos, tais como pintura, escultura, desenho, cartazes, fotografias, filmes, etc.

Em suma o direito a indenização pelo uso indevido da imagem somente irá prosperar se for provado que o objetivo e de explorar a imagem de alguém, pois se ao contrário, a imagem for capturada no contexto do ambiente, aberto ao público, de forma que a imagem adira ao local (praia, apresentação esportiva, movimento na rua), ou algum acontecimento (acidente, manifestação pública), nenhuma lesão haverá à imagem, assim nada terá de ser indenizado.

A questão torna-se mais complexa quando se trata de fotografias ou imagem de pessoas famosas ou ocupantes de cargos públicos. Prevalece o entendimento de que as pessoas, profissionalmente ligadas ao público, a exemplo dos artistas e políticos, não podem reclamar um direito de imagem com a mesma extensão daquele conferido aos particulares não comprometidos com a publicidade. Nesses casos há uma presunção de consentimento do uso de imagem dessas pessoas, desde que preservada a vida privada delas, mesmo porque vivem e têm necessidade de exposição.

O uso indevido da imagem alheia ensejará dano material sempre que for explorada comercialmente sem autorização ou participação do titular no ganho através dela obtido ou por prejuízo ocasionado, como perda de um contrato de publicidade.

Dará ainda lugar ao dano moral se a imagem for utilizada de forma humilhante, vexatória, desrespeitosa. como por exemplo, exibir na TV a imagem de uma mulher despida sem autorização.

Com o fim da personalidade civil, os sucessores do detentor do direito à imagem passam a ser titulares daquele direito, e não só do crédito decorrente de eventual violação anterior à cessação da personalidade. Assim, os herdeiros poderão pleitear, em nome próprio, a reparação por dano patrimonial sofrido, bem como por eventual dano moral. No caso do dano moral o direito positivo estende a legitimidade para os parentes próximos, nos termos do paragrafo único do artigo 12.

VALOR DA INDENIZAÇÃO PELO USO INDEVIDO DA IMAGEM

Doutrina e jurisprudência participam do mesmo entendimento no que diz respeito ao valor da indenização pela utilização indevida da imagem, pois afirmam que valor não deve ser o mesmo que normalmente se obteria pela utilização autorizada, pois se assim fosse a ilicitude passara a ser um estimulo e

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ninguém mais respeitara a imagem de ninguém, devendo então acrescer no valor da indenização com um plus, para de certa forma impedir que o transgressor cometa novamente o ilícito.

Carlos Alberto Bittar afirma que nos casos de dano à imagem, deve-se estipular, como indenização, importância bem superior ao valor de mercado, para contração regular, em função do caráter sancionatório de que se reveste a teoria da responsabilidade civil, sob pena de consagrar-se, judicialmente, a pratica lesiva, estimulando os usuários a dispensar o prévio contato com o titular para obtenção de sua anuência e a discussão do quantum a pagar.

LIQUIDAÇÃO DO DANOInicialmente, devemos relembrar o artigo 944 que afirma que a

indenização se mede pelo dano, conforme segue:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Assim, o artigo acima é o parâmetro da liquidação do dano, pois a idéia é reparar o dano mais completamente possível. Busca-se com ele colocar a vítima no estado em que se encontrava antes da lesão.

Há situações excepcionais, porém, de modo que o valor da indenização não será necessariamente igual ao do dano. No âmbito estrito das relações civis ordinárias, o art. 944, parágrafo único, do Código Civil, prevê que havendo desproporção entre a culpa do agente e o dano resultante de seu ato, o juiz poderá determinar a redução do montante da indenização por equidade, caso em que a vítima terá de suportar parte do prejuízo.

Esta exceção não se aplica às situações de responsabilidade que não sejam baseadas na culpa, pois nestes casos a culpa do agente para a produção do resultado danoso é irrelevante.

Na pratica poderá ocorrer situações de excessiva desproporção entre a conduta e o dano, como no exemplo de um atropelamento com culpa leve que pode produzir um resultado gravíssimo, como a vítima ficar tetraplégica ou mesmo morrer. Para esses casos é lícito ao juiz reduzir equitativamente a indenização, conforme se depreende do parágrafo único do artigo em comento.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

A fixação da compensação pelo dano extrapatrimonial

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O ponto mais tormentoso em toda a doutrina da responsabilidade civil provavelmente ainda é o da fixação do quantum da indenização, rectius: compensação, pelo dano extrapatrimonial sofrido pela vítima.

Hoje já se encontra superada a questão da possibilidade de se condenar alguém por causar um dano extrapatrimonial, mas como avaliar monetariamente algo que por definição não tem valor econômico?

A doutrina francesa defendeu a condenação em valor simbólico – um franco –, que acabava mais por representar uma vitória moral da vítima, que via reconhecida judicialmente a violação de seu direito, do que propriamente uma condenação do ofensor. [06]

Alguns propõem o tarifamento dos valores de acordo com o tipo de dano, e por vezes levando em conta outros elementos, tais como repercussão, dolo, e situação econômica das partes. O tarifamento, entretanto, vai contra a idéia de se reparar integralmente o dano sofrido – que estaria consagrada no próprio texto constitucional (art. 5º, V e X, da CF). Por conta disso, ele tem sido rejeitado, apesar de sua evidente utilidade prática, facilitando a determinação da condenação, bem como dando uma maior segurança jurídica ao tornar previsível o valor da condenação pela prática de determinado ato.

Nossos tribunais de cúpula não chegaram a se pronunciar sobre a possibilidade em tese de se tarifar a reparação do dano moral, tendo, porém, decidido contra a constitucionalidade de regras específicas, tais como a prevista na Lei de Imprensa (Súmula 281, do STJ), e na Convenção de Varsóvia (RE nº 172.720, rel. Min. Marco Aurélio). A doutrina em geral se posiciona contra qualquer tipo de tarifamento (por todos, Cavalieri F.º, 2005, p. 114).

Para a corrente prevalente, o valor da condenação deve ser arbitrado pelo magistrado, levando em conta as

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circunstâncias do caso, o que acaba resultando em valores disparatados para casos essencialmente idênticos.

Como já dito, a função da reparação do dano extrapatrimonial não é propriamente restituir o lesado ao estado anterior, "tendo mais uma genérica função satisfatória", de compensar o dano sofrido. "Substitui-se o conceito de equivalência, próprio do dano material, pelo de compensação, que se obtém atenuando, de maneira indireta", os efeitos da lesão (Cavalieri F°., 2005, p. 102), através de uma "compensação ou benefício de ordem material (a única possível), que lhe permite obter prazeres ou distracções – porventura de ordem puramente espiritual – que, de algum modo, atenuem a sua dor" (Pessoa Jorge, 1999, p. 375). Não se fala em ‘preço da dor’ (pretium doloris), mas antes numa ‘compensação da dor’ (compensatio doloris).

A doutrina, assim como a jurisprudência, mostra grande preocupação em traçar limites para o valor da reparação, evitando que a compensação se torne na verdade em fonte de lucro. Assim, Cavalieri F.º afirma que o valor "deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano" (2005, p. 115).

