apontamentos de direito constitucional

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Docentes: Pedro Trovão do Rosário Ano Lectivo: 2004/2005 Jorge Bacelar Gouveia Direito Constitucional Apontamentos Direito Constitucional Bibliografia: CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL Prof. Jorge Miranda Coimbra Editora MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO Prof. Dr. Gomes Canotilho Almedina Editora CONSTITUIÇÕES DOS ESTADOS DA UNIÃO EUROPEIA Prof. Dr. Jorge Bacelar Gouveia Vislis Editora AS CONSTITUIÇÕES PORTUGUESAS – DE 1822 AO TEXTO ACTUAL DA CONSTITUIÇÃO Prof. Jorge Miranda Livraria Petrony da Dislivro Editora MANUAL DE CIÊNCIA POLITICA E DIREITO CONSTITUCIONAL Prof. Dr. Marcelo Caetano Almedina Editora ESTUDO SOBRE PODER LEGISLATIVO DAS REGIÕES AUTÓNOMAS Dr. Paulo Pereira Gouveia Almedina Editora (Edição de Junho de 2003) Licenciatura em Direito – ( 1º Ano) Pág. 1 de 84

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Docentes: Pedro Trovão do Rosário Ano Lectivo: 2004/2005

Jorge Bacelar Gouveia Direito Constitucional

ApontamentosDireito Constitucional

Bibliografia: CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

Prof. Jorge MirandaCoimbra Editora

MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

Prof. Dr. Gomes CanotilhoAlmedina Editora

CONSTITUIÇÕES DOS ESTADOS DA UNIÃO EUROPEIA

Prof. Dr. Jorge Bacelar GouveiaVislis Editora

AS CONSTITUIÇÕES PORTUGUESAS – DE 1822 AO TEXTO ACTUAL DA CONSTITUIÇÃO

Prof. Jorge MirandaLivraria Petrony da Dislivro Editora

MANUAL DE CIÊNCIA POLITICA E DIREITO CONSTITUCIONAL

Prof. Dr. Marcelo CaetanoAlmedina Editora

ESTUDO SOBRE PODER LEGISLATIVO DAS REGIÕES AUTÓNOMAS

Dr. Paulo Pereira GouveiaAlmedina Editora (Edição de Junho de 2003)

Licenciatura em Direito – ( 1º Ano) Pág. 1 de 84

Docentes: Pedro Trovão do Rosário Ano Lectivo: 2004/2005

Jorge Bacelar Gouveia Direito Constitucional

I Semestre

O Direito pode assumir dois sentidos, o objectivo e o subjectivo.O Direito Objectivo é um conjunto de normas jurídicas disciplinadoras das relações

sociais.O Direito Subjectivo corresponde à capacidade de atribuir a alguém o exercício de

uma determinada actividade. O Direito pretende, na sua função de disciplina social, realizar determinados valores,

nomeadamente, por um lado realizar a certeza dessa própria disciplina e a segurança da vida dos homens, e, por outro lado realizar a rectidão ou razoabilidade das soluções, abrangendo-se com estes termos a justiça, a utilidade, a oportunidade e a exequibilidade pública.

A norma consiste na regra de conduta obrigatória por imperativo de convivência

social. A Previsão normativa traduz-se na condição de aplicação dos preceitos jurídicos,

podendo seguir uma de três técnicas: 1 - Pode consignar “categorias abstractas”, às quais é possível reconduzir um

número ilimitado de realidades, ou; 2 - Pode descrever “categorias concretas” nos seus contornos essenciais,

susceptíveis de compreender um número finito de eventualidades, ou; 3 - Pode ainda referir os casos concretos.

No primeiro caso, o Direito estatui com recurso a previsões abstractas que, no seu conjunto, esgotam o universo lógico em que se integram.

Nos segundo e terceiro casos, há que atender que os comandos estruturados em “categorias concretas” não constituem normas jurídicas, na medida em que lhes falta o requisito da generalidade.

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Segundo MARCELO CAETANO, o Direito Constitucional ou Politico traduz-se num conjunto de normas jurídicas que regula a estrutura do Estado, designa as funções e define as atribuições e os limites dos supremos órgãos do poder político.

Para o Prof. BATISTA MACHADO, o Direito Constitucional ou Politico é o ramo do

Direito que se ocupa da organização do Estado e das grandes linhas de organização dos entes públicos menores, bem como da organização dos órgãos de soberania e da repartição dos poderes entre eles, e ainda da garantia da esfera de liberdade dos cidadãos (direitos fundamentais), fixando as traves mestras do ordenamento jurídico da comunidade.

O Direito Natural traduz-se na existência de normas de conduta que por serem

inerentes à própria natureza humana, são anteriores e superiores ao próprio Estado (Ex: direito à vida, direito à integridade física).

Os Direitos fundamentais são as posições jurídicas subjectivas das pessoas individual

ou constitucionalmente consideradas, isto é, assentes na Constituição.Tais posições jurídicas podem ter dois sentidos, os formais e o material.O Formal corresponde a toda a posição jurídica subjectiva da pessoa, enquanto

consagrada na lei fundamental (Constituição).O Material corresponde aos direitos declarados, estabelecidos, atribuídos pura e

simplesmente pelo legislador constituinte, de forma a consagrar os direitos resultantes da concepção da constituição dominante da ideia do Direito de sentido jurídico colectivo e ainda de quaisquer outros direitos constantes da lei.

Portugal tem uma Constituição simultaneamente em sentido material e em sentido formal. Em sentido material porque consagra a sua própria existência, consagra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e define as formas de limitação do poder político. Em sentido formal porque não é rígida e, entre outras atribuições, prevê os modos para a sua própria alteração.

Em suma Constituição em sentido material traduz-se na existência, num determinado ordenamento jurídico, de um conjunto de normas que limitam e organizam o poder político, estabelecendo e protegendo os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Constituição em sentido formal traduz-se na existência de um conjunto de normas que visam proteger o texto constitucional, definindo o seu modo de revisão, a relação com os demais actos e protecção em relação a estes.

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O Direito Internacional Público corresponde ao conjunto de normas jurídicas que

disciplinam as relações de carácter público entre as nações, ou seja, estamos perante um conjunto de normas jurídicas que definem a estrutura da comunidade internacional e disciplinam as autoridades públicas nela desenvolvidas.

Entre os conceitos de Direito Constitucional e Direito Internacional Público existe

um denominador comum, que se traduz no facto de ambos incidirem sobre as formas de regular o Estado.

Há 3 acepções de Estado, a Internacional, a Constitucional e a Administrativa. 1. Internacional, onde nos interessa o conceito de Estado soberano, titular de

direitos e obrigações na esfera internacional. 2. Constitucional, onde Estado corresponde a uma comunidade de cidadãos que,

nos termos do poder constituinte que a si próprio se atribui, assume uma determinada politica para prosseguir os seus fins nacionais.

3. Administrativa, onde Estado corresponde a uma pessoa colectiva pública, que no seio duma comunidade nacional e sob a direcção dum governo, desempenha a actividade administrativa.

Portanto quando se fala em Estado, estamo-nos a reportar a uma mesma realidade com abordagens diferentes, precisamente as três supra descritas.

A grande questão de estudo que ainda actualmente se coloca, prende-se com o facto

de determinar até que ponto o Direito Internacional Público se pode sobrepor ao Direito Constitucional e ao Direito interno de cada Estado.

A resposta a esta questão resulta da ordem jurídica de cada Estado e, neste capítulo, deparamo-nos essencialmente com três posições:

• Estados que aceitam liminarmente o Direito Internacional Público e a sobreposição deste ao seu Direito interno.

• Estados que recusam liminarmente essa sobreposição. • Estados com posições intermédias.

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No caso português, a entrada de Portugal na Comunidade Europeia não colidiu com a Constituição da República, já que Portugal conseguiu a hegemonia desta em relação a todos os tratados e convenções europeias, assegurando que a ratificação dos mesmos, mesmo que efectuada nas instâncias comunitárias, não poderia colidir com a Constituição portuguesa.

Segundo KELSEN, cada ordenamento jurídico deve encontrar no topo da sua hierarquia

um conjunto de normas fundamentais, às quais as restantes deverão obediência já que irão detalhar ou pormenorizar os princípios constantes na lei fundamental.

Para melhor explicar a sua “teoria”, KELSEN elaborou uma pirâmide normativa para ser ponderada no ordenamento jurídico de cada Estado, defendendo que no topo da pirâmide deverá residir uma lei fundamental (conjunto de normas fundamentais) e, abaixo desta deverão constar as que lhe devem obediência e detalham e pormenorizam os princípios nela constantes.

Lei Fundamental

Leis

O Direito Constitucional, enquanto conjunto de normas que também limita o poder, na medida em que regula, controla e espartilha a acção do Estado, está no topo da pirâmide.

No caso português, segundo o art. 3º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa,

doravante designada por CRP, o Estado subordina-se à Constituição. Nos termos do art. 112º, nº 1 da CRP existem 3 actos legislativos diferentes:

o As leis, que são actos legislativos aprovados pela Assembleia da República. o Os decretos-leis, que são actos legislativos aprovados pelo governo da

república. o Os decretos legislativos regionais, que são actos legislativos aprovados pelas

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Estes três actos legislativos inserem-se no conceito de lei ordinária ou lei geral da república.

As noções de Lei fundamental (Constituição) e de Lei ordinária (Leis e Decretos-leis) constituem-se, por sua vez, como Fontes de Direito Intencionais, as quais resultam da actividade dos órgãos do poder político.

Segundo MARCELO CAETANO, o Direito constitucional, enquanto primeira fonte de

direito intencional, compreende todas as normas definidas e impostas por via do processo que a Constituição prevê para a sua elaboração e modificação. Porém entende-se que esta definição está incompleta, na medida em que não consagra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nem a delimitação dos poderes do Estado.

As leis ordinárias, designadamente as leis e os decretos-leis, enquanto segundas

fontes de direito intencional, têm, de acordo com o disposto no artº 112º, nº 2 da CRP, o mesmo valor hierárquico, porém há algumas excepções, nomeadamente:

As leis de autorização legislativa, que são hierarquicamente superiores aos actos legislativos que delas resultam, já que é precisamente através delas que o órgão competente para a prática do acto (Assembleia da República) delega ou atribui competência para legislar a um outro órgão (Governo ou Assembleias legislativas das Regiões Autónomas).Com efeito, a exemplo do exposto, a A.R. pode autorizar o Governo da república (artº 165º da CRP) e as Assembleias legislativas das Regiões Autónomas (artº 227, nº 1, als. a) e b)) a legislar sobre matérias da sua competência relativa.

As leis de base, que são hierarquicamente superiores aos decretos-leis de desenvolvimento do governos a elas referentes, na medida em que as leis de base traduzem-se na consagração de princípios essenciais de uma determinada matéria cuja aplicação futura depende da aprovação, pelo órgão executivo, de decretos-lei de desenvolvimento (ex: artº 164º, al. d)

Nos termos do artº 8º da CRP, o Direito internacional público coloca-se hierarquicamente ao nível da lei ordinária, ou seja, subjugado à lei fundamental.

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Lei temporária é aquela que, por imposição dela própria, tem um tempo de aplicação próprio e limitado. A lei temporária é uma lei ordinária.

As resoluções são actos através dos quais os órgãos políticos manifestam a sua intenção ou opinião sobre uma determinada matéria ou assunto. As resoluções não têm eficácia jurídica e, portanto, não constituem actos com força obrigatória geral que vinculem ou obriguem qualquer cidadão.

O Poder regulamentar traduz-se na capacidade atribuída a órgãos políticos ou administrativos de aprovarem normas sujeitas à lei, ou seja, actos que são aprovados em total e necessário respeito pelos actos legislativos pré-existentes. Quer o Governo, enquanto órgão máximo da administração pública, pode aprovar regulamentos, quer os entes públicos menores, como por exemplo as Assembleias Municipais (artº 241º da CRP).

As Portarias são actos regulamentares ministeriais.

Caso português (aplicando a pirâmide de KELSEN)

CRP

Leis Ordinárias• Leis, Decretos-leis e Decretos legislativos regionais

Direito internacional público

Decretos-leis ( artº 165º da CRP ) Decretos legislativos regionais ( artº 227º, nº 1, als. a e b ) Decretos-leis de desenvolvimento (subordinados às leis de base) RegulamentosPortariasPosturasEtc.

Contextualizando ainda sobre o conceito de Estado, há a salientar que Existe uma pluralidade de sociedades, quer sejam primárias, quer sejam secundárias,

nomeadamente, a sociedade de residência, a sociedade religiosa, a sociedade família, a sociedade profissional, a sociedade internacional, etc.

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A sociedade primária possui uma estrutura simples, com um número limitado de membros, que se consubstancia na existência e em torno de um líder (ex: Família).

A sociedade secundária tem uma estrutura complexa, com um número vasto de membros, podendo mesmo integrar várias sociedades primárias (ex: Estado).

Segundo Tonn’es existem duas formas de sociedades, sejam elas primárias ou secundárias, nomeadamente as comunidades e as associações.

As comunidades correspondem a um determinado conjunto de indivíduos que se encontram independentemente da sua vontade, sendo o exemplo mais flagrante a família, em que o mero acto de nascimento contribui para a constituição da mesma.

As associações resultam da vontade dos indivíduos que pretendem uma determinada união e que podem dela sair quando o desejarem (ex: Sociedade comercial, Associação cultural).

Paralelamente à divisão das sociedades, pode-se dividir os grupos sociais em

orgânicos e inorgânicos.Nos grupos sociais orgânicos existe uma autoridade ou alguém que estabelece normas

de conduta que devem ser seguidas por todos os membros (ex: família).Nos inorgânicos não existe muitas vezes essa autoridade atribuída a uma pessoa ou

conjunto de pessoas, regulando-se os seus membros pelo uso ou pelo costume (ex: Aldeia, Bairro).

O uso e o costume são fontes de direito, correspondendo o uso a uma prática reiterada e o costume a uma prática reiterada com convicção geral de obrigatoriedade.

O Estado é hoje a forma de organização das sociedades politicas que fornece o

quadro dentro do qual nascem e funcionam as regras e os fenómenos de cujo o estudo é o objecto do Direito constitucional e das instituições politicas.

Pode-se dizer que o Estado é uma abstracção ou um artifício que serve de suporte ao

Poder, fundando o Poder numa realidade exterior aos próprios governantes. Os 3 elementos constitutivos do Estado são:

1) Poder Politico, que se traduz na capacidade, atribuída ao Estado, de fixar regras de comportamento e de impôr o respeito das mesmas ao membros duma determinada comunidade, visando assim a satisfação dos interesses colectivos

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dessa comunidade ou dos interesses individuais dos membros que a compõem.O Poder é a capacidade de impôr a conduta alheia, podendo esta ser estabelecida através duma forma positiva (fazer, realizar) ou duma forma negativa (não fazer, não realizar). Embora, tal como o Estado, os entes públicos menores e os próprios particulares tenham também a capacidade de estabelecer regras ou normas de conduta, cujo o cumprimento posterior podem exigir, somente o Estado tem a capacidade de impôr, se necessário com recurso à força, o respeito pelas normas por si estabelecidas. Nesta medida, o Estado tem o monopólio da coacção, da força, impondo a sua conduta aos cidadãos.O poder político não se faz sentir só sobre a população natural, mas também sobre os estrangeiros. 2) População, que se traduz na existência de um determinado grupo humano, sobre o qual é exercido o poder político. Esta noção de população distingue-se da noção de nação, dado esta estar mais relacionada com o território. 3) Território, que se traduz num espaço delimitado por fronteira, sobre o qual a população está estabelecida e o Estado exerce a sua competência.

O conceito de Estado soberano é um elemento jurídico essencial do Estado,

resultando da noção de soberania, traduzindo-se esta no poder supremo de império ao Estado, o qual não reconhece qualquer poder aos demais que se encontram abaixo dele.

A soberania pode apresentar dois aspectos: Um aspecto interno de soberania, que tem a ver com o facto de o poder

do Estado não ser subordinado, significando isto que o Estado pode-se organizar como entender, não estando submetido a qualquer poder exterior a si. O poder o Estado é originário e ilimitado, elabora e aprova a sua própria Constituição, as suas leis e os seus regulamentos. Neste sentido a soberania corresponde ao poder de impôr regras.Conforme dizem os autores alemães, o Estado tem a competência das suas competências.

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O Estado tem o poder de coacção e só ele pode utilizar a força pública para assegurar a execução das regras que estabeleceu e das decisões que tomou. Nesta medida, os cidadãos para fazerem respeitar os seus direitos têm de dirigir ao e suscitar a intervenção do Estado.Porém há que ter em atenção que estas características supra referidas do conceito de soberania também vigoravam noutras formas de governo, como o absolutismo, dai que devamos ponderar também a importância de outros conceitos, como os de Direito Natural e de Auto-limitação do Poder.Como já referido anteriormente o Direito natural traduz-se na existência de normas que são inerentes à própria existência humana e por isso são anteriores e superiores à própria soberania do Estado.A auto-limitação do poder traduz-se na criação pelo próprio Estado, no âmbito do seu poder soberano, de um conjunto de normas superiores tendentes a organizar e limitar o poder politico.

Um aspecto exterior de soberania, que tem a ver com a independência do Estado, significando que o Estado é independente e não está submetido ao respeito a outros Estados, nem a qualquer obrigação que não tenha subscrito livremente.O Estado pode, no entanto, limitar-se voluntariamente por tratados bilaterais ou por adesão a convenções internacionais, como por exemplo a ONU ou a CE.Este princípio de soberania externa dos Estados, que aceita que estes celebrem acordos, tratados ou convenções internacionais sem perderem soberania, colide com um outro principio, o principio da PACTA SUN

SERVANDA, o qual defende que todos os acordos devem ser cumpridos.

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Participação politicaO facto de uma pessoa ser cidadão de um Estado não significa que interfira

obrigatoriamente no Poder, desde logo porque há órgãos próprios do Estado, que têm uma existência livre e uma acção própria.

Existem mesmo modelos políticos em que os cidadãos são totalmente afastados da gestão pública, como por exemplo acontecia nas monarquias absolutas e em certas ditaduras contemporâneas. Gradualmente os cidadãos têm passado de súbditos para cidadãos completos, querendo isto dizer que se vem mantendo uma existência e uma relação entre governantes e governados, tendo os primeiros passado a exercer o Poder em nome dos segundos. Neste sentido e mais concretamente no caso português, veja-se o teor dos artºs 108º e 109º da CRP.

