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7/28/2019 Apontamentos Exame Constitucional http://slidepdf.com/reader/full/apontamentos-exame-constitucional 1/32 Os conceitos material, formal e instrumental de Constituição  Constituição em sentido material corresponde ao conjunto de normas que disciplinam a organização do poder, a distribuição de competência entre os diversos órgãos de soberania, o exercício da autoridade, a forma e o sistema de governo e os direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais. Constituição em sentido formal carateriza-se por se tratar de uma norma sujeita a um procedimento difícil quanto à sua elaboração e revisão, em contraste com o procedimento relativamente fácil para aprovar e alterar a lei ordinária. Esta, com efeito, é normalmente aprovada por maioria simples ou relativa, em contraste com as maiorias qualificadas exigidas para a aprovação da lei constitucional. Constituição em sentido formal: a Constituição ocupa o lugar cimeiro no conjunto das fontes de origem legal; a Constituição corresponde a um conjunto de normas com uma sistematização própria. É o conceito formal que permite distinguir entre legislação ordinária e lei constitucional. Constituição é o instrumental: o documento onde se inserem ou depositam normas constitucionais diz-se Constituição em sentido instrumental, segundo o Prof. Jorge Miranda. Se bem que pudesse (ou possa) ser extensivo a normas de origem consuetudinária quando recolhidas por escrito, o conceito é coevo das Constituições formais escritas. Constituição instrumental vem a ser todo e qualquer texto constitucional, seja ele definido material ou formalmente. Por outro lado, de modo mais estrito, por Constituição instrumental pode entender-se o texto denominado Constituição. Constituição rígida e Constituição flexível; Constituição escrita e Constituição consuetudinária Constituições rígidas e flexíveis. As primeiras (rígidas) são aquelas que não podem ser modificadas da mesma maneira que as leis ordinárias, mas exigem um processo de revisão mais complexo e solene. Quase todos os Estados têm hoje uma Constituição rígida. Nalguns casos fala-se até de Constituição hiper-rígidas, como sucede quando não existem apenas exigência de forma para aprovar uma revisão da Constituição, mas também limites materiais, como sucede com o artigo 288.º da nossa Constituição. Constituições flexíveis são as que podem ser adotadas ou alteradas nos mesmos termos que se encontram previstos para a lei ordinária. Exemplo mais típico da Constituição flexível é o da Grã-Bretanha. Não se pense, todavia, que toda a Constituição rígida é escrita e toda a Constituição de base costumeira é flexível. Embora esta última identificação tenda a ser verdadeira, a primeira já não o é. O que parece não oferecer dúvidas é que as Constituições modernas são, em regra Constituições escritas. De resto, é inegável que as Constituições escritas oferecem maiores garantias e segurança aos governados com o arbítrio dos governantes. Constituições outorgadas, pactícias e populares Constituição outorgada corresponde, de um ponto de vista jurídico, a um ato unilateral de uma vontade política soberana, normalmente um rei; de um ponto de vista política, significa normalmente uma concessão feita por aquela vontade ao poder popular ascendente. Estas Constituições exprimem normalmente a passagem do absolutismo monárquico para o constitucionalismo monárquico. Assim sucedeu, em Portugal, com a Carta de 1826 e, no Brasil, com a Constituição imperial de 1824. Entre outros exemplos, cabe ainda mencionar a Carta de Luís XVIII restaurando a monarquia francesa em 1814, a Constituição japonesa de 1889 e a Constituição da Arábia Saudita de 1950. Constituições pactícias exprimem um compromisso entre duas forças políticas rivais: a monarquia absoluta enfraquecida, de um lado, e a nobreza e a burguesia, sobretudo esta, do outro. Como exemplos, temos a Constituição portuguesa de 1838 e o Bill of Rights inglês, de 1689. As Constituições populares ou democráticas são as que exprimem verdadeiramente o princípio democrático de que todo o governo deve ser escolhido pelo povo e todo o poder deve traduzir a soberania popular. Não espanta assim que a maior parte das constituições o sejam, nem que o tenham sido as primeiras constituições modernas, como a Americana de 1789 e a Francesa de 1791. Há aqui vários sistemas a mencionar, envolvendo uma combinação entre assembleias constituintes escolhidas pelo voto popular e referendos. Constituições normativa, nominal e semântica Constituição normativa é aquela cujas normas são efetivas, isto é, aplicadas pelos seus destinatários, sejam eles os governantes ou os governandos. Podemos dizer que a Constituição normativa é aquela em que convergem a validade jurídica, a validade material e a validade social. Constituição nominal é juridicamente válida, mas não é efetiva, sendo desmentida pela prática constitucional. Constituição semântica é juridicamente válida e aplicada na prática, mas corresponde apenas à manutenção do status quo. No primeiro caso, as normas da Constituição dominam o processo político, no segundo caso, são incapazes de o fazer e no terceiro são por dominadas pelo processo político (Marcelo Rebelo de Sousa). As Constituições simbólicas A Constituição simbólica, de um ponto de vista negativo, é aquela que se caracteriza pela ausência de concretização normativa do texto constitucional; do ponto de vista positivo, a atividade constituinte e a linguagem constitucional desempenham um

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Os conceitos material, formal e instrumental de Constituição 

Constituição em sentido material corresponde ao conjunto de normas que disciplinam a organização do poder, a distribuição decompetência entre os diversos órgãos de soberania, o exercício da autoridade, a forma e o sistema de governo e os direitos dapessoa humana, tanto individuais como sociais.

Constituição em sentido formal carateriza-se por se tratar de uma norma sujeita a um procedimento difícil quanto à suaelaboração e revisão, em contraste com o procedimento relativamente fácil para aprovar e alterar a lei ordinária. Esta, comefeito, é normalmente aprovada por maioria simples ou relativa, em contraste com as maiorias qualificadas exigidas para aaprovação da lei constitucional.

Constituição em sentido formal: a Constituição ocupa o lugar cimeiro no conjunto das fontes de origem legal; a Constituiçãocorresponde a um conjunto de normas com uma sistematização própria. É o conceito formal que permite distinguir entrelegislação ordinária e lei constitucional.

Constituição é o instrumental: o documento onde se inserem ou depositam normas constitucionais diz-se Constituição emsentido instrumental, segundo o Prof. Jorge Miranda. Se bem que pudesse (ou possa) ser extensivo a normas de origemconsuetudinária quando recolhidas por escrito, o conceito é coevo das Constituições formais escritas.Constituição instrumental vem a ser todo e qualquer texto constitucional, seja ele definido material ou formalmente. Por outrolado, de modo mais estrito, por Constituição instrumental pode entender-se o texto denominado Constituição.  

Constituição rígida e Constituição flexível; Constituição escrita e Constituição consuetudinária 

Constituições rígidas e flexíveis. As primeiras (rígidas) são aquelas que não podem ser modificadas da mesma maneira que asleis ordinárias, mas exigem um processo de revisão mais complexo e solene. Quase todos os Estados têm hoje uma Constituiçãorígida. Nalguns casos fala-se até de Constituição hiper-rígidas, como sucede quando não existem apenas exigência de forma paraaprovar uma revisão da Constituição, mas também limites materiais, como sucede com o artigo 288.º da nossa Constituição.

Constituições flexíveis são as que podem ser adotadas ou alteradas nos mesmos termos que se encontram previstos para a leiordinária. Exemplo mais típico da Constituição flexível é o da Grã-Bretanha. Não se pense, todavia, que toda a Constituiçãorígida é escrita e toda a Constituição de base costumeira é flexível. Embora esta última identificação tenda a ser verdadeira, aprimeira já não o é. O que parece não oferecer dúvidas é que as Constituições modernas são, em regra Constituições escritas. De resto, é inegávelque as Constituições escritas oferecem maiores garantias e segurança aos governados com o arbítrio dos governantes. 

Constituições outorgadas, pactícias e populares 

Constituição outorgada corresponde, de um ponto de vista jurídico, a um ato unilateral de uma vontade política soberana,normalmente um rei; de um ponto de vista política, significa normalmente uma concessão feita por aquela vontade ao poderpopular ascendente. Estas Constituições exprimem normalmente a passagem do absolutismo monárquico para oconstitucionalismo monárquico. Assim sucedeu, em Portugal, com a Carta de 1826 e, no Brasil, com a Constituição imperial de1824. Entre outros exemplos, cabe ainda mencionar a Carta de Luís XVIII restaurando a monarquia francesa em 1814, aConstituição japonesa de 1889 e a Constituição da Arábia Saudita de 1950.

Constituições pactícias exprimem um compromisso entre duas forças políticas rivais: a monarquia absoluta enfraquecida, de umlado, e a nobreza e a burguesia, sobretudo esta, do outro. Como exemplos, temos a Constituição portuguesa de 1838 e o Bill of Rights inglês, de 1689.As Constituições populares ou democráticas são as que exprimem verdadeiramente o princípio democrático de que todo o

governo deve ser escolhido pelo povo e todo o poder deve traduzir a soberania popular. Não espanta assim que a maior partedas constituições o sejam, nem que o tenham sido as primeiras constituições modernas, como a Americana de 1789 e aFrancesa de 1791. Há aqui vários sistemas a mencionar, envolvendo uma combinação entre assembleias constituintes escolhidaspelo voto popular e referendos.

Constituições normativa, nominal e semânticaConstituição normativa é aquela cujas normas são efetivas, isto é, aplicadas pelos seus destinatários, sejam eles os governantesou os governandos. Podemos dizer que a Constituição normativa é aquela em que convergem a validade jurídica, a validadematerial e a validade social.Constituição nominal é juridicamente válida, mas não é efetiva, sendo desmentida pela prática constitucional.Constituição semântica é juridicamente válida e aplicada na prática, mas corresponde apenas à manutenção do status quo.No primeiro caso, as normas da Constituição dominam o processo político, no segundo caso, são incapazes de o fazer e noterceiro são por dominadas pelo processo político (Marcelo Rebelo de Sousa).

As Constituições simbólicasA Constituição simbólica, de um ponto de vista negativo, é aquela que se caracteriza pela ausência de concretização normativado texto constitucional; do ponto de vista positivo, a atividade constituinte e a linguagem constitucional desempenham um

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importante papel político ideológico (Marcelo Neves). Existe, pois, uma evidente continuidade entre os conceitos deConstituição simbólica e de Constituição normativa, no sentido em que esta última é sempre manifestação também daquela,embora o contrário possa não suceder.

Constituições concisas e prolixasAs Constituições concisas são aquelas que enunciam apenas os princípios básicos e regras gerais, deixando o desenvolvimentodesses princípios e regras à legislação complementar.São Constituições que tratam apenas de matéria constitucional e permitem, ao mesmo tempo, uma maior estabilidade eflexibilidade do texto que permite a sua adaptação a circunstâncias diversas e situações novas (Paulo Bonavides). Exemplomáximo é a Constituição americana, com apenas sete artigos.As Constituições prolixas são as que tratam a matéria constitucional com demasiada minúcia e trazem ao texto constitucionalmatéria que é alheia a este direito. São um instrumento do que atrás chamámos a constitucionalização simbólica.  

O conceito de EstadoO conceito material de Constituição pressupõe o conceito de Estado - conceito jurídico de Estado: um povo fixado numdeterminado território que institui, por vontade própria, dentro desse território, um poder político relativamente autónomo(Marcelo Rebelo de Sousa). São, pois, três os elementos que integram este conceito de Estado: povo, território e poder político.

O povoConjunto de cidadãos, sujeitos ou nacionais de cada Estado, ligados a certo Estado por um vínculo de nacionalidade. Artigo 4.º 

da Constituição: conjunto de cidadãos portugueses que como tal sejam considerados por lei ou convenção internacional.

Conceito económico-demográfico de população, que corresponde ao conjunto de pessoas físicas, nacionais ou estrangeiras,habitualmente residentes no território de um Estado.Diferente do conceito de povo é ainda o conceito de nação, isto é, comunidade de pessoas presas por laços de existênciacoletiva comum, nos planos culturais e socioeconómicos.Tal como não existe coincidência entre povo e população, porque nem todos os residentes são nacionais, também não existecoincidência necessária entre povo e nação. Assim sucede com as nações não organizadas em Estados (curdos, palestinianos,nações indígenas) e Estados cujo povo não corresponde a uma nação (Estados recém independentes, como sucedeu com osEUA).

A cidadania

Cidadania ou nacionalidade é o vínculo jurídico que liga uma pessoa a determinado Estado.Regra: cada pessoa tem uma, e só uma, nacionalidade. Dupla nacionalidade e casos de apatrídia ou apolídia.Dois critérios tipo, para a determinação do vínculo de nacionalidade: ius sanguinis, centrado na filiação relativamente anacionais de certo Estado; ius soli , baseado no local de nascimento.Se prevalecer o ius sanguinis, pode dizer-se que o conceito de povo se aproxima do conceito de nação; pelo contrário, seprevalecer o ius soli , dir-se-á que o conceito de povo se aproxima do conceito de população.Aquisição originária e derivada. A Constituição (artigo 122.º) exige a nacionalidade originária como condições elegibilidade parao cargo de Presidente da República.Cidadania ativa, passiva e semi-cidadania. A primeira define-se pelo gozo de todos os direitos atribuídos em resultado dovínculo de nacionalidade: participação política, capacidade de eleger e ser eleito. Artigo 30.º, n.º 4, nenhuma pena envolve,como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos.Cidadania não é só qualidade jurídica, mas também direito fundamental: artigo 26.º, n.º 4:«A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efetuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendoter como fundamento motivos políticos». No mesmo sentido, artigo 15.º da DUDH, de 1948, e artigo 24.º, n.º 3, do PactoInternacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966.Nas primeiras Constituições portuguesas era o texto constitucional que definia os critérios de atribuição da nacionalidade. Comono contexto da Carta de 1826 a matéria em causa não era considerada constitucional, a mesma acabou por ser regulada na lei.O atual regime de aquisição da cidadania consta da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, objeto de sucessivas alterações.As principais ideias a ter em conta são as seguintes:Aquisição originária – por efeito da lei, ou do efeito combinado da lei e da vontade, na verdade uma combinação do ius sanguini e do ius soli (artigo 1.º)1 - São portugueses de origem:a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português;b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviçodo Estado Português;

c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civilportuguês ou se declararem que querem ser portugueses; d) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tivernascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento;

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e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, sedeclararem que querem ser portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmentehá pelo menos cinco anos;f) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade.2 - Presumem-se nascidos no território português, salvo prova em contrário, os recém-nascidos que aqui tenham sido expostos.Aquisição não originária por efeito da vontade (artigos 2.º a 4.º):- Os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a cidadania portuguesa podem também adquiri-la, mediantedeclaração;- O estrangeiro casado com cidadão português há mais de três anos pode adquirir a cidadania portuguesa mediante declaração

feita na constância do casamento, equiparando-se ao casamento a união de facto, depois de reconhecida;- Os que hajam perdido a cidadania portuguesa por efeito de declaração prestada durante a sua incapacidade podem readquiri-la quando capazes, mediante declaração.Aquisição não originária por adoção (artigo 5.º)Aquisição não originária por naturalização: o Governo concede a naturalização aos estrangeiros que satisfaçamcumulativamente os seguintes requisitos: i) sejam maiores ou emancipados face à lei portuguesa; ii) residam legalmente emterritório português; iii) conheçam suficientemente a língua portuguesa; não tenham sido condenados, com sentença transitadaem julgado, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a leiportuguesa.Questão: como conciliar este último requisito com o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, segundo o qual nenhumapena pode envolver, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos (Jorge Miranda, tomoIII, 6.ª ed., p. 126). A questão passa por saber se existe um direito à aquisição de cidadania, para além do direito a manter a

cidadania, claramente reconhecido na Constituição.Situação dos estrangeiros e apátridas – artigo 15.º da Constituição:«1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres docidadão português.2. Excetuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácterpredominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãosportugueses.3. Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal são reconhecidos, nos termos da leie em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da República,Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Presidentes dos tribunais supremos e o serviço nas Forças Armadas ena carreira diplomática.4. A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral ativa

e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais.5. A lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados-membros da União Europeia residentesem Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu.»

O territórioO segundo elemento do Estado é o território. O Estado contemporâneo é um fenómeno essencialmente espacial, não sendoconcebível um Estado nómada. Território integra o território terrestre (solo e subsolo) aéreo e marítimo.Território marítimo  – faixa marítima calculada a partir das costas dos Estados ribeirinhos, numa distância que varia de acordocom as legislações nacionais e as convenções internacionais. Compreende o mar territorial (limite máximo fixado em 12 milhas,de acordo com a Convenção de 29 de abril de 1958); zona contígua, não é parte do território, mas aí se exerce o poder defiscalização do acatamento de certas disposições alfandegárias, fiscais, de emigração e sanitárias, zona definida pelo espaço de12 milhas a contar dos limites do mar territorial;

Plataforma continental  – leito do mar e o subsolo das regiões submarinas adjacentes às costas, mas situadas fora do marterritorial, até uma profundidade de 200 metros ou até ao ponto onde a profundidade das águas permita a exploração dosrecursos naturais.Relevância jurídico-política do território é tripla (Marcelo Rebelo de Sousa):a) Condição de independência nacional;b) Circunscreve o âmbito do poder soberano do Estado;c) Representa um meio de atuação jurídico-política do Estado.

O primeiro aspeto é político. Nos termos do artigo 9.º, alínea a), da Constituição, é tarefa do Estado «garantir a independêncianacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam. A garantia da integridade do território éum dos objetivos da defesa nacional, como tal consagrado no artigo 273.º da Constituição.O segundo aspeto é jurídico: o território delimita a soberania do Estado, ao definir o espaço em que exercem os seus poderes os

órgãos soberanos desse Estado. O território delimita o âmbito de aplicação do direito do Estado.

A aplicabilidade de uma ordem jurídica pode ligar-se a uma de duas realidades: princípio da territorialidade (dentro doterritório aplica-se o direito do Estado, a todos os que nele se encontram, residam ou sejam titulares de direitos sobre benslocalizados no Estado em causa, sejam nacionais, estrangeiros ou apátridas) ou princípio da pessoalidade (o direito do Estado é

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aplicado apenas aos seus nacionais, onde quer que se encontrem, e não é aplicado aos estrangeiros ou apátridas, mesmo que seencontrem, residam ou sejam titulares de direitos sobre bens localizados no Estado em causa).

Cinco exceções ao princípio da territorialidade:a) Receção formal de fontes de direito estrangeiro – DIP.b) Atribuição de poderes soberanos a outra entidade, diversa do Estado, numa fração do território nacional. Exemplos:companhias majestáticas, bases estrangeiras situadas em território nacional.c) Aplicação do princípio da pessoalidade aos Chefes de Estado e pessoal diplomático.d) Integração em organizações internacionais de tipo supra-nacional. União Europeia.

e) Atribuição do estatuto de zona franca a uma região do território do Estado, sujeitando-a, por exemplo ao direito alfandegáriode um Estado limítrofe, mediante acordo com esse Estado.

O terceiro aspeto significa que o território é um meio de atuação do poder político do Estado. Fins do Estado.