O Código Civil vigente, incluindo no conceito de ato ilícito o dano "ainda que exclusivamente moral" (art. 186), para que não sobrem dúvidas sobre a sua reparabilidade, não cogita de sua limitação nem recomenda que o ressarcimento seja moderado (art. 927). Não obstante,

"se a indenização, em termos gerais, não pode ter o objetivo de provocar o enriquecimento ou proporcionar ao ofendido um avantajamento, por mais forte razão deve ser eqüitativa a reparação do dano moral para que se não

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converta o sofrimento em móvel de captação de lucro (de lucro capiendo)" (Caio Mário, 1999, p. 318).

Buscando definir parâmetros, ainda que um tanto quanto etéreos, Cavalieri F.º recorre à doutrina de Luís Recasens Siches:

"Creio, também, que este é o outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes" (Cavalieri F.º, 2005, p. 116).

Com vistas a estabelecer critérios para a quantificação do dano extrapatrimonial, a doutrina, enumera algumas regras a serem observadas pelo juiz na aplicação da lei ao caso concreto, com a intenção de, mantendo uma margem de discricionariedade para a atuação do juiz, eliminar a arbitrariedade "desprestigiante do Poder Judiciário".

A primeira regra, diz Dalazen (1999, p. 79), é a compreensão de que o dano extrapatrimonial não é mensurável, o que torna qualquer fórmula matemática inviável; "não deve constituir preocupação, pois, apurar

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uma soma pecuniária que corresponde ao valor intrínseco preciso" dos bens lesionados.

Deve ainda ser considerada a gravidade objetiva do dano, avaliando a "extensão e profundidade da lesão, tomando em conta os meios empregados na ofensa, as seqüelas deixadas" (Dalazen, 1999, p. 79). A isso há de se acrescentar se do injusto adveio algum lucro para o ofensor. Também hão de ser apreciados, os aspectos objetivos do ofensor, tais como antecedentes, índole, e bem como o seu maior ou menor poder econômico, de modo que o valor da condenação venha a representar um real desestímulo a futuras ofensas. Ressalte-se que a condição econômica ou nível social da vítima são completamente irrelevantes (cf. Maria Celina Bodin, 2003, p. 190).

O grau de culpa na conduta não é relevante, pois a regra é que o dano deva ser reparado em sua integralidade. Fosse levada em consideração a culpa do agente, seria de ser permitir "a indenização menor do que seria necessário à reparação, em caso de culpa mais leve" (Maria Celina Bodin, 2003, p. 190), o que não se admite em nosso sistema, pois mesmo agindo com a mais leve culpa, o agente fica obrigado a reparar o dano em sua integralidade; com maior razão é de ser desconsiderada a intenção do agente nos casos de responsabilidade objetiva. Somente quando houver "excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano" (art. 944, do CC), haverá relevância na intencionalidade do agente, permitindo que o juiz determine a redução, e nunca majoração, do valor da reparação devida.

Nesse sentido era a crítica dos Mazeaud (1931, p. 7), afirmando que na responsabilidade civil há tão somente atribuição de um liame jurídico, uma relação obrigacional entre duas pessoas, fazendo uma credora e a outra devedora, resultando que o valor da indenização concedida

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à vítima deve ser absolutamente independente da gravidade do ato do devedor. Enquanto a pena se mede pela gravidade do crime, a reparação se mede pela gravidade do prejuízo sofrido. Ao agir de outra forma, os tribunais acabam por fazer da condenação civil uma pena privada.

Por outro lado, seria de se levar em conta também o aspecto pessoal e subjetivo da vítima, em especial a intensidade do sofrimento da vítima, elemento esse "marcadamente individual e variável", pois "lesões igualmente graves do ângulo objetivo, podem provocar sofrimento diverso às pessoas, segundo a maior ou menor sensibilidade física ou moral de casa um" (Dalazen, 1999, p. 80). Note-se que a ausência ou diminuto sofrimento por parte da vítima não elimina o seu direito de ter o dano reparado – pois o dano está na conduta e não na reação da vítima ao dano –, mas certamente influirá na sua quantificação.

Por fim, o valor da reparação deve ser determinado pautando-se pela razoabilidade e eqüidade, evitando-se a fixação de valor ínfimo de modo a não servir à sua função inibitória, e nem elevado a ponto de se configurar situação de enriquecimento sem causa, ou levar o ofensor à ruína. Para tanto, deve ser levada em conta a conjuntura econômica do país, que poderá dizer o que é e o que não é um valor muito ou pouco elevado.

"O certo é que tal valor, no Direito brasileiro e até no Direito Comparado, subordina-se essencialmente ao bom-senso do juiz e, portanto, a uma avaliação preponderantemente e sempre subjetiva de quem julga.

"Eis por que, em meu entender, esse sistema de absoluto culto à discricionariedade judicial não tem produzido resultados satisfatórios, notadamente porque tem gerado cifras ostensivamente desiguais, em que a desejável e

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prudente discricionariedade do Juiz, em alguns casos tangencia perigosamente os limites da arbitrariedade, pura e simples.

"Naturalmente, não se advoga aqui a previsão legal de um incompatível reparação tarifária, ou estandardização do valor, de modo a que seja obtido de forma mecânica e automática.

"Entretanto, se me for dado aqui emitir um juízo crítico, direi que o critério prevalecente no direito brasileiro, de absoluta discricionariedade do Juiz, clama por urgente aperfeiçoamento, pois adota solução diametralmente contraposta. Ora, qualquer extremo é desaconselhável: ‘in medio virtus’, ensinavam os latinos.

"Penso que convém, assim, mediante legislação infra-constitucional disciplinadora do texto constitucional (art. 5º, inc. V e X), fixar patamar mínimo e máximo (piso e teto), bem como delinear objetivamente os elementos para a aferição e dosagem do valor do dano moral.

(Dalazen, 1999, p. 80-81).

Caio Mário também defende que a reparação do dano extrapatrimonial deve incluir uma "punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial", além de "pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie", de cunho moral ou mesmo material; acrescendo ainda que "na reparação por dano moral insere-se a solidariedade social à vítima" (1999, p. 317-318). Também Cavalieri F°. reconhece "a necessidade de se impor uma pena ao causador do dano moral, para não passar impune a infração e, assim, estimular novas agressões. A indenização funcionará também como uma espécie de pena privada em benefício da vítima" (2005, p. 103).

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A esse entendimento se opõe a idéia de que no campo civil, nas relações entre particulares, não haveria que se falar em condenações de caráter punitivo – "pena civil" –, mas meramente reparatório, mas apenas em reparação do dano sofrido, pois punição somente haveria nas relações do indivíduo com o Estado. [07] Não seria admissível, assim, que o cidadão "possa assumir a função do Ministério Público, pretendendo que venham cominadas sanções decorrentes de um ilícito civil, e, pior, que delas se possa beneficiar" (cf. Maria Celina Bodin, 2003, p. 255).

Ademais, no campo penal há os clássicos brocardos afirmando inexistir responsabilidade se a conduta não for previamente tipificada, e tampouco sem pena anteriormente prevista em abstrato. Fica evidente o desrespeito a esses postulados quando, no juízo cível, ao agente é imposta uma condenação de caráter punitivo sem que haja uma previsão expressa, e nem mesmo que se tenha conhecimento de antemão da pena que lhe será aplicada.

