analise economica do direito 20132

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  • 8/10/2019 Analise Economica Do Direito 20132

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    GRADUAO2013.2

    ANLISE ECONMICADO DIREITO AED

    AUTOR: ANTNIO JOS MARISTRELLO PORTOCOLABORADOR: GUILHERME MELLO GRAA

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    Sumrio

    ANLISE ECONMICA DO DIREITO (AED)

    APRESENTAO DO CURSO....................................................................................................................................3

    AULA 1 APRESENTAO DA DISCIPLINA ................................................................................................................ 9

    AULA 2 A TEORIA MICROECONMICA E A ANLISE ECONMICA DO DIREITO ................................................................ 10

    AULA 3 FALHAS DE MERCADO.......................................................................................................................... 21

    AULA 4 ANLISE ECONMICA DA PROPRIEDADE................................................................................................... 39

    AULA 5 ANLISE ECONMICA DO CONTRATO E TEORIA DOS JOGOS............................................................................ 48

    AULA 6 EXERCCIOS E CASOS GERADORES DA ANLISE ECONMICA DO DIREITO ........................................................... 51

    AULA 07 ANLISE ECONMICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL: CONCEITOS INTRODUTRIOS E FRMULA DE HAND...............61

    AULA 08 ANLISE ECONMICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL: APLICAO DA FRMULA DE HAND,BILATERALIDADE DO DANO E CUSTO SOCIAL............................................................................................................ 67

    AULA 09 ANLISE DA EFICINCIA DAS REGRAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL.............................................................. 76

    AULA 10 ECONOMIA COMPORTAMENTAL E CONTRATOS DE ADESO........................................................................... 85

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    ANLISE ECONMICA DO DIREITO AED

    FGV DIREITO RIO 3

    APRESENTAO DO CURSO

    OBJETIVOS DO CURSO

    Este curso composto por aulas de Law and Economics Anlise Econ-mica do Direito (AED) e aplica o instrumental microeconmico na anlisedo direito, em especial nas instituies do direito de propriedade, contratose responsabilidade civil, assim como, nas polticas a elas diretamente relacio-nadas.

    Procura-se ao mesmo tempo alertar os alunos para as recentes investi-gaes nas vrias reas da AED, bem como encorajar aplicaes realidadebrasileira. O professor tambm encoraja que os alunos tragam exemplos desua realidade, os quais podem ser visualizados sobre a tica da AED e faampesquisas jurisprudenciais que demonstrem o mbito de aplicao do insti-tuto no Direito Brasileiro.

    PROGRAMA DO CURSO

    Aula 1 Apresentao da Disciplina

    Aula 2 A Teoria Microeconmica e a Anlise Econmica do Direito

    2.1. Noes Introdutrias2.1.1. Ecincia e Bem-Estar Social

    2.1.2 Maximizao da Riqueza vs. Maximizao da Utilidade2.2. O percurso metodolgico da AED no Brasil2.3. Questes propostas2.4. Referncias

    Aula 3 Falhas de Mercado

    3.1. Noes bsicas:3.1.1. Mercados de concorrncia perfeita3.1.2. Mercados Ecientes e Falhas de Mercado 1 eorema do

    Bem-Estar

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    3.1.3. Falhas de Mercado3.1.4. Competio Imperfeita

    3.1.5. Externalidades a) Externalidades Negativas b) Externalidades Positivas3.1.6. Bens Pblicos3.1.7. Monoplio Natural3.1.8. Assimetria de Informaes a) Agente-Principal b) Risco Moral e Seleo Adversa3.1.9. Falhas de Governo

    3.2. Questes Propostas3.3. Referncias

    Aula 4 Anlise Econmica da Propriedade

    4.1. Introduo4.2. eorema de Coase4.3. Os custos de transao, eorema Normativo de Coase e teorema Norma-

    tivo de Hobbes4.4. Proteo dos direitos de propriedade4.5. Questes Propostas

    Aula 5 Anlise Econmica do Contrato e Teoria dos Jogos

    5.1. Noes Bsicas5.1.1. Comportamento estratgico5.1.2. eoria dos jogos5.1.3. Dilema dos prisioneiros

    5.2. Questes Propostas5.3. Referncias

    Aula 6 Exerccios e Casos Geradores da Anlise Econmica do Direito

    6.1.Casos Geradores6.1.1. Caso 1

    Questes Propostas6.1.2. Caso 2

    Questes Propostas6.1.3. Caso 3

    Questes Propostas6.1.4. Caso 4

    Questes Propostas

    6.1.5. Caso 56.1.6. Caso 6

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    6.1.7. Caso 7Questes Propostas

    Aula 7 Anlise Econmica da Responsabilidade Civil: Conceitosintrodutrios e Frmula de Hand

    7.1. Noes bsicas7.2. Frmula de Learned Hand7.3. Exerccios Propostos

    Aula 8 Anlise Econmica da Responsabilidade Civil: Aplicao da

    Frmula de Hand, Bilateralidade do Dano e Custo Social.8.1. Exemplos do emprego da frmula de Hand em diferentes Ordenamentos

    Jurdicos8.1.1. Cortes Americanas a) Hendricks v. PeabodyCoalCo. (1969) b) Dobson v. Louisiana Power & Light Co. (1990)8.1.2. ribunais Ingleses a) Bolton v. Stone (1951) b) Harley v. London Electricity Board (1964)8.1.3. Cortes Alems a) Caso Black Ice (1994)

    8.1.4. ribunais Brasileiros a) ribunal de Justia do Estado de So Paulo b) ribunal de Justia do Rio Grande do Sul

    8.2. Bilateralidade do dano: Conduta da vtima8.3. Modelo Geral: Frmula do Custo Social8.4. Exerccios Propostos

    Aula 9 Anlise da ecincia das regras re Responsabilidade Civil

    9.1. eoria dos Jogos9.1.1. 1 Cenrio: ausncia de responsabilidade civil

    9.1.2. 2 Cenrio: responsabilidade civil ilimitada9.1.3. 3 Cenrio: responsabilidade civil subjetiva9.1.4. 4 Cenrio: responsabilidade civil objetiva

    9.2. Responsabilidade Objetiva X Responsabilidade Subjetiva9.3. Distribuio9.4. Assimetria de informaes e Custos Administrativos9.5. Nvel de atividade9.6. Questes Propostas9.7. Referncias

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    Aula 10 Economia Comportamental e Contratos de Adeso

    10.1. Aspectos Introdutrios

    10.2. AED e Economia Comportamental10.3. Racionalidade e Economia Comportamental

    10.3.1. Custos Irrecuperveis10.3.2.Dissonncia cognitiva10.3.3. Vis Conrmatrio

    10.4. Questes Propostas

    BIBLIOGRAFIA

    Bibliografia obrigatria

    COOER, Robert; ULEN, Tomas. Direito & Economia. Porto Alegre.Brokman Companhia Editora. 5 ed., 2010.

    PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Introduo ao Direito Civil eoria Geral deDireito Civil. Editora Forense. 23

    PORO, Antnio Jos Maristrello. Anlise Econmica do Direito texto e

    casos geradores. Apostila.

    imm. Luciano Benetti. Direito & Economia no Brasil. Editora Atlas.

    Bibliografia complementar

    CALABRESI, Guido & MELAMED, Douglas. Property Rules, LiabilityRules, and Inalienability: One View of Cathedral. 85 Harvard Law Review1089 (1972). In: DAU DOBBS, Dan B. 2000. Te Law of orts. St. Paul,

    Minn: West Group.

    DONOHUE, John D, III. 1989. Te Law and Economics of ort Law: TeProfound Revolution. (Review of Te Economic Structure of ort Law, by

    William M. Landes and Richard A. Posner, and Economic Analysis of Acci-dent Law, by Steven Shavell.) Harvard Law Review 102:1047-73.

    EISENBERG, Teodore, et al. 1997. Te Predictability of Punitive Dama-ges. Journal of Legal Studies 26:623-61.

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    ANLISE ECONMICA DO DIREITO AED

    FGV DIREITO RIO 7

    EMONS, Winand. 1990. Effi cient Liability Rules for an Economy withNon-identical Individuals. Journal of Public Economics 42:89-104.

    JOLLS, Christine, Cass R. Sunstein, and Richard Taler. 1998. A BehavioralApproach to Law and Economics. Stanford Law Review 50:1471-1550.

    PORO, Antnio Jos Maristrello. O Direito e a Economia do CadastroPositivo. Conjuntura Econmica (Rio de Janeiro), v. 63, p. 77-80, 2009.

    ____________. Te Legal and Financial System Link: A Case Study fromBrazil. Journal of Legal echnology Risk Management, v. 4, p. 40-55, 2009.

    ____________. O Direito e a Economia do Cadastro Positivo. Revista Di-reito Empresarial (Curitiba), v. 14, p. 35-48, 2010.

    ____________. Anlise Econmica da Responsabilidade Civil. In: LucianoBenetti imm. (Org.). Direito e Economia no Brasil. 1ed.So Paulo: Atlas,2012, v., p. 180-200

    ____________. Fuso e Aquisio: Conceitos Centrais. In: PORO, Ant-nio Jos Maristrello. CAVALLI, Cssio. (Org.). Fuses, Aquisioes e Regula-

    o Financeiro: um ema em Debate. 1ed.Rio de Janeiro: FGV, 2011, v. 1,p. 13-2

    ____________. Especulaes, Apostas Irresponsveis e a Crise Financeira de2008. In: Antnio Jos maristrello Porto; Antnio Carlos Porto Gonalves;Patrcia Pinheiro Sampaio. (Org.). Regulao Financeira para Advogados.Rio de Janeiro: Elsevier Editora LDA, 2011, v. 1, p. 30-39

    PORO, Antnio Jos Maristrello ; NOGUEIRA, R.. Poltica Industrial:No h l Grtis. In: Joaquim Falco. (Org.). Cadernos Direito Rio 2011

    Laboratrio de Experincias Didticas. Rio de Janeiro: FGV, 2011, v., p.

    PORO, Antnio Jos Maristrello & OLIVEIRA, F. L.. O consumidor bra-sileiro e o crdito os prs e contras do cadastro positivo. In: Ricardo Mo-rishita Wada, Fabiana Luci de Oliveira. (Org.). Direito do Consumidor. Os22 anos de vigncia do CDC. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2012,v., p. 67-86

    PORO, Antnio Jos Maristrello & RIBEIRO, Gustavo. Poltica Indus-

    trial: Oportunidade para Inovar com Responsabilidade. Conjuntura Econ-mica (Rio de Janeiro), v. 64, p. 52-54, 2010.

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    ANLISE ECONMICA DO DIREITO AED

    FGV DIREITO RIO 8

    PORO, Antnio Jos Maristrello & SAMPAIO, P. ; DURA, J. C.. Di-culdades na regulao dos transportes coletivos. Conjuntura Econmica (Rio

    de Janeiro), v. 66, p. 46-49, 2012.

