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SERVIÇO SOCIAL
___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
JESSICA RENATA DE SOUZA
A INCIDÊNCIA DAS MULHERES NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS NA
CADEIA PÚBLICA DE TOLEDO-PARANÁ
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
TOLEDO-PR
2012
1
JESSICA RENATA DE SOUZA
A INCIDÊNCIA DAS MULHERES NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS NA
CADEIA PÚBLICA DE TOLEDO-PARANÁ
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
curso de Serviço Social, Centro de Ciências
Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção
do grau de bacharel em Serviço Social
Orientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia Martins
TOLEDO-PR
2012
2
JESSICA RENATA DE SOUZA
A INCIDÊNCIA DAS MULHERES NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS NA
CADEIA PÚBLICA DE TOLEDO-PARANÁ
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
curso de Serviço Social, Centro de Ciências
Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção
do grau de bacharel em Serviço Social
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Profa Dra Vera Lúcia Martins
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
____________________________________
Profa Ms India Nara Smaha
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
____________________________________
Profa Dra Eugênia Aparecida Cesconeto
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Toledo, 27 de novembro de 2012
3
Dedico este trabalho para uma pessoa muito
especial e importante na minha vida, a minha
avó Adélia Maria de Souza (in memoriam),
meu AMOR ETERNO.
4
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é fruto de muitos esforços. Quero agradecer cada um que contribuiu para
este resultado
Em primeiro lugar aqueles que me deram a vida que sempre estiveram ao meu lado,
apoiando e dando seu melhor, MEUS PAIS: Osmar e Natalina. Ao meu irmão Pedro, por
todas as vezes em que me viu estudando e perguntava: “Mana, terminou o TCC?”.
Quero agradecer aquelas que apoiaram, aconselharam, brincaram, choraram,
bagunçaram, “brigaram”, enfim que seguiram até o final ao meu lado. As minhas
companheiras e amigas (nossa panelinha) do Curso de Serviço Social (por ordem de chamada,
risos): Alessandra, Andressa, Ivonete, Mabile, Marina, Patricia, Sandra e Thaís. Ainda
aquelas que participaram nestes quatro anos dessa formação: Fernanda, Carol e Catarina, e
todos o 4º ano.
Um agradecimento muito especial, que aqui não teria espaço para demonstrar o quão
você é importante para mim. Agradeço à minha amiga, supervisora, conselheira ...
LEIDIANE, por fazer despertar em mim a vontade de continuar e jamais desistir, por me
compreender nos momentos difíceis.
As minhas friends forever: Josi e Pri que souberem entender os momentos não pude
estar ao lado delas. Obrigado minha irmã Josi, pelas vezes que me chamou pra sair mas
sempre lembrando: “Leva seu material e estuda lá” ou “Já estudou?”.
À Professora Esther Lemos, por dar a minha primeira oportunidade de conhecer o
exercício profissional e pelo trabalho que realiza com tanto amor.
À equipe do Programa Pró-Egresso, foram 2 anos de muita alegria e aprendizado:
Emerson, Mayara (R$ 1,00 de pão), Ronaldo (meu orgulho de Psicólogo), Felipe, Fran, Januir
(você é muito legal) e Luci (minha Barbie extrovertida).
Agradeço aqueles que também trouxeram inspiração para escrever este trabalho, a
equipe do Projeto Rondon: Tiago (Tii) e Loana (Lo, meu anjo do Rondon) meus amores
eternos, Samuel (meu irmãzinho), Gisele (Gii, minha linda, um doce de pessoa), Poliana
(minha enfermeira inteligente e linda), Edson (nosso Dentista), Manu, professores João e
Anelize, Erosânia, Profa. Marli, Ineiva e India, e todos que de alguma forma contribuíram
para realização desse sonho e momento único que ficará para sempre na minha memória e no
meu coração.
À minha orientadora Vera Lúcia Martins pelos conhecimentos transmitidos.
5
À minha supervisora de estágio e amiga Raquel Cassol da Silva, pelos conhecimentos,
conversas e bons momentos vivenciados.
À professora Índia pelos grandes esforços e dedicação, mostrando o significado dessa
profissão.
À professora Ámalia, por todo carinho e conhecimento.
A todos os professores do Curso de Serviço Social que contribuíram para formação
profissional por meio de seus conhecimentos.
E principalmente as mulheres presas da Cadeia Pública de Toledo/PR que
contribuíram para efetivação deste trabalho. Vocês são exemplos de vida e superação.
Obrigado Deus por mais um sonho realizado!
6
Naquela Sala
Ao Cubo
Gemidos numa noite de domingo madrugada,
lágrimas em gotas em pingos são enxugadas, vozes
soadas com gritos em doses meio falhadas. Abraços
em amigos que trazem uma palavra.
Lembranças já vêm da pequena criança que
(nem tinha maldade na mente)
Dependente da mãe que era crente no pai
(era apenas um garoto inocente)
Lembranças da criança em seu colo balançando,
Quando triste ainda com fome em seu colo só que
chorando. Sua mãe lembra da sua formatura do
prézinho. Um bom menino o aniversario de cinco
aninhos.
E pra comemorar o aniversário tinha uma pá de
criança em volta de um bolo feito de fubá. Com seu
pai desempregado não tinha dinheiro nem pra
mistura. Sua mãe sem poder dar um presente sentia
culpa.
Sabe quanto eu lutei
Pra fazer você feliz
Eu te eduquei não tinha dinheiro
Mas te ensinei
A minha parte eu sei que eu fiz.(bis)
Maiorzinho ele estava, da sua idade o mais ligeiro,
cabulava aula pra empinar pipa o dia inteiro. Era
novo mais se ligava no movimento. De pouco em
pouco lhe falavam que ele tinha mó talento. Um dia
ele viu um maluco com um boot muito louco, pediu
um igual pra mãe e tomou coqui no côco. Não
entendeu porque outro podia ter e ele não estava
cansado daquela miséria, de toda aquela situação.
Com 13 anos de idade recebeu um bom presente
A malandragem de onde morava, ficou contente.
Uma proposta, cem reais pra levar mercadoria, era
fácil é só entregar, e depois só alegria. Chegou esse
garoto em sua casa esse dia, com mistura sacolas de
Danone a reveria. Surpresa, sua mãe quando abriu a
geladeira, deu sermão em seu filho com seu marido
a noite inteira:
"Aonde você arrumou? Que mercado cê roubou?
Nunca te ensinamos isso.
Mãe não roubei, esse dinheiro eu conquistei, ganhei
com o esforço de meu serviço, é isso!
Você nem trabalha menino! Quem te deu serviço
assim tão novo tão cedo?
E mesmo assim isso é estranho pra mim,
Por que é que tem muito dinheiro.
Foi sermão a noite inteira, mas pra ele valeu a pena.
Foi diferente de outros dias, dormiu de barriga
cheia. Acordou cedo e disposto sem medo para o
trabalho, entregaram uma arma na mão desse
frangalho. Disseram que ele teria que cobrar uma
dívida. De um nóia que se pá ele teria que matar.
Gelo, falo, pros malucos "aí num dá". E os malucos
disse "ta na chuva é pra se molhar".
Quer coragem, pó cheira dessa carreira,
Que com isso aqui você vai ter coragem pra matar a
noite inteira. E assim foi se tornando o mais psico
da quebrada. Matava sem dor e sem dó, ossos do
ofício, só pelo pó.
A cocaína lhe fazia mais homem nessa sangria. Um
dia ele matou um homem com quinze tiros e ainda
ria. Sua mãe, sua amiga, de corrida a vida inteira, já
previa e sentia o que no futuro aconteceria.
E certo dia o jovem que era tirado pela maioria, só
por que dizia que era crente e Jesus em sua vida
sentia. Parou esse garoto e disse pra ele mudar de
vida, que aquela era sua chance que Jesus o
ajudaria. Nem deixou o crente terminar, já saiu
socando, dando coronhada na cara e na nuca do
fulano
Gritando, ta tirando, que mudar de vida, ta tirando,
quer que eu volte a passar fome, eu sou malandro.
Ele se achava mais homem que qualquer um, uns
diziam que tinha jurado um tal de Mussum. E na
noite passada sua mãe ouviu uma pá de tiro,
Saiu lá pra fora e viu o tal Mussum matar seu filho.
Saiu correndo e disse:
"Deus, cê sabe que eu fiz de tudo...
Mas ele não me ouviu e preferiu esse outro mundo".
No velório o pai e mãe chorando, poucas palavras,
Conversavam com o corpo do filho morto naquela
sala.
Sabe quanto eu lutei
Pra fazer você feliz
Eu te eduquei não tinha dinheiro
Mas te ensinei
A minha parte eu sei que eu fiz.(bis).
7
SOUZA, Jessica Renata. A incidência das mulheres no crime de tráfico de drogas na
Cadeia Pública de Toledo-PR. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Serviço
Social).Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
Campus Toledo-PR 2012.
RESUMO
O campo de estágio acadêmico proporciona ao estudante conhecer a realidade social, mas
também interagir e estabelecer relações sociais. Desta forma, possibilita ao acadêmico de
serviço social desenvolver uma atitude investigativa e, ao mesmo tempo, propositiva.
Portanto, durante a realização do estágio de formação profissional na cadeia pública de
Toledo-Paraná, através do programa pró-egresso, observou-se que 83% da população
feminina encarcerada no ano de 2011, possuíam envolvimento com o crime de tráfico de
drogas. Chama atenção o elevado índice de detenção por tal crime, o que leva ao
questionamento sobre qual tem sido a motivação dessas mulheres para se envolverem com o
tráfico de drogas. Com base nessa realidade e procurando contribuir para a compreensão de
como se apresenta o envolvimento de mulheres com o tráfico de drogas na cidade de Toledo-
PR, colocou-se o seguinte problema a ser investigado: “quais as razões que se constituem em
determinantes para o envolvimento da mulher no tráfico de drogas?”. Para responder ao
problema proposto procurou-se identificar quem são essas mulheres e que relação
estabelecem com a prática do crime de tráfico de drogas, visando também elucidar o seu
entorno social. Para alguns autores a prática desse tipo de crime, entre as mulheres, ultrapassa
o ato infracional, constituindo-se o mesmo numa oportunidade de trabalho e renda. No intuito
de buscar as explicações para o envolvimento de mulheres com o crime de tráfico de drogas
em Toledo cercou-se o presente trabalho, num primeiro momento, de uma pesquisa
bibliográfica buscando uma aproximação com o objeto de estudo. Posteriormente, no segundo
momento da pesquisa, buscou-se cercar o objeto de estudo através da pesquisa empírica onde
as falas e as explicações apresentadas pelos sujeitos da pesquisa foram de fundamental
importância para o alcance do objetivo proposto no presente TCC. Ressalta-se que, para além
do aparente, outros elementos explicativos surgiram no decorrer do processo investigativo,
considerando que o movimento é dialético e o dado não se explica por si mesmo. Como
resultado, identificou-se que a questão econômica constitui-se na principal
motivação/explicação das entrevistadas para seu envolvimento com o crime de tráfico de
drogas, haja vista que no momento de necessidade e da oportunidade de um meio fácil e
rápido de obtenção da mercadoria dinheiro, o tráfico de drogas se apresenta como uma opção
aparentemente vantajosa.
Palavras-chave: Tráfico de drogas, Mulheres e prisão.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 1 - Comparativo entre a Lei nº 6.368/76 e Lei nº 11343/06 (algumas
diferenças).................................................................................................................................28
TABELA 1 - Relação da quantidade presas por crime na cadeia pública de Toledo/PR.........40
TABELA 2 - Perfil da amostra da pesquisa – mulheres presas por tráfico de drogas..............40
GRÁFICO 1 - Percentual de mulheres presas – Brasil.............................................................37
GRÁFICO 2 – Percentual de mulheres presas por tipo de crime – Brasil................................38
MAPA 1 - Rotas do tráfico de drogas no Brasil.......................................................................30
9
LISTA DE SIGLAS
EUA – Estados Unidos da América
FMI – Fundo Monetário Internacional
LEP – Lei de Execução Penal
OEA – Organização dos Estados Americanos
ONU – Organização das Nações Unidas
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
10
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................................. 07
LISTA DE ILUSTRAÇÕES .................................................................................................. 08
LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................ 09
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
1 A CONFIGURAÇÃO DAS DROGAS NA SOCIEDADE CAPITALISTA A PARTIR
DA DÉCADA DE 1950 ........................................................................................................... 13
1.1 O USO DE DROGAS E O CONTEXTO PROIBICIONISTA ......................................... 13
1.2 O BRASIL NO CONTEXTO DA CIRCULAÇÃO DE DROGAS ................................... 21
2 DROGAS E TRÁFICO ....................................................................................................... 29
2.1 O PESO ECONÔMICO E AS PRINCIPAIS ROTAS DO TRÁFICO DE DROGAS ...... 29
2.2 PERFIL DO TRAFICANTE DE DROGAS ...................................................................... 31
3 AS MULHERES PRESAS E CONDENADAS PELO ENVOLVIMENTO COM O
TRÁFICO DE DROGAS ....................................................................................................... 34
3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................................... 34
3.2 REALIDADE BRASILEIRA DAS MULHERES PRESAS POR TRÁFICO DE
DROGAS .................................................................................................................................. 36
3.2.1 Cadeia Pública de Toledo ................................................................................................ 39
3.3 ENTREVISTAS COM AS PRESAS DA CADEIA PÚBLICA DE TOLEDO/PARANÁ
................................................................................................................................................. .40
3.3.1 Profissão e renda familiar das detentas anterior a prisão ................................................. 41
3.3.2 Motivações que explicam envolvimento com o tráfico de drogas .................................. 42
3.3.3 O processo do envolvimento com o tráfico de drogas. ................................................... 43
3.3.4 O tráfico compensa? ........................................................................................................ 45
3.3.5 A relação familiar ............................................................................................................ 46
3.3.6 Oportunidades e alternativas ........................................................................................... 47
3.3.7 O Futuro ........................................................................................................................... 48
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 50
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 53
APÊNDICE ............................................................................................................................. 55
ANEXO .................................................................................................................................... 61
11
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é compreender as razões/motivações do envolvimento das
mulheres presas e condenadas pelo tráfico de drogas na Cadeia Pública de Toledo/PR.