Direito do Estado sobre o territórioTeses patrimoniais  – direito real qualificável de domínio; adequação à conceção patrimonial do Estado própria do absolutismo.Teses do imperium pessoal  – não direito sobre as coisas, mas direito pessoal sobre os residentes.Teses intermédias  – direito real institucional – o seu conteúdo é determinado por aquilo que o serviço da instituição estatalexige.Direito de jurisdição, que recai simultaneamente sobre as pessoas dos residentes e as coisas aí situadas e aquelas atravésdestas. Dois poderes: poder de jurisdição ou de senhorio sobre as pessoas (e indiretamente sobre as coisas), propriedade ou

domínio sobre as coisas não apropriadas.Artigo 5.º da Constituição – fala em direitos de soberania, realidade mais vasta que adiante tratarei. Com especial expressão noterritório podem apontar-se as seguintes manifestações de soberania: exercício de competências normativas com validade emtodo o território; definição da língua, ou línguas, oficial; fixação da nacionalidade em relação ao povo do território (cf. GomesCanotilho, CRP Anotada, p. 229)

O poder políticoPodemos defini-lo como a faculdade que um povo se dá de instituir órgãos que exerçam, com relativa autonomia, a jurisdiçãosobre um território, nele criando e executando normas jurídicas, e praticando os demais atos e operações necessários, usandoos necessários meios de coação.Duas ideias: autarquia e soberania. Autarquia no sentido de autossuficiência económica; soberania no sentido de supremacia eindependência em relação a outros poderes. Não esquecer, em relação a este último aspeto, que o Estado moderno surge emoposição a outros poderes: o poder da Igreja, o poder do império romano, o poder dos senhores feudais (Jellinek, Teoria

General del Estado, p. 432)Estes dois aspetos são hoje postos em causa pela globalização. No plano económico pela mobilidade do capital e pelo comérciointernacional; no plano jurídico, por convenções internacionais, que em alguns casos (UE) conduzem à criação der organizaçõessupranacionais.a) Poder e soberania O poder político do Estado pode assumir a feição de poder político soberano, isto é, um poder político supremo, na ordeminterna, e independente, na ordem externa, por se encontrar no mesmo plano dos poderes dos restantes Estados na ordeminternacional.Soberania é expressão que surge em Jean Bodin, Os Seis Livros da República, obra publicada em França no século XVI, 1576.Estados não soberanos, no plano jurídico-constitucionalEstados protegidos  – o poder político é tutelado pelo do Estado protetor, que pode fiscalizar e vetar decisões dos órgãosdaquele e superintender nas sua relações internacionais. Império marroquino até 1957, protetorado francês e espanhol.

Protetorado francês sobre a Tunísia (desde finais do século dezanove até 1943).Estados federados  – são verdadeiros Estados, com constituição própria, com poder legislativos, jurisdicional e executivo, mas oseu poder político está dependente do Estado Federal, em termos que veremos adiante.

Estados semi-soberanos e não soberanos, no plano jurídico-internacionalUm Estado soberano plenamente participante na vida internacional deverá ser titular de quatro direitos: o direito de celebrartratados, o direito de receber e enviar representantes diplomáticos, o direito de reclamação internacional, o direito de fazer aguerra.

Estados semissoberanos: Estados protegidos, Estados vassalos, Estados exíguos, Estados confederados e Estadosneutralizados.Estados não soberanos: Estados federados e Estados membros das Uniões Reais.

Estados protegidos  – o poder político é tutelado pelo do Estado protetor, que pode fiscalizar e vetar decisões dos órgãosdaquele e superintender nas sua relações internacionais. Império marroquino até 1957, protetorado francês e espanhol.Protetorado francês sobre a Tunísia (desde finais do século dezanove até 1943).Estados vassalos  – o exercício da plenitude dos direitos internacionais acima referidos fica dependente de autorização prévia deuma Estado suserano. Caso do Egito no século dezanove em relação à Turquia.

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Estados exíguos  – pela sua dimensão ficam dependentes de Estados limítrofes, além de que não preenchem requisitos mínimospara participarem em organizações internacionais, como a ONU. Caso do Mónaco em relação à França, da República de S.Marino em relação à Itália, do principado do Liechtenstein em relação à Suíça.  Estados confederados  – a participação numa confederação limita a sua soberania, ainda que não percam a sua personalidade jurídica internacional. Exemplos: EUA entre 1781 e 1787, Suíça até 1848 e Alemanha no século XIX.Estado neutral  – aquele cujo estatuto internacional o proíbe de participar em qualquer conflito internacional, exceto em caso delegítima defesa. Caso da Suíça, desde 1815.

b) Inserção regional e internacional do Estado português 

Já vimos como o artigo 8.º prevê que normas da União Europeia tenham validade na ordem interna nos próprios termosdefinidos pelo direito da União. O artigo 102.º, por seu turno, consigna que o Banco de Portugal exerce as suas funções nostermos estabelecidos na lei e nas convenções internacionais a que Portugal se vincule. Para além disso, resulta do artigo 227.ºque as regiões autónomas têm poder legislativo e poder executivo próprios.Assim, surge a pergunta: Portugal é ainda um Estado soberano. O artigo 1.º assim o proclama: Portugal é uma repúblicasoberana. Já vimos que o artigo 8.º salvaguarda os princípios fundamentais do Estado de direito democrático, que nenhum atonormativo da União Europeia poderá pôr em perigo. Finalmente, do artigo 6.º resulta que Portugal é um Estado unitárioregional.

Regime constitucional, nas suas grandes linhas:a) Cada uma das regiões possui um estatuto político-administrativo, elaborado pelas Assembleias Legislativas regionais eaprovado pela Assembleia da República (artigo 226.º), mas não uma Constituição.

b) As Regiões têm poder legislativo próprio, sobre matéria previstas nos respetivos estatutos e que não estejam reservadas àAssembleia da República ou sobre matérias relativamente às quais, estando na reserva relativa de competência, tenham obtidoautorização da Assembleia da República (artigos 227.º e 228.º).c) Não está prevista a representação própria das Regiões nos órgãos de soberania (Conselho de Estado, artigo 142.º, não éórgão de soberania).d) As Regiões têm poder tributário próprio, nos termos da lei.e) As Regiões têm poder executivo próprio, podendo ainda dispor do seu património.f) As Regiões têm, como órgãos de governo próprio, a Assembleia Legislativa e o Governo Regional.g) Em cada Região existe um Representante da República que tem por missão assinar e mandar publicar os decretos legislativosregionais e os decretos regulamentares regionais, assegurando a sua conformidade com a Constituição e podendo exercer oveto constitucional e desencadear a fiscalização abstrata sucessiva (artigo 233.º)As Regiões Autónomas têm hoje poderes legislativos tais que permitem conceber a existência de três ordens jurídicas em

Portugal.

c) Descentralização e poder local Da descentralização política, que é o fenómeno próprio das Regiões Autónomas, cabe distinguir a descentralizaçãoadministrativa, que caracteriza as autarquias locais.Pressupostos da descentralização administrativa: i ) reconhecimento pelo Estado de coletividades humanas baseadas numasolidariedade de interesses; ii ) gestão desses interesses por órgãos eleitos, emanados das coletividades; iii ) controloadministrativo limitado exercido sobre esses órgãos pelo Estado21. Como seria de esperar, estes pressupostos correspondemtambém, no essencial, aos traços que definem o conteúdo da garantia constitucional da autonomia local, que abrange a tutelada existência das autarquias, a garantia de que cabe às autarquias perseguir os interesses próprios das populações respetivas e aproteção da posição das autarquias em face do Estado, através, desde logo, de um direito de recurso aos tribunais para defesados seus interesses.

Segundo afirma Baptista Machado, a descentralização, em sentido próprio, é o outro nome da liberdade. Entramos aqui nocerne da diferenciação entre administração local do Estado e poder local. A primeira, com efeito, é uma medida que visapotenciar a eficácia do Estado; a segunda, mais do que isso, é uma garantia da liberdade individual e uma exigência do princípiodemocrático.Para compreendermos o que acaba de ser dito temos de perceber que não é correta a identificação da democracia com ocentralismo do Estado, assente no funcionamento do princípio maioritário apenas a nível nacional. Neste contexto, o poder localsurge como uma espécie de constrangimento de ordem constitucional a uma conceção identitária de democracia. Temos assima velha ideia, desenvolvida por Carl Schmitt a partir de uma certa interpretação das teses de Jean-Jacques Rousseau, de acordocom a qual democracia e limites constitucionais ao poder são realidades opostas e dificilmente conciliáveis. Segundo Schmitt, «éerróneo equiparar o princípio democrático da identidade com o ideal da mais ampla Administração municipal autónoma (emcontraste com a Administração estatal). O povo, em uma democracia, é sempre o povo inteiro da unidade política, não o corpoeleitoral de um município ou de um distrito. É pressuposto essencial da Democracia política que se distinga a unidade políticaem um modo específico, como um todo homogéneo e fechado, de todos os demais agrupamentos e organizaçõespolíticointernas.Embora sem nomear especificamente Schmitt, é contra este modo de ver, designando-o de «centralismo democrático», que,com inteira razão, se insurge Baptista Machado. Como o autor afirma, «devemos considerar erróneas aquelas doutrinas queafirmam existir uma antinomia entre o princípio democrático e o princípio do Estado de Direito». Tais doutrinas tendem aencarar o Estado como uma organização direta, ou de primeiro grau, de todos os cidadãos, e não como uma organização de

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segundo grau, ou instituição cúpula, que visa regular as relações entre os diversos agentes sociais, sejam eles o indivíduo, osentes coletivos ou o próprio Estado. No âmbito de um tal entendimento, ao indivíduo é reconhecida a liberdade de participar naformação da vontade do Estado, mas já não a liberdade de autonomia em face do Estado24. Ora, deste modo ignora-se que, emdireta contraposição às teses da democracia identitária, as atribuições e o âmbito de competência da maioria no âmbito doEstado não podem ser determinados pela vontade dessa mesma maioria, mas pelo quadro organizativo subjacente a esta.Assim, para que uma decisão seja legítima não basta provir da maioria, mas deve ainda cair dentro de esfera de atribuições doquadro estatal.Podemos assim dizer que não existe democracia sem Constituição ou, se se preferir, sem garantia da autonomia individual e daexistência de comunidades infra estaduais. A descentralização territorial constitui a manifestação de um princípio de

separação de poderes vertical, ao lado da tradicional separação horizontal de poderes, e nessa medida não pode ser entendida,como já foi dito, enquanto simples medida destinada a promover a eficiência da atuação administrativa do Estado, mas antescomo uma exigência da realização da democracia e da liberdade. Isto mesmo foi já reconhecido por Tocqueville, quandosalientou a importância das instituições do poder local para combater as tendências despóticas da maioria.

Formas de EstadoA forma de Estado corresponde à definição da natureza interna do poder, isto é, ao modo como o Estado estrutura o seu poderinternamente.Estados simples ou unitários e Estados compostos ou complexos. Entre estes podemos diferenciar o Estado federal e a Uniãoreal.Estado federal  – vários poderes políticos, um soberano (Estado federal) e outros dependentes (Estados federados). Território epovo do Estado federal resulta da adição dos territórios dos estados federados e da junção dos seus povos, sendo único o

vínculo da nacionalidade. O poder político é um resultado do exercício dos poderes políticos dos Estados federados num certosentido.

Estrutura de sobreposição?

Características dos Estados Federais  – condicionar os poderes dos Estados Federados:a) Constituições dos Estados federados conformam-se com a do Estado federal;b) Estados federados não podem desvincular-se, exercer o direito de secessão;c) Tribunais federais controlam a conformidade das Constituições e leis dos Estados federados com a Constituição Federal;d) Só o Estado Federal mantém relações internacionais e define a política de defesa de toda a Federação.

Poderes dos Estados federados:

a) Elaboram a sua própria Constituição;b) Participam, através de representantes próprios, na feitura e revisão da Constituição Federal;c) Dispõem de representantes próprios numa das câmaras parlamentares do Estado Federal;d) Dispõem de poder legislativo próprio;e) Dispõem de tribunais, administração e forças de segurança próprias.

Estados federais perfeitos e imperfeitos, consoante a instituição federal parte de baixo para cima (caso dos EUA) ou o inverso(caso do Brasil).Independentemente desta classificação, importa referir as seguintes tendências centralizadoras:a) Reforço do poder executivo federal;b) Crescente dependência económico-financeira dos Estado federados em relação ao Estado Federal;c) Crise dos poderes residuais dos Estados Federados e alargamento dos poderes implícitos do Estado Federal;

d) Estrutura nacional das principais estruturas políticas: partidos, grupos de pressão, associações profissionais;e) Papel dos Tribunais federais.União RealDois ou mais Estados, sem perderem a sua autonomia, adotam Constituição comum, que prevê órgãos comuns a par de órgãospróprios inerentes a cada Estado. Exemplos:Portugal e Brasil, de 1815 a 1822; a Inglaterra e Escócia, a partir do século XVIII; a Áustria e a Hungria, de 1867 a 1918; e a Suéciae Noruega, de 1819 a 1905.

A designação de União Real explica-se por a estrutura monárquica coexistir normalmente com este tipo de Estado composto.Diferença em relação à União Pessoal. Mera coincidência de a mesma pessoa ser, em virtude das leis de sucessão, titular doórgão Chefe de Estado em mais de que um Estado, que mantêm a sua autonomia plena. Exemplo: Portugal com Filipe I.  

Confederação de EstadosNão é um novo Estado soberano, como sucede com a Federação, pois os Estados Confederados não perdem a sua soberania esua personalidade internacional, em tudo o que não esteja abrangido pelo tratado constitutivo da Confederação. Exemplos: Estados Unidos entre 1781 e 1787, Confederação Helvética, até 1848 e a Confederação Germânica de 1817.

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A União Europeia é uma Confederação? Em sentido afirmativo, poderia dizer-se o seguinte: tal como a Confederação a UE tempersonalidade de direito internacional, sem excluir a personalidade internacional dos Estados membros; ambas são criadas portratado; ambas admitem a secessão; os órgãos de ambas as estruturas deliberam, em regra, por maioria. Em sentido negativo: aUE tem pelo menos um órgão, o Parlamento, cujos titulares não representam os Estados membros, nem são por elesdesignados, mas antes eleitos por sufrágio universal, órgãos todavia com competência para a prática de atos cujos efeitos seprojetam diretamente na ordem interna dos Estados membros.

Estado regionalEstado regional integral (Itália, Espanha)

Estado regional parcial  – partes do território correspondem a regiões autónomas e outras não (Checoslováquia até 1969).Estado regional periférico  – poucas regiões cujo aparecimento se deve a razões de natureza específica: China e Portugal.Desconcentração  – transferência de poderes dos órgãos centrais para os órgãos locais dentro da mesma pessoa coletiva dedireito público (Estado administração).Descentralização  – lei cria novas pessoas coletivas de direito público, atribuindo-lhes poderes administrativos que normalmentecaberiam ao Estado.Descentralização territorial e institucional  – descentralização territorial constitui a manifestação de um princípio de separaçãode poderes vertical, ao lado da tradicional separação horizontal de poderes, e nessa medida não pode ser entendida, como já foidito, enquanto simples medida destinada a promover a eficiência da atuação administrativa do Estado, mas antes como umaexigência da realização da democracia e da liberdade, pois envolve eleição dos titulares dos órgãos da pessoa coletiva.  

Descentralização política do Estado unitário dá lugar ao Estado unitário regional.

Diferenças em relação ao Estado Federal:a) No Estado federal cada Estado Federado elabora a sua constituição; no Unitário Regional as regiões autónomas elaboram oseu estatuto político-administrativo, que carece de ser aprovado pelos órgãos centrais (autoconstituição /heteroconstituição).b) Estados federados participam na feitura e revisão da Constituição, o que não sucede nos Estados Unitários Regionais(participação na formação da vontade do Estado soberano, no plano constituinte).c) Nos Estados Federais existe uma segunda câmara, cuja composição é definida em função dos Estados Federados; nos EstadosRegionais, não existe segunda câmara parlamentar de representação das regiões autónomas, ou outro órgão de soberania cujacomposição seja definida em função das regiões (participação na formação da vontade do Estado soberano, no planoconstituído).d) Tribunais próprios e forças de segurança próprias.

Estado regional é Estado unitário que dispõe de uma só Constituição elaborada por um poder constituinte em que não

participam as regiões enquanto tais e em que se verifica uma descentralização política em regiões autónomas, nos termos daConstituição e de estatutos político-administrativos, outorgados ou aprovados pelos órgãos legislativos centrais.

Conceitos de EstadoEstado-colectividade  – definição de povo fixo em território onde exerce poder político relativamente autónomo  – abrangeEstado soberano e não soberano.Estado-soberano  – estado coletividade em que existe poder político soberano. Exclui Estados federados, protegidos oututelados.Estado-poder político  – conjunto de órgãos do poder político num Estado-colectividade.Estado-administração  – pessoa coletiva de direito público que leva a cabo a função administrativa do Estado-colectividade.

Fins e funções do Estado

Fins – segurança, justiça e bem-estar económico e socialSegurança individual e coletiva.Justiça comutativa  – Estado garante equivalência nas relações entre os cidadãos.Justiça distributiva  – cada indivíduo deve receber da comunidade de acordo com a sua atividade ou situação de carência.Bem-estar económico e social  – Estado deve promover as condições de vida dos cidadãos, sobretudo os mais desfavorecidos.Autonomia cada vez mais relativa dos Estados na prossecução destes objetivos (Anne-Marie Slaugther).Artigo 9.º CRP

Funções do EstadoAtividades desenvolvidas pelos órgãos do Estado tendo em vista a prossecução dos fins do Estado.Duas características: caráter específico com base em elementos materiais (resultado), formais (trâmites e procedimentos) eorgânicos (órgãos de que promana); caráter duradouro, ainda que concretizado em atos e operações localizados no tempo.

Impossibilidade de diferenciação com base em critérios materiais ou orgânicos.Teoria de Jellinek  – dos fins para os meios. Fim jurídico – criar e executar o direito; Fim cultural  – desenvolver condiçõesmateriais e espirituais de vida dos cidadãos. Meios – criação de normas jurídicas gerais e abstratas ou prática de atos concretos.Meio normativo para fim jurídico ou cultural – função legislativa; meio concreto para fim jurídico  – função jurisdicional; meioconcreto para fim cultural – função administrativa.

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De fora fica a guerra e condução de política externa – atividades extraordinárias.Função legislativa é livre; funções jurisdicional e administrativa são vinculadas.Teoria de Marcello Caetano  – teoria integral das funções do EstadoFunções jurídicas (atividades com conteúdo jurídico) – criação: função legislativa; execução: processo administrativo (atividadevolitiva, com posição de iniciativa e parcialidade e integração em estrutura hierárquica) ou processo jurisdicional (atividadeintelectual, com posição de passividade e imparcialidade e independência).Funções não jurídicas (operações materiais) – conservação da sociedade política e opção entre políticas alternativas: funçãopolítica; satisfação das necessidades materiais e culturais de natureza coletiva dos cidadãos: função técnica.  

Críticas: i) recurso a um conceito material de lei, quando a Constituição adota maioritariamente um conceito formal; ii) rigidezda distinção entre funções legislativa e política (são os mesmos os órgãos que as exercem e, além disso, muitas opções políticasassumem a forma legislativa); iii) funções administrativa e jurisdicional são, cada vez menos, de simples execução da lei, o que setorna patente com um Estado interventor na economia.(Marcelo Rebelo de Sousa)

A distinção essencial não é entre funções jurídicas e não jurídicas, mas entre funções independentes e dominantes, por umlado, e funções dependentes e subordinadas, por outro.