    PORO, Antnio Jos Maristrello & HEVENARD, Lucas. EconomiaComportamental e Contratos de Adeso. Revista Direito Empresarial (Curi-tiba), v. 1, p. 51-76, 2012.

    ____________. Pagamento Mnimo da Fatura do Carto de Crdito: Infor-mar ou Proibir?. Conjuntura Econmica (Rio de Janeiro), v. 65, p. 60-65,2011.

    ____________. Anlise Econmica da Funo Social dos Contratos: Crti-cas e aprofundamentos. Economic Analysis of Law Review, v. 1, p. 192-209,2010.

    ____________. Lies de Anlise Econmica do Direito para a eoria Ju-rdica da Responsabilidade Civil Extracontratual. Revista da Faculdade deDireito Milton Campos, v. 20, p. 309-338, 2010.

    POSNER, Richard. A. Economic Analysis of Law. Parte I. Cap. I. New York:

    Aspen Publishers, 2007.

    SCHMID, Kenneth & ULEN, Tomas. Law And Economics Anthology.2. ed. Cap. 3. Cincinnati, OH: Anderson Publishing Co, 2002.

    SHAVELL, Steven. Economic Analysis of Accident Law. Disponvel em:http://www.nber.org/papers/w9694.pdf

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    AULA 1 APRESENTAO DA DISCIPLINA

    A aula um tem dois objetivos. O primeiro fazer com que o aluno tenhacontato inicial com a disciplina, ao conhecer alguns dos temas que seroabordados ao longo do semestre. Isso ser feito, principalmente, por meio deexemplos trazidos pelo professor em sala de aula, os quais tm a funo dedespertar no aluno o interesse pela Anlise Econmica do Direito. Ao mesmotempo, o professor encoraja que os alunos faam pesquisas jurisprudenciaispara avaliar a aplicao da AED no mbito dos ribunais brasileiros, apesardesse assunto ser mais recorrente nos EUA, pas que apresenta a matriz doCommon Law.

    O segundo objetivo consiste em algumas regras prticas que devem ser se-guidas para o bom aproveitamento do curso. Relativamente sala de aula, osalunos devem evitar as entradas e sadas de sala, o uso de celular e a conversa.O mtodo pedaggico a ser utilizado o socrtico, em que o professor, almde esclarecer dvidas, ir ajudar os alunos a buscar solues para problemas,necessitando, para isso, da ativa participao do aluno em aula.

    Haver atendimento aos alunos nos dias programados e, fora desses dias,poder ser feito agendamento. O professor far chamada no incio, no meioou no nal das aulas, no havendo abono de faltas.

    A nota ser constituda de um seminrio, da P1 e da P2. Alm disso, pode

    haver uma prova surpresa e, ao longo das aulas, o professor poder proportarefas e questionamentos que, caso executadas e respondidos satisfatoria-mente, podero ensejar acrscimos na nota individual dos alunos.

    Por m, o professor sugere aos alunos que tomem conhecimento e bus-quem interar-se acerca das atividades do Centro de Pesquisas em Direito eEconomia(CPDE). O, CPDE foi criado em 2009, um centro de estudosda Fundao Getulio Vargas que tem por objetivo realizar pesquisas interdis-ciplinares nas reas de interseo entre o Direito e a Economia, promovendoanlises e discusses sobre os efeitos esperados de normas e decises jurdicassobre o comportamento dos agentes econmicos e o desenvolvimento socio-econmico do Pas.

    ATIVIDADE SUGERIDA: O aluno dever trazer para aula exemplos edecises judiciais de ribunais Brasileiros que possam, eventualmente, ilus-trar a interao entre Direito e Economia.

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    AULA 2 A TEORIA MICROECONMICA E A ANLISE ECONMICADO DIREITO

    PALAVRASCHAVE

    Histria da AED consequencialismo utilitarismo igualdade dis-tributiva ecincia ecincia de Kaldor-Hicks ecincia de Pareto

    OBJETIVOS

    O objetivo da presente aula introduzir o aluno no estudo da AnliseEconmica do Direito, por meio da compreenso de seu surgimento, de suadenio e da aplicao de alguns conceitos bsicos da teoria microeconmi-ca em institutos jurdicos.

    Ao nal desta aula, pretende-se que o estudante saiba o contexto histricoem que se desenvolveu a disciplina e tenha clareza acerca da denio da

    AED. Alm disso, o aluno estar capacitado a compreender a ideia de conse-quencialismo na AED, assim como a diferena entre a perspectiva utilitaristae rawlsiana.

    Alm da conceituao de ecincia, o aluno estar apto a distinguir os cri-trios de ecincia de Kaldor-Hicks e de Pareto. O aluno tambm percebera relao do eorema de Coase com a teoria econmica da propriedade. Porm, entender o chamado primeiro teorema do bem-estar.

    2.1. NOES INTRODUTRIAS

    A AED uma disciplina que estuda o Direito e suas instituies, tendocomo base a racionalidade individual. A AED pode ser denida como a aplica-

    o da teoria econmica e dos mtodos economtricos no exame da formao,da estrutura, dos processos e dos impactos do direito e das instituies legais.

    Muito se discute acerca do debate polarizado entre Direito e Economia,que aparentemente possuem propsitos distintos, j que a doutrina jurdicase ocuparia, prioritariamente, de temas relacionados justia, ao passo que aeconomia teria carter positivo, com a busca de ecincia atribuda aos agen-tes econmicos. George Stigler sintetiza bem essa dicotomia:

    Enquanto a ecincia se constitui no problema fundamental dos econo-mistas, a justia o tema que norteia os professores de Direito (...) profunda

    a diferena entre uma disciplina que procura explicar a vida econmica (e,de fato, toda ao racional) e outra que pretende alcanar a justia como

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    1STIGLER, George. Law or Economics?.The Journal of Law and Economics, v.35, n. 2.

    2 FERRAZ JR., Trcio Sampaio. Intro-

    duo ao Estudo do Direito: tcnica,deciso, dominao. So Paulo: EditoraAtlas, 2012.

    elemento regulador de todos os aspectos da conduta humana. Essa diferenasignica, basicamente, que o economista e o advogado vivem em mundos

    diferentes e falam diferentes lnguas1.No mundo globalizado, contudo, no se pode pensar mais nessa clivagem

    de contedo epistemolgico entre direito e economia. O direito j se preten-deu como uma disciplina totalizante, a qual teria a capacidade de prescrevertodos os comportamentos sociais, e teria efeito direto em outras esferas deconhecimento. rcio Sampaio acredita que os enunciados da cincia jur-dica tm sua validade dependente de sua relevncia prtica, embora no sejapossvel deduzir regras de deciso, possvel encar-los como instrumentosutilizveis para a obteno de uma deciso2.

    A AED explicitamente considera as instituies legais no como exgenasao sistema econmico, mas como variveis pertencentes a ele e analisa osefeitos de mudanas em uma ou mais destas variveis sobre elementos do sis-tema. Essa aproximao pleiteada no apenas para regras legais com bviasconexes com a realidade econmica, como Direito da Concorrncia, Regu-lao Industrial, Direito do rabalho e Direito ributrio, mas tambm paratodas as reas do Direito, em particular o Direito de Propriedade, Contratos,Responsabilidade Civil e Penal.

    A AED toma emprestado conceitos e mtodos da economia e com issoherda as controvrsias com as quais a economia se envolve. Como exemplo

    dessas divergncias, pode-se citar o modelo neoclssico que, embora tenhareinado supremo e inquestionvel por muito tempo, atualmente questiona-do em suas bases tericas por muitos economistas.

    At 1960, AED era sinnimo de anlise econmica do Direito da Con-corrncia, Anti-trust Law, havendo algum trabalho pioneiro e exploratriono domnio da regulao de mercados e interveno do Estado. Esta rea deinvestigao continua hoje muito popular e intimamente associada Econo-mia Industrial. No entanto, o termo Law and Economics, aps os artigos deRonald Coase e Guido Calabresi em 1960, alicerou o seu domnio nas re-as de propriedade, contratos, responsabilidade (danos), criminal, processual,

    famlia e constitucional. A disciplina ganha rigor metodolgico, sobretudo,por meio dos trabalhos desenvolvidos nas universidades norte-americanas,notadamente em Chicago, Yale e Berkeley, cujos expoentes como RichardPosner, Henry Manne, Gary Becker (os j citados autores tambm) dentreoutros, contriburam para o desenvolvimento da disciplina.

    Neste contexto, a AED procura dar respostas a duas perguntas:a) Como o comportamento dos indivduos e das instituies afe-

    tado pelas normas legais?b) Em termos de medidas de bem-estar social denidas de forma

    rigorosa, quais so as melhores normas e como se podem comparardiferentes normas legais?

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    3POSNER, Richard. Para Alm do Direito.So Paulo: Martins Fontes, 2009.

    4SCHFER, Hans-Bernd; OTT, Claus. Theeconomics analysis of Civil Law.

    A AED tem sido alvo de considervel antagonismo por parte de muitosjuristas. O jurista norte-americano Morton Horwitz escreveu, em 1980, na

    Hofstra Law Review, a seguinte observao: I have the strong feeling that theeconomic analysis of law has peaked out as the latest fad in legal scholarship.Nove anos mais tarde, outro famoso jurista, Owen Fiss, escrevia na CornellLaw Revieweste comentrio: [] Law and economics [...] seems to have pe-aked. Contrariando estas sombrias previses, a AED desenvolveu-se de for-ma rpida, tornando-se uma disciplina por mrito prprio.

    Segundo Richard Posner, Economic analysis of law has outlasted legal rea-lism, legal process, and every other eld of the legal scholarship. It is probably themajor breakthrough of the last two hundred years in legal scholarship. Posner,por ser ter formao de economista e atuar como juiz do Stimo Circuitoda Corte de Apelaes dos Estados Unidos, certamente possui inuncia nacapacidade de aplicar os conceitos de AED ao julgar determinado litgio,conforme colocado muito bem pelo autor na obra Para alm do Direito3.

    A Anlise Econmica do Direito tem por base os mtodos da teoria mi-croeconmica. Os agentes econmicos comparam os benefcios e os custosdas diferentes alternativas antes de tomar uma deciso, seja ela de naturezaestritamente econmica, seja ela de natureza social ou cultural. Estes custose benefcios so avaliados segundo as preferncias dos agentes e o conjuntode informao disponvel no momento da avaliao. Esta anlise de custo-

    -benefcio consequencialista porque leva em conta o que vai acontecer (emtermos probabilsticos) depois de tomada a deciso, e no as causas que le-varam necessidade de tomar uma deciso. Os agentes econmicos preocu-pam-se com o futuro e no com o passado (uma vez que este no pode sermodicado).

    A AED a aplicao de uma perspectiva de ecincia s normas legais.A suposio que permeia que a jurisprudncia deveria avaliar as normas e ospreceitos legais de acordo com um critrio que determinasse se eles facilitamou atrapalham o uso eciente dos recursos. Quando avaliamos as normas eos preceitos legais de acordo com o grau que eles facilitam o uso de recur-

    sos escassos, estamos avaliando consequncias que tero efeitos sobre todasociedade. Nesse sentido, a AED pertence ao que conhecido como ticaconsequencialista4.