A noção de Povo pode assumir uma de três acepções: 1. A primeira corresponde a cada cidadão, sendo este detentor do Direito de

participação, como descrito, por exemplo, no artº 115º da CRP. 2. A segunda corresponde a grupos de cidadãos ou a instituições sociais menores

integradas no Estado, através das quais é exercida a participação politica. Como exemplos temos o caso da participação democrática no ensino descrita no artº 77º da CRP; A participação dos partidos políticos (artº 114º da CRP), ou mesmo a participação das associações sindicais na elaboração da legislação do trabalho (artº 56º, nº 2, al. a da CRP).

3. A terceira corresponde à totalidade dos cidadãos ou das instituições com direito de intervenção na vida pública, como por exemplo descrito no artº 109º da CRP.

Como consequência dessas acepções de Povo, encontramos assim dois modos de exercício da participação politica:

- Por um lado os modos individuais e institucionais, onde se reúnem as duas primeiras acepções de Povo supra descritas, sendo exemplo as liberdades políticas, como a liberdade de expressão, a liberdade de reunião e de associação previstas nos artºs 45º e 46º da CRP, bem como o Direito de acção popular, previsto no artº 52º da CRP.

- Por outro lado os modos globais ou colectivos, onde se enquadra a terceira acepção de Povo supra descrita, sendo exemplo o sufrágio descrito no artº 10º da CRP.

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Em Portugal, quanto à forma, a participação politica dos cidadãos pode ser realizada

essencialmente por uma de duas vias: - Ou por representação politica, como por exemplo o modo como os cidadãos elegem

ou escolhem aqueles que irão exercer, durante um determinado período de tempo, o poder politico em seu nome (artº 10º e 113º da CRP);

- Ou por formas de exercício directo do poder politico, como por exemplo o referendo (artº 115º da CRP) e o plenário de cidadãos eleitores (artº 245º, nº 2 da CRP).

Em qualquer uma destas vias os cidadãos participam sem “intermediários” no fenómeno político, sendo a vontade política resultante da expressão de cada um dos cidadãos.

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Limitação do Poder politicoO poder político traduz-se na capacidade de definição e imposição da conduta alheia,

no âmbito da gestão de uma comunidade onde se integram diversos cidadãos. Interessa pois apreciar a questão dos limites do poder politico e da sua articulação com os direitos dos cidadãos, ponderados que sejam os deveres do próprio Estado.

A questão da limitação do poder político tem sido pensada por diversos autores, sejam estes juristas, polítólogos, filósofos ou outros, sendo desde já necessário relembrar algumas teses negativistas que negam a possibilidade de limitação do poder político.

A primeira tese ou teoria negativista é a da impossibilidade da limitação da soberania, para a qual é impossível a coexistência da ideia de limitação jurídica com a ideia de soberania, pois poder soberano ou poder supremo e independente é aquele que não admite qualquer outro e não aceita ingerência de outra sociedade politica nos seus assuntos. Esta teoria foi utilizada para justificar o poder do monarca absoluto, a quem se atribuía como único limite a sua consciência moral e religiosa, acreditando-se que nestas se integravam toda uma identidade nacional, a qual não poderia ser posta em causa pelo Direito.

A segunda tese ou teoria negativista é a da identidade entre o Direito e o Estado, de acordo com a qual não há diferenciação entre o Direito e o Estado, ou seja, o Estado é um mero conceito correspondente à unidade de um sistema de normas jurídico-positivistas, traduzindo-se assim o Estado numa personalização da ordem jurídica. Invocam também os defensores desta teoria que o fim último do Estado é o mesmo que o do Direito – a prossecução de interesses colectivos.Um dos principais defensores desta teoria foi KELSEN, para quem a ordem jurídica nacional e o Estado só podiam ser limitados pelo Direito internacional público.

A terceira tese ou teoria negativista é a da desnecessidade de limitação jurídica do Estado, para a qual a antinomia entre liberdade e autoridade é falsa e não faz sentido discutir-se a limitação jurídica do poder politico porque o Estado é algo que por si só é superior ou mesmo divino em relação aos cidadãos. Para os defensores desta teoria, dos quais se destaca Hegel influenciado pelo pensamento de Rosseau, o Homem integra-se no Estado através da sua razão, sendo livre e pleno quando a sua conduta se orienta pelas normas estabelecidas pelo Estado.

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Qualquer uma destas três teorias negativistas não conseguiu responder a uma série de questões, tais como:

- Quais as relações entre o Poder politico e o Direito ?- Serão criadores um do outro ?- Haverá uma identidade entre eles, ou teremos de concluir que o Direito existe

independentemente do Poder politico, podendo mesmo ser-lhe anterior ? Em oposição às teses ou teorias negativistas podemos encontrar três outras

correntes ou teorias, as quais pretendem encontrar e impôr limites jurídicos ao poder politico.

A primeira destas correntes ou teorias é a Jusnaturalista, de acordo com a qual em todas as comunidades encontramos normas anteriores e superiores ao Estado, designadas como normas de Direito natural.Dentro desta corrente ou teoria jusnaturalista, podemos encontrar dois grupos distintos:

• O grupo teísta, que defende que o Direito natural tem origem divina. • O grupo racionalista, que defende que o Direito natural surge de um

sentimento inato de justiça, comum a todos os indivíduos e conhecido através da sua razão.

A segunda corrente ou teoria que contraria a negativista é a Teoria Sociológica, de acordo com a qual o Direito é uma criação espontânea da colectividade e, o Poder politico é um instrumento da sua definição e sanção, ou seja, segundo os defensores desta teoria era possível encontrar elementos comuns caracterizadores de cada colectividade, os quais é que demonstravam e definiam as normas de conduta.

A terceira corrente de oposição à negativista é a Teoria da Auto-limitação, defendida por JELLINEK, de acordo com a qual a única forma de limitar o poder politico é através das próprias leis que são da responsabilidade do próprio poder politico, ou seja, é o próprio Estado ou poder politico que aprova as normas que obrigam os cidadãos e o condicionam a ele próprio. Para os defensores desta teoria apenas existe o Direito Positivo, não reconhecendo a existência de normas de direito natural, pois consideram que só é Direito aquele conjunto de normas imposto pelo Poder, cuja aplicação poderá eventualmente necessitar do emprego da coacção. Defendem ainda que a função de jurista é a de um mero intérprete

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dos preceitos legais, integrando-os na ordem jurídica em vigor.Em suma, os defensores desta teoria concluem que se só as próprias leis limitam o poder politico, então este terá necessariamente que se auto-limitar de forma voluntária.

Segundo o prof. MARCELO CAETANO, ao longo da história podem-se encontrar (7) sete

processos de limitar o poder politico, nomeadamente o pacto de sujeição, as constituições rígidas, a declaração de direitos, a separação de poderes, o direito de resistência, o pluralismo corporativo e a democracia.

Pacto de Sujeição O pacto de sujeição corresponde à ideia da existência de um acordo entre

governantes e governados ou à ideia de um contrato social, no âmbito dos quais simultaneamente o cidadão se sujeita ao interesse colectivo e este limita o poder politico. Este conceito surgiu por influência do pensamento de Rosseau.

Constituições RígidasEste processo de limitação do poder politico traduz-se na ideia da rigidez das leis

constitucionais como um modo de garantia da constitucionalidade das leis ordinárias, ou seja, a constituição limita e restringe a sua própria revisão e estabelece mecanismos de defesa em relação aos demais actos legislativos. Associa-se a este processo a consagração de um orgão jurisdicional com competência jurídico-constitucional.

Um dos principais defensores desta solução foi KELSEN, o qual argumentava que uma constituição rígida de conteúdo dificilmente alterável e segura contra outras ameaças constituía um modo mais eficaz de limitar juridicamente o poder politico.

Declaração de DireitosAs declarações de direitos assentam nos direitos individuais naturais, anteriores e

superiores à sociedade politica. É este o caso, por exemplo, da declaração universal dos direitos do homem (artº 16, nº 2 da CRP).

Estes direitos são apenas reconhecidos e não conferidos pelo Estado.

Separação de Poderes

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A separação de poderes constituí uma das formas mais importantes de limitação jurídica do poder político e surge como reacção às monarquias absolutas, onde uma mesma e só pessoa detinha todo o poder.

Com efeito, o monarca absoluto tinha como único limite à sua governação, a sua própria consciência moral e religiosa. Assim, diversos autores, entre eles, JONH LOCKE,

MONTESQUIEU, BENJAMIM CONSTANT e ROSSEAU procuraram definir modelos que permitissem a separação dos poderes políticos.

MONTESQUIEU procurou definir as funções essenciais do Estado, fazendo corresponder a cada uma um orgão diferente. Definiu então três funções do Estado a que fez corresponder três órgãos diferentes e separados entre si, nomeadamente, um legislativo, um executivo e um judicial. Esta separação, que persiste ainda, por exemplo, nos E.U.A., não se verifica de forma tão rígida em Estados constitucionais mais recentes, que se caracterizam por terem não só uma separação de poderes mas também por uma interdependência entre os diversos órgãos (artº 110º e 111º da CRP).

Direito de ResistênciaTraduz-se num modo de defesa em relação aos actos do poder ou aos governantes

quando violam flagrante e irremediavelmente os limites jurídicos da autoridade politica (artº 21º CRP).

Pluralismo corporativoTraduz-se na existência de representação das sociedades primárias na sociedade

politica, ou seja, a limitação do poder político para além da separação dos órgãos é possível também através da concessão de poder às sociedades primárias ou corporações. Como exemplos temos a situação, por exemplo, das ordens profissionais que têm o poder, atribuído pelo Estado, de aplicarem sanções aos seus membros, ou a situação descrita no artº 56º, nº 2, al. a) da CRP, que estabelece que as associações sindicais devem participar no processo legislativo laboral, condicionando-se assim a actividade legislativa à intervenção de uma sociedade primária.

Democracia

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Traduz-se no reconhecimento do povo enquanto verdadeiro detentor do poder político, o qual o exerce de forma directa ou indirecta. Assim atribui-se aos representantes dos cidadãos eleitos por sufrágio ou directamente aos cidadãos através do referendo ou de outras formas de exercício directo do poder, a capacidade de elaborar e aprovar actos legislativos, cuja aplicação se realiza sobre toda uma comunidade.

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Tipos históricos de Estado

1.Estado OrientalAssim designado pelo facto de ter tido expressão no Médio Oriente,

sendo caracterizado pela teocracia, na qual o poder é exercido em nome

de uma Religião ou de um Deus, havendo uma coincidência entre o poder politico e o poder religioso.O Estado Oriental assenta na forma monárquica de governo, em que a origem do poder do monarca é considerada divina.Os indivíduos estão integrados numa sociedade hierarquizada, a qual tende a uma expansão territorial imposta e necessária ao monarca.

2.Estado GregoCaracteriza-se por haver uma relação directa entre a cidade, enquanto área geográfica, e o próprio Estado, reconhecendo-se que o Estado é uma comunidade de cidadãos que constituem o núcleo essencial do poder politico.Foi neste Estado que se criou o conceito de cidadania, tendo passado a valorizar-se a relação entre os cidadãos e a Cidade Estado onde os mesmos se integram.Porém este conceito de cidadania caracteriza-se também pela atribuição de menores garantias aos cidadãos de fora da cidade ou polis e pela concessão direitos apenas aos cidadãos, excluindo os metecos e os escravos.

3.Estado RomanoCaracteriza-se por corresponder a uma evolução do Estado Grego, assente numa organização mais complexa, já que não se limita à cidade e tende, tal como o Estado Oriental, para uma expansão do território.No Estado Romano surge um poder soberano e uno, assente nas noções de imperium, potestas e majestas. Pelo imperium havia a faculdade de corresponder o poder politico à capacidade soberana de impôr a conduta dos membros da comunidade. A potestas traduzia-se na faculdade de

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realizar e organizar, enquanto que a majestas se traduzia no carácter superior e digno de como deveria ser exercido e respeitado o poder politico.Com o Estado Romano desenvolveu-se a noção de Direito Privado, tendo-se estabelecido a distinção entre este e o Direito Público. Tal resultou do reconhecimento de duas áreas distintas do poder, uma do Estado (poder público) e outra da família (poder privado).O primeiro jurisconsultor a estabelecer a diferença entre o Direito Público e o Direito Privado foi Ulpiano. Surge assim a consagração de um novo conjunto de Direitos que se perpetuam até aos nossos dias, como o Direito à prática de actos jurídicos ou o Direito ao casamento.Foi com a expansão do Estado Romano que se reconheceram gradual e progressivamente os Direitos de cidadania aos cidadãos estrangeiros.

4. Estado MedievalAo referirmo-nos a este tipo histórico de Estado devemos, desde logo, ter presente que o mesmo coloca em causa princípios comuns a todos os outros tipos históricos de Estado, pois a noção de poder uno e soberano é incompatível com a atribuição aos senhores feudais de poderes legislativos, executivos e feudais. Entre estes destacaríamos, no âmbito do poder executivo, o poder tributário, ou seja, a possibilidade de cobrar impostos na área do feudo. Ora, sendo esta a principal fonte de receitas do Estado, a sua dispersão pelos senhores feudais, como consequência de serem os proprietários da Terra, coloca em causa a unidade em torno da coroa e dessa forma a própria subsistência do Estado. Com o desenvolvimento das relações comerciais, a importância na detenção das Terras começa a diminuir, o que justifica o aparecimento do Estado estamental.O Estado estamental corresponde a uma transição do Estado feudal para o Estado moderno. O Estado estamental permite ao monarca recuperar e concentrar em torno de si o poder politico. Os estamentos constituem ordens ou de alguma forma acordos entre o monarca e corpos organizados vindos da idade média, nos quais assume preponderância a burguesia, ou

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seja, o poder resultante da prática do comércio.

5.Monarquia AbsolutaCaracteriza-se pela concentração do poder político no monarca, detendo este simultaneamente o poder legislativo, o executivo e o judicial. As monarquias absolutas, tal como os outros tipos históricos de Estado, não se verificaram simultaneamente em todos os Estados europeus.Em França, a monarquia absoluta terminou em 1789 com a revolução, após a qual surgiu a Constituição da República Francesa, modelo para diversos outros Estados europeus.

6.Estado ConstitucionalAssenta na existência de uma lei fundamental que constitui um limite ao poder político com o elenco dos Direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, bem como os modos de defesa dos mesmos. O Estado constitucional, também designado como Estado de Direito democrático, traduz-se na consagração do cidadão enquanto elemento essencial do poder político, não se devendo confundir o Estado constitucional com sistemas políticos que, embora contendo uma Constituição, não respeitam os Direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

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Formas de EstadoInteressam-nos fundamentalmente o Estado composto e o Estado unitário.

Estado CompostoNesta forma de Estado verifica-se a existência de um poder politico complexo, em que concorrem, num mesmo território, mais do que uma forma de poder político.Iremos estudar como exemplo de Estado composto o Estado Federal e a Confederação, todavia, devemos ter em conta que para além destas duas formas de Estado composto, outras existem, como a União Real, que se traduz na existência de dois Estados com ordens jurídicas distintas e órgãos próprios de governo, mas unidos por uma mesma coroa que os representa nas relações externas. Foi o caso da Constituição portuguesa de 1822, em que Portugal e Brasil, dois Estados distintos, estavam reunidos sob a mesma coroa.Actualmente interessam-nos essencialmente o Estado Federal e a Confederação, nos quais existe uma relação complexa de poder, com órgãos próprios dos Estados e órgãos próprios das entidades “superiores”.

•Estado Federal é aquele que se divide em províncias ou regiões

politicamente autónomas, as quais possuem duas fontes paralelas de Direito Público, uma nacional e outra regional ou provincial. Tal é o que sucede nos Estados Unidos da América, Brasil, Alemanha, México, Argentina, Venezuela, etc, onde, a par de uma Constituição federal, poderemos encontrar Constituições federadas, ou seja, encontramos duas ordens jurídicas, uma no Estado federal e outra no Estado federado, devendo, no entanto, a última obediência à primeira, mantendo-se assim a estrutura hierárquica de normas preconizada por Kelsen. No Estado federal os órgãos de poder exercem todos os poderes que expressamente lhe são atribuídos na Constituição Federal. Nestes destacam-se os poderes respeitantes às relações internacionais, à harmonização da conduta dos Estados federados e à protecção dos interesses comuns. Assim, aos Estados federados ficarão atribuídos os demais poderes que não estejam expressamente confiados ao Estado federal Uma outra característica do Estado Federal é a relevância concedida ao poder judicial, que é claramente independente do poder politico. O Supremo

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Tribunal Federal assume um papel de destaque, na medida em que se constitui e consagra como um órgão judicial independente com poder sobre os diversos Estados federados. O Estado federal caracteriza-se também pela existência de assembleias bicamerais, nas quais ora se representa o poder politico dos Estados federados, ora os cidadãos que os compõem. Tal é o que sucede nos Estados Unidos da América, em que o Congresso é composto pelo Senado e pela Câmara dos representantes; No Brasil, com a existência do Senado e da Câmara dos deputados e na Alemanha, com a existência do bündestag e do bündesrat.

•Confederação é, segundo ensina a história, uma forma instável de

organização dos Estados. Podemos encontrar confederações na Grécia antiga, onde as Cidades Estado celebravam acordos entre si, tendentes ao desenvolvimento de actividades comuns. Nas confederações os Estados acordam a concessão de alguns dos seus poderes soberanos à Confederação, o que constitui um modo de partilha instável do poder. De facto, enquanto a Confederação vai reclamando para si mais poderes, os Estados soberanos, embora confederados, pretendem manter o seu poder e, naturalmente, os meios necessários, nomeadamente os meios materiais. A Confederação helvética constitui um exemplo histórico de transição para o federalismo. Do mesmo modo, a situação da comunidade europeia, com a pretensão de fazer aprovar uma Constituição europeia, tende a transformar-se da confederação actual para um Estado federal, na medida em que enquanto que no Estado federal há uma Constituição superior que obriga todos os Estados federados, na Confederação existe apenas um tratado ou acordo internacional entre os diversos Estados que a compõem.A Confederação possui personalidade jurídica internacional, mas os Estados confederados não perdem o seu poder soberano interno e externo nas matérias alheias à confederação.

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Estado UnitárioÉ aquele que apresenta uma organização política singular com um governo único de

plena justificação nacional.O Estado unitário poderá ser centralizado ou descentralizado, o primeiro tem uma

única ordem jurídica, política e administrativa, ao contrário do segundo, caracterizado pela atribuição de poderes legislativos e ou administrativos às regiões que o compõem, como é, por exemplo, o caso de Portugal, de acordo com o artº 6º da CRP.