Funções independentes ou dominantes:Função política  – definição e prossecução pelos órgãos do poder políticos dos interesses essenciais da coletividade, realizandoem cada momento as opções mais adequadas.

Função legislativa  – prática de atos provenientes de órgãos constitucionalmente competentes para o efeito e que revestem aforma externa de lei.Atos políticos que não revestem a forma de lei: programa de Governo (artigos 163.º e 188.º), voto de confiança e moções decensura (artigos 193.º e 194.º). Existência de leis sem conteúdo político, mas versando sobre matéria essencialmenteadministrativa.Carácter essencialmente vinculado de ambas as funções no plano constituído. No plano constituinte é errado pretender que seexercem de forma ilimitada.Lei em sentido material: de disposição de conteúdo genérico e abstrato, isto é, aplicável a um número indeterminável dedestinatários e a um número indeterminável de situações.Lei em sentido formal: forma de ato legislativo (artigo 112.º da Constituição).Exigência de um conceito material para certas categorias de leis: leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, segundo oartigo 18.º, n.º 3, da Constituição.

Função jurisdicional  – atividade de resolução de conflitos de interesses públicos e privados (elementos material) através deórgãos independentes (elementos orgânicos) rodeados de garantias de imparcialidade e colocados numa posição de passividade(elementos formais). 

Função administrativa  – execução de leis e satisfação de necessidades coletivas que por prévia opção política incumbe aoEstado prosseguir, sendo estas tarefas entregues a órgãos inseridos numa hierarquia, dotados de iniciativa e visando aprossecução do interesse público.Cumpre ainda assinalar: quanto à função jurisdicional, a possibilidade de adotarem assentos (diferenciam-se da lei pela falta deiniciativa, pela falta de liberdade conformativa, e pela falta de auto reversibilidade); quanto à função administrativa, osregulamentos (normas jurídicas de caráter geral e abstrato e execução permanente, emanada de uma autoridade administrativaem matéria da sua competência; distinção da lei: carácter subordinado à lei através da reserva de lei  – nenhum regulamentosem autorização da lei – e da precedência de lei – nenhum regulamento contra a lei e nenhum regulamento sem aplicar o

regime da lei).Regulamentos diretamente fundados na Constituição?As funções do Estado na ConstituiçãoPrimado legislativo do Parlamento e relevância do conceito material de lei1) Conceito material de lei no artigo 18.º, n.º 3.2) Primazia legislativa do Parlamento através da reserva de competência legislativa do parlamento (artigos 164.º e 165.º), leisde valor reforçado (artigos 112.º, 166.º e 168.º, n.º 6), instituto da apreciação parlamentar de atos legislativos (artigo 169.º),caráter não absoluto do veto presidencial (artigos 136.º e 279.º).

Princípio da separação de poderesAntecedentes: Locke e a distinção entre poder legislativo, executivo (executar a lei, mas também envolvendo a “prerrogativa”) epoder federativo (definição da política de defesa nacional, de segurança interna e externa do Estado e ainda política externa).

Montesquieu  – poder legislativo, executivo (corresponde ao federativo de Locke) e judicial.

Para além da definição dos poderes, Montesquieu advoga que cada um deles deve ser atribuído a órgãos distintos. Assim, opoder legislativo deveria ser atribuído a duas câmaras parlamentares; o poder executivo a um órgão singular e o judicial aostribunais, nas mãos de jurados ou juízes eleitos e não magistrados profissionalizados.

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A cada poder cabe a faculdade de estatuir, no domínio das suas atribuições e competências, e de impedir, envolvendo afaculdade de controlo dos atos dos demais poderes.Benjamin Constant veio acrescentar o poder moderador, cujo fundamento reside na necessidade de cooperação entre os trêsrestantes e deve ser atribuído ao rei.Duas linhas evolutivas, de sinal contrário: abandono crescente da visão orgânica do princípio; difusão progressiva da visão dospoderes como poderes jurídicos, submetidos ao direito.Nos artigos 2.º e 111.º fala-se de separação e interdependência. O poder do Estado só pode ser submetido ao direito se fordividido ou separado. A separação de poderes é, assim, um modo de representar a atividade do Estado.Para realizar os seus fins o Estado desempenha três funções essenciais: legislativa, executiva e judicial.

O princípio da separação de poderes impõe, antes de mais, que cada uma dessas funções seja confiada a um certo tipo deinstituições ou órgãos estaduais, de modo a que haja um órgão predominantemente a exercer a função legislativa, outro aexecutiva e outro, ou outros, a função judicial (M. Lúcia Amaral).O poder é o que resulta da atribuição de uma função a um órgão ou conjunto de órgãos. O poder legislativo é partilhado (AR,Governo e Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas); o mesmo sucede com o poder executivo (Governo, GovernosRegionais e autarquias); mas já não com os tribunais. O poder judicial não pode ser partilhado, mas está reservado em exclusivoaos tribunais, únicos órgãos de soberania para administrar a justiça em nome do povo (artigo 202.º).O princípio da separação, entendido como distribuição das diferentes funções estaduais por diferentes instituições ou órgãos,faz parte do núcleo essencial do Estado de direito. A limitação do poder passa pela sua divisão. 

Mas a Constituição fala de separação e interdependência, ou freios e contrapesos, checks and balances, vínculos.Quais são:

- Veto presidencial (artigo 136.º)- Referenda ministerial dos atos do Presidente (artigo 140.º)- Apreciação parlamentar dos decretos-leis do Governo (artigo 169.º)-Moção de censura e de confiança (artigos 195.º) Tribunais estão fora da rede de controlos políticos (cf., no entanto, afiscalização preventiva)Origem histórico-empírica da tríade funcional.Separação de poderes: instrumento de divisão, mas também de racionalização. Assim: Parlamento  – lugar de deliberação; Gov.e Ad. – lugar de ação; tribunais – dizer o direito. Daí a independência dos tribunais e a sua subordinação apenas à lei e àConstituição.Isto significa:

(i)  Os tribunais dizem todo o direito e não só o direito legal;(ii)  Só os tribunais dizem direito;

(iii)  Os tribunais só dizem direito. Daí princípio da reserva de jurisdição.Neutralidade e a politicidade desta função.Todos os poderes são jurídicos – ideia matriz do Estado de direito. Isto significa um avanço em relação ao entendimentotradicional da separação de poderes, no âmbito do qual o poder executivo, por exemplo, não era integralmente submetido à lei.  

Reservas de funçãoReserva de jurisdição  – absoluta, sem derrogações ou exceções.Reserva de legislação  – relativa – Governo tem competência legislativa e normativa. Todavia, exprime-se de vários modos: i)reserva de competência absoluta e relativa; ii) apreciação parlamentar de decretos-leis; iii) revisão constitucional não admitepropostas do Governo; iv) fiscalização preventiva e o veto, podem ser superadas por confirmação dos diplomas, o que nãosucede com os diplomas do Governo

Reserva de administração  – muito relativa – parlamento pode fazer leis medidas; reserva de administração não tem núcleomaterial firme, como a reserva de lei. Principais reservas de administração: i) reservas de administração autónoma (autonomialocal, universidades); ii) reserva de execução da lei [artigo 199.º, c)]; iii) reserva de poder de organização  – só o Governo; iv)reserva de regulamentos autónomos, não fundados na lei.Um exemplo do alcance da reserva da função executiva é-nos dado pelo Ac. TC 214/2011.Neste Ac. discutia-se a seguinte questão: a Assembleia da República enviou ao Presidente, para ser promulgado como lei, umdecreto determinando o seguinte: deve o Governo iniciar os procedimentos, negociais, legais e regulamentares, que conduzamà adoção de um novo modelo de avaliação de desempenho dos docentes que «produzirá efeitos» a partir do próximo ano letivo;entretanto, fica «suspenso» o modelo já existente, o que implica que, até à entrada em vigor do novo, sejam aplicáveis osprocedimentos de avaliação que, definidos por despacho, refletiam as opções anteriores às do modelo existente. O decretoregulamentar que incorporava este último fica revogado.

Quanto à questão da revogação do regulamento , sem que ao efetuar essa revogação, o parlamento revogue, derrogue ouabrogue, direta ou implicitamente, a competência de regulamentação que nessas situações se encontrava deferida ao Governo:«Um ato legislativo do Parlamento que, mantendo intocados os parâmetros legais em função dos quais determinada atividadeadministrativa há -de ser prosseguida e a atividade normativa derivada necessária há -de ser desenvolvida, se limita a revogar aregulamentação produzida ao abrigo dessa mesma legislação que o Governo continua a ter de executar, priva este órgão desoberania dos instrumentos que a Constituição lhe reserva para prosseguir as tarefas que neste domínio lhe estão

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constitucionalmente cometidas [maxime artigos 182.º, última parte, 199.º,alínea e), primeira parte, e 199.º, alínea c), da CRP],quebrando toda a racionalidade do sistema de separação e interdependência entre órgãos de soberania. É o própriopressuposto da responsabilidade política do Governo, na estrutura triádica de organização do poder políticoconstitucionalmente definida (artigo 190.º da CRP), que assim o exige, porque dificilmente se concebe o funcionamento de umsistema de responsabilidade política de um órgão perante atuações totalmente heterodeterminadas ou para cuja prossecuçãofoi privado dos meios instrumentais de ação autónoma. Procede, pois, quanto à norma do artigo 3.º do decreto a imputação deviolação do princípio de separação e interdependência dos órgãos de soberania.»Quanto à obrigação de iniciar processo de negociação sindical:«A AR não pode ordenar -lhe a prática de determinados actos políticos ou a adoção de determinadas orientações (cf. Gomes

Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., p. 414).Designadamente, não pode fazê-lo sem previamente alterar os parâmetros legais dessa atividade, no domínio dascompetências.» 

Organização do poder políticoO Estado moderno é uma entidade jurídica autónoma, centro de direitos e deveres. Porque não tem uma realidade física, aocontrário da pessoa singular, pode ter a forma de pessoa coletiva.Personalidade – qualidade de ser portadora de direitos e deveres.Pessoas coletivas de tipo associativo  – conjunto de indivíduos que se aglutinam para prosseguirem em conjunto determinadosfins comuns não lucrativos.Fundações – assentam em fundo patrimonial afetado à prossecução de não lucrativa de determinados objetivos.Sociedades – caraterizam-se pela coexistência de elementos pessoais e patrimoniais, mas destaca-se a estrutura corporativa e aprossecução de objetivos economicamente interessados.

Estado-coletividade é uma pessoa coletiva de tipo associativo. Aspeto fundamental é a sua vontade ser expressa através deórgãos.Problema: saber em que condições as vontades psicológicas individuais dos membros, expressas de uma certa maneira,vinculam todos os associados. É, em grande medida, o problema da representação política.Vontade funcional  – vontade imputada à pessoa coletiva e que a vincula. Quem a exprime? Os órgãos do Estado.Definição: elemento da pessoa coletiva que consiste num centro institucionalizado de poderes funcionais a exercer peloindivíduo ou colégio dos indivíduos que nele estiverem providos com o objetivo de exprimir a vontade jurídica imputável a essapessoa coletiva (Marcello Caetano).Necessidade de distinguir entre órgão e titular, em cada momento, do órgão. Quando o titular manifesta vontade essa vontadeé imputada ao órgão. Dois momentos da imputação: Do titular ao órgão e do órgão à pessoa coletiva.

Classificações:

Órgãos singulares e colegiais  – o corpo eleitoral, ou eleitorado, é um órgão colegial?Segundo o Prof. Jorge Miranda, em princípio não. Importa, todavia salientar a possível excepção das democracias directas.As assembleias de voto não são órgãos porque as operações e resultados, nelas verificadas só adquirem significado a posteriori (cf. Funções, Órgãos e Atos do Estado, 1990, pp. 98-99, 112 e ss.).O eleitorado não é órgão pelas seguintes razões: 1) a sua composição não é fixa, nem se exige número mínimo de membrospara deliberar; 2) o seu funcionamento é intermitente, ao contrário do dos órgãos de soberania; 3) nos eleitores sãoinseparáveis os interesses funcionais e os interesses pessoais ou do grupo (J. Miranda, ob. cit., p. 114).Em estudo posterior, Jorge Miranda argumenta que se a eleição é uma via de formação e manifestação da vontade do Estadonão pode deixar de ser um órgão a entidade que elege.Apresenta como caso paralelo o das associações e sociedades, em que compete às assembleias gerais a eleição, respetivamente,dos membros de direção e dos administradores. Sendo aquelas assembleias gerais órgãos também o seria o eleitorado,«assembleia geral dos eleitores. Segundo o mesmo autor, não é possível negar ao eleitorado, pelo menos no caso do referendo,

a categoria de verdadeiro órgão do Estado por ele formar, direta ou indiretamente, uma vontade que é a este imputável.Órgãos simples e complexos, consoante compreendam, ou não, no seu seio outros órgãos do Estado. O Governo é um órgãocomplexo, uma vez que abrange vários órgãos: o Primeiro-Ministro, os ministros e os secretários de Estado.Órgãos deliberativos e consultivosÓrgãos hierarquizados e independentesCompetência dos órgãos  – conjunto de poderes jurídicos que a lei confere a determinado órgãos para o desempenho da suafunção, sendo normalmente estabelecida em razão da matéria e do lugar.Representação jurídica e política  – A ideia geral da representação consiste num exercício, ou numa atuação, por parte de umapessoa em prol de outrem. Essa atuação vai repercutir-se na esfera jurídica do beneficiário29.Neste sentido, os órgãos do Estado não representam o Estado, na medida em que estamos dentro da mesma pessoa jurídica (cf.Meyer, Lehrbuch…, p. 18). No entanto, fala-se na doutrina constitucionalista de órgãos representativos, para designar os órgãosdo Estado cujos titulares detêm a representação política do povo.

O que distingue, pois, a representação jurídica, isto é, a representação enquanto instituto do direito privado, da representaçãopolítica? Segundo Bluntschli, citado por Carl Schmitt, «a representação no direito do Estado é completamente distinta darepresentação do direito privado (Stellvertretung). Por essa razão, os princípios que valem para esta, não podem aplicar-seàquela».

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Schmitt introduz, na verdade, uma distinção entre dois sentidos da representação política: a representação como mandato e arepresentação como « presentificação de um invisível ». Segundo ele, e nas palavras de Marcel Gauchet, o parlamentarismoliberal valoriza indevidamente a representação como delegação, como comissão técnico-jurídica, sem perceber que arepresentação envolve sempre, uma vez que nenhum povo vive na identidade imediata consigo mesmo, a apresentação da suaunidade política.Neste sentido, a monarquia é o regime que tende para a representação absoluta, uma vez que procede á concentração daunidade figurativa da Nação num só ser, enquanto uma democracia pura tenderia para a identidade absoluta. O regimeparlamentar, pelo contrário, coloca em primeiro plano a relação utilitária do povo realmente existente com os mandatáriosencarregados de defender os seus interesses.

Isto é sem dúvida verdade e reforça a distinção atrás esboçada. Mas, por um lado, há que salientar que a partir do Estado liberal é posto em causa a ideia do mandato imperativo dos membros dos parlamentos estamentais do Antigo Regime, em que cadaparlamentar representa apenas a circunscrição que o designa. Em vez disso, temos o mandato representativo em que cadadeputado representa a nação no seu todo. É disso exemplo o artigo 152.º da Constituição: «Os Deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos».Por outro lado, a representação como apresentação de uma unidade política  – isto é, como modo de exibir e exprimir oprimado do todo sobre as suas partes conduzindo a uma irredutível personificação do poder – não pode ser entendida emtermos transcendentes, mas imanentes. Isto é, não está em causa um modo de representação simbólico que leva a cabo aconjunção da ordem humana com um fundamento divino, mas a preeminência do coletivo num plano puramente político eterrestre.Formas de designação dos titulares dos órgãos de soberania , com especial incidência naqueles que participam do exercício dafunção política: a herança, a cooptação, a nomeação, a inerência e a eleição.

Herança – ocorre sempre que o título jurídico de designação de um governante é a sua posição de sucessor hereditário doanterior titular do mesmo órgão.Cooptação – designação do titular de um órgão governativo por outro ou outros titulares do mesmo órgão. Distinção entrecooptação sucessiva (titular anterior escolhe o seu sucessor) e cooptação simultânea (titulares de um órgão preenchem asvagas que forem ocorrendo, ou selecionam necessariamente parte dos membros do órgão).Nomeação  – designação do titular de um órgão por um órgão diferente.Inerência – atribuição legal da qualidade de titular de um órgão em resultado da sua qualidade de titular de um outro órgão.Eleição  – designação do titular ou titulares de um órgão por escolha de uma pluralidade de cidadãos expressa através do voto.Cada um dos cidadãos é um eleitor, qualidade que depende do preenchimento de certos requisitos legais de capacidadeeleitoral ativa. O conjunto dos eleitores forma o colégio eleitoral e os seus votos só podem recair sobre cidadãos elegíveis, quereúnam requisitos de capacidade eleitoral passiva. Ato da escolha através do voto denomina-se sufrágio.

Classificações do sufrágio:Quanto à extensão  – universal ou restrito (censitário e capacitário);Quanto à obrigatoriedade  – facultativo ou obrigatório;Quanto ao peso relativo  – igualitário ou não igualitário (voto múltiplo, em que o mesmo eleitor vota várias vezes na mesmaeleição, em diferentes qualidade; voto plural, quando o mesmo eleitor vota uma só vez, mas exprime vários votos, como sucedeno voto familiar).Quanto à relação entre o voto e a designação do governante  – sufrágio direto ou indireto.Rutura na ordem constitucional  – golpe de Estado (iniciativa parte de governantes constitucionais); revolta ou rebelião(iniciativa parte das forças armadas); revolução (forças sociais, apoiadas ou não pelas forças armadas).Em nenhum caso destes existe rutura da ordem constitucional, não existindo também, por essa razão, descontinuidade jurídica.

Actos jurídico-constitucionais (Jorge Miranda)

Actos jurídico-públicos são actos do Estado, abrangendo as pessoas coletivas em que se desdobra, no exercício de um poderpúblico e sujeitos a normas de direito público.Contrapõe-se a atos de gestão privada e a atos dos particulares no âmbito do exercício de direito políticos, como o direito depetição, de ação popular ou de propositura de candidatos a eleições.No seu âmbito interessam-nos os atos jurídico-constitucionais, isto é, aqueles cujo estatuto pertence ao direito constitucional,incluindo atos regulados por normas de direito constitucional e atos provenientes de órgãos constitucionais.Do ponto de vista material são atos de relevância constitucional, ainda que esta definição seja demasiado vaga. Porventuramelhor, são atos de concretização da Constituição ou atos de realização e garantia das normas constitucionais. Em suma(excluindo atos da função administrativa e da função jurisdicional) temos os atos da função político-legislativa e da funçãogovernativa, bem como os atos de garantia jurisdicional da constitucionalidade e da legalidade (quanto a leis de valorreforçado).Uma enumeração pode encontrar-se no artigo 119.º sobre publicidade dos atos:

(i) As leis constitucionais;(ii) As convenções internacionais e os respetivos avisos de ratificação, bem como os restantes avisos a elas respeitantes;(iii) As leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais;(iv) Os decretos do Presidente da República;(v) As resoluções da Assembleia da República e das Assembleias Legislativas das regiões autónomas;

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Processo é constituído pelo conjunto de atos que visam aplicar o direito substantivo a uma situação concreta; o procedimento corresponde ao conjunto de atos que visa a produção de uma decisão cujo conteúdo não está inteiramente pré-determinado.Para além disso, e com isso relacionado, o processo estabelece uma tramitação de atos necessários e pré-fixados, segundofórmulas rígidas de agir; o procedimento estabelece um modelo mais fluído; direito é para o procedimento pressuposto e limitede atuação, mas é fim primário do processo.Analisando o conceito:a) Pluralidade de atos;b) Sequência temporal;c) Intervenção de vários órgãos ou sujeitos;

d) Autonomia relativa de cada ato para efeitos de determinação do seu valor jurídico;e) Interdependência ou coordenação dos atos;f) Resultado traduzido num ato jurídico complexo.Vários atos jurídico-constitucionais correspondem a processos neste sentido: referendo (artigo 115.º), eleição do PR, declaraçãode estado de sítio; processo legislativo parlamentar; moções de censura, etc.