    Evidentemente que h limitaes a este modelo. O modelo do agente ra-cional interpreta tendncias importantes do comportamento do ser humanomdio, mas no explica e nem quer explicar desvios cognitivos ou psicol-gicos daqueles que esto fora da mdia. Em alguns casos, estes desvios psi-colgicos da tendncia majoritria podem ser bastante importantes quer emtermos da aplicao do Direito, quer na anlise normativa. Por exemplo, a

    incapacidade que muitos grupos sociais tm em estimar ou mesmo entendera noo de risco pode ter um peso importante na forma de regular o mercado

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    5 John Rawls escreveu algumas obrasjusloscas emblemticas, a exem-plo de: Uma Teoria da Justia (1971),Liberalismo Poltico (1993), O Direito

    dos Povos (1999), Histria da FilosoaMoral (2000) e Justia como Equidade:uma reformulao (2001).

    de seguros ou de impor determinadas regras de responsabilidade civil. Nosltimos anos surgiu a Escola Comportamental dentro da AED (Behavioral

    Law and Economics) que procura avaliar at que ponto certos desvios cogni-tivos podem ter importncia na anlise positiva e normativa.

    A avaliao custo/benefcio faz-se num determinado contexto de prefern-cias que se traduz num nvel de bem-estar dos agentes. O bem-estar individu-al medido pela utilidade que o agente retira da sua deciso, bem como dasdecises que poderia ter tomado e no tomou (os custos de oportunidade).O conceito econmico de utilidade bastante abrangente, reetindo nos bens materiais ou de consumo, mas tambm o grau de altrusmo queum indivduo tem para com terceiros, incluindo bens no materiais (ou nomercantis) como a alegria, o amor ou a desiluso. No h uma medida exatada utilidade individual, mas sim um conjunto axiomtico que estabelece umaordem ou hierarquizao nas escolhas.

    O bem-estar social mede-se pela agregao do bem-estar dos indivduos.ambm aqui no h uma medida nica de agregao, sendo o utilitarismo(a soma simples e no ponderada da utilidade individual) apenas uma possi-bilidade, talvez a mais habitual e no menos isenta de polmica. Outra me-dida possvel de bem-estar social aquela desenvolvida por John Rawls e queconsiste na preponderncia absoluta dos indivduos com menor utilidade nafuno de bem-estar social.

    A escolha da medida de bem-estar social obedece essencialmente a doiscritrios: ecincia e desigualdade de utilidades. Geralmente no possvelobter mais ecincia sem aumentar a assimetria distributiva. O critrio uti-litarista prefere a ecincia igualdade distributiva (a rigor, neutro em re-lao distribuio); a sociedade est melhor se em agregado tem um nvelsuperior de utilidade. O critrio rawlsiano prefere a igualdade distributiva.

    importante assinalar que John Rawls foi um importante jurista america-no, preocupado com questes distributivas e com a plataforma de consecu-o dos direitos humanos5. Para ilustrar seu pensamento, o jurista possui umaviso interpretativa sobre a consecuo dos direitos humanos e de efetivao

    dos princpios de justia, encerrados prioritariamente em um espao demo-crtico. Os dois princpios so: a) todas as pessoas tm igual direito a umprojeto inteiramente satisfatrio de direitos e liberdades bsicas iguais paratodos, projeto este compatvel com todos os demais; e nesse projeto, as liber-dades polticas, e somente estas, devero ter seu valor equitativo garantido; eb) as desigualdades sociais e econmicas devem satisfazer dois requisitos: pri-meiro, devem estar vinculadas a posies e cargos abertos a todos, em condi-es de igualdade equitativa de oportunidades; e segundo, devem representaro maior benefcio possvel aos membros menos privilegiados da sociedade.

    A perspectiva Econmica v o Direito como uma instituio que devepromover a ecincia, contribuindo, dessa forma, para melhorar o bem-estar

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    social. Contudo, o Direito no deve ser usado para corrigir aspectos de dis-tribuio ou desigualdade social. A razo muito simples: existem outros

    mecanismos, como a poltica scal ou oramentria, que podem corrigir essesaspectos com um menor custo social. Direito, na perspectiva da AED, procu-ra trabalhar com o conceito de ecincia, conforme se pretende demonstrarao longo desse curso.

    De alguma forma, as noes de justo castigo ou justa indenizao estonormalmente ausentes quando falamos de ecincia. Contudo, estas noesso bastante relevantes na anlise dos problemas legais, pois muitas vezes serecorrem a elas para justicar as normas jurdicas.

    O problema mais importante concernente noo de justia em termosde Anlise Econmica do Direito a sua impreciso quando comparada coma noo de ecincia. Esta difuso de critrios pode signicar que no h umaideia consensual de justia na sociedade. Uma vez que a perspectiva econ-mica procura o bem-estar agregado, a incluso de uma noo de justia nemsempre fcil.

    Evidentemente que a noo de justia relevante para os dois nveis nomodelo econmico. Primeiramente, ao nvel agregado, porque o bem-estarda sociedade v-se afetado pelos sentimentos de justia. Em segundo lugar,porque a noo de justia afeta o comportamento individual por meio denormas sociais ou de normas psicolgicas.

    Estas normas, por sua vez, alteram a anlise custo-benefcio e consequen-temente as decises dos indivduos. Ignorar estas alteraes signica que apoltica proposta no eciente. A relao entre justia, sentimentos e ocomportamento individual tem sido estudada no contexto da escola compor-tamental (Behavioral Law and Economics).

    Por m, no podemos ignorar que muitas noes de justia e moral con-correm para promover a ecincia e o bem-estar social. Por exemplo, o prin-cpio moral de que no se deve mentir ou enganar, no s promove relaessociais cooperativas como diminui a necessidade de uma estrutura coerciva

    que consome recursos da sociedade. Existem, porm, noes de justia e mo-ralidade que no so ecientes.

    J foi dito aqui que a perspectiva Econmica v o Direito como umainstituio que deve promover a ecincia, contribuindo, dessa forma, paramelhorar o bem-estar social. No longo prazo, podemos mesmo dizer que oDireito tende a ser eciente.

    No entanto, esta teoria bastante polmica dada a diversidade de siste-mas jurdicos que existem no mundo. Evidentemente que no h apenas umsistema eciente, isto , pode haver muitas solues ecientes para o mesmo

    problema pelo que sistemas muito diversos podem ser igualmente ecientes.Contudo, existem na realidade muitas normas jurdicas e aspectos institucio-

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    nais que no tm um contedo facilmente explicvel pela perspectiva econ-mica. E existem muitos aspectos do ordenamento jurdico que so claramen-

    te inecientes. At que ponto a evoluo histrica do Direito corresponderealmente a um processo de melhoria do bem-estar social (ser o Direitocausa ou consequncia das melhorias sociais?) uma questo emprica para aqual ainda no h uma resposta.

    2.1.1. Eficincia e Bem-Estar Social

    Na linguagem comum, o termo ecincia comumente associado ao dina-mismo da iniciativa privada, ao empreendedorismo do mundo dos negcios,e essencialmente idia de riqueza. No entanto, em uma acepo mais geral,o termo ecincia refere-se apenas otimizao de alguma medida de valor.Face realidade da escassez de recursos, podemos, por exemplo, ser levados apreferir as opes que extraem do uso dos fatores de produo o mximo deprodutividade. Podemos eleger um valor, como, por exemplo, a proteo domeio ambiente, e, por consider-lo importante, buscar opes que tenhamcomo resultado a maximizao deste valor. Neste sentido, o termo ecinciadesigna apenas uma regra de maximizao.

    Neste curso, nos referiremos constantemente idia de ecincia. Arma-

    remos que determinadas normas jurdicas podem gerar resultados inecien-tes, e outras resultados ecientes, e usaremos a ecincia como um critriogeral para aferir se uma norma jurdica desejvel ou no. Assim sendo,precisamos, em primeiro lugar, denir de forma rigorosa o termo ecincia.

    Armamos anteriormente que dizer que uma determinada escolha e-ciente o mesmo que dizer que maximiza alguma medida de valor. Na anli-se econmica, a medida de valor usualmente utilizada o que chamamos defrmula do bem-estar social. A frmula do bem-estar social uma medidade agregao do nvel de utilidade aferido por cada membro de uma deter-minada sociedade em face das consequncias resultantes de determinada

    escolha poltica, jurdica ou social. Passemos explicao pormenorizada doque isto signica.

    A economia presume que todo indivduo racional possui preferncias emrelao a quaisquer estados de coisas; ou seja, associa um nvel de satisfao,que aqui chamaremos de nvel de utilidade, a diferentes situaes reais. Porexemplo, Joo pode preferir comer peixe no almoo a comer carne, e, portan-to, car mais satisfeito quando almoa peixe com mais frequncia. Dizemosque Joo associa ao estado do mundo comer peixe um nvel de utilidadesuperior ao associado ao estado do mundo comer carne.

    A frmula do bem-estar social uma medida de agregao dos nveis deutilidade de todos os indivduos de uma sociedade. A forma de agregao

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    mais comumente utilizada o somatrio simples. Ou seja, somamos os nveisde utilidade de cada um dos membros da sociedade sob anlise.

    Consideremos uma sociedade hipottica formada por trs indivduos:Joo, Pedro e Maria. Se adotarmos como forma de agregao o somatriosimples, a frmula do bem-estar social neste caso seria dada pela soma dosnveis de utilidade de cada um dos trs membros desta sociedade, ou seja, naseguinte frmula:

    Bem-Estar Social = Utilidade de Joo + Utilidade de Pedro + Utilidade deMaria

    Desta forma, armar que o conceito de ecincia est associado maximi-zao da frmula do bem-estar social, armar que ser considerada ecientetoda medida que tiver como consequncia a maior satisfao do maior nme-ro de indivduos de uma sociedade. Esta medida de valor a base da losoautilitarista. Veremos adiante alguns dos desaos enfrentados pela teoria.

    2.1.2 Maximizao da Riqueza vs. Maximizao da Utilidade

    A frmula do bem-estar social denida a partir da idia de utilidade,

    uma medida da satisfao pessoal dos indivduos da sociedade. No entanto,no existe medida objetiva da utilidade. Na prtica, no podemos aferir ob-jetivamente o nvel de satisfao de um determinado agente. Por causa desteproblema de medio, precisamos de uma escala de valor alternativa. A escalausualmente utilizada o dinheiro.

    A substituio do nvel de utilidade pelo nvel de riqueza tem algumas im-plicaes para a teoria. A principal decorre do fato de que as pessoas podemassociar utilidade prpria escala de valor, ou seja, podem ter prefernciasdistintas em relao ao dinheiro. Algum que possui um oramento reduzidopode atribuir mais valor a uma pequena quantidade de dinheiro do que uma

    pessoa com renda elevada atribuiria.Esta idia importante porque ela o fator de distino determinante

    quando analisamos os dois critrios de ecincia estabelecidos pela economiaclssica: a ecincia de Kaldor-Hicks e a ecincia de Pareto.