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Sistemas de GovernoTraduzem-se na existência de meios de relacionamento dos órgãos de função

política, ou seja, através do sistema de governo, poderemos compreender e encontrar num determinado ordenamento jurídico-constitucional, o modo como os órgãos do Poder politico se relacionam, nomeadamente no que diz respeito à interdependência ou responsabilidade de uns para com os outros.

O sistema de governo é definido, desde logo, pelas normas constitucionais, as quais estabelecem o estatuto dos órgãos de soberania. Neste estatuto, integram-se as atribuições e competências de cada órgão, bem como aquele ou aqueles junto de quem é responsável.

Os sistemas de governo pressupõem o respeito por três grandes princípios jurídicos: 1. A separação de poderes na acepção de pluralidade 2. Dependência, independência ou interdependência dos órgãos, desde logo quanto à

subsistência dos seus titulares e nomeação ou eleição. 3. Responsabilidade politica dum órgão ou dos seus titulares.

A classificação dos sistemas de governo baseia-se na concretização ou não destes princípios.

Vamos estudar alguns sistemas de governo com desconcentração de poderes,

nomeadamente os sistemas de governo Dualista ou Monárquico Representativo, o Directorial, o Parlamentar, o Presidencialista e o Semi-presidencialista, ou seja, iremos analisar as experiências jurídico-constitucionais, no âmbito das quais a separação do poder político foi assegurado pela criação de diversos órgãos separados entre sí, nos quais deveremos encontrar como elemento essencial a responsabilidade do executivo.

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Sistema de governo DUALISTA OU MONÁRQUICO REPRESENTATIVOO primeiro sistema de governo a estudar é o Dualista ou Monárquico Representativo,

que se caracteriza pela responsabilidade do executivo para com o monarca, ou seja, a única pessoa ou órgão com capacidade para demitir o executivo é o monarca.

Este sistema de governo foi utilizado nalguns Estados europeus, na sua primeira fase constitucional, em que a lei fundamental estabelecia a existência de quatro órgãos, nomeadamente o Rei, a Câmara alta ou dos pares, a Câmara baixa e o executivo.

No sistema de governo dualista o monarca podia demitir o executivo, sendo que a câmara alta ou dos pares era composta por membros (em regra aristocratas) designados pelo Rei. A câmara baixa ou dos comuns era composta por cidadãos eleitos pelo povo, os quais detinham um poder diminuto na esfera da competência legislativa, competência essa partilhada com câmara alta. O executivo nunca respondia perante a câmara baixa.

Câmara Baixa Câmara Alta Executivo

Monarca

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Eleitorado

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Sistema de governo DIRECTORIALO segundo sistema de desconcentração de poderes que vamos estudar é o Directorial,

o qual assenta na existência de 3 orgãos políticos, nomeadamente o Directório, o Parlamento e o Eleitorado, não havendo responsabilidade política do executivo (Directório) para com os outros órgãos.

Com efeito, o sistema de governo directorial é o único caso em que um sistema de governo com desconcentração de poderes não prevê a demissão do executivo por outro órgão. São os cidadãos que elegem o parlamento e este que, por sua vez, elege o executivo ou directório, cumprindo este o seu mandato por um período temporal previamente determinado, durante o qual nem o parlamento, nem qualquer outro órgão o podem demitir.

São exemplos deste sistema de governo o caso da Suiça, em que o Directório é nomeado por um período de 4 anos.

DIRECTÓRIO

PARLAMENTO

Eleitorado

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Sistema de governo PARLAMENTAREste sistema de governo caracteriza-se pela dependência do executivo face à

assembleia ou parlamento. O parlamento, que em regra detém o poder legislativo, assume uma competência que deriva do pensamento de Rosseau, de acordo com o qual o executivo seria um órgão essencialmente administrativo, constituindo o parlamento o verdadeiro representante dos cidadãos. Nesta óptica o parlamento deverá possuir um vasto número de elementos, aproximando-o dos cidadãos.

O sistema de governo parlamentar ou parlamentarista poderá assumir uma de várias formas, nomeadamente o sistema de governo parlamentar de gabinete, o sistema de governo parlamentar de assembleia e o sistema de governo parlamentar de chanceler.

O sistema de governo parlamentar de gabinete, também designado de

matriz britânica traduz-se na existência de um governo de legislatura, em resultado do sistema partidário que lhe está associado (bipartidarismo), promovendo-se maiorias estáveis no parlamento.O sistema eleitoral utilizado é o maioritário, o qual potencia o bipartidarismo através do fenómeno do voto útil. Assim, o órgão legislativo é composto essencialmente por dois partidos políticos, um dos quais maioritário e que formará governo. Com esta maioria, a actuação política assume maior estabilidade permitindo uma relação fácil entre o parlamento e o órgão executivo, o qual funciona como sendo um “gabinete” do parlamento, embora autonomamente e presidido por um primeiro-ministro. Desta forma o executivo ou gabinete possui, entre outras competências, a iniciativa legislativa e a possibilidade de definição da ordem de trabalhos do parlamento, o qual, por sua vez, pode demitir o executivo por uma de três formas:

Aprovação de uma moção de censura;Rejeição de uma moção de confiança;Rejeição do programa do governo/gabinete.

Verifica-se pois, a par da autonomia funcional de cada órgão, uma interdependência entre os dois órgãos no que tange ao exercício dos respectivos poderes.Em regra, a demissão do Executivo ou Gabinete dá lugar à marcação de novas eleições legislativas.

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O sistema de governo parlamentar de assembleia, também designado

como de matriz francesa caracteriza-se por uma maior dependência do executivo perante o orgão legislativo., pois, a demissão do executivo não implica a necessariamente a dissolução da assembleia, podendo mesmo, numa só legislatura, sucederem-se diversos executivos.Este sistema está associado ao multipartidarismo e à necessidade de estabelecimento de compromissos entre os diversos partidos, com assento na assembleia, para a formação e manutenção de um executivo.A Constituição da República Portuguesa de 1911 previa este tipo de sistema de governo.

O sistema de governo parlamentar de chanceler, caracteriza-se também pelo facto do executivo ser responsável para com e responder perante o parlamento, sendo que, no entanto, a responsabilidade é assumida exclusivamente pelo chanceler.Neste sistema de governo, o chanceler, como chefe do executivo, é eleito pelo parlamento, cabendo-lhe a ele a indicação dos restantes membros que irão constituir o seu executivo.Este sistema é o utilizado no Estado Federal Alemão.

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Sistema de governo PRESIDENCIALSTA OU PRESDENCIALEste sistema de governo atribui a dependência ou responsabilidade do executivo ao

Presidente, o qual acumula essas funções com as de Chefe de Estado.Este sistema de governo pressupõe a existência exclusiva de (3) três órgãos, o

Presidente, o Parlamento e os Tribunais, o que resulta da aplicação do pensamento de

Montesquieu e de Jonh Locke, os quais defenderam que o único modo de limitação do poder politico era a separação dos seus órgãos, fazendo corresponder a cada órgão, cada uma das três funções do Estado, nomeadamente a legislativa, a executiva e a judicial. Ao primeiro órgão, como detentor da função legislativa, cabia a tarefa de elaborar e aprovar os actos legislativos, normas gerais e abstractas que vinculavam toda a comunidade, incluindo o próprio poder politico. O segundo órgão, como detentor do poder executivo, tinha por missão executar as normas, ou seja, colocá-las em prática, para o que teria, além da função administrativa, a competência regulamentar. Por fim, ao terceiro órgão cabia interpretar as normas e dirimir os conflitos.

Defenderam também aqueles autores que cada órgão teria de ter legitimidade democrática própria, e que os membros de cada um desses órgãos teriam de ser escolhidos pelos cidadãos em sufrágio especifico, garantindo-se assim o afastamento entre os órgãos e a legitimidade própria de cada um deles.

Esta separação rígida dos poderes políticos implicou um funcionamento pouco articulado entre os dois órgãos políticos (legislativo e executivo), o que foi

particularmente criticado quer pelos detractores de Montesquieu (dos quais se destaca Rosseau), quer pelos seguidores do mesmo (dos quais se destaca Benjamim Constant).

A separação de poderes defendida por Montesquieu foi consagrada, entre outras, nas Constituições norte americana e Brasileira.

Com efeito, a Constituição dos Estados Unidos da América consagra a existência de (3) três órgãos de poder politico, nomeadamente:

O Presidente, que preside a um executivo composto pelos Secretários de Estado;

O Congresso, que é o órgão legislativo, com constituição bicameral, sendo composto pelo Senado e pela Câmara dos Representantes;

Os Tribunais, detentores do poder judicial Embora o sistema dos Estados Unidos sejam o melhor exemplo de um sistema de

governo presidencialista, temos que ter em atenção o facto de coexistir com a forma de Estado Federal, em que os poderes federais incluídos na Constituição são, por exemplo,

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Jorge Bacelar Gouveia Direito Constitucional o direito de definir e cobrar impostos, declarar guerra e regular comércio, podendo também, a par destes poderes expressos na Constituição, possuir também “poderes implícitos” sugeridos na Constituição, como por exemplo o poder de imprimir papel moeda, que advém do facto dos órgãos federais já possuírem, expresso na lei fundamental, o poder de cunhar a moeda. Esta teoria dos “poderes implícitos” resultou duma necessidade federal, pois um dos princípios fundamentais do federalismo é aquele que define que os órgãos federais só podem realizar os actos que lhes estão atribuídos pela Constituição federal.

Em consequência da consagração da separação rígida dos poderes políticos, estabelecida na Constituição dos E.U.A., o Presidente, embora sujeito à vigilância do Congresso, só pode ser demitido por este quando tenha praticado crime grave no âmbito das suas funções, designando-se esta demissão por iepeachement.

O Presidente da União detem, no âmbito do poder executivo, capacidade regulamentar, através da qual adaptará aos actos legislativos do Congresso (artº 2º, Secção I da Constituição dos E.U.A.).

Todo o poder legislativo se encontra atribuído ao Congresso, sendo este composto pelo Senado e pela Câmara dos Representantes.

O Senado inclui 2 senadores de cada Estado federado, eleitos por mandatos de 6 anos, sendo, no entanto, um terço da composição do Senado renovado de 2 em 2 anos (artº 1º, Secção III da Constituição dos E.U.A.).

A Câmara dos Representantes é composta por membros eleitos em função da representatividade de cada Estado, ou seja, a representação neste orgão é proporcional enquanto que no Senado é igualitária (artº 1º, Secção II da Constituição dos E.U.A.).

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Sistema de governo SEMI PRESIDENCIALSTAA Constituição da República Portuguesa de 1976 resultou de um compromisso entre

o Movimento das Forças Armadas e os partidos políticos. No âmbito destes acordos de “plataformas constitucionais” procedeu-se a uma divisão dos poderes políticos clássicos e consagrou-se um quarto poder, aplicando-se o conceito de Bejamim Constant.

Assim, a CRP de 1976 definiu 5 orgãos de soberania, nomeadamente a Presidência da República, o Conselho da Revolução, a Assembleia da República, o Governo da República e os Tribunais.

O poder legislativo foi atribuído à Assembleia da República (excepto em matéria militar), o poder executivo foi atribuído ao Governo da República (excepto em matéria militar), o poder judicial foi atribuído aos Tribunais, e, os poderes legislativo e executivo em matéria militar foram atribuídos ao Conselho da Revolução, bem como a matéria de apreciação jurídico-constitucional e o poder de aconselhamento e acompanhamento do Presidente da República.

Desta forma, poderemos concluir que a plataforma constitucional atribuía um órgão de soberania aos partidos políticos (Assembleia da República) e um outro aos militares (Conselho da Revolução).

Seguindo o pensamento de Benjamim Constant, a Constituição consagrou a existência de um quarto poder ou poder moderador, ao qual caberia resolver eventuais conflitos entre os órgãos, assegurar o funcionamento das instituições democráticas e garantir o cumprimento da Constituição.

O Presidente da República era eleito directamente pelos cidadãos em consequência de uma candidatura apresentada também por cidadãos, ou seja, este órgão com o poder moderador não seria composto por alguém necessariamente indicado pelos partidos políticos.

O sistema de governo português sofreu uma assinalável evolução em 1982, com a primeira revisão constitucional, na qual se extinguiu o Conselho da Revolução. Este órgão era presidido pelo Presidente da República e acumulava as funções legislativa e executiva em matéria militar, a par da fiscalização da constitucionalidade das normas, coadjuvado por uma comissão constitucional.

O sistema de governo semi-presidencialista português vigente assenta numa dupla

responsabilidade do Executivo para com o Presidente da República e a Assembleia da República, tal como definido no artº 190º da CRP.

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O artº 110º da CRP define quais são os 4 órgãos de soberania portugueses.À Presidência da República cabe representar a República, garantir a independência

nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas, sendo o Presidente da República, por inerência, o Comandante Supremo das Forças Armadas (artº 120º da CRP).

A Assembleia da República é definida como a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses, ou seja, a A.R. assume, por esta via, a imagem do pensamento de

Rosseau (artº 147º CRP). O Governo da República define-se como o órgão de condução da política geral do País

e o órgão superior da administração pública (artº 182º da CRP).O executivo é responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da

República, o que significa que lhes deve prestar contas da sua actuação, detendo aqueles órgãos de soberania a capacidade de o demitir (artº 195º, 133º/g e 163º/d/e da CRP).

De salientar que o disposto no artº 133º, al. e) afasta-nos do sistema de governo parlamentarista.

O Presidente da República tem competência para não só pôr em causa a composição dos outros órgãos de soberania, como também para pôr em causa os actos dos outros órgãos de soberania, podendo igualmente sancionar os actos legislativos da Assembleia da República e do Governo, sendo a promulgação desses actos condição essencial para a sua existência (artº 137º da CRP).

O Presidente da República pode pôr em causa os actos dos Tribunais pela faculdade que tem de conceder indultos (artº 134º/f da CRP).

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Modos de Participação e Representação PoliticaA democracia pressupõe que o poder político é dos cidadãos, podendo o seu exercício

ser realizado de modo directo (através dos referendos, plebiscitos ou mesmo plenários de cidadãos

eleitores) ou de modo indirecto (através de representantes escolhidos pelos cidadãos). Antes de mais, devemos distinguir referendo de plebiscito, salientando-se que

enquanto o primeiro se traduz numa consulta a cidadãos informados, tendentes a colaborar num processo legislativo (artº 115º da CRP), o segundo não é sequer considerado democrático, porque se traduz na colocação de uma questão aos cidadãos, sem prévio e cabal esclarecimento da mesma, correspondendo a expressão popular à aprovação do acto legislativo (por exemplo o plebiscito constitucional português de 1933).

Outra forma de democracia directa é o plenário dos cidadãos eleitores, consignado no

artº 245º da CRP e artº 21º da Lei 169/99.O plenário de cidadãos eleitores surge nas freguesias de população diminuta, tendo

a Lei 169/99, no seu artº 21º, definido como tal as freguesias que tenham 150 ou menos eleitores.

As competências atribuídas pela Constituição e pela Lei à Assembleia de Freguesia, só produzem efeitos se as Assembleias de Freguesia se reunirem com um quórum mínimo representativo de 10% dos cidadãos eleitores.

Esta forma de democracia directa encontra-se difundida em diversos cantões suíços,

onde o poder politico é exercido directamente pelos cidadãos, não elegendo assim qualquer representante político.

No referendo, os cidadãos são chamados pelos detentores do poder politico para se

pronunciarem sobre determinada matéria, em regra relevante, sendo o resultado dessa consulta popular na maioria dos casos vinculativo.

Para além do carácter vinculativo, o referendo também pode ter carácter obrigatório, ou seja, ao resultado do referendo a CRP e a Lei podem atribuir efeitos quanto ao acto a aprovar pelo órgão legislativo, ou obrigar à consulta popular sempre que um órgão pretenda aprovar um acto sobre determinada matéria.

Em França, de acordo com o artº 89º da Constituição, a revisão constitucional é

sujeita a referendo, o qual é obrigatório e vinculativo.

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Em Espanha, de acordo com o artº 92º e 168º da Constituição, será realizado referendo quando esteja em causa uma revisão total da Constituição, ou uma revisão parcial que afecte os princípios fundamentais.

No mesmo sentido, artº 18º da Constituição Federal Brasileira de 1988, artsº 46º, 47º e 27º da Constituição Irlandesa, artºs 20º, 29º, 42º e 88º da Constituição Dinamarquesa, artºs 138º, 139º e 75º da Constituição Italiana, e artºs 89º, 89-A e 20º da Constituição Suiça, entre outras.

Desta forma, verificamos que o referendo constitucional sobre matéria jurídico-constitucional, para além de possível, é obrigatório em diversos Estados europeus.

Em Portugal, desde 1976, tal é proibido, embora a revisão constitucional de 1997 tenha alargado e potenciado a realização de referendos, através da aprovação do artº 115º da CRP.

Com efeito, em Portugal, o referendo limita-se às matérias não excluídas do nº 4 do artº 115º do CRP.

Como já referido anteriormente, o poder político pode também ser exercido pelos

cidadãos de modo indirecto, designadamente através de formas de representação política, no âmbito das quais os cidadãos escolhem, através de sufrágio, aqueles que irão exercer o poder político em seu nome.

Devemos distinguir eleição de sistema eleitoral. A primeira traduz-se num acto único de escolha e o segundo corresponde a todas as relações complexas de actos, tendentes a transformar a vontade popular em mandatos, tais como o modo de designação do dia para a eleição, a dimensão dos círculos eleitorais, as características dos boletins de voto, o modo de funcionamento das secções eleitorais, etc.

Todavia, futuramente, quando nos formos referir a sistema eleitoral, estaremos apenas a incidir sobre o modo de transformação dos votos em mandatos e, neste contexto, falaremos no sistema eleitoral maioritário e no sistema eleitoral proporcional.

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Sistema Eleitoral MaioritárioO sistema eleitoral maioritário consiste na atribuição do mandato àquela força

politica, lista ou candidato que obtenha um maior número de votos, ou seja, àquele que obtiver uma pluralidade de votos.

Este sistema utiliza, em regra, listas uninominais, ou seja, aquelas que são compostas por um único candidato.

O sistema eleitoral maioritário permite uma maior estabilidade política, desde logo porque lhe está associado um fenómeno a que designamos por “voto útil”.