Regimes políticos (ou formas de governo) e sistemas de governo

Vamos agora falar dos regimes políticos ou formas de governo. Um regime político significa uma certa forma de distribuir oscargos governativos, em sentido amplo, em obediência a um qualquer critério de justiça aceite por todos, isto é, quer pelosgovernantes, quer pelos governados.

Regimes políticos

Na definição de regime político há dois aspetos (Luís Pereira Coutinho): elemento externo, relativo à estrutura organizatória doregime, e o elemento interno relativo à conceção de justiça partilhada por governantes e governados e que torna essadistribuição aceitável.

AristótelesAristóteles distingue entre regime “puros” e “desviados”. Nos primeiros, para além de o regime ser justo à luz do elemento

interno, observando portanto uma ideia de justiça relativa e variável, uma vez que atende apenas à perspetiva dos participantes,é também justo num sentido absoluto e invariável, isto é, num sentido em que avulta objetivamente a prossecução do bemcomum e o respeito pelas leis.Três tipos de formas puras:- Monarquias  – poder político confiado a um só, que o exerce em vista do bem comum;- Aristocracia  – poder político exercido por poucos, em que os melhores exercem o poder em prol do bem comum;

- República ou regime constitucional  – os muitos governam em vista ao interesse comum.Três tipos de formas desviadas:- Tirania  – exercício do poder por um só no seu próprio interesse;- Oligarquia  – governo de poucos no interesse dos mais abastados;- Democracia ou demagogia  – governo de muitos no interesse exclusivo dos mais desfavorecidos.

TomismoFilosofia tomista procura combinar as formas puras na base de um regime misto, em que o Chefe de Estado é apoiado por umaelite de mérito, sendo ambos designados pelo povo.

- Critério da hereditariedade – existe um Chefe de Estado hereditário v. Inexistência de Chefe de Estado ou existência emmoldes não hereditários.

Regimes liberais e totalitários Regime liberal  – poder político sujeito ao princípio da separação de poderes e ao respeito dos direitos individuais.Regime totalitário  – poder ilimitado e interesse dos indivíduos sujeito ao interesse da classe política, instrumentalização dasmassas.Autoritarismo e ditadura têm em comum com totalitarismo a sujeição do legislativo e do judicial ao poder executivo e ainda arepressão de qualquer oposição política, mas distinguem-se por uma certa tolerância das liberdades individuais e sobretudopela neutralização das massas em vez da sua manipulação e instrumentalização (cf. Hannah Arendt  – totalitarismo como grandeinovação do século XX).Marcelo Rebelo de Sousa  – três elementos definidores dos regimes políticos, que permitem a sua distinção entre ditatoriais edemocráticos:- Assunção pelo Estado de uma doutrina abrangente (fazer referência a Rawls) ou pluralismo;- Respeito dos direitos fundamentais;- Efetividade do princípio democrático.

O interesse da classificação de Aristóteles consiste, também, em considerar no problema do regime político com a dimensãoeconómica, como se viu. Os regimes “desviados”, com efeito, envolvem sempre a determinação dos governantes pelos

interesses económicos de um, de poucos ou dos muitos. Numas lições de Direito Constitucional publicadas em 1979, o Prof.

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Marcelo Rebelo de Sousa procedia a uma articulação entre os regimes políticos e os regimes económicos, conceito que definiacomo a forma de organização do processo de produção numa determinada sociedade política, envolvendo a propriedade dosmeios de produção e a sua gestão e controlo social.Assim, caberia definir o regime económico capitalista, em que o modo de produção dominante é o capitalista, caracterizadopela apropriação privada dos meios de produção, e pelo facto de a sua gestão e controlo visar os interesses dos proprietáriosprivados.

Para além disso, teríamos o regime económico socialista, em que o modo de produção dominante é o socialista, caracterizadopela apropriação pública ou coletiva dos meios de produção, visando a sua gestão e controlo interesses coletivos.

Finalmente, e como sinal dos tempos, MRS distinguia ainda o regime de transição entre o capitalismo e o socialismo,caracterizado pela coexistência de elementos específicos do modo de produção capitalista e elementos do modo de produçãosocialista, ainda pelo desígnio político-constitucional de mutação do regime económico de capitalista em socialista. Importânciada distinção entre regime económico de transição para o socialismo, presente na versão originária da CRP e ainda expresso norespetivo preâmbulo («abrir caminho para uma sociedade socialista») e um sistema misto.MRS fazia depois a combinação entre regimes económicos (capitalista, socialista e de transição) e regimes políticos (ditatorial edemocrático), identificando seis tipos de combinações possíveis.Hoje em dia, como sabemos, deixou de fazer sentido esta distinção entre regimes capitalistas e socialistas. A questão é mais ade saber como definir o capitalismo: no âmbito de um sistema misto, em que avulta o Estado social e a sua combinação com oprincípio do mercado, segundo modelos Keynesianos; no âmbito de um sistema neoliberal, em que se proclama a retirada doEstado da economia.

As combinações são, pois, quatro:- Regime político democrático e regime económico capitalista;- Regime político democrático e regime económico misto;- Regime político ditatorial e regime económico capitalista;- Regime político ditatorial e regime económico misto.Na verdade, caberá até perguntar se não haverá apenas três combinações possíveis, uma vez que pode sustentar-se que nãoexiste regime político democrático em que não esteja presente alguma forma de Estado social.Possibilidade de desenvolver uma distinção entre regime “puros” e “desviados”, na linha de Aristóteles. De que lado colocar o

regime económico neoliberal?

Sistemas de governoÉ a forma como se estruturam os órgãos do poder político soberano do Estado , envolvendo:- O elenco desses órgãos,

- A sua composição,- A sua competência,- A sua inter-relação,- O seu modo de funcionamento,- O processo de designação e o estatuto dos seus titulares.Enquanto o conceito de forma de governo, ou regime político, atende sobretudo à relação entre governantes e governados, oconceito de sistema de governo centra-se nas relações entre os diversos órgãos de governo . De qualquer forma, um regimepolítico ditatorial conduz a um sistema de governo ditatorial ou autocrático.1. Sistemas de governo ditatoriais 1.1 Sistemas monocráticos (poder por um só) – monarquia absoluta e cesarismo, assente na legitimidade carismática.1.2 Sistemas autocráticos (poder para si só) – pode ser um órgão colegial, mas envolve também o exercício do poder por umúnico órgão, singular ou coletivo.

2. Sistemas de governo democráticos 2.1 Sistema democrático direto  – povo delibera reunido.2.2 Sistema democrático semi-directo  – referendo obrigatório ou facultativo, de iniciativa popular ou dos órgãos de soberaniainstituídos, como exercício do poder constituinte ou do poder constituído.2.3 Sistema representativo 2.3.1 De concentração de poderes 2.3.1.1 Sistema simplesmente representativo, implicando a concentração de poderes no Chefe de Estado  – Constituição de1933, até 19592.3.1.2 Sistema convencional, implicando a concentração de poderes num órgão colegial de tipo assembleia – França, entre1793 e 1795Na prática estes sistemas são apenas nominalmente democráticos e reconduzem-se a sistemas de governo ditatoriais.2.3.2 De divisão de poderes 

2.3.2.1 Sistema de governo parlamentar  – definido pelo facto de o Governo ser formado de acordo com a composição doParlamento, dependendo exclusivamente da sua confiança e respondendo politicamente apenas perante ele.Principais características:a) Responsabilidade política exclusiva do Governo perante o Parlamento.

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b) Apagamento constitucional da posição do Chefe de Estado, que nomeia e exonera os ministros, mas em obediência estrita àsindicações parlamentares, atendendo ao referido na alínea anterior. Logo, irresponsabilidade política do Chefe de Estado quenão pode praticar atos políticos sem referenda ministerial.c) Separação entre Chefe de Estado e Chefe de Governo.d) Membros do Governo saem do Parlamento e são deputados, tendo o Governo de estar presente em permanência noParlamento para justificar as suas opções.e) O Governo é solidário em relação ao seu Programa e às deliberações do Conselho de Ministros ou Gabinete, tendo oPrimeiro-Ministro um papel de primus inter pares.Ao contrário do sistema de governo convencional, existe uma clara separação entre Governo e Parlamento. No sistema

parlamentar o Parlamento não delega competências no Governo, mas controla politicamente o exercício de tais competências.

Duas formas:- Sistema parlamentar puro ou de assembleia, em que o Parlamento prevalece sobre o Governo:a) Ascendente do Parlamento em relação ao Chefe de Estado concretizado na circunstância de o eleger, o poder destituir e decondicionar a sua faculdade de designação do Chefe de Governo.b) Chefe de Estado não tem poder de dissolução do Parlamento, designadamente para fazer face a situações de instabilidadegovernativa.c) Governo não tem poderes de efetiva intervenção no funcionamento do Parlamento.d) Não regulamentação dos mecanismos de efetivação da responsabilidade política do Governo perante o Parlamento.e) Coexistência com sistema multipartidário.O parlamentarismo de assembleia, comum no século XIX e no começo do século XX começou a ser posto em causa pelos seus

defeitos: instabilidade governativa; irresponsabilidade política e papel apagado do Chefe de Estado; domínio absoluto doparlamento.Assim, alguns textos constitucionais introduziram uma regulamentação cuidadosa dos mecanismos de efetivação daresponsabilidade política do governo perante o parlamento:Voto do programa do governo (artigo 192.º da Constituição); voto de confiança no Governo (artigo 193.º); voto sobre moção decensura (artigo 194.º).Particularmente relevantes apresentam-se as limitações em matéria de moção de censura:exigência de um número relativamente elevado de proponentes (um quarto dos deputados em efetividade de funções ou umgrupo parlamentar); previsão de uns dias de intervalo entre a apresentação e a votação (pelo menos 48h).

- Sistema parlamentar mitigado, racionalizado ou de gabinete, em que o Governo prevalece sobre o Parlamento:a) Chefe de Estado não é eleito e livremente destituído pelo Parlamento, nem por este condicionado na designação do Governo.

b) Chefe de Estado dispõe do poder de dissolução do Parlamento.c) Governo tem intervenção no funcionamento do Parlamento, definindo prioridades na definição da ordem do dia.d) Regulamentação dos mecanismos de efetivação da responsabilidade política do Governo perante o Parlamento: votação doPrograma; moção de confiança; voto de confiança; moção de censura.e) Coexistência com sistema bipartidário, ou pelo com pelos com a existência de dois partidos preponderantes.

2.3.2.2 Sistema presidencialista Com origens nos EUA e sem implantação relevante na Europa.Características essenciais:a) Chefe do Estado é eleito por sufrágio universal e habitualmente – com exceção dos EUA – direto.b) Chefe de Estado é também chefe do executivo e pode nomear livremente o seu governo, que não responde politicamenteperante o parlamento, não existindo dualidade entre Chefe de Estado e Chefe de Executivo.

c) Chefe de Estado dispõe de veto suspensivo sobre as leis do parlamento.d) Inexistência de poder presidencial de dissolução do parlamento.e) Nomeação de todos os funcionários federais, incluindo juízes, pelo Presidente.Segundo Duverger, a demarcação de competências entre Chefe de Estado e Parlamento é tão rígida no presidencialismo que sóeste sistema de governo deve ser qualificado de separação de poderes. No caso do parlamentarismo haveria antes que falar emcolaboração de poderes.A verdade é que também no presidencialismo existem mecanismos de limitação recíproca entre órgãos de soberania: checksand balances.Assim, o Parlamento condiciona a ação do executivo através de :a) Votação do Orçamento do Estado e concessão de meios financeiros para a política de defesa nacional;b) Criação de comissões de inquérito à ação do executivo;c) Ratificação dos tratados internacionais celebrados pelo Presidente;d) Destituir o Presidente, através do processo de impeachment, em caso de prática de crimes graves contra o Estado (exemplode Nixon).Por sua vez o Presidente interfere no Parlamento nos seguintes moldes:a) Veto suspensivo;b) Iniciativa legislativa, direta ou indireta.

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2.3.2.3 Sistema de governo semi-presidencial O sistema parlamentar é dominante, desde os alvores do constitucionalismo, na Europa; o presidencialista nasceu há duzentosanos nos EUA e influencia muitas outras constituições americanas, como a brasileira. O sistema semipresidencialista é maisrecente, embora se possa considerar que encontra precedentes em algumas constituições monárquicas (Carta de 1826?).Importância de Maurice Duverger, justamente salientada por Reis Novais (Semipresidencialismo, vol. I, p. 101), ao atribuir relevoà eleição do Presidente da República francês (revisão de 1962 da Constituição de 1958) por sufrágio universal e direto,entendido como «novo princípio de interpretação constitucional» (Reis Novais, p. 102).Primeiras experiências: Constituição alemã de Weimar, de 1919, e finlandesa do mesmo ano. Temos ainda como exemplos aIrlanda, a Áustria e a Islândia. Depois a França, após a revisão da Constituição de 1958 efetuada em 1962, e Portugal, pelo

menos entre 1976 e 1982.O sistema carateriza-se pelo cruzamento de duas influências diversas: a presidencial e a parlamentar. Traços da componente parlamentar:a) O Governo é formado em função dos resultados das eleições parlamentares e da subsequente composição do Parlamento.b) O Governo responde politicamente perante o Parlamento, traduzindo a confiança parlamentar na aprovação do programa doGoverno, e na aprovação de votos de confiança e na rejeição de moções de censura.c) Existe uma diarquia no executivo, com distinção de funções de entre Chefe de Estado e Chefe do Executivo.Traços da componente presidencial:a) Eleição do Chefe de Estado por sufrágio direto e universal, à semelhança do que sucede com o Parlamento, reforçando a sualegitimidade.b) O Governo responde politicamente perante o Chefe de Estado – logo dupla responsabilidade política.c) Chefe de Estado dispõe de amplos poderes, entre os quais se destacam o poder de dissolução do Parlamento e o veto

suspensivo em matéria de exercício da função legislativa pelo Parlamento, sendo o veto definitivo quando recai sobre diplomaslegais do Governo.

Apreciação:- Apenas uma das experiências fracassou, e fracassou estrondosamente: Weimar.- Sistema de governo semi-presidencial tem propendido para uma prevalência da componente parlamentar, com exceção daFrança, onde a tendência é a inversa.- A prevalência de uma ou outra componentes é menos resultado dos dispositivos constitucionais do que do contextosocioeconómico envolvente, do equilíbrio das forças políticas, da composição do Parlamento e da personalidade, base de apoioe estratégia do Chefe de Estado.

Qual o sistema de governo da CRP?

A resposta tem que ser dada considerando dois períodos: de 1976 a 1982, data da primeira revisão constitucional, e de 1982em diante. O que não significa que a resposta não possa ser única para ambos os períodos.Em relação à versão originária da Constituição, o Prof. Marcello Caetano sustentava que se tratava de um sistema de ditadurado Conselho de Revolução, órgão que seria, na realidade, o verdadeiro Chefe de Estado, com poderes de vigiar e condicionar deperto todas as competências do Presidente da República, controlando a constitucionalidade de quaisquer diplomas antes deserem promulgados ou assinados por este, podendo evitar essa promulgação ou assinatura.Gomes Canotilho e Vital Moreira entendiam, pelo contrário, que se estava perante um sistema de parlamentarismoracionalizado, com elementos do parlamentarismo republicano da Constituição de 1911 e do presidencialismo bicéfalo daConstituição de 1933.

Três planos de incidência:- Estrutura política dualista, com repartição de competências entre Chefe de Estado e Parlamento, ambos eleitos por sufrágio

universal.- Relação Gov.-Chefe de Estado e Gov. Parlamento que põe o primeiro a salvo de instabilidade parlamentar e lhe garanteautonomia face ao Chefe de Estado.- Unicameralismo. 

Estatuto do Presidente da Repúblicaa) Importantes poderes institucionais: dissolução da AR, nomeação e exoneração do Governo ou do Primeiro-Ministro; vetopolítico e por inconstitucionalidade; declaração de estado de sítio e de emergência; declaração de guerra; Comandante Supremodas Forças Armadas; convocação extraordinária da AR.b) Pequenos poderes de direção política, uma vez que não participa no governo, não tem funções governativas e os ministrosnão são individualmente responsáveis perante ele, não celebra tratados [artigo 197.º, n.º 1, b)].c) Boa parte dos atos mais graves do PR carece de proposta do Governo (nomear os embaixadores e declarar a guerra, nos

termos do artigo 135.º), autorização da Assembleia da República (declarar o estado de sítio, nos termos do artigo 138.º).

Para estes autores, o decisivo é que o Presidente apesar de dispor de poderes consideráveis para influenciar as escolhaspolíticas, não tem funções de governo, que lhe permitiriam uma atuação em termos presidencialistas ou semipresidencialistas.

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Para a maioria dos autores, o sistema de governo português é de qualificar como semipresidencialista, mesmo após a revisãoconstitucional de 1982.

Para Reis Novais o sistema português reúne duas características que, em conjunto, permitem qualificar o sistema portuguêscomo semipresidencialista: a existência de um Presidente da República com uma legitimidade democrática que lhe dá apossibilidade de exercício de poderes políticos significativos e a existência de uma responsabilidade política do Governo peranteo Parlamento.

Estas são as duas características marcantes do semipresidencialismo, não uma pretensa bicefalia ou diarquia do executivo, que

apenas sucede no sistema francês (Novais, vol. I, pp. 216-217), ou sequer a dupla responsabilidade político do executivo peranteo Presidente e o Parlamento.