No Brasil, de acordo com os dados do Departamento Penitenciário Nacional
(DEPEN), 60% das mulheres presas em 2011 foram em razão do seu envolvimento com o
crime de tráfico de drogas.
Na Cadeia Pública do município de Toledo a realidade tende a corroborar os dados
do DEPEN. Essa afirmação foi comprovada quando da inserção da pesquisadora - como
estagiária do quarto ano do curso de Serviço Social da Unioeste/Toledo - no campo de estágio
do Programa Pró-Egresso.
Inserida nesse contexto foi possível observar - com base nos dados do mês de agosto
de 2012 do setor de carceragem da polícia civil - que das 26 mulheres encarceradas por
cometimento de algum crime, 19 foram detidas pelo envolvimento no crime de tráfico de
drogas, o que representa 73% da população feminina encarcerada em um só mês na Cadeia
Pública do município de Toledo.
O índice elevado de detenção, como indicado acima, chama a atenção e permite
questionar qual tem sido a motivação dessas mulheres a se envolverem com o tráfico de
drogas. Com base nessa realidade e procurando contribuir para a compreensão de como se
apresenta tal envolvimento estabeleceu-se como problema a ser investigado na presente
pesquisa “Quais as razões que se constituem em determinantes para o envolvimento da
mulher no tráfico de drogas?” Para responder a essa pergunta foi necessário analisar as
razões/motivações explicitadas nas falas das entrevistadas.
Para dar conta do objetivo principal, em um primeiro momento, identificou-se a
incidência de mulheres presas na Cadeia Pública de Toledo/PR envolvidas com o crime de
tráfico de drogas. Em seguida, optou-se por fazer uma análise relacional do perfil das
mulheres presas em virtude do relacionamento com companheiros e família envolvidos no
tráfico de drogas e, por último, fez-se uma análise dos elementos preponderantes para o
envolvimento das mulheres detidas pelo crime de tráfico de drogas.
O trabalho, estruturado em três capítulos, procura mostrar, primeiramente, a
configuração das drogas na sociedade capitalista a partir da década de 1950, destacando o
processo de construção da proibição das drogas nos Estados Unidos e no Brasil. Por segundo,
procurou-se mostrar o peso das drogas na economia e as principais rotas do tráfico de drogas
no Brasil, bem como indicar o chamado “perfil” do traficante de drogas.
12
Constam no terceiro capítulo os procedimentos metodológicos para a realização da
pesquisa, sendo esta constituída de dois movimentos. O primeiro ateve-se à pesquisa
bibliográfica, às leituras e aos fichamentos dos textos, bem como do levantamento
documental que contribuiu para caracterizar e identificar as presas da Cadeia Pública de
Toledo/PR.
O segundo movimento constituiu-se da pesquisa de campo, propriamente dita, tendo
como recurso instrumental a entrevista semi-estruturada e como delimitação do universo da
pesquisa as detentas da Cadeia Pública de Toledo em razão do cometimento do crime de
tráfico de drogas. Desse universo foram estabelecidos os critérios para seleção da amostra da
pesquisa, sendo a mesma constituída pela faixa etária - mulheres com idade entre 18 e 31 anos
- e também pelas mulheres presas não apenas em virtude do tráfico de drogas, mas as presas e
condenadas, ou seja, aquelas que já haviam recebido sua sentença condenatória. Estabelecidos
os critérios da amostra chegou-se ao número de três detentas, as quais constituíram-se a
totalidade dos sujeitos da pesquisa.
Os resultados da pesquisa empírica - sobre as mulheres presas e condenadas pelo
envolvimento com o tráfico de drogas na Cadeia Pública de Toledo - foram estruturados e
apresentados a partir dos dados coletados juntos as três entrevistadas a saber: - O perfil das
entrevistadas; - Profissão e renda familiar das detentas anterior a prisão; - Motivações que
explicam o envolvimento com o tráfico de drogas; - O processo do envolvimento com o
tráfico de drogas; - O tráfico compensa? - O tráfico no interior da relação familiar; -
Oportunidades e alternativas; - O futuro.
Ressalta-se que os dados coletados foram analisados e interpretados à luz do objeto e
dos objetivos traçados para a pesquisa procurando, com esse movimento, trazer elementos
explicativos para se entender a realidade das detentas da Cadeia Pública de Toledo, mais
especificamente aquelas envolvidas com o tráfico de drogas.
13
1 A CONFIGURAÇÃO DAS DROGAS NA SOCIEDADE CAPITALISTA A PARTIR
DA DÉCADA DE 1950
1.1 O USO DE DROGAS E O CONTEXTO PROIBICIONISTA
O problema da droga1 alcança maior relevância a partir de 1950, com o livro “A face
oculta da droga”, de Rosa Del Olmo. A autora retrata o percurso desse problema com
destaque para os anos de 1950 a 1980. Olmo (2009, p. 29) mostra que na década de 1950 o
consumo de drogas não estava elevado, pois se concentrava nos chamados “guetos urbanos” 2.
Naquela década, as principais drogas consumidas eram os opiáceos, no entanto não
havia grande preocupação com esse tipo de droga, pelo fato de que o seu uso estava
circunscrito aos “guetos urbanos”. Todavia, a abordagem do consumo de drogas pela ótica da
saúde, bem como o estereótipo drogas-prostituição-jogos já estava em vigor nesse período
(Olmo, 2009).
Em 1960, quando ocorreram várias revoltas e movimento. A droga era considerada
como criadora de dependência e por isso o discurso foi direcionado para o consumidor,
tratado como doente. Aparecem nesses anos outros tipos de drogas, dentre elas o consumo da
maconha. Nos Estados Unidos no ano de “[...] 1962 foram confiscados 850 quilos de
cannabis na fronteira mexicana, e em 1965 várias toneladas.” Neste mesmo ano a maconha,
oriunda do México e considerada de boa qualidade, ampliaria seu consumo no âmbito juvenil.
(OLMO, 2009, p. 33-34)
Em relação ao discurso da época, observava-se uma dupla construção de sentido no
que diz respeito ao consumo da droga. Trata-se do discurso, conforme a autora, “médico-
jurídico”, que estabelecia a distinção entre o consumidor e o traficante, isto é, “doente e
delinquente”. Assim, a preocupação maior não era com o consumo da droga, mas sim com a
delinquência que se concentrava na juventude, atingindo todas as classes.
Contudo, anteriormente já havia preocupações que se efetivaram na década de
sessenta. Tais preocupações diziam respeito ao combate às drogas, por meio da política
“guerra às drogas”. Para tanto, Zaccone (2008, p.75) afirma que “[...] a existência da guerra é
1 Para Vera Malaguti Batista “O problema da droga está situado no nível econômico e ideológico. Com a
transnacionalização da economia e sua nova divisão do trabalho, materializam-se novas formas de controle
nacional e internacional.” A autora mostra dois lados de uma “visão esquizofrênica” das drogas no chamado
sistema neoliberal. De um lado, estimula-se a produção e circulação desta como algo rentável para o mercado.
Por outro lado, uma visão jurídica e ideológica na qual criminaliza a droga, chamada por ela de mercadoria “tão
cara à nova ordem econômica” (Batista, 2003, p.82). 2 CONFORME Olmo (2009, p.29), os “guetos urbanos” é uma realidade dos Estados Unidos naquele momento e
estão ligados “aos negros e/ou porto-riquenhos”
14
pensada como um retumbante fracasso da política.” A insuficiência da política contemporânea
de “combate” às drogas para extinguir o “narcotráfico” e abolir o consumo de drogas ilícitas
foi somente aparência. Tal combate originou as primeiras “guerras” 3 relacionadas à droga, as
quais consistiam em disputas favoráveis ao livre comércio de tais substâncias.
Em âmbito internacional essa política, comandada pelos Estados Unidos da América
(EUA), estabeleceu-se de forma proibitiva, de acordo com a Convenção de Haia4, no ano de
1912. Porém, conforme Zaccone (2008, p.78), a marca da guerra possui um discurso que
apresenta que “[...] a droga é vista como ‘inimiga” e o traficante – objeto central de interesse
deste discurso – como ‘invasor’, ‘conquistador’ [...].
Como um dos protagonistas do proibicionismo da droga, também considerado por
Zaccone (2008, p. 80) “[...] protagonista do desenvolvimento do capitalismo moderno [...]” os
Estados Unidos, era o país com maior interesse em desacelerar o desenvolvimento dos
ingleses perante a droga, bem como o interesse no comércio. A estratégia, por meio da
convocação da Convenção de Haia, tinha como objetivo afirmar a proibição de algumas
drogas estabelecidas nesse acordo.
Todavia, os ingleses sentindo-se prejudicados,
[...] condicionaram a sua participação na Convenção de Haia à inclusão de
outras substâncias no temário do evento, tais como os derivados do ópio e a
própria cocaína, fazendo com que o ônus econômico da proibição recaísse
também sobre outros países, a exemplo da Alemanha, Holanda e França, que
comercializavam a cocaína através da emergente indústria farmacêutica.
(ZACCONE, 2008, p.80)
Percebe-se até esse momento que a política de proibição já mostrava as condições
socioeconômicas da reação ao uso e ao comércio de determinadas drogas. Nesse momento, a
maconha ainda era a droga predominante. No entanto, a heroína entrou no cenário sendo
considerada droga de “perturbação social” em países como Estados Unidos, pelo seu consumo
3 O autor retrata sobre o ópio, onde os primeiros movimentos ocorreram em 1839 e 1856, e trouxeram uma
marca de uma política que lembrava uma grande lucratividade no comércio legal do ópio. “Os ingleses
realizavam grandes lucros com o fomento da produção de ópio na costa oriental da Índia e, especialmente, com a
exportação do produto para a china, onde cerca de dois milhões de pessoas chegaram a se tornar opiómanas e as
vendas de ópio, promovidas pela East India Company, chegaram a representar a sexta parte do total de rendas da
Índia Britânica” (ZACCONE, 2008, p.77, grifos do autor). 4 “No dia 23 de Janeiro de 1912 em Haia, a Convenção Internacional do Ópio foi assinada por representantes da
China, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Irã (então, Pérsia), Portugal, Rússia, Tailândia, Reino Unido e
territórios britânicos (incluindo a Índia). Três anos mais tarde, o acordo entrou em vigor. A convenção consistia
em seis capítulos e 25 artigos. Além da questão do ópio e da morfina, que já estavam sob amplo debate
internacional, a Convenção de Haia também incluiu a discussão sobre duas novas substâncias que tinham
começado a despontar na cena mundial: a cocaína e a heroína.” Disponível em: <
http://www.unodc.org/brazil/pt/pressrelease_20090123.html> Acesso em: 27 set de 2012.
15
entre os jovens de classe média. Com isso, classificar a heroína nos Estado Unidos como
“inimigo público” permitia iniciar o discurso político de que a droga ameaçaria a ordem.
Assinala-se que, devido a essa questão, a heroína abriu espaço para um inimigo interno
dentro desse contexto. Dados desse período apontam a heroína como a droga “contra-
revolucionária” dos EUA, enquanto que, na América Latina, a maconha ostentava esse
título.
Com relação aos usuários de drogas os números apontavam que nos Estados Unidos:
[...] em 1970 havia 68 mil 894 viciados registrados, enquanto em 1971 a
cifra aumentou para 492 mil 912 heroinômanos. Evidentemente o consumo
se estendia a todo tipo de droga, não apenas de origem vegetal (heroína ou
maconha), mas também às drogas sintéticas produzidas pelos grandes
laboratórios. (OLMO, 2009, p.42)
Todavia, “[...] com o consumo de heroína se elimina, em matéria de segurança, o
inimigo interno, mas começa a surgir no começo dos anos setenta a discussão sobre o inimigo
externo, referindo-se particularmente ao tráfico” (OLMO, 2009, p.41). O discurso que muda
nesse momento faz com que o estereótipo se altere para o político criminoso ao mesmo tempo
em que se faz sentir a necessidade de não mais silenciar o problema do tráfico de droga.
Alguns países iniciam suas mobilizações com relação à “guerra” contra as drogas, dentre eles
os Estados Unidos da América (EUA).
No início da proibição, as drogas possuiam relevância com relação ao entendimento
de alguns pontos dentro da política internacional de repressão. Dentre esses pontos está a
expressão do estereótipo moral e médico, que apresentava um alvo distinto o qual associava
“[...] substâncias perigosas às classes perigosas [...]” (ZACCONE, 2008, p.81-82). Tal
expressão colocava em dúvida uma parcela da população que, com seus hábitos relacionados
a pobreza, já era habitual ser vigiada e também controlada pelos setores repressivos do
Estado.