    O critrio da ecincia de Kaldor-Hicks estabelece o parmetro do so-matrio simples dos nveis de utilidades dos indivduos da sociedade, comohavamos visto com a frmula do bem-estar social. Voltemos ao exemplode uma sociedade com trs indivduos: Joo, Pedro e Maria. Numa situa-o inicial, Joo possui R$100.000,00, Pedro possui R$50.000,00, e Maria

    possui R$40.000,00. Como consequncia de determinada medida polticaX, Joo passar a possuir R$150.000,00, Pedro R$50.000,00, e Maria

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    6 Resoluo CNE/CES n 9/04. Art.5,I: Eixo de Formao Fundamental,tem por objetivo integrar o estudanteno campo, estabelecendo as relaesdo Direito com outras reas do saber,abrangendo dentre outros, estudos queenvolvam contedos essenciais sobreAntropologia, Cincia Poltica, Econo-mia, tica, Filosoa, Histria, Psicologia

    e Sociologia. Disponvel em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces09_04.pdf

    R$20.000,00. Se adotarmos o critrio de ecincia de Kaldor-Hicks, a me-dida dever ser considerada eciente, uma vez que aumenta o resultado da

    frmula de bem-estar social.Basta vericar que no cenrio inicial o bem-estar era de R$190.000,00

    (R$100.000,00 + R$50.000,00 + R$40.000,00). Aps a adoo da medidaX, o bem-estar passa a ser de R$220.000,00 (R$150.000,00 + R$50.000,00+ R$20.000,00).

    A medida no pode, entretanto, ser considerada eciente pelo critrio dePareto. O critrio de ecincia de Pareto estipula que uma determinada me-dida eciente somente quando melhora o nvel de bem-estar de algumsem piorar o nvel de bem-estar de ningum. Aps a adoo da medida X,Maria deixa de possuir R$40.000,00, e passa a possuir apenas R$20.000,00.Como a medida prejudicou Maria, no pode ser considerada eciente pelocritrio de Pareto.

    fcil perceber que o critrio de ecincia de Pareto mais restritivo queo critrio de Kaldor-Hicks. Na realidade, nem sempre possvel encontrarmedidas que melhorem a situao de parte da sociedade sem prejudicar nin-gum, nem sempre possvel encontrar melhorias de Pareto. Ento, porqueadotar um critrio to restritivo?

    O critrio de Pareto leva em considerao a diferena entre maximizaode utilidade e maximizao da riqueza. Como vimos, pessoas podem atribuir

    utilidade distinta a uma mesma quantidade de riqueza. Maria, que, em nossoexemplo, possui uma renda menor que a de Joo, pode atribuir mais utilida-de aos R$20.000,00 que perdeu do que Joo aos R$50.000,00 que ganhou.Desta forma, o critrio de ecincia de Pareto, apesar de mais restritivo, ga-rante que o aumento de bem-estar se d tambm em termos de utilidade.

    2.2. O PERCURSO METODOLGICO DA AED NO BRASIL

    Mesmo com o crescimento dos estudos de AED pelo mundo, no Brasil,

    a expanso da temtica pelos centros de pesquisas jurdicas caminhou, e temcaminhado, timidamente. As primeiras contribuies brasileiras sobre a te-mtica ocorreram menos pelo vis institucional e mais pela incorporao docampo de AED em trabalhos individuais de acadmicos e prossionais que,ao tomar contato com o tema, passaram a explorar a perspectiva da interseoentre direito e economia nas suas pesquisas.

    Nota-se a falta de contato com o tema no Brasil desde os planos curricu-lares dos cursos de graduao em Direito. Mesmo que a resoluo do MECCNE/CES n 9/2004 (que versa sobre as diretrizes curriculares nacionais)

    determine como eixo de formao fundamental do bacharel em Direito oestudo dentre outras reas da Economia6, atualmente, as cadeiras exis-

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    7http://www.abde.com.br

    8 http://www.bloglawandeconomics.org/

    9http://ww w.amde.org.br/

    10 http://adepar.wordpress.com/

    11At a presenta data, a Associao nodispe de website.

    12http://ww w.alacde.org/

    13 http://www.stf.jus.br/portal/cms/ver-NoticiaDetalhe.asp?idConteudo=187830

    14 ltima atualizao em 16/04/2013.Disponvel em: http://www.capes.gov.br/cursos-recomendados

    15 Foram observados os programas de

    ps-graduao strictu sensu Mestra-do e Doutorado das 82 universidadespresentes na listagem da Capes.

    tentes nos cursos de graduao, relativas ao tema, pouco representam o di-logo contemporneo proposto pela AED. Ainda que existam esforos no

    sentido contrrio, diversos prossionais, cotidianamente formados, desco-nhecem a amplitude das implicaes tericas e prticas da Economia dentrodo campo jurdico.

    No mbito da ps-graduao, a falta de contato com a disciplina j no seopera com a mesma gravidade. Percebe-se, a partir da dcada de 1990, o surgi-mento de cursos de mestrado e/ou doutorado com linhas de pesquisa que, dealguma forma, tratam da questo (a exemplo da Faculdade Milton Campos,UFPB, Puc-PR, UFMG). Contudo, por muito tempo, a confuso entre Di-reito Econmico e Anlise Econmica do Direito dicultou a clara percepodas linhas distintas de anlise que cada disciplina se prope a seguir.

    J a partir dos anos 2000, houve um crescimento signicativo de novoscursos de ps-graduao que contemplam a discusso de AED, alm da pes-quisa de temas correlatos. Possivelmente, a formao de novos prossionaisna dcada anterior no mais exclusivamente no exterior corroboroupara a ampliao de pesquisadores capacitados para dar continuidade e f-lego ao debate. Inclusive, surge, em 2007, a Associao Brasileira de Direitoe Economia (ABDE)7, como resultado dos debates mantidos em gran-de medida pelo Instituto de Direito e Economia do Rio Grande do Sul(IDERS)8, ocializado em carta de princpios, desde 2006.

    Na esteira desse crescimento, outras associaes surgem ao longo dos anos como a Associao Mineira de Direito e Economia (AMDE)9, a Associa-o de Direito e Economia do Paran (ADEPAR)10e Associao Nordestinaem Direito e Economia (ANDE)11 alm de, em 2007, o Brasil ter sediado,pela primeira vez, a conferncia internacional da Associao Latino-Ameri-cana e do Caribe de Direito e Economia (ALACDE)12. Em 2011, o prprioSF sediou evento denominado Direito, Economia e Desenvolvimento13,organizado pelo ministro Ricardo Lewandowski, para discutir a interseoentre Direito e Economia, com a participao de advogados, jornalistas, eco-nomistas e pesquisadores em geral. Esses e outros casos indicam o desenvol-

    vimento positivo da disciplina ao longo da primeira dcada do sculo XXI.Apesar das diversas iniciativas desenvolvidas, especialmente no decorrer

    desta dcada, o crescimento dos estudos de AED ainda no representa parce-la expressiva dos centros de pesquisa espalhados pelo pas. Segundo a relaogeral dos cursos recomendados e reconhecidos pela Capes, h, atualmente,82 programas e cursos de ps-graduao em Direito14. Destes 82 programas,h 24 programas que versam sobre questes envolvendo a relao entre Di-reito e Economia15. Contudo, h casos dentro deste total em que o tema expresso mais em termos do Direito Econmico, do que em termos de AED.

    Por exemplo, alguns programas, dentro de suas linhas de pesquisa apenastangenciam alguns pontos da correlao entre Economia e Direito, mas no

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    evidenciam o uso do arcabouo terico da AED em si. H exemplos de ins-tituies que no explicitam em suas diretrizes curriculares e em suas linhas

    de pesquisas a orientao para AED, contudo, h a produo de dissertaese teses que versam sobre o tema, como ocorre em alguns programas de ps--graduao. H, tambm, outros casos em que o enfoque do estudo, nova-mente, no se opera expressamente a partir da orientao de AED, mas, emum passo adiante, j possuem disciplinas eletivas e/ou obrigatrias tratandoexclusivamente sobre a questo. Por m, h cursos formados completamentedentro do arcabouo terico da AED.

    2.3. QUESTES PROPOSTAS

    A)Com base no texto acima, conceitue Anlise Econmica do Di-reito e descreva o momento histrico de sua formao.

    B) Explique, com suas palavras, a perspectiva consequencialista naAED, tendo em vista a anlise custo-benefcio.

    C)Compare o critrio utilitarista e o critrio de John Rawls comomedidas possveis de bem-estar social.

    D)Dena aquilo que em anlise econmica chama-se frmula dobem-estar social.

    E) Faa uma distino entre os critrios de ecincia de Kaldor--Hicks e de Pareto. Crie um exemplo numrico hipottico em que de-terminada poltica pblica altere a situao nanceira de um grupo depessoas; avalie essa medida segundo esses dois critrios de ecincia; eestabelea qual dos dois critrios mais restritivo.

    2.4. REFERNCIAS

    Leitura Sugerida

    CALABRESI, Guido & MELAMED, Douglas. Property Rules, Liability Ru-les, and Inalienability: One View of Cathedral. 85 Harvard Law Review 1089(1972). In: DAUPOSNER, Richard. A. Economic Analysis of Law. Parte I.Cap. I. New York: Aspen Publishers, 2007.

    SALAMA, B. M. O que Direito e Economia? In: L. B. imm (Ed.). Direito& Economia. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.

    SCHMID, Kenneth & ULEN, Tomas. Law And Economics Anthology. 2.ed. Cap. 3. Cincinnati, OH: Anderson Publishing Co, 2002.

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    ZYLBERSZAJN, Decio & SZAJN, Rachel. Direito & Economia An-lise Econmica do Direito e das Organizaes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

    Referncias

    BARNES, David W. & SOU, Lynn A. Cases and Materials on Law andEconomics. St.Paul, Minnesota: West Publishing CO, 1992.

    COASE, Ronald Coase. O problema do custo social. Te Latin Americanand Caribbean Journal of Legal Studies: Vol. 3. N. 1. Article 9. 2008. Dispo-nvel em: . Acesso em: 09abr. 2010.

    COOER, Robert & ULEN, Tomas. Law & Economics. 5. ed. Boston:Pearson Education, 2007.

    DAU-SCHMID, Kenneth G. & ULEN, Tomas S. Law and EconomicsAnthology. Cincinnati, OH: Anderson Publishing CO, 1998.

    KAPLOW, Louis & SHAVELL, Steven. Fairness versus Welfare. Cambridge,

    Ma.: Harvard University Press, 2002.

    MICELI, Tomas F. Economic of the Law. Oxford: Oxford University Press,1997.

    POSNER, Richard. A. Economic Analysis of Law. 7. ed. New York: AspenPublishers, 2007.