É verdade que na esfera civil temos o ancestral instituto da cláusula penal no campo da responsabilidade contratual, ainda que muitas vezes funcione como ‘danos presumidos’. É certo, porém, que nessa hipótese há um prévio acordo entre as partes, enquanto que na seara extracontratual inexiste previsão normativa geral expressa do aspecto punitivo da reparação pelo dano extrapatrimonial, de modo que a sua aplicação somente se sustentaria juridicamente nas poucas situações de previsão legal expressa. Daí afirmar Maria Celina Bodin que se constitui, "em sistemas jurídicos como o nosso, numa figura anômala, intermediária entre o direito civil e o direito penal" (2003, p. 258).

Mais, frequentemente o mesmo ato que enseja a responsabilidade civil por dano extrapatrimonial também é fato gerador de responsabilidade penal, de modo que a

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imposição de uma pena no juízo cível pode acarretar no vedado bis in idem; e isso, para Maria Celina Bodin (2003, p. 260-261), seria injustificado, ainda mais porque "as sanções pecuniárias cíveis têm potencial para exceder, em muito, as correspondentes do juízo criminal". Outro ponto trazido pela citada autora, é que em sede de responsabilidade civil, nem sempre o agente causador do dano e o responsável são a mesma pessoa, o que tornaria a idéia de punição sem sentido; outrossim, não raro o agente está coberto por seguro, de modo que para ele o valor da condenação é indiferente.

Não obstante, a tese do caráter punitivo da reparação do dano extrapatrimonial ganhou força como resposta aos argumentos de que não seria possível compensar materialmente, pelo menos não com valores significativos, um dano que não é material. Assim, justificou-se a condenação em valor atribuindo-lhe um caráter punitivo, e não indenizatório, mas aqui a punição é paga em favor da vítima, e não do Estado (cf. Maria Celina Bodin, 2003, p. 223).

Hoje em dia já se reconhece que independente de um caráter punitivo, o dano extrapatrimonial é sim reparável. A fim de se evitar condenações em valores irrisórios, ou que não atinjam a consciência do ofensor para que deixe de praticar o ilícito, a jurisprudência aderiu à tese de que a reparação também deve conter um aspecto punitivo, com vistas à repressão e prevenção, atingindo o ofensor em seu patrimônio, com intuito de assim ‘sensibilizá-lo’. [08]

Para Maria Celina Bodin (2003, p. 227) o ideal seria, então, reconhecendo-se o caráter de pena civil da reparação por dano extrapatrimonial seria "normatizar as fattispecie merecedoras, do ponto de vista do legislador democrático, de aplicação de pena pecuniária". A autora ainda argumenta que sem critérios claros, tal tese "se configura praticamente como um ‘cheque em branco’", liberando o

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magistrado para punir como quiser, e permitindo que o lesante sofra punição desproporcional, a título de servir de exemplo.

O que acaba ocorrendo, para evitar esse tipo de arbitrariedade no arbitramento, é que o julgador se utiliza de critérios jurisprudenciais, utilizando como parâmetro outros julgados semelhantes, temperados com as condições peculiares do caso concreto. Por óbvio, por obediência à garantia constitucional do contraditório, todos os motivos que levaram o julgador a fixar o valor da condenação devem ser explicitados.

Essa utilização de paradigmas judiciais contribui para a previsibilidade das conseqüências das condutas lesivas, e, em decorrência disso, também para a segurança jurídica das relações sociais em geral, o que, afinal, é o grande objetivo do direito.

Passamos ao estudo das hipóteses mais comuns que são os ilícitos que geram a morte da vítima, já que tentar liquidar todos os danos seria humanamente impossível com este trabalho.

Ocorrendo a morte da vítima, a indenização consistira no pagamento das despesas com tratamento, funeral e luto da família (danos emergentes), bem como prestação de pensão às pessoas a quem o de cujus devia alimentos (lucro cessante), conforme se depreende do artigo 948 do CC, a seguir:

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

O inciso II do artigo acima, é de simples entendimento e tem por finalidade orientar o julgador para o quantum da indenização. Não se trata de prestação de alimentos e sim indenização que visa reparar, pecuniariamente, o mal originado do ato ilícito.

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Quanto ao dano moral, cumpre esclarecer que a indenização deverá ser paga de uma só vez, juntamente com os valores apurados para os danos emergentes, já que tal valor não tem objetivo de ressarcir o prejuízo, mas de compensar pela perda.

A jurisprudência tem fixado uma verba para funeral de até 05 (cinco) salários mínimos, caso não seja comprovadas com documentos, por entender tratar-se de despesa inevitável.

A pensão mensal devida aos familiares deverá ser fixada em 2/3 dos ganhos da vítima que deverá estar devidamente comprovado (os outros 1/3 serviria para o seu sustento próprio enquanto viva) durante a sua provável sobrevida, levando-se em consideração a expectativa de vida do ser humano de 65 a 70 anos.

Se a vítima não tinha ganho fixo ou caso não seja possível prová-lo, a pensão será fixada em 01 (um) salário mínimo, consoante entendimento jurisprudencial, deduzidos de 1/3. Sua correção será a mesma do salário mínimo, conforme Súmula 490 do STF, a seguir:

STF - SÚMULA Nº 490 - A pensão correspondente a indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário-mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores.

LESÃO LEVE OU GRAVE

No caso da vítima sofrer ferimento ou que lhe acarreta temporária ou permanentemente redução da capacidade labotativa, como a perda de um braço ou de uma perna, a indenização consistirá em danos emergentes (despesas com tratamento) e lucro cessante que deverá ser pago até o fim da incapacidade, se temporária, ou, se permanente, durante toda a sua sobrevida. A pensão será fixada com base nos ganhos da vítima e na proporção da redução de sua capacidade laborativa, arbitrada por perícia médica, conforme determinam os artigos 949 e 950 do Código Civil.

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim

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da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Para o cálculo do quantum da indenização deverá ser incluída a despesa para tratamento especializado (fisioterapia, cirurgias) e para aquisição de aparelhos ortopédicos, como cadeira de rodas, próteses, etc.

PENSÃO AOS PAIS PELA MORTE DE FILHO

Firmou-se no STJ o seguinte entendimento. A pensão devida aos pais pela morte do filho em idade de trabalho tem por termo final a data que a vítima completaria 65 anos (RST 90/155). Entretanto, a partir da data em que a vítima (filho) completaria 25 anos, quando presumidamente constituiria nova família, a pensão deverá ser diminuída de 50% (RSTJ 105/341, 121/371, 140/400 e 421)

PENSÃO A FILHO MENOR PELA MORTE DOS PAIS

A pensão devida ao filho menor em caso de morte do pai finda aos 25 anos de idade do beneficiário. Presume-se, que em tal idade terá ele completado a sua formação escolar, inclusive universitária (RSTJ 100/161, 102/251, 121/255, 134/88)

UNIDADE III: RESPONSABILIDADE INDIRETA

- Responsabilidade dos pais, responsáveis, tutores, curadores, patrão e comitente.

- Responsabilidade por fato da coisa: imóveis e animais.