No ano de 1962, o presidente Kenedy dos (EUA) realizou as primeiras iniciativas
quanto ao problema da droga, convocou uma conferência para discutir a ilegalidade da droga,
que resultou no “Comitê Assessor do Presidente sobre Estupefacientes e Uso indevido de
Drogas”.
Neste sentido,
[...]em 1970, é lançada uma campanha antidrogas com conteúdo semelhantes
em vários países de América latina, propaganda que vinha dos Estados
16
Unidos através de suas embaixadas, provavelmente com a finalidade – tal
como assinalaram vários autores – de incorporar os países da America Latina
no processo antidrogas de uma maneira simbólica. (OLMO, 2009, p.37)
Concomitantemente no decorrer dos anos setenta a cocaína aparece com um aumento
no consumo e maior disponibilidade. Sua produção se originava na Bolívia em 1972, época
em que o presidente Banzer assumiu o poder. O ano de 1976 foi marcado pela “epidemia”
dessa droga, em razão da sua alta produção e circulação no mercado. Entre 1977 e 1981, por
exemplo, a produção de cocaína na Bolívia aumentou 75% (OLMO, 2009, p.48).
Os responsáveis pelo discurso e divulgação do consumo de cocaína, eram os meios
de comunicação, que instigavam o seu uso, ao indicar os valores de pessoas influentes da
época. Essas pessoas eram frequentes consumidores, “[...] como, por exemplo, as estrelas do
rock, do cinema ou esportistas famosos”. (Olmo, 2009, p.49)
O estereótipo criado nesse momento era o cultural que, diferente de outros tempos,
não se mostrava negativo para o consumo das drogas. A cocaína, por exemplo, era vista como
“como símbolo de êxito”, pois quem a consumia estava no auge. No mesmo instante, destaca
Olmo (2009), aparecia fortemente a indústria de “parafernália”, divulgando em vários meios
de comunicação formas, estratégias, objetos e meios que facilitavam o seu consumo
aumentando, consequentemente, a demanda e os interesses do mercado.
Olmo (2009, p.51) ao se referir à difusão da cocaína nos Estados Unidos, aponta três
fases claramente demarcadas pelo acesso e consumo da droga. A autora indica que a primeira
delas pode ser compreendida entre os anos de 1970 a 1979, nos quais a cocaína não era vista
como um problema, mas como uma “droga social e recreacional”, cujo consumo acontecia
nas chamadas “reuniões sociais”. O período de 1978 a 1982 marca a segunda fase que,
conforme Olmo (2009, apud SIEGEL), relaciona-se à mudança da imagem dos padrões de
consumo, passando a ser consumida com maior frequência, porém misturada com outras
substâncias. A terceira fase, demarcada entre os anos de 1982 a 1984 o consumo da cocaína já
pode ser observada em “[...] todos os grupos sócio-econômicos”
As fases acima mostram que ao tempo que a mudança no padrão de consumo da
cocaína nos Estados Unidos se modificava, o discurso proibicionista também extrapolava o
mercado interno estadunidense. Para tanto, no final dos anos de 1970 o discurso antidrogas
ultrapassa as fronteiras dos Estados Unidos alcançando não apenas a cocaína, mas também a
coca, não obstante suas diferenças - uma é do centro e a outra de países periféricos.
Em 1980 a preocupação principal, apesar de evidentes mudanças no discurso, era
ainda a cocaína, embora a maconha também não tenha sido esquecida. Com relação ao
17
consumidor, no que tange ao estereótipo criado, esse deixou de ser visto como um “doente”,
passando a ser tratado como “cliente e consumidor de substâncias ilícitas”. Como citado
anteriormente, a preocupação maior era com a cocaína, esta procedente do exterior com seus
aspectos econômicos e políticos em relação ao tráfico, considerada centro das atenções neste
período (Olmo, 2009, p.55).
Paralelamente ao alargamento do consumo de drogas, o aspecto econômico da
circulação da maconha e da cocaína também passa a ser objeto de preocupação das
autoridades norte-americanas em face do “[...] impacto desorganizador dos cocadoláres nas
nações produtoras e consumidoras, que produz um nível de corrupção, violência e
desmoralização que prejudica a todos” (OLMO, 2009, p.56-57), situação essa que leva a
alterações no discurso das autoridades estadunidenses. O discurso jurídico se altera mais uma
vez.
Surge assim, para sua legitimação, o discurso jurídico transnacional. As
drogas produzidas no exterior não deviam chegar aos Estados Unidos, nem
tampouco sair do país de acordo com a política econômica protecionista da
nova Administração. [...] Não se deve esquecer que um quilo de cocaína tem
o mesmo valor no mercado do que uma tonelada de maconha. Já o
contrabando de heroína não é um problema prioritário, apesar de seu
aumento – 7% de 1979 a 1980 – ter se mantido estável desde então. (OLMO,
2009, p.58)
Com relação à maconha, embora não fosse a preocupação central daquele momento,
sua produção e qualidade cresciam em diversos países. No ano de 1982, nos Estados Unidos,
sua produção alcançava a lucrativa faixa de “10 bilhões de dólares”, além de seu cultivo ter se
estendido para 11 estados norte-americanos.
A década de 1980 marca também o ponto de partida das tratativas em relação ao
“problema da droga”. Data de 1980 o Tratado de Extradição entre os Estados Unidos e a
Colômbia, cuja finalidade era
[...] julgar dentro dos Estados Unidos os traficantes colombianos que
atentavam contra economia norte-americana. Era evidentemente outra
medida dirigida contra a cocaína, já que a Colômbia se convertera no
principal centro de processamento, mas ao mesmo tempo preparava terreno
para o futuro discurso. Discurso que no início da década responsabilizaria
os imigrantes ilegais pelo aspecto econômico das drogas. (OLMO, 2009,
p.59)
As mudanças nas características do discurso dão lugar à criação, por motivos
visivelmente econômicos, mas também políticos, ao estereótipo “criminoso latino
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americano”. Olmo (2009, p.60) destaca que este estereótipo não foi utilizado somente pelo
discurso jurídico, mas também pelos meios de comunicação, através de programas televisivos
como “Miami Vice”, por exemplo. Esse tipo de exposição contribuiu para relacionar e
identificar os traficantes de cocaína como sendo, na maioria das vezes, latino-americanos, e
mais especificamente colombianos. O uso de tal subterfúgio mascara o modelo transnacional
da droga que, evidentemente, não se utiliza apenas de traficantes colombianos, mas também
da
[...] participação dos cubanos exilados em Miami na distribuição; a
intervenção neo-nazista na Bolívia que facilitou sua industrialização, assim
como a colaboração de uma série de membros das Forças Armadas do
Continente, e os numerosos pilotos norte-americanos detidos aos buscarem a
cocaína em países produtores. (OLMO, 2009, p.60)
No contexto de um modelo proibicionista e da identificação dos responsáveis (latino-
americanos) pela circulação de drogas nos Estados Unidos data o início a “guerra contra as
drogas” no governo de Ronald Reagan, direcionada, sobretudo, contra a cocaína.
Internamente, ao tempo que se evidenciava que a droga não era problema somente
dos Estados Unidos, mas também de todos os outros países, Reagan recorre a uma política
doméstica além de táticas de combate ao uso de drogas, entre as quais a criação de programas
televisivos para adultos com temas relacionados aos usuários de drogas, até o
desenvolvimento de materiais de apoio como revistas infantis com intuito de sensibilizar as
crianças apresentando o lado ruim da droga, “[...] traficantes e consumidores como inimigos,
e as drogas como perigosas e causadoras de morte” (OLMO, 2009, p.63).
Rodrigues (2004, p. 94) em sua análise sobre o movimento da legislação antidrogas,
identifica a contribuição dada a esse processo por alguns países latino-americanos, entre os
quais o México, Argentina, Colômbia e Brasil. Para Rodrigues (2004) esses países se
destacam no desenvolvimento de ordenamento jurídicos relativos à proibição assumidos no
cenário do tráfico de drogas a partir dos anos 1970.
Aponta o autor que o México, considerado como importante produtor de maconha, é
também a via de escoamento da cocaína andina para o mercado norte-americano, sendo palco
de organizações dos narcotraficantes, bem como, na luta contra o tráfico de drogas, trampolim
para as ações dos Estados Unidos, além do apoio clandestino aos chamados “Contras
nicaraguenses” nos anos de 1980 (RODRIGUES, 2004, p.94).
A Argentina utilizará consultores militares para realizar serviço dos Contras e da
chamada narcoditadura da Bolívia, momento em que García Meza governava o país em 1980.
19
A Colômbia, segundo Rodrigues (2004, p.94), nos anos oitenta será o centro do narcotráfico,
ambiente em que aumentam as organizações responsáveis pela economia do tráfico de drogas,
sendo, portanto, alvo dos norte-americanos na guerra contra as drogas. Entre esses espaços,
uma das estratégias de combate às drogas foi a intervenção social, por meio da
“medicalização”, na qual mostrava suas origens na Europa ocidental e central, em países
como Alemanha, França e Inglaterra, que desenvolviam, do século XVII ao XIX, suas
legislações, especificando-as sobre a saúde populacional e o controle sanitário.
No plano externo, no EUA, a exigência na aplicação da lei será intensificada com a
política de combate às drogas – Guerra às Drogas. No ano de 1984, novas estratégias feitas
pelos governos surgem para reforçar a ilegalidade da droga, por exemplo, o “Grupo de
Trabalho ad hoc sobre drogas”, pertencente À Organização dos Estados Americanos (OEA).
Já em 1986, esse grupo de trabalho convoca uma reunião em âmbito continental, na cidade do
Rio de Janeiro chamada Conferência Especial Interamericana sobre Narcotráfico.
Nesse sentido, foram desenvolvidas várias operações por parte dos Estados com
objetivo de impedir a entrada das drogas no país. No Brasil a “Operação Pássaro” foi
desencadeada, pois a região amazônica era propícia para abrigar os laboratórios de refinação
da cocaína dos traficantes. Contudo, apesar de todos esses esforços, o consumo e o tráfico
cresceram, de que é exemplar o gasto econômico dos Estados Unidos - 60 bilhões de dólares
no ano de 1982, sendo que em 1980 o valor gasto foi de 47 milhões, ou seja, aumento de 30%
nos gastos -, investimento esse que cresceu consideravelmente no final da década de oitenta:
Em outubro de 1986 o Senado norte-americano aprovou uma nova lei contra
as drogas e autorizou 3 bilhões e 900 milhões de dólares para o ano fiscal de
1987, que triplicava o orçamento destinado à campanha contra as drogas em
1981.(OLMO, 2009, p.67)
Concomitante à política interna e externa dos Estados Unidos, na política de “guerra
às drogas”, data também a busca pelos responsáveis pela produção e circulação das drogas,
recaindo sobre a oferta, isto é, sobre os produtores e circuladores de drogas – tráfico - e não
sobre a demanda – consumo -, a responsabilidade “[...] com que o discurso se torna parcial
com relação ao inimigo externo, o único culpado” (OLMO, 2009, p.64).
Identificado os responsáveis, a intervenção se torna legítima “[...] diplomática,
financeira e até militar [...]”,. Dá-se como exemplo a “Operação Blast furnace” realizada na
Bolívia no ano de 1986, que também precisou combater com novas drogas, como o crack,
mais baratas e viciantes.
20
Nesse contexto,
[...] surge um novo discurso em relação às drogas, mais complexo, mas
mais coerente com os fins perseguidos: o discurso político-jurídico
transnacional”, corresponde ao surgimento do modelo geopolítico e
portanto à incorporação dos postulados da Doutrina da Segurança Nacional
ao tema das drogas. (OLMO, 2009, p.69)
Este discurso, segundo a autora (OLMO, 2009), resgatará a terminologia da palavra
“narcotics”, utilizada para referir-se à associação dos opiáceos e da cocaína, com objetivo de
legitimar e reforçar a imagem designada de “inimigo externo” e não mais apenas a droga. O
novo discurso pelo seu conteúdo geopolítico, diferente dos anteriores, não estabelece a
distinção entre doente e consumidor, delinquente e traficante, mas sim entre os países,
definindo-os como vítimas e vitimizadores.
Cuba e Nicarágua foram os primeiros países tidos, num primeiro momento, como
“problemáticos”, pois eram considerados como cúmplices no tráfico de drogas e
fomentadores do chamado narcotráfico em países da América Latina - “narcoguerrilha”
(OLMO, 2009, p. 69-70). Ressalta-se ainda, com relação a esse discurso, os movimentos
colombianos “M-19 e as FARC”, sendo o estereótipo estabelecido como criminoso no
contexto latino-americano.
Demarca-se também que o discurso antidrogas e o estereótipo do traficante latino-
americano (de modo geral) e o colombiano (em particular), na década de 1980, não se fixa
apenas nos Estados Unidos. Sua abrangência é continental e a preocupação naquele momento,
com base na produção e no consumo da droga era o narcotráfico (OLMO, 2009, p. 55/75).
A década de oitenta é significativa não apenas porque marca o início de um discurso
e de uma prática proibicionista com relação às drogas, mas também porque em nome de uma
proteção e de uma política interna e externa os Estados Unidos desencadearam um
enfrentamento às drogas, e aos países produtores, sem antecedentes na história da América
Latina (OLMO, 2009, p. 55/75).
Diante do exposto, a década de 1980 tem como característica, no enfrentamento às
drogas, o “discurso político-jurídico transnacional”, e os estereótipos criados para
responsabilizar os centros produtores de drogas em defesa de uma possível ameaça externa
aos cidadãos estadunidenses justificando, com tal discurso, ofensivas militares, invasões e a
imposição de uma política em relação às drogas, aos usuários e aos traficantes (OLMO, 2009,
p. 55/75).
