analises espiritas-cap 36- deolindo amorim

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Cap 36

Cap 36

A DOUTRINA ESPRITA E AS MUDANAS HISTRICAS

I --- PROPOSiES INICIAIS

Diferentemente das sociedades desenvolvidas, ou em desenvolvimento, as sociedades rudimentares so mais simples e, por isso, naturalmente mais propensas conservao de seus padres, hbitos, etc. Alm das necessidades elementares, comuns a todos os grupos humanos, as sociedades ainda em nvel primrio a bem dizer no tm outras necessidades mais complexas, influenciadas pela industrializao e pela tecnologia, pois a cada passo esto surgindo necessidades novas, algumas reais, outras artificiais. A mudana, porm, inevitvel, fenmeno alis previsto na Doutrina Esprita: A Sociedade tem as suas exigncias, pelo que so necessrias leis particulares. As exigncias aumentam na medida em que a sociedade se desenvolve. Diz ento Kardec, e neste ponto com uma viso que poderamos dizer de socilogo:

A civilizao criou para o homem novas necessidades, e estas relativas posio social que ele conquistou. Veja-se "O Livro dos Espritos", Questes 794 e 795.

Claro que o homem que vive na sociedade moderna, sujeito a estilos de vida at sofisticados, ocupa uma posio mais exigente por fora das solicitaes sociais. A posio do homem que vive insulado ou dentro de uma aldeia, onde h menos competio e onde a noo de bem-estar se limita ao atendimento das necessidades primrias, no pode ser to exigente. Os costumes e conceitos so suscetveis de substituio e superao em virtude das mudanas que se operam na sociedade.

Partimos da para a seguinte questo: Teriam as mudanas, no decorrer dos tempos, invalidado as afirmaes bsicas do Espiritismo? o que teremos a examinar.

Notemos, antes de tudo, que as sociedades complexas, de que exemplo a nossa sociedade, se caracterizam principalmente por dois fenmenos conseqentes: a interdependncia e a competio. Vejamos. Ningum se basta a si mesmo. A interdependncia abrange todos os nveis profissionais, intelectuais, tecnolgicos, e assim por diante. No h indivduo, nem grupo, nem comunidade, nem povo que no esteja entrosado com interesses diversos, dependendo uns dos outros. Os interesses, por sua vez, em muitos casos tomando a feio de necessidade suprema ou de vida e morte, provocam a luta competitiva, cada vez mais premente. dentro deste quadro social que se projetam as idias espritas, sob a atmosfera de uma sociedade em mudana.

Se o Espiritismo realmente a nossa filosofia, claro que os seus princpios nos devem orientar com equilbrio, a despeito de todas as mudanas. Quer dizer, nem perder o rumo por causa das transformaes, que so inegavelmente muito sensveis, nem muito menos fechar os olhos evidncia perante a nova ordem das coisas. No percamos de vista que a Doutrina Esprita no teme as mudanas, como ensina Kardec: "O Espiritismo assimilar todas as doutrinas progressivas. Se uma verdade nova se revelar, o Espiritismo aceitar essa verdade." Veja-se "A Gnese", Capo I, n 55.

A Doutrina previu algumas mudanas e conquistas com muita antecedncia. No decorrer de um sculo, como se sabe, houve substituio de muitos conceitos tradicionais, no campo das cincias, da filosofia, da religio, da famlia, etc. A Doutrina Esprita no se esvaziou por causa disto, uma vez que os seus conceitos nucleares, como por exemplo a sobrevivncia, a comunicao dos Espritos, a reencarnao, a supremacia dos valores espirituais, a Justia Divina, etc., continuam inalterveis a despeito das grandes transformaes.

11-- ANTECIPAES DA DOUTRINA

As idias espritas esto no Brasil desde a segunda metade do sculo XIX. Vejamos ento a posio da Doutrina perante o panorama histrico da sociedade brasileira.