RESPONSABILIDADE DIRETA E INDIRETA

Vimos, ao analisar a conduta humana que a regra em sede de responsabilidade civil é que cada um deve responder por seus próprios atos, ou seja, cada um deve responder exclusivamente pelo que fez, o qual se denomina responsabilidade direta ou por fato próprio. Entretanto, excepcionalmente, uma pessoa poderá responder pelo fato de outrem e quando isso ocorrer estaremos diante da responsabilidade indireta ou pelo fato de outrem, que restou tratada pelo artigo 932 do CC, que segue:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

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II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

RESPONSABILIDADE PELO FATO DE OUTREM

Para que alguém responda pelo fato de outrem, é preciso que este alguém possua um vínculo jurídico com o autor do ato ilícito, que resulte em um dever jurídico de guarda, vigilância ou custódia.

O mestre Sérgio Cavalieri Filho ensina que a chamada responsabilidade pelo fato de outrem é, na verdade, a responsabilidade por fato próprio omissivo, porquanto as pessoas que respondem a esse título terão sempre concorrido para o dano pela falta de cuidado ou vigilância por isso, não seria muito próprio falar em fato de outrem. O autor material do dano é apenas a causa imediata, sendo a omissão daquele que tem o dever de guarda e vigilância a causa mediata, que nem por isso deixa de ser causa eficiente.

RESPONSABILIDADE DOS PAIS PELOS FILHOS INCAPAZES

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;…

O inciso I do artigo 932 tem como objetivo aumentar a possibilidade da vitima recompor seu patrimônio a fim de cumprir com a função da responsabilidade civil já que, na maioria dos casos, o menor não tem patrimônio próprio suficiente para reparar o dano.

EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE DOS PAIS

Ressalta-se que, os pais somente serão responsáveis pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Essa espécie tem por

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fundamento o vinculo jurídico legal existente entre pais e filhos menores denominado poder familiar, que impõe aos pais obrigações várias, entre as quais a de assistência moral e material e a de vigilância.

A doutrina e jurisprudência entendem que o significado da expressão ter o filho em sua companhia, significa tê-lo sob o mesmo teto, de modo a possibilitar o poder de direção dos pais sobre o menor a fim de exercer com eficiência o dever de vigilância.

Assim, se os pais perderem jurídica e justificadamente, o poder de direção sobre o filho não serão responsabilizados pelo ato deste. No entanto, existe a presunção de que estão sob sua guarda e vigilância cabendo, portanto, aos pais elidir tal presunção. Nesse sentido, nos casos de pais separados, o genitor que tiver o filho sob sua posse e guarda deverá responder pelo seu ato, pois é ele que estará exercendo o poder de direção. Igualmente irá ocorrer quando os pais, de maneira contínua confiam o menor à guarda dos avôs, do educador de colônia de férias, do estabelecimento de ensino, a estes caberá a responsabilidade durante o período em que exercerem o poder de direção sobre o menor.

Vê-se que a responsabilidade dos pais pode ser intermitente, conforme bem observa Aguiar Dias, cessando e restaurando-se, conforme delegação de vigilância efetiva e a título de substituição.

Desrtarte, nem toda delegação de vigilância transfere a responsabilidade dos pais, mas somente aquela que tem caráter de substituição, permanente ou duradoura feita a quem tem condições de exercer, responsavelmente, o poder de direção sobre o menor. Assim, o simples afastamento do filho da casa paterna, por si só, não elide a responsabilidade dos pais. Até mesmo a emancipação voluntária não tem o condão de afastar a responsabilidade dos pais, segundo melhor doutrina. Nesse caso, formará uma solidariedade entre o filho emancipado e seus genitores, conforme enunciado 41 da Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal (Brasilia, setembro de 2002), a seguir transcrito:

“A única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado nos termos do art. 5°, parágrafo único, inciso I, do novo Código Civil.”

Nesse sentido também o é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

RESPONSABILIDADE CIVIL – PAIS – MENOR EMANCIPADO. A emancipação por outorga dos pais não exclui, por si só, a responsabilidade decorrentes

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de ato ilícito do filho. (REsp 122.573-PR 3 T., rel. Min. Eduardo Ribeiro)

LIQUIDAÇÃO DA INDENIZAÇÃO CAUSADO PELO INCAPAZ

Outro ponto que merece destaque é o fato de que os pais também serão beneficiados pelo limite indenizatório previsto no parágrafo único do artigo 928, que segue:

Art. 928. …Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem..

RESPONSABILIDADE DOS TUTORES E CURADORES

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:…II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;…

Inicialmente, cumpre relembrar que tutor é o representante legal dos menores cujos pais faleceram, foram declarados ausentes ou decaíram do poder familiar, conforme artigo 1728 do CC, a seguir:

Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes;II - em caso de os pais decaírem do poder familiar.

Por sua vez a curatela tem vez quando o fator incapacitante não se fundamentar na idade, posto que já atingiram a maioridade, mas em outros fatores que de alguma forma lhes retira o discernimento, como no caso dos pródigos, ébrios habituais, da enfermidade ou deficiência, entre outros, conforme artigo 1767, a seguir transcrito:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

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III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;V - os pródigos.

Como ocorre com a responsabilidade dos pais, aqui o que fundamenta a responsabilidade dos tutores e curadores é o vinculo jurídico legal que se constitui após as suas nomeações. Com isso cabe-lhe o poder de direção sobre o pupilo e o curatelado, bem como o dever de vigilância, tal como os pais em relação aos filhos, motivo pelo qual a responsabilidade daqueles (tutor e curador) segue em tudo os princípios que regulam a responsabilidade paterna. Assim, irão responder pelos atos dos pupilos e curatelados que se acharem nas mesmas condições dos filhos.

Insta salientar, que alguns autores sugerem que o juiz, ao analisar a responsabilidade dos tutores e curadores, seja mais benigno que em relação aos pais, posto que exercem atividade com um múnus publicum, muitas vezes sem qualquer remuneração. Assim, no exame de cada caso em concreto a sugestão pode e deve ser levada em consideração.

RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR E COMITENTE

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:…III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;…

Na vigência do Código de 1916, a responsabilidade indireta do empregador foi, por um tempo baseada na culpa in eligendo, passou para presunção relativa de culpa até chegar a presunção absoluta fazendo surgir a conhecida Súmula 341 do STJ que dizia: “ É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.

Hoje, porém, como vimos, a responsabilidade do patrão segue o mesmo critério adotado para os outros casos de responsabilidade indireta já estudados, ou seja, a responsabilidade do patrão será objetiva desde que o seu empregado ou preposto tenha atuado com culpa.

Salienta-se que a responsabilidade que ora se comenta tem, hodiernamente, um restrito campo de atuação, pois a grande massa de relações que se formam e geram o dever de indenizar estão sob o manto do Código de

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Defesa do Consumidor, da prestação de serviços públicos e privados e, que, portanto, estão submetidos a responsabilidade objetiva. Para esses casos, a responsabilidade do patrão e do preposto ou empregado será objetiva.