21
Em que pese os malefícios das drogas, isto é, as consequencias, é preciso ter claro
que a repressão pura e simples não tem resolvido o uso e o abuso de drogas e sequer sua
produção e circulação. Nesse sentido, é preciso considerar o entrelaçamento dos aspectos
econômicos, políticos, sociais e até culturais na busca por uma política mais justa e mais
consequente (OLMO, 2009, p. 55/75).
1.2 O BRASIL NO CONTEXTO DA CIRCULAÇÃO DE DROGAS
O estudo de Rodrigues (2004, p. 94), destaca o processo da droga no Brasil. O autor
justifica o estudo do contexto brasileiro pela preocupação em analisar sob quais fundamentos
foram articulados o proibicionismo às drogas e o papel do estado, no momento em que
estabelece o combate ao tráfico e consumo de drogas como estratégia de gestão e controle
social. Como resultado, essa preocupação com as drogas se materializa em lei em 1851, com
o regulamento imperial que instituía a polícia sanitária e regulamentação da venda de
medicamentos. Nesse momento, as drogas estupefacientes e tóxicas eram entendidas como
veneno, independente da mudança de comportamento que o seu uso pudesse provocar no
indivíduo. Todavia, não será discorrido especificamente sobre leis anteriores a década de
1960.
Algumas notas relacionadas às imposições internacionais (Convenção de Haia de
1912) sobre o controle da droga indicava o lançamento de pequenas campanhas de uso ilegal,
associando-a a degradação física e moral do indivíduo. No Brasil, outras campanhas de
combate as drogas se iniciaram com a promulgação do “decreto-lei nº 159 em 1967”, que
tratava dos entorpecentes que causam dependência. Observa-se, na América Latina, no início
da década de setenta o peso do “discurso jurídico”, bem como o trato da maconha como a
“erva maldita”.
Apesar de já ser dar atenção à coca nos países produtores, o principal no
discurso era a maconha – a erva maldita como a qualificavam os meios de
comunicação – considerada a responsável pela criminalidade e a violência,
mas ao mesmo tempo pela “síndrome amotivacional”; tudo dependia na
América Latina de quem a consumia. Se eram habitantes de favelas,
seguramente havia cometido um delito, porque a maconha os tornava
agressivos. Se era “meninos de bem”, a droga os tornava apáticos. (OLMO,
2009, p.47)
22
Conforme Rodrigues (2004), as drogas eram determinadas nas normas como ameaça
à saúde coletiva e individual, argumento esse utilizado em todas as legislações posteriores.
[...] o Código Penal de 1890, primeiro da República, considerava crime
contra a saúde pública “expor à venda, ou ministrar, substâncias venenosas,
sem legítima autorização e sem as formalidades previstas nos regulamentos
sanitários” (ibidem, p.25) – crime que não recebia ainda tratamento severo,
já que a pena estipulada não era de reclusão ou de cassação de licença
profissional, mas multa entre 200 e 500 mil réis. (RODRIGUES, 2004,
p.127)
Nesse sentido, o Estado passa a intervir legalmente no comércio das drogas ilegais,
não pela via da proibição, mas pela via da ilegalidade, ou seja, “[...] a fabricação, a indicação,
a aquisição e o uso desses ‘venenos’ sem a expressa chancela estatal” (RODRIGUES, 2004,
p.127). A intervenção sanitária legal atribui totalmente ao Estado à autoridade de fiscalização
na relação médico-paciente, punindo os respectivos abusos.
A economia brasileira no início do século XX era impulsionada pela produção do
café, sobretudo no estado de São Paulo. Considerado um pólo de desenvolvimento dinâmico,
do qual extraía-se a cafeína tida como uma poderosa substância estimulante. As demais
drogas, chamadas de “venenos elegantes” (éter, lança perfume, ópio e cocaína), no início da
década de 1910, eram consumidas por ricos oligarcas; por médicos, dentistas, farmacêuticos,
pertencentes aos círculos influentes da intelectualidade da época, e também por pessoas não
tão influentes como, por exemplo, as prostitutas (RODRIGUES, 2004, p. 128).
De acordo com Rodrigues (2004, p.128), as regras do controle sanitário aparecem
nesse momento político-social, em que o Estado coloca-se à frente na constituição da
sociedade disciplinada, ocorrendo nas primeiras décadas do século XX o procedimento de
institucionalização do saber médico. A efetivação acontece com a promulgação dos códigos
sanitários, em que o Estado “torna-se receptáculo legítimo do saber médico – científico”,
sendo assim o único ente permitido a regulamentar o comércio de drogas e as políticas
públicas de saúde.
As legislações sanitárias, ao definirem as drogas como “venenos”, cumpriam o papel
normativo de dotar a base estatal legítima e os instrumentos necessários para a aplicação do
controle sobre uso de drogas (lúdico ou desejos), afirma Rodrigues (2004, p.129). Todavia,
apesar da instituição desses meios básicos, a rede de utilização de drogas controladas no
Brasil se limitava, no fim da Primeira Guerra Mundial, de acordo com Rodrigues (2004,
p.129) “[...] aos prostíbulos finos e às fumeries sofisticadas, ficando, portanto, circunscritos a
23
uma faixa muito restrita e rica da população”. Neste sentido, as drogas eram consumidas
conforme um ritual que continha seringas esmaltadas em prata e ouro, além de estojos de
couro e outros objetos relacionados.
Rodrigues (2004, p.130) aponta outro aspecto contraditório do contexto proibitivo.
Mostra que apesar da proibição da venda livre de drogas, na área de saúde, o receituário
médico, constituía-se como meio fácil para aquisição da droga almejada, já o tráfico também
incide na saúde, pois restringe aos profissionais dessa área que adulteravam receitas e
desviavam medicamentos.
[...] os médicos mantinham o monopólio para lidar com as drogas
controladas, e o Estado conquistava dois grandes campos para a intervenção
social: um sobre o mercado legal, uma vez que a norma regula as substâncias
permitidas e a própria atividade médica em si; outro sobre o mercado ilegal,
que era instaurado pela lei. (RODRIGUES, 2004, p.131).
A proibição da venda livre apresentava um espaço de ilegalidade altamente fértil
para a atuação do Estado, uma vez que o chamado consumo lúdico, que deveria ser
fiscalizado, continuava como prática habitual. Percebia-se, nesse âmbito, que os editoriais
procuravam investir na discussão sobre o controle das drogas em termos “científicos” e
sanitários (RODRIGUES, 2004, p. 131-132), ao mesmo tempo as consideráveis reportagens
registravam os acontecimentos policiais que envolviam o uso ilegal das drogas controladas.
Neste momento, o consumo em si da droga não era criminalizado, e sim a venda para
fins não terapêuticos. O que se retrata, em termo de notícias, são os suicídios decorrentes do
uso de drogas controladas, abrindo espaço para o registro de ocorrências policiais, realizadas
em alguns momentos pela polícia sanitária e polícia de costumes. De acordo com Rodrigues
(2004, p.134), no final dos anos de 1910, o que tange o consumo de substâncias psicoativas,
esse estava aparecendo em outros espaços sociais, fato que redirecionava as notícias dos
editoriais. Ao mesmo tempo observava-se a imposição de medidas repressivas e profiláticas
adotadas com urgência para evitar que os vícios se disseminassem para outras classes. Assim,
no início da década de 1920, o estado localizava um espaço propício para apoiar as
normativas contra as drogas, sendo que no ano de 1921
[...] é promulgada pelo Congresso Nacional, em 14 de julho de 1921, a Lei
Federal n. 4.294. que estabelecia medidas penais mais rígidas para os
vendedores ilegais, fortalecia a polícia sanitária nas suas prerrogativas e
reafirmava a restrição do uso legal de substâncias psicoativas (classificadas
pelo nome genérico de “entorpecentes”) para fins terapêuticos.
(RODRIGUES, 2004, p.135)
24
Nesse sentido, a lei busca investir na prisão para o condenado pelo tráfico de
entorpecentes, distinguindo as substâncias consideradas tóxicas comuns, das drogas
psicoativas. Essa alteração da terminologia apontava maior objetividade, isto é, quanto à
criminalização do vendedor ilegal essa não se reproduz sobre o consumidor, e, conforme a lei
de 1921, o usuário é considerado vítima de seu vício. Contudo, ainda que a lei apresentasse os
“entorpecentes” (opiáceos) -, depressores do sistema nervoso central, a cocaína era tida como
um excitante poderoso (RODRIGUES, 2004, p.136).
O tráfico de drogas, ou seja, o comércio ilegal significa, na lei criminal, coloca uma
parte da população à margem da cidade. Desse modo, a tática política e as medidas de
controle social e combate ao tráfico, antes ineficazes, tornam-se eficientes no momento em
que o movimento se junta com os setores mais conservadores da sociedade e o corpo jurídico
nacional, reforçando as leis práticas de proibição das drogas, anteriormente desvinculadas do
Estado. As iniciativas do Estado, no Brasil, continuam em relação à política proibicionista
provocando seu crescimento por meio do “Decreto-Lei n. 790, de 28 de abril de 1936, que
criava a Comissão Permanente de Fiscalização de Entorpecentes” (RODRIGUES, 2004,
p.139), a qual tinha como função concentrar o conhecimento estatístico sob a circulação,
produção e o comércio legal das drogas controladas.
Em 1938, as leis anteriormente citadas são sintetizadas pelo “Decreto-Lei n. 891.
Imposto pelo Poder Executivo em 25 de novembro de 1938” (RODRIGUES, 2004, p.141), o
qual institui um novo regime proibicionista. Este regime foi fundamental para o esboço das
transfigurações jurídicas sobre drogas no país, além de lançar novos padrões que fortalecem a
estratégia repressiva do Estado em relação aos temas pautados como a produção, tráfico e
consumo de drogas controladas. Isso acontecia ao mesmo tempo em que o país passava por
um momento político específico (governo de Getúlio Vargas), com regime de tendências
autoritárias, o que contribuía para o fortalecimento das legislações contra as drogas e a
imposição de medidas de controle social.
A imposição dessa lei expressava também a função de adaptar o “[...] ordenamento
interno às disposições internacionais em vigor, das quais o Brasil era parte contratante”
(RODRIGUES, 2004, p.141). No decorrer do texto da lei, apropria-se do comércio ilegal das
drogas antevistas, expondo a proibição ao cultivo de plantas precursoras (para produção das
drogas) e todo o processo de circulação, incluindo a importação, exportação, armazenagem e
posse, referente à matéria-prima, além dos produtos finais sem a liberação do Departamento
Nacional de Saúde.
25
No ano de 1941, o presidente Vargas apresenta o “Decreto-Lei n. 3114, de 13 de
março”, que delibera a composição e funções específicas da Comissão – na qual se torna um
importante indício de fato internacional do problema do controle das drogas com o objetivo
do combate ativo ao consumo e comércio ilícitos de drogas. Sendo por um lado, influente dos
convênios multilaterais de regras internas e, por outro, na aceitação do problema do tráfico de
drogas como ordenamento internacional (RODRIGUES, 2004, p.146). Essa lei reafirma o
Decreto de 1938 onde
[...] cristalizam-se duas formas de raciocínio legal que, por sua vez, resultam
em duas economias das penas: a primeira dessas relações fixa o usuário
(toxicômano) como doente, que, portanto, necessita de reabilitação por meio
de internação em clínica médico-psiquiátrica; a segunda delimita o
traficante como criminoso, o qual, por isso, deve ser submetido à
reabilitação social através do encarceramento. (RODRIGUES, 2004, p.147)
Após as alterações, a lei de 1938 apresenta fundamentos de um ordenamento
repressivo contemporâneo, que se junta às deliberações internacionais, fundantes do controle
ampliado do Estado acerca da sociedade e da imposição de uma conduta individual, utilizada
como estratégia de controle social sintético nas leis antidrogas a partir deste momento
(RODRIGUES, 2004, p. 149). Outra modificação, diz respeito à nomenclatura na qual
Rodrigues (2004, p.150) mostra que “[...] ‘entorpecente’ ou ‘estupefaciente’, cabe para as
drogas depressoras do sistema nervoso central, como o ópio e a morfina, contudo, são mal
empregadas na classificação de substâncias euforizantes, como a cocaína e as anfetaminas”.
A pequena diferença entre traficante e toxicômano, afirmada na lei de 1938, foi
substituída pela pena de prisão para cada um deles, sem nenhuma possibilidade de mudança
de condenação se em algum momento for diagnosticado a dependência química e psicológica
(RODRIGUES, 2004, p.152). Essa lei de 1971 coloca o fim ao nivelamento penal de
dependente e traficante retomando ao fundamento de dosimetria penal consolidado em 1938,
que partia da quantidade de drogas encontrada com o sujeito. Em relação à posse, a
deliberação da lei de 1938 não classifica como crime o consumo, mas a retenção de
substâncias psicoativa para comércio.
O crime de tráfico de drogas, tipificados de maneira semelhante às leis
anteriores, é considerado expressamente uma “infração contra a segurança
nacional, a ordem política ou social e a economia popular”, sendo, portanto,
subversivo e desestabilizador da normalidade social, política e
comportamental em tempos onde vigia a Lei de Segurança Nacional
(outorgada pelo governo Costa e Silva em 1969). (RODRIGUES, 2004,
p.154-155)
26
No ano de 1974, de acordo com Rodrigues (2004), institui-se por meio da Câmara de
Deputados, a Comissão Parlamentar de Inquérito com o objetivo de investigar as motivações
do uso e do tráfico das drogas consideradas alucinógenas. A reformulação da lei de 1971
ocorre em 1976, com a promulgação de outra lei que motivou o controle e a repressão ao
consumo indevido e tráfico ilícito de drogas, até a modificação em 2002. Esta lei de 1976 era
conhecida como Lei de Tóxicos, na qual objetiva reunir em um mesmo documento todas as
disposições vinculadas à repressão, ao tráfico e à prevenção do uso de drogas.