O facto de ser eleito, em determinado circulo eleitoral, apenas um dos candidatos, precisamente aquele que obtiver a pluralidade dos votos, faz com que os eleitores dos partidos ou listas de menor expressão, tendam a transferir o seu voto para aquela lista ou candidato que estejam mais próximos da sua área política e com mais possibilidades de obter o mandato.

No sistema eleitoral maioritário a fórmula de converter votos em mandatos baseia-se na obtenção, por parte dos candidatos ou listas, de maiorias simples ou absolutas, num só escrutínio ou num escrutínio a dois tempos, isto é, com uma primeira e uma segunda volta.

A maioria simples ou relativa significa que será eleito aquele candidato que obtiver uma pluralidade de votos, ou seja, para ser eleito é-lhe suficiente obter mais votos dos que os restantes candidatos.

A maioria absoluta implica que o candidato, para ser eleito, obtenha mais de metade dos votos validamente expressos, isto é, sem contar com os votos brancos e nulos. Neste caso, se no primeiro escrutínio nenhum dos candidatos obtiver mais de metade dos votos validamente expressos, será realizado um segundo escrutínio (“segunda volta”), ao qual concorrerão os dois candidatos mais votados no primeiro escrutínio.

Este sistema eleitoral maioritário, de fórmula da maioria absoluta, é o utilizado em Portugal, para a eleição do Presidente da República (artº 126º da CRP).

Relativamente ao sistema eleitoral proporcional, o sistema eleitoral maioritário

apresenta duas vantagens e uma desvantagem, a saber:

VantagensMaior proximidade entre eleito e eleitorPermite estabilidade política

DesvantagensDiminuição da representação politica dos partidos com menor expressão, o que diminui o grau de representatividade dos órgãos e o número de possibilidades para a alternância politica.

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Sistema Eleitoral ProporcionalO sistema eleitoral proporcional surgiu na segunda metade do sec. XIX, sendo

o filosofo inglês John Stuart Mill considerado o mais brilhante dos defensores da proporcionalidade, para quem o principio principal da democracia era o da representação na proporção dos números.

O primeiro país a adoptar este sistema eleitoral foi a Bélgica. O sistema eleitoral proporcional é considerado o mais democrático, na medida em que

permite que a decisão duma determinada eleição leve em conta as proporções dos votos conquistados pelos vários competidores, isto é, a proporcionalidade da decisão resulta da aplicação de fórmulas aritméticas eleitorais, mediante as quais os vários competidores, sejam eles individuais (candidatos) ou colectivos (partidos ou listas), conquistam um lugar no parlamento ou câmara por cada vez que atingem um certo montante de votos.

O sistema eleitoral proporcional, também designado por sistema de representação

proporcional, tem por objectivo garantir às diversas opiniões dos eleitores, um número de lugares proporcional às forças representativas das mesmas, podendo a conversão dos votos em mandatos obedecer a várias técnicas de divisão dos votos e basear-se em vários critérios ou quocientes de multiplicação, designadamente

Quociente Puro Circunscrição única em que o quociente eleitoral é obtido pela divisão do número de votos válidos pelo número de mandatos a preencher.

Quociente eleitoral Obtido pela divisão do número total de votos válidos em cada circunscrição pelo número de representantes a eleger.

Quociente nacional Obtido pela divisão do número total de votos válidos em todas as circunscrições do Estado pelo número total de representantes a eleger.

Quociente fixo A lei fixa antecipadamente para todo o território o número e votos necessários para que uma lista possa eleger um representante, sendo que cada lista obtém tantos representantes quantas vezes o número de votos por ela conseguir atingir esse número de votos necessários.

Personalizado Sistema em que cada eleitor tem dois votos, um voto no circulo uninominal e o segundo no circulo plurinominal. Este sistema misto é utilizado na Alemanha.

Porém, na aplicação destes quocientes nas fórmulas de conversão de votos em mandatos, o sistema proporcional ocasiona um entrave de difícil solução, o qual tem a ver com as denominadas sobras eleitorais, isto é, os votos que não conseguem atingir o quociente previsto para a eleição de um representante.

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Para repartir as sobras e convertê-las em mandatos, poderão ser igualmente utilizadas várias fórmulas de divisão dos votos, designadamente:

Média mais alta Consiste em atribuir fictícia e sucessivamente cada lugar não preenchido a cada lista e, no final deste processo de distribuição fictícia, fazer então a média dos votos obtidos pelos representantes de cada lista.

Método de Hondt Consiste em encontrar através de uma única operação aritmética o número total de lugares correspondentes a cada lista, dividindo-se o número total de votos expressos em cada lista sucessivamente por 1, 2, 3, 4, 5 ….. até ao número de mandatos a atribuir.

Maiores sobras Consiste em atribuir cada lugar não preenchido às listas com maiores sobras, isto é, com maior resto de votos expressos.

Menores sobras Consiste em atribuir cada lugar não preenchido às listas com menores sobras, isto é, com menor resto de votos expressos.

Como já se viu, o princípio proporcional considera que as eleições têm, como função principal, a de representar no parlamento, na medida do possível, todas as forças sociais e grupos políticos existentes numa sociedade, na mesma proporção à do seu apoio eleitoral.

Ao analisarmos as experiências dos vários países onde “vigora” o sistema eleitoral

proporcional, apercebemo-nos que existem vários modelos deste sistema eleitoral. 1) Uma primeira variação que existe nos países que utilizam este sistema é a

forma de apresentar as candidaturas. O mais comum são as listas partidárias, porém alguns países, como Israel e Portugal, adoptam listas fechadas e pré-ordenadas, enquanto outros, como a Suiça, permitem que os eleitores retirem ou acrescentem nomes nas listas, ou ainda que modifiquem a ordem de precedência e apresentação dos nomes préviamente propostas pelo partido.

2) Uma segunda variação tem a ver com a fórmula ou método eleitoral aplicado para saber quantos lugares no parlamento ou câmara cabem a cada partido ou lista, havendo várias fórmulas ou métodos aritméticos de converter os votos em mandatos proporcionais aos mesmos, nomeadamente, entre outros, os métodos de Sainte-Lague, de Hare, de Sainte-Lague modificado, Hagenbach-Bishoff e D´Hondt. Algumas destas fórmulas ou métodos dividem sucessivamente os votos válidos de cada partido ou candidato e atribuem os mandatos aos partidos ou candidatos que obtenham o maior quociente em cada uma dessas divisões até estarem todos os mandatos distribuídos. Outras fórmulas ou métodos, como o de Hare, preferem os quocientes eleitorais. A generalidade dos países adoptam

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um só método, sendo o método d´Hondt (método das médias mais altas) o mais utilizado, todavia, outros países, como o Brasil, combinam dois métodos, estabelecendo o quociente eleitoral pelo método Hare, distribuindo depois as sobras pelos divisores d´Hondt.

3) Outra variação tem a ver com o grau de proporcionalidade do sistema eleitoral, o que está directamente relacionado com a forma como está dividido o território em circunscrições eleitorais, isto é, as fórmulas eleitorais têm uma considerável importância no sistema eleitoral proporcional porque ora podem favorecer os partidos maiores, ora podem favorecer os partidos menores na distribuição dos mandatos. O que varia de uma situação para outra pode ser a distribuição do território em circunscrições, que são unidades territoriais que podem ser constituídas pelo país, pelos distritos, províncias, regiões administrativas, concelhos, etc., importando também o número de eleitores que cada circunscrição possui. Regra geral é a partir de cinco representantes eleitos numa circunscrição que se pode obter resultados proporcionais, todavia, muitos países que adoptaram este sistema eleitoral têm circunscrições com representação abaixo desse número, o que torna o sistema desproporcional. Assim sendo, o grau de proporcionalidade dum Estado depende do número de representantes que, em média, consiga eleger em cada uma das circunscrições eleitorais em que se encontre dividido. Por exemplo, a Espanha tem um sistema proporcional, porém, o seu grau de proporcionalidade é mais baixo do que o do sistema proporcional de Israel ou da Holanda porque nestes Estados só existe uma circunscrição, constituída pelo país, onde toda a representação se elege, enquanto que a Espanha tem várias circunscrições numerosas, sendo que cada uma delas elege um número limitado de representantes. A este respeito importa ainda referir que a maioria dos Estados que utilizam o sistema eleitoral proporcional utilizam circunscrições com uma dimensão geográfica reduzida, justificando tal situação com o facto das circunscrições reduzidas permitirem aos eleitores um melhor conhecimento do candidato, provocando neste um comportamento político mais responsável, na medida em que, uma vez eleito, passa a representar a circunscrição e não apenas a facção que o elegeu. Tal argumento, curiosamente, converge com o pensamento dos defensores do sistema maioritário.

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Importa também referir que é liquido que nas democracias modernas a divisão do território para efeitos eleitorais não pode violar a regra da proporcionalidade, isto é, a delimitação do território em circunscrições eleitorais tem de basear-se em critérios objectivos e não em construções politicas artificiais.

Alguns críticos do sistema eleitoral proporcional apontam como principal desvantagem

do mesmo a instabilidade governativa que pode resultar duma representação proporcional baseada na combinação de diversos partidos pouco organizados e pouco institucionalizados.

Porém, não só os defensores do sistema proporcional, como também diversos analistas

dos sistemas eleitorais, demonstram que essa preocupação com a excessiva proliferação de partidos não tem fundamento, na medida em que as fórmulas de cálculo dos quocientes eleitorais e da distribuição das sobras, característicos do sistema proporcional, funcionam como cláusulas de exclusão dos partidos mais pequenos e/ou menos votados, podendo levar à deslocação dos votos dos seus eleitores para os partidos de maior dimensão, mais institucionalizados e melhor organizados, ou mesmo à sua extinção, possibilitando-se assim, igualmente, a criação de maiorias estáveis, inclusive com recurso a coligações.

Quer isto dizer que nas democracias proporcionais, a influência do modelo de

representação deveria operar no sentido do multipartidarismo, uma vez que o sistema proporcional visa dar representação parlamentar a todos os partidos relevantes da sociedade, porém, partindo do pressuposto de que todos os sistemas eleitorais apresentam uma tendência de favorecer os partidos maiores e prejudicar os menores, supõe-se que as fórmulas proporcionais, a exemplo do que ocorre com as fórmulas maioritárias, também tendem a reduzir o número de partidos no parlamento. Existem até Estados que utilizam o sistema proporcional, como a Bélgica, a Polónia, a Turquia, o Brasil e Israel, que estabeleceram cláusulas de exclusão da representação parlamentar, isto é, estipularam um patamar mínimo de votos que uma determinada força politica necessita de atingir para garantir a representação parlamentar.

Todavia, ainda assim, na análise da magnitude desse efeito no grau de

multipartidarismo, há que ter também em conta as estruturas sociais e os padrões de conflito político de cada Estado.

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A fórmula mais utilizada é a D´Hondt, que é justamente a mais desproporcional e a que favorece os maiores partidos, sendo, portanto, um dos elementos fundamentais explicativo da redução do número de partidos parlamentares, o que, segundo Duverger e Rae, cria mesmo dois efeitos, um efeito mecânico traduzido na tendência dos sistemas eleitorais sobre-representarem os maiores partidos em prejuízo dos mais pequenos, e o efeito psicológico traduzido na influência que o efeito mecânico gera no comportamento dos eleitores e dos dirigentes políticos, impulsionando os eleitores a não votar nos partidos sub-representados na eleição anterior para não desperdiçarem o seu voto.

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Em Portugal, o voto, como direito e dever, vem consagrado no artº 49º da CRP,

correspondendo o mesmo a uma condição fundamental no contexto da organização do poder politico do país, cfr. disposto nos artsº 10º, 49º, 51º, 108º , 109º, 113º, 114º e 115º da CRP.

O sufrágio é universal, igual, directo, secreto e periódico, cfr. artº 10º, nº 1 da

CRP. A universalidade do sufrágio impõe o alargamento do voto a todos os cidadãos

maiores de dezoito anos, ressalvadas as incapacidades previstas na lei geral (artº 49º da CRP).

A igualdade do voto exige que todos os votos tenham uma eficácia jurídica igual, ou

seja, o mesmo peso e valor de resultado, isto é, uma consideração igual na distribuição de mandatos.

O voto directo significa que tem de resultar duma manifestação livre da vontade do eleitor, sem intervenção de qualquer vontade alheia, o que se relaciona com o princípio da liberdade de voto, que pressupõe a garantia dum voto formado sem qualquer coacção exterior física ou psicológica, que abrange também a liberdade de votar ou não votar.

O voto secreto pressupõe não só a individualidade do voto, como também a

transparência do acto (proibindo a sinalização dos impressos, das mesas, da urnas, dos locais, etc.).

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Por fim, a periodicidade do voto pretende a renovação periódica dos representantes

políticos e, como tal, impedir a vitalíciedade dos mandatos. Verifica-se portanto que segundo as disposições conjugadas nos artºs 10º/2 e 114º/

1 da CRP, são os partidos políticos que concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia politica e que participam nos orgãos baseados no sufrágio universal e directo, de acordo com a sua representatividade eleitoral.

Á excepção da eleição do Presidente da República, que de acordo com as disposições

conjugadas nos artºs 121º e 126º da CRP obedece às regras do sistema maioritário, a eleição dos orgãos de soberania com as funções legislativa, bem como dos órgãos das regiões autónomas e do poder local faz-se de harmonia com o princípio da representação proporcional, sendo expressamente proibida a instituição de artifícios redutores, como sejam as já aludidas cláusulas de barreira, cfr. disposto nos artºs 113º, nºs 1 e 5, 149º e 152º da CRP.

No caso da Assembleia da República, o disposto no artº 149º da CRP admite a eleição

de deputados por três tipos de círculos eleitorais, nomeadamente círculos uninominais, plurinominais e nacional, devendo todos eles estar geograficamente definidos na lei, por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos, sendo o número de deputados por cada círculo plurinominal proporcional ao número de eleitores nele inscritos.

Estabelece o artº 12º da Lei 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República), na versão actualizada e doravante designada por LEAR, que os círculos eleitorais em que se divide o território nacional para efeito de eleição dos deputados à Assembleia da República constituem, cada um deles, um colégio eleitoral. No Continente os círculos correspondem aos distritos administrativos, havendo um círculo para cada uma das regiões autónomas (Madeira e Açores). Os eleitores residentes fora do território português são agrupados em dois círculos eleitorais, um que abrange todo o território dos países europeus e outro que abrange o restante território mundial, incluindo Macau.

Ora, como já referimos anteriormente, o número e sobretudo a dimensão dos círculos

eleitorais são o fulcro decisivo do princípio da representação proporcional, que pressupõe, Licenciatura em Direito – ( 1º Ano) Pág. 41 de 84

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Jorge Bacelar Gouveia Direito Constitucional em regra, a existência de círculos plurinominais, isto é, que elegem mais do que um deputado.

É hoje habitualmente entendido que os círculos plurinominais se podem dividir em três grupos:

• Os de pequena dimensão, que elegem entre 2 e 6 representantes• Os de média dimensão, que elegem entre 7 e 15 representantes• Os de grande dimensão, que elegem mais de 15 representantes

Na lei eleitoral vigente (artº 13º/2/3 e 14º da LEAR), todos os círculos eleitorais em

que se divide o território português são plurinominais, porém dos 22 círculos eleitorais estabelecidos, mais de metade são de pequena dimensão, o que demonstra bem o grau de proporcionalidade do sistema eleitoral português, atendendo às análises e ideias que referimos anteriormente.

Estabelece genericamente o artº 148º da CRP que a Assembleia da República tem o

mínimo de 180 e o máximo de 230 deputados, nos termos da lei eleitoral.Ora, a lei eleitoral estabelece no seu artº 13º que o número total de deputados é

de 230, sendo 226 correspondentes aos círculos eleitorais que constituem o território nacional, distribuídos proporcionalmente ao número de eleitores de cada círculo, segundo o método da média mais alta de Hondt; 2 correspondentes ao círculo dos eleitores residentes nos países europeus e 2 correspondentes ao círculo dos eleitores residentes no restante território mundial.

Em cada um dos círculos, segundo o disposto no artº 16º da LEAR, a conversão dos votos em mandatos faz-se de acordo com o método de representação proporcional de Hondt, obedecendo-se às seguintes regras:

a)Apura-se em separado o número de votos recebidos por cada partido no círculo eleitoral respectivo;

b) O número de votos de cada lista é então dividido, sucessivamente, por 1, 2, 3, 4, 5, etc, sendo os quocientes alinhados, pela ordem decrescente da sua grandeza, numa série de tantos termos quantos os mandatos atribuídos ao círculo eleitoral;

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c)Os mandatos pertencem aos partidos ou listas a que corresponderem os termos da série estabelecida pela regra anterior, recebendo cada uma das listas tantos mandatos quantos os seus termos de série;

d) No caso de restar um só mandato para distribuir e de os termos de série seguintes serem iguais e de listas diferentes, o mandato cabe à lista que tiver obtido menor número de votos.

Esta quarta regra, descrita na aliena d), constitui um desvio ao método Hondt puro, o qual mandaria atribuir o mandato à candidatura com a maior média, isto é, com o maior número de votos, tratando-se portanto duma aplicação do método Hondt corrigido.

Verifica-se assim uma dupla aplicação do método de Hondt, uma primeira para determinar o número de mandatos a eleger por cada circulo eleitoral que constitui o território nacional e uma segunda para converter o número de votos em mandatos em cada um dos círculos eleitorais.

Aplicação do método de Hondt, por exemplo, ao círculo de Bragança a) No círculo de Bragança há 4 mandatos para distribuir no colégio eleitoral, havendo, por

exemplo, 4 listas concorrentes, A, B, C e D.

b) Divisão dos votosDivisão A B C D

1 12000 7500 4500 30002 6000 3750 2250 15003 4000 2500 1500 10004 3000 1875 1125 750

c) Termos da sérieMandato 1º 2º 3º 4ºVotos 12000 7500 6000 4500Lista A B A C

Resultado:Lista A = 2 Mandatos (1º e 3º)Lista B = 1 Mandato (2º)Lista C = 1 Mandato (4º)

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d) Caso houvesse 7 mandatos para distribuir, pela aplicação da quarta regra descrita na alínea d) do artº 16º da LEAR, o sétimo mandato iria para a lista D.

Importa ainda salientar que apesar dos deputados à Assembleia da República serem eleitos pelos círculos eleitorais em que concorrem, uma vez eleitos, representam todo o país e não aqueles círculos eleitorais (artºs 147º e 152º da CRP).