Com isso, muito pouco restou ao inciso III do artigo 932. Porém, alguns casos especiais se aplicam ao inciso em baila como, por exemplo, para os atos dos empregados domésticos, motoristas particulares, praticados por preposição eventual entre outros poucos casos. Para estes, a responsabilidade do patrão continua sendo objetiva, mas a do empregado ou preposto será subjetiva, como nos demais casos do artigo 932.

Por fim, cabe enfatizar que não são todos os atos dos empregados que obrigam o patrão, mas somente aqueles praticados no exercício de suas funções, ou seja, em razão do trabalho, ainda que ocorra incidentalmente, fato este que tem alcançado a denominação de atos de normalidade de trabalho.

Assim, se o ato não for praticado no exercício da função, ou em razão dela, inexiste conexão de tempo, lugar e de trabalho, o patrão não responderá pelo dano, mas somente a pessoa do agente direto.

RESPONSABILIDADE DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO, HOTÉIS E SIMILARES

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:…IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;…

Inicialmente, cumpre esclarecer que o inciso IV estabelece duas situações distintas:

a responsabilidade dos estabelecimentos que mencionado pelos danos causados por seus empregados aos hóspedes e educandos e terceiros;

a responsabilidade por seus hóspedes e educandos a terceiros.

No primeiro caso, a lei tornou-se norma vazia, pois todos os casos ali mencionados estão sob a incidência direta do art. 14 do CDC (fato do serviço) já que todos os estabelecimentos nele mencionados são fornecedores de serviços, cuja responsabilidade é objetiva, conforme se extrai do julgado abaixo:

RESPONSABILIDADE CIVIL DE ESTABELECIMENTO DE ENSINO. Acidente

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ocorrido durante atividade escolar. Aluna atingida em uma das vistas por bambolê que se partiu. Fato do Serviço Responsabilidade Objetiva do Fornecedor.

O estabelecimento de ensino, como fornecedor de serviços, que é, responde independente de culpa, vale dizer, objetivamente, pela reparação dos danos causados aos seus alunos por defeitos realtivos à prestação dos serviços. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor pode dele esperar, quer quanto ao modo de seu fornecimento, quer quanto ao seu resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam. O fortuito interno não desonera o dever de indenizar do fornecedor de serviços. Pelo que irrelevante se o defeito é previsível ou não. (A. Civel n.° 21.834/2003, 2° Câm. Cível do TJRJ, rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho)

Desse modo nada restou para o dispositivo em exame pelo que, poderia ter sido suprimido do Código de 2002 sem qualquer prejuízo.

No que respeita á responsabilidade desses estabelecimentos pelos danos causados pelos hóspedes e educando a terceiros o preceito é restrito ao período em que estiveram sob a vigilância do hospedeiro, compreendendo apenas o que ocorre no interior do estabelecimento ou em seus domínios.

Nesse sentido, se o dano for causado pelo estudante a terceiros, o estabelecimento responde pelos prejuízos, independentemente de culpa. Sobre isso, Gonçalves (2006) lembra importante decisão do STF:

Veja-se, a propósito, decisão do Supremo Tribunal Federal (TJ-SP, 25: 611) referente ao caso de um colégio que funcionava em um edifício e sofreu ação de indenização movida pelo condomínio, porque alunos estragaram o elevador: “Assim agindo, faltou o réu com a necessária vigilância, indiferente à indisciplina dos alunos no interior do edifício. Deve, portanto, responder pelos atos daqueles que, na escola, no seu recinto, estavam sujeitos ao seu poder disciplinar, ficando-lhe assegurado o direito de ação regressiva contra os responsáveis pelos menores e contra os alunos maiores que participaram dos fatos determinantes do dano.

PARTICIPAÇÃO GRATUITA NO PRODUTO DO CRIME

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:…V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

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O inciso V do art. 932 não se refere aos co-autores, porque estes estão incluídos no art. 942. Conforme segue:

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Assim, o dispositivo somente se aplica aos que houverem participado gratuitamente no produto do crime. Estes a rigor não terão que indenizar, mas apenas devolver o produto do crime. É assim, porque, independente de dolo ou culpa, ninguém pode locupletar-se com o alheio.

Assim, por exemplo, se as joias furtadas ainda se encontram com a mulher do ladrão poderão ser recuperadas, tendo esta que ser devolvida. No entanto, como a lei fala em produto, a mulher e os filhos que foram sustentados com o proveito do crime não poderão ser acionados, já que nesse caso haverá uma situação de inexigibilidade de conduta diversa ainda que os familiares do ladrão saibam que estão sendo sustentados com o proveito do crime.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS RESPONSÁVEIS

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

É possível extrair do artigo acima que a responsabilidade dos responsáveis é objetiva, pois o artigo em baila deixa claro quando afirma que ”... ainda que não haja culpa de sua parte...”, acabando com a antiga divergência sobre tema existente na vigência do Código de 1916.

Insta salientar, que a responsabilidade objetiva é dos pais, tutor, curador e empregador, hospedeiro e não das pessoas pelas quais são responsáveis já que esta continua sendo subjetiva. Nesse sentido, em qualquer dessas hipóteses será necessário a análise da culpa do filho, tutelado, curatelado, hóspede, educando e empregado. Para esse último quando for o caso de responsabilidade subjetiva.

Conclui-se que o dispositivo deve ser interpretado no sentido de que os responsáveis, mesmo sem culpa, serão obrigados a indenizar a vitima do dano se o ato praticado pelo representado tem as mesmas condições de ser considerado culposo caso tivesse sido praticado por pessoa imputável. Com isso, não haverá mais lugar para a chamada culpa in vigilando ou in eligendo, pois a responsabilidade dos responsáveis indiretamente é objetiva.

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Desta forma, pode-se afirmar que, se ao menos em tese a conduta não puder ser considerada culposa, os responsáveis nada terão a indenizar, pois seria um contra-senso exigir deles aquilo a que não estariam obrigados se o ato fosse diretamente por eles praticado.

Nesse sentido pode-se dizer que na responsabilidade pelo fato de outrem há, na realidade, o concurso de duas responsabilidades: a do responsável e a daquele por quem se responde. A do primeiro é objetiva, porque ele é garantidor ou assegurador das consequências danosa do autor imediato do dano, enquanto a do segundo é subjetiva, dependendo, portanto, da análise de conduta humana culposa. Não obstante, ambos responderão solidariamente, conforme parágrafo único do artigo 942, exceto quando se tratar de incapaz, pois a sua reponsabilidade é medida pelo já estudado artigo 928.

Art. 942 …Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

AÇÃO DE REGRESSO

Aquele que responder pelo fato de outrem, vale dizer, que indenizar o dano por este causado a terceiros, tem o direito de reaver daquele o que pagou em seu lugar. Para tanto, deve se valer de uma ação regressiva. Este direito de regresso tem fundamento no artigo 934, a seguir:

Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.

O direito de regresso somente não persiste nos casos em que o causador do dano for descendente, absoluta ou relativamente incapaz, daquele que pagou a indenização. Logo os pais não têm direito de regresso contra os filhos menores pelo que tiverem por eles, indenizado. Igualmente ocorre com os avós em relação aos netos.