Desta forma, de acordo com o autor a palavra “combate” foi substituída pelas
palavras “prevenção” e “repressão”, considerando essas como principais preocupações da
nova regra. Outra alteração da terminologia na lei acrescentou os adjetivos: “ilícito” e
“indevido”, para identificar o tráfico e o consumo ilegal.
Mais do que mero preciosismo, essas qualificações adequavam a
nomenclatura legal brasileira à praticada internacionalmente, segundo
determinação da Convenção Única da ONU: distinguiam-se o tráfico e o uso
ilegais, para fins terapêuticos e estritamente controlados pelos Estados, dos
ilegais (todo aquele não médico). (RODRIGUES, 2004. p.157)
Para a lei, a ameaça ativa da rede ilegal da produção do tráfico e consumo da droga é
uma ameaça para o bem estar do individuo e da sociedade. Portanto, conforme Rodrigues
(2004), as “[...] ações de fabricar, produzir, remeter, adquirir, transportar, semear, preparar,
guardar, configura crime, de perigo abstrato” [...], isto é, as consequências são para
coletividade e para a própria pessoa que consome as drogas. Com efeito, afirmam-se na lei
três categorias que são “o doente, o criminoso e o usuário ocasional” (RODRIGUES, 2004,
p.159). A lei de 1976, implica nas práticas ilegais, no que se refere às drogas, a existência de
cinco sujeitos do qual destaca “a) o criminoso, traficante ilegal ou aquele que pratica qualquer
uma das ações previstas no artigo n, 12 da lei (reclusão pelo sistema carcerário)
(RODRIGUES, 2004, p.160).
O movimento brasileiro, portanto, impulsionado pela política de combate às drogas,
na qual a descriminalização do usuário ocorre via jurisprudencial cria uma preocupação com
relação à repressão, no qual é organizado um documento que se materializa em Decreto-lei.
[...] foi editado o Decreto-lei 385/68 que alterava a redação do Código Penal,
estabelecendo a mesma sanção para traficante e usuário, com a seguinte
redação para o parágrafo único do art. 281: “Nas mesmas penas incorre
27
quem ilegalmente: III – traz consigo, para uso próprio, substância
entorpecente ou que determine dependência física e psíquica”. (ZACCONE,
2008, p.91)
O idealizador do projeto da Lei de Tóxico, Mena Barreto, no ano de 1976 já afirmava
em seu discurso o modelo médico-jurídico, o qual reforçava a idéia da distinção, quando
exigia “[...] tratamento penal severo para traficantes e ‘equilibradas condenações’ para
usuários” (ZACCONE, 2008, p.91). Ainda em 1976, no discurso da proibição, outra droga
aparece como destaque - a cocaína -, apontada como droga em alta no que tange ao consumo
e disponibilidade em países como EUA superando, por sua vez, a heroína.
De acordo com Rodrigues (2004), ao mesmo tempo em que ocorre a aprovação da
Lei de Tóxicos de 1976, ocorre também a celebração de outros acordos, com países vizinhos,
chamados pelo autor de bilaterais que objetivavam a cooperação no que se refere ao combate
ao tráfico e à troca de informações sobre os sujeitos traficantes. Estes acordos foram
designados “[...] Convênios de Assistência Recíproca para a Repressão do Tráfico Ilícito de
Drogas que Produzem Dependência, os textos, sem exceção, são idênticos nos seus termos”
(RODRIGUES, 2004, p.166) qual seja, eram pactos legais que fortaleciam e reforçavam a
obrigação dos países inseridos, em dirigirem seu combate reservados ao uso e ao tráfico de
drogas, aperfeiçoando os instrumentos do poder estatal de repressão.
A referida Lei de Tóxicos, do ano de 1976 – que permaneceu em vigência até 2002 -,
efetiva a sofisticação da capacidade do Estado de intervenção na sociedade perante a
repressão às drogas, momento em que o regime militar inicia a chamada “distensão
democrática”, apresentada pelo governo do presidente Ernesto Geisel.
Contudo, as normas expressas na lei passavam por momentos de reformas que
seguiam o progresso das discussões em nível internacional e caminhavam na direção do
fortalecimento penal do tráfico e da repressão ao uso ilegal das substâncias psicoativas.
Ressalta Rodrigues (2004, p.161-162) que não é possível “[...] traçar uma linha de causalidade
direta entre um determinado regime político e a repressão às drogas, mas sim um incremento
dos instrumentos legais de controle de substâncias psicoativas que mantêm seu ritmo
independentemente dos rumos políticos específicos.” Rodrigues (2004) reforça ainda que tais
legislações, sobre a droga, devem ser compreendidas apenas como meios impulsionadores de
aparelhos de controle essencialmente úteis para a sustentação da ordem, e procuram agir por
meio de vigília estável nas relações entre a sociedade e o universo das drogas ilegais
consumidas.
28
A legislação de 1976, substituída pela materialização da Lei 11343/065, deriva da
ideologia de distinção e diferencia, ainda a conduta dos traficantes e dos usuários, cuja
interpretação, dessa diferenciação, resulta na forma de aplicar a pena, ou seja, para o
traficante o crime de reclusão torna-se inafiançável; para o usuário a detenção é passível de
fiança. As alterações podem ser acompanhadas pelo quadro abaixo.
FONTE: FILHO (2011)
As modificações apresentadas acima, segundo Filho (2011, p.03) ressaltam que a
nova lei de drogas trouxe o “[...] aumento da pena mínima para o tráfico, extinção da
agravante de associação eventual, extinção da prisão para o usuário, previsão de diminuição
de pena para o traficante eventual”.
5Esta lei “Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para
prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas
para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.”
29
2 DROGAS E TRÁFICO
2.1 O PESO ECONÔMICO E AS PRINCIPAIS ROTAS DO TRÁFICO DE DROGAS
Estima-se, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), que o crime organizado
movimenta, por ano, cerca de 750 bilhões de dólares, “[...] sendo que 500 bilhões de dólares
são gerados pelo ‘narcotráfico’” (ZACCONE, 2008, p.11). No comando desse negócio, no
aspecto político e legal, o “narcotraficante” é identificado segundo o estereótipo estabelecido
pelo discurso oficial - e exposto pela mídia -, um protótipo no qual o traficante é tratado como
um criminoso organizado, que se utiliza da violência, do poder e da riqueza adquiridos por
meio da circulação ilegal das drogas reconhecidas na legislação brasileira. Nesse sentido, a
política de repressão ao comércio de drogas ilícitas está direcionada a combater ao chamado
“inimigo” da sociedade, o qual comparando no final dos anos 1990 no estado do Rio de
Janeiro representava 60% da população presa (ZACCONE, 2008, P.11).
Segundo Maierovitch (2009), o mercado das drogas ilegais no ano de 2009 chamou a
atenção do autor, pois movimentou no “sistema bancário-financeiro internacional”,
aproximadamente 300 bilhões de dólares no ano. Uma das organizações criminosas
responsáveis por este negócio é a máfia balcânica, também chamada de máfia sérvio-
montenegrina. Esta organização é responsável “[...] pelo envio e armazenamento da cocaína
andina na Europa [...]” (MAIEROVITCH, 2009, p. 71).
A diferença dessa máfia no tocante às organizações espanholas, por exemplo, é que a
balcânica assumia sozinha os valores (dinheiro) e o transporte da cocaína obtida na América
Latina. Além disso, tal organização criminosa “[...] dominou o mercado europeu por não
trabalhar mais sob encomenda [...]” (MAIEROVITCH, 2009, 71). Outra diferença refere-se
ao valor da venda da cocaína, na qual a máfia balcânica repassa a 35 mil euros o quilo
enquanto que a concorrência (os espanhóis) vendem por 40 mil euros, bem como a forma de
entrega da mercadoria: a balcânica entrega sem espera e retirando-a do estoque; quanto à
espanhola, o valor da mercadoria deve ser pago antecipadamente, possuindo ainda prazo para
a entrega da mercadoria droga.
O mapa abaixo apresenta a rota do tráfico de drogas no Brasil, identificando os
países de fronteira e estados brasileiro que fazem parte da produção e circulação. Ainda,
conforme o mapa os estados do norte como Amazônia e Rondônia são as maiores porta de
entrada pelo fato da quase inexistência e/ou dificuldade de fiscalização. É destacado o estado
do Pernambuco, na região nordeste, que por sua área semi-árido é propenso para o cultivo da
30
maconha, que por sua vez circula pelo Brasil como é, sem alterações, utilizada para consumo
interno.
Fonte: Disponível em: <www.pessoas.hsw.uol.com.br/trafico-de-drogas4.html>. Acesso em
06 out 2012.
Observa-se conforme Oliveira (2008, p.41), que o país tem a característica de
exportar as drogas “[...] devido ao seu posicionamento geográfico, ante aos demais países da
América Latina, à sua extensão territorial [...]” dificultando dessa forma o controle por parte
do Estado, mas facilitando assim o despacho de drogas para os outros países.
31
2.2 PERFIL DO TRAFICANTE DE DROGAS
Os autores que tratam da questão das drogas apresentam várias características sobre
o “perfil”6 do traficante. Zaccone (2008), por exemplo, referindo-se aos autuados e detidos
pelo crime de tráfico de drogas informa que são
[...] homens e mulheres extremamente pobres, com baixa escolaridade e, na
grande maioria dos casos, detidos com drogas sem portar nenhuma arma.
Desprovidos do apoio de qualquer “organização”, surgem, rotineiramente,
nos distritos policiais, os “narcotraficantes”, que superlotam os presídios e
casas de detenção. (ZACCONE, 2008, p.11-12)
Conhecidos também como “varejistas”, “esticas”, “mulas”, “aviões” das drogas
ilícitas, são alvos fáceis da repressão da polícia, pois são os responsáveis pela venda da droga
no varejo e não apresentam nenhuma resistência no momento da prisão. Nesse sentido, é
possível afirmar que, primeiramente, o Estado define em lei quais as condutas serão
consideradas como crime e, em seguida, seleciona as pessoas que responderão por tal fato.
Na edição de nº 698 da Revista Época, mostra outro “perfil” de traficantes. O tema
da capa “Os novos donos do tráfico”, apresenta “Quem são os homens que, fora ou dentro da
cadeia, controlam o crescente comércio de drogas no Brasil – e imprimem gestão empresarial
a seus negócios ilícitos”. Nessa reportagem os autores Corrêa e Souza (2011, p.46) mostram
que, diferentes dos traficantes de anos anteriores, como por exemplo Fernandinho Beira-Mar,
os atuais continuam violentos, no sentido de que quando “[...] julgam necessário, mandam
matar.” Porém agem de modo considerado mais discreto e não integram facções criminosas,
ao mesmo tempo que não mantêm “exércitos” que portam armas e desafiam a polícia.
Zaconne (2008) aponta ainda outra característica relacionada à figura do
“traficante”7 identificando-a como “discriminação seletiva” em face da incapacidade do
sujeito, na condição acima, de favorecer-se da corrupção e da prevaricação.
Talvez esse fator seja o que melhor explica o fato da captura dos chamados
“chefões” do tráfico nas favelas ser tão comemorado pelo poder. “Quanto
6 Este termo é utilizado por alguns autores, como citamos por exemplo Zaccone(2008), de acordo com suas
experiências e contato direto com os envolvidos no crime de tráfico de drogas. 7 Resumidamente, considera-se traficante o “[...] autor de uma conduta “equiparada” a crime hediondo, com
garantias individuais restringidas, através da proibição da liberdade provisória, anistia, graça e indulto.” Por fim,
a maioria dos detidos por tráfico de drogas é constituído pelos chamados “aviões”, “esticas”, “mulas”,
“sacoleiros”, na qual no momento da apreensão possuem uma “carga” (autor) de tal substância ilegal, por meio
do qual tendem a obter lucros considerados insignificantes em relação ao negócio total. (ZACCONE, 2008)
32
vale uma abeca” é um jargão utilizado como freqüência nos meios policiais e
fazem referência ao valor a ser pago por um gerente ou “dono” do comércio
de drogas nas comunidades pobres quando preso. (ZACCONE, 2008, p.21)
Por fim, a maioria dos detidos por tráfico de drogas é constituída pelos chamados
“aviões”, “esticas”, “mulas”, “sacoleiros”, os quais, no momento da apreensão, possuem uma
“carga” (autor) de tal substância ilegal, por meio do qual tendem a obter lucros considerados
insignificantes no que concerne ao negócio total (ZACCONE, 2008).
Esses homens e mulheres, ou como se afirma no jargão utilizado, os “varejistas”,
“esticas”, “mulas”, “aviões” das drogas ilícitas, aparecem no cenário brasileiro nos anos de
1980, momento em que se sedimenta a política de “guerra às drogas”. Em realidade trata-se
de um “bandido” de 3ª classe, não precisando portar nenhuma arma, nem mesmo integrar
alguma organização criminosa, basta apenas possuir crédito com os fornecedores.