Em suma, e em jeito de conclusão, poderemos dizer que o sistema eleitoral

proporcional corresponde a um conjunto de regras, procedimentos e práticas, com uma coerência e lógica próprias, baseadas em operações aritméticas que produzam uma representação politica proporcional aos votos obtidos por cada candidato ou partido, que, juntamente com factores de ordem económica, cultural e política, condicionam o exercício do direito de sufrágio e as eleições de um Estado.

O Principio fundamental da representação proporcional consiste em assegurar uma

representação, o mais exacta possível, das várias forças políticas com peso na sociedade, implicando uma relativa equivalência entre a percentagem dos votos e a percentagem de mandatos obtidos por cada uma dessas forças.

Regra geral, em tese, quando se fala em vantagens do sistema eleitoral proporcional,

refere-se que o mesmo: • Promove a máxima representação de opiniões e correntes políticas, na medida

em que tende para um sistema multipartidário. • Promove maiorias negociadas e consensuais

• Leva em conta as mudanças sociais e novas correntes politicas, permitindo-lhes uma representação no Parlamento.

• Evita maiorias políticas artificiais e o aparecimento de partidos dominantes.

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Constitucionalismo PortuguêsEstabelecemos como momento de partida do constitucionalismo português, a

revolução liberal de 1820. Antes desta data podemos encontrar alguns documentos com interesse para o Direito Constitucional, porém, o conteúdo dos mesmos não constitui um modo de separação ou limitação do poder político ou um modo de garantia dos direitos dos cidadãos.

Exemplo disso, são as actas das cortes de Lamego (sec. XVIII), onde apenas se estabeleceram regras de sucessão do trono por linha de varonia.

Com efeito, depois de 1820, Portugal conheceu 6 textos constitucionais, nomeadamente a Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826, a Constituição de 1838, a Constituição de 1911, a Constituição de 1933 e a Constituição de 1976.

Todos estes textos constitucionais têm em comum o seguinte: 1) Reafirmação do carácter soberano do Estado português, o que assume

particular relevância pelo facto de todas elas terem resultado de revoluções, as quais punham em causa determinados regimes políticos anteriores, mas asseguravam e reafirmavam a soberania do Estado.

2) Proclamação do princípio da igualdade jurídica entre os cidadãos, isto é, pese embora os primeiros textos constitucionais não consagrassem a igualdade politica entre os “cidadãos”, excluindo do direito de voto determinadas classes sociais ou mesmo as mulheres, todos os textos constitucionais promoveram uma igualdade jurídica entre os que possuíssem essa cidadania.

3) Consagração, embora em diversos moldes, de direitos e garantias, tais como a liberdade de expressão, as garantias de direito e processo penal, o direito de petição, o direito de sufrágio, o direito de acesso aos cargos públicos, o direito de propriedade privada, entre outros direitos que conheceram maior atenção a partir do sec. XX, como o direito à educação.

4) Consagração de instituições representativas, eventualmente concorrentes com modos de participação politica dos cidadãos, sendo que as soluções adoptadas, quer para a participação, quer para a representação política, são diferentes entre os 6 textos constitucionais.

5) Previsão de uma pluralidade de órgãos políticos, sendo comum aos 6 textos constitucionais a existência de um chefe de Estado (Monarca ou Presidente da República) e duma Assembleia.

6) Previsão da existência de tribunais (ou juízes) entre os orgãos de soberania ou poderes do Estado. Em todos os textos constitucionais prevê-se a

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existência dum poder judicial claramente consagrado, com poderes próprios e independentes, a par dos orgãos de poder político.

7) Consagração da existência de municípios, dentro da tradição romana, muito embora o grau de autonomia de poderes atribuídos aos mesmos possa ter conhecido uma grande amplitude.

Entre os 6 textos constitucionais portugueses, devemos também destacar

diferenças, umas mais marcantes do que outras, o que nos permite inclusivamente distingui-las e agrupá-las de diversas formas, designadamente;

1) Entre Constituições de Estado unitário e Constituições de Estado composto, como é o caso da Constituição de 1822, que estabeleceu uma União Real de Estados entre Portugal e o Brasil.

2) Entre Constituições monárquicas (1822, 1826 e 1838) e Constituições republicanas (1911, 1933 e 1976). A distinção entre formas de governo será essencial para melhor compreender o modo como se relacionavam os diversos orgãos de poder político.

3) Entre Constituições com religião oficial de Estado (monárquicas) e Constituições com a consagração da separação entre a igreja e o Estado (republicanas).

4) Entre Constituições pluralistas e liberais e uma Constituição autoritária (1933). 5) Entre Constituições liberais individualistas e duas Constituições de intenções

sociais (1933 e 1976). 6) Entre Constituições que expressamente se ocupam da Economia (1933 e 1976)

e as Constituições que pura e simplesmente a ignoram (1822, 1826, 1838, 1911) 7) Entre Constituições com parlamento unicameral (1822, 1933 e 1976) e

Constituições com parlamento bicameral (1826, 1838 e 1911). 8) Entre Constituições que instituem a fiscalização jurisdicional da

constitucionalidade das normas (1911, 1933 e 1976) e as que ignoram esse meio de garantia da constituição e das normas fundamentais (monárquicas).

9) Entre Constituições exclusivamente representativas quanto às decisões politicas nacionais, como as de 1822, 1826, 1838, 1911, 1933 (até 1936) e 1976 (até 1989) e as que permitiram a consulta aos cidadãos, por via do plebiscito ou do referendo, em decisões de interesse nacional, o que ocorreu nas

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Constituições de 1933 (a partir de 1936 - plebiscito) e de 1976 (a partir de 1989 – referendo).

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Constituição de 1822No inicio do sec. XIX o poder político encontrava-se concentrado nas mãos do

monarca, o qual o detinha de forma absoluta, estando apenas limitado pela sua consciência moral e religiosa.

Assim, devemos compreender a existência de dois aspectos concorrentes,

designadamente a inexistência de divisão de poder político e a irresponsabilidade do único detentor desse poder. O monarca absoluto elaborava e aprovava a norma jurídica, executava, punha-a em prática, interpretava-a e punia quem a infringisse.

Ao longo do sec. XVIII, diversos pensadores, tais como juristas, filósofos,

politólogos e também religiosos (preocupados com a incontrolável riqueza e domínio do monarca,

temendo pelo bem estar dos cidadãos e pela segurança de algumas instituições), foram sugerindo formas de separação e de limitação do poder político.

Entre estes pensadores destacam-se, entre outros, os já anteriormente falados

Montesquieu, Jonh Locke, Rosseau e Benjamim Constant. Em 1789 deu-se a Revolução Francesa, a par do final de um processo conturbado da

história norte americana. Tais revoltas sociais levaram à aprovação das Constituições desses dois Estados, onde

foram testadas as teorias daqueles pensadores, nomeadamente Montesquieu no E.U.A. e Rosseau em França.

No inicio do sec. XIX Portugal conheceu o advento das invasões francesas, em

consequência das quais, o rei e a corte fugiram para o Brasil, deixando em Portugal um Conselho de regência que substituía o monarca durante a sua ausência.

Em 1815, embora já tivessem terminado as invasões francesas, D. João VI não

regressou do Brasil, mantendo-se em funções um Conselho de Regência, que não era aceite pela generalidade dos cidadãos.

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Assim, é neste contexto que em 1820 se dá a revolução liberal, da qual resultou a criação de cortes extraordinárias constituintes, tendentes à elaboração de uma Constituição. D. João VI regressa a Portugal em Julho de 1821, deixando no Brasil o príncipe D. Pedro.

A Constituição de 1822 mantem a forma monárquica de governo, sendo notória a

forma como as cortes constituintes se esforçaram por desculpar o monarca pelo período em que esteve refugiado no Brasil e em que o Conselho de Regência governou Portugal.

A Constituição de 1822 consagrou, pela única vez, Portugal como um Estado composto,

correspondendo o Estado a uma União Real constituída pelo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

A Constituição de 1822 consagrou a existência de 3 poderes: o poder legislativo, o

poder executivo e o poder judicial. O poder legislativo estava atribuído às cortes com dependência da sanção do rei. As cortes reuniam-se em assembleia unicameral e eram eleitas por sufrágio

censitário realizado de dois em dois anos, ao qual apenas poderiam concorrer os cidadãos não exceptuados nos artºs 33º e segs

Ainda no âmbito da actividade legislativa, o poder das cortes era quase total, pois o

monarca (ouvido o conselho de Estado), se não pretendesse promulgar os projectos de lei, apenas os poderia devolver às cortes por uma única vez, ficando obrigado a promulgá-los caso as cortes os confirmassem numa segunda votação. Podemos assim dizer que o veto do monarca tinha um efeito meramente suspensivo.

O poder executivo estava atribuído ao Rei, o qual era acompanhado por Secretários

de Estado. O poder judicial estava atribuído aos tribunais, que eram independentes. A constituição de 1822 teve uma vida curta, pois em 1823, num movimento designado

por Vila Francada, D. Miguel e sua mãe, Carlota Joaquina, restauraram o absolutismo. Licenciatura em Direito – ( 1º Ano) Pág. 49 de 84

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Carta Constitucional de 1826D. João VI, que regressara do Brasil, deixando D. Pedro (IV de Portugal e I do Brasil)

na antiga colónia, morre, colocando-se o problema da sucessão. D. Pedro, herdeiro natural da coroa, permanecia no Brasil, de onde expressou a sua

vontade de não regressar. O povo português, por seu lado, não pretendia continuar ligado ao Brasil, pelo que

restou uma única solução a D. Pedro, outorgar uma constituição a Portugal, enviada por carta, do que resultou a designação de carta constitucional.

Tal outorga foi realizada na condição da filha de D. Pedro, D. Maria da Glória, então

com 7 anos, casar com o seu tio D. Miguel, o qual assumiria a coroa portuguesa. Ao contrário da Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826 consagra

uma menor separação dos poderes políticos e institui um quarto poder, de acordo com o pensamento de Benjamim Constant.

Este quarto poder é atribuído ao rei, cabendo-lhe simultaneamente presidir ao orgão

executivo, que correspondia a uma reunião de ministros. O rei tinha o poder de sancionar as leis das cortes, sendo certo que o seu veto tinha um efeito absoluto.

O rei detinha, com os seus ministros, o poder executivo, cabendo-lhe convocar as

cortes, nomear bispos, magistrados, comandantes das forças armadas e embaixadores, exercer, no âmbito do direito internacional, poderes plenipotenciários (artº 75º), e ainda suspender os juízes (artº 121º).

Com efeito, a Carta Constitucional de 1826 concedia um conjunto de poderes ao

monarca, em prejuízo da expressão das cortes, as quais eram bicamerais. As cortes compunham-se, de acordo com o artº 14º, por duas câmaras, a câmara dos

pares e a câmara dos deputados. A câmara dos pares era composta por membros vitalícios e hereditários, de nomeação

régia, sem número limite (artº 39º).

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A câmara dos deputados era composta por membros eleitos por mandatos de quatro anos (artº 17º e 34º).

As cortes deliberavam conjuntamente sobre diversas matérias, sendo, no entanto,

privativa da câmara dos deputados a iniciativa em matéria de impostos e recrutamentos. As eleições para a câmara dos deputados eram indirectas, isto é, primeiramente os

cidadãos elegiam, em assembleia paroquial, os eleitores de província, cabendo a estes, num segundo sufrágio, eleger os representantes da nação.

O sufrágio, além de indirecto, era restrito e censitário, já que não podiam votar os

menores de 25 anos, os criados de servir, os religiosos e aqueles que não tivessem uma renda líquida anual de 100 mil reis.

O rei podia dissolver a câmara dos deputados, caso houvesse perigo para a nação

(artº 74º, parágrafo 4) e podia conceder amnistias e indultos (artº 74º, parágrafos 7 e 8). A carta constitucional de 1826 atribui aos juízes e jurados o poder de aplicarem a lei

e se pronunciarem sobre os factos (artº 119º).

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Constituição de 1838 A constituição de 1838 resultou dum compromisso político entre os defensores das

duas constituições anteriores, compromisso político estabelecido entre as cortes e a rainha D. Maria.

A constituição de 1838 estabeleceu 3 orgãos de soberania: o rei, as cortes e os juízes

e jurados. O rei detinha o poder executivo. As cortes detinham o poder legislativo (artº 37º). Os juízes e jurados detinham o poder judicial (artº 34º). As cortes eram bicamerais e compostas pela câmara dos senadores e pela câmara dos

deputados (artº 36º). O poder legislativo era exercido conjuntamente pelas duas câmaras, embora a iniciativa legislativa coubesse à câmara dos deputados no que diz respeito a matéria fiscal e de recrutamento.

Ambas as cortes eram eleitas por sufrágio directo, censitário e restrito, já que apenas podiam votar cidadãos com mais de 25 anos, com rendimentos anuais relativamente elevados.

Importa realçar um aspecto da constituição de 1838, que tem precisamente a ver

com o facto de existirem duas câmaras eleitas, por sufrágio directo, sob uma forma de governo monárquica, situação que não é comum, até pelo facto de nenhuma das câmaras ser de nomeação régia ou sequer composta exclusivamente por aristocratas.

Todavia, a câmara dos senadores era composta por “notáveis” eleitos, pois só se poderiam candidatar cidadãos com elevados rendimentos, designadamente os principais responsáveis da igreja, das forças armadas e da área diplomática.

Com efeito, a existência das duas câmaras eleitas, era precisamente um dos

elementos reveladores do acordo estabelecido entra a rainha D. Maria e as cortes. O monarca podia, para protecção do Estado, dissolver a câmara dos deputados, o que implicava a renovação simultânea das duas cortes.

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As constituições de 1822, 1826 e 1838 têm em comum uma forma de governo monárquica, cuja legitimidade era já constitucional, mas assente numa linha hereditária por varonia, ou seja, o chefe de Estado era reconhecido como tal, por uma lei fundamental, estabelecendo-se que seria substituído no seu cargo pelo seu filho varão.

Esta forma de governo, comum à generalidade dos Estados (não só europeus), até

finais do sec. XVIII, foi gradualmente posta em causa, como por exemplo em França (1789) e em Espanha (1873).

Em 1890 surge em Portugal o manifesto do partido republicano, através do qual se

critica e põe em causa a opção monárquica e a coroa portuguesa. Com efeito, o movimento republicano surgiu como um claro opositor ao sistema

político vigente (monarquia), apontando 3 aspectos como essenciais para Portugal 1) O Municipalismo, defendendo que devem ser os municípios a base da

organização politica nacional, na medida em que podiam federar-se em províncias e estas numa Assembleia Nacional.

2) A consagração de uma democracia política e económica, traduzida na consagração do sufrágio directo e universal e no desenvolvimento do movimento cooperativo.

3) A laicização social, ou seja, a separação entre as igrejas e o Estado, pois, até essa data, a influência da igreja na sociedade e no poder politico desvirtuavam uma representação política democrática.

Após a revolução republicana de 1910, seguiu-se um processo conturbado tendente à

elaboração e aprovação de uma nova constituição. Foi, no entanto, esta constituição a que mais depressa foi aprovada, pois, em 10

meses, a mesma foi discutida, aprovada e publicada.

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Constituição de 1911A constituição de 1911 foi discutida, aprovada e publicada em apenas 10 meses,

consagrando a forma de governo republicana (artº 1º), sendo o esforço de laicização da constituição e do Estado um aspecto dominante.

A Constituição de 1911 teve ainda a influência da Constituição brasileira,

estabelecendo a existência de 3 orgãos de soberania nacional (artº 6º), o poder legislativo, o executivo e o judicial.

O órgão legislativo correspondia ao Congresso da República, bicameral, composto pelo

senado e pela câmara dos deputados. A câmara dos deputados e o senado eram eleitos por sufrágio directo dos cidadãos

eleitores, correspondendo o senado à representação dos distritos ou das províncias e a câmara dos deputados o orgão representativo dos cidadãos.

O Congresso da República reunia durante 4 meses em cada sessão legislativa (artº

11º), a qual durava 3 anos (artº 22º). O Congresso da República constituía o elemento fulcral do sistema político, pois

cabia-lhe não só a actividade legislativa (artº 7º), como também a eleição e a demissão do Presidente da República (artº 38º e 46º) e o acompanhamento da actividade do executivo (artº 51º).

A Constituição de 1911 estabelecia um sistema de governo parlamentar de

Assembleia, onde os ministros deviam comparecer nas sessões do congresso, o qual os podia demitir (artº 52º).

O poder executivo era exercido pelos ministros, sendo cada ministro responsável

politica, civil e criminalmente pelos actos que praticava (artº 51º). A Constituição de 1911 teve uma vigência conturbada, tendo sido objecto de revisão

em 1916 e, num segundo período, entre 1919 e 1921.

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Em 1918 a Constituição de 1911 foi suspensa pela publicação ditatorial de decretos tendentes à eleição por sufrágio universal e directo do Presidente da República, com o intuito de favorecer a eleição de Sidónio Paes, o qual exerceu, durante um ano, as funções de Presidente da República.

Nestes decretos estabelecia-se um sistema de governo presidencialista, cabendo ao Presidente da República a chefia das forças armadas e a nomeação e demissão dos ministros.

O sistema de governo parlamentar de assembleia não permitia qualquer tipo de

estabilidade politica, o que se demonstra bem pela ocorrência de uma sucessão de 8 Presidentes e 44 governos, em apenas 15 anos de vigência da Constituição de 1911.

Tal instabilidade politica, no seio da qual alguns partidos políticos não possuíam qualquer definição ideológica, assentando exclusivamente na imagem do líder (ex: Afonso Costa, António José de Almeida, Brito Camacho, Machado dos Santos, entre outros) motivou a revolução de 28 de Maio de 1926.

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Constituição de 1933A Constituição de 1933 resultou da revolução de 1926 e da ditadura militar que se lhe

seguiu.Surgiram diversas propostas de Constituição, tendentes à definição de um sistema

político, porém, apenas em 1931 é que foi criado o Conselho Politico Nacional, com o fim de acompanhar a elaboração da nova constituição, destacando-se o papel do então ministro da finanças, prof. António de Oliveira Salazar.

O projecto final da constituição foi publicado, em toda a imprensa diária, no dia 28 de

Maio de 1932, precedido de um relatório explicativo. Seguiu-se um plebiscito nacional, no âmbito do qual os cidadãos portugueses poderiam

manifestar a sua adesão à Constituição.O voto, nesse plebiscito, era obrigatório, considerando-se tacitamente concordante o

voto dos eleitores que não participassem. O prof. Jorge Miranda refere a existência na Constituição de 1933 de um tríplice

compromisso, em primeiro lugar entre liberalismo e autoritarismo, em segundo lugar entre democracia e nacionalismo político e, em terceiro lugar entre república e monarquia.