Da mesma forma, não há direito de regresso dos tutores e curadores com relação aos pupilos e curatelados. O seu fundamento jurídico tem como base o artigo 928 que restringe a responsabilidade do incapaz quando as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não puderem. Nesse caso, se o incapaz só responde diretamente pela dívida nessas condições, não pode ser responsabilizado por via de regresso. As mesmas razões que vedam a ação direta vedam também a regressiva do responsável indireto.

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Haverá, por fim, direito regressivo nos casos de responsabilidade objetiva direta, como a do Estado em relação ao servidor que agiu com culpa (CF/88, art. 37 §6°), do fornecedor de serviços e de produtos contra os seus empregados ou prepostos que agiram culposamente (CDC, art. 12 e 14) e assim por diante (CC, arts. 927 parágrafo único e 931)

RESPONSABILIDADE PELO FATO DA COISA

Cediço que a modernidade nos trouxe inúmeros instrumentos que nos dão comodidade, conforto e bem-estar. Entretanto, muitas dessas coisas se fazem acompanhar de certo risco. Por serem coisas perigosas, podem causar dano aos outros ou, ainda que não sejam perigosas também os podem causar. Nesse sentido, para o guardião de tais coisas, o legislador impôs um dever jurídico de vigilância ou cuidado, sob pena de responder pelo dano por ela produzido. Quando tal fato ocorre estamos diante do que, comumente, se dispôs a denominar de responsabilidade pelo fato das coisas ou, como preferem outros, responsabilidade pela guarda das coisas inanimadas.

Assim teremos responsabilidade pelo fato da coisa quando a própria coisa der causa ao evento danoso sem conduta direta do seu guardião, como exemplo do elevador que por mau funcionamento abre a porta indevidamente, acarretando a precipitação da vítima no vazio, a escada rolante que prende o pé ou a mão de uma criança, o veículo estacionado sem estar devidamente freado numa rua em declive que se desprende e bate em outro veículo ou pessoa, ou um muro que etc.

Da mesma forma como ocorre com a responsabilidade pelo fato de outrem, aqui também não é correto afirmar que a responsabilidade é pelo fato da coisa, já que a coisa é mero instrumento do dano, sendo a sua verdadeira causa, a omissão humana por falta de vigilância ou cuidado. O fato da coisa, nada mais é que a imperfeição da ação do homem sobre a coisa sendo, por isso, melhor adotar a denominação de responsabilidade pela guarda da coisa.

Cediço que não há no Código Civil dispositivo que estabelecendo de forma genérica a responsabilidade dos donos de objetos ou coisas que provoquem dano. Entretanto, inspirado nas jurisprudências francesa e por analogia aos artigos 936 a 938, os doutrinadores passaram a aplicar a teoria da responsabilidade pela guarda da coisa que também se fundamenta na responsabilidade objetiva, pois a conduta humana sequer é analisada cuja responsabilidade somente será afastada com a prova de fato exclusivo da vítima ou caso fortuito.

Aguiar Dias afirma que seria ilógico responsabilizar-se o proprietário do animal (art. 936) e do prédio (art. 938) e não responsabilizar os demais proprietários das coisas inanimadas, por ausência de dispositivo legal específico. Por isso, deve-se aplicar tais dispositivos, por analogia, aos danos causados pelas coisas inanimadas de forma genérica.

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RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Embora o Código Civil cogite a responsabilidade civil objetiva, nos casos de danos derivados de animais, e da ruína de edifícios, nada dispõe sobre os danos causados a outrem por coisas que estão sob sua guarda.

Assim a doutrina majoritária entende pela aplicação analógica dos referido artigos para o fato da coisa em geral. Deve-se, portanto, ao guardião da coisa, ser aplicado a mesma regra para o guardião do animal, ou seja, por força do artigo 936, o fato da coisa está regido pela responsabilidade objetiva.

Conclui-se que os guardiões têm uma obrigação de resultado, isto é, estão obrigados não apenas a guardar a coisa, mas guardá-la com segurança, de modo que jamais escape do seu controle e, em conseqüência, ocasione a terceiro.

RESPONSÁVEL

Normalmente, quando se busca o responsável pelo fato da coisa, a primeira conclusão seria que a responsabilidade é do proprietário, ou seja, o dono da coisa. Embora essa regra funcione na maioria dos casos, não serve para todos, pois prevalecendo poderia punir indevidamente quem não tem controle ou domínio sobre a coisa no momento do dano. Como no caso de uma pessoa que teve seu veículo roubado e na fuga os bandidos atropelaram e mataram um terceiro com esse veículo. Nesse sentido, o guardião da coisa tem o dever jurídico de vigilância ou cuidado por isso deverá responder pelo dano por ela produzido.

Pode-se dizer que o proprietário é considerado guardião presuntivo, já que, normalmente, a ele cabe a direção da coisa. Cuida-se, todavia, de presunção relativa que pode ser r elidida mediante prova da transferência jurídica do poder de direção ou de tê-lo perdido por motivo justificável. Assim, devemos analisar caso a caso, em especial quando ocorrer venda do veículo, furto, empréstimo e locação.

Assim, doutrina e jurisprudência, como regra, entendem que o responsável pelo fato da coisa só pode ser o seu guardião, sendo este proprietário ou não. Sendo este a pessoa que possui a direção intelectual da coisa, que se define como o poder de dar ordens, poder de comando, esteja ou não em contato material com ela, conforme preleciona o professor Caio Mário da Silva Pereira.

Guardar implica, em última instância, na obrigação de impedir que ela escape ao controle humano. Por isso que o preposto não pode ser considerado guardião já que age em nome do preponente e não por vontade própria, pois embora detenha a coisa material a conduz sob as ordens do preponente.

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Por derradeiro, pode-se afirmar que para estabelecer o responsável pelo fato da coisa, cumpre apurar quem tinha o efetivo poder de comando ou direção sobre ela no momento em que provocou o dano e não simplesmente quem a detinha, seja ele seu dono ou não.

EXEMPLOS DE RESPONSABILIDADE DECORRENTE DE ACIDENTES COM VEÍCULO AUTOMOTOR

COMUNICAÇÃO DE VENDA AO DETRAN

Insta salientar, que no caso do proprietário não comunicar ao DETRAN a venda do veículo irá responder pelo dano causado pelo novo proprietário, salvo se provar, categoricamente, que a tradição e venda do bem se deram antes do evento danoso, sendo este seu ônus.

Nesse sentido, tem-se a Súmula 132 do STJ, a seguir transcrita:

A ausência de registro da trasnferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo alienado.

VEÍCULO FURTADO

Outrossim, se o veículo for furtado e ficar provado que o proprietário não foi negligente na sua guarda, nada respondera. Ao contrário, se ficar provado que o proprietário negligenciou no dever de guarda e vigilância, pois deixou o veículo ligado e com as portas abertas em via pública, propiciando o furto, irá responder pelo dano causado.

Conforme acima noticiado, temos que o proprietário é o guardião presuntivo, todavia, tal presunção é relativa e pode ser elidida mediante prova da transferência jurídica do poder de direção ou de tê-lo perdido por motivo justificável. É o que ocorre nos casos de locação, comodato, depósito, penhor, roubo, furto, etc.