Além disso, os “esticas” são desprovidos do capital necessário para se tornarem
acionistas dos negócios ilícitos, transformando-se em revendedores comissionados das
drogas, oferecendo como seu único bem de valor, a própria liberdade de ir e vir.
Os “esticas”, “mulas”, “aviões” ocupam a ponta no comércio de drogas proibidas,
mas ficam com uma quantia mínima dos lucros adquiridos, quantia essa que em nenhum
momento os levará a possuir uma participação efetiva nas empresas que atuam no mercado
das drogas ilícitas.
Neste sentido, Zaccone enfatiza que
A escolha em relação às pessoas que são atingidas pela prática da conduta
descrita como tráfico de substâncias entorpecentes é algo irrefutável. Um
simples olhar pelos milhares de presos condenados por esse crime revela
que, apesar de participarem do comércio ilegal de substância entorpecente,
não passam daquilo que o criminólogo norueguês Nils Christie denominou
de “acionistas do nada”. (ZACCONE, 2008, p.23)
A estratégia do atual modelo repressivo realiza a função de intervenção no mercado,
ou seja, os varejistas são removidos da competitividade do comércio proibido, aumentando a
corrupção e consequentemente concentrando os lucros dos negócios ilícitos para aqueles
responsáveis pela lavagem do dinheiro adquirido por meio do comércio das drogas ilegais
(ZACCONE, 2008, p. 25).
Zaccone (2008) também enfatiza que é a partir dos anos de 1980 que o termo
“traficante” atribuído e utilizado para identificar os sujeitos (“varejistas”, “esticas”, “mulas”,
“aviões”) que vivem do comércio ilegal de drogas. Tal denominação ganha uma característica
33
estigmatizante, o que serve para diminuir a capacidade de compreensão/percepção do
indivíduo como pessoa/humano.
Condizente a essa compreensão, o autor afirma, ao utilizar uma comparação, que
“[...] nos anos 1970 o ‘comunista’ era o responsável por ‘degustar criancinhas’ em nosso país,
hoje o ‘traficante’ é responsável até por estimular o surgimento de favelas”. (ZACCONE,
2008, p.58). Nesse sentido identificar aquele (a) que comercializa drogas ilícitas como
traficante serve para expressar uma relação “direta” entre o sujeito que vende droga e o
estereótipo do criminoso – um verdadeiro espaço livre para as ações da polícia repressora.
Segundo Zaccone (2008), entre os que cometem ações qualificadas como crime,
somente os mais vulneráveis estarão expostos à observação e detenção, recaindo sobre os
mesmos, toda “[...] carga agressiva da sociedade [...]”, o que contribui para reduzir as tensões
sociais, ao tempo que servem também de “bodes expiatórios” da sociedade - por meio do
encarceramento ou do extermínio (ZACCONE, 2008, p. 60).
34
3 AS MULHERES PRESAS E CONDENADAS PELO ENVOLVIMENTO COM O
TRÁFICO DE DROGAS
3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A definição do objeto de estudo, qual seja, as motivações do envolvimento das
mulheres no crime de tráfico de drogas do presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) é
resultado de um processo de aproximação sucessiva à realidade das mulheres encarceradas na
Cadeia Pública de Toledo/PR, em virtude do envolvimento da pesquisadora com o campo de
estágio do Programa Pró-egresso.
A compreensão e a interpretação da realidade torna-se possível se a ela for aplicado o
processo investigativo conhecido como pesquisa. A pesquisa, constituindo-se em um
momento de investigação e descoberta da realidade é conforme Netto (2009, p. 707) “[...] um
processo sistemático de ações, visando investigar, interpretar, desvelar um objeto que pode ser
um processo social, histórico, um acervo teórico e documental”.
Portanto, se a pesquisa é “um processo sistemático de ações” isso significa que
procedimentos são adotados para a sua realização, constituindo-se os mesmos no que Minayo
(1994) chama de metodologia, querendo com o termo expressar “[...] o caminho e o
instrumental próprios de abordagem da realidade” (MINAYO, 1994, p.22), com o objetivo de
alcançar o fim proposto, qual seja, a apreensão da realidade.
A presente pesquisa procurou responder a seguinte questão: “Quais as razões que se
constituem em determinantes para o envolvimento da mulher no tráfico de drogas?” de forma
qualitativa, buscando conhecer as relações sociais e econômicas dos sujeitos envolvidos no
crime de tráfico de drogas na Cadeia Pública de Toledo.
Colocada a questão norteadora da pesquisa, a mesma foi dividida em dois momentos.
Primeiramente realizou-se uma pesquisa bibliográfica em livros, artigos, teses e dissertações,
procurando fundamentar a questão das drogas, sobretudo a partir dos últimos anos do século
passado.
Num segundo momento, procurando responder aos objetivos colocados para o TCC
foi realizada a pesquisa de campo na Cadeia Pública do Município de Toledo/PR. O universo
delimitado foi composto por mulheres presas pelo crime de tráfico de drogas, no período de
março a setembro de 2012, cujo levantamento indicou 19 mulheres.
Em razão da limitação do tempo para a realização da pesquisa, com a totalidade do
universo, optou-se pela delimitação de uma amostra, entendendo conforme Minayo (1994,
35
p.102) que uma amostra ideal “[...] é aquela capaz de refletir a totalidade nas suas múltiplas
dimensões”.
Cabe registrar que para a definição da amostra os seguintes critérios foram
estabelecidos: 1) mulheres condenadas, ou seja, que possuem sentença determinando o tempo
da pena; 2) idade entre 18 e 31 anos.
A pesquisa partiu de dados quantitativos e qualitativos. Quantitativamente, a partir
do acesso ao documento listagem de pessoas por cela, emitido em 05/09/2012, autorizado por
meio do Termo de Ciência do responsável pelo campo de estudo (ANEXO B). Apurou-se o
número de mulheres presas e condenadas pelo crime de tráfico de drogas, cuja identificação
no TCC foi feita através de uma tabela, possibilitando assim atender ao primeiro objetivo do
trabalho, qual seja, identificar a incidência de mulheres presas e envolvidas com o crime de
tráfico de drogas.
A realidade que cerca os sujeitos, delimitados do universo da pesquisa, foi
fundamental para identificar e fazer uma análise relacional do perfil das mulheres presas em
virtude do relacionamento com companheiros e familiares envolvidos no tráfico de drogas
(segundo objetivo colocado na pesquisa de campo), bem como para analisar os elementos
preponderantes para o envolvimento das mulheres detidas pelo crime de tráfico de drogas
(terceiro objetivo).
Concordando com Minayo (2004), a pesquisa de campo foi de fato uma “pesquisa
estratégica” porque orientou-se
[...] para problemas que surgem na sociedade, ainda que não preveja soluções
práticas para esses problemas. Ela tem a finalidade de lançar luz sobre
determinados aspectos da realidade. Seus instrumentos são os da pesquisa básica
tantos em termos teóricos como metodológicos, mas sua finalidade é a ação.
(MINAYO, 1994, p. 26).
Para dar continuidade a este processo da pesquisa, nos referimos ainda a Minayo
(1994, p.107) que traz os componentes do trabalho de campo, sendo um deles a entrevista
que, no presente caso, trata-se da entrevista semi-estruturada8.
Os dados quantificados das entrevistas, isto é, as respostas/informações fornecidas
pelos sujeitos da pesquisa – que correspondem às perguntas fechadas conforme formulário de
entrevista (APÊNDICE B) - foram quantificados em uma tabela, que permitiu identificar e
8 Minayo (1994, p.108) esclarece a entrevista semi-estrurada: “[...] combina perguntas fechadas (ou estruturadas)
e abertas, onde o entrevistado tem a possibilidade de discorrer o tema proposto, sem respostas ou condições
prefixadas pelo pesquisador”.
36
fazer uma análise relacional do perfil das mulheres presas em virtude do relacionamento com
companheiros e família envolvidos no tráfico de drogas - segundo objetivo do presente TCC.
A entrevista com os sujeitos foi gravada, de acordo com a autorização dos mesmos,
realizada por meio da leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(APÊNDICE A). As gravações foram transcritas e as perguntas abertas foram referência para
que atender ao principal objetivo da pesquisa: analisar os elementos preponderantes para o
envolvimento das mulheres detidas pelo crime de tráfico de drogas. Os sujeitos da pesquisa
foram identificados pela codificação: Sujeito A, B e C para com isso garantir seu anonimato.
3.2 REALIDADE BRASILEIRA DAS MULHERES PRESAS POR TRÁFICO DE
DROGAS
Segundo a Lei de Execução Penal de 1984, no título sobre estabelecimentos penais,
no capítulo VII sobre a Cadeia Pública “Art. 102 - A Cadeia Pública destina-se ao
recolhimento de presos provisórios.” Portanto, “Art. 103 - Cada comarca terá, pelo menos,
uma Cadeia Pública a fim de resguardar o interesse da administração da justiça criminal e a
permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar.”
A exclusão do convívio social, pelo encarceramento, é para alguns autores a punição
para aqueles que cometeram algum tipo de crime. É na Lei Nº 8072 de 25 de Julho de 19909
que aparece a pena para tráfico de drogas considerado um crime hediondo, cuja pena deve ser
cumprida em regime fechado, ou seja, encarceramento.
Foucault (apud Biella, 2007) ao tratar do papel das prisões afirma que:
A prisão [...] foi desde o início uma detenção legal encarregada de um
suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de modificação dos indivíduos
que a privação de liberdade permite fazer funcionar no sistema legal. Em
suma, o encarceramento penal, desde o início do século XIX, recobriu ao
mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos
indivíduos. (FOUCAULT apud BIELLA, 2007, p. 28)
Apesar da análise crítica de Focault, acerca das prisões e encarceramentos, o senso
comum tende – principalmente os que já foram direta ou indiretamente atingidos pela
violência – a reforçar um comportamento carregado de valores morais – “bandido bom é
bandido morto” ou ainda “bandido tem que morrer” -. Batista (1990, p.158), contudo, chama a
9 A LEI Nº 8.072, de 25 de Julho de 1990 “Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso
XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências”. Além da pena do cumprimento do regime
fechado o art. 2º em seus incisos tratará de outras penas como a progressão de regime, prisão temporária e
outros.
37
atenção para a importância da defesa dos direitos humanos, ressaltando que os sujeitos que
praticam crimes devem ser julgados e responder aos processos legais, porém não espancados,
torturados, tendo suas famílias humilhadas e constrangidas.
Mello (2008), por sua vez, destaca que o crescimento da violência gera também o
aumento da população carcerária e que nos últimos anos, o volume de mulheres com relação
aos homens cresceu significativamente. O gráfico abaixo mostra a realidade, por estado, das
mulheres presas no Brasil. O Paraná é o terceiro maior estado com mulheres presas,
correspondendo a 7% da população de mulheres encarceradas.
Gráfico 1 – Percentual de Mulheres Presas
Fonte: Cartilha DEPEN (2011)
Os motivos do envolvimento com o tráfico de drogas das mulheres diferem dos
homens, autoras como Biella (2007), Mello (2008) e Moura (2005), afirmam que a prática do
tráfico de drogas vai além do ato infracional, constitui uma oportunidade de trabalho e renda
para a sua própria subsistência, bem como de sua família. No gráfico apresentado abaixo,
podemos afirmar que as mulheres presas no Brasil, em sua maioria, o são pelo envolvimento
com o tráfico de drogas.
38
Gráfico 2 – Percentual de mulheres presas por tipo de crime - BRASIL
Fonte: Cartilha DEPEN (2011)
Para Biella (2007), o “ônus das políticas de prevenção e de repressão”, é maior para
as mulheres presas por tráfico de drogas quando comparado ao envolvimento dos homens em
razão da sua condição de vulnerabilidade econômica, como afirma:
Observando os contextos nacionais e internacionais, os quantitativos de homens e
mulheres presos por tráfico mostram que as mulheres estão carregando o maior
ônus das políticas de prevenção e de repressão, porque – não maioria dos casos - se
encontram em condições sócio-econômicas de vulnerabilidade e acabam se
envolvendo em atividades criminosas do tráfico de drogas. (BIELLA, 2007, p.31).
Nessa perspectiva Moura (2005) afirma que as mulheres presas pelo tráfico de
drogas geralmente não procuraram o crime, ao contrário, é o crime que chega às suas vidas.
Essa situação pode ser interpretada no contexto do que fala Zaccone (2008), ou seja, não raro
o flagrante do tráfico de drogas - momento em que ocorre a apreensão da droga - geralmente
acontece na esfera da circulação, isto é, quando do repasse da droga, situação esta em que o
indivíduo está desprovido de arma. Afirma ainda o autor que “para ser ‘sacoleiro’ de droga
39
não é preciso portar nenhuma arma e sequer integrar alguma dita organização criminosa,
bastando para tanto ter crédito junto aos “fornecedores”.
A respeito da criminalização das drogas ilegais e do encarceramento, no
Brasil, afirma Biella (2007):
[...] o tráfico de algumas drogas entorpecentes (maconha – canabis sativa, cocaína,
crack, heroína, ácido lisérgico, etc) são criminalizados no Brasil; que, justamente
por isto, existem pessoas encarceradas, e que principalmente para gestores em
saúde e em segurança pública, o uso e o tráfico representam atualmente sérios
problemas sociais (aumento da criminalidade, inchaço das prisões, etc). (BIELLA,
2007, p.14)
Nesse contexto é que se insere a criminalização das drogas, ditas ilegais, bem como
daqueles que as “traficam” cabendo, portanto, entender essa realidade no município de
Toledo/PR.