No primeiro caso, refere o prof. Jorge Miranda, liberalismo porque consagra o regime

de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, o regime da suspensão dos direitos constitucionais, atribui à Assembleia Nacional poderes legislativos e de fiscalização do executivo e prevê a fiscalização constitucionalidade pelos tribunais.

Autoritarismo porque o regime dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos é remetido para a lei ordinária, estabelece uma ordem administrativa autoritária, atribui um papel ao Estado na definição da opinião pública, e consagra a prevalência do chefe de Estado sobre a Assembleia Nacional.

No segundo caso, democracia pelo conceito de nação constante no artº 3º, princípio

da soberania nacional, e eleição do Presidente da República e da Assembleia Nacional por sufrágio directo dos cidadãos (até 1959).

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Nacionalismo politico porque prevê um papel do Estado sobre a família, a educação e a religião, bem como instituições de adestramento da mocidade para os seus deveres militares e patrióticos.

No terceiro caso, República porque foi formalmente consagrada e Monarquia porque

a figura do chefe de Estado é decalcada sobre a figura do Rei da Carta Constitucional de 1826.

A Constituição de 1933 prevê a existência de 4 orgãos de soberania (artº 71º),

nomeadamente o chefe de Estado ou Presidente da República, a Assembleia Nacional, o Governo e os Tribunais.

O Presidente da República era eleito, para mandatos de 7 anos, por sufrágio directo

(artº 72º), competindo ao chefe de Estado nomear e demitir o Presidente do Conselho e os ministros (artº 81º), bem como dar poderes constituintes à Assembleia Nacional, que podia dissolver, e ainda conceder indultos e exercer o poder de sancionar as leis.

A Assembleia Nacional era eleita por sufrágio directo e universal (artº 85º),

cabendo-lhe a função legislativa (artº 91º), bem como conceder amnistias e autorizações legislativas ao governo.

Junto da Assembleia Nacional funcionava uma câmara corporativa, composta por representantes das autarquias locais, dos interesses sociais e de instituições previstas na lei (igreja católica, universidade, instituições de assistência e da administração pública).

A câmara corporativa era um órgão que participava, através de pareceres, na actividade legislativa, tendo, em 1935, passado também a ser o órgão consultivo do governo e do presidente da república.

A Constituição de 1933 atribuía o poder executivo ao governo, o qual era composto

pelos ministros e pelo Presidente do Conselho, nomeado e demitido livremente pelo Presidente da República (artº 106º).

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Constituição de 1976 Período PrévioO período compreendido entre 25/04/1974 e 25/04/1976 condicionou o teor da CRP

que entrou em vigor nesta segunda data. Após a revolução de 25/04/1974, cuja a iniciativa se atribui a militares, terminou

o ciclo da segunda república (iniciado com a revolução de 28/05/1926) e iniciou-se a terceira república.

Com efeito, o período da segunda república caracterizou-se pela verificação de uma

prática crescente de concentração de poderes, uma crescente diminuição dos direitos dos cidadãos e um conjunto de guerras coloniais.

Importa realçar que antes de 1974, no período da segunda república, surgiram

algumas hipóteses de renovação do regime, designadamente o aparecimento de teses federalistas e confederalistas como forma de solucionar a situação das ex-colónias, porém, tais teses não passaram disso mesmo, já que pouco actos foram realizados para a defesa das mesmas.

No período da segunda república surgiram também, gradualmente, algumas vozes discordantes do regime, designadamente as dos exilados políticos, as dos liberais (alguns destes integravam mesmo a Assembleia Nacional) e as dos militares.

Destacou-se, no âmbito das vozes dos militares, o então general António de Spínola, não só por possuir notoriedade ainda enquanto militar ao serviço do regime, como também pelo facto de ter apresentado um livro (Portugal e o futuro) cuja a impressão e divulgação demonstrou simultaneamente a existência de descontentamento e a incapacidade do regime em suster a onda gerada.

Na noite de 25 de Abril de 1974 foi apresentada aos portugueses uma comissão

de militares presidida pelo então general António de Spínola, designada por Junta de Salvação Nacional. Este órgão, a que foi atribuída uma natureza precária, continha exclusivamente militares dos três ramos das forças armadas e assumiu como competência, a criação de condições para a transição para a democracia.

Importa também salientar, neste contexto, que em Espanha também ocorria gradualmente a transição para a democracia, o que, todavia, se veio a concretizar definitivamente um pouco mais tarde.

A Junta de Salvação Nacional promoveu a aprovação de diversos actos legislativos considerados necessários à reposição da democracia em Portugal, de entre os quais, se destacou a elaboração da lei quadro de criação dos partidos políticos, a qual permitiu o funcionamento regular destes, designadamente do partido comunista português (que já tinha uma estrutura montada há cerca de 40 anos), do partido socialista (que existia há cerca de 6

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Jorge Bacelar Gouveia Direito Constitucional anos), e de todo um conjunto de novos partidos então criados.

É neste contexto que se dá o regresso a Portugal de diversos cidadãos portugueses

que se encontravam exilados no estrangeiro, como são os casos de Álvaro Cunhal e de Mário Soares.

Foram criados cerca de 20 partidos políticos, todos eles com sedes próprias, planos

de acção politica tendentes à conquista do poder e uma estrutura de militantes activa.Não se admitia a criação de partidos políticos com ideologia fascista ou similar.O único partido que logo após a revolução de 25 de Abril de 1974 demonstrou e

conseguiu uma efectiva implantação em todo o território nacional foi o P.C.P., porém o crescente desenvolvimento dos restantes partidos políticos, levaram estes a revindicar também o seu direito de participação politica, o que gerou um processo de particular tensão entre os militares e os partidos políticos.

Em 28/09/1974 deu-se o primeiro confronto entre os movimentos políticos opostos,

onde a uma eventual progressão do P.C.P. reagiu uma auto-denominada maioria silenciosa. A Junta de Salvação Nacional, continuando o processo de criação das necessárias

instituições democráticas, designou a convocação de eleições para uma Assembleia Constituinte, tendente à elaboração e aprovação de um novo texto constitucional, condicionado, desde logo, pelo conteúdo de uma plataforma constitucional acordada entre o Movimento das Forças Armadas (M.F.A.) e os partidos políticos.

Nesta plataforma constitucional, de entre outros aspectos, destaca-se a existência

de seis orgãos de soberania, nomeadamente, a Presidência da República, a Assembleia da República, o Conselho da Revolução, a Assembleia dos M.F.A., o Governo da República e os Tribunais.

A vigência desta primeira plataforma constitucional coincidirá com o período que se

seguiu a 11 de Março de 1975, em que se assistiu à nacionalização de sectores chave da economia, como a Banca e os Seguros, período que só findou em 25 de Novembro de 1975, data a partir da qual se celebrou a segunda plataforma constitucional.

Na segunda plataforma constitucional, suprimiu-se um orgão de soberania,

nomeadamente a Assembleia do M.F.A., porém os militares mantiveram o Conselho da Revolução, isto é, o outro orgão de soberania exclusivamente militar.

Constituição de 1976

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A CRP de 1976, na sua versão original, conteve 5 orgãos de soberania, nomeadamente a Presidência da República, a Assembleia da República, o Conselho da Revolução, o Governo da República e os Tribunais.

Na realidade, ao longo destes cerca de 30 anos, encontramos os mesmos orgãos

de soberania, com os mesmo poderes atribuídos, à excepção do Conselho da Revolução, criado em 1976 e extinto na revisão constitucional de 1982.

De acordo com o artº 142º da CRP (versão original), o Conselho da Revolução tinha

essencialmente 4 áreas de competência: Competência como orgão de aconselhamento do Presidente da República,

cabendo-lhe não só aconselhá-lo no exercício das suas funções, como também autorizá-lo a declarar a guerra e a fazer a paz, autorizá-lo a declarar o estado de sitio ou o estado de emergência, autorizá-lo a ausentar-se do território nacional e declarar a impossibilidade física do Presidente da República para o exercício das suas funções.

Garante do cumprimento da CRP, podendo pronunciar-se, por iniciativa própria ou a solicitação do Presidente da República, sobre a constitucionalidade de diplomas, antes de serem promulgados ou assinados, cabendo-lhe também apreciar a constitucionalidade de quaisquer normas já publicadas e declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

Garante da fidelidade ao espírito da revolução de 1974, cabendo-lhe pronunciar-se, junto do Presidente da República, sobre a nomeação e a exoneração do Primeiro-ministro.

Competência em matéria militar, cabendo-lhe legislar em matéria militar, bem como, aprovar os tratados ou acordos internacionais que se referissem a assuntos militares, detendo também a competência executiva em matéria militar, podendo aprovar decretos-regulamentares ou tomar quaisquer outras medidas que considere necessárias.

Quanto à sua composição, de acordo com o artº 143º da CRP (versão original), o

Conselho da Revolução continha os seguintes membros: • O Presidente da República

• O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas • O Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, quando exista

• Os Chefes de Estado-Maior dos 3 ramos das Forças Armadas • O Primeiro-ministro, quando seja militar • Catorze oficiais, sendo oito do Exército, três da Força Aérea e três da

Armada, designados pelo respectivos ramos das Forças Armadas.

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Se um destes 14 Oficiais morresse, renunciasse ao cargo, ou ficasse em impedimento permanente verificado pelos restantes membros, a sua vaga seria preenchida por nova designação do respectivo ramo das Forças Armadas.

Como se vê, o Conselho da Revolução, nos termos do artº 143º da CRP (versão original), tinha, na sua composição, (7) sete membros por inerência de funções e (14) catorze membros vitalícios.

Com efeito, a CRP de 1976 assumia um conjunto de expressões ou compromissos que

demonstravam claramente o seu teor político-ideológico. Assim, o artº 1º estabelecia Portugal como uma República soberana, baseada na

dignidade da pessoa humana e na vontade popular, e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.

Da mesma forma, existiam outras disposições constitucionais que estabeleciam

obrigações para o Estado, com por exemplo o artº 2º; artº 3º, nº 2; artº 10º-nºs 1 e 2, o que se relaciona com o disposto no artº 81º, que estabelece como incumbências prioritárias do Estado, entre outras, realizar a reforma agrária (artº 81º, al.h) e impulsionar o desenvolvimento das relações de produção socialistas (artº 81º, al n).

O artº 82º, atribuía ao Estado a possibilidade de intervencionar, nacionalizar e

determinar a forma de socialização dos meios de produção, podendo a lei determinar que as expropriações de “latifundiários”, grandes proprietários, empresários ou accionistas não dessem lugar a qualquer indeminização.

O artº 83º estabelecia que todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril

de 1974 seriam conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras. O artº 75º, sob a epígrafe “Iniciativa Privada”, condicionava esta à CRP, à lei e ao

plano, devendo a mesma constituir um instrumento de progresso colectivo. O plano, por sua vez, constituía um instrumento não só de previsão, como também essencialmente de limitação da actividade económica (artº 92º)

De acordo com o artº 91º, o plano destinava-se à construção de uma economia socialista, nomeadamente através da transformação das relações de produção e da acumulação capitalistas, e destinava-se a orientar, coordenar e disciplinar a organização económica e social do País.

O artº 96º estabelecia os objectivos da reforma agrária, a qual pretendia dar

progressivamente àqueles que se encontravam mais próximos e dependentes da agricultura, a posse útil da terra e dos meios de produção, por forma a melhorar as suas situações económica, social e cultural.

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A Constituição de 1976 foi particularmente rica na consagração dos direitos,

liberdades e garantias dos cidadãos, atribuindo-lhes eficácia directa e imediata, sendo, portanto, por força do artº 18º da CRP (versão original), desnecessária a aprovação de qualquer acto legislativo para exigir o seu respeito.

Entre os direitos, liberdades e garantias “clássicos” encontramos, por exemplo, o

direito à vida, o direito de manifestação, o direito de reunião, o direito à liberdade de associação, e também alguns direitos fundamentais como os respeitantes à protecção dos cidadãos face à utilização da informática (artº 35º) ou ao direito de antena (artº 40º).

O artº 46º, nº 4 da CRP (versão original), no qual se continha a liberdade de

associação, estabelecia que não seriam consentidas quaisquer organizações de tipo militar, militarizado, para-militar ou outras que perfilhassem a ideologia fascista.

A Constituição de 1976 consagrou necessariamente algumas disposições respeitantes

ao direito anterior.Com efeito, na sequência da revolução de 1974 e dos primeiros actos legislativos da

Junta de Salvação Nacional, a CRP de 1976 pôs em causa o direito anterior com base essencialmente em dois critérios:

• O direito constitucional anterior seria todo revogado, excepto quando a própria CRP previsse a possibilidade de aplicação de leis constitucionais posteriores à Revolução, isto é, aquelas que tivessem sido aprovadas, com valor constitucional, pela Junta de Salvação Nacional (artº 292º e 294º).

• O direito ordinário anterior à CRP manter-se-ia em vigor, desde que não fosse contrário à mesma ou aos Princípios nela consagrados.

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A CRP de 1976 teve, até à presente data, (6) seis revisões constitucionais, ocorridas

em 1982, 1989, 1992 (extraordinária), 1997, 2001 (extraordinária) e 2004 (extraodinária). É relativamente pacífico, entre os diversos autores, que a revisão constitucional

de 1982 foi a mais importante. Nesta revisão, a par da remoção de algumas expressões contidas na versão original, tais como, entre outras, “socialismo” e “sociedade sem classes” extinguiu-se o Conselho da Revolução.

A CRP de 1976 definiu, no seu artº 290º, um conjunto de matérias impossíveis

de serem constitucionalmente revistas, estabelecendo limites materiais de revisão constitucional (enunciados actualmente no artº 288º).

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Estes limites materiais de revisão foram necessariamente ponderados aquando das diversas revisões constitucionais, pois, alguns deles, começaram a ser postos em causa por alguns autores, dos quais se destacam os professores Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Sousa.

Para um certo grupo de autores, entre eles, em certo momento, o prof. Marcelo Rebelo de Sousa, os limites materiais constituíam uma mera expressão ou intenção do legislador constituinte, pelo que não se poderia colocar a hipótese da sua eficácia jurídica, querendo isto dizer que os limites materiais constituíam uma mera intenção e não mais do que isso.

Para um segundo grupo de autores, no qual se incluem os professores Jorge Miranda e André Gonçalves Pereira, as leis de revisão constitucional deveriam respeitar os limites materiais, muito embora o facto de nada proteger esses limites permitir, numa primeira revisão, a sua eliminação e, numa segunda revisão, a aprovação de alterações à CRP sem necessidade de respeito por qualquer limite material. Esta tese é designada pela Tese da dupla revisão.

Para um terceiro grupo de autores, no qual se incluem os professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, os limites materiais de revisão constitucional são imperativos, não sendo possível a sua remoção do texto constitucional. Na expressão destes autores, o desrespeito ou remoção dos limites materiais de revisão constitucional corresponderiam a um golpe de Estado, ou seja, à criação de uma nova fase constitucional.

Revisão Constitucional de 1982A revisão constitucional de 1982 respeitou os limites materiais de revisão, o que aliás

aconteceu com as demais revisões constitucionais. Para alguns autores, como o prof. Jorge Miranda, a revisão constitucional de 1982,

face à extinção do Conselho da Revolução, constituiu uma nova fase constitucional, já que se considera que, no âmbito da mesma CRP, se iniciou uma nova fase na democracia portuguesa.

Os poderes que o Conselho da Revolução detinha, com a revisão constitucional de

1982, foram distribuídos da seguinte forma: O poder de aconselhamento ao Presidente da República foi atribuído a um

novo orgão, o Conselho de Estado, inspirado no constitucionalismo francês.O Conselho de Estado passou a ser composto por membros, quer pela inerência de funções, quer pela notoriedade que lhes era reconhecida.O Conselho de Estado é composto pelo Presidente da República, pelo Presidente da Assembleia da República, pelo Primeiro-ministro, pelo Presidente do Tribunal Constitucional, pelo Provedor de Justiça, pelos Presidentes dos Governos Regionais, pelos antigos Presidentes da

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República, por representantes eleitos pelos partidos políticos com assento parlamentar, e por cidadãos designados pelo Presidente da República (artº142º da versão actual da CRP). Crê-se, desta forma, constituir-se, junto do Presidente da República, um orgão composto por pessoas particularmente informadas e conscientes dos problemas nacionais.O Conselho de Estado emite pareceres obrigatórios mas não vinculativos, ou seja, o Presidente da República é obrigado a consultá-lo sobre diversas matérias, mas não está obrigado a aceitar a opinião nele colhida, podendo mesma decidir em sentido contrário ao do parecer do orgão. O Garante do cumprimento da CRP, nas suas várias vertentes, foi atribuído ao Tribunal Constitucional, órgão criado com competência jurídico-constitucional, sendo composto por (9) nove membros eleitos pela Assembleia da República e (4) quatro cooptados pelos eleitos.Ao Tribunal Constitucional compete verificar e declarar a inconstitucionalidade por omissão, bem como, por solicitação, verificar e declarar a inconstitucionalidade preventiva (artº 278º) e sucessiva (artº 280º e 281º) de quaisquer normas.

O veto politico e o poder de sancionar as leis (artº 136º da CRP actual) passou a ser da competência exclusiva do Presidente da República, sem qualquer intervenção do extinto Conselho da Revolução ou de qualquer outro órgão.

O poder legislativo em matéria militar foi atribuído à Assembleia de

República e o poder executivo em matéria militar foi atribuído ao Governo da República.

A revisão constitucional de 1982 alterou o artº 8º da CRP, ao qual foi acrescentado

um nº 3 que referia o seguinte: “As normas emanadas dos orgãos competentes da Organização internacional de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre expressamente estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”. Esta alteração surgiu para possibilitar a entrada de Portugal na então C.E.E

A revisão constitucional de 1982 ampliou as matérias de reserva de competência

legislativa da Assembleia da República, criando uma esfera de matérias indelegáveis ao Governo.

A partir da revisão constitucional de 1982, o Presidente da República passou a só poder demitir o Governo, quando tal se demonstre necessário para assegurar o respeito pelo “regular funcionamento das instituições democráticas”.

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Revisão Constitucional de 1989A segunda revisão constitucional, ocorrida em 1989, pouco mais fez do que

flexibilizar a Constituição Económica. Assim, as nacionalizações deixaram de ser irreversíveis, diminuiu-se a obrigação do Estado em intervir na Economia e retirou-se da Constituição a “Reforma Agrária”.