Poderes importantes por parte do Presidente que lhe permitem influenciar a vida política:- A dissolução da AR e das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas;- Nomeação do Primeiro-Ministro e dos restantes membros do Governo;- A demissão do Governo;- A promulgação dos atos legislativos e dos decretos regulamentares e a assinatura dos outros atos normativos, compossibilidade de recusa;- A ratificação e a assinatura das convenções internacionais, com a inerente possibilidade de recusa de tais atos;- A iniciativa da fiscalização preventiva e sucessiva da constitucionalidade junto do Tribunal Constitucional;- A nomeação das altas figuras do Estado (artigo 133.º), como as altas chefias militares (sob proposta do Governo), os

Representantes da República nas Regiões Autónomas (ouvido o Governo), o Presidente do Tribunal de Contas (sob proposta doGoverno), o Procurador-Geral da República (sob proposta do Governo) e os embaixadores (sob proposta do Governo, artigo135.º);- A convocação do referendo, envolvendo a possibilidade de recusa de convocação que lhe seja proposta pelo Governo ou AR(artigo 115.º);- O envio de mensagens à AR e às Assembleias Legislativas;- A presidência do Conselho de Estado e do Conselho Superior de Defesa Nacional;- A presidência do Conselho de Ministros a solicitação do Primeiro-Ministro;- A marcação de eleições para o Presidente da república, para a AR e para o Parlamento europeu;- A declaração do estado de sítio e de emergência;- A declaração da guerra e a feitura da paz.Embora muitos destes poderes dependam da iniciativa ou proposta de outros órgãos, o certo é que a legitimidade democrática

do Presidente lhe permite conformar o respetivo exercício em termos que não se verificariam caso o modo da sua designaçãofosse diverso.A responsabilidade política do Governo perante a AR, por seu turno, manifesta-se em três planos (Reis Novais, vol. II, pp. 31-32):- Momento da constituição do Governo  – a Constituição exige que o Presidente nomeie o Governo tendo em conta osresultados eleitorais (artigo 187.º), estando aqui em causa os resultados eleitorais para a Assembleia da República.Não simplesmente nomear como Primeiro-Ministro o líder do partido mais votado, mas ponderar elemento de prognose quantoao assentimento parlamentar do Governo durante toda a legislatura.- O Governo, uma vez nomeado, tem de apresentar o seu programa à AR , mas, e esta é uma especificidade do sistemaportuguês, o programa não tem de ser aprovado ou sequer votado, de modo a facilitar a entrada em funcionamento dosgovernos minoritários, sem apoio na maioria dos deputados. De facto, o artigo 192.º fala em submeter o programa à«apreciação», mas não à «aprovação» do parlamento.

Assim, o programa só é votado se a oposição apresentar uma moção de rejeição do programa do Governo  ou se este solicitarum voto ou moção de confiança. Enquanto a moção de confiança pode não ser aprovada se não reunir maioria simples; arejeição do programa exige maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (artigo 192.º, n.º 4).- Existe sempre a possibilidade de demissão parlamentar do Governo, através da apresentação e aprovação de uma moção decensura por parte das oposições, considerando-se o Governo demitido se a moção for aprovada pela maioria absoluta dosdeputados em efetividade de funções [artigo 195.º, n.º 1, alínea f)]. Do mesmo modo, o Governo perde a confiança política daAR se, apresentando uma moção de confiança, essa moção não simplesmente aprovada, isto é, aprovada por maioria simples.Essencial no semipresidencialismo: o sistema político é determinado por três centros de poder: Presidente, Governo eParlamento e pela forma complexa como esses órgãos se relacionam entre si. Importa ainda referir que os poderes doPresidente diminuem ou aumentam conforme exista, ou não, uma maioria parlamentar forte capaz de se opor à vontade doPresidente.

A revisão de 1982 introduziu alterações significativas nos poderes do Presidente (Novais, II, pp. 116 e ss.):a) Até 1982, o poder de demissão era fortemente condicionado, carecendo o Presidente de autorização para o efeito doConselho da Revolução; depois de 1982, passa a ser um poder livre, desde que ouvido o Conselho de Estado e os partidos comassento parlamentar. Para além disso, antes de 1982, o Presidente estava ainda sujeito aos seguintes condicionalismos: só podiadissolver a AR no caso de haver três rejeições consecutivas do Programa do Governo; tinha a obrigação de dissolver a AR quandoesta tivesse recusado a confiança ou votado a censura ao Governo, determinando por tais factos a terceira substituição do

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Governo. Todos estes condicionalismos desapareceram depois de 1982: o Presidente só não pode dissolver a Assembleia nosseis meses que se seguem à eleição desta e no último semestre do mandato presidencial, bem como durante a vigência doestado de sítio ou de emergência (artigo 172.º).b) Até 1982, o poder de dissolução era um poder livre do Presidente; depois dessa data só o pode fazer «quando tal se torne

necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas» (artigo 195.º, n.º 2).c) A responsabilidade do Governo perante o Presidente deixou de ser política para passar a ser institucional (artigos 190.º,191.º, n.º 1, e 195.º, n.º 2). Para além disso, e como que em compensação, introduziu-se um dever de o Primeiro-Ministroinformar o Presidente sobre os assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do País [artigo 201.º, n.º 1, c)].d) Antes de 1982 a Constituição nada dizia sobre a nomeação e exoneração das chefias militares, sendo a lei ordinária que

atribuía esse poder ao Presidente; a partir de 1982, o poder em causa passa um poder partilhado entre o Presidente e oGoverno [artigo 133.º, p)].e) A partir de 1982 não só foi eliminado o veto de bolso, decorrente de a Constituição estabelecer um prazo para vetar, mas nãopara promulgar, como ainda foi alargado o número de matérias que passaram a requerer uma reaprovação por maioriaqualificada de dois terços para superar o veto (artigo 136.º, n.º 3), em vez de simples maioria absoluta (n.º 2 do mesmo artigo).f) Depois de 1982, a aprovação de uma moção de censura basta para demitir o Governo, sendo necessário anteriormente aaprovação de duas moções de censura.

Como se vê, não houve redução significativa dos poderes presidenciais:i) Quanto à demissão do Governo - Em primeiro lugar, é ao Presidente que cabe determinar o que significa a expressão do artigo 195.º, n.º 2;- Em segundo lugar, não parece que o poder de demitir o Governo seja essencial (desde logo o Presidente francês não o tem),

pois – atendendo à responsabilidade política do Governo perante o Parlamento – de nada adiante ao Presidente demitir oGoverno e depois nomear um novo que tem de ter o apoio do Parlamento.ii) quanto ao poder de nomeação das chefias militares, importa referir que um poder partilhado não deixa de ser um podersignificativo.Pelo contrário, pode até sustentar-se que houve um aumento significativo dos poderes presidenciais, uma vez que o poder dedissolução passou a ser livre. Como afirma Reis Novais, com o poder dissolução, o Presidente da República tem nas mãos achave do funcionamento do sistema, podendo convocar as eleições parlamentares para o tempo e circunstâncias por siexclusivamente escolhidas.Pelo contrário, a demissão do Governo não permite verdadeiramente alterar o panorama político, uma vez que nada se alterano plano da relação das forças políticas. Demitido um governo há que nomear outro e este continua a depender da vontade damaioria parlamentar, que não foi alterada com o ato presidencial de demissão (vol. II, pp. 130-131).

O conceito político e o conceito jurídico de poder constituinteO poder constituinte define-se usualmente como a faculdade de um povo se dar a si próprio uma Constituição. Esta primeiraaceção é facilmente percetível. Mas que poder é este: trata-se de um poder jurídico e, como tal, essencialmente limitado? Ou éum poder anterior à própria ordem jurídica, uma vez que institui a sua base, quer dizer a Constituição?Uma resposta tentadora consiste em afirmar que o poder constituinte originário, isto é aquele que ocorre em tempos de«viragem histórica», em épocas de crise, em situações revolucionárias, em situações em que uma comunidade política adota umnovo sistema constitucional (cf. Jorge Miranda, Manual , tomo II, 6.ª ed., p. 100), esse poder constituinte é, de facto, um podertendencialmente livre e incondicionado juridicamente, um poder político. Pelo contrário, o poder constituinte derivado, isto é,o poder de rever a Constituição já será um poder jurídico, essencialmente limitado.Mas esta seria uma resposta demasiado simples. Dizer que o poder constituinte originário ocorre nas raras situações em que aum povo é dado a escolher o seu caminho político é uma afirmação normalmente acompanhada de uma outra, segundo a qualesse poder permanece «latente em toda a experiência do Estado, pronto a emergir e a atualizar-se em qualquer instante»

(Miranda, ob. e loc. cit.). Temos assim um poder sempre presente, mas que raramente se manifesta, algo como um poder divinoque usualmente se conforma com as leis da natureza, mas por vezes perturba o seu funcionamento normal através damiraculosa criação de um novo ser.E reparem que esta analogia não é uma invenção minha: o poder constituinte do povo foi concebido à imagem do poder divinodos reis e tal como estes podiam atuar à margem da lei e da ordem constituída assim também sucederia com o poderconstituinte do Povo. Esta imagem é particularmente clara no pensamento de Siéyès. 

Assim, já podemos dar resposta ao nosso problema: o poder constituinte originário é um poder jurídico e não apenas político,sem que isso envolva a aceitação de qualquer direito natural, pelo menos no sentido de ordem prepositiva, válida para todos ostempos e lugares.Assim, cabe destacar três posições: a) O poder constituinte é um poder político. Carl Schmitt definiu-o nestes termos: «poder constituinte é a vontade política cuja

força ou autoridade é capaz de adotar a concreta decisão de conjunto sobre o modo e forma da própria existência política,determinando assim a existência da comunidade política como um todo» (Teoria, pp. 93-94).

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O poder constituinte está acima da Constituição, entendida como lei formal.b) A resposta de Kelsen é radicalmente diferente: não é a vontade política de um povo que institui uma ordem jurídica, masantes é a ordem jurídica que dá vida a uma unidade política (Lindahl, p. 22). Mas Kelsen via este problema em termosexcessivamente formais, no sentido em que qualquer rutura na cadeia de validade jurídica implicava uma refundação do Estadoe do direito, aliás identificados entre si.

c) Temos ainda de encontrar uma resposta para o nosso problema: se o poder constituinte é o poder de um povo se dar umaConstituição temos desde logo o problema de o povo nunca se encontrar diretamente presente perante si mesmo enquantosujeito da ação constituinte, mas surgir sempre representado por alguém.

Ora, a Constituição, e no seu núcleo o princípio do Estado de Direito, é a forma como a democracia lida com esta dificuldade: aseparação de poderes e a garantia dos direitos individuais são as condições mínimas sob as quais um ato pode ser atribuído ouimputado ao povo (Lindahl, p. 23).Se o poder constituinte é o poder de fazer a Constituição isso significa também que só a feitura de Constituição, enquantoestrutura dotada de um certo conteúdo, pode ser obra do poder constituinte. O poder constituinte existe apenas no processode fazer a Constituição.Conclusão: poder constituinte é poder jurídico. Três características: poder inicial, porque nenhum poder anterior lhe serve defundamento; autónomo, porque independente; mas não omnipotente, como vimos.O poder constituinte é o poder de fazer uma Constituição e não qualquer outra estrutura jurídica ou política. Aproximação entrefeitura da Constituição e de um Código Civil.

Poder constituinte material  – poder de auto-conformação do Estado segundo uma certa ideia de Direito, materializada nasestruturas substantivas da Constituição em sentido material, que já analisámos.Poder constituinte formal  – poder de adotar normas com a força jurídica e a forma próprias das normas constitucionais. Poroutras palavras, poder de adotar uma Constituição em sentido formal.Apesar desta separação usual na doutrina, na realidade não há separação entre os dois conceitos . Todo o poder constituintematerial se exterioriza através de um poder constituinte formal (nos sistemas onde exista uma constituição formal) ou, pelomenos, no direito consuetudinário.

Poder constituinte e soberaniaA Constituição é usualmente obra de um poder constituinte que exprime a soberania do Estado. Mas pode acontecer que umaConstituição seja decretada de fora do Estado a que respeita por outro Estado ou por uma organização internacional.É o caso das primeiras Constituições dos países da Commonwealth britânica, aprovas por leis do Parlamento britânico (Canadá,

Nova Zelândia, Austrália, etc.), ou a Constituição da Bósnia-Herzegovina, surgida na sequência dos acordos de Dayton, de 1995.Qual o fundamento de validade destas Constituições: a ordem jurídica de onde provieram ou a ordem jurídica local, investida depoder constituinte? Só a segunda resposta é correta: a partir da independência o fundamento de validade das normas dosistema reporta-se apenas à Constituição da nova ordem jurídica.

Legitimidade do poder constituinteQuando se fala de legitimidade do exercício do poder constituinte tem-se normalmente em vista as formas de exercício dessepoder e o conteúdo deste exercício.Forma de exercício democrática do poder constituinte: é o povo quem exerce o poder constituinte, intervindo, em liberdade,direta ou indiretamente, na feitura da Constituição.Forma de exercício autocrática do poder constituinte: esse poder é exercido por uma pessoa, ou conjunto de pessoas, que oexercem sem intervenção popular.

Elementos distintivos: entidade que exerce o poder constituinte e existência de condições de expressão popular plural e livre.Tipos de exercício da forma democrática: i) forma democrática representativa, em que o povo elege os seus representantes,membros de uma Assembleia que faz a Constituição (CRP em vigor); ii) forma democrática direta, em que todos os cidadãos sereúnem em Assembleia e aí deliberam e votam a Constituição; iii) forma semidirecta ou referendária, em que a Constituiçãoelaborada por órgão de base eletiva é depois objeto de voto popular através de referendo, como sucedeu com a Constituiçãofrancesa em vigor, de 1958.Tipos de exercício ditatorial do poder constituinte: i) titular não é o povo, como sucede com a Carta Constitucional de 1826,outorgada pelo monarca; ii) titular é o povo, mas não exerce livremente o poder, como sucede no caso dos plebiscitos(Constituição de 1933) ou o pacto entre monarca e assembleia representativa do povo (Constituição de 1838).Diferença entre referendo e plebiscito: caráter meramente confirmativo, e não deliberativo, do voto neste último caso.

Limites do poder constituinteA teoria do poder constituinte surgiu para substituir a teoria da origem divina do poder real e, por essa razão, também oapresenta sem limites.Hoje é uma evidência a existência de limites, não porque se imponham a partir de uma ordem transpositiva, mas porque fazeruma Constituição é uma ação performativamente enformada por certos conteúdos.

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Segundo o Prof. Jorge Miranda haveria que distinguir:i) Limites transcendentes  – impõem-se à vontade do Estado ou do povo e «provém de imperativos de Direito Natural, de valoreséticos superiores, de uma consciência jurídica coletiva (conforme se entender)» (Miranda, Tomo II, 6.ª ed., p. 134). Estariam aquiem causa os direitos fundamentais conexos com a dignidade humana.ii) Limites imanentes  – configuração própria do Estado, de que cada Constituição representa apenas um momento na suamarcha histórica: soberania, federalismo, legitimidade democrática.iii) Limites heterónomos  – provenientes da conjugação com outros ordenamentos jurídicos.Cabe aqui distinguir:(i) Limites heterónomos de direito internacional com caráter geral, como os princípios de direito internacional geral ou comum

a que alude o artigo 8.º, n.º 1, da CRP ( jus cogens, por exemplo);(ii) Limites heterónomos de direito internacional com caráter especial, como os respeitantes às garantias dos direitos de certasminorias ou a imposições do direito da União Europeia;(iii) Limites heterónomos de direito interno, como os decorrentes de limitações recíprocas decorrentes de uma uniãofederativa.Ao contrário do que sucede com os limites heterónomos, não há, em rigor limites transcendentes ou imanentes, mas apenaslimites respeitante à própria ação que consiste em aprovar uma Constituição.

Poder de revisãoPoder de revisão como poder constituinte. Para alguns, o poder de revisão representa a subsistência do poder constituinteoriginário; para outros, trata-se de uma paródia do poder constituinte, que só existe nas situações de rutura na ordemconstitucional.Relevância da questão a propósito da revisão total (formal ou material) da Constituição.

Para os que advogam que o poder de revisão representa a subsistência do poder constituinte originário, a revisão total ésempre possível; para os que entendem que o poder de revisão é limitado pelo poder constituinte, essa revisão total só épossível se a Constituição a prever.Limites ao poder de revisão  – conexão com distinção entre Constituições rígidas e flexíveis.A Constituição rígida carateriza-se pela existência de limites de forma ou de tempo, que diferenciam o processo de revisão doprocesso legislativo ordinário. Constituição hiper-rígida pressupõe a existência de limites materiais ao poder de revisão.Limites formais  – 3 tipos: i) quanto ao órgão para exercer a iniciativa de revisão; ii) quanto ao órgão competente para aprovar asalterações constitucionais; iii) maiorias para aprovar o início de um processo de revisão ou a própria revisão.  

Constituição portuguesa  – apenas reconhece a iniciativa dos deputados (artigo 285.º); reconhece ao Parlamento acompetência para aprovar a revisão (artigo 286.º) e estabelece maioria de quatro quintos dos deputados em efetividade defunções para assumir poderes de revisão extraordinária (artigo 284.º, n.º 2) e de dois terços dos deputados em efetividade de

funções para aprovar as revisões (artigo 286.º, n.º 1).Requisitos de qualificação (a sua inexistência permite ao PR não promulgar a lei de revisão, ao contrário do que refere o artigo286.º, n.º 3; em princípio rejeição de fiscalização preventiva, atendendo à possibilidade de confirmação, nos termos do artigo279.º, n.º 2, cf. Jorge Miranda, Manual, T. II, 6.ª ed., p. 206):a) Só os deputados têm a iniciativa de revisão;b) Só a Assembleia da República pode aprovar leis de revisão;c) A AR só pode fazer revisão decorridos cinco anos sobre a anterior lei de revisão ordinária ou, antes desse período, assumindopoderes de revisão extraordinária;d) Não pode ser praticado ato de revisão em estado de sítio ou de emergência (artigo 289.º);e) As revisões têm de ser aprovadas por dois terços dos deputados em efectivadade de funções;f) Limite temporal material (J. Miranda, T. II, 6.ª ed., p. 208) – se o povo se pronunciar em termos vinculativos sobre umadeterminada questão através de referendo nacional só pode ser votada lei em sentido contrário na legislatura seguinte,

entendimento que vale também para a lei constitucional. Quando o povo exerce a soberania a sua voz deve prevalecer sobre ados representantes políticos.

Limites temporais ou definição temporal da competência de revisão?Em que consistem estes assim designados, impropriamente como se verá, «limites temporais»? De acordo com o artigo 284.º daConstituição uma revisão constitucional só pode ocorrer decorridos cinco anos sobre a data de publicação da última lei derevisão que haja sido efetuada na sequência do decurso de um quinquénio anterior, como se lê no n.º 1 do artigo, salvo se aAssembleia da República assumir poderes de revisão por maioria de quatro quintos dos Deputados em efetividade de funções,caso em que a revisão pode ocorrer em qualquer momento, segundo decorre do n.º 2 da mesma disposição.A revisão que pode ocorrer de cinco em cinco anos diz-se ordinária; a revisão que pode ocorrer em qualquer momento, nasequência da assunção de poderes de revisão por quatro quintos dos Deputados em efetividades de funções, diz-seextraordinária. Para além disso, a revisão extraordinária não interrompe o prazo de cinco anos imposto como intervalo de

tempo entre a realização de sucessivas revisões extraordinárias. Quer isto dizer que realizada uma revisão extraordinária nãocomeça a correr novo prazo de cinco anos para a realização da próxima revisão ordinária.Parece, desde logo, claro que designar o regime que acaba de descrever-se através da expressão «limites temporais de revisãoextraordinária» se revela enganador. O que está realmente em causa é uma dimensão temporal do poder de revisão, uma vezque o objetivo da definição do tempo da revisão não é, pelo menos atualmente, o de a restringir, mas precisamente o criar

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condições para uma reforma periódica do texto constitucional. Com efeito, através da definição do tempo da revisão consegue-se que o processo de revisão seja desencadeado com a simples apresentação, por qualquer Deputado, de um projeto derevisão, uma vez completado o prazo de cinco anos sobre a revisão ordinária anterior.A não existir esta dimensão puramente temporal, o mais lógico seria fazer depender o início do processo de revisão de umadeliberação da Assembleia da República tomada por maioria qualificada, como sucede em grande número de textosconstitucionais e sucedeu, na nossa história constitucional, com a Constituição de 1822 e a Carta Constitucional de 1826. Aliás,só a articulação da exigência do decurso de um período de tempo sobre a data de uma anterior revisão com a exigência demaioria qualificadas para a assunção de poderes de revisão permitiria falar em limites temporais.Não se exigindo que uma maioria dos Deputados delibere sobre a necessidade de revisão, mas bastando que um deles

apresente um projeto de revisão decorridos cinco anos sobre a revisão ordinária para que a Assembleia seja obrigada adeliberar sobre eles, podemos falar de um regime de «cio» constitucional. Em determinados períodos de tempo, que ocorremciclicamente, o Parlamento está apto a receber projetos de revisão, discutindo-os e votando-os, sem que se exija qualquerdeliberação sobre a sua oportunidade.