3.2.1 Cadeia Pública de Toledo
Não existe uma referência histórica oficial da implantação da Cadeia Pública de
Toledo. Assim, tomamos como referência placas de inauguração e a entrevista.
Em Toledo, em 30 de outubro de 1981, foi criada a Cadeia Pública, juntamente com
a Delegacia de Polícia. Passados trinta e um anos de sua criação, sua estrutura atual conta,
segundo Jair Antônio Wesseling10
, com 6 celas no interior do “Cadeião”11
, com capacidade
para 4 presos em cada cela, destinados aos homens, na qual no total nesta parte caberia 24
presos. Porém atualmente está com 93 presos. Existe ainda, 2 celas chamadas de “seguro”12
,
também com capacidade para 4 presos em cada uma delas, todavia está com 14 presos. Por
fim, 1 cela é destinada às mulheres, a qual possui a capacidade para 6 presas, mas até a data
dessa pesquisa a cela possuía 27 presas. Ressalta-se, ainda, que existem 5 presos chamados
de “confiança”13
, que ficam no “pátio”.
10
Jair Antônio Wesseling é investigador de polícia e atualmente é chefe da Carceragem da Cadeia Pública de
Toledo/PR. Entrevista realizada no dia 25 de outubro de 2012. Ao solicitar documentos que explicitassem o
contexto histórico da Cadeia Pública foi repassada a informação de uma possível inexistência destes. 11
Segundo Wesseling esta parte é destinada à ala masculina. 12
Gíria da cadeia, é destinado a abrigar presos com rixa com outros presos, presos com dívidas de drogas,
delatores, casos de estupro e demais crimes que não são bem aceitos no convívio do Cadeião. 13
Os presos de “confiança” realizam trabalhos de manutenção e conservação da estrutura da delegacia.
40
A tabela abaixo representa a quantidade de mulheres presas em Toledo e os crimes
os quais cometeram. Estes dados significam o universo da pesquisa. Diante dos dados
apresentados observa-se que 73% das presas na Cadeia Públicas têm como motivo o
envolvimento com o tráfico de drogas.
Tabela 1 – Relação das presas por crime
DELITO Nº DE PRESAS
Crimes por tráfico de drogas e
agregação ao tráfico de drogas
19
Crimes contra o patrimônio 5
Crimes contra a pessoa 1
Crimes de particular contra a
administração pública
1
TOTAL 26
Fonte: Dados da pesquisa – SOUZA (2012)
3.3 ENTREVISTAS COM AS PRESAS DA CADEIA PÚBLICA DE TOLEDO/PARANÁ
No decorrer deste trabalho discutiu-se sobre os elementos preponderantes que
levaram as mulheres a se envolverem no crime de tráfico de drogas. Para realizar a análise da
questão citada optou-se por entrevistar as mulheres presas e condenadas pelo crime de tráfico
de drogas, com idade entre 18 e 31 anos.
Visando proteger o anonimato das entrevistadas suas falas serão identificas através
das letras A, B e C, cujo perfil é informado na tabela abaixo.
Tabela 2 Perfil das entrevistadas.
Fonte: Dados da Pesquisa – SOUZA (2012)
ENTREVISTADAS IDADE ESCOLARIDADE/SÉRIE ESTADO
CIVIL
FILHOS NÚMERO
DE FILHOS
A 20 Ensino Fundamental
Incompleto – 5ª
Solteira Não 0
B 31 Ensino Médio Incompleto –
1ª
Solteira Sim 1
C 23 Ensino Fundamental
Incompleto – 7ª
Separada Sim 1
41
Buscou-se através das falas dos sujeitos compreender e esclarecer o problema:
“Quais as razões que se constituem em determinantes para o envolvimento da mulher no
tráfico de drogas?” deste trabalho. As questões e suas respectivas respostas foram elencadas e
apresentadas nos itens abaixo.
3.3.1 Profissão e renda familiar das detentas anterior a prisão
Eu não tinha nenhuma renda, era o tráfico mesmo, sério mesmo,
tirava em média uns 2.000 limpo por mês, mas nunca aproveitava,
nunca via esses 2.000. (SUJEITO A)
Eu trabalhava numa gráfica [...] fazia de tudo, serviços gerais,
atendia [...] mas o dinheiro não dava, era muito pouco, eu tive que
traficar pra ganhar mais [...] Uns 2.000 reais por mês (SUJEITO B)
[...] trabalhei de babá, faxineira [...] nesses ai eu tirava 150 em um
mês. [...] mas minha opção mesmo foi o tráfico, [...] dependendo se eu
levava a droga pra fora ai eu tirava mil mesmo, se eu levava normal,
dois, três mil, num dia às vezes (SUJEITO C)
Conforme pode ser observado na fala das entrevistadas percebe-se que duas detentas
tinham outro tipo profissão além do tráfico (serviços gerais e babá). A outra afirmou que seu
primeiro e único emprego foi o tráfico.
O sujeito B destaca que ingressou no tráfico a fim de complementar a renda familiar,
pois mesmo possuindo um trabalho formal, com carteira assinada, precisava sustentar sua
casa com filha e a casa de sua mãe. Neste sentido, podemos comparar a renda obtida com o
tráfico, que na maioria dos sujeitos era de aproximadamente R$ 2.000,00, com o atual salário
mínimo que segundo o DECRETO 7.655, DE 23/12/201114
corresponde ao valor de R$
622,00. Para muitos brasileiros esse salário é insuficiente, pois não atende as necessidades
básicas.
14
Este salário mínimo entrou em vigor em 01/01/2012 conforme o Tribunal Regional do Trabalho – 3ª Região
Minas Gerais. Fonte: http://www.trt3.jus.br/informe/calculos/minimo.htm.
42
3.3.2 Motivações que explicam envolvimento com o tráfico de drogas
Em relação às motivações que levaram os sujeitos da pesquisa a se envolverem com
o tráfico, observamos que a condição econômica foi determinante. Porém, cada sujeito possui
um contexto que explica o seu envolvimento com o tráfico.
influência de amigos, foi assim, eu comecei a estudar [...] conheci
uma menina, através dessa amiga fui se envolvendo na casa dela,
tinha 11 anos, era muito entra e sai, [...] ela falava: [o] “que você
vê aqui não pode sair daqui, entendeu?” [...] eu via mexendo com
aquilo, comecei a pedi o que é, e em seguida ela foi me explicando
[...] ela falou: esse aqui é pedra de crack. Foi me explicando, eu via
tudo aquilo, entendia tudo, a droga tava tudo exposta [...] fui vendo
ela ganha dinheiro [...], a minha amiga tinha roupa pra sair, eu não
tinha, tinha dinheiro pra sair e eu não tinha, às vezes quando eu
dormia na casa dela ela saia e eu ficava [...] cuidando dos
irmãozinhos dela porque ela tinha dinheiro e eu não [...] eu queria
andar bem arrumada, bem vestida, sempre fui bem vaidosa,
entendeu! Eu via minhas amigas andando e pensava porque eu não?
Se eu também podia, [...] eu comecei a fica olhando curiosa [...] e a
falar pra ela que eu queria aquilo, ela veio e falou: você quer? E eu
falei eu quero, mas eu não tenho lugar pra fazer isso [...] ela falou,
pode ser aqui mesmo [...] era uma casa, um lote, onde entrava e
saia drogados, viciados. (SUJEITO A)
Por causa do dinheiro, porque eu tinha que sustentar a minha mãe e
a minha casa com a minha filha [...] tinha que sustentar as duas
casas [...] ganhar mais [...] eu precisei de dinheiro, começou a
apertar e eu precisei fazer. Eu tinha amigos que vendiam [...] via
que eles ganhavam dinheiro, esbanjavam dinheiro [...] me interessei
também” . (SUJEITO B)
43
ai meu Deus, é difícil falar essa, o começo de tudo foi, quando um
dia meu irmão pediu pra mim (já tava trabalhando) e ele queria
comer uma banana que vizinha tava comendo, pedi pra ela da uma
pra ele, ela falou que não era pra mim roubar [...] primeira coisa
que eu fiz na minha vida foi roubar [...] onde eu entrei no tráfico,
[...]roubei a banana pro meu irmão comer, eu admito que eu roubei
uma banana mesmo pra ele comer [...]a partir daí, onde surgiu o
tráfico na minha vida [...] até ai eu não tinha conhecimento de
nenhum tipo de roubo, tráfico, matar, [...] pra mim vinha tudo fácil,
tinha quinze anos. (SUJEITO C)
O sujeito A teve uma aproximação com a circulação e comércio das drogas precoce,
ou seja, com a idade de 11 anos. Observava que sua amiga, sempre tinha bens materiais
interessantes, como por exemplo, roupas e participação em festas, situação essa que fazia a
pesquisada sentir-se inferior pelo fato de não possuir as mesmas possibilidades de acesso a
esses bens de consumo. Assim, encontrou no tráfico de drogas um meio para suprir esse
sentimento de “não poder/ter”.
Em relação ao sujeito B, a entrada no crime não foi precoce e se deu pela necessidade
de subsistência da família.
O sujeito C explica que o seu envolvimento com o tráfico de drogas deve-se, em um
primeiro momento, ao fato de ter-se envolvido com pequenos furtos. Nesse sentido é possível
constatar a correspondência da explicação dada por Biella (2007, p. 141-142) ao afirmar que a
inserção de mulheres no tráfico de drogas “[...] não se dá pelo lado mais violento [...]”, mas
sim através, do chamado por ela, ato tradicional do comércio.
3.3.3 O processo do envolvimento com o tráfico de drogas.
Era um movimento, peguei e comecei, lembro que minha amiga me
deu 13 pedras e falou dá 100 pra mim e pega 30 pra você e naquilo
comecei e fui vendo que eu queria mais, queria mais, fui aumentando
a quantidade até a hora que eu fui ver eu tava envolvida até o
pescoço, todo mundo me conhecia já. Era 10 reais cada pedra, 100
era dela e 30 era meu, imagina eu ganhava 30 real, e pra mim já era
44
uma alegria pra quem tava começando era uma coisa boa tá no meio
de tanta gente, todo mundo envolvido, pessoas fortes, pessoas que
outras pessoas tinha medo [...] fui se envolvendo”. (SUJEITO A)
Foi assim, tinha os parceiro né, que anda pá, que fornece, comecei
trabalhando pra aquela “pinha”, depois eu trafiquei sozinha [...]
peguei e fui, de cara limpa, foi com as viagens que eu cresci [...] o
tanto que eu vendia, recebia tanto e fiz o meu próprio negócio [...] a
influência foi eu mesma, porque na verdade não tem ninguém que
coloca você nesse lugar, vai da pessoa, porque se a pessoa fala
“vamos lá comigo traficar” , jamais você vai falar que quer, então
não tem, eu mesma que quis, hoje eu me arrependo, me arrependo
mesmo [...] (SUJEITO C)
Os sujeitos da pesquisa retrataram seu processo de envolvimento, apresentando de que
forma era a sua participação na circulação e comércio da droga. Ressalta-se neste ponto que a
droga para comercialização era obtida por uma pessoa responsável pelo negócio, contudo não
se pode afirmar que se trata de “grandes negócios”, com “grandes lucros”. Antes, trata-se do
que aponta Zaccone (2004), no sentido de que a maioria dos detidos por tráfico de drogas é
constituído pelos chamados “aviões”, “esticas”, “mulas”, “sacoleiros”, constituindo-se em
“presas fáceis” do sistema.
Em contraponto, os grandes traficantes, os proprietários dos negócios,
Preferem atuar como homens de negócios e comandam, foragidos ou dentro
da cadeia, verdadeiras redes empresariais da droga. Eles cruzaram as
fronteiras de nações vizinhas, se instalaram por lá e, com a proteção de
autoridades locais corruptas e diante da leniência do Estado brasileiro,
inundam as cidades do país todos os anos com toneladas de cocaína e pasta-
base de coca [...] De suas bases montadas no Paraguai, na Bolívia, na
Colômbia a até mesmo na Venezuela, terceirizam boa parte dos serviços,
como o refino da coca, a remessa e a distribuição da droga no Brasil. (p.48,
Época)
A respeito do trabalho realizado por mulheres, nos negócios com drogas ilegais,
Moura (2005, p.62), referindo-se ao sociólogo Mingardi, pesquisador da Unesco, afirma que
entre os trabalhos por elas realizados está o contato direto com os compradores, o transporte e,
em alguns casos, o trabalho de misturar a pasta-base com bicarbonato.
45
O sujeito A em sua fala destaca que com o tráfico é possível ter contato com
“pessoas fortes, pessoas que outras pessoas tinha medo”. Sobre isso, Faria (2009, p.16) traz
que “[...] o tráfico de drogas estabelece relações sociais fortemente estruturadas dentro, não só
do grupo de traficantes da mesma facção, mas em toda comunidade a qual pertence o
traficante [...]”. Dando continuidade a exposição da autora, tal comunidade tem um
reconhecimento, no sentido de que o traficante é considerado como poderoso, protetor e
detentor do direito e punir e assim é legitimado e respeitado como aquele que chefia, coloca
regras de convivência entre todos.
3.3.4 O tráfico compensa?
Não compensa porque quando você ta na rua você ta ganhando
dinheiro, festando, bebendo, usando droga com os amigos entendeu?