No plano político esta revisão previu, pela primeira vez, os referendos nacionais e promoveu a diminuição do número de deputados.

Revisão Constitucional de 1992A terceira revisão constitucional, ocorrida em 1992, foi extraordinária e pretendeu

essencialmente “acomodar” a CRP às exigências do Tratado de Maastricht. Revisão Constitucional de 1997A quarta revisão constitucional, ocorrida em 1997, promoveu poucas alterações,

destacando-se a respeitante ao referendo nacional, cuja previsão constitucional, iniciada em 1989, foi concluída porque finalmente exequível.

Revisões Constitucionais de 2001 e 2004As revisões constitucionais de 2001 e 2004 iniciaram-se ambas com profundo fervor

de algumas forças politicas, concluindo-se que, no entanto, pouco ou nada trouxeram de novo e significativo no plano jurídico-constitucional.

De salientar, no entanto, nova alteração realizada ao artº 8º, a qual passou a possibilitar a aprovação ou ratificação de uma Constituição europeia, face à actual redacção do nº 4, do aludido artº 8º.

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II Semestre

Direitos Fundamentais e Direitos, Liberdades e Garantias O professor Jorge Miranda considera direito fundamental toda a posição jurídica

subjectiva das pessoas, enquanto consagrada na lei fundamental. Nesta noção de pessoas incluiremos as pessoas singulares e as instituições,

considerando-se que os direitos fundamentais podem surgir tanto por via formal, como por via material.

Direitos fundamentais em sentido formal correspondem a todos aqueles que se

encontram expressos como tal na CRP, ou seja, é a própria lei fundamental que classifica um determinado direito como fundamental.

Direitos fundamentais em sentido material resultam da sua própria essência da

Constituição, podendo ultrapassar o número de direitos fundamentais formalmente expressos na CRP, já que também se constituem por força do direito natural e por força de direitos resultantes dos acordos internacionais, como por exemplo a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artº 16º, nº 2 da CRP).

Os direitos fundamentais em sentido material correspondem essencialmente aos não declarados, estabelecidos ou atribuídos pelo legislador constituinte, e são resultantes do espírito dominante na CRP, do sentimento jurídico colectivo e da própria ideia de direito existente naquele momento.

Assim, consideramos como direitos fundamentais, alguns que o são por força do direito natural, como por exemplo, o apelo ao valor e à dignidade da pessoa humana, ou quaisquer outros, que não estando expressos na CRP, lhe estarão subjacentes.

Segundo o prof. Jorge Miranda, devemos distinguir e agrupar os direitos

fundamentais em diversas categorias:

1) Entre direitos fundamentais individuais e institucionaisOs direitos fundamentais individuais correspondem àqueles que podem ser invocados por pessoas singulares ou por cada cidadão, como por exemplo o direito à vida e o direito à igualdade.Os direitos fundamentais institucionais correspondem àqueles que são atribuídos a determinados grupos, associações ou comunidades, como por exemplo aqueles direitos que estão atribuídos aos sindicatos (direito de participação no processo legislativo).

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2) Entre categorias comuns e particularesNeste sentido poderemos encontrar direitos fundamentais atribuíveis a todos os cidadãos ou apenas a alguns. Ao longo da CRP encontramos direitos fundamentais comuns, como a liberdade de consciência, de religião e de culto, comuns a todos os cidadãos, e outros que são atribuídos apenas a alguns cidadãos, como por exemplo aos jornalistas (artº 38º, nº 2, al, b) ou aos deficientes (artº 71º).

3) Entre direitos fundamentais pessoais, sociais e políticos.

Nesta categoria há que distinguir aqueles direitos fundamentais que são inerentes à realização individual do homem, daqueles que são direitos fundamentais sociais, pois encaram o homem enquanto elemento integrado numa sociedade civil, no âmbito da qual estabelece relações específicas, tais como relações profissionais (artº 47º da CRP), relações de propriedade (artº 62º da CRP).Diferente dos direitos fundamentais pessoais ou sociais são os políticos, que correspondem à presença e às relações de cidadania que o indivíduo estabelece com a comunidade politica (liberdade de opinião e expressão politica, liberdade de formação de partidos políticos, etc.).

4) Entre direitos fundamentais materiais e procedimentais

Nesta categoria, para além da existência ou consagração de direitos fundamentais materiais, ou seja, de todos aqueles que correspondem à noção já dada anteriormente, deve-se também considerar a existência de direitos fundamentais que possibilitam que os aludidos materiais se tornem efectivos. Assim, como direitos fundamentais materiais pode-se indicar o direito de participação politica ou a liberdade de expressão, e como direitos fundamentais procedimentais pode-se indicar o direito de sufrágio ou o direito de formação dos partidos políticos.

O prof. Jorge Miranda distingue também direitos de garantias, sendo que à

expressão direitos associa a de liberdades, pois ambas se atribuem ao indivíduo, ou seja, dizem respeito a previsões que estabelecem o modo de realização do indivíduo, atribuindo-lhe um determinado bem.

As garantias têm um carácter acessório, porque resultam da prévia consagração de um direito ou de uma liberdade, pretendendo apenas torná-las efectivas.

Ao direito à vida corresponderá a garantia da inexistência de pena de morte. Ao

habeas corpus correspondem as garantias dadas ao arguido e à liberdade de expressão e informação corresponde a garantia de proibição de censura.

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A CRP vigente consagra também direitos sociais, como por exemplo o direito à

habitação (artº 65º), o direito à educação (artº 73º) e o direito à cultura física e ao desporto (artº 79º).

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Os direitos fundamentais integram necessariamente dois princípios, o da

Universalidade e o da Igualdade, de acordo com os quais os direitos fundamentais são atribuídos a todos os cidadãos (universalidade), os quais têm os mesmos direitos e deveres (igualdade) – Vd. artº 12º da CRP.

A atribuição de direitos fundamentais envolve a correspondente atribuição de

capacidade para o seu exercício. Em sede de direitos fundamentais, o gozo dos mesmos consiste na própria capacidade

de exercício de cada cidadão, não sendo transmissíveis nem sequer delegáveis. Os direitos fundamentais, como aliás a generalidade dos direitos, são

primordialmente direitos das pessoas singulares. Há, no entanto, que considerar a previsão do artº 12º, nº 2 da CRP, a qual além de não equiparar as pessoas colectivas às pessoas singulares, condiciona a atribuição de qualquer direito fundamental às pessoas colectivas a uma prévia verificação da compatibilidade entre a natureza da pessoa colectiva e o conteúdo do direito fundamental.

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Os preceitos referentes aos direitos, liberdades e garantias têm particular relação

com o princípio da separação de poderes políticos, quando se estabelece a sua tutela jurisdicional.

A existência de tribunais independentes do poder político, apenas sujeitos ao cumprimento das normas constitucionais e legais, permite uma garantia ou segurança acrescidas para o cidadão, o qual pode recorrer, para os tribunais, das decisões ou actos que violem ou prejudiquem um seu direito fundamental.

Para além da tutela jurisdicional, a cargo dos tribunais, poderemos encontrar outra

forma de protecção jurídica, designadamente a tutela graciosa ou extrajudicial.A tutela graciosa ou extrajudicial é exercida junto da administração ou dos orgãos

políticos através de petição ou de impugnação.

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A petição ou garantia peticionária consiste no direito de solicitar a intervenção ou a mera atenção de orgãos com competência para tal, tendo em vista a resolução de actos ilegais ou injustos que afectam um direito.

No âmbito do direito de petição poderemos destacar o papel do provedor de justiça (artº 23º da CRP), o qual pode receber queixas dos cidadãos, instruir ou aperfeiçoar as petições, e interceder junto do orgão em causa, no sentido do respeito dos direitos afectados.

As garantias impugnatórias consistem num modo de reacção dos cidadãos, que

requerem, dessa forma, a modificação ou a revogação de actos que desrespeitam o seu direito fundamental.

Neste âmbito, os administrados vão necessariamente mais longe, podendo, junto da administração, por exemplo em recurso hierárquico, suscitar a revogação do acto que violou o seu direito fundamental.

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Nos termos do artº 18º da CRP (que estabelece o regime jurídico dos direitos, liberdades e

garantias), os preceitos constitucionais dos direitos, liberdades e garantias são directa e imediatamente aplicáveis, vinculando as entidades públicas e privadas.

Os preceitos constitucionais dos direitos, liberdades e garantias também não

constituem matéria de revisão constitucional. Com efeito, o artº 18º, nº 1 da CRP corresponde a uma norma essencial para a

aplicação dos direitos fundamentais, na medida em que estes poderão ser invocados, respeitados ou aplicados por qualquer cidadão, apenas com base neste preceito e, portanto, sem necessidade de qualquer regulamentação específica, consubstanciando-se assim também o carácter instrumental do artº 18º.

O artº 18º, nº 1 da CRP estabelece também que estes preceitos constitucionais são

aplicáveis a entidades públicas e a entidades privadas, sujeitando assim expressamente ao conteúdo dos direitos, liberdades e garantias, as relações ou actos estabelecidos entre privados e entre os particulares e a administração.

O artº 17º da CRP estabelece que o regime jurídico dos direitos, liberdades e

garantias consagrado no artº 18º da CRP aplica-se também aos direitos fundamentais de natureza análoga, como, por exemplo, os consagrados nos artºs 268º e 269º da CRP (referentes à Administração Pública).

Organização do Poder Politico

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Processo Legislativo A lei corresponde à manifestação da vontade do colectivo, no sentido da satisfação

das necessidades colectivas, sejam estas de segurança ou outras.Por outro lado, a lei constitui um modo de limitação da actuação de todos os membros

de uma comunidade, sejam eles entidades públicas, entidades privadas, pessoas singulares ou pessoas colectivas, dai resultando o carácter geral e abstracto da norma jurídica, a par da sua relevância nas relações jurídicas estabelecidas entre os membros de um sociedade.

O processo legislativo, ou seja, o conjunto de actos ou procedimentos tendentes

à elaboração e aprovação da norma, poderá ser realizado por um único órgão ou pelo concurso de um conjunto de orgãos, sendo estes soberanos ou não (no caso português,as regiões autónomas, que não são orgãos de soberania, podem participar no processo legislativo, através das assembleias legislativas repectivas).

Se Monstesquieu consagrava uma separação rígida entre o poder legislativo e os

demais e Rosseau limitava o processo legislativo a um único órgão, as constituições do sec. XX promoveram gradualmente um princípio de colaboração e controle entre os orgãos que participam no processo legislativo.

A Constituição da República Portuguesa de 1976 consagrou, conforme já visto,

a existência de 5 orgãos de soberania: a Presidência da República, a Assembleia da República, o Governo, o Conselho da Revolução e os Tribunais. Qualquer um destes 5 orgãos podia participar no processo legislativo, na medida em que lhe era conferida a possibilidade de influenciar a elaboração de um novo acto legislativo.

De facto, ao Conselho da Revolução, a par da competência legislativa em matéria

militar, era atribuída a capacidade de fiscalização da constitucionalidade dos actos legislativos da Assembleia da República ou do Governo da República. Esta última capacidade foi atribuída, após a primeira revisão constitucional (ocorrida em 1982), ao Tribunal Constitucional.

A Assembleia da República detinha a competência legislativa por excelência, ou seja,

a par do poder constituinte derivado que lhe estava atribuído, possuía reserva absoluta de competência legislativa para determinadas matérias e reserva relativa para outras matérias.

Ao Governo da República, para além da competência de iniciativa legislativa, era

atribuída competência para legislar em matéria delegada e em matéria concorrencial, a par da sua competência legislativa exclusiva em matéria da sua organização interna.

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O Presidente da República, enquanto detentor do poder moderador, poderia

sancionar as leis, as quais só passariam a produzir efeitos, depois de verificadas, aceites e promulgadas por ele.

Se o processo legislativo é partilhado por diversos orgãos, também a competência

legislativa, isto é, a capacidade para elaborar e aprovar um acto legislativo, o poderá ser. Com efeito, em Portugal, a competência legislativa encontra-se atribuída a dois

orgãos, designadamente à Assembleia da República e ao Governo, muito embora às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas seja reconhecida a possibilidade de aprovação de actos legislativos (artº 112º, nº 1 e 228º e sgs. da CRP).

Verifica-se assim que a competência legislativa já não é exclusiva dos orgãos de soberania (artº 110º da CRP).

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Competência Legislativa da Assembleia da RepúblicaA CRP atribui à Assembleia da República a competência legislativa para um

conjunto de matérias sobre as quais nenhum outro órgão pode legislar, como é o caso da competência de revisão constitucional (artº 284º da CRP), bem como a aprovação de actos legislativos sobre as matérias contidas no artº 164º da CRP.

A par da competência legislativa absoluta, a CRP consagra um conjunto de matérias

que embora sendo da exclusiva competência da Assembleia da República, esta pode delegar no Governo da República (artº 165º da CRP).

Estas matérias, apesar da sua relevância, não têm tanta necessidade de protecção. De facto, a reserva de competência absoluta da A.R. resulta da necessidade sentida

pelo legislador constituinte de salvaguardar um conjunto de matérias que deverão ser discutidas e aprovadas por um órgão do tipo assembleia, onde participem uma multiplicidade de partidos políticos, situação que mais dificilmente se verificará num órgão que, embora colegial, não promove a mesma discussão, e que, em regra, não é constituído por membros de todos os partidos políticos com expressão parlamentar, como é o caso do Governo da República.

O artº 161º, al. c) da CRP estabelece que, salvaguardadas as matérias reservadas

pela CRP ao Governo, a Assembleia da República pode fazer leis sobre todas as matérias, materializando-se assim a competência concorrencial da A.R.

Com efeito, a CRP confere, tanto à Assembleia da República como ao Governo, competência para legislar, no entanto, como é óbvio, não consagra nem prevê todas as

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Jorge Bacelar Gouveia Direito Constitucional matérias existentes na nossa sociedade, pelo que, para além das matérias expressamente atribuídas à Assembleia da República ou ao Governo, existem outras sobre as quais quer a Assembleia da República, quer o Governo, podem legislar.

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Competência Legislativa do Governo da RepúblicaO Governo, à semelhança da A.R., também tem 3 planos de competência legislativa,

designadamente a competência absoluta, a competência delegada (pela A.R.) e a competência concorrencial.

A competência legislativa absoluta do Governo da República é aquela que diz respeito

à sua própria organização e funcionamento (artº 198º, nº 2). O Governo pode também legislar sob a forma delegada, mediante prévia autorização

da Assembleia da República, em matéria da competência relativa desta.Com efeito, a Assembleia da República, com base numa proposta de lei do Governo,

aprova uma lei de autorização legislativa, nos termos do artº 165º, nº 2 da CRP, a qual permitirá ao Governo elaborar e aprovar um Decreto-Lei (artº 198º, nº 1, al. b) da CRP).

O Governo possui ainda competência legislativa concorrencial, podendo elaborar

e aprovar actos legislativos sobre todas as matérias que não estejam expressamente atribuídas à Assembleia da República (artº 198º, nº 1, al. a) da CRP).

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Competência Legislativa das Assembleias das Regiões AutónomasApós a revisão constitucional de 2004, para além do Governo, também as regiões

autónomas, através das respectivas Assembleias Legislativas, podem legislar em matéria da competência relativa da Assembleia da República, mediante prévia autorização desta (artºs 227º, nº 1, al. b) e 232º, nº 1 da CRP).

As Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas também podem legislar sobre matéria concorrencial, isto é, que não seja da exclusiva competência da A.R. e do Governo (artº 232º da CRP).

TIPO COMPETÊNCIA

ASSEMBLEIAREPÚBLICA

GOVERNO REPÚBLICA

REGIÕESAUTÓNOMAS

Competência Absoluta 164º e 284º 198º, nº 2 Competência Relativa / Delegada 165º 198. nº 1, al. b) 227º, nº 1, al. b) e 232º, nº 1Competência Concorrencial 161º, al. c) 198, nº 1, al. a) 232º

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----------*---------- Processo Legislativo na Assembleia da República O processo legislativo na Assembleia da República é distinto do processo legislativo

correspondente no Governo, facto que naturalmente se compreende, desde logo até pelas matérias sobre as quais cada um dos orgãos pode legislar.

A Assembleia da República legisla sobre as matérias mais importantes, como as

contidas na sua competência absoluta (artº 164º da CRP) e relativa (artº 165º da CRP).Por outro lado, enquanto que a Assembleia da República é composta por 230

deputados, representantes de diversas forças politicas, o Governo da República é composto por membros que obedecem a um programa comum, são solidários uns com os outros e, em regra, são da mesma força ou área politica.

O processo legislativo da Assembleia da República, ou seja, o conjunto de actos

tendentes à elaboração e aprovação de um acto legislativo, pode implicar a participação da totalidade dor orgãos de soberania.

A iniciativa legislativa poderá caber não só a membros da Assembleia da República

(deputados e grupos parlamentares), como também a entidades estranhas à Assembleia da República, como o Governo, as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e até Grupos de cidadãos eleitores (artº 167º da CRP).

Com efeito, a primeira fase do processo legislativo ao nível da Assembleia da

República é a da iniciativa, a qual se traduz no exercício de uma competência junto da Assembleia da República, no sentido de desencadear um processo legislativo sobre matéria da competência da mesma. Esta iniciativa encontra-se prevista no artº 167º da CRP, podendo ser realizada pelos deputados da Assembleia da República (artº 156º, al. b) da CRP), pelos grupos parlamentares representados na Assembleia da República (artº 180º, nº 2, al. g) da CRP), pelo Governo da República (artº 197º, nº 1, al. d) da CRP), pela Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas (artº 232º, nº 1 e 227º, nº 1, al. f) da CRP), e ainda por cidadãos eleitores em termos a definir em lei ordinária.

Designam-se propostas de lei os actos de iniciativa legislativa, apresentados por

orgãos externos à Assembleia da República (Governo e Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas), designando-se como projectos-lei os actos de iniciativa legislativa dos membros ou orgãos da própria Assembleia da República, e também os actos de iniciativa legislativa dos cidadãos eleitores.

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De acordo com o artº 168º da CRP, os projectos ou as propostas de lei são sujeitos a

duas discussões e três votações, a saber: • Uma primeira discussão na generalidade, na qual o plenário da Assembleia

da República discute se irá promover o processo legislativo proposto, decidindo através duma votação na generalidade.