Podemos dizer, e as expresses textuais da Codificao bem o confirmam, que as principais transformaes ocorridas em nosso pas j estavam previstas na Doutrina Esprita, em consonncia com idias e movimentos que j vinham de outros ciclos histricos. A abolio da escravatura, por exemplo. Foi a lei de 13 de maio de 1888 que acabou definitivamente com o regime do trabalho escravo entre ns. verdade que antes, com a Lei Eusbio de Queiroz, em 1850, j se havia proibido o trfico de escravos, lei que, alis, no foi bem cumprida. O caso que somente em 1888 desapareceu essa vergonhosa mancha de nossa sociedade. No entanto, muito antes, j em 1857 a Doutrina Esprita reprovava a escravido. Leiam-se as Questes de 829 a 831 de "O Livro dos Espritos" onde encontramos este ensinamento claro e objetivo: "Toda sujeio absoluta de um homem a outro contrria lei de Deus. A escravido um abuso de fora: desaparecer com o progresso, como, pouco a pouco, desaparecero todos os abusos."

Quanto liberdade de cultos, outra notvel conquista da sociedade brasileira, a Doutrina com muita antecedncia j lanava idias que a Histria veio confirmar. A liberdade religiosa foi estabelecida pela constituio de 1891, a primeira constituio republicana do Brasil. Pois bem, a Doutrina dos Espritos tambm se pronunciou sobre o assunto, e com muita antecedncia com relao ao caso brasileiro. Questes 835 a 840 de "O Livro dos Espritos".

Os estudiosos do Espiritismo j conhecem muito bem o pensamento doutrinrio a respeito do trabalho, que constituiu em 1919 matria das mais delicadas na preparao do Tratado de Versalhes. O conceito da Doutrina a de que o trabalho toda ocupao til. No apenas um conceito profissional. O trabalho espiritual, que se sobrepe aos interesses imediatos, no pode ser avaliado segundo os conceitos pragmticos. Mas bom recordar que, em decorrncia do Tratado de Versalhes, conseqncia da I Guerra Mundial, surgiu, inegavelmente, uma nova concepo a respeito do trabalho. Foi para aquele tempo o que poderia haver de mais avanado como conquista social, declaram os entendidos. Mas muito antes j a Doutrina Esprita consignava a dignidade do trabalho e a necessidade do repouso, preconizando princpios morais da moderna legislao trabalhista quando ensina textualmente: "O repouso serve para reparar .as foras do corpo, e tambm necessrio a fim de deixar um pouco mais de liberdade inteligncia, para que se eleve acima da matria." Diz mais ainda: "A ociosidade seria um suplcio em vez de ser um benefcio." Vejamos que bem claro o pensamento esprita: alm de ser uma necessidade, o trabalho um dever social e espiritual. Idia muito avanada para outros tempos, mas incorporada, hoje, verdadeira filosofia do trabalho. Consulte-se "O Livro dos Espritos" - Questes 675 a 684.

Nesta ordem de antecipaes, no seria fora de propsito lembrar que o movimento de emancipao feminina, no Brasil, por exemplo, no muito antigo, no. A instituio da igualdade de direitos entre o homem e a mulher figura entre as mais adiantadas conquistas sociais, sejam quais forem, parte das desfiguraes que se observam neste ou naquele ponto. outro ngulo em que se configura claramente a previso social da Doutrina. H mais de um sculo proclama o ensino esprita: "a emancipao da mulher segue o progresso da civilizao". Consideremos bem a colocao filosfica do problema no corpo da nossa Doutrina: ( ... ) os sexos s existem quanto organizao fsica; os Espritos podem tornar um ou outro corpo; entre eles no h nenhuma diferena neste particular e, conseqentemente, devem gozar os mesmos direitos. "O Livro dos Espritos", Questes de 817 a 822 trata claramente desta matria.

Finalmente, fala-se, hoje, e muito, em ecumenismo.

uma viso muito ampla e simptica do problema religioso. Aqui mesmo, no Instituto de Cultura Esprita do Brasil, j se debateu o assunto em mesa-redonda, com a participao de ilustre pastor evanglico. Discutiu-se o ecumenismo, sob o ponto de vista cristo, e sob o ponto de vista sociolgico. Por fim, como sempre, esclareceu-se a posio esprita. Para muita gente a idia nova. Porm, convm acentuar que a Doutrina Esprita se preocupou muito antes com o ecumenismo. Sem empregar especificamente esta palavra, a Doutrina colocou os problemas em termos claros quando afirmou que o ensino moral do Cristo, independentemente de questes histricas, lingsticas, etc., " o terreno onde todos os cultos podem reunir-se, estandarte sob o qual podem todos colocar-se, quaisquer que sejam suas crenas, porquanto jamais ele constituiu matria das disputas religiosas, que sempre e por toda a parte se originaram das questes dogmticas". o que lemos na introduo de O Evangelho segundo o Espiritismo". Que isto seno ecumenismo?