    NORH, Douglas C. Custos de ransao, Investimentos e Desempenho Eco-nmico. Ensaios & Artigos. Elizabete Hart (trad.). Rio de Janeiro: Instituto

    Liberal, 1992.

    SALAMA, Bruno Meyerhof. O que pesquisa em Direito e Economia? Dispo-nvel em: . Acesso em: 9 de abr. 2010.

    SHAVELL, Steven. Foundations of Economic Analysis of Law. Cambridge:Te Belknap Press of Harvard University Press, 2004.

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    AULA 3 FALHAS DE MERCADO

    PALAVRASCHAVE

    Concorrncia perfeita eorema do bem-estar falhas de mercado concorrncia imperfeita externalidades bens pblicos monoplionatural assimetria de informaes agente-principal risco moral seleo adversa falhas de governo

    OBJETIVOS

    A presente aula tem o objetivo de retomar alguns conceitos essenciais da mi-croeconomia, em vista de sua aplicao na Anlise Econmica do Direito. Ao naldesta aula, o aluno estar habilitado a compreender algumas estruturas essenciaisde mercado, como os mercados de concorrncia perfeita e os monoplios naturais.

    Em relao s imperfeies de mercado, alm do primeiro eorema doBem-Estar, o estudante compreender os conceitos de externalidades, debens pblicos, de assimetria de informaes e de falhas de governo.

    Em razo de sua importncia para o Direito, o conceito de externalidade

    ter certo aprofundamento nesta aula, com sua distino entre as externa-lidades positivas e negativas. Da mesma forma, o tema das assimetrias deinformao, particularmente o caso do risco moral e da seleo adversa, deveser destacado, devido s suas implicaes para alguns institutos jurdicos.

    3.1. NOES BSICAS:

    3.1.1. Mercados de concorrncia perfeita

    Um mercado de concorrncia perfeita um modelo base para a teorizaoda microeconomia acerca dos diferentes tipos de mercado. No mercado com-petitivo, nenhuma empresa capaz de alterar a cotao, em outros termos, oprodutor pequeno em relao ao mercado. Imaginemos o mercado de soja,que pode descrever uma situao de mercado competitivo, pois h um n-mero considervel de produtores espalhados por diversas partes do mundo.

    Para que um mercado seja considerado perfeitamente competitivo, eledeve conter as seguintes caractersticas. Neste mercado, os produtos devemser substitutos perfeitos, pois o produto vendido por um fornecedor no mer-

    cado idntico ao vendido por qualquer outro ofertante. Alm disso, tantoprodutores quanto fornecedores so tomadores de preo (price-takers), uma

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    16 SEIDENFELD, Mark. MicroeconomicsPredictates to Law and Economics. Ohio:Anderson Publishing Co, 1996, p. 35.

    17MANKIW, Gregory. Introduo eco-nomia. So Paulo: Thompson Learning,2007, p. 290

    vez que, individualmente, no tm poder de mercado suciente para inuen-ciar o preo. Do mesmo modo, todos os recursos so perfeitamente mveis,

    ainda que haja algum tipo de gasto para isso. Ainda, as empresas entram esaem de forma livre nesse tipo de mercado. Por m, o uxo de informaes perfeito nesse tipo mercado, ou seja, no apresenta falhas de informaes16.

    Em termos mais sintticos, Mankiw apresenta o mercado competitivocomo um mercado com muitos compradores e vendedores negociando pro-dutos idnticos, de modo que cada comprador e cada vendedor um toma-dor de preo17. No mercado competitivo, o preo igual ao custo marginal(P=Cmg), e ao mesmo tempo o lucro tende a zero, sendo que os elementosdiferenciadores das empresas nesse tipo de mercado so os incremento tecno-lgico e investimento em propaganda.

    A classicao de um mercado real como perfeitamente competitivo ,com frequncia, objeto de divergncia entre os economistas. Porm, existeum certo consenso em se considerar, em termos gerais, o mercado agrcolacomo um exemplo tpico desse tipo de mercado.

    3.1.2.Mercados Eficientes e Falhas de Mercado 1 Teorema do Bem-Estar

    O livre mercado eciente? A teoria econmica, sobretudo, em sua vertente

    neoclssica parte, desde Adam Smith, da noo de que os mercados so formasecientes de alocao de recursos. Esta resposta, no entanto, no to simples.Por exemplo, como vimos, existem algumas concepes diferentes a respeito doque eciente. As formulaes dos economistas da escola neoclssica estosujeitas a uma srie de condies especcas, que em grande medida dependemda atuao do Estado e impem papis econmicos ao sistema jurdico. A se-guir, apresentaremos brevemente os elementos estruturais do 1 eorema doBem-Estar, possivelmente o principal modelo terico da economia neoclssica.

    Em anlises econmicas mais simples, os mercados so denidos como espa-os de transaes entre empresas, que ofertam bens ou servios, e consumidores

    que adquirem os bens e os servios ofertados. As empresas compem o lado daoferta, e os consumidores, o lado da demanda. As interaes de mercado, na rea-lidade, podem adquirir nveis elevados de complexidade. Do lado da oferta, nosmercados atuais, temos em regra estruturas de produo altamente diversica-das e especializadas, que compem as etapas de produo de determinado pro-duto, alm de haver a descentralizao das plataformas de produo, espalhadaspor diversas partes do mundo. No entraremos profundamente, neste trabalho,na seara da chamada economia industrial, que estuda este tipo de interaes.

    Para ns do nosso estudo, os mercados so formados por oferta e deman-

    da por bens e servios. Na realidade, oferta e demanda so sempre iguais, namedida em que se tratam dos dois lados de um mesmo conjunto de transa-

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    18WALRAS (1958) formula sua hiptesede equilbrio a partir da famosa gurado leiloeiro que estipula preos relati-vos arbitrrios, at atingir o ponto em

    que as taxas marginais de substituioda curva de demanda lquida se iguala curva da oferta lquida, gerando umaalocao eciente de Pareto. ARROWe DEBREU(1954) do formalizaomatemtica a hiptese do equilbriowalrasiano, e mostram que, em mer-cados completos e perfeitamente com-petitivos, onde os participantes podemefetuar trocas ecientes de Pareto semcustos de transao, a alocao nalatinge um ponto de equilbrio eciente.Ver tambm: DEBREU (1959), VARIAN(2006) e PINDYCK (2005).

    19 Neste grco representamos umademanda perfeitamente elstica para

    a simplicao do modelo. A hipteseno necessria para a vericao doprimeiro teorema do bem-estar.

    es, e as discusses de desequilbrios so uma forma confusa e indireta dese referir ao preo. No entanto, em um sentido qualitativo incomensurvel,

    demanda para um item como bens ou servios refere-se presso do mercadode pessoas que tentam compr-lo. Eles vo oferecer dinheiro para a comprado item, enquanto que em troca os vendedores oferecem o item por dinheiro.

    Quando a demanda corresponde oferta, ou seja, quando a quantidadede produtos demandados a um mesmo preo corresponde quantidade deprodutos ofertados aquele preo, dizemos que o mercado est em equilbrio.

    Quando a demanda supera a oferta, os fornecedores podem aumentar opreo. Nestes casos, podemos pensar que determinado bem ou servio de-mandado tornou-se escasso e, portanto, passa a ser mais valioso. Quando aoferta excede a demanda, os fornecedores tero que diminuir o preo, a mde fazer vendas. Consumidores que esto dispostos a pagar os preos maisaltos ainda efetuaro transaes, mas outros podem renunciar compra emconjunto, demandar um preo melhor, comprar um item similar, ou com-prar em outro lugar, por exemplo. Esse jogo de oferta e demanda tende aencontrar sempre um ponto de equilbrio determinado pelo mercado.

    odas estas foras compem o que se chama de lei da oferta e da demanda. Ateoria econmica clssica se ocupou, em grande medida, de estudar o funciona-mento destas foras. Os resultados obtidos pela teoria indicam que, sobre certascondies, os mercados competitivos tendem a equilbrios ecientes. Na reali-

    dade, de forma mais tcnica, o primeiro teorema do bem-estar arma que todoequilbrio walrasiano18em um mercado perfeitamente competitivo ser ecientede Pareto. Neste cenrio, produtores so tomadores de preo, os mercados devemser completos, no existem custos de transao ou assimetria de informaes. Oequilbrio atingido no ponto e* = {q*; p*}, conforme o grco ao lado19.

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    20Custo marginal o custo no qual umprodutor deve incorrer para produzirmais uma unidade de um determinadobem sob anlise.

    21A hiptese pode parecer estranha aprimeira vista, mas devemos lembrarque a curva de custo marginal repre-sentada pelo modelo leva em conside-

    rao os custos de oportunidades dosprodutores. Assim, a remunerao peloexerccio da atividade pelo produtor,pela tomada de riscos, etc., est inclu-da no valor da melhor alternativa aoexerccio da atividade.

    22 O break-even point dado peloponto em que a curva de custo mdiodo produtor se encontra com sua curvade custo marginal. A funo do customdio dada pelo valor do custo to-tal incorrido pelo produtor divididopela quantidade produzida. Para umabibliograa simplicada da estruturade custos do produtor, ver MANKIW(2005). Ver tambm VARIAN (2006).

    23SEIDENFELD, p 61.

    24SEIDENFELD, p 61.

    No nos aprofundaremos aqui na anlise do primeiro teorema do bem--estar. Lembramos apenas que nesta hiptese, os produtores tomam o preo

    p* como dado, e determinam a quantidade q* com base na sua curva de customarginal20, sendo seu lucro igual a zero21. No grco, representamos o equi-lbrio no ponto em que o produtor recupera seus investimentos (break-even

    point22). A competio perfeita impe aos produtores o comportamento detomadores de preo, uma vez que uma tentativa unilateral de um produtorde aumentar o preo gera incentivos para a entrada de novos produtores nomercado, gerando presso competitiva sobre o produtor. Consumidores noenfrentam custos de transao para se utilizar do mercado, e, portanto, con-somem sempre que estariam dispostos a pagar o preo p*, ou seja, quandoatribuem ao bem um valor igual ou superior a p*.

    As condies do primeiro teorema do bem-estar so, entretanto, contra-factuais. A existncia de custos de transao, incompletude dos mercados, as-simetria de informaes, barreiras entrada de novos competidores, concen-trao de poder econmico, e uma srie de outros fatores levam a realidadea apresentar resultados inecientes nos mais diversos setores e muitas vezes

    justicam a interveno do Estado na economia. A economia neoclssica par-te da hiptese do primeiro teorema do bem-estar para instituir a ecincia dolivre mercado como regra e prever como fatores da realidade que se distanciamdo modelo clssico, tambm chamados de falhas de mercado, podem justicar

    certos tipos de atuao do Estado. Neste cenrio, as normas jurdicas, comoinstrumento de regulao lato sensu por excelncia, tm dois papis centrais: adefesa do funcionamento do livre mercado em regra, e a viabilizao da inter-veno do Estado para corrigir falhas de mercado quando necessrio.