Pra você tudo é bom, mas depois que você vai presa [...] passa pelo
sofrimento atrás das grades, só Deus sabe o que que é. [...] ganhei
muito dinheiro, [...] 2.000 real bem dize por mês [...] não investi em
nada, não soube investir o dinheiro que eu tive, se você pedir pra mim
‘o que você tem’? [...] hoje não tenho nada, consegui comprar
algumas coisas quando fui morar com o meu ex marido, comprei uns
móveis, mas hoje eu já não tenho mais nada [...] depois que eu vim
pra cá eu vendi tudo porque precisei, mal tinha o dinheiro do
advogado. [...] eu falo pra qualquer um [...] depois de tudo que eu
passei, depois de oito anos traficando, hoje eu sei o crime não
compensa. (SUJEITO A)
Não, não compensa. É um dinheiro que você não faz nada com ele.
Você ganha hoje mil, amanhã você gasta mil e 500, dois mil, não
compensa. Você ganha bastante e gasta bastante. Tudo que eu investi
eu perdi, tive que vender de novo pra pagar o advogado, tinha casa,
lote, mas tive que vender pagar contas que ficou pra trás. [...] é uma
coisa que não tem lucro, não tem retorno, Hoje eu me arrependi,
porque se eu tivesse trabalhando no meu serviço só eu não teria vindo
presa. (SUJEITO B)
46
não compensa, perdi a metade da minha vida, metade da minha
adolescência [...] passava madrugadas e madrugadas vendendo
droga, correndo da policia [...] pra mim não teve vida nenhuma. [...]
só que eu dei um futuro melhor pra minha família depois desse tempo.
(SUJEITO C)
Quando perguntadas se o trabalho com o tráfico de drogas compensava as três
entrevistadas foram unânimes ao afirmarem que tráfico de drogas não compensa. Ressaltam
que, mesmo obtendo lucro e tendo uma certa facilidade para obter o que desejam, com a
mesma facilidade perdem tudo, sobretudo ao serem presas quando há gastos com advogado
para realização de defesa no processo.
Destaca-se da fala do sujeito C que, mesmo tendo afirmado que o tráfico de drogas
não compensa, pois perdeu momentos (fases) de sua vida, como a própria adolescência, por
outro lado, foi possível garantir a sua família um “futuro melhor”.
3.3.5 A relação familiar
antes morava eu a minha mãe, meus irmãos, quando comecei se
envolver minha mãe começou ver também e trabalhava, eu nunca
escondi e sempre contei tudo pra dela, ela começou ver, eu saindo
pras festas, e ela ficava em casa. [...] os drogado viciado iam lá em
casa buscar droga, ela começou ver e pega também, sabia onde que
eu guardava e começou a se envolver [...] foi onde toda a minha
família se envolveu nisso. [...] quando eu cai eu fui presa na minha
casa [...] quatro meses a minha irmã [...] depois mais quatro meses a
minha mãe foi presa, quase todo mundo na mesma época (SUJEITO
A)
[...] minha mãe, meu irmão moravam outro lugar, mataram esse meu
irmão que morava com a minha mãe esse fim de semana, agora ficou
mais difícil ainda, ele não tinha envolvimento, mataram ele na
covardia. Minha mãe [...] nunca vai abandonar a gente, só ela, e ela é
daqui, quando eu preciso de alguma coisa é ela que vem trazer, peço
47
pra comprar alguma coisa [...] minha filha vem me visitar. (SUJEITO
B)
Minha mãe [...] Ela não tinha a opção de falar, ela também gostou
então, mas não se envolveu. A minha filha vem me visitar, eu sinto
falta dela. (SUJEITO C)
Nas relações familiares, no caso do primeiro sujeito é retratado que além do seu
próprio envolvimento, a família (mãe, irmão e irmã) também envolveu-se com o tráfico,
encontrando-se também presa. O irmão além do envolvimento com o tráfico, também é
usuário.
Com relação às entrevistadas B e C, um fato que chama atenção é o homicídio dos
respectivos irmãos, todavia elas afirmam não serem decorrentes do envolvimento com as
drogas. Outro aspecto também a ser destacado é acerca do recebimento de visita de familiares
na Cadeia. As entrevistadas que possuem filhas afirmam a importância delas em suas vidas,
uma até chega a ressaltar que, mesmo recebendo visita da filha, sente muita a sua falta.
Souza (2010) ao discorrer sobre a importância da família, ressalta tratar-se de um dos
pilares que ajudam a amenizar a dura realidade, bem como se define no alicerce que dará um
norte para a vivência e as futuras relações dos sujeitos na sociedade.
3.3.6 Oportunidades e alternativas
[...] fiz curso de informática aqui dentro, já é um bom passo, porque
hoje em dia o trabalho la fora exige [...] a gente fez também curso de
Culinária; um monte de curso que vai dar pra aproveitar [...] com
certeza essas atividades vão contribuir bastante (SUJEITO A)
Isso que vai ser difícil, não tem .... tem que esperar (SUJEITO C)
Quando o sujeito A fala a respeito dos cursos realizados durante o período da prisão
está se referindo ao “Projeto Recomeçar”15
(2011). Esse projeto surgiu por iniciativa do setor
de serviço social do Conselho da Comunidade da Comarca de Toledo em parceria com o setor
15
Este Projeto foi escrito pela Assistente Social Leidiane Penso, que atuava no ano de 2011 na Cadeia Pública de
Toledo.
48
de Responsabilidade social da empresa Prati Donaduzzi com o objetivo de atender uma
necessidade urgente da Cadeia Pública de Toledo – a superlotação da ala feminina.
Na tentativa de minimizar esses efeitos o Projeto Recomeçar, que visa realizar
atividades ocupacionais como palestras, oficinas diversas, curso de informática,
profissionalização, orientação sobre como ingressar no mercado de trabalho, atividades
motivacionais, cinema, terapia, para diminuição do tempo ocioso dentro da cela, gerar
remição de pena e também cuidar da saúde das detentas no que tange a orientação para
prevenção de doenças (TOLEDO, Projeto Recomeçar, 2011).
3.3.7 O Futuro
os meus planos para o futuro, sinceramente, é ir embora desse lugar,
se Deus quiser eu to indo, construir a minha família, arrumar um
marido de verdade, ter os meus filhos que sempre foi o meu sonho,
trabalhar. Sinceramente eu não penso mais nesse negócio de traficar,
quero sair daqui quero trabalhar, ser feliz entendeu? Poder
conquistar o que eu quero, com o meu esforço, com o meu suor, poder
chegar em casa e falar hoje eu to cansada, mas graças a Deus to
vencendo (SUJEITO A)
Nunca mais se envolver com isso pra nunca mais precisar voltar pra
esse lugar, pela situação que nós vivemos ali, não tem condições. [...]
ali dentro a gente fica esquecida da cabeça, muita coisa você esquece,
fica meia oca porque é muita conversa, se alguém te maltratar [...]
você tem que ficar quieto, guarda aquilo lá pra você, isso daí
prejudica a sua saúde, quem pensa bem não volta mais. [...] Quero
trabalhar honestamente. (SUJEITO B)
Arrumar um serviço, cuidar da minha filha, reconquistar tudo o que
eu perdi e seguir a minha vida, pra frente aí eu não sei [...] (SUJEITO
C)
Souza (2010), falando a respeito da importância da reinserção social de detentas,
destaca a necessidade do envolvimento/engajamento da sociedade no processo, como afirma:
49
Não se pode querer fechar os olhos para tal situação é necessário que algo
seja feito para diminuir tal estatística. Algumas instituições têm
desenvolvido projetos de intervenção a fim de contribuir de alguma forma
para elucidar este mal. Somente as leis não são suficientes para amenizar tal
problemática, é preciso que a sociedade denuncie o uso e o tráfico. A
sociedade deve estar engajada em desenvolver projetos que retirem essas
mulheres do mundo das drogas e lhes mostrem um novo horizonte.
Durante as falas dos sujeitos da pesquisa, no que tange o seu futuro, percebe-se que
um dos anseios comuns entre as entrevistadas é o de encontrarem um emprego formal como
forma de subsistência. Além de outros planos como a constituição de uma família com filhos.
Ainda afirmam a vontade de sairem o mais rápido possível de lá e encontrarem alternativas
para que não retornem à situação de precariedade de condições estruturais, como a
superlotação.
Quanto ao sujeito C, apesar de afirmar planos para o futuro demonstra uma certa
insegurança, incerteza quanto ao que está por vir.
50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As legislações sobre a proibição das drogas são historicamente modificadas
conforme o contexto da realidade. Inicialmente em âmbito internacional os consumidores de
drogas eram considerados “doentes” e os responsáveis pela produção e circulação de drogas
eram os “delinquentes”. Os Estados Unidos da América (EUA) foram um dos países a tomar
as primeiras iniciativas de proibição, promovendo ações e discussões sobre a ilegalidade das
drogas, bem como o convencimento da sociedade por meio da difusão do medo e da
insegurança – drogas: “substâncias perigosas”.
O século XX, sobretudo o seu final, é bastante significativo porque marca de forma
clara a pauta de um discurso e de uma prática proibicionistas no tocante às drogas, mas
também porque em nome de uma proteção e de uma política interna e externa os Estados
Unidos desencadearam um enfrentamento às drogas, e aos países produtores, sem
antecedentes na história da América Latina (OLMO, 2009, p. 55/75).
Liderados pelos EUA, os países ocidentais não hesitaram em ratificar tratados E
Convenções proibitivos e condenatórios sobre os diversos tipos de drogas consideradas
“ilegais”, “perigosas” e ameaçadoras à sociedade e aos bons costumes.
Neste contexto, a presente pesquisa buscou compreender os elementos
preponderantes para o envolvimento das mulheres no tráfico de drogas na Cadeia Pública de
Toledo, bem como identificar a incidência dessas mulheres nesse espaço. A pesquisa
documental, através da Listagem de presos por cela, permitiu constatar que 73% das presas
são pelo crime de tráfico de drogas. Este índice, bastante alto na comparação com as mulheres
detidas na Cadeia Pública, foi o elemento central que desencadeou o interesse pela presente
pesquisa.
A análise relacional entre os sujeitos da pesquisa e suas respectivas famílias apontou
que apenas uma das famílias das entrevistadas acabou por se envolver com o mesmo tipo de
crime.
Ressalta-se que, de todas as informações obtidas junto às mulheres presas e
condenadas pelo crime de tráfico de drogas, a explicação presente na fala de todas as
entrevistadas é a questão socioeconômica.
O sujeito A em sua fala, expôs que iniciou cedo no tráfico de drogas, pela vivência
em um local em que ocorria a circulação das drogas e por entender que a amiga tinha tudo o
que queria através daquele comércio. Partiu desse contexto o seu interesse com o negócio,
sendo que neste local teve a oportunidade de conhecer como funcionava o processo da venda.
51
Assim, percebe-se que seu envolvimento com o tráfico foi motivado pelo desejo do consumo,
o que remete diretamente à questão econômica.
O sujeito B possui um contexto diferente, pois ao ter que sustentar a família em duas
casas, e ao mesmo tempo, percebeu que só com o salário do trabalho formal não era possível,
assim, iniciou-se tráfico de drogas como uma forma de obter outra fonte de renda.
Na fala do sujeito C, apresenta-se também o elemento econômico, embora a
explicação dada para o início do seu envolvimento com o tráfico tenha sido através do furto.
Consequentemente envolveu-se na criminalidade e com o comércio de drogas, encontrando
nesse meio uma forma de “dar um futuro melhor” para sua família.
As constatações acima permitem concordar com a afirmação de Cruz Neto (2001),
em que o autor, discorrendo sobre a multiplicidade de motivações, afirma:
adotar uma resposta única e lapidar sobre as motivações que os
levaram a desenvolver e a praticar essa opção constituir-se-ia uma
atitude demasiadamente superficial e injusta, sobretudo diante da
origem notadamente pluricausal do problema” pois, “os depoimentos
evidenciam que as motivações imiscuem-se e interagem (...). O que
eles relatam é a multiplicidade concomitante de várias situações de
vulnerabilidade pessoal e social (GUIMARÃES, 2004 apud CRUZ
NETO et AL. , 2001, p.124/129).
Grande parte dessas mulheres não gostaria de retornar ao crime, mas a falta de
perspectivas com relação ao futuro, oportunidade e políticas públicas voltadas para essa
realidade contribuem para a reincidência.
Observou-se no decorrer do processo investigativo que as expressões da “questão
social” latentes no universo investigado decorrem, em grande medida, da falta de
oportunidade para o trabalho, da falta de acesso à educação, da falta de acesso à alimentação,
ou seja, da falta de acesso às condições mínimas para uma vida digna. Ainda mais, se essa
constatação refere-se ao ambiente externo à Cadeia Pública, dentro dela não é diferente, ao
contrário, não raro as mulheres encarceradas na Cadeia Pública têm seus direitos violados em
razão da precariedade da situação em que se encontram reclusas.
Diante disso, a presença do profissional do Serviço Social no espaço como a Cadeia
Pública é de extrema importância. O assistente social atua nas expressões da “questão social”
por meio da elaboração, execução e avaliação de planos, programas e projetos. Neste sentido,
o Projeto Recomeçar, criado e desenvolvido por uma assistente social, teve como objetivo
52
proporcionar meios para proteger os direitos dessas mulheres de forma a evitar sua
reincidência no crime.
Ressalta-se ainda que para além das condições apresentadas sobre o tema nessa
pesquisa, existem lacunas que merecem atenção e investigação, uma vez que este estudo
configura-se como a primeira aproximação à temática, aspecto esse que torna possível o
surgimento de novas investigações, visando contribuir não só para ampliar a compreensão
dessa realidade, mas, sobretudo, ajudar na proposição e criação de alternativas ao
encarceramento.
53
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