O que pode levar uma Constituição a procurar regular o tempo da revisão? As experiências e ideias constitucionais mostramduas motivações principais a este respeito: (1) facilitar a revisão da constituição, a partir do seu interior; (2) criar condiçõespara a própria recriação da constituição. Esta última motivação afigura-se algo fútil, ao procurar disciplinar formalmente opróprio impulso constituinte.

Mas a primeira motivação não é também isenta de perigos. Esses perigos são, aliás, cada vez mais visíveis na nossa vivênciapolítico-constitucional mais recente, posterior às grandes revisões do sistema político e económico de 1982 e 1898. Consistem

eles em fazer da revisão constitucional um mero exercício de retórica da classe política, um expediente destinado a preencherciclicamente uma agenda política depauperada pelo crescente esbatimento de diferenças significativas entre os grandespartidos com assento parlamentar, uma manifestação de um contratualismo partidário que aliena os cidadãos do debateconstitucional.Ora, estes perigos, julga-se, são potenciados pela progressiva dissociação, verificada na nossa história constitucional, emtermos únicos no contexto das demais constituições que nos são próximas, entre o simples decurso do tempo e a exigência deuma maioria qualificada como condições de realização da revisão constitucional, através da consagração daquele que atrás sechamou um regime de «cio» constitucional. Esta dissociação deve ser combatida, reintroduzindo-se a exigência de votaçãoparlamentar qualificada (ainda que inferior à maioria de quatro quintos prevista para a assunção de poderes de revisãoextraordinária) exprimindo o juízo sobre a própria necessidade de se proceder à revisão, como condição de realização dequalquer revisão ordinária.É esta, julga-se, a única revisão verdadeiramente necessária da Constituição de 1976, através da qual se alcançaria o

desiderato de tornar o sistema dos designados limites temporais de revisão mais conformes aos princípios que verdadeiramenteo justificam: reagir contra a ideia de imutabilidade da Constituição, criando condições para a sua alteração periódica, sem deixarde assegurar uma maior proximidade entre a revisão constitucional e o corpo eleitoral.Ao mesmo tempo, não parece que a proposta esboçada, ao dificultar a revisão da constituição, conduza a um estado de coisaspropiciador da sua violação. Pelo menos, isso não deverá acontecer se a jurisprudência constitucional consolidar e reforçar opapel que lhe cabe no desenvolvimento da Constituição.

Limites materiais – artigo 288.ºTeorias sobre a sua relevância jurídica: i) irrelevância; ii) relevância relativa – dupla revisão e duplo processo de revisão (apenasadmissível em relação a limites materiais expressos que não são implícitos); iii) relevância relativa  – limites materiais explícitos,que podem ser revistos como quaisquer normas e limites materiais implícitos (não simplesmente de base textual, como aintegridade do território ou o próprio elenco dos limites materiais expressos, mas imanentes ou meta-positivos), que não podem

ser objeto de revisão sem rutura constitucional; iv) relevância relativa  – princípios; v) relevância absoluta.Teste a propósito da forma republicana de governo [artigo 288.º, b)]; direitos, liberdades e garantias [artigo 288.º, d)] eexistência de planos económicos no âmbito de uma economia mista [artigo 288.º, g)].

Ruturas constitucionaisRuturas constitucionais  – regulamentações constitucionais específicas contrárias ao regime genérico consagrado pelaConstituição, que vale em geral.Três exemplos:- Auto-rupturas  – artigo 308.º da versão originária;- Atos concretos decorrentes de regimes excecionais não totalmente delineados na Constituição, como os correspondentes àdeclaração de estado de sítio e de emergência.- Lei de revisão como “lei medida”, através da criação de regimes constitucionais concretos excecionais.

Desconstitucionalização de normas jurídicas  – transformação de normas constitucionais anteriores em normas legislativasordinárias (artigo 290.º, n.º 1).Distinção entre ruturas constitucionais e ruturas na ordem constitucional.A rutura na ordem constitucional equivale normalmente à revolução  – reconstituição da ordem jurídica, ou do seu “fecho”, isto

é do seu fundamento de validade especificamente jurídica, com base num novo fundamento de validade material. Violência

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contra a ordem para a instituição de uma nova ordem; a revolução só é um fenómeno jurídico se essa nova ordem for umaordem constitucional. Kant e o direito de revolução: onde há estado constitucional não há direito de revolução e não há direitode revolução para instituir algo que não seja um estado constitucional.Segundo Miguel Galvão Teles, a revolução avalia-se a si própria juridicamente: a primeira norma que ela cria é também anorma que a legitima e lhe atribui valor jurídico.Acrescentar-se-ia apenas que a legitima pelo seu resultado: a criação de um estado jurídico-constitucional onde antes havia umestado despótico.A revolução é uma rutura na ordem constitucional.E a transição constitucional? Exemplos:

* a outorga da Carta Constitucional de 1826, a reforma política espanhola de 1976-1978, a evolução da primazia da Câmara dosLordes para a Câmara dos Comuns, a própria instauração do fascismo e do nazismo na Alemanha, a passagem do apartheid aoregime democrático na África do Sul, etc.Se a revolução é a mudança do fundamento material da ordem jurídica, sem observância das regras estabelecidas, a transição é a mudança desse mesmo fundamento com observância de tais regras.Ao mesmo tempo, há um ponto comum: a unidade da ordem jurídica é dada pela justificação material e o fundamento devalidade da nova Constituição é autónomo. Em ambos os casos há o exercício de um poder constituinte originário.

Estruturas objetivas da ConstituiçãoQuando falamos de normas constitucionais temos de tratar de duas matérias principais: por um lado, o problema da eficáciadas normas; por outro lado, o problema da relação entre as normas constitucionais e os valores expressos na Constituição.O primeiro aspeto prende-se com duas importantes distinções no âmbito das normas constitucionais: a distinção entre normasprecetivas e normas programáticas, por um lado, e, por outro, a distinção entre normas exequíveis por si mesmas e nãoexequíveis por si mesmas.Em rigor esta segunda classificação é mais abrangente do que a primeira, pois entre as normas não exequíveis por si mesmas tanto se encontram normas precetivas, como normas programáticas.Mas antes de avançarmos para estas distinções, vejamos as possíveis classificações normas no direito constitucional:i) Normas constitucionais materiais ou de fundo, orgânicas ou organizativas e procedimentais ou de forma.ii) Normas constitucionais precetivas e programáticas ou diretivas, as primeiras de eficácia incondicionada [artigo 9.º, alíneab): constitui tarefa do Estado garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direitodemocrático], as segundas implicando uma concretização da realidade que têm por objeto [artigo 9.º, alínea d): constitui tarefado Estado promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade rela entre os portugueses, bem como a efetivaçãodos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas esociais]. O critério consiste na interação com a realidade constitucional (J. Miranda, T. II, 6.ª ed., p. 287).

iii) Normas exequíveis e não exequíveis por si mesmas  – as primeiras aplicáveis por si sós, sem necessidade de lei que ascomplemente; as segundas carecidas de normas legislativas que as tornem plenamente aplicáveis. De outro modo, normassegundo o critério aqui em causa podem distinguir-se entre self-executing provisions e not self-executing provisions. O critério é,pois, a completude ou incompletude da norma (J. Miranda, T. II, 6.ª ed., p. 287).iv) Normas constitucionais de primeiro e segundo grau (normas sobre revisão constitucional e disposições transitórias).Voltando às distinções entre normas precetivas e programáticas e exequíveis e não exequíveis por si mesmas, temos:i) Normas precetivas exequíveis  – artigos 24.º (direito à vida), 37.º (liberdade de expressão), 45.º (direito de reunião emanifestação).ii) Normas precetivas não exequíveis  – artigos 40.º (direito de antena), 41.º, n.º 6 (objeção de consciência).iii) Normas programáticas  – artigos 58.º (direito ao trabalho), 63.º (segurança social), 64.º (saúde), 65.º (habitação), 78.º(fruição cultural), 93.º (política agrícola).Qual a relevância destas distinções?

Três critérios possíveis:i) Quanto aos destinatários, as programáticas são dirigidas ao legislador e à Administração e as restantes aos cidadãos e ao juiz;ii) Quanto ao objeto, as programáticas visam os comportamentos do Estado e as demais os comportamentos dos privados;iii) Quanto à natureza, as programáticas têm um elevado nível de abstração e imperfeição, enquanto as demais são suscetíveisde imediata aplicação pelos tribunais.Este modo de ver está ultrapassado. As normas programáticas são normas como quaisquer outras. Única diferença  – dependemde fatores económicos e sociais e logo pressupõe maior grau de liberdade do legislador na respetiva concretização.Diferença normas programáticas e normas precetivas não exequíveis por si mesmas : estas carecem apenas da intervenção dolegislador, sem dependência de fatores económicos e sociais. Problema da reserva do possível.Eficácia direta das normas preceptivas não exequíveis por si mesmas e das normas programáticas :i) Proíbem a emissão de normas legais contrárias, bem como de comportamentos que impeçam a produção de atos por elasimpostos.

ii) Uma vez concretizadas não podem ser simplesmente revogadas.Problema da proibição do retrocesso (Ac. TC 509/2002):a) Onde resulte da Constituição uma ordem de legislar, precisa e concreta, tornando possível determinar com segurança asmedidas jurídicas necessárias para lhe conferir exequibilidade, a margem do legislador para retroceder é mínima, sob pena deinconstitucionalidade por omissão;

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b) Noutros casos, a proibição do retrocesso não pode pôr em causa o princípio da alternância democrática, de que resulta oprincípio da revisibilidade das opções político-legislativas.iii) Interpretação sistemática.iv) Analogia para integração de lacunas.Normas precetivas não exequíveis por si mesmas:i) Inconstitucionalidade superveniente de normas legais anteriores contrárias.ii) Inconstitucionalidade por omissão no caso de não serem cumpridas pelo legislador.Normas programáticas: aplica-se i) e ii) anteriores, mas apenas se as condições de facto o permitirem.Princípios e regras.

Determinações das regras v. mandatos de otimização dos princípiosCaráter definitivo das regras v. caráter prima facie dos princípiosDimensão da validade v. dimensão da ponderação: conflitos entre regras e colisão entre princípios ou entre princípios e regras(cláusula de exceção). 

Três objeções:- Princípios que podem ser invalidados  – princípio da segregação racial, na realidade não faz parte do ordenamento jurídico- Princípios absolutos  – dignidade humana- Amplitude do conceito de princípios, podendo envolver tanto direitos individuais como interesses coletivos (ex. proteção dapersonalidade v. liberdade de informação, mas também ambiente v. propriedade). 

Princípio da proporcionalidade

Dois campos de aplicação: artigo 2.º e artigo 18.º da CRPO fim e o meio são legítimos à luz da ConstituiçãoTrês subprincípios. Exemplo com proibição de uso de armas de fogo (proibição v. proibição de uso e porte de arma) e proibiçãodo consumo de cannabis (proibição penal e contra-ordenacional).Origens no direito administrativo e depois receção no direito constitucional. No domínio do direito administrativo permitelimitar a discricionariedade da Administração; do mesmo modo também no domínio do direito constitucional em relação aolegisladorModo como a jurisprudência do Tribunal Constitucional entende o princípio da proporcionalidade, especialmente no controloda atividade do legislador, em contraste com o recurso ao mesmo princípio enquanto parâmetro da atividade administrativa.A este propósito, afirmou o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 187/01, o seguinte:«Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador – diversamente da administração –, legitimado para tomar as medidas emquestão e determinar as suas finalidades, uma “prerrogativa de avaliação”, como que um “crédito de confiança”, na apreciação,

por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aqueleque dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objetivos visados com amedida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir). Tal prerrogativa dacompetência do legislador na definição dos objetivos e nessa avaliação (com o referido “crédito de confiança” – falando de um“Vertrauensvorsprung”, v. Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht II, 14ª ed., Heidelberg, 1998, n.ºs 282 e 287)afigura-se importante sobretudo em casos duvidosos, ou em que a relação medida-objetivo é social ou economicamentecomplexa, e a objetividade dos juízos que se podem fazer (ou suas hipotéticas alternativas) difícil de estabelecer.Significa isto, pois, que, em casos destes, em princípio o Tribunal não deve substituir uma sua avaliação da relação, social eeconomicamente complexa, entre o teor e os efeitos das medidas , à que é efetuada pelo legislador, e que as controvérsiasgeradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro manifesto de apreciação – como é, designadamente (mas não só), ocaso de as medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida –, ser resolvidas contra a posição do legislador.Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade,

ou existe violação  – e a decisão deve ser de inconstitucionalidade – ou não existe  – e a norma é constitucionalmente conforme.Tal objeção, segundo a qual apenas poderia existir “uma resposta certa” do legislador, conduz a eliminar a liberdade de

conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria averiguação jurisdicional da existência de umainconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de sepoder detetar um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-sena competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa.»O princípio da proporcionalidade permite transformar o legislador num servo da Constituição  – plenitude da Constituiçãomaterial, sobretudo no domínio dos direitos fundamentais.Críticas:- Dissolver o direito na justiça do caso concreto;- Transferência de poder para o poder judicial; - Necessidade de um critério ou parâmetro para comparar os dois valores em presença no âmbito da proporcionalidade emsentido estrito, sob pena de arbítrio.

Estruturas subjetivas da ConstituiçãoDireitos e deveresDeveres – de natureza política ou homóloga de direitos políticos – serviço militar, domínio tributário ou eleitoral

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- De natureza económica, social e cultural que assumem relevância constitucional  – escolaridade básica, ou de defesa doambiente.Direitos e garantia de instituto. Pergunta a que visa responder a garantia de instituto: dela espera-se uma resposta quanto àtutela dos seguintes casos, não abrangidos pela garantia individual da propriedade: os casos em que o legislador não atuaafetando posições jurídicas individuais merecedoras de tutela à luz desta última garantia, mas antes através da criação de novosdireitos ou da exclusão para o futuro da constituição de direitos atualmente em vigor.Ora, aceitar-se a existência de uma alteração estrutural do conceito de garantia de instituto em relação à sua origem históricaequivale também a admitir a sua perda de autonomia em relação ao controlo propiciado pelos princípios da proporcionalidade eproteção da confiança. Por outro lado, a autonomia dogmática do mesmo conceito é ainda posta em causa pela admissão de um

direito subjetivo à existência de instituições de direito privado, incluído na garantia constitucional da propriedade privada, aindaque esse direito não possa ser configurado como um direito de defesa, à semelhança do que sucede com a designada garantiade permanência.Para além disso, deveres de proteção.

Interpretação constitucionalA pergunta que aqui nos importa responder é a de saber se a interpretação constitucional é a mesma atividade do que ainterpretação jurídica em geral ou se, pelo contrário, apresenta especificidades próprias.Não quero responder já aqui à pergunta, mas não posso deixar de enunciar alguns motivos de perplexidade quanto àinterpretação constitucional.Em primeiro lugar, como vos disse, a jurisprudência constitucional entende que são inadmissíveis à luz da nossa Constituiçãopenas fixas, sem que seja avaliado o grau de culpa do infrator. Esta ideia de proibição de penas fixas é retirada do artigo 1.º daConstituição que estabelece o princípio da dignidade da pessoa humana. Mas quem ler este artigo não encontra lá nenhuma

referência a penas fixas ou sequer à ideia de culpa. Que interpretação é esta, pois, que retira duma expressão, de um conceito,um conjunto de consequências de regime que não estão explícitas no texto?Em segundo lugar, a fiscalização da constitucionalidade existe no nosso ordenamento jurídico desde, pelo menos, a Constituiçãode 1911 e, todavia, só desde que foi instituída uma jurisdição constitucional concentrada se passou a aplicar o direitoconstitucional.Apresentará a interpretação constitucional alguma especificidade em resultado dos sujeitos que a desenvolvem, isto é, os juízesconstitucionais?Em vez de responder desde já a estas questões, vamos elencar as várias teorias sobre a interpretação constitucional 33, paradepois nos encontrarmos mais habilitados a responder-lhes.1. O método hermenêutico clássico Este método compreende duas teses essenciais:a) A Constituição deve ser interpretada do mesmo modo que a lei; a manifestação da Constituição em forma de lei é uma das

conquistas do Estado de direito e fundamento da sua estabilidade.b) A interpretação da lei, baseia-se nos quatros elementos postos em evidência por Savigny, isto é, o elemento gramatical, oelemento histórico, o elemento sistemático e o elemento lógico. Ainda que a Constituição se revista de especialidades emrelação a outras leis, e que essa especialidade imponha a consideração de elementos adicionais de interpretação, isso não põeem causa os elementos tradicionais.O pressuposto deste entendimento consiste, pois, na equiparação entre lei e Constituição. Sem pôr em causa que ainterpretação é uma lei, será que esta equiparação faz sentido, na perspetiva do método de interpretação a aplicar a ambas asrealidades?Para responder a esta questão precisamos de ter em consideração vários aspetos:i) Em primeiro lugar, como sabemos, as normas legais têm uma estrutura bipartida, uma previsão e uma estatuição, nãoconsistindo numa mera programação de objetivos.Aliás, é esta bipartição que permite a inclusão das regras legais num todo sistemático que as transcende individualmente.

- Pelo contrário, e para além de regras mais detalhadas em matéria de competência dos órgãos constitucionais, a Constituição éessencialmente composta por princípios e normas programáticas.- O caráter fragmentário da Constituição tem como consequência o seu afastamento em relação à estrutura normativa deconteúdo das leis. Daí que se fale, em relação à Constituição, de «disposições quadro» (Rahmenordnung), destinadas aenquadrar o processo de decisão e atuação política.- Finalmente, falta à Constituição a inserção numa conexão de regras com a mesma estrutura, como sucede com a lei. AConstituição existe por si e necessariamente isolada no ordenamento jurídico.ii) Em segundo lugar, as regras de interpretação de Savigny cobram o seu sentido em relação a disposições legais que se inseremnuma ordem jurídica desenvolvida, que consiste num todo histórico-dogmático.Com isto, reconhece-se a dificuldade da teoria clássica da interpretação : esta reconhece a necessidade de elementos adicionaisde interpretação, mas não se encontra em condições de esclarecer quais sejam esses elementos adicionais.A este propósito, o Professor Jorge Miranda avança com os seguintes elementos, que designa por postulados da interpretação

constitucional: i) O postulado da unidade, que exige a superação das contradições de princípios, mesmo no caso das Constituiçõescompromissórias. ii) O postulado da identidade, de acordo com o qual a dilucidação de disposições particulares deve partir da identidade daConstituição material de cada Estado em cada momento. 