No se deve entender ecumenismo no sentido vulgar de simbiose de crenas, rituais e preceitos diversos, como se fosse uma gaveta capaz de receber todos os objetos que nela sejam colocados. No. uma noo defeituosa ou falsa de ecumenismo. Devemos caminhar, sim, para o entendimento, dentro do respeito s crenas alheias, at que encontremos um denominador comum, um terreno pacfico. E esse denominador a moral do Cristo, como prev a Doutrina dos Espritos. V-se, assim, que o Espiritismo tem lucidez e flexibilidade para acompanhar as mudanas histricas. E h quem diga, apesar disto, que a Doutrina j est superada ...

III - MOVIMENTOS DE OPINIO

Analisemos, agora, a posio doutrinria perante alguns movimentos de opinio, no Brasil.

A escola metapsquica, no comeo do sculo XX, teve repercusses inevitveis no movimento esprita, j pelo prestgio do nome de Richet nos meios cientficos, j pelas atividades do Instituto Metapsquico, da Frana. Alguns metapsiquistas terminaram aderindo ao Espiritismo; outros, porm, preferiram ficar no campo da Metapsquica, sem compromisso doutrinrio. A Metapsquica, de fato, formou uma escola com bastante projeo internacional. Mas o fato de haver a Metapsquica se imposto ao respeito pela sua preocupao cientfica, no abalou as posies espritas, no trouxe nenhum elemento capaz de modificar os conceitos fundamentais do Espiritismo.

A Psicanlise deu lugar a outro movimento de opinio, principalmente em conseqncia das depresses, dos desencantos e destroos da I Guerra Mundial. Com a divulgao da literatura psicanaltica no Brasil, em grande parte de segunda mo, certas pessoas se empolgaram demais e, por isso, chegaram a dizer que a Psicanlise explicaria tudo, resolveria todos os problemas e, por isso mesmo, o Espiritismo no tinha mais sua razo de ser. .. Foi uma fase de empolgao. A Psicanlise continua, um campo cientfico bem profundo (com ressalva de alguns exageros dos que pretendiam ser mais psicanalistas do que o prprio Freud) e o Espiritismo - convm ressaltar --- sempre se manteve em sua integridade. Ambos tm pontos comuns, aqui e ali, porm so dois campos distintos. Nenhuma teoria psicanaltica provou o contrrio do que, at hoje, o Espiritismo afirma. Logo ...

De 1930 para c comeou a ser divulgada a literatura parapsicolgica. A Parapsicologia ocupa, hoje, indiscutivelmente, uma categoria de relevncia no mundo cientfico. No se confunda a Parapsicologia, como escola realmente cientfica, com os procedimentos pessoais deste ou daquele parapsiclogo. H muito interesse do Espiritismo na Parapsicologia, e vice-versa. Mas alguns aderentes, que abraaram logo a Parapsicologia, tambm dizem agora que o Espiritismo no tem razo de ser porque a cincia criada por Rhine abrange tudo ... E justamente o contrrio o que se d: o Espiritismo que abrange a Parapsicologia no campo experimental. Todavia, como espritas, devemos acompanhar bem as experincias que se realizam nas reas da Parapsicologia. Embora tenham contactos, so duas reas diferentes. Pode haver, e h, de fato, posies diversas neste ou naquele aspecto - mas, superao, no!

( ... ) O surto de literatura medi nica tambm provocou uns tantos arrebatamentos no meio esprita, chegando-se a falar at em nova doutrina, como tambm se disse que Andr Luiz teria dado a quat1a revelao, e assim por diante. Claro que a literatura medinica, fonte de conhecimento e consolo, trouxe luminosos enriquecimentos nossa experincia, mas a base da cultura esprita continua a ser a Codificao de Kardec, pois atravs dela que se adquire o lastro de noes que nos permitem chegar ao pensamento de Andr Luiz, de Emmanuel e outros Espritos Missionrios ...