• Caso seja aceite na generalidade, a proposta ou projecto é discutida e

votada na especialidade, havendo a considerar que nos termos do artº 168º, nº 3 da CRP, os textos aprovados na generalidade serão discutidos e votados na especialidade pelas comissões temáticas se o Plenário da Assembleia da República assim o tiver deliberado na votação na generalidade ocorrida anteriormente, sendo certo que a Assembleia da República tem as comissões previstas no artº 178º da CRP.Todavia, dispõe também o artº 168º, nº 3 da CRP que durante o processo de discussão e votação na especialidade em sede de comissões, a Assembleia da República pode, a todo o tempo, avocar para si o processo legislativo.Com efeito, o Direito de Avocação traduz-se na capacidade atribuída a um órgão, de revogar um acto de delegação que previamente praticou, recuperando, por essa via, o poder que havia delegado.

• Depois da discussão e votação na especialidade, segue-se uma votação final

global, a partir da qual se consumará um acto da Assembleia da República, o qual, depois de ser assinado pelo Presidente da Assembleia da República, passará a ter a forma e a designação de Decreto da Assembleia da República e deverá então ser enviado ao Presidente da República.

O Presidente da República, depois de receber o Decreto da Assembleia da República,

terá, por sua vez, de o promulgar, vetar ou requerer a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade (artºs 136º, nº 1 e 278º, nº 1 da CRP), nos termos e condições seguintes.

O requerimento de fiscalização preventiva da constitucionalidade dever ser

apresentado num prazo de 8 dias após a recepção do decreto, junto do Tribunal Constitucional, o qual tem, por sua vez, um prazo de 25 dias para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade do decreto, podendo, no entanto, esse prazo ser encurtado pelo Presidente da República (artº 278º, nºs 1, 3 e 8 da CRP).

Se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade do Decreto, o

Presidente da República deverá vetá-lo (artº 279º, nº 1 da CRP), podendo a Assembleia da República responder a esse veto por uma de quatro formas:

• Ou altera o Decreto adequando-o à CRP.

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• Ou expurga o Decreto retirando-lhe os preceitos que foram declarados inconstitucionais.

• Ou confirma o Decreto por deliberação realizada com a maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que essa maioria de 2/3 seja superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções.

• Ou desiste do processo legislativo. Se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela não inconstitucionalidade do Decreto

ou se a questão da inconstitucionalidade nem sequer se colocar, o Presidente da República tem o prazo de 20 dias para o promulgar ou vetar politicamente (artº 136º, nº 1 da CRP), sendo seguro que os 20 dias são contados a partir da data da recepção do Decreto na Presidência da República, quer ele venha, consoante os casos, do Tribunal Constitucional ou da Assembleia da República.

De acordo com o artº 115º, nº 8 da CRP, o Presidente da República deve

obrigatoriamente requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade dos actos respeitantes ao referendo, o que é diferente do disposto no artº 278º, nº 1 da CRP.

Se não se colocar a questão da inconstitucionalidade do Decreto da Assembleia da

República e se o Presidente da República ao recebê-lo não concordar com o mesmo, pode, no prazo de 20 dias, vetá-lo politicamente (artº 136º, nº 1 da CRP), porém, neste caso, o veto presidencial tem um efeito meramente suspensivo, já que nos termos dos nºs. 2 e 3 do artº 136º da CRP, a Assembleia da República pode confirmar o seu Decreto e obrigar o Presidente da República a promulgá-lo. Porém, para que tal aconteça, isto é, para que a Assembleia da República possa confirmar o seu Decreto deverá primeiramente conhecer o motivo pelo qual o Presidente da República o vetou, conforme disposto na parte final do nº 1 do artº 136º da CRP, condição obrigatória para o Presidente da República que já não se verifica no veto político aos Decretos do Governo da República, como adiante melhor se precisará (artº 136º, nº 4 da CRP).

Não sendo nem vetado por inconstitucionalidade nem vetado politicamente, o Decreto

da Assembleia da República deverá ser promulgado pelo Presidente da República, pois a não promulgação implicará a inexistência jurídica do Decreto (artº 137º da CRP), podendo o órgão legislativo, neste caso a Assembleia da República, dar início a um novo processo legislativo, sendo por isso que se afirma que no nosso ordenamento jurídico não existe veto de gaveta ou veto de bolso.

Para alguns autores, o veto político e o veto por inconstitucionalidade correspondem,

para além de actos de censura, a modos de defesa do Presidente da República para que este não assuma qualquer responsabilidade pelo Decreto da Assembleia da República.

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A Promulgação não é, no entanto, um acto de ratificação ou aprovação, mas apenas a aposição da concordância ou adesão do Presidente da República ao acto de um outro órgão, pelo que dificilmente se poderá afirmar que o Presidente da República pode ser responsabilizado por um Decreto por si promulgado.

À Promulgação do Presidente da República, segue-se a referenda ministerial (artº

140º da CRP), a qual corresponde ao acto de conhecimento pelo Governo da República dos actos legislativos promulgados pelo Presidente da República.

A referenda ministerial, embora a constituição não o preveja expressamente, deverá

ser realizada com a assinatura do Primeiro-ministro (responsável pela política do governo) e a assinatura do(s) ministro(s) competente(s) em razão da matéria. A falta de refenda ministerial implicará a inexistência jurídica do acto (artº 140º, nº 2 da CRP).

Vimos até aqui que o processo legislativo pode passar por todos os orgãos de

soberania e até passar por orgãos que não são de soberania. Concluída a explicação das fases do processo legislativo da Assembleia da República,

vejamos de seguida as fases do processo legislativo do Governo da República.

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Processo Legislativo no Governo da República O processo legislativo no Governo da República inicia-se com a apresentação, por

parte de um dos membros do Conselho de Ministros, de um projecto de decreto-lei (artº 200º, nº 1, al. d) da CRP), o qual, após aprovação, será assinado pelo Primeiro-ministro e pelos ministros competentes em razão da matéria (artº 201, nº 3 da CRP) e enviado ao Presidente da República para promulgação (artº 136º, nº 4 da CRP).

Perante um Decreto do Governo, o Presidente da República poderá requerer a sua

fiscalização preventiva da constitucionalidade, vetá-lo politicamente ou promulgá-lo. A fiscalização preventiva da constitucionalidade é requerida junto do Tribunal

Constitucional (artº 278º, nº 1 da CRP) sendo certo que se este orgão se pronunciar pela inconstitucionalidade do decreto, o Governo, para ultrapassar a situação, poderá realizar os mesmos actos que a Assembleia da República realiza nas situações semelhantes, à excepção da confirmação do Decreto, isto é, o Governo apenas pode alterar o Decreto adequando-o à CRP, ou Expurgar o Decreto retirando-lhe os preceitos que foram declarados inconstitucionais, ou ainda Desistir do processo legislativo. Licenciatura em Direito – ( 1º Ano) Pág. 76 de 84

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Se o Presidente da República pretender vetar politicamente um Decreto do Governo,

poderá fazê-lo no prazo de 40 dias a partir da data da recepção do mesmo (artº 136º, nº 4 da CRP), não podendo o Governo vir a confirmar o seu Decreto, querendo isto dizer que os vetos políticos do Presidente da República sobre os Decretos do Governo têm efeito absoluto, pois implicam a imediata rejeição dos mesmos, sem possibilidade de reapreciação, aprovação ou confirmação por parte do Governo.

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Fiscalização sucessiva da constitucionalidade Enquanto lei fundamental e seguindo o pensamento de Kelsen, a CRP consagra

dois meios ou modos de garantia do seu conteúdo, estabelecendo formas de controlo da constitucionalidade de actos legislativos publicados. Teremos assim a fiscalização sucessiva da constitucionalidade das normas, a qual surge após a publicação do acto legislativo em Diário da República.

A fiscalização sucessiva da constitucionalidade pode ser abstracta ou concreta,

consoante esteja em causa um mero confronto entre a CRP e a lei ou um recurso de uma decisão de um tribunal que se pronuncie sobre a conformidade ou desconformidade da lei face à CRP.

--*--

A fiscalização sucessiva abstracta pode ser desencadeada por qualquer um

dos orgãos referidos no nº 2 do artº 281º da CRP. Assim, após a publicação da norma, qualquer um desses orgãos pode requerer ao Tribunal Constitucional que verifique da sua conformidade ao teor da CRP.

Este modo de fiscalização é pois objectiva, na medida em que se limita à relação

entre dois actos legislativos. A fiscalização sucessiva abstracta tem força obrigatória geral (artº 281º, nº 1 da CRP).

--*--

Na fiscalização sucessiva concreta recorre-se de uma decisão de um tribunal. O recurso para o Tribunal Constitucional, de acordo com o artº 280º da CRP, é

facultativo, só podendo ser realizado por quem tenha arguido a inconstitucionalidade da norma aplicada na decisão que lhe foi anteriormente desfavorável (artº 280º, nº 4 da CRP).

Este recurso será, no entanto, obrigatório para o Ministério Público se a decisão do

tribunal defender a inconstitucionalidade de norma constante de convenção internacional, acto legislativo ou decreto regulamentar (artº 280º, nº 3 da CRP), ou, se a decisão do tribunal se basear em norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional (artº 280º, nº 5 da CRP).

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Nos termos do nº 3 do artº 281º da CRP, o Tribunal Constitucional declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos.

Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral são os

estabelecidos no artº 282º da CRP.

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Revisão Constitucional A consagração do modo de revisão constitui um dos elementos mais importantes para

a manutenção dos princípios que integram determinado texto constitucional, pelo que, no momento da elaboração inicial, deverá haver particular atenção ao modo ou possibilidade de alteração do seu conteúdo.

O Poder constituinte poderá ser originário ou derivado, correspondendo o originário

àquele que é assumido por uma determinada comunidade política que se pretende auto-limitar pela primeira vez, e o derivado àquele que ocorre quando a própria ordem jurídica prevê a possibilidade de alteração ou revisão do texto constitucional.

A Constituição da República Portuguesa de 1976 foi elaborada por uma Assembleia

Constituinte eleita em 25 de Abril de 1975, a qual desenvolveu, com base nas novas plataformas constitucionais e nos programas apresentados pelos partidos políticos em Junho de 1975, uma Constituição semi-rígida, ou seja, uma lei fundamental que previa a sua própria alteração, embora condicionada a alguns limites.

A revisão do texto constitucional ficou assim, desde logo, acautelada na versão

original da Constituição, prevendo-se, após a segunda plataforma constitucional, a possibilidade de alteração do texto constitucional por um único orgão, depois de decorrido um prazo temporal mínimo considerado como essencial para a protecção do espírito da revolução de 1974.

Com efeito, no artº 286º da versão original da CRP poder-se-ia ler que a Assembleia da República teria poderes de revisão constitucional na sua segunda legislatura.

Em 1982, após a primeira revisão constitucional, o artº 286º passou a ter a redacção

que hoje corresponde ao 284º da CRP, estabelecendo que a Assembleia da República pode assumir competência de revisão constitucional decorridos 5 anos sobre a última revisão.

Esta disposição corresponde a um primeiro limite do poder de revisão (poder temporal), que, no entanto, pode ser excepcionado pelo disposto no nº 2 do mesmo artº 284º da CRP, que estabelece que a Assembleia da República pode anunciar, a todo o tempo, um processo de revisão constitucional, desde que 4/5 dos deputados assim o deliberem.

Um segundo limite é o da iniciativa, pois ao contrário dos demais actos da

Assembleia da República, como vimos por exemplo no artº 167º, nº 1 da CRP, a iniciativa da revisão constitucional só pode ser tomada pelos deputados à Assembleia da República (artº 285º, nº 1 da CRP).

O processo de revisão constitucional é, todo ele, exclusivo da Assembleia da

República, já que a iniciativa cabe exclusivamente aos deputados (artº 285º, nº 1 da

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Jorge Bacelar Gouveia Direito Constitucional CRP), a aprovação é da competência da Assembleia da República que delibera por maioria qualificada - 2/3 dos deputados em efectividade de funções (artº 286º, nº 1 da CRP), sendo certo que o Presidente da República tem obrigatoriamente de promulgar a correspondente lei de revisão constitucional (artº 286º, nº 3 da CRP).

O artº 288º da CRP consagra os limites materiais de revisão constitucional,

pretendendo-se, deste modo, salvaguardar determinados princípios de uma futura lei de revisão constitucional.

A existência destes limites, como vimos anteriormente, não é, por sí só, uma garantia suficiente, na medida em eles próprios poderão ser passíveis de revisão (como defendem alguns autores, entre os quais o Prof. Dr. Jorge Miranda), e poderão constituir apenas uma mera intenção programática (como defendem outros autores, entre os quais o Dr. André Gonçalves Pereira).

Por último, a Constituição consagra no artº 289º limites circunstanciais de revisão,

estabelecendo aqueles momentos em que não pode ser aprovada qualquer lei de revisão constitucional, nomeadamente o Estado de Sitio e o Estado de Emergência.

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Regiões Autónomas De acordo com o artº 6º da CRP Portugal é um Estado unitário onde encontramos

também Regiões como modo de representação e exercício do poder político. Assim, Portugal, sendo um Estado unitário, integra, no entanto, regiões autónomas,

conforme previsto nos artºs 6º e 225º e sgs. Da CRP. O poder constituinte é a maior expressão da soberania de um Povo, integrando-se no

mesmo a capacidade ou possibilidade do Estado se dotar de estatuto jurídico próprio, isto é, de se auto-organizar e auto-regular.

O Estado regional implica uma profunda descentralização política e administrativa,

a ponto de se atribuírem às regiões competências que caberiam aos orgãos de soberania. Todavia, o poder constituinte manter-se-á necessariamente sempre junto dos orgãos de soberania.

O conjunto de das atribuições e competências das regiões encontra-se definido num

diploma próprio em regra denominado como Estatuto. O Estado autonómico terá como características os seguintes aspectos:

O reconhecimento constitucional, pois a lei fundamental terá necessariamente que conter os preceitos essenciais respeitantes às regiões e aos seus orgãos.

O conceito de Estado torna-se ambivalente, pois a par do Estado soberano passará a existir um Estado enquanto comunidade, ou seja, ao instituir-se um conjunto de novas entidades (as regiões) estas relacionar-se-ão de um modo específico com o Estado soberano.

A existência de uma pluralidade de sujeitos no âmbito do Estado, pois para além deste e das regiões autónomas estão consagrados os municípios e as freguesias.

A consagração e respeito pelos princípios da independência, coordenação e competência nas diversas relações estabelecidas com as regiões autónomas.

A consagração de regiões autónomas implica um particular cuidado no respeito pelos

seguintes princípios: Princípio da constitucionalidade, de acordo com o qual todos os actos

legislativos, regulamentares e outros dos orgãos das regiões autónomas devem obediência à CRP.

Princípio da unidade, de acordo com o qual a autonomia e o seu exercício nunca poderão pôr em causa a unidade do Estado unitário.

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Princípio da autonomia, de acordo com o qual a atribuição de competências às regiões não fica subordinada ou dependente, na aplicação das leis, a instruções ou deliberações de outras pessoas jurídicas.~

Princípio da solidariedade, de acordo com o qual deve haver uma reciprocidade de interesses e obrigações entre todas as comunidades autonómicas e entre estas e o Estado.

Princípio da igualdade, de acordo com o qual as comunidades autónomas e os cidadãos que as integram são iguais não só perante a CRP e a lei, mas também perante toda a actuação do Estado.

Principio da cooperação, de acordo com o qual se consagra a exigência de auxílio recíproco e de troca de informação entre as regiões e entre estas e o Estado.

Princípio da proibição de reunião das comunidades ou regiões autónomas, de acordo com o qual as regiões autónomas não podem unir-se ou organizar-se de forma a porem em causa a soberania nacional.

O Estado unitário descentralizado pode ser parcial ou integralmente regional. A Finlândia com a Alândia, a Dinamarca com as Ilhas Feroe e a Gronelândia, e a

Ucrânia com a Crimeia constituem exemplos, tal como Portugal com os Açores e a Madeira, de Estados unitários descentralizados e parcialmente regionalizados.

Em Portugal as atribuições e competências das regiões autónomas são definidas no

estatuto político-administrativo de cada região autónoma, em obediência ao estabelecido nos artºs 225º e segs. Da CRP.

A competência para aprovação do estatuto político-administrativo das regiões

autónomas é da Assembleia da República (artº 161º, al. b) da CRP). Este estatuto reveste a forma de lei, conforme disposto no artº 166º, nº 3 da CRP.

Assim sendo, a aprovação dos estatutos político-administrativos das regiões

autónomas é realizada como qualquer outro acto legislativo, estando sujeitos às discussões e votações previstas nos nºs 1 e 2 do artº 168º da CRP. No entanto, carecem de aprovação por maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, as disposições desses estatutos que enunciem as matérias que integram o poder legislativo das regiões autónomas (artº 168º, nº 6, al. f) da CRP).

A iniciativa da revisão estatutária, ou seja, os projectos respeitantes à alteração

dos estatutos político-administrativos das regiões autónomas cabe exclusivamente às assembleias legislativas das regiões autónomas (artº 226º, nº 1 da CRP). Licenciatura em Direito – ( 1º Ano) Pág. 83 de 84

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Como já visto anteriormente, as regiões autónomas possuem competência legislativa

(artº 112º, nº 1 e 227º da CRP), sendo certo que essa competência legislativa foi revista em 2004.

Com efeito, até essa revisão constitucional, os actos legislativos das Assembleias

Legislativas Regionais deveriam respeitar as leis gerais da República (anterior redacção do artº 227º, nº 1, al. a) da CRP).

Com a revisão constitucional de 2004, a designação dos orgãos das regiões autónomas

foi alterada. Assim, a Assembleia Legislativa Regional passou a ser designada por Assembleia

Legislativa da Região Autónoma (artº 231º da CRP) e o Ministro da República passou a designar-se Representante da República (artº 230º da CRP).

As regiões autónomas possuem dois orgãos de governo próprios, nomeadamente

a Assembleia Legislativa e o Governo Regional (artº 231º da CRP), ou seja, um órgão deliberativo e outro executivo.

Diz-se que estes orgãos são próprios da região autónoma pelo facto dos seus membros serem directa ou indirectamente designados pelos cidadãos da respectiva região autónoma.

O Representante da República é o orgão representante da soberania, sendo nomeado

pelo Presidente da República (artº 230º da CRP), cabendo-lhe o exercício do poder moderador na região autónoma, podendo assinar ou vetar os decretos da assembleia legislativa e do governo regional (artº 233º, nºs 1 e 2 da CRP).

O Representante da República pode também, no âmbito do seu poder moderador, requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade dos decretos da Assembleia Legislativa (artº 278º, nº 2 da CRP).

- FIM -

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