    A seguir, apresentaremos, de forma resumida, os tipos mais importantesde falhas de mercado tipicamente classicadas pela teoria econmica.

    3.1.3. Falhas de Mercado

    O conceito de falha de mercado, dentro da teoria econmica, se refere acircunstncias especcas que levam um sistema de livre mercado alocaoineciente de bens e servios. As imperfeies de mercado so os desvios dascondies de mercado competitivo que levam indivduos privados e organi-zaes, que buscam maximizar seus interesses prprios, a fazerem coisas queno sejam de interesse social.23

    Indivduos normalmente prestam ateno somente aos custos e benefciosprivados, ignorando os custos e benefcios gerais. Para que se corrija essa situ-ao, deve-se tentar alinhar os objetivos privados e sociais, criando programas

    que induzam os indivduos privados maximizadores a considerarem todos oscustos e benefcios em seus clculos24.

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    Desse modo, falhas de mercado podem ser vistas como situaes em quea atuao dos indivduos em busca de seu puro autointeresse leva a resulta-

    dos que no so ecientes. Falhas de mercado so frequentemente associadascom assimetrias de informao, estruturas no competitivas dos mercados,problemas de monoplio natural, externalidades, ou bens pblicos. A exis-tncia de uma falha de mercado muitas vezes usada como justicativa paraa interveno governamental em um mercado particular. A microeconomiaocupa-se do estudo das causas de falhas de mercado, e dos possveis meiospara corrigi-las, quando ocorrem.

    al anlise desempenha um papel importante em decises polticas sobrepolticas pblicas. No entanto, alguns tipos de intervenes e de polticasgovernamentais, tais como impostos, subsdios, salvamentos, controles depreos e salrios, e regulamentos, que podem constituir tentativas pblicasde corrigir falhas de mercado, tambm podem levar a alocaes inecien-tes de recursos (s vezes chamadas de falhas de governo). Nestes casos, huma escolha entre os resultados imperfeitos, isto , os resultados do mercadoimperfeito, com ou sem intervenes do governo. Em qualquer caso, pordenio, se existe uma falha de mercado o resultado no pareto eciente.

    Os economistas neoclssicos e keynesianos acreditam que atuaes go-vernamentais podem inuenciar positivamente o resultado ineciente demercados que apresentam falhas. Nesta aula, estudaremos em maiores de-

    talhes as principais falhas de mercado classicadas pela teoria, notadamente:competio imperfeita, externalidades, bens pblicos, monoplios naturais,e assimetria de informaes.

    3.1.4. Competio Imperfeita

    A concorrncia imperfeita toda situao da competio, em qualquermercado, que no satisfaz as condies necessrias para a concorrncia perfei-ta. A teoria da competio perfeita, por sua vez, descreve mercados nos quais

    no h nenhum participante grande o suciente para ter o poder de denir opreo de um produto homogneo.

    A competio perfeita parte, portanto, de dois pressupostos bsicos. Emprimeiro lugar deve haver muitos compradores e vendedores no mercado.Em segundo lugar, os bens oferecidos pelos diversos vendedores so, emgrande medida, os mesmos. Chamamos neste caso os agentes econmicos detomadores de preo, tendo em vista que no so capazes de inuenciar opreo de mercado, mas apenas denir as quantidades que desejam produzirou adquirir.

    Porque as condies de concorrncia perfeita so rgidas, h poucos ouprovavelmente nenhum mercado perfeitamente competitivo. Na verdade, a

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    25 Outros exemplos de externalidadespositivas: a) quando um indivduo sevacina contra a gripe, todas as demaispessoas com quem ele se relacionatambm obtm benefcios, pois a pro-babilidade de incidncia da enfermida-de se reduz consideravelmente; b) uma

    propriedade vizinha bem conservadaimplica no aumento do valor de mer-cado das casas.

    teoria da competio perfeita estabelece um tipo ideal de funcionamentoperfeito do mercado, do qual alguns mercados tendem a se aproximar mais

    do que outros. Compradores e vendedores em alguns mercados de leilo pormercadorias, em mercados de commodities, ou ainda de certos ativos nancei-ros podem se aproximar deste conceito.

    A concorrncia perfeita serve, portanto, como um benchmarkpara mediros mercados da vida real em concorrncia imperfeita. Formas tpicas de con-corrncia imperfeita incluem: monoplio, em que h somente um vendedorde uma mercadoria; oligoplio, em que existem poucos vendedores de umamercadoria; concorrncia monopolstica, em que h muitos vendedores queproduzem bens altamente diferenciados, monopsnio, em que h apenas umcomprador de um bem; ou oligopsnio, em que h poucos compradores deum bem. Essas formas tpicas de concorrncia imperfeita j foram bem expli-citadas no material de Microeconomia.

    A assimetria de informaes , a rigor, uma forma de competio imper-feita. Entretanto, por ser um caso especial e particularmente importante, de-dicaremos a ela uma seo prpria adiante. ambm pode haver concorrnciaimperfeita devido a um lapso de tempo em um mercado. No nos dedicare-mos ao estudo aprofundado de cada hiptese de competio imperfeita, sen-do suciente para nossa anlise a breve apresentao compreenso de que aviolao de qualquer dos pressupostos da teoria da competio perfeita pode

    acarretar a existncia de mercados que alocam recursos de forma ineciente.

    3.1.5. Externalidades

    Para o presente curso, externalidades constituem a falha de mercado maisimportante a ser estudada, na medida em que possvel traar diversos para-lelos entre os problemas suscitados pela anlise econmica da responsabilida-de civil e o conceito de externalidades.

    As externalidades podem ser entendidas como os custos ou benefcio que

    no so internalizados pelo indivduo ou pela empresa em suas aes e queimpem custos ou benefcios diretamente a terceiros. Qualquer deciso e con-sequente ao acarretam custos e benefcios. Quando os custos ou benefciosdecorrentes da deciso incidem apenas sobre o agente decisor, so chamadosde custos ou benefcios internos. Se incidirem tambm, parcial ou totalmente,sobre outras pessoas que no o agente decisor, geram as chamadas externali-dades positivas ou negativas. O benefcio que uma deciso trouxer para outraspessoas e chamado de benefcio externo ou externalidade positiva25; o custosobre outras pessoas e chamado custo externo ou externalidade negativa.

    Externalidade o impacto da ao de um agente sobre um terceiro queno participou dessa ao. O terceiro, a princpio no paga nem recebe nada

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    26 Veremos que a possibilidade dos

    agentes transacionarem a alocao deuma externalidade uma soluo pri-vada que gera resultados ecientes. Emregra, quando denimos a existnciade externalidades como uma falha demercado, pressupomos que a existnciade custos de transao impede a alo-cao eciente das externalidades pormeio de trocas.

    27Os economistas em geral distinguemas externalidades de produo dasexternalidades de consumo. O motivopara tanto a existncia de corpostericos distintos para a explicaodo comportamento de produtores econsumidores. A distino, entretanto,no relevante para a denio doconceito de externalidade, e em anliseeconmica do Direito, nem sempre possvel distinguir claramente os ladosdo mercado ao qual os agentes perten-cem. Desta forma, a distino no serobservada estritamente neste trabalho.

    28 The Problem of Social Cost. Esse arti-go foi publicado em outubro de 1960,por Ronald Coase, no Journal of Lawand Economics. No Brasil, o artigo foitraduzido e revisado pelos professoresLuciano Benetti Timm, Antonio JosMaristrello Porto e Marcelo Lennertz(Escola de Direito FGV Rio).

    29 MANKIW, N. Gregory. Introduo economia. So Paulo: Thomson Lear-ning, 2006, p. 210-211, Captulo 10.

    por suportar esse impacto26. Quando temos uma externalidade de produo27negativa, o custo de produo maior para a sociedade que para o produtor,

    fazendo com que o este ltimo produza uma quantidade acima da desejadapela sociedade. Por outro lado, as externalidades positivas ocorrem toda vezque o valor social superior ao valor privado, tendo como resultado umaproduo inferior quela socialmente desejvel.

    Diante da existncia de externalidades, o interesse da sociedade em umresultado de mercado no ca adstrito ao bem-estar dos compradores e ven-dedores includos nesse mercado, e passa a incluir tambm o interesse dos ter-ceiros afetados indiretamente pelas externalidades. O equilbrio do mercado,que seria responsvel pela maximizao do benefcio total para a sociedade,nesse caso, deixa de ser eciente, j que os compradores e vendedores descon-sideram os efeitos externos de suas aes na tomada de decises.

    Ou seja, o equilbrio de mercado atingido sem que a externalidade, re-presentada pelo custo/valor social, componha a sua formao, o que faz comque o mercado aloque os recursos de maneira ineciente. A seguir, apresen-tamos dois exemplos para elucidar como externalidades negativas e positivaspodem interferir no equilbrio de mercado gerando resultados inecientes.

    Cumpre ressaltar que a questo das externalidades foi, primeiramente,abordada por Ronald Coase, economista da Universidade de Chicago, quedesenvolveu em 1960 um estudo denominado de O Problema do Custo So-

    cial28

    , o que lhe garantiu, posteriormente, a indicao e a obteno do Pre-mio Nobel de Cincias Econmicas em 1991. Coase procura, basicamente,estudar at que ponto o mercado privado ecaz ao lidar com externalidades,e chega a concluso de que se os agentes econmicos envolvidos puderemnegociar, sem custos de transao, a partir de direitos de propriedade bemdenidos pelo Estado, podero alocar os recursos de modo mais eciente,solucionando o problema das externalidades. O autor tambm ser objeto deanlise em outros pontos do presente material didtico. O eorema de Coasepode ser resumido pelo seguinte excerto:

    Os agentes privados podem solucionar o problemas das externali-dades entre si, desde que os custos de transao no sejam excessivos.Qualquer que seja a distribuio inicial dos direitos, as partes interessa-das sempre podem chegar a um acordo pelo o qual todos cam numasituao melhor29.

    a) Externalidades Negativas

    Uma externalidade negativa representada por impacto negativo queatinge terceiros proveniente da ao de outrem. Consideremos como exem-

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    plo, o uso de carros para ir ao trabalho. Quando um agente decide utilizarseu carro para ir para o trabalho, est em geral preocupado com fatores como

    seu conforto, a rapidez, o preo da gasolina, a depreciao do carro, utilizaodo carro, etc. Essa ao, entretanto, tem efeito na vida de terceiros dado que,dentre outros fatores, contribui para o aumento do trnsito e da poluio.

    Esses dois resultados podem ser tidos como negativos do ponto de vistados terceiros que o suportam, dado que a emisso de gases pelo veculo prejudicial sade, e que o aumento do trnsito far com que o tempo dedeslocamento entre diferentes pontos da cidade seja maior. Dessa forma, ocusto dessa ao para a sociedade ser maior que para a pessoa que decide sedeslocar por meio de um carro. Isso porque, o custo social a somatria doscustos privados de quem age e do impacto suportado pelos terceiros.