IV --- INTEGRAO NA DOUTRINA

Vamos tratar finalmente de nossa integrao na Doutrina, como arremate de tudo quanto dissemos.

Nem todos se integram prontamente na Doutrina.

H pessoas, por exemplo, que aderem ao movimento esprita por entusiasmo, por simpatia, por sentimento de gratido, que muito nobre, mas nem todos por isso esto identificados com o verdadeiro pensamento esprita. Aderir ao movimento esprita no significa aderir Doutrina em todos os casos. As situaes variam muito, de pessoa para pessoa, de acordo com a formao, as disposies, as opes de cada um.

As relaes com o movimento esprita se distinguem atravs de processos diferentes. Vivemos em interao, que o processo social mais comum, isto , convivemos no meio esprita, fazemos boas relaes, porm o fato de nos relacionarmos no quer dizer que sempre j estejamos integrados. H pessoas que se acomodam, mas no aderem ao movimento propriamente. H entre ns muitos casos de acomodao, sem a mnima identificao com a D0utrina. Acomodao uma forma habilidosa de conviver ou ajustar-se temporariamente a qualquer ambiente, embora sem aceitar as idias do grupo. o caso dos elementos que, por necessidade ou por certas convenincias, se acomodam entre ns, fazem que concordam com as nossas idias, do a impresso de que esto aceitando tudo, mas a verdade que, no fundo, no aceitam nada do que dizemos. Esto em nosso meio enquanto precisam resolver determinado problema. Acomodao, portanto, no integrao.

Outro processo, igualmente corrente em todos os movimentos, a adaptao. H pessoas que tm uma capacidade especial de adaptao. Adaptam-se a qualquer ambiente, qualquer estilo de convivncia. uma arte, afinal de contas. Pois bem, no meio esprita s vezes podem ocorrer casos de pura adaptao aos nossos hbitos e padres, sem a verdadeira integrao. Pessoas que se sentem bem no meio esprita, apreciam nossos modos de conviver, colaboram conosco, aceitam tarefas, fazem amizades, mas ainda no se sentem seguras intimamente. Esto apenas adaptadas ao ambiente esprita mas no se integram ao esprito da Doutrina.

O processo mais positivo justamente o da integrao, que s se d quando a criatura humana, pelo estudo, pela observao, pela reflexo demorada, chega concluso de que as suas idias e os seus valores de outrora j no lhe servem mais, pois agora j tem outra vi-' so da vida e das coisas. Quando se sente, afinal, apoiada nos princpios espritas, quando aceita conscientemente esses princpios, quando j est em condies de dispensar naturalmente a bagagem das crenas antigas, a sim, est integrada no Espiritismo. pela integrao na Doutrina que nos preparamos. em suma, para compreender as mudanas e assumir posies de equilbrio.

v ---- CONCLUSES

Permitimo-nos oferecer aos companheiros, para meditao e crtica, as seguintes concluses:

12) --- O ensino esprita deve preparar seus adeptos para conviver com as mudanas, sem desvios do roteiro bsico;

2) --- os conceitos fundamentais do Espiritismo no so superados nem pelo advento de conceitos novos, nem pelas experincias at agora realizadas no campo do psiquismo em geral e no campo especfico da mediunidade;

3) - os valores ticos preconizados pela Doutrina Esprita no perderam a consistncia, apesar da existncia de novos conceitos de moral, pois a afirmao de que a Lei Moral est na conscincia persiste at hoje, e nenhuma inovao conceitual conseguiu desfaz-la; e finalmente,

4) --- as mudanas sociais, culturais e religiosas no substituram nem abalaram a estrutura doutrinria do Espiritismo.

(Fonte: Resumo das explanaes de 1979 no Instituto de Cultura Esprita do Brasil, publicado na Revista "Aurora", sem que nos fosse possvel determinar a data da publicao.)

(Livro Anlises Espritas cap 36, Deolindo Amorim 2 edio Federao Esprita Brasileira 1993)

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