VEÍCULO EMPRESTADOSérgio Cavalieri Filho diz que idêntica solução deveria ser dada no caso

em que o dono do veículo empresta a um amigo ou parente, sem que entre eles haja relação de preposição. O só fato do empréstimo torna o dono do veículo responsável pelo acidente a que o comodatário eventualmente vier a dar causa, funcionando como uma exceção a regra da responsabilidade da guarda da coisa.

Assim, o empréstimo de veículo a um parente ou amigo transfere-lhe a sua guarda, que por ele passa a responder. Tal como no caso de furto do veículo, o

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dono só deveria ser responsabilizado pelo fato culposo do comodatário se ficasse provado que foi negligente ou imprudente ao confiar o veículo a quem não tinha habilitação ou era motorista notoriamente imprudente, como, por exemplo, dado ao vício de beber antes de dirigir, com anotações comprometedoras em seu prontuário.

No entanto, a jurisprudência tem aplicado invariavelmente a teoria da guarda tem sido a fim de também responsabilizar o proprietário do veículo quando o condutor não é seu parente, empregado ou preposto. Como nestes casos não pode ser observado o artigo 932, aplica-se a teoria da guarda para responsabiliza o dono do veículo emprestado. Assim tem sido o entendimento do STJ, pois a jurisprudência dessa Corte, em vista do enorme risco social do automóvel, firmou-se no sentido de que há responsabilidade solidária entre o proprietário do veículo emprestado e aquele que o dirigia no momento do acidente, conforme os Recursos Especiais n.° 233.111/SP ; 577.902/DF ; 574.415/RS.

Não obstante, o proprietário tenha ação regressiva contra o motorista a quem confiara a direção de seu veículo e que, por culpa teria causado dano a tericeiro.

VEÍCULO ALUGADOComo ocorre com o empréstimo do veículo, a sua locação não afasta a

responsabilidade do locador apesar do poder de direção ter sido transferido, funcionando também como uma exceção a regra da responsabilidade da guarda da coisa.

A teor da Súmula 492 do STF a locadora de veículo responde solidariamente com o locatário, conforme segue:

A empresa locadora responde civil e solidariamente, com o locatário, por danos por este causado a terceiros.

A responsabilidade civil e consequentemente a legitimidade ad causam decorrente nestes casos da responsabilidade pelo fato de outrem, assumindo a locadora os riscos pela locação de seu automóvel a terceiro, em flagrante responsabilidade civil indireta.

VEÍCULO ARRENDADOPor derradeiro, insta observar que responsabilidade em estudo não se

aplica as hipóteses de arrendamento mercantil – leasing – e alienação fiduciária.

RESPONSABILIDADE PELO FATO DE ANIMAIS

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Os jornais noticiam constantemente ataques de cães ferozes a crianças, idosos e outras pessoas, que muitas vezes levam ao óbito. Igualmente faz com os acidentes (muitos fatais) que ocorrem em ruas e estradas, quando causados por animais soltos nas pistas, como boi, cavalo, cães, etc. Em tais casos, os donos ou detentores irão responder pelo dos animais por serem seus guardiões, conforme se depreende do artigo 936, a seguir:

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

O Código, no artigo acima, conferiu expressamente ao dono ou detentor do animal a responsabilidade pelo dano por este causado. O fez porque entende que estes são guardiões do animal, invocando os mesmos princípios adotados pelo fato da coisa.

Nesse sentido, seguem alguns exemplos:

O cavalo de corrida confiado ao treinador, o touro de raça emprestado para cobrir rebanho de determinado fazendeiro, e assim por diante. Nesses casos, o dono do animal despe-se da guarda passando-a ao detentor, pelo que este se torna responsável pelo dano que o animal causar a terceiro.

Caio Mário e Silvio Rodrigues nos ensina que a responsabilidade é do proprietário ou detentor, o que importa é cerificar qual pessoa tem sobre ele o poder de direção; e nesta posição, em geral, encontra-se o dono. E o guardião é aquele que tem o poder de direção, de controle e de uso do animal.

Caio Mário, adverte ainda que nos casos da transferência não só material, mas também da guarda jurídica, como no caso do comodato, da locação, depósito, transfere-se o dever de vigilância, cabendo assim a quem o tenha a conseguinte assunção de responsabilidade.

No caso de furto do animal, segue a mesma linha do furto da coisa, ou seja, o proprietário somente será responsabilizado se restar comprovado que negligenciou no dever de guarda e vigilância, ao ponto de propiciar o furto.

Trata-se tanto aqui como lá (fato da coisa) de responsabilidade objetiva, com pouquíssimas possibilidades de exclusão do dever de indenizar, pois o artigo em baila se resume a afastar tal dever apenas quando provar a culpa exclusiva da vítima ou a força maior, não admite sequer o fato de terceiro, mas tão somente aquelas excludentes.

RESPONSABILIDADE PELA RUÍNA DO PRÉDIO

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O Código Civil, disciplina o tema no seu artigo 937, conforme segue:

Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

Embora o artigo acima dê a impressão de que a vítima teria que demonstrar que a ruina do edifício ocorreu por falta de reparo cuja necessidade era manifesta, Aguiar Dias entende que a manifesta falta de reparos decorre do simples fato de ter havido a ruína, tanto necessitada que ruiu. Ao dono do prédio é que incumbe provar o contrário.

Cediço que a ruína do prédio pode causar dano para o proprietário do edifício, para seu ocupante (locatário, comodatário, posseiro), e para terceiros (vizinhos e transeuntes).

Ocorre que o proprietário não poderá se valer do artigo em baila como fundamento para seu pedido de indenização, já que a indenização deverá ser proposta contra o construtor do prédio, com base no artigo 618 do Código Civil, tenha a obra sido construída por empreitada ou não, conforme sólida doutrina e jurisprudência, desde que não configure relação jurídica de consumo, (e quase sempre estará, pois o construtor será considerado prestador de serviços quando constrói por empreitada ou fornecedor de produtos quando constrói unidade e as vende), pois nesses casos o fundamento será extraído dos artigos 12-14 do CDC.

Tratando-se de vizinhos, a indenização poderá ser pleiteada com base no direito de vizinhança, previsto nos artigos 1.277 – 1.299 do CC.

Assim, resta ao dispositivo, os danos ocasionados aos locatários, comodatários, e transeuntes, sendo este o campo de incidência do dispositivo em exame.

Para tanto colaciono o caso ocorrido em 16 de abril de 2002 quando seis placas de granito e concreto se despencaram do 37° andar do prédio n° 181 situado na Avenida Rio Branco, centro do Rio de Janeiro – RJ, ferindo 09 (nove) pessoas e causando dano a um banco estabelecido no térreo do edifício e a seis veículos. Diante de tal fato, O Globo do dia 10 de maio de 2002 noticiou que uma vistoria realizada por técnicos da Prefeitura do Rio de Janeiro revelou que o acidente em questão e muitos outros similares, não acontecem por acaso, já que 55 fachadas e 22 marquises da região estão em péssimo estado de conservação e são uma fonte de riscos para os pedestres.