    Podemos ilustrar essa situao pelo grco ao abaixo. A curva do custosocial se encontra acima da curva representativa do custo do agente, aqui cha-mada de custo privado. A diferena entre as duas curvas o custo dos impac-tos suportado pelos terceiros. O ponto timo, ou seja, socialmente desejvel, aquele onde h interseo entre as curvas do custo social e da demanda. Aquantidade desejvel de uso de veculo pelos agentes dado por q*. O pontode equilbrio, no entanto, encontra-se localizado entre as curvas da oferta eda demanda, uma vez que o custo privado no engloba o custo da externali-dade produzida, e a quantidade atingida pelo equilbrio de mercado q`>q*.

    Uma soluo tpica para este tipo de problema seria a imposio de umataxa, pelo Estado, sobre esta atividade, a m de imputar aos agentes o custodecorrente da externalidade apontada. No momento em que essa externali-dade passa a integrar o custo privado, a curva de custo privado se iguala

    curva do custo social, e o equilbrio atingindo passa a igualar-se ao pontotimo. Ou seja, quando as pessoas passam a arcar com os custos do aumento

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    do trnsito e da poluio, provenientes da utilizao dos carros, o nmero decarros tende a diminuir de forma a alcanar a quantidade tima q*. Dessa

    forma, o resultado a alocao eciente dos recursos que existiria em ummercado onde no h falhas.

    Recentemente, a regulao do setor de transporte, em diversos pases, temtentado imputar tais custos ao uso de automveis. Em So Paulo, foi criadoum sistema de revezamento ou rodzio de veculos; em Estocolmo e em Lon-dres, foram criadas taxas pelo uso de veculos, principalmente nos centrosdas grandes cidades, o que ajudou a diminuir consideravelmente o nmerode veculos nas ruas.

    b) Externalidades Positivas

    A anlise feita acerca da externalidade negativa pode ser aplicada de for-ma semelhante s externalidades positivas. Nessas ltimas, porm, trata-sede aes que geram benefcios indiretos a terceiros. O morador de umacidade que mantm a fachada de sua residncia em bom estado est reali-zando uma ao em benefcio prprio, qual seja a boa conservao de suapropriedade privada. Adicionalmente, sua conduta est sendo benca aosdemais moradores daquela cidade, uma vez que contribui para a sensao

    de limpeza e boa conservao do ambiente urbano, logo, para o bem-estarde sua populao. medida que h utilidade para outras pessoas que no omorador que empreendeu a ao, esse benefcio pode ser considerado umaexternalidade positiva.

    Nesse caso, como h a presena de um ganho, e no de um custo comono caso de uma externalidade negativa, a curva de valor social se distinguecurva da demanda, ou seja, do valor privado. Como o valor social superiorao valor privado, a curva do valor social est localizada acima da curva dademanda. Sendo assim, h um nmero menor de fachadas conservadas que odesejvel pela populao, fazendo com que o ponto equilbrio, representado

    pelo cruzamento das curvas de oferta e demanda, se afaste do ponto timode encontro das curvas da oferta e do valor social. Para que esse ltimo pontoseja alcanado necessrio alguma forma de incentivo para que mais pessoascontribuam com o melhoramento das fachadas, de modo a aumentar a quan-tidade e deslocar o ponto de equilbrio para o ponto timo.

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    Com efeito, em diversas cidades, comum a existncia de competiespelas fachadas mais bem decoradas em pocas de festividades como o natal.Mecanismos de prmio oferecem um incentivo de baixo custo para que osmoradores da cidade invistam em uma melhor decorao, e com isto contri-buam indiretamente para que a cidade se torne mais festiva.

    3.1.6. Bens Pblicos

    Outra falha de mercado importante, sobretudo para o Direito, decorre daexistncia de bens pblicos. Em diversas reas do direito pblico, podemosobervar regulaes que se ocupam dos bens pblicos. Em economia, cha-mamos de bem pblico todo e qualquer bem que , simultaneamente, norival e no excludente. Os mercados, por vezes, no conseguem proporcionaradequadamente os bens que as pessoas desejam, por exemplo, os chamadosbens pblicos. A maioria dos bens encontrados na sociedade so privados, ese adquam a anlise de oferta e de demanda do equilbrio no mercado.

    No rivalidade signica que o consumo do bem por um indivduo no

    reduz a disponibilidade do bem para o consumo por outros. Desta forma, fcil constatar que uma torta um bem rival, na medida em que o consumode uma fatia por um indivduo A reduz em proporo direta a disponibili-dade do bem para outros indivduos. Em outras palavras, um bem rival sedois indivduos no podem comer a mesma fatia. Um exemplo de bem norival assistir a uma partida de futebol pela televiso ou assistir aos Fogos deCopacabana no Reveillon.

    A no exclusividade, por sua vez, est associada possibilidade de exclusodo uso do bem por terceiros. Se ningum pode ser efetivamente excludo

    do uso do bem, ele no-exclusivo. Quando vamos ao cinema, por exem-plo, pagamos o preo da entrada para poder assistir ao lme. Entretanto, seo cinema no pudesse nos impedir de assistir ao lme, provavelmente no

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    pagaramos o ingresso. Os bens no excludentes so precisamente caracteri-zados pela impossibilidade de se cobrar a entrada. Um exemplo seria um

    espetculo de fogos em local pblico.No mundo real, no existem bens absolutamente no-rivais e no exclu-

    dentes. Entretanto os economistas acreditam que alguns bens conceito apro-ximam-se o suciente dos conceitos para a anlise ser til. O principal insightrelacionado aos bens pblicos est ligado a existncia, nestes casos, dos cha-madosfree-riders, ou caronas, indivduos que se valem de determinado bemou servio sem arcar com os custos de produo, aproveitando-se do fato deque outros agentes arcaram com tais custos. Interessante citar que o Brasil, nadcada de 1970/80, era considerado umfree-riderpelo GA (hoje, trans-formado na OMC Organizao Mundial do Comrcio), uma vez que opas contribua pouco para o comrcio internacional e auferia vantagens detransaes econmicas de outros pases mais atuantes.

    Um exemplo menos simples e direto diz respeito troca de arquivos demsica MP3 na internet: com a facilidade de distribuio e cpia de msicasdecorrente das tecnologias digitais disponveis a grande parcela do mercado,poderamos considerar que msica est se tornando um bem pblico. Noentanto, na medida em que as pessoas deixam de comprar msica, o mercadopode car carente de recursos para nanciar os custos de concepo, produ-o, e gravao de obras musicais, que so divididos entre msicos e grava-

    doras. O Congresso Norte-Americano vem tentando, por meio de medidaslegislativas, barrar esse tipo de manobra, com as discusses do SOPA (StopOnline Piracy Act), o que gera protestos signicativos da populao civil.

    Em um exemplo como este, fcil perceber como se torna difcil garantiro nanciamento de setores que lidam com bens pblicos, o que pode exigiruma interveno do Estado para garantir a remunerao adequada do setorpelos usurios do bem, evitando o comportamento oportunstico dos indi-vduos considerados caronas. No entanto, h grandes controvrsias sobreo papel da regulao de bens pblicos, sendo setores como o da produointelectual um exemplo de como mercados que operam com bens pbli-

    cos podem, em alguns casos, manter-se, ainda assim, com elevados nveis deprodutividade. Podemos citar, resumidamente, alguns bens pblicos, nan-ciados, sobretudo, pelos Governos: Defesa Nacional, Institutos de Pesquisa,Luta contra Pobreza, entre outros.

    3.1.7. Monoplio Natural

    Um monoplio descreve uma situao onde todas as vendas (ou a maio-

    ria) em um mercado so realizadas por uma nica empresa. Um monoplionatural por outro lado uma condio sobre o custo de tecnologia de uma

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    indstria que resulta na ecincia da produo monopolstica. Em outras pa-lavras, em certos mercados mais eciente (se considerarmos o menor custo

    de mdio e de longo prazo) para a produo estar concentradas em um nicoprocesso produtivo. Em alguns casos, isso d ao maior fornecedor de uma in-dstria, muitas vezes o primeiro fornecedor em um mercado, uma vantagemde custo esmagadora sobre os outros concorrentes reais e potenciais. Isto ten-de a ser o caso em indstrias onde predominam os custos de capital, criandoeconomias de escala que so grandes em relao ao tamanho do mercado e,portanto, elevadas barreiras entrada.

    Em muitas situaes, os governos interessados em propiciar o desenvol-vimento econmico, criam monoplios para aqueles que ousarem investir,de modo a aumentar o retorno sobre o investimento. Os monoplios criadospor restries legais no so necessariamente criaes irracionais dos gover-nos, ainda possa gerar futuras distores alocativas no mercado.

    odos os setores tm custos associados entrada no mercado. Estes cus-tos podem ser, em alguns casos, irrecuperveis, ou seja, podem caracterizarinvestimentos xos iniciais a fundo perdido na entrada no mercado (em in-gls, denominado de sunk costs). Grandes indstrias, como servios pblicos,requerem um investimento inicial enorme. Esta barreira entrada reduz onmero de participantes potenciais para a indstria.

    Um conceito comumente associado ao monoplio natural o de essential

    facilities, ou infra-estrutura essencial. Existem mercados que dependem dacriao de uma rede infraestrutural de custo extremamente elevado, sem aqual o mercado no pode funcionar. Nestes casos, frequentemente ine-ciente a construo de mltiplas redes de infra-estruturas para possibilitar acompetio. Ademais, quando os custos xos iniciais so extremamente ele-vados, mas os custos marginais de operao so muito baixos, a competiopode levar a empresa a jamais atingir o retorno do investimento inicial. Istoacontece porque a competio tende a levar as empresas a praticar preos pr-ximos a seu custo marginal, que pode ser excessivamente baixo e inviabilizaros investimentos iniciais em infra-estrutura.

    Exemplos de monoplios naturais incluem servios de utilidade pblica,tais como servios de distribuio de gua e eletricidade. Nestes casos, mui-to custoso construir redes de transmisso (gua / gasodutos, energia eltrica,linhas telefnicas, metr). Nestes casos, o custo de construo de uma redede transmisso para concorrentes to elevado que efetivamente impede aentrada de concorrentes em potencial.

    ipicamente, monoplios naturais so entendidos como falhas de merca-do que suscitam a interveno estatal para regular preo, quantidade e quali-dade dos bens ou servios prestados. Ou seja, tipicamente estipulava-se como

    o objetivo da regulao desta falha de mercado a tentativa de estipular regraspara a atuao da empresa monopolista.

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    Recentemente, no entanto, a regulao destes setores tem procurado via-bilizar um tipo de competio saudvel, forando a empresa que contro-

    la a infra-estrutura essencial a compartilh-la, a preos razoveis, com seuscompetidores. Como exemplo podemos mencionar pases como a Frana,em que, por fora deste tipo de regulao, existem empresas competidorasde distribuio de energia eltrica, que se utilizam de uma nica rede dedistribuio.