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iii) O postulado da efetividade, de acordo com o qual a uma norma fundamental deve ser atribuído o sentido que maior eficácialhe dê, para além de uma função útil no ordenamento. Segundo afirma, a Constituição vigente e efetiva é aquela que é vigente eefetiva hoje e para hoje (Manual, Tomo II, 6.ª ed., p. 307).iv) O postulado da supremacia, de acordo com o qual não é a Constituição que deve ser interpretada de acordo com a lei, mas alei que deve ser interpretada de acordo com a Constituição.Estes elementos são úteis, mas são sobretudo úteis para demonstrar a falência do método de interpretação clássico em relaçãoàs normas constitucionais. Quando se fala da unidade e identidade da Constituição, base da sua efetividade e supremacia, faz-seaqui necessariamente apelo a uma teoria da Constituição que há-de estar na base do método de interpretação constitucional.A Constituição e o artigo 9.º do Código Civil: regras substancialmente constitucionais?

Em qualquer caso insuficientes, como acaba de ver-se.2. O método tópico e orientado para a resolução de problemas  O caráter estruturalmente aberto das normas constitucionais, que põe em causa o método clássico de interpretação no campodo direito constitucional, parece ser um argumento a favor de uma abordagem hermenêutica centrada na resolução deproblemas. Será assim? Antes de mais, importa descrever o método. O problema adquire aqui o papel central, em face da norma e do sistema, e ainterpretação jurídica surge como um processo de argumentação aberto que não tem como critério de orientação um conteúdonormativo, nem se destina a estabelecer e aplicar esse conteúdo, mas apenas encara o conteúdo normativo e o sistemadogmático como pontos de vista junto de outros. As regras de interpretação clássicas surgem aqui como simples pontos de vista parciais, mas de modo algum como formandoum cânone fechado.As consequências deste modo de encarar a interpretação constitucional são as seguintes:

i) Os princípios e valores constitucionais deixam de ser encarados como normas e passam a ser considerados como «material dedireito constitucional», ou seja, como meros pontos de vista interpretativos, cuja relevância depende da respetiva adequação aoproblema e ao caso a resolver.ii) A coerência da interpretação deixa de assentar nas grandes opções contidas na própria Constituição – pois isso significaria oregresso do primado da norma sobre o problema – mas no consenso dos participantes na argumentação constitucional, queinclui, em primeira linha, os teóricos do direito e os juízes, mas também toda a res publica.iii) A Constituição adquire o caráter de um recipiente vazio no qual  – segundo a estipulação do consenso de cada momento  – várias interpretações podem predominar.Por esta razão, este método de interpretação, ao permitir em tão larga medida a determinação do conteúdo da Constituição(para lá da mera descoberta) implica, numa comunidade política democrática a exigência da sua própria democratização.Uma ilustração desta democratização encontra-se no pensamento de Peter Häberle, do qual se pode retirar uma quasecompleta dissolução da Constituição como norma. Isto acontece em três passos: primeiro, o círculo dos participantes na

interpretação constitucional é alargado a todos os órgãos do Estado, todas as entidades públicas, todos os cidadãos e grupos, achamada «sociedade aberta dos intérpretes da Constituição»; em segundo lugar, a interpretação não é apenas um processoaberto, mas um processo público; por último, a própria Constituição se torna um processo aberto e público (cf. tambémBonavides, p. 525).Häberle distingue entre uma interpretação em sentido estrito, que usa os métodos tradicionais civilistas, e uma interpretaçãoem sentido lato, não formalista, assente no debate e na renovação (Bonavides, p. 525).O que temos aqui não é já interpretação, mas uma permanente alteração da Constituição sob a designação de interpretação(Bonavides, p. 530; Miranda, Tomo II, 6.ª ed., p. 302).Importa, com efeito, optar entre abertura da Constituição e validade da Constituição.Para além disso, a teoria da interpretação constitucional baseada na tópica e no pensamento problemático consiste, na verdade,numa «teoria interpretativa do não político», uma vez que pressupõe um consenso dificilmente existente nas sociedadesplurais.

3. A interpretação constitucional hermenêutico-concretizadoraO que está aqui em causa é um esforço de, sem pôr essencialmente em causa a abertura da interpretação proclamada pelatópica e pelo pensamento problemático, recuperar a vinculatividade normativa e a racionalidade controlável da interpretação eassim resolver o problema que o método tópico e problemático não conseguiu resolver.Há aqui dois nomes essenciais a considerar:a) Konrad Hesse e a interpretação como concretizaçãoO ponto de partida de Hesse é a retirada do conceito de interpretação da respetiva subordinação a uma vontade normativa ou aum conteúdo normativo que “em si” preexistente e que através da interpretação seria apenas descoberto ou verificado.Pelo contrário, a interpretação deve tomar como ponto de partida que o seu fim nunca é já realmente existente. A interpretaçãoconstitucional adquire assim o caráter de um preenchimento jurídico; consiste em concretização. Esta concretização acontecesobretudo para aquelas normas que apenas têm um conteúdo quadro, especialmente os direitos fundamentais e as tarefas doEstado.Todavia, Hesse entende a concretização essencialmente segundo o modelo de um procedimento tópico e orientado peloproblema, ainda que substituindo o primado do problema pelo primado do texto normativo. O problema é que a tarefa dainterpretação consiste precisamente em estabelecer com clareza o conteúdo do texto normativo.Como pode, no entanto, a interpretação ser vinculada por aquilo que se destina a desvelar? Se a norma é indeterminada e sóadquire conteúdo através da interpretação não pode, ao mesmo tempo, constituir elemento vinculante da interpretação, sobpena de círculo vicioso.

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b) Friedrich Müller e a racionalização metódica do processo de concretizaçãoEnquanto na posição de Hesse permanece em última análise aberta e não decidida a relação entre diversidade argumentativatópica e interpretação normativa, Müller procura analisar com maior detenção o processo de concretização tendo em vistaracionalizá-lo e estruturá-lo com base no seu caráter normativo.i) Müller procura logo de início recolocar a vinculação normativa no processo de concretização, o que procura fazer através deum conceito de norma modificado e ajustado às normas indeterminadas da Constituição.Segundo este autor o texto de uma norma de direito positivo é apenas a ponta do iceberg, a essência da normatividade, feitados factos e relações sociais, encontra-se submersa (Bonavides, p. 520). Por isso, Müller procura uma metodologia que não selimite a lidar com textos.

A norma, em especial a norma constitucional, surge como efetivo núcleo transferível da disposição normativa. Para seraplicável ao caso individual, deve ser antes de mais concretizada em norma-decisão, sendo ao mesmo tempo clarificada,diferenciada e desenvolvida.ii) No âmbito do processo de concretização a norma jurídica e a efetividade surgem como os principais momentos equiparados.Para além disso, há a considerar uma multiplicidade de elementos de concretização dispostos segundo uma determinadahierarquia.Entre esses elementos de concretização da norma, que acrescem aos quatro elementos metodológicos clássicos, são osseguintes: os elementos do âmbito da norma, os elementos dogmáticos, os elementos de uma teoria da Constituição, oselementos técnicos de solução e os elementos político-jurídicos.Quais os problemas que aqui se colocam? Como se situa esta proposta metódica entre a tópica e a sua resistência ànormatividade e a interpretação normativa?

Um conteúdo normativo vinculativo não se pode extrair de um texto normativo plurissignificativo, como é típico de grande partedas normas constitucionais, sem o recurso a uma teoria constitucional vinculativa que desempenha o papel de um critérioorientador normativo da interpretação. Ora, as precisões de Müller a este propósito não são claras.  

Por outro lado, se a concretização se assume como interpretação vinculativa isso não pode deixa de limitar a margem deliberdade de conformação política do legislador.4. SínteseOs diversos métodos de interpretação recenseados permitem as seguintes conclusões: i) Todos os métodos indicados degradam de algum modo a normatividade da Constituição.ii) Todos os métodos de interpretação pressupõem uma certa desvalorização da função da lei em relação à Constituição. Emtodos eles, se assume a capacidade de a Constituição servir de base para a decisão de casos concretos.iii) Em todos os métodos de interpretação se estabelece uma relação com determinadas teorias da Constituição e conceitos de

Constituição. A conclusão que se retira é a de que uma discussão sobre os métodos de interpretação constitucional é, ao mesmotempo, uma discussão sobre a teoria da Constituiçãoiv) O que se deve, todavia, entender por teoria da Constituição? Não está aqui certamente em causa um qualquer conceito deConstituição que se pretenda adotar, mas uma conceção sistematicamente orientada sobre o carácter geral, a direçãonormativa e o alcance de conteúdo da Constituição (p. 83).Por outras palavras, uma teoria constitucional vinculativa não pode ser entendida como pré-compreensão subjetiva dointérprete ou resultado de consenso político. É apenas possível enquanto teoria explícita ou implicitamente contida naConstituição, suscetível de ser retirada do texto da Constituição e do seu desenvolvimento através de processos racionais. 

Aqui importa ter sobretudo presentes dois pontos:a) A opção entre Constituição como ordenamento-quadro e não como ordenamento fundamento. A constituição, na medida emque organiza a vida política e do Estado e regula a relação fundamental entre Estado e cidadão, é um « ordenamento-quadro» e,

nessa medida, não contém em si o material que conduz a uma harmonização das diversas posições jurídicas entre si, apenasincluindo aspetos determinados, especialmente posições de defesa subjetivas em face do Estado. Para a segunda conceção,deve entender-se que todos os princípios jurídicos e possibilidades de balanceamento na conformação da ordem jurídica estão já contidos in nuce na constituição, que surge encarada como «um ordenamento fundamental da comunidade política no seuconjunto». A constituição apresenta-se, assim, nesta conceção, como uma «constituição dirigente», que impõe a efetivação dosprincípios nela contidos. Em última análise, não existem, para este entendimento, princípios específicos do direito civil, dodireito administrativo, do direito penal, do direito processual, etc., mas princípios constitucionais respeitantes aos diversosramos do direito. Nesta segunda conceção fica posto em causa o funcionamento do processo político democrático.b) A opção entre teoria da Constituição do Estado liberal e do Estado social. Se na alínea anterior se impunha a opção pela ideiade Constituição como ordenamento quadro, agora impõe-se a opção pela Constituição como impondo a opção por uma teoriaconstitucional do Estado social.A teoria constitucional do Estado social, por um lado, assume as consequências da teoria constitucional liberal do Estado dedireito e, por outro lado, visa complementar ou substituir a ideia de um espaço de vida unicamente conformado pelo indivíduopor um espaço de vida social, conformado por prestações sociais e relações sociais(Böckenförde, pp. 136 e ss.). O ponto de partida aqui é o de que para um número crescente de pessoas os pressupostos sociaispara a realização das liberdades jurídicas são inexistentes e estas, em si mesmas e sem o apoio social do Estado, consistem emfórmulas vazias.

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O caso especial da interpretação conformeDe entre várias interpretações possíveis deve escolher-se aquela que permita tomar a norma por compatível com a Constituição.Dois pressupostos: i) presunção de constitucionalidade das normas legais; encarar a Constituição como um todo ou unidade emesmo um sistema de valor.Limite – interpretação corretiva. Importa respeitar o sentido claro do texto e o fim contemplado pelo legislador.Aspeto negativo  – disfarçar ou camuflar inconstitucionalidades.Aspeto positivo  – preservação do princípio da separação de poderes. Reconhecimento da primazia do legislador naconcretização da Constituição. Isto não deve fazer esquecer que a interpretação conforme não deve transformar-se numainterpretação contra legem.

Valor especial da interpretação conforme no caso da fiscalização concreta da constitucionalidade, de acordo com o disposto noartigo 80.º, n.º 3, da LTC (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro): «No caso de o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre anorma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação damesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação, no processo em causa».Assim sendo, perigos da interpretação conforme na fiscalização abstrata, uma vez que a decisão de não inconstitucionalidadenão tem qualquer eficácia jurídica vinculativa.  Integração de lacunas: em primeiro lugar, costume praeter legem e cláusula aberta do artigo 16.º. Quanto ao mais, aplicam-seos critérios gerais, não por imposição do artigo 10.º, mas por serem princípios gerais.Exemplo: situação do Governo após dissolução da AR (artigos 172.º e 186.º, n.º 5) fica como governo de gestão por analogiacom o que se estabelece quanto aos governos regionais, após dissolução das Assembleias Legislativas (artigo 234.º, n.º 2).

Aplicação no tempo das normas constitucionaisRemissão – Prof. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional , tomo II, 6.ª ed.Direito Constitucional e direito internacional anteriorDiferença em relação aos casos anteriores – direito constitucional não é o fundamento das normas de direito internacionalaplicáveis na esfera interna do Estado.Assim:a) Entrada em vigor de nova Constituição não determina novação das normas internacionais vinculativas do Estado.b) «Em caso de inconstitucionalidade originária de norma convencional, a modificação da norma constitucional correspondente,implicando a não desconformidade, repõe aquela plenamente em vigor (sem que possa falar-se em constitucionalizaçãosuperveniente)» (cf. Miranda, Tomo II, 6.ª ed., p. 342).c) Inconstitucionalidade superveniente, por sua vez, não põem em causa a vinculação do Estado português nos termos do direitointernacional que poderá apenas procurar renegociar o tratado ou acordo ou, se for possível, denunciá-lo.

Constitucionalização do direito (Luís roberto Barroso)Não significa simplesmente supremacia da Constituição, aspeto já tratado.Efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo se irradia por todo o ordenamento jurídico, no sentido em que osprincípios e regras da Constituição condicionam o sentido e validade de todas as normas de direito ordinário.Legislativo: i) limitar a liberdade de conformação e discricionariedade legislativa; ii) impõe deveres de atuação para realizaçãode direitos e programas constitucionais; iii) à ideia de proibição do excesso junta-se a ideia da proibição do defeito.Executivo: i) limita discricionariedade; ii) impõe deveres de atuação; iii) fornece fundamento de validade para a prática de atosde aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador.Judicial: i) parâmetro para o controlo de constitucionalidade desempenhado por via incidental e ação direta; ii) condicionainterpretação de todas as normas do sistema.Cidadãos: limita a autonomia da vontade, em domínios como a liberdade de contratar e a propriedade privada, subordinando-aa valores constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais.

Origens do fenómeno: Lei Fundamental alemã de 1949 e sua interpretação pelo Bundesverfassungsgericht . Os direitosfundamentais, para além de dimensão subjetiva, desempenham uma função de instituir uma ordem objetiva de valores. Nãoestá apenas em causa satisfazer pretensões individuais, mas também promover o interesse geral da sociedade na satisfação dosdireitos.As normas constitucionais condicionam a interpretação de todos os ramos do direito, público ou privado, e vinculam os poderesdo Estado. A partir daqui reforma do direito ordinário, particularmente do direito civil, considerado imutável. Assim reforma dodireito da família, relações entre os cônjuges, divórcio, paternidade, etc.Constituição não é apenas um sistema em si, dotado de unidade, ordem e harmonia, mas também um modo de interpretartodos os demais ramos do direito. Filtragem constitucional – toda a ordem jurídica apreendida sob a lente da Constituição.Instrumentos de atuação prática: i) inconstitucionalidade superveniente; ii) inconstitucionalidade originária;inconstitucionalidade por omissão; iii) interpretação conforme à Constituição.

Direito civilConsiderações históricas: 3 fasesa) Mundo apartados – Constituição é vista como carta política e direito civil como direito privado. Normas constitucionais nãodispõem de aplicação direta e imediata e vinculação de todas as entidades públicas e privadas como diz o nosso artigos 18.ºquanto às normas de direitos, liberdades e garantias.

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b) Publicização do direito privado – com o advento do Estado social e a perceção da desigualdade material dos indivíduoscomeça-se a questionar o direito civil como o reino soberano da autonomia da vontade. O Estado começa a interferir nasrelações entre particulares através de normas de ordem pública (direito do trabalho, direito do arrendamento). Dirigismocontratual.c) Constitucionalização do direito civil – Constituição passa para o centro do sistema jurídico, atuando como filtro axiológico peloqual se deve ler o direito civil.Exemplos: (i) função social da propriedade e do contrato; (ii) proteção do consumidor; (iii) igualdade entre os cônjuges; (iv)igualdade entre os filhos, fim do filho ilegítimo; (v) conceção afetiva e não patrimonial da família; (vi) reconhecimento de umapluralidade de formas de constituição da família: casamento e sua extensão às pessoas homossexuais; união de facto, famílias

monoparentais.Instrumentos deste movimento:a) A dignidade e não a propriedade passa a ser o fundamento do direito civil.b) Eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares

Direito administrativo- Existência de várias normas constitucionais voltadas para a disciplina daAdministração Pública;- Influência dos princípios constitucionais nesse ramo do direito,- Diferenciação entre interesse público primário e secundário (erário público);- Vinculação da Administração à Constituição e não apenas à lei;- Evoluções no sentido de um controlo do mérito dos atos administrativo, à luz dos princípios da proporcionalidade, da

eficiência.- Privatização do direito público.

Direito penal- Amplo catálogo de garantias de direito e processo penal (artigos 29.º e seguintes).- Princípio da legalidade – reserva de lei formal.- Garantismo.- Dever de proteção dos bens jurídicos constitucionalmente relevantes.Autores que defendem que a summa divisio direito público / direito privado passou a ser substituída pela divisão direitoconstitucional / direito ordinário.O problema da eficácia horizontal dos direitos fundamentaisO que significa: eficácia direta e imediata nas relações entre particulares ou eficácia apenas mediata e indireta, através da

atuação da concretização das cláusulas gerais? Ou ainda solução diferenciada de outro tipo?Argumentos contra eficácia direta e imediata:a) Apesar do argumento importante que se pode retirar do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição, segundo o qual os preceitosrespeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, averdade é que uma das mais importantes disposições que tornam efetiva esta eficácia direta, isto é, o direito de resistência doartigo 21.º, apenas se refere a resistência a ordens, portanto a atos do poder público (de modo diferente, a Lei Fundamentalalemã estabelece a vinculação apenas dos poderes públicos, no artigo 1.º, n.º 3, mas admite o direito de resistência contraquaisquer atos que ponham em causa a ordem constitucional, segundo o artigo 20.º, n.º 4). Assim, ainda que o artigo 18.º, n.º 1,não permita pôr em causa algum tipo de vinculação dos privados pelos direitos fundamentais, e portanto algum tipo de eficáciahorizontal, não nos dá a medida dessa eficácia horizontal.b) De acordo com uma interpretação sistemática, a eficácia imediata dos direitos fundamentais entre privados só se dá emrelação a alguns direitos: direito de resposta e retificação no artigo 37.º, n.º 4; direito de os jornalistas intervirem na orientação

editorial dos órgãos de comunicação; direito de antena, no artigo 40.º; liberdade de associação, artigo 46.º, n.º 3; organizaçãodemocrática dos partidos, artigo 51.º; proibição de despedimento sem justa causa, artigo 53.º.c) De um ponto de vista teleológico, não faz sentido que os direitos fundamentais se transformem, de direitos contra o Estadoem deveres de todos contra todos e os particulares, de titulares de direitos, em titulares de deveres fundamentais. O resultadoinevitável disto seria uma limitação das liberdades.Argumentos a favor:a) O argumento retirado do já citado artigo 18.º, n.º 1, da Constituição.b) O desenvolvimento de um Estado liberal de direito em direção a um Estado social de direito, envolvendo o reconhecimentode que as ameaças à liberdade podem provir de forças sociais e económicas, como grandes empresas.Estes dois argumentos não são suficientes para estabelecer uma eficácia direita e imediata dos direitos liberdades e garantiasentre os particulares, sendo as considerações aí presentes igualmente satisfeitas por outro tipo de soluções.Ponto de partida da teoria da eficácia mediata dos direitos fundamentais: os direitos fundamentais não diretamente nasrelações entre privados, mas isso não quer dizer que o sistema de valores dos direitos fundamentais não influencie o direitoprivado, não podendo existir nenhuma norma de direito civil que esteja em contradição com tal sistema de valores.