RSPONSABILIDADE

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Nesse caso, a lei cria uma presunção que o proprietário do prédio será o seu guardião, mesmo se este não detiver a posse direta do mesmo. Em razão disso, vincula ao proprietário o dever de segurança, sendo este o verdadeiro fundamento da responsabilidade pela ruína do prédio, ainda que os trabalhos estejam sob fiscalização e direção do construtor, não obstante haja solidariedade entre estes, conforme entendimento jurisprudencial. Assim é, pois, como vimos a responsabilidade para esse caso se baseia no dever de segurança e não de vigilância.

Destarte, a vítima do dano não terá que buscar quem é o responsável pelo defeito de construção do imóvel, nem indagar se o inquilino é o culpado pela falta de reparos da qual resultou o desabamento de uma casa. Não lhe compete averiguar se a queda da construção resultou de imperícia do arquiteto que a projetou ou do engenheiro que fiscalizou o andamento da obra.

Se houve desabamento proveniente da falta de reparos ou de vício da construção, o proprietário será o responsável.

Nestes termos, o artigo 937, do Código Civil, afirma que somente o proprietário é responsável pelos danos decorrentes da ruína do edifício. O máximo que a jurisprudência tem admitido é a condenação solidária do empreiteiro ou construtor.

Nesse sentido, firmou a jurisprudência do STJ:

CIVIL - DEMOLIÇÃO DE PRÉDIO - DANO AO IMÓVEL VIZINHO O RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PROPRIETÁRIO DA OBRA E DO EMPREITEIRO. O proprietário da obra responde solidariamente com o empreiteiro pelos danos que a demolição de prédio causa no imóvel vizinho. Recurso Especial não conhecido (2° T. REsp 43.906 – RJ, rel. Min. Ari Pargendler)

RESPONSABILIDADE CIVIL – DESABAMENTO DE MURO – RESPONSABILIDADE DO DONO DO IMÓVEL E DO EMPREITEIRO - PROVA DO DANO – PRECEDENTES DA CORTE. 1 Já decidiu a Corte que, provado o fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que ensejam o dano moral, impõe-se a condenação. 2. Do mesmo modo, precedente da Corte já assentou que, o proprietário da obra responde solidariamente com o empreiteiro pelos danos que a demolição do prédio causa ao imóvel vizinho 3. Recurso Especial não conhecido. (3° T.

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REsp. 180.355 – SP rel. Min Carlos Alberto Menezes Direito)

A jurisprudência tem interpretado a expressão ruína de forma bem elástica abrangendo, como vimos, os revestimentos que se desprendem das paredes do edifício, telhas que caem do telhado, vidros que se soltam das janelas, etc. O que importa dizer que a ruína pode ser total ou parcial. Está, porém é a principal diferença entre este artigo e o seguinte, pois aqui haverá sempre de se tratar de ruína total ou parcial do prédio, isto é de parte do prédio que desaba, a exemplo das marquises ou coisas que deles desprendem como as placas de granito ou mármore, enfeites, lustres, etc.

Já no artigo seguinte, qual seja 938, trata-se de coisas lançadas ou caídas, mas que não fazerm parte do prédio, que não integram a construção, apenas que dele caíram ou foram lançadas.

RESPONSABILIDADE POR COISAS CAÍDAS DO PRÉDIO

A doutrina afirma que este caso trata-se de uma das mais antigas hipóteses de responsabilidade pelo fato da coisa, pois jno Direito Romano o morador do prédio já respondia pelos danos decorrentes de coisas lançadas ou caídas dos edifícios de habitação, coisas sólidas ou liquidas, por meio da actio de effusis et dejjectis.

Explica Carvalho Santos que pela Legis aquiliae, era difícil, na maioria dos casos, a prova de quem fora o autor do dano: Com a actio de effusis et dejjectis, procedia-se contra o habitante da casa e sendo vários os moradores respondiam in solidum com recurso contra o culpado.

Insta salientar, apesar do relato já ter sido feito no estudo anterior, que a principal diferença deste artigo para o que lhe antecede é que não se trata de prédio que desaba ou desmorona, mas sim de coisas que caem ou são lançadas em lugar indevido, conforme segue:

Código CivilArt. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

RESPONSÁVELAssim, quando determinada coisa cair ou for lançada do edifício vindo a

atingir uma pessoa ou bem ao ponto de lhe causar dano, o responsável será habitante do apartamento cujo objeto foi lançado ou caiu, conforme o artigo 938 do CC.

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Outra diferença é que a lei fala em habitante, ou seja, o morador do prédio, como responsável pelo dano decorrente da coisa dela caída ou lançada, declinando pela aplicação da teoria da guarda, pois aquele que habita um prédio é o guardião das coisas que o guarnecem. Não importa a que título habita, se como proprietário, locatário, comodatário, usufrutuário ou mero possuidor, a responsabildade será do morador.

Salienta-se que a vítima só tem que provar a relação de causalidade entre o dano e o evento. Apresnução de repsonsabilidade do chefe de família que habita o prédiosó é removível, mediante prova de culpa exclusiva da vítima ou por força maior.

Na demonstração de culpa da vítima pode ser alegadao que a coisa foi jogada em local adequado, destinado a esse fim, e que a vítima ali não deveira estar, como no caso de depósito de lixo.

CAUSALIDADE ALTERNATIVA

Ocorre que com o surgimento dos grandes edifícios residenciais em condomínio horizontal, torna-se possível que, em determinados casos de danos decorrentes dos objetos lançados a vítima não consiga identificar o seu causador, fazendo surgir a causalidade alternativa, conforme estudamos anteriormente, especificamente quando estudamos o nexo causal.

Assim, quando não for possível identificar de onde o objeto partiu a doutrina e a jurisprudência utiliza-se da chamada causalidade alternativa, que permite a responsabilização de todos os moradores solidariamente.

Nesse sentido, a firmou-se o entendimento do STJ, conforme se verifica do julgado proferido no REsp 64.682/RJ, a seguir transcrito:

Responsabilidade Civil. Objetos Lançados da janela de edifícios. A reparação dos danos é responsabilidade do condomínio. A impossibilidade de identificação do exato ponto de onde parte a conduta lesiva impõe ao condomínio arcar com a responsabilidade reparatória por danos causados a terceiros. Inteligência do art. 1.529 do Código Civil. (1916)

Verifica-se que o Ministro Ruy Rosado Aguiar aduziu ser aplicável à espécie de causalidade alternativa, pela qual todos os possíveis autores (aqueles que se encontram no grupo), serão considerados de forma solidária, responsáveis pelo evento.

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Outrossim, para esses casos a responsabilidade é objetiva e solidária, conforme determina o artigo 942 do Código Civil a seguir colacionado:

Código CivilArt. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Por fim, cabe ressaltar que no máximo seria possível excluir a responsabilidade dos moradores da ala oposta como de fato a jurisprudencial tem feito, já que, no direito brasileiro, a solidariedade é por parte de todos que ser os responsáveis. Assim, se o edficio tem duas alas de apartamento, só uma das quais está em posição de ter coisas que caiam ou sejam lançadas, os habitantes dos apartamentos aí situados é que são legitimados passivos. Dá-se o mesmo a respeito dos andares. Entretanto, tratando-se, de responsabilidade objetiva o que não pode é deixar a vítima sem a correspondente indenização por não ter sido possível apurar de qual apartamento o objeto partiu.

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