    O governo pode responder as prticas monopolistas por intermdio depoliticas publicas, como regulamentao, aumento da concorrncia, criaode leis antitrustes ou tornando o monoplio privado em uma empresa p-blica. No Brasil, a lei 8.884/94 transformou o Conselho Administrativo deDefesa Econmica (CADE) em autarquia, responsvel pela anlise da con-corrncia no mercado brasileiro. O CADE analisa os processos de fuso, ci-so e incorporao de empresas com o intuito de deixar o mercado maiscompetitivo, evitando a formao de monoplios ou oligoplios que possamprejudicar os consumidores. Ao mesmo tempo, as agncias reguladoras soresponsveis pela scalizao dos servios pblicos praticados pela iniciativaprivado e tambm pela anlise de monoplio em diferentes setores da econo-mia. Essas agncias possuem estrutura jurdica de autarquia, e foram criadas,sobretudo, na dcada de 1990. Atualmente, existem 10 agncias reguladoras,e alguns exemplos so ANEEL (Agencia Nacional de Energia Eltrica), ANA-

    EL (Agncia Nacional de elecomunicaes), ANAC (Agncia Nacional deAviao Civil), ANP (Agencia Nacional do Petrleo) entre outras.

    3.1.8. Assimetria de Informaes

    Assimetria de informao um conceito que lida com o estudo de deci-ses dos agentes econmicos em transaes em que uma parte tem a infor-mao mais ou melhor que a outra. Isso cria um desequilbrio de poder nastransaes que por vezes pode levar a problemas de alocao. Exemplos deste

    problema so a seleo adversa e risco moral. Mais comumente, as assimetriasde informao so estudadas no contexto de problemas de agente-principal.

    a) Agente-Principal

    O problema agente-principal ou dilema da agncia trata das diculdadesque surgem em condies de informao incompleta e assimtrica quandoum determinado indivduo, que denominaremos principal contrata outro,

    que denominaremos agente para a consecuo de determinado tarefa queser custosa para o agente e que o principal no tem como scalizar ade-

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    quadamente. Vrios mecanismos podem ser usados, em diferentes contextos,para tentar alinhar os interesses do agente em solidariedade com os do prin-

    cipal, tais como taxas de inecincia, participao nos lucros, salrios de e-cincia, avaliao de desempenho (incluindo demonstraes nanceiras), etc.

    Ainda assim, em alguns casos pode ser difcil para o principal garantir queo comportamento do agente esteja em conformidade com seus interesses. Oproblema principal-agente encontrado na maioria das relaes empregador/empregado, por exemplo, quando os acionistas contratam altos executivosde corporaes. A cincia poltica, tendo registrado os problemas inerentes delegao de autoridade legislativa para rgos burocrticos. Como outroexemplo, a aplicao da legislao est aberta interpretao burocrtica, oque cria oportunidades e incentivos para o burocrata, como agente, desviaras intenes ou preferncias dos legisladores.

    A seguir, analisaremos dois tipos especcos de problemas de assimetriade informaes deste tipo que podem gerar falhas de mercado mais amplas,levando a alocaes inecientes de recursos pelo mercado.

    b) Risco Moral e Seleo Adversa

    Consideremos o seguinte exemplo. C, procurando assegurar que o fun-

    cionamento de seu computador de mesa no dependa do dispndio de seuprprio tempo, contrata D, que oferece servios de assistncia tcnica e ma-nuteno de computadores pessoais. Como C tem problemas recorrentes comseus computadores, decide contratar da seguinte forma: por um valor xopago mensalmente, D estar sempre a disposio, no prazo de um dia til,para prestar assistncia por telefone, e, eventualmente, analisar e resolver pes-soalmente qualquer problema tcnico que C venha a ter com seu computador.

    D considera a proposta vantajosa, uma vez que lhe garante uma rendaxa mensal, mas observa que, ao valor estipulado por C, a relao contratuals seria efetivamente lucrativa se este se responsabilizasse por tomar certas

    precaues ao utilizar a mquina, reduzindo assim consideravelmente a pro-babilidade de ocorrncia de algum problema. Ocorre que D no pode sca-lizar a utilizao da mquina por C, e assim no tem como garantir que esteobedea aos padres de utilizao apropriados.

    A teoria econmica denomina este tipo problema de risco moral, termoque designa situaes nas quais a conduta de um dos agentes envolvidosnuma relao econmica no pode ser vericada pela outra parte, e funda-mental para a consecuo eciente do negcio. Se o comportamento de umdos participantes, que chamaremos de agente, relevante (por sua conduta

    potencialmente importar em custos para a outra parte, chamada principal, eem ganhos de desvio para si), existiro incentivos para que o agente quebre

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    com o estipulado. A relao provavelmente no se aperfeioar da forma con-tratualmente disposta.

    Consideremos agora a situao de D. Imaginemos que ele queira ofertarapenas este tipo de servio ao mercado. Uma forma de equilibrar as diferen-as entre bons e maus consumidores, ou seja, clientes mais cuidadososou menos cuidadosos, seria estipular um preo baseado em um consumidormdio. Ocorre que este preo seria especialmente vantajoso para os mausconsumidores, que se utilizariam muito de seus servios, e menos interessantepara os bons consumidores, que no necessitariam de tanto atendimento.D acabaria, assim, selecionando um maior nmero de maus consumidores,e sendo forado a praticar preo mais elevado. Entretanto, cada vez que Daumenta o preo, oferece incentivos mais fortes para que apenas os mausconsumidores permaneam, e assim sucessivamente. Ao nal do processo, D deixado apenas com os piores e mais difceis clientes.

    A economia denomina este tipo de problema de seleo adversa, termoque designa a situao em que variaes de qualidade que tm impacto di-reto sobre o preo estabelecido podem ser facilmente vericadas por um doslados do mercado, mas no podem ser vericadas pelo outro lado. No casoapresentado, os incentivos dados aos participantes levam seleo adversa debens de qualidade inferior, a despeito de existirem solues intermediriaspotencialmente ecientes.

    Os problemas da seleo adversa e do risco moral decorrem de uma as-simetria de informaes entre as partes: uma das partes possui informaesrelevantes para o contrato que a outra parte no capaz de obter. ais pro-blemas so comumente apresentados como razes para a implementao deregulaes de defesa dos interesses dos consumidores. o caso de regulaesque visam garantir padres mnimos de qualidade para certos produtos, es-tipular regras mnimas de garantia, ou critrios de responsabilizao civil deprossionais liberais como advogados ou mdicos.

    Os mesmos problemas podem, contudo, ocorrer do lado da demanda. o caso dos contratos de seguros, ou de garantia, por exemplo. Nestes casos, o

    comportamento dos consumidores, que no pode ser vericado pelo fornece-dor, ou prestador de servios, particularmente relevante para a consecuoda relao econmica, podendo implicar em ganhos para os consumidores ecustos para os ofertantes. Em casos tpicos como estes, a prpria regulao jbusca solues para eventuais falhas de mercado. Nas hipteses sobre as quaisa regulao no se debruou caberia s partes encontrar solues contratuaispara lidar com tais problemas.

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    3.1.9. Falhas de Governo

    Antes de encerrarmos este tpico, importante destacar alguns aspectosrelativos complexidade da tarefa estatal de regulao das atividades econ-micas em casos de existncia de falhas de mercado. Como dito, alguns tiposde intervenes e de polticas governamentais, tais como impostos, subsdios,salvamentos, controles de preos e salrios, que podem constituir tentativaspblicas de corrigir falhas de mercado, tambm podem levar a alocaes ine-cientes de recursos (s vezes chamadas de falhas de governo).

    A analogia do setor pblico para falha de mercado ocorre quando umainterveno do Estado acarreta uma alocao menos eciente de bens e recur-sos em relao alocao de mercado. Assim como ocorre com as falhas domercado, existem muitos tipos diferentes de falhas do governo que descrevemas distores correspondentes.

    O termo, cunhado por Roland McKean em 1965, tornou-se popular como surgimento da teoria da escolha pblica nos anos 1970. A idia de falha degoverno est associada com o argumento de que, mesmo quando o mercadono atender as condies de concorrncia perfeita, necessrias para garantiro timo social, a interveno estatal pode gerar resultados ainda piores, emtermos de ecincia, ao invs de melhores.

    Assim como no caso das falhas de mercado, no se trata do fracasso em

    trazer uma soluo particular desejada, mas antes um problema estruturalque impede o Estado de operar de forma eciente. Falhas de governo soproblemas sistmicos que impedem uma soluo de governo eciente paraum problema econmico.

    O problema a ser resolvido no precisa ser uma falha de mercado, s vezes,alguns eleitores podem preferir uma soluo governamental, mesmo quandouma soluo de mercado possvel. O fracasso do governo pode ser tantono lado da procura quanto da oferta. A eoria da Escolha Pblica (PublicChoice Teory) ocupa-se em grande parte da classicao de falhas tpicas degoverno, como captura, custos administrativos, dentre outros. No nos ocu-

    paremos aqui em aprofundar este debate, mas ressaltamos sua importncia.

    3.2. QUESTES PROPOSTAS

    A)Os mercados perfeitamente competitivos tm algumas premissasque precisam ser observadas para sua caracterizao. Apresente os prin-cipais pressupostos dos mercados de concorrncia perfeita.

    B)Quais so as premissas estabelecidas pelo primeiro teorema do

    bem-estar?

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    C)Conceitue falhas de mercado e cite alguns exemplos de imperfei-es de mercado.

    D) Descreva os conceitos de externalidades positivas e negativas,citando exemplo da realidade brasileira. Cite tambm a possvel inter-veno governamental desejvel nessa situao.

    E)Explique o signicado dos bens pblicos como no rivais e noexcludentes. Procure dar exemplos prticos.

    F)Quais aes governamentais podem ser adotadas em relao amonoplios naturais?

    G)Em relao assimetria de informaes, os conceitos de riscomoral e de seleo adversa desempenham importante papel. Analiseesses conceitos e tente ilustr-los com exemplos prticos.

    H)Comente sobre a eoria da Escolha Pblica e as falhas de mercado.

    3.3. REFERNCIAS

    Leitura Sugerida

    CALABRESI, Guido & MELAMED, Douglas. Property Rules, Liability Ru-les, and Inalienability: One View of Cathedral. 85 Harvard Law Review 1089

    (1972). In: DAU POSNER, Richard. A. Economic Analysis of Law. ParteI. Cap. I. New York: Aspen Publishers, 2007.

    SALAMA, B. M. O que Direito e Economia?In: L. B. imm (Ed.). Direito& Economia. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.

    SCHMID, Kenneth & ULEN, Tomas. Law And Economics Anthology. 2.ed. Cap. 3. Cincinnati, OH: Anderson Publishing Co, 2002.

    ZYLBERSZAJN, Decio & SZAJN, Rachel. Direito & Economia An-

    lise Econmica do Direito e das Organizaes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

    Referncias

    BARNES, David W. & SOU, Lynn A. Cases and Materials on Law andEconomics. St.Paul, Minnesota: West Publishing CO, 1992.

    COASE, Ronald Coase. O problema do custo social. Te Latin American and

    Caribbean Jour