O meio de irradiação dos direitos fundamentais no direito privado consiste nas cláusulas gerais, como a boa-fé, caraterizadoscomo brechas permitindo a entrada dos direitos fundamentais no direito civil.

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Primeiro exemplo: caso Lüth, decidido pelo Bundesverfassungsgericht em 1958. Na origem do caso está o apelo de Erich Lüth,opositor do nazismo, ao boicote do primeiro filme do pós-guerra de Veit Harlan, realizador de diversos filmes de propagandaantissemita durante o regime nacional socialista. A empresa de distribuição do filme intentou uma ação de responsabilidade civilcontra Eric Lüth, mas o Tribunal Constitucional veio considerar que as disposições sobre responsabilidade civil por factos ilícitosdo direito civil deviam ser interpretadas à luz da liberdade de expressão.Metódica da diferenciação (Gomes Canotilho)Eficácia horizontal expressamente consagrada na CRP: artigo 34.º, n.º 1 (o domicílio e o sigilo da correspondência e de outrosmeios de comunicação privada são invioláveis); 36.º, n.º 3 (os cônjuges têm iguais direitos); 38.º, n.º 2, alínea a) (liberdade deexpressão dos jornalistas e sua intervenção na orientação editorial nos respetivos órgãos de comunicação social); 40.º, n.º 3

(direito de antena); 53.º (proibição de despedimentos sem justa causa); 57.º, n.º 1 e n.º 3 (direito à greve e serviços mínimos).Mediação do legislador – eficácia imediata quando o legislador edita normas de direito privado, princípio da igualdade.Mediação do juiz – interpretação conforme à Constituição.Poderes privados, para além dos poderes públicos – situação desigualitária das partes.Limite na autonomia pessoal – pai que favorece um filho na quota disponível ou senhorio que promove despejo de um dosinquilinos que não paga renda mas não atua do mesmo modo em relação a outro nas mesmas condições.

(REVISÃO CONSTITUCIONAL)

IPassados três anos desde a última revisão constitucional (revisão constitucional ordinária 5 em 5 anos, art 284.º/1;

quando muito poderia haver revisão constitucional extraordinária, mas teriam de estar preenchidos os requisitos do 284/2), o

Governo resolveu iniciar uma revisão constitucional ordinária (cabe aos deputados e não ao Gov 285/1 + 156/a)). O projectoapresentado pelo Governo foi aprovado pela Assembleia por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções ( temde ser por maioria de 2/3 286/2). O projecto previa três coisas: (i) alteração da constituição que eliminava as referências aoprincípio da igualdade (violação de um limite material implícito de q fala por ex GCanotilho; pode inferir-se por ex da alínea d)do 288; de forma faz parte da Const material); (ii) alteração da constituição que eliminava a autonomia das autarquias locais,como mecanismo de controlo das finanças do Estado (violação de limite material expresso; 288, alínea n) ); e (iii) alteração daconstituição porque a culpa da crise é, em grande medida, do texto fundamental (não explicita a alteração pretendida nem afinalidade; falta de requisito essencial de qualificação da lei como lei de revisão constitucional).

Tendo as alterações sido aprovadas por maioria absoluta, o Presidente da República rejeitou promulgar a respectiva leide revisão – mesmo considerando o disposto no artigo 286.º, n.º 3, da CRP  –, e resolveu submetê-la a fiscalização preventiva porparte do TC (o 286.º parece efectivamente não permitir a não promulgação; mas é discutível a impossibilidade de submeter alei preventivamente a fiscalização do TC; JMiranda acha que não (ver argumentos); outros autores acham que é possível, se

assim for, temos, na prática um veto jurídico  – ver bem isto). Esta decisão do PR em muito foi influenciada pelo facto de nãoterem as comissões de trabalhadores sido ouvidas (não há dt de participação art 54/5/d e 56/2/b; isto não impede ainda assimo dt de petição constante do art 52).

Teriam ainda de explicitar bem em que situação havia preterição de um requisito de qualificação ou violação de umlimite formal ou material e quais as consequências (v JM e GC);

 Assim, têm ainda de ver bem para perceber quais as consequências de:

  Lei que lhe falta algum dos requisitos de qualificação (ver quais são) (lei que é inexistente enquanto lei de revisão;quando muito transmutaria-se em lei ordinária e seria, assim, inconstitucional v bem isto JM e GC)

  Lei que viola limite formal (como apresentação de projecto pelo gov e não pelos deputados) ou de limite material(como os do 288) (aqui a lei é nula e consequentemente inconstitucional; pode ser fiscalizada) v bem isto JM e GC

  Ver bem que fiscalização pelo TC é admitida (v bem JM e GC)

II A Assembleia Legislativa Regional dos Açores apresentou um projecto de revisão ( quem apresenta projectos são os

deputados -285/1) que foi aprovado pelo Governo, com autorização da AR, por maioria de dois terços dos ministros emefectividade de funções (quem aprova é a AR – 286/1 + 161/a); poderia referir-se que, neste caso, a maioria até era a correcta – 286/1). O projecto insular previa duas coisas: (i) alteração da norma constitucional constante da alínea a) do n.º 2 do artigo64.º, que passava a ter a seguinte formulação: “Através de um serviço nacional de saúde universal e geral, em função das

condições económicas e sociais dos cidadãos” (à partida era possível alterar, já que não está em causa nenhum dos limitesmateriais expressos (notem que esta norma até já foi alterada uma vez  –  começou por se falar em “gratuitidade” e

actualmente fala-se em “tendencial gratuitidade”); ainda assim, poder-se ia discutir, por ex, sobre se não poderia ser umlimite implícito, inferível da alínea d) do 288 e, em conjunto, que era um aspecto tão importante no âmbito da nossaconstituição que se trataria de um aspecto fundamental da constituição material ); e (ii) alteração da constituição que

implicava a transformação das RA em verdadeiros Estados Federados (alteração que violava o limite material de revisãoconstante da alínea a) do 288).Tendo as alterações sido aprovadas por maioria de dois terços dos ministros ( ministros quem aprova é a AR ??) em

efectividade de funções, o Presidente da República resolveu promulgar a respectiva lei de revisão  – até pelo disposto no artigo286.º, n.º 3, da CRP (discussão sobre se é assim, obrigatoriamente, ou é admissível a fiscalização preventiva pelo TC; Gomes

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Canotilho diz apenas que é duvidoso; JM parece não admitir a fiscalização preventiva nestes casos (ver argumentos), salvo sese tratar de uma violação muito grave (mas não é muito claro, sobre que casos são esses); o Prof MRSousa defende, porexemplo, a fisc preventiva para os casos de inexistência, ou seja quando falte algum dos requisitos de qualificação da lei, mas já não quando se viola, por ex., um limite material; Fernando Suordem e Silva Lopes parecem admitir a fisc preventiva)).Porém, passado um mês, e após ter assistido a uma conferência na FDL sobre o assunto, resolveu suscitar a fiscalizaçãosucessiva da lei de revisão constitucional, por ter concordado com as críticas que lhe foram dirigidas pela doutrina no referidoevento (é possível fiscalizar sucessivamente, porque o PR tem competência nos termos do artigo 281.º).

Em 7 de Janeiro de 2009, após uma proposta de lei do Governo nesse sentido, a Assembleia da República aprovou um decretoestipulando o exercício do direito de sufrágio por cidadãos maiores de dezasseis anos por se entender que aconsciencialização precoce dos jovens de hoje é um passo fundamental para a participação política global que consubstanciaum interesse constitucional premente. O decreto apenas logrou obter a maioria constitucionalmente necessária através dosvotos de parte do Grupo Parlamentar do partido do Governo, acrescido de três deputados eleitos pelo partido Z, queentretanto se haviam desfiliado deste e aderido à linha política governamental.• Matéria do artigo 164.º al. a) CRP; forma de lei orgânica nos termos do artigo 166.º n.º 2 CRP.• Violação do artigo 49.º n.º 1 CRP, o qual determina que “têm direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de 18 anos,

ressalvadas as incapacidade previstas na lei geral”; Inconstitucionalidade material do decreto;  • De todo o modo, não se verificavam problemas relativamente à maioria necessária, porquanto os deputados eleitos pelopartido Z não perdem mandato por aderir à “linha política governamental”: causas de perda do mandato taxativamente fixadas

no 160.º CRP;

O decreto foi enviado para promulgação no dia 9 de Janeiro de 2009, tendo o Presidente da República procedido ao veto domesmo no dia 30 do mesmo mês e reenviando o diploma à Assembleia da República, juntamente com uma mensagem nosentido da inconstitucionalidade manifesta daquele. Assente no pressuposto de que o Presidente não podia legitimamentefundamentar o exercício do veto político na inconstitucionalidade do diploma, a Assembleia confirmou o voto anterior, com115 votos a favor, 75 contra, e uma abstenção. Após promulgação pelo Presidente, o decreto veio a ser publicadooficiosamente pelo Primeiro-Ministro, prescindindo da referenda ministerial.• Prazo de 20 dias para promulgação sobre “recepção do decreto” provindo da AR (não se sabe quando ocorreu): apenas seindica a data de envio. Caso tivesse ocorrido no dia seguinte, o prazo do artigo 136.º n.º 1 (20 dias) CRP seria respeitado;• Veto político consubstancia “controlo de mérito”: eventual inconstitucionalidade material por “desvio de poder” na medida

em que a faculdade foi utilizada com fundamento em inconstitucionalidade do diploma; pese embora a CRP não limiteexpressamente o veto político a controlo de mérito (cfr. C. BLANCO DE MORAIS, Curso de Direito Constitucional, pp. 420-421);Não obstante, dada a natureza de acto político do veto, a inconstitucionalidade perpetrada pelo PR não padecerá de sanção.

• Maioria de confirmação não foi alcançada. Por se tratar de lei orgânica, era necessária a maioria de dois terços dos deputadospresentes desde que superior a maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções (artigo 136.º n.º 3 ex vi artigo 164.ºal. a) e artigo 166.º n.º 2 CRP).• Competência para envio do diploma para publicação é do PR [artigo 134.ºal. b) CRP];• A falta de promulgação acarreta a inexistência jurídica do acto (artigo 137.º CRP); A falta de referenda ministerial acarreta ainexistência jurídica do acto (artigo 140.º n.º 2 CRP)II – Em 02 de Fevereiro de 2009, a cinco meses do fim do seu mandato (em Maio de 2009), o Presidente da República demitiuo Governo da República e o Governo Regional dos Açores, por entender que os mesmos procediam constantemente àaprovação de diplomas feridos de inconstitucionalidade. A acrescer ao exposto, Presidente da República informoupublicamente que, doravante, passaria a presidir a todas as reuniões do Conselho de Ministros do Governo futuro.Conformado com a demissão, o Primeiro-Ministro aprovou em Conselho de Ministros a última medida do seu consulado,destinada a garantir a governabilidade no futuro, a qual consubstanciava a introdução de alterações à lei eleitoral,

preceituando a eleição de deputados, em sistema maioritário, por círculos uninominais a uma volta.• Não se colocam, relativamente à demissão do Governo, os limites temporais vigentes para a dissolução da AR(proibição de dissolução a menos de seis meses do fim do mandato presidencial (artigo 172.º ex vi artigo 133.º al. e)CRP);• PR só pode demitir o Governo nos termos do artigo 195.º n.º 2 CRP (ex vi artigo 133.º al. g) CRP): Análise daresponsabilidade política ou político-institucional do Governo perante o PR (várias doutrinas): natureza de acto políticoda demissão torna a norma do artigo 195.º n.º 2 da CRP uma norma “sem sanção”, na medida em que o acto de

demissão, apesar de poder padecer de inconstitucionalidade não é sujeito a fiscalização pelo Tribunal Constitucional;• A CRP não prevê a demissão do Governo Regional: apenas admite a dissolução da Assembleia Legislativa das RegiõesAutónomas (artigo 133.º al. j) CRP) que, por sua vez, acarreta a demissão do Governo Regional (artigo 234.º n.º 2 CRP).Contudo, neste caso, o PR estava impossibilitado de dissolver a Assembleia Legislativa Regional, na medida em que taldissolução se encontra constitucionalmente vedada nos últimos seis meses do mandato presidencial (artigo 172.º CRPex vi artigo 133.º al. j) CRP).

A referida medida viria, contudo, a ser revogada em 10 de Fevereiro pelo novo Governo de independentes, que havia sido, nessemesmo dia, nomeado pelo Presidente da República.

• Em caso de demissão do Governo, PR não está obrigado a convocar novas eleições e pode nomear Governo deindependentes nos termos do artigo 187.º n.º 1 e 2 CRP: A CRP apenas não admite “governos de confronto” contra a

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maioria absoluta representada na AR, na medida em que tal pode redundar na rejeição do programa de governo (artigo192.º n.º 4 CRP);• Governo de independentes (nomeado no próprio dia em que revogou a medida legislativa) não poderia fazê-loporquanto, previamente à aprovação do programa de governo (que é submetido a apreciação da AR no prazo de 10dias após a nomeação do Primeiro Ministro – artigo 192.º CRP) configurava um “Governo de gestão” e, nestes termos,apenas poderia praticar os actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos (cfr. artigo186.º n.º 5 e artigo 192.º n.º 1 CRP).• Além do exposto, a matéria do diploma revogado é uma matéria da reserva absoluta da AR (artigo 164.º al. a) CRP),pelo que não pode ser revogada pelo Governo (através de decreto-lei), sob pena de inconstitucionalidade orgânica.

III – Em Abril de 2009, 30 deputados de diversos partidos solicitaram a aprovação de uma moção de censura sobre a execuçãodas políticas financeiras do novo governo de independentes. A referida moção mereceu 110 votos a favor e uma abstenção, nãoestando presente mais qualquer deputado. Desiludido com a aprovação da moção de censura do Governo da sua iniciativa, oPresidente da República demitiu o Governo e renunciou ao mandato presidencial.

• Iniciativa de moções de censura carece de um quarto dos deputados em efectividade de funções (58 deputados) nostermos do artigo 194.º CRP, o que não se verificou.• Não se encontrava reunido o quórum deliberativo (estavam apenas presentes 111 deputados), quando o artigo 116.ºn.º 2 CRP impõe que as deliberações dos órgãos colegiais (AR) só podem ser tomadas com a presença da maioria donúmero legal dos seus membros, o que não se verificou.• De todo o modo, a maioria necessária para aprovação de moção de censura é de maioria absoluta dos deputados emefectividade de funções (115 deputados), o que não se verificou (cfr. artigo 195.º n.º 1 al. f) CRP)• O PR não deveria ter demitido o Governo, na medida em que, para além da violação da norma relativa ao número de

deputados necessários à iniciativa (artigo 194.º n.º 1 CRP) a maioria prevista no artigo 195.ºn.º 1 al. f) CRP não severificou. De todo o modo, o acto político de demissão, sem prejuízo da sua inconstitucionalidade, não é sujeito afiscalização.

1.a) Aprecie a constitucionalidade da lei X: 

  O Governo tem poder de iniciativa legislativa neste âmbito (artigo 167.º, n.º 1). Trata-se de uma matéria incluída na reservaabsoluta de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 164.º, alínea m)).

  A lei X é inconstitucional por violação do princípio da tipicidade constitucional do estatuto dos membros de órgãos desoberania (artigo 110.º, n.º 2) e da tipicidade constitucional das causas de perda de mandato de Deputado (artigo 160.º, n.º1).

  A maioria de aprovação desta lei seria a maioria simples (artigo 168.º, n.º 5 e 6, a contrario, 166.º, n.º 2, e 116.º, n.º 3). As

abstenções não contam para o apuramento da maioria (artigo 116.º, n.º 3). O quórum deliberativo, no entanto, não seencontrava verificado (artigo 116.º, n.º 2) – pelo que a votação é inconstitucional.

  O prazo de promulgação – de 20 dias (artigo 136.º, n.º 1) – foi ultrapassado. Consequência? Após a passagem do prazo oPresidente da República não pode vetar  – é defensável a possibilidade de promulgação irregular.

  Neste caso o veto é suspensivo, pelo que a Assembleia da República poderia confirmar o decreto – mas por maioriaabsoluta (artigo 136.º, n.º 2 e n.º 3 a contrario). A maioria não se verificou, pelo que o diploma não foi confirmado.

  O decreto não podia ser enviado para promulgação sem promulgação nem referenda pois, nesse caso, é inexistente (artigo137.º e 140.º, n.º 2).

b) Examine as condutas dos órgãos e titulares de órgãos mencionados nos n.ºs 2 e 3 da hipótese.Presidente da República

  Não pode exonerar os membros do Governo sem proposta do Primeiro-Ministro (artigo 133.º, alínea h), 187.º, n.º 2), na

medida em que estes dependem da confiança do Primeiro-Ministro (artigo 191.º, n.º 2).  Pode, no entanto, demitir o Governo, nos termos do artigo 195.º, n.º 2.

  A nomeação de Governo é sua competência  – artigo 133.º, alínea f) e artigo 187.º, n.º 1. O Presidente da República deviater ouvido os partidos representados na Assembleia da República (o que parece não ter feito) e ter em conta os resultadoseleitorais.

Primeiro-Ministro:

  O Primeiro-Ministro pode pedir a sua demissão ao Presidente da República (artigo 195.º, n.º 1, alínea b)  – mas estadepende da aceitação desse pedido pelo Presidente da República.

  O Governo fica em gestão (artigo 186.º, n.º 5) – não pode cessar a sua actividade.

Presidente da Assembleia da República

  A nomeação de Governo não é sua competência, mas do Presidente da República – artigo 133.º, alínea f) e artigo187.º, n.º 1. Era o Presidente da República que devia ter ouvido os partidos representados na Assembleia daRepública.

Assembleia da República

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  Não existe investidura parlamentar do Governo no nosso sistema constitucional – o Governo é investido peloPresidente da República e não pela Assembleia da República (artigo 133.º, alínea f) e artigo 187.º, n.º 1).

  No entanto, o Governo deve submeter o programa do Governo à apreciação da Assembleia da República no prazode 10 dias após a sua nomeação (artigo 192.º, n.º 1). Durante a apreciação do programa de Governo não énecessária a existência de uma votação do mesmo – no entanto esta pode existir, nos termos do artigo 192.º, n.º 3.

2.a) Lei Y

  A proposta Y é inconstitucional por violação do artigo 15.º, n.º 3. De facto, este preceito apenas admite o exercíciode cargos em princípio vedados a cidadãos estrangeiros por cidadãos de países de língua oficial portuguesa em

  Condições de reciprocidade. Por outro lado, existem cargos reservados a cidadãos portugueses nesse preceito paraalém dos enunciados na hipótese.

b) Lei Z

  A proposta Z é inconstitucional por violação do artigo 26.º, n.º 4. De facto, este preceito não permite a privação dacidadania com fundamento em motivos políticos  – como era o caso. O artigo 30.º, n.º 4, também proíbe a perda dedireitos civis como efeito necessário de uma pena – como